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Londrina
2020
MARIANE SUZZE PEREIRA
Londrina
2020
MARIANE SUZZE PEREIRA
BANCA EXAMINADORA
1
Aristóteles em Ética a Nicônaco, citado pela professora Olegna nas aulas de Ética.
2
Meu caro amigo- Chico Buarque, 1976.
3
Trecho do conto “Melodias e vínculos” de autoria da querida orientadora a Aqual agradeço.
Bruna Sato, Bruna Viana, Gilson, Juliane, Meire, Paloma, Patrícia e Túlio. Sem elas,
nada disso teria se completado.
Agradeço também aos que, querendo mostrar, orgulhosamente, seu caráter de
“cidadão de bem” demonstraram que por trás desse “mito” da hipocrisia, existe uma
sociabilidade que constrói e reproduz valores autoritários, e sem dúvida nenhuma,
compromissados com a classe burguesa. O que me causa um sentimento de pena,
pois maldito o homem que se distancia cada vez mais de sua própria consciência e
acredita fielmente que está sendo crítico quando, sendo ovelha em rebanho, se mistura
e é orientado pela raposa, que acredita ser este o salvador da pátria, como se fosse
enviado pelo próprio Deus para resolver todos os problemas que ele, junto a sua
classe, que não tenha dúvidas: é a classe trabalhadora, enfrenta, diante da exploração
e alienação na qual é submetido cotidianamente.
Agradeço aos brasileiros, que presentes na história desse país, foram
submetidos a situações monstruosas de torturas, ou foram mortos, mas que resistiram
em nome da luta por liberdade e por uma vida digna para a sociedade brasileira.
Agradeço aos artistas e mais especificamente aos músicos do samba, pela
força e resistência durante toda a história desde gênero, e que até hoje “não deixam o
samba morrer”. Agradeço ao trabalho como cantora e meus amigos da música, por de
mim nunca desistir e conseguir se fazer presente até quando imaginava-se que não
houvessem possibilidades dessa conciliação com o Serviço Social. Em especial aos
últimos meses desta pesquisa, quando o samba se fez mais presente também na
prática do canto, fazendo com que a construção destas reflexões fossem vivenciadas
no meu dia a dia, todo o momento. Agradeço às companheiras do meu grupo de samba
feminino Fruta Gogóia que ao meu lado me mostram diariamente a força das mulheres
no trabalho na música: Camila Taari, Cíntia Paula, Jéssica Rezende, Mariany
Figueiredo e Suyane Alves.
E por fim, agradeço a Professora Maria Lúcia Martinelli, quando do auto da sua
sabedoria e generosidade, me fez lembrar que fazer o que faz sentido em nossa vida é
nos distanciar dos processos de alienação e reificação. E assim, fica aqui registrado o
resultado da minha busca por sentido na vida: esta dissertação de mestrado.
RESUMO
ABSTRACT
The present master's dissertation was built from research that has culture and art as
the central theme as a field of expression of a given sociability, in a given socio-
historical context. A particularity is delimited: the musical aesthetic expression called
samba. It is understood that research on expressions in the field of aesthetics
contributes to the analysis of aspects of reality that permeate the professional
demands of a social worker. In this way, the object of the research is delineated:
values that appear in the lyrics of samba compositions during the period of bourgeois
autocracy in Brazil in the 1970s. This object is delimited to values that reveal
attitudes of conformism and / or resistance to ideals propagated in this period. The
general objective is to analyze samba as a translation of expressions of the
resistance and / or conformism movement in the face of values that converge
towards adherence to the political project of the bourgeois autocracy in the 1970s in
Brazil, and related to the particularities of the object, three specific objectives were
defined: to highlight central aspects of conservatism and which are reaffirmed as
adherence to the bourgeois order; to identify socio-historical values of a decade of
political and cultural repression in Brazil that guide reiterations of conservatism; and
to highlight critical aspects and / or reinforcing conservatism in the samba lyrics in the
1970s. To achieve the objectives, a descriptive and qualitative methodology was
structured based on two procedures: bibliographic and documentary analysis. Among
the results of this research is the consideration that samba, with its history marked by
resistance, in the 1970s, has in its lyrics the greater tendency to express critical
values, but also in a dialectical way, in less expressive, reproduces values that are
defended by conservative thinking.
INTRODUÇÃO............................................................................................14
FASES...........................................................................................................95
CONCLUSÃO...........................................................................................204
REFERÊNCIAS.........................................................................................210
APÊNDICES.............................................................................................222
APÊNDICE 1 - Quadro de Músicas brasileiras de destaque de1970 a
1979..........................................................................................................223
APÊNDICE 2 –Quadro de Sambas de destaque de 1970 a 1979...........229
14
INTRODUÇÃO
Desesperar jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer
4
(Desesperar Jamais, Ivan Lins e Vitor Martins)
4
Letra do samba “Desesperar jamais”, samba lançado em 1979 e composto por Ivan Lins e Vitor Martins.
15
[...] da música, em seu enlace com a vida política e social brasileira, para
jogar alguma luz, por mais rala que seja, sobre questões que se mantêm
como um desafio àqueles que entrecruzam os caminhos da política e
cultura (PARANHOS, 2005, p.16).
5
O Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e
Silva, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e
produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando
poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal
considerados. (fonte: texto de Maria Celina D’Araujo no site
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5)
6
Sobre o Golpe Militar de 1964 Fausto (1997) coloca que “O movimento de 31 de março de 1964 tinha sido
lançado aparentemente para livrar o país da corrupção e do comunismo e para restaurar a democracia, mas o
novo regime começou a mudar as instituições do país através de decretos, chamados de Atos Institucionais (AI).
Eles eram justificados como decorrência do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções”.
(FAUSTO, 1997, p.465). Maiores informações sobre o Golpe de 1964 serão explicitadas no capítulo 1.
7
Trecho da letra do samba-enredo da escola de samba carioca Estação Primeira de Mangueira, campeã do
carnaval 2019, cujo enredo se apresentou os “heróis” que não estão nos principais livros de história do país,
aqueles que foram “apagados”, mas que durante tempos difíceis, tiveram força para lutar contra as opressões. A
referência a “quem foi de aço nos anos de chumbo” se dá naquelas pessoas que lutaram contra o regime e
sofreram os mandos e desmandos da autocracia burguesa erigida com o golpe de 1964.
