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Textos Ensaios

OS NOVE MESTRES ELEITOS- O SIGNIFICADO INICIÁTICO DO GRAU 9

A lenda do grau

Diz a lenda do grau nove que o rei Salomão, uma vez terminados os rituais devidos ao
sepultamento de Hiram, quis punir os assassinos do seu Mestre Arquiteto, Hiran Abiff, ous
seja, os Jubelos. Estes, após o crime, haviam se escondido numa caverna. Um pastor, que os
vira no esconderijo, denunciou-os ao rei. Ao saber disso Salomão reuniu os quinze Mestres
mais antigos, e por votação feita entre eles, escolheu nove para uma expedição ao local onde
os assassinos estavam escondidos. Liderados por Johaben, os Mestres iniciaram uma caçada
aos criminosos; dois deles, encurralados diante de um abismo, preferiram antes saltar para a
morte do que serem presos. O terceiro, acossado por Johaben dentro de uma caverna, cravou
no próprio peito um punhal. Após cortarem as cabeças dos três assassinos, os Mestres
voltaram a Jerusalém para dar satisfação ao rei do cumprimento da missão. Salomão,
satisfeito com o resultado, deu-lhes o titulo de Mestres Eleitos.

A lenda dos Nove Mestres Eleitos foi desenvolvida com a finalidade de adaptar o simbolismo
iniciático da maçonaria aos propósitos morais que ela propaga. Em primeiro lugar, ninguém
nela ingressa se não for “eleito”, ou seja, cooptado por alguém que a ela já pertence. O
candidato tem que ser apresentado por um membro pertencente ao quadro, em seguida é
pesquisado, sondado e afinal “votado” pelos irmãos como digno de fazer parte do grupo.
Somente após essa “eleição” é ele iniciado.

Depois, a partir do momento em que é iniciado, o que se requer dele? Que “ submeta suas
paixões e erga templos á virtude , cavando masmorras ao vicio”. Que quer isso dizer? Que ele
deve “matar em si mesmo” todos aqueles ”assassinos” que o impedem de ser virtuoso. Que
ele vingue, com essas mortes, o assassinato do “homem justo”, que foi cometido por “ aqueles
homens maus”, que são as paixões e os vícios que o desviaram da virtude. Quem são esses
“homens maus”? São a ambição desmedida e sem moral, a avareza, a inveja, o ódio, a
indiferença pela sorte dos seus irmãos de Ordem ou pela sociedade em geral, a ignorância, a
preguiça e todos os vícios e sentimentos que aviltam o homem e o levam a se comportar como
“filho das trevas”.

Na mística cristã, Jesus explica bem essa questão com a parábola dos trabalhadores da vinha.
Nesse ensinamento, ele mostra que não importa a hora nem o momento em que o homem é
chamado para cumprir a sua missão. Alguns podem trabalhar mais ou trabalhar menos. Mas
todos, independentemente do tempo que trabalharem, receberão a mesma paga. Porque
Deus chama a todos mas escolhe, realmente, a poucos. Aos “Eleitos” cabe a missão, realmente
messiânica, de “ matar os assassinos” das virtudes do homem, para que ele, assim liberto,
possa escolher entre permanecer no “mundo das trevas” ou iniciar sua ascensão para o “
mundo da luz”.

Por isso a missão dos doze mestres eleitos não é “vingar” o Mestre assassinado, mas sim,
destruir seus assassinos, como medida de justiça e saneamento do mal, evitando que ele daí
prolifere.

Se quisermos ver nesse simbolismo uma imagem da realidade profana, neste mundo em que
vivemos, basta ver como as virtudes, no momento, estão sendo eclipsadas pelo vício. Em toda
parte progride o comportamento criminoso, enquanto parece que cada vez mais a virtude se
vê obstruída pelas trevas. Talvez por isso os autores do ritual do Grau nove tenham adotado
esse simbolismo, cuja inspiração é francamente gnóstica, pois aqui se trata de um combate
entre a luz e as trevas, e ele nunca pareceu ser mais feroz do que nestes nossos dias. É preciso,
hoje mais do que nunca, por em prática o ensinamento contido na lenda dos “ Eleitos do
Nove” e sair á caça dos “ assassinos” do espírito humano que pregam a tolerância com o
crime , com a destruição do meio ambiente, com os violações das leis da natureza, e deixar
que justiça julgue e puna os violadores, pois estes, como disse Jesus, receberão a devida
recompensa, já que é “ é necessário que ao mundo venha os escândalos, mais ai daqueles por
quem os escândalos vem ao mundo”.

