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O Recomeço

A história dele tem início aos seus 25 anos mortais, quando este desperta em meio aos
destroços de uma carruagem que aparentemente, tentava chegar ao seu destino atravessando
a estrada que cortava uma extensa floresta. Além dos cavalos dilacerados, na medida que a luz
do luar se revelava por entre as nuvens, também pôde ser avistado corpos mortais; dois
homens, uma mulher e dois jovens “um menino e uma menina”... a maioria provavelmente
nobres ao julgar pelas suas vestes, com exceção de um dos homens que possivelmente seria o
condutor. A visão era horrenda, chegando a fazê-lo sentir náuseas, onde só então notou o
gosto de sangue em sua boca. A princípio, pensou ser algum ferimento interno causado pelo
“acidente”, porém essa suspeita viria a ser descartada posteriormente.

E lá estava ele, o único sobrevivente, que trajava o mesmo tipo de veste da maioria ali
presente, portando o mesmo brasão, sem saber o que aconteceu, sem saber em qual direção
seguir, sem saber se quer seu próprio nome. E ali permaneceu, por alguns minutos inerte,
preso em seu solitário e vazio pensamento, em busca de não apenas respostas, mas sim das
perguntas corretas a serem feitas, até que eis o silencio da floresta é rompido por um sorriso
sádico. Um homem de aparência imponente e marcante se revela; dizendo que não há
sobreviventes esta noite, visto que “eu” não poderia mais ser considerado um ser vivo.
O homem diz que irá revelar tudo o que é preciso saber sobre minha nova não vida, mas que
sobre a vida que eu levava quando estava vivo, terei de descobrir sozinho. Sem muitas opções,
eu o seguiu até seu abrigo, onde minha mente “até então vazia” foi preenchida com muitas
novas informações sobre o mundo cainita e sobre o que eu havia me tornado.
Bastou pouco tempo para aprender o básico sobre como levar uma vida noturna, de certa
forma foi fácil absorver tanto conhecimento em tão pouco tempo, contudo, ainda havia
lacunas do meu passado a serem preenchidas, e eu precisava de um nome. Foi então que
comecei a explorar mais a cidade em busca de lembranças, com toda cautela que me havia
sido orientado, procurando esconder o rosto e não chamar atenção.
Certa noite, em uma de minhas explorações nas regiões mais afastada da cidade, acabo por
me deparar com uma senhora “serviçal humana” que esboça uma mistura de reações de
surpresa e pavor ao ver meu rosto, eu sabia que ali encontraria respostas. A surpresa foi fácil
identificar por ela revelar em seguida que não esperava que eu estivesse vivo depois “daquilo”.
Quanto a reação de pavor ainda não estava claro o motivo, mas resolvi explorar aquele medo
para conseguir respostas, e a primeira delas foi força-la a me chamar pelo meu nome, que pela
“primeira vez” ouvi ao dizer Adaro Vallgard.

Agi com cautela ao extrair o máximo de informações daquela mortal sem que ela percebesse
a minha ausência de memória. Entretanto, não creio ter sido verdadeiramente convincente
aos olhos ela, pois aquela humana realmente sentia medo de mim e esperava pelo pior, o que
me fez pensar em que tipo de pessoa eu era.
Os anos se passaram e eu finalmente consegui me reestabelecer na minha antiga vida,
considerando minha nova não vida. Para meus vassalos, eu supostamente me trancava
durante o dia em uma área do meu castelo onde estudava e praticava medicina, local este
onde era utilizado para torturas pelo meu eu do passado. À noite, já afiliado a um grupo de
médicos, eu saía para realizar atendimentos onde conseguia explorar e aperfeiçoar minha
paixão, a criação.
A Criação
Dentre todas as novidades que me foram apresentadas, a que mais me fascinou foi a
chamada Vicissitude, disciplina que me fora ensinada por meu senhor e que me trouxe um
pouco de vida a meus olhos mortos. Se o antigo Adaro era guiado pela destruição, o novo é
movido pela criação. O desejo de aprender e experimentar novas formas de criação, de
aperfeiçoar minhas habilidades e de me superar cada vez mais, preencheu todo o vazio que
meu passado esquecido deixou. E este novo caminho que escolhi seguir me distanciava dos
demais Tzimisce cujo não conseguiam enxergar a beleza que havia neste tipo de criação, e cujo
não demonstravam nenhum apreço pelas suas próprias obras de arte.
Por outro lado, meu senhor, Darlosth ainda era uma grande incógnita para mim, ora agia
como a maioria de seu clã, ora me surpreendia demonstrando complacência e sensatez. Este
parecia se divertir ao me observar, vendo-me olhar meu reflexo tendo a sensação de outra
pessoa estar me observando, alguém aprisionado e que eu temia que um dia pudesse se
libertar, alguém cruel, cujo sorriso sádico eu não poderia corresponder.