17
8
Canção de Chico Buarque, gravada em 1970. Em seu próprio livro conta que “Os automóveis, aos milhares,
circulavam com adesivos ameaçadores para quem não estivesse afinado com o “Brasil Grande”: “Ame-o ou
deixe-o”, lia-se nos vidros dos carros, quando não coisa pior: “Ame-o ou morra”. Ninguém segura este país,
proclamava o mais sanguinário ditador da história brasileira, o general Garrastazu Medici, ouvido colado no
radinho de pilha, acompanhando os feitos da seleção tricampeã no México. A tudo isso Chico reagiu com Apesar
de Você- um samba, ele resume, “feito com os nervos mesmo, bem a cara de 1970”: A minha gente hoje anda
falando de lado e olhando pro chão. Vigorava a censura prévia, e o compositor, “meio de malcriação”, submeteu
a música, certo de que não passaria. Passou, e foi gravada num compacto, com Desalento do outro lado.
Começou a tocar no rádio, virou febre, por pouco não virou hino. Um mês depois do lançamento, já caminhando
para as 100 mil cópias vendidas, o samba foi proibido e o disco recolhido nas lojas. “O Exército fechou a fábrica,
no Alto da Boavista, no Rio”, lembra Manuel Barenbein, que trabalhava na gravadora. “Os discos que estavam
em estoquem foram quebrados, mas eles não sabiam que nós tínhamos a matriz.” O súbito veto, há quem
afirme, veio depois de uma notinha de jornal dizendo que Apesar de você era “uma homenagem ao presidente
Medici”. Quem é esse você?, quiseram saber de Chico num interrogatório, “É uma mulher muito mandona, muito
autoritária”, respondeu” ” (HOLLANDA 1989, p. 129- 130).
19
Cabe mencionar que este livro elenca de forma mais ampla as músicas, não
estando mapeadas somente os sambas, nem apenas músicas brasileiras. Foi
necessário, portanto, um trabalho de seleção de quais canções seriam utilizadas
nesta pesquisa, ou seja, quais seriam as consideradas sambas.
Diante deste fato, foi necessário pesquisar sobre as características relativas
ao samba, para não correr o risco do equívoco quando da escolha de quais canções
seriam analisadas (risco que não se eliminou, devido à multiplicidade de
característica que o samba passou a ter ao longo de sua história). O procedimento
para tal pesquisa se deu de duas formas. Através de entrevistas informais com
profissionais da área da música, aqui considerados sujeitos informantes, nas quais,
22
9
Alguns autores denominam de clássico e outros de romântico. Opta-se aqui por utilizar a primeira
denominação, haja vista que no Serviço Social, área de pesquisa em que se situa esta dissertação; uma das
publicações mais utilizadas para o debate desta temática, a de Escorsim Netto (2011), a utiliza.
26
10
Trata-se de um aspecto do iluminismo, donde a razão do homem e não mais a fé orienta as ações em
sociedade. Os aspectos da mudança da orientação na fé pela razão serão tratados nas páginas subsequentes.
28
lhe é superior, e caso sua liberdade fosse ampla e ele mesmo pudesse tomar suas
próprias decisões, o faria de forma desorientada. Nesse sentido, quem melhor para
restringir esta liberdade do que a Igreja Católica através dos valores cristãos? O
homem não poderia se guiar por valores que o libertassem da autoridade divina.
Com o passar da história, outros protagonistas irão ocupar o papel de quem irá
restringir a liberdade dos homens, mas os valores cristãos, pelo menos no Brasil,
continuarão presentes durante vários momentos, guardadas suas devidas
particularidades.
Uma das principais críticas dos conservadores era a equiparação entre
igualdade e liberdade. Para eles, ambas não possuem os mesmos objetivos, são
incompatíveis, pois os homens não são iguais naturalmente, cada um possui
características diferentes e tem um lugar diferente a ocupar na sociedade. Nas
palavras de Nisbet, “Não existe princípio mais básico na filosofia conservadora do
que o da incompatibilidade inerente e absoluta entre a liberdade e a igualdade. Esta
incompatibilidade provém dos objectivos contrários dos dois valores” (NISBET, 1987,
p.83). A diferença entre a liberdade e igualdade se dá em suma no fato de que
11
Refere-se a uma série de revoltas populares na Europa no ano de 1848, à chamada Primavera dos Povos.
Segundo Netto, “1848, numa palavra, explicita, em nível histórico-universal, a ruptura do bloco histórico que
derruiu a ordem feudal: trouxe à consciência social o ineliminável antagonismo entre capital e trabalho, burguesia
e proletariado. (NETTO, 1998, p. XIX) e “no plano prático-político, a revolução de 1848 tem um significado
inequívoco: trouxe à cena sócio-política uma classe que, a partir daqueles confrontos, pode acender à
consciência dos seus interesses específicos- viabilizou a emergência de um projeto sócio-político autônomo,
próprio, do proletariado; mais exatamente: propiciou a auto-percepção classista do proletariado” (NETTO, 1998,
p.XX).
40
12
“A partir de observações empíricas e premissas metafísicas, Hobbes destaca atributos que considera como
constitutivos do homem (estado de natureza) e como determinantes sob suas ações. Eles seriam portadores de
desejos e capacidades de conquistas iguais e tal igualdade seria um problema de difícil solução; porque os
homens empenham-se em realizar, cada qual, suas possibilidades, movidos pelo “desejo do poder” em todos os
aspectos; ou seja, buscam o poder acima de qualquer possibilidade de torná-los capazes de convivência
pacífica. Essa é, na concepção hobbesiana, “uma tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto
41
riquezas do capitalismo para o próprio homem; como se não fosse próprio do capital
a concentração de riquezas, mas atributo do homem querer sempre ter mais, a
qualquer custo. Não suficiente o homem se tornar um objeto, o capitalismo se torna
um modelo de homem a ser copiado por todos os outros. Qualifica-se o homem
como um ser egoísta, mas tributa-se tal fato à falta de caráter que advém de sua
construção biológica humana.