No ritual do grau, o presidente da Loja diz aos Mestres Eleitos que “Desde que estás entre
nós, continuastes a sofrer o peso do trabalho abandonado. A humanidade está sufocada pela
ignorância, corrompida pelo crime. Será preciso sofrer eternamente? Sob os nossos olhos
atentos, crescestes em dignidade; tendes a confiança de vossos irmãos. Podemos contar com a
Vossa?”

Hiram morto é como a humanidade pecadora e decaída que precisará “ matar” seus vícios
para recuperar a virtude com a qual iluminará o seu espírito. Enquanto esses vícios
permanecerem vivos, o trabalho de “construção do templo”, que é o trabalho de
aperfeiçoamento moral do indivíduo, através da qual ele atinge a salvação, permanecerá
abandonado. Esse trabalho de recuperação moral da humanidade é a missão dos dos Nove
Eleitos.

O significado iniciático do grau

Entre evocações á tradição hebraica e alusões á doutrina cristã, prossegue o ritual:“Quando


Salomão soube que Hiram não aparecera entre seus operários, mandou todos para o trabalho
e jurou não pagar salário algum se não se descobrisse Hiram, morto ou vivo. Todos os obreiros
puseram-se em campo e o corpo de Hiram foi encontrado, enterrrado sob um ramo de
acácia”[1] .
Sim, pois que salário, que pagamento pode ser dado a uma humanidade cujo espírito está
morto? Urge, primeiro que se encontre esse cadáver, e é preciso que todos sejam chamados
para procurá-lo. E aqui ressurge novamente a parábola dos trabalhadores da vinha.Todos são
chamados, apenas alguns serão escolhidos. Essa sabedoria iniciática está presente em todo o
ensinamento de Jesus. Veja-se, por exemplo, a parábola da cizânia. Por ela Jesus ensina que os
bons e os maus devem ser cultivados juntos. A eles se dá o mesmo tratamento. Mas no dia do
julgamento será procedida a separação, por que então será mais fácil saber quem é bom ou
mau. Aos primeiros se aproveita, aos segundos se queima. É como o pescador que lança a rede
e trás tanto peixes pequenos como grandes. Os grandes são aproveitados os pequenos não.

O ritual antigo exigia que o Mestre a ser eleito entrasse na câmara, coberto por um véu
vermelho. Esse simbolismo deve ter sido introduzido no ritual por influência dos hermetistas,
particularmente os adeptos da tradição alquímica. Segundo o magistério alquímico, não se
pode promover nenhuma transmutação num metal sem primeiro aquecê-lo através do fogo.
Aliás, toda a arte de Hiram, como fundidor, assim como de Tubalcain, seu Mestre, consistia em
moldar, pela aplicação do calor, os metais. Assim, o fogo, a cor rubra, tem uma importante
parte nessa simbologia.

O “metal” a ser aquecido é o próprio recipiendário que, como iniciado, vai sofrer a
transmutação. Ele é “amolecido” no seio da Loja, expressão essa significativa do
reconhecimento que o maçom elevado ao grau deve ter de seus defeitos e vícios, que
precisam ser vencidos. Nas mãos leva o ramo de acácia, que significa a vitória sobre a“morte”
psíquica que sofrerá e a prometida ressurreição. Caminha descalço, imitando os iniciados nos
Mistérios de Ìsis e Osíris, que adentravam assim a câmara do ritual, com o pé direito á frente
do esquerdo.[2] Essa atitude ritualística evoca também Moisés quando pisou no terreno
sagrado do Monte Sinai, onde Deus o convocou para a missão de libertar Israel[3]

Na liderança do cortejo vai Johaben (ou Joabe), que por dedução cabalística significa “ Filho
de Deus”.Todos os nomes dos Mestres que comandam os trabalhos de Loja são deduções
cabalísticas e tem um significado extraído a partir da aplicação da Cabala. Stolklin, o 2º
Vigilante, é a “ Sabedoria que Sabe”, o que quer dizer que nem toda ciência é sabedoria e o
verdadeiro Mestre deve saber distingui-la.

Jesus também advertiu sobre a “falsa sabedoria” quando conclamou seus discípulos a se
“guardarem do fermento dos escribas e dos fariseus”. Com essa metáfora ele queria dizer que
seus discípulos deviam tomar cuidado com as falsas doutrinas. Em outras palavras, não
importa saber muito; é preciso ter saber qualitativo. E isso também diz respeito ao maçom.