Alguns anos já haviam se passado, cada vez menos eu dependia das orientações de meu
mestre, e cada vez mais eu aperfeiçoava minhas habilidades como médico e artesão, mas
ainda faltava algo, apenas curar enfermidades e moldar de maneira cirúrgica falhas corporais
de origens distintas não estavam satisfazendo meu desejo, eu queria um desafio, eu queria
testar o quanto evolui, e foi quando a encontrei.
Uma garota, abandonada para morrer naqueles dias frios, notei como ela observava as jovens
que aparentavam ter sua idade “11 anos”, possivelmente se imaginando como seria viver
aquela vida, ou melhor, viver sob aquele corpo. A garota tinha diversas deformidades, era um
pequeno monstro, o que explicaria o motivo de seu abandono. A mim pouco importava, eu
apenas enxerguei ali o desavio que estava procurando. Me aproximei dela, eu não estava na
cidade a trabalho então não utilizava minha conveniente máscara, desta forma nossos olhares
se cruzaram... ironicamente ela tinha lindos olhos azuis, assim como os meus.
Eu a fiz uma proposta, como propus a mim mesmo um dia. “Deixe seu passado para trás,
esqueça quem você foi um dia e siga por este novo caminho”. Estendi a mão para aquela
criança, e sem muitas opções, ela me seguiu.
Embora fosse possível aperfeiçoar ainda mais meu corpo, eu optei por mantê-lo assim.
Aquele corpo ainda seria a chave que me traria as respostas que ainda não tive, além de me
manter nesta atual não vida estável que reconquistei. O que exatamente houve no dia em que
fui abraçado, não me foi revelado e isso me incomodava. Então, eu olhava para aquela garota
e via a oportunidade de buscar a perfeição que eu tanto quero. Foi então que comecei, um
processo longo e demorado, porém não doloroso. Diferente dos demais de minha linhagem,
não me dava prazer ao causar dor, o prazer eu sentia ao vislumbrar o aperfeiçoamento
durante todo o processo de criação, em seus mínimos detalhes. E depois de uma longa
esperava estava concluído, um corpo que finalmente fazia jus a aqueles olhos, minha primeira
e verdadeira obra de arte. E como tudo que é criado precisa de um nome, com ela não seria
diferente, neste momento, acredito ter ouvido um sussurro do passado, não parecia vir de
nenhum canto sombrio da minha alma “se é que posso dizer que tenho uma”, foi então que
resolvi dar ouvido a aquele sentimento e a batizei de Cécil.

Quando menos percebi Cécil já tinha 16 anos e estava instruída a cuidar dos negócios e de
minha propriedade. Ela se tornou meus olhos à luz do dia e uma importante peça em minha
não vida. Passou a ser minha assistente e a me acompanhar em minha profissão. Sua enorme
resistência a permite levar uma vida dupla “durante o dia e a noite”, ainda não sei se seria meu
mérito ou dela mesma. Uma coisa é certa, aquele corpo foi uma criação perfeita, porém ao
aperfeiçoar sua mente e habilidades sei que ela irá evoluir ainda mais.
E foi em uma noite comum em que Cécil estava terminando de ser instruída por seu treinador
e professor, que recebemos a visita de meu senhor (Trevis Darlosth) em minha propriedade.
Não teria sido a primeira visita, mas até o presente momento, seria a última. Dizendo ter
assuntos para resolver, ele estaria ali para se despedir e queria me dar uma última lição. O
acompanhei até o calabouço junto de Cécil, foi então que ele me orientou a como criar um
carniçal e me falou sobre as famílias Revenantes. Desde então venho alimentando Cécil com
meu sangue, pensando que talvez um dia ela possa ser a primeira de uma nova linha de família
Revenante, com objetivo de servir única e exclusivamente a casa Vallgard. Carniçais que assim
como ela, seriam criações perfeitas.
Após a partida de meu senhor seguimos vivendo nossas noites, dia após dia, buscando nossa
evolução, ela como uma serva e eu como um artesão. Me pergunto “qual será a minha
próxima criação? ”.

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