Compreende-se assim que o pensamento conservador torna-se o
pensamento que fundamenta a ordem burguesa de classes, não é mais contrário ao
desenvolvimento burguês, agora seu antagonismo se dá a qualquer revolução
(eliminando-se a burguesa, já consolidada como ordem final da humanidade). Isso
fica evidente ao se recorrer que sobre as obras dos conservadores,
desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte” (HOBBES, 1979, p.61). Instáveis, os homens
sempre procuram novas conquistas sem qualquer expectativa de consolar-se em um espírito satisfeito; movidos
por paixões vinculadas às conquistas como glória, fama e poder. Interpreta que esses atributos os levam ceder à
própria liberdade, de forma igualitária e individual (“cada um, com cada um”) para um soberano; em troca da
segurança que lhes é vital” (GUEDES, 2018, p.93).
42
que detém o poder, pois “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém
diz violentas as margens que o comprimem” (BRECHET, 2019).13
Autores que são expoentes do conservadorismo moderno continuam a
postular por uma paz que não existe, uma harmonia calcada no silêncio dos
oprimidos; esses não podem rebelar-se, pois isto seria desarmonizar o mundo.
Assim, é possível mantermos a harmonia, a ordem e o progresso, calcados no
silêncio dos inconformados.
O argumento sobre a naturalidade da desigualdade dos conservadores
clássicos permanece para os modernos, pois justifica as desigualdades que
continuam existindo. De novo, fundada no alcance do "bem comum", todos
compreenderam seu lugar no mundo e assim perpetuaram a harmonia da vida em
sociedade. Sob a moldagem do conservadorismo moderno o que se evidencia é a
construção de um aporte teórico para sustentar argumentos em defesa da
sociabilidade burguesa. O conservadorismo pós 1948, nas palavras de Escorsim
Netto,
13
Poema de Bertolt Brechet. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1h9SGZ6kea_Fc-
bDJSYQHoXKj1eCL29et/view>. Acesso em: 18 set. 2019.
47
14
O conceito raça é aqui compreendido “sob a perspectiva da totalidade social, se faz premente e necessária no
âmbito dos estudos e reflexões acerca do racismo nas sociedades contemporâneas” (CFESS, 2016, p.8). Ou
ainda considera-se que raça "É uma relação social, o que significa dizer que a raça se manifesta em atos
concretos ocorridos no interior de uma estrutural social marcada por conflitos e antagonismos" (ALMEIDA, 2018,
p.40).
15
Por cultura compreende-se o conjunto de elementos que compõem os modos de viver de cada povo.
48
16
“Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens,
novos valores e ideias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si
mesmo” (CHAUI, 2001, p.9). Depois de fundado, não há transformações, apenas repetição, conservação.
49
visualizada nas mais diversas formas de corrupção (BONFIM, 2015, p. 54). Existe
então a relação deste elemento com a não “separação do público e do privado”,
quando os donos do Brasil utilizam dos bens públicos para benefício privado, mas
também outro elemento constrói esta separação. Trata-se de que a sociedade
colonial era “[...] inteiramente vertical ou hierárquica, a divisão social fundamental
entre senhores e escravos é sobredeterminada pela horizontalidade intra-estamental
e pela verticalidade interestamental, formando uma rede intricada de relações”
(CHAUI, 2001, p.84). Assim,
Obter poder no Brasil era possuir terras e uma parte do poder da Coroa
portuguesa, reproduzindo a relação de favor e mando que estes donos de terras já
vivenciavam nas relações com a Coroa. Assim é que a não separação do público do
privado tem um de seus elementos fundantes a forma como foram doadas as terras
aos portugueses que se tornariam os grandes latifundiários.
O poder dos proprietários das terras se reproduz no poder dos governantes,
segundo Chaui,
[...] a forma mesma de realização da política e de organização do aparelho
do Estado em que os governantes e parlamentares "reinam", ou, para usar
a expressão de Faoro, são "donos do poder", mantendo com os cidadãos
relações pessoais de favor, clientela e tutela, e praticam a corrupção sobre
os fundos públicos (2001, p.91).
E quem são esses donos do poder? Os donos das terras, que no Brasil não
são poucas, e que utilizaram e ainda utilizam delas para concentrar riquezas e
poder: o grande latifúndio.
O modo de produção particularizado escravista no Brasil "[...] aparece como
uma formação (social) particular de universalidade capitalista" (MAZZEO, 1989,
p.74). Para Mazzeo,
os índios não podem ser tidos como sujeitos de direito e, como tais, são escravos
naturais" (CHAUI, 2001, p.64).
Mas os Índios fugiam para suas terras, ou "Ao que tudo indica, os índios
decidiram usar a livre faculdade da vontade e recusar a servidão voluntária. Será
preciso que a Natureza ofereça nova solução" (CHAUI, 2001, p.65). De qualquer
forma o trabalho escravo era necessário para explorar o “novo mundo”, "Passa-se,
então, a afirmar a natural indisposição do índio para a lavoura e a natural afeição do
negro para ela" (CHAUI, 2001, p.65). Dessa forma, justifica-se a escravidão do povo
africano, pois "Afirmava-se que nas guerras entre tribos africanas e nas guerras
entre africanos e europeus os vencidos eram naturalmente escravos e poder-se-ia
dispor deles segundo a vontade de seus senhores" (CHAUI, 2001, p.66). Assim é
que se obtinha força de trabalho para os intentos da expansão capitalista, além de
que "A naturalização da escravidão africana (por afeição à lavoura e por direito
natural dos vencedores), evidentemente, ocultava o principal, isto é, que o tráfico
negreiro ‘abria um novo e importante setor do comércio colonial’." (CHAUI, 2001,
p.66).
Para Mazzeo, outros fatores determinaram a incorporação do trabalho
escravo nas colônias
[...] e do próprio caráter que assume a escravidão, num momento histórico
em que, fundamentalmente na Europa ocidental, o processo de acumulação
engendrava a separação dos trabalhadores de suas condições objetivas e
subjetivas de produção (1989, p.77).
18
Até hoje as tribos indígenas são alvos dos intentos de evangelização por parte dos integrantes das igrejas.