Zerbal, por transposição cabalística, significa “inteligência que cria”. Seria, na


correspondência gnóstica, e também na filosofia aristotélica, a enteléquia, a força que vem de
dentro do ser para dar a ele a sua conformação. Jorge Adoun o compara ao “Verbo Criador”
do Evangelho de João.[4]

Note-se, entretanto, que os Mestres que comandam o trabalho de eleição dos Nove Eleitos
são três. Nesse simbolismo está, novamente, a evocação do principio trinitário que está na
base de todas as religiões deístas, a partir do qual, segundo se crê, todas as coisas são
criadas[5]
Os Mestres viajam em busca dos criminosos e os encontram encerrados em cavernas e junto
a despenhadeiros. Essa alegoria é por demais reveladora para que precisemos comentá-la. Só
podemos eliminar nossos defeitos de personalidade se primeiro reconhecermos que os temos.
Para isso é preciso fazer uma rigorosa auto-análise. E para fazê-la é preciso descer ao fundo de
nós mesmos, nas cavernas do nosso subconsciente, e enfrentar os abismos que lá existem, e
nos quais muitas vezes nos lançamos. Se o fizermos, os nossos “assassinos”, como fantasmas
expulsos pela súbita iluminação do ambiente, saltarão para o nada de onde vieram para
obscurecer a luz do nosso entendimento e prejudicar a ascensão do nosso espírito.

O simbolismo do número nove

Nove são os Mestres que foram eleitos para a missão justiceira. Não há muito acordo entre
os autores sobre o significado desse número. Todavia, face ás influências da mathese, parte da
Cabala que trata do cálculo metafísico, sabe-se que o número nove, para a Maçonaria,
simboliza a imortalidade. Assim o informa Ragon em seu Tratado de Ortodoxia Maçônica.[6]
Esse número significa um regresso ás origens pelo fato de ser o que está mais próximo do dez,
que é o numero perfeito, representativo da Divindade. Ele marca também a etapa última de
um processo de purificação, o derradeiro degrau de uma escada que o iniciado terá que galgar
obrigatoriamente, antes de integrar-se ao Uno, ao Perfeito. Na tradição vedanta, ele simboliza
o número da duração da vida material sobre o cosmo, já que Vishnu teve que encarnar nove
vezes para salvar a humanidade. Também Jesus Cristo morre á nona hora do dia. O nove
encerra, portanto, uma idéia esotérica de salvação espiritual, de missão cumprida, de
cumprimento de uma etapa purificadora, razão pela qual os seguidores de Mitra sempre
terminavam seus cultos com uma “novena”, tradição essa que também foi adotada pelos
cristãos. Nove também foi o número dos cavaleiros que fundaram a Ordem dos Templários,
que por nove anos não admitiram nenhum outro membro em sua Fraternidade.

Portanto, não nos parece estranho que esse número tenha sido escolhido para simbolizar a
missão dos nove Mestres, missão essa que consistia numa expedição destinada a “restaurar” a
pureza de um ambiente, pureza essa necessária á construção de um templo dedicado ao
Senhor. E aqui está encerrada, talvez, uma das mais importantes idéias contidas em todos os
ensinamentos iniciáticos: a de que o espírito humano é o templo da divindade, talvez o único e
verdadeiro templo digno desse nome, sendo as construções humanas erguidas para esse fim,
nada mais que simples simulacros dessa realidade!

Pois não é no coração desse templo, que é o ser humano, que repousa a chama sagrada, a
luz que deve ser liberada para que o espírito ganhe, afinal, a condição necessária para se
integrar á Divindade? E não é essa a função de todas as religiões, a de “religar” o homem a
Deus? E não é este, também, o objetivo das práticas iniciáticas, ou seja, “acelerar” o processo
de purificação do espírito, tornando-o capaz de libertar-se de todos os vestígios de matéria,
que impedem que ele se transforme em pura luz?
Cumpre-se, dessa forma, o objetivo do complicado simbolismo iniciático presente no ritual
do Grau Nove, que fecha o conjunto de ensinamentos baseados na alegoria da morte do
Mestre Hiram.

[1] Conforme o ritual

[2] Note-se que as representações dos faraós e sacerdotes egípcios sempre aparecem nessa
atitude ritual.

[3] Simbolicamente, é a libertação da humanidade de seu cativeiro psicológico

[4] J. Adoun- O Grau Eleito dos Nove, pg. 16

[5] O Pai, O Filho e o Espírito Santo, na Teologia Cristã, Brahma, Vishnu e Xiva, na tradição
vedanta, Osíris, Isis e Hórus, na tradição egípcia etc.

[6]Cf. Alexandrian, op citado, pg. 133

João Anatalino

Enviado por João Anatalino em 08/03/2013

Reeditado em 09/03/2013

Código do texto: T4178145

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