56
19
Samba de Zé Kéti que fez parte da trilha sonora do filme “Rio, quarenta Graus”, de Nélson Pereira dos Santos.
Foi uma das músicas mais cantadas no carnaval de 1956. Informação Disponível em: <http://qualdelas.com.br/a-
voz-do-morro-2/>. Acesso em: 10 set. 2019.
20
Samba de Mauro César Duarte e Paulo César Pinheiro, imortalizado pela voz de Clara Nunes e uma das letras
analisadas nesta pesquisa, do ano de 1976.
57
animais, até pela própria Igreja católica que pregava os valores cristãos europeus
como os mais dignos de serem considerados civilizados. A influência cultural negra
será aceita pelo dominador na construção da identidade nacional quando
reproduzida sutilmente, o mais “embranquecida” possível, ou seja, quanto mais
incorporasse elementos europeus, principalmente quando fosse possível mascarar
as denúncias sob a sociedade burguesa. Ainda assim, a cultura negra resiste e se
expressa na década de 1970, por exemplo, no samba de carnaval “Festa para um
Rei Negro (pega no ganzê)”, de autoria de Zuzuca- Adil de Paula. O autor nos faz o
seguinte convite:
No sistema de valores que sustenta essa “revolução pelo alto” está presente
a forma como o conservadorismo se impôs no Brasil. Não havendo uma classe
revolucionária e sendo a transformação para o sistema capitalista moderno feita
diretamente por aqueles que já possuíam o poder e desejavam sua perpetuação,
através da conciliação entre as classes no poder da colônia e da metrópole, o
liberalismo e as ideias iluministas são aqui incorporados de forma adaptada. Tratou-
se de um capitalismo que só se desejou no âmbito lucrativamente econômico,
deixando de lado os elementos possibilitadores revolucionários da cultura moderna
que, em contexto europeu, foi responsável pela revolução burguesa. Assim,
22
Não foi por acaso que se alastra um verdadeiro pavor ao exemplo revolucionário haitiano, que demonstra
como exemplo que “participação popular, no processo revolucionário, encurta o espaço de privilégios e de
mando político” (MAZZEO, 1989, p121); além da lição ter demonstrado “que quando generalizadas nas massas
oprimidas, as ideais revolucionárias podem representar sentença de morte aos exploradores” (MAZZEO, 1989,
p.121). O medo com relação ao exemplo haitiano assolava a aristocracia brasileira, já que, assim como no Haiti,
a maioria da população era formada por povos negros africanos, que através de suas culturas construíram lutas
coletivas e se apresentaram como sujeitos revolucionários, causando na burguesia brasileira um verdadeiro
"terror às massas populares e o pesadelo constante da revolta dos negros, o medo do Haiti" (MAZZEO, 1989,
p.121).
23
Vale lembrar a fala de um candidato à presidência do país nas eleições de 2018, que ilustra bem um Brasil
que há tempos se afirma como “liberal na economia e conservador nos costumes”.
24
Informações postas em parecer de avaliação da banca desta dissertação pelo professor Marcelo Braz, 2020.
62
25
O lema do progresso e do desenvolvimento, combinado à ordem, e a obediência e o culto à autoridade,
sempre aparecem na história brasileira, aspecto que vai se destacar no período da autocracia burguesa pós
golpe de 1964.
63
26
O romance Iracema de José de Alencar foi utilizado nesta pesquisa como forma de ilustrar a idealização da
imagem do colonizador que impõe sua cultura sobre o povo indígena e por isso é traduzido como um herói.
65
Dessa forma, ocorre adaptação dos valores conservadores para garantir que
o poder continue nas mãos dos que já o detinham antes do desenvolvimento
capitalista,
27
“Na análise de Caio Prado Júnior, a conciliação “pelo alto” ocorre em grande medida pelo fato de os
movimentos populares brasileiros do século XIX se caracterizarem por um “subversivíssimo esporádico e
elementar”, nos termos gramascianos”; e “De acordo com Coutinho (1990), é possível fazermos uma analogia
66
entre o conceito de “revolução passiva” elaborado por Gramasci e as reflexões de Caio Prado sobre a “questão
nacional” no Brasil. Tal conceito possui semelhanças com a “via prussiana”, mas dá destaque para a questão
agrária e a constituição do Estado Nacional” (BONFIM, 2019, p.75).
67
28
Informação verbal na Palestra proferida no CRESS. Seccional de Londrina em maio de 2019.
75
ingressar num regime autocrático, anos anteriores à década de 1970 (1964 a 1969).
O período se caracteriza como
flexibilização nos contratos. Soma-se a isso, uma nova fase de expansão capitalista
caracterizada por investimentos e controle da relação entre produção e trabalho em
países emergentes, ou seja, países nos quais o modo de produção fordista
associado ao Estado de Bem Estar ainda não se consolidara. Ocorre o que o autor
chama de uma "[...] convergência entre sistemas de trabalho ‘terceiro mundistas’ e
capitalistas avançados" (HARVEY, 1992, p.145). Isso porque,
29
Segurança na perspectiva da autocracia com relação à manutenção segura do sistema capitalista de proteção,
perante ao que consideravam “perigoso comunista”.
79
Veremos mais adiante como isso acontece nas expressões estéticas nas
composições de samba neste período de efervescência crítica. Segundo Barroco,
nos
[...] desaba na periferia e realiza-se dentro dela como uma realidade interna
(embora sob uma conjugação de evoluções que vão simultaneamente de
“fora para dentro” e de “dentro para fora”). Para atingir esse objetivo
analítico, a América Latina contém um terreno de trabalho ideal. De um
lado, porque aí a revolução anticolonial foi amplamente reprimida e
controlada por interesses conservadores particularistas: a Independência, a
emergência do Estado nacional e a eclosão do mercado capitalista moderno
não destroem as estruturas econômicas, sociais e de poder de origens
81
[...] exclusão das forças populares dos processos de decisão política: foi
próprio da formação social brasileira que os segmentos e franjas mais
lúcidos das classes dominantes sempre encontrassem meios e modos de
impedir ou travar a incidência das forças comprometidas com as classes
subalternas nos processos e centros políticos decisórios (NETTO, 1996,
p.18).
como protagonistas das transformações; tudo que aqui ocorreu foi por imposição de
uma cultura superior, a europeia, que se colocou como mais evoluída em detrimento
de qualquer outra cultura que aqui já existisse com os povos originários, ou que
tivesse sido trazida com os negros escravizados. Dessa forma, a maior parte da
população sempre ficou à margem das decisões públicas, e quando movia esforços
para participar, era calada por mecanismos dos mais diversos, por vezes violentos
ou na produção de consensos através da reprodução de valores burgueses muitas
vezes avessos aos valores dos povos originários e dos povos escravizados.
E por último o fenômeno citado, que é também produto dos primeiros, tem
relação ao “[...] específico desempenho do Estado na sociedade brasileira- trata-se
da sua particular relação com as agências da sociedade civil” (NETTO, 1996, p.19).
Refere-se a um “Estado que historicamente serviu de eficiente instrumento contra a
emersão, na sociedade civil, de agências portadoras de vontades coletivas e
projetos societários alternativos” (NETTO, 1996, p.19). Além da histórica não
participação das massas, o Estado sempre interviu não oportunizando uma relação
democrática com a sociedade e podando as tentativas das realizações de vontades
coletivas e projetos alternativos ao projeto burguês, sempre forjando estratégias de
contra ataque quando emergiam os intentos democráticos.
colonização. O propósito era “[...] operar para a criação, no espaço nacional, das
condições ótimas, nas circunstâncias brasileiras, para a consolidação do processo
de concentração e centralização de capital que vinha se efetivando desde antes”
(NETTO, 1996, p.30).
O autor estudado analisa e define que ocorre no Brasil o que pode ser
caracterizado como “modernização conservadora” (NETTO, 1996, p.31), pois se
trata de um período em que se revestem de novas as características já tradicionais
da sociabilidade brasileira, em busca do desenvolvimento e da modernização; faz o
que sempre fez: adequar a realidade brasileira aos padrões externos para alcançar
as vantagens capitalistas.
Realiza-se a integração dos interesses imperialistas com os da burguesia
nacional (logicamente o primeiro sempre antes do segundo), mas que faz com que
para o restante da população, às classes subalternas, não reste nenhuma opção a
não ser a sujeição a este novo modelo político, já que as tentativas de resistência
voltam (ou continuam) a ser combatidas, violentamente, somado à estratégia de
consenso através da disseminação de valores burgueses e conservadores.
Apesar disso, tudo acontece com o discurso de que o Brasil estava
evoluindo, à custa da diminuição dos espaços democráticos e do antagonismo
daqueles que não aceitavam as medidas do Estado autoritário. “O ufanismo da
ditadura expresso no slogan “ame-o ou deixe-o” incute em muitos corações e
mentes que o Brasil seria o país do futuro” (PAULA, 2016, p.208). É através de
discursos desta natureza que o Estado autocrático comete suas maiores atrocidades
contra os que apresentam críticas ao modelo por ele imposto, propagando a
ideologia de que eles não amariam o país e que por isso deveriam deixá-lo.
dos sete militares que presidiram o Brasil desde o período que antecede o golpe de
abril de 1964, até 1985, quando se configuram condições históricas favoráveis a
reabertura democrática.
O governo de João Goulart, ou Jango, como foi conhecido (1961 a 1964), foi
marcado por um período de grandes crises econômicas e políticas. Jango foi
acusado de tentativa de implantação de um regime comunista, explica-se, pois “[...]
político experimente e sério, mesmo sem compartilhar de qualquer projeto socialista,
era um reformista dedicado a avanços sociais, tinha fortes compromissos com os
trabalhadores e com a democracia” (NETTO, 2014, p.32).
Ocorre que o Brasil está inserido num contexto mundialmente polarizado
entre capitalismo e comunismo, onde o segundo se encontrava em um período de
notoriedade. No bojo deste processo, países da América Latina se expressavam em
movimentos de libertação nacional. Então, a política externa norte-americana em
escalada mundial, ligada ao “mundo livre”, "[...] passou a operar uma
contrarrevolução preventiva, de modo a impedir a constituição de quaisquer
alternativas à pax americana, sobretudo se tais alternativas apontassem para vias
socialistas" (NETTO, 2014, p.35). Foi neste contexto que os Estados Unidos
financiou o golpe de 1964 no Brasil, assim como golpes em outros países da
América Latina, em defesa do “mundo livre”, da “democracia” compreendida como
privilégio do sistema capitalista. Trata-se da
O ministro da guerra, sabendo das tropas nas ruas, também condicionou seu
apoio àquela mesma proposta. Então a Casa Militar do presidente fica sem
comando, incapaz de mobilizar a oficialidade legalista e sem lhe dar ordens para
qualquer resistência. Jango percebe que os altos mandos militares só impediriam o
golpe se ele aceitasse "[...] romper com o movimento sindical, intervir nos sindicatos
e na UNE e reprimir os comunistas. Ao fim da noite, voou para Porto Alegre, onde
Brizola (juntamente com o general Ladário Telles) se dispunha a resistir" (NETTO,
2014, p.68). Em 2 de abril o presidente estava em território nacional, não renunciou,
mas seu cargo foi declarado em vacância mesmo assim. Após ser perseguido,
Jango se exilou no Uruguai, onde ficou até sua morte precoce e suspeita em 1976.
O que não destituiu o fato de que o governo Castelo Branco deixava claro o
caráter de classe de seu governo antidemocrático e antinacional. (NETTO, 2014,
p.89). Foram realizadas as reformas, houve a implantação do PAEG (Programa de
Ação Econômica do Governo), que se constituía em uma “[...] combinação do corte
de despesas e aumento de arrecadação que reduziu o déficit público anual de 4,2%
do PIB em 1963 para 3,2% em 1964, e 1,6% em 1965” (FAUSTO, 1997, p.473).
Como resultado, “A forte inflação de 1964 tendeu a ceder gradativamente, e o PIB
voltou a crescer, a partir de 1966” (FAUSTO, 1977, p. 472). Sucesso que não se deu
apenas pela competência técnica, mas facilitado pelo regime ditador que assegurava
a ação dos ministros (FAUSTO, 1997, p.473). De nada adiantaria um programa de
estabilização econômica caso não existisse uma política autoritária que controlasse
a reação popular frente às dificuldades enfrentadas. Em suma, “[...] com o PAEG - o
governo Castelo Branco revela sem sombra de dúvidas o seu caráter de classe"
(NETTO, 2014, p.91).
Foi já durante o governo Castelo Branco que foi instaurado o mecanismo
dos Inquéritos Policial-Militares, realizando uma operação limpeza, atingindo
quando não pagassem salários conforme decisão judicial” (NETTO, 2014, p.94).
Além disso, há também em 1966 a criação do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), extinguindo a estabilidade do trabalhador.
Mas a resistência acontece e a reação entra em cena. Segundo Netto, a
“[...] a pena de banimento do território nacional, aplicável a todo brasileiro que ‘se
tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à segurança nacional’” (FAUSTO, 1997,
p.481); e do AI-14 que estabelece “[...] a pena de morte para os casos de ‘guerra
externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva’” (FAUSTO, 1997,
p.481). Esta última nunca foi “[...] aplicada formalmente, preferindo-se a ela as
execuções sumárias ou no correr de torturas, apresentadas como resultantes de
choques entre subversivos e as forças da ordem ou como desaparecimentos
misteriosos” (FAUSTO, 1997, p.481).
O Estado autocrático diante dos movimentos que ganhavam as ruas e
contestavam a solução dos problemas sociais, necessitou tomar medidas drásticas
para conter a “desordem”, para neutralizar as resistências democráticas através do
terrorismo as fazendo recuar cada vez mais e diminuindo quantitativamente. Assim,
“[...] a sistemática do terrorismo de Estado conduziu as forças democráticas a uma
residual política de resistência e compeliu o movimento democrático e popular a uma
atividade que não pode ser denotada senão pelo termo molecular” (NETTO, 1996,
p.40). Aponta-se ainda que foi em 1969 que
Como se sabe, foram nos porões dos DOI-CODI que o Estado autocrático
cometeu os seus piores crimes contra aqueles que, de imediato, sem direito à sua
investigação, lhe pareciam “inimigos”.
O presidente Costa e Silva adoece em 1969, mas não foi o seu vice que o
sucedeu, a cúpula militar desejava um governante mais severo com a relação com a
oposição e as resistências. Assim, após o breve governo dos ministros Lira Tavares,
Augusto Rademaker e Márcio de Sousa e Melo (FAUSTO, 1997), a cúpula “elegeu”
o sexto presidente: Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974), que estava no grupo
linha-dura, declarou-se (como sempre faziam) defensor da democracia, mas que iria
precisar preparar o país para vivê-la, ele
31
Há de se lembrar do discurso do atual presidente da república (2019) quando declarou, ainda em campanha
eleitoral, sua opinião com relação ao retrocesso de direitos trabalhistas advindos com as reformas, que “o
trabalhador terá de escolher entre mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego”.
Informações viabilizadas por reportagens e expressamente no site Infomoney. Disponível em:
<https://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7589379/bolsonaro-diz-no-jn-que-trabalhador-tera-de-
escolher-entre-direitos-e-emprego> Acessado em 15 de jul. de 2019.
104
Foi assim que “No curso de 1975, Geisel combinou medidas liberalizantes
com medidas repressivas” (FAUSTO, 1997, p.491), ou, segundo Netto, na "[...]
continuidade com o governo Garrastazu Médici e a introdução de mudanças
políticas" (NETTO, 2014, p.177). As intervenções repressivas não acabavam,
“Continuava também a prática da tortura, acrescida do recurso ao
“desaparecimento” de pessoas mortas pela repressão” (FAUSTO, 1997, p.491).
A continuidade se deu no trato com os “[...] subversivos, mas acreditava que
o terrorismo de Estado levaria, na visão de Geisel, o regime a um beco sem saída"
(NETTO, 2014, p.178). Por isso "Saliente-se que o general não questionava a
"necessidade" da repressão; mas compreendia a permanência e o próprio futuro
desta ordem" (NETT0, 2014, p.178). Ele acreditava que deveria continuar com a
repressão, mas com mais cautela, por isso "[...] decidiu-se a promover- justamente
para a preservação do regime- outros mecanismos de sustentação política" (NETTO,
2014, p.178). Sua linha de intervenção se dava em dois planos: o forte controle da
máquina repressiva no sentido de discipliná-la, e busca pela legitimidade através do
partido ARENA (NETTO, 2014).
Geisel acreditava que a vitória nas eleições legislativas era incontestável,
por isso assegurou um mínimo de condições para a realização de eleições livres e
107
O que deixa claro que Geisel não pretendia acabar com a repressão, mas
sim tê-la sob o seu maior controle. Segundo Netto,
[...] a repressão à "subversão" não tinha em Geisel um adversário; ela
constituía mesmo um requisito para o seu projeto de distensão- aniquilar os
grupos e partidos que punham radicalmente em questão o regime era uma
condição para a nova "institucionalidade" que ele pretendia erguer, na
direção de uma "democracia forte" (2014, p.181).
O que mudava era que Geisel desejava a distensão com um “[...] aparelho
repressivo limitado, disciplinado, subordinado ao poder central, prestando inteira
conta da sua atividade e, sobretudo, que não funcionasse como único e/ou principal
suporte do regime" (NETTO, 2014, p.181).
Em entrevista, o pesquisador Matias Spektor32 divulgou um documento
descoberto, disponível desde 2015 na internet33, no qual a cúpula do regime militar
se reúne para tomar decisões sobre a continuação ou não das execuções de
“subversivos perigosos”, e Geisel comenta sobre a gravidade e os aspectos
potencialmente prejudiciais desta política, dizendo que queria refletir antes de tomar
32
Entrevista no programa “Conversa com Bial”, com o pesquisador Matias Spektor em maio de 2018. Disponível
em <https://globoplay.globo.com/v/6738728/>. Acesso em: 29 nov. 2019.
33
Documento disponível em <https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-
76ve11p2/d99?platform=hootsuite>. Acesso em: 29 nov. 2019.
108
uma decisão. Dois dias depois decidiu que a política de repressão deveria continuar
sob determinadas condições, tomando cuidado para garantir que apenas
subversivos perigosos fossem executados. Dentre as condições estava que a CIA
deveria consultar o general Figueiredo (SNI) que deverá aprovar as execuções.
Dessa forma, Geisel tenta chamar pra si a autoridade de decidir, objetivando
controlar os setores de segurança. Portanto, as medidas que toma são pra restaurar
a autoridade da presidência da república sob o sistema de repressão.
A oposição se rearticulava e um fato ocorrido de grande repercussão foi a
morte do jornalista Vladimir Herzog da TV Cultura, que compareceu ao DOI-CODI
para responder às suspeitas de relações com o PCB e de lá não saiu com vida,
acompanhado da explicação tosca de que havia cometido suicídio por
enforcamento, que era um costume por parte dos torturadores. A morte desse
jornalista teve grande repercussão no país e no exterior, e causou mobilizações da
classe média e da Igreja Católica. A viúva de Herzog, Clarice, é referenciada na
música “O bêbado e a equilibrista” de João Bosco e Aldir Blanc em 1979, no trecho
“choram Marias e Clarices, no solo no Brasil”, samba lançado no período em que se
inicia a redemocratização, como símbolo de esperança por parte da classe de
artistas frente às atrocidades cometidas pela autocracia burguesa.
Com o grande risco de derrotas nas próximas eleições, passando a se
configurar como uma preocupação para o regime, então foi promulgada a Lei
Falcão, que limita a forma como os candidatos deveriam se apresentar nos meios de
comunicação (televisão e rádio) (FAUSTO, 1997). Dessa forma são restringidas as
possibilidades de vitória da oposição e além desta lei, foram tomadas uma série de
medidas, como o “pacote de abril” que estende as restrições da Lei Falcão para os
âmbitos federal e municipal e cria os “senadores biônicos”. Tudo isso dificultou a
vitória da oposição (FAUSTO, 1997, p.493).
Embora esse fosse o contexto com relação às eleições, o governo passou a
abrir espaços de diálogo com o MDB, com a ABI (Associação Brasileira de
Imprensa) e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Foi seguindo essa
lógica que
A repressão ficava cada vez menos viável naquele contexto, assim “[...] a
abertura seguiu seu curso, em meio a um quadro econômico muito desfavorável. A
opção autoritária se desgastara mesmo nos círculos do poder, embora restassem
ainda os minoritários e perigosos ‘bolsões radicais’” (FAUSTO, 1997, p.501). Dessa
forma, prossegue-se a abertura política iniciada no governo anterior, mas ainda sob
um clima perturbado pela ação da linha-dura.
Entre avanços e retrocessos para a oposição, aprova-se a lei de anistia, que
segundo Fausto, representou a tirada da oposição de uma de suas principais
bandeiras. Ocorre que
34
Em 1979 aprova-se no Congresso Nacional a “nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n. 6.767, de 20 de
novembro de 1979) - com esta legislação, suprimia-se efetivamente o bipartidarismo imposto desde o final de
1965 e se instaurava a possibilidade de construir um sistema multipartidário” (NETTO, 2014, p.221).
111
eleições35, porém mesmo assim o debate no âmbito político sobre o pleito eleitoral
ocorreu. Assim é que inicia-se uma cruzada na defesa das Diretas Já.
O deputado federal Dante de Oliveira propõem a emenda para tornar direta
a eleição presidencial do sucessor de Figueiredo, com possibilidade de aprovação
improvável. Mas ocorre que “[...] os partidos da oposição uniram-se para transformar
a luta pelas diretas numa campanha de massas - a campanha pelas “Diretas já”"
(NETTO, 2014, p.239). Aos poucos a proposta do deputado Dante de Oliveira foi
crescendo. Segundo Netto,
35
Como exemplo “a criação do voto vinculado, pelo qual o eleitor era forçado a escolher candidatos de um
mesmo partido em todos os níveis de representação, de vereador a governador. O voto em candidatos de
partidos diferentes seria considerado nulo. A medida visava a favorecer o PDS que era mais forte no âmbito
municipal. Esperava-se que o voto no PDS para vereador puxasse o voto no partido para os outros níveis”
(FAUSTO, 1997, p.508).
112
[...] entre os segmentos que supunham que o uso da força travaria a erosão
do regime e aqueles que percebiam a necessidade de evitar que o
esgotamento do regime derivasse numa desmoralização das Forças
Armadas (NETTO, 2014, p.238).
A proposta das eleições diretas seria votada dia 25 de abril o que mostrava a
disposição para postergar a agonia do regime, ao mesmo tempo admitia que o
regime estava na defensiva. A capital transformou-se numa praça de guerra, mas
[...] caiu sobre o país como um balde de água fria: do entusiasmo com um
movimento tão empolgante, as massas que dele participaram retiraram o
saldo do desalento- a esmagadora maioria, dezenas de milhões de
brasileiros, amargou aquela noite de abril (NETTO, 2014, p.241).
Diante das reflexões acima sistematizadas, é possível observar que uma das
vertentes do conservadorismo reproduzida durante a vigência da autocracia
burguesa brasileira é o positivismo, a busca pela ordem e progresso, lema da
bandeira nacional36. Os conservadores modernos elogiam o desenvolvimento
econômico, independente de como vive a população.
36
Cabe observar que enquanto “desde a Revolução Francesa, as bandeiras revolucionárias tendem a ser
tricolores e são insígnias das lutas políticas por liberdade, igualdade e fraternidade. A bandeira brasileira é
quadricolor e não exprime o político, não narra a história do país. É um símbolo da Natureza. É o Brasil-jardim, o
Brasil-paraíso” (CHAUI, 2001, p.62). A idealização do país como abençoado por Deus, com todos os quesitos
para se tornar grande, pois possui uma natureza grandiosa, não é acometido por catástrofes naturais e tem
como identidade nacional as características da mistura de três raças, através de uma “democracia racial”.
118
37
José Paulo Netto expõe, em nota de rodapé do livro aqui utilizado, os motivos de valer-se da expressão
“mundo da cultura, por ser divulgada, especialmente entre os marxistas italianos para diferenciar este do “mundo
do trabalho”. O “mundo da cultura” é assim caracterizado como espaço do “contraditório, rico e diversificado
complexo de manifestações, representações e criações ideais que se constitui nas sociedades capitalistas
contemporâneas, envolvendo a elaboração estética, a pesquisa científica, a reflexão sobre o ser social e a
construção de concepções de mundo” (NETTO, 1996, p.44).
120
A difusão dessas ideias foi feita nas escolas com a disciplina de educação
moral e cívica, na televisão com programas como “Amaral Neto, o repórter”
e os da Televisão Educativa, e pelo rádio por meio da “Hora do Brasil” e do
Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), encarregado, de um lado,
de assegurar mão-de-obra qualificada para o novo mercado de trabalho e,
de outro, de destruir o Método Paulo Freire de alfabetização (2001, p.41-
42).
Nesta pesquisa, este dado pode ser observado no âmbito das composições
de sambas de destaque do período. Netto já assinala sobre a música brasileira que,
[...] cabe assinalar que ele constituiu o eixo do que de mais atuante
subsistiu no âmbito acadêmico, dos anos do vazio cultural à emersão clara
da crise da autocracia burguesa que, por sua vez, rebateu com intensidade
no marco global da cultura brasileira (NETTO, 1996, p.87).
Este conjunto de resultados colocou as “[...] condições para nos anos 1972-
1973, a ditadura avançasse no promocionalismo emergente no vazio para uma
política cultural que deslocava a dimensão repressiva e colocava em evidência a
intencionalidade "construtiva"” (NETTO, 1996, p.90). Esse fato deu credibilidade
131
para a autocracia e fez com que ela conseguisse colocar em prática o seu viés
positivo com a formulação e implementação de ações no campo da cultura que
ultrapassam a repressão.
Dessa forma “[...] a partir de 1969-1970 abria-se um período novo no
processo cultural brasileiro, que haveria de prolongar-se até por volta de 1974-1975”
(NETTO, 1996, p.90). Este momento tem como características centrais e marcantes,
onde se darão “[...] tanto a liquidação da hegemonia exercida pelos segmentos
democráticos e progressistas entre os desdobramentos imediatos do golpe de abril e
o AI-5 quanto a emersão da política cultural “positiva” do Estado autocrático
burguês” (NETTO, 1996, p.90). Com o AI-5, institui-se a censura, o que diminuiu as
possibilidades de expressão cultural e artística.
Foi assim, que através da face militar-fascista, a autocracia consegue
preparar o terreno para eliminação ou redução das contestações, e pela sua outra
face, colocar em prática seu projeto cultural, no qual utiliza da cultura como fator de
coesão e harmonização da sociedade. Para a DSN, já exposta como principal
sustentáculo do regime autocrático, o Estado deve controlar, orientar e viajar todos
os setores (vida política, cultural, econômico e ideológica), por compreender que a
segurança é função a ser executada em toda parte da sociedade; assim a
intervenção no âmbito cultural colaboraria com a harmonização das contradições e
harmonização entre as classes.
Importante destacar que esses argumentos servem para deixar claro o
quanto a autocracia no Brasil serviu de sustentação para o estágio do capital dos
monopólios e que não serviu, ao contrário disso, como impedimento para as
liberdades individuais. Muito pelo contrário, a liberdade que poda não é a liberdade
individualista, a liberdade burguesa, esta é legitimada. A autocracia burguesa no
Brasil diminuiu as possibilidades de ampliação da liberdade humana e par a
expressão cultural e artística. Mesmo assim, não a impossibilitou, pois devido ao seu
caráter diversificado, as perspectivas democráticas e críticas encontraram
estratégias de se colocarem, mesmo em meio a ataques, por vezes violentos.
Conclui-se assim, que a forma como a autocracia burguesa se consolidou no
Brasil incidiu fortemente nas expressões culturais críticas ou que se alinhavam às
tendências democráticas e progressistas, o que vai incidir em determinações
objetivas e subjetivas para as composições de samba que se destacaram neste
cenário.
132
Sou é a madeira
Trabalho é besteira, o negócio é sambar
Que samba é ciência e com consciência
Só ter paciência que eu chego até lá...
39
Samba “Nó na madeira” composto por João Nogueira e Eugênio Monteiro em 1975, uma das letras analisadas
nesta pesquisa.
134
2014, p.598).
E lá vou eu/ Melhor que mereço/ Pagando a bom preço/ A evolução/ Ai, se
não fosse o violão/ E o jeito de fazer samba/ Do tempo que quem fazia/
Corria do camburão/ Hoje não corre não/ Hoje o samba é decente/ E
ninguém agüenta, oh, gente/ A força de um samba não/ Pois que faz samba
fala/ E quem fala, atenção!/ Força nenhuma cala/ A voz da multidão/ E
cantar inda vai ser bom/ Quando o samba primeiro/ Não for prisioneiro/
Desse desespero/ E resignação/ E lá vai minha voz/ Espalhando então/ O
meu samba guerreiro/ Fiel mensageiro/ Da população (E LÁ VOU..., 1974).
40
Sombras da Água- de Mia Couto
40
Trecho do poema "Sombras da Água" de Mia Couto.
41
“Cultura popular” é aquela donde há a tomada de consciência da realidade concreta vivenciada no país, é para
Ferreira Gullar, "a tomada de consciência da realidade brasileira" (GULLAR, 2010, p.23). Quando se está falando
em “cultura popular”, “acentua-se a necessidade de por a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses
efetivos do país" (GULLAR, 2010, p.20), tornando explícito a existência de uma cultura que não popular, e assim,
contrária aos interesses populares, enquanto cultura elitizada, no extremo, explicita-se o caráter de classe da
cultura. Segundo Gullar, "O que define a cultura popular, no sentido que apreciamos aqui, é a consciência de que
a cultura tanto pode ser instrumento de conservação como de transformação social" (GULLAR, 2010, p.21)
42
Anotações de palestra no SESC cadeião em Londrina-PR, no dia 29 de novembro de 2019: “Café com que?
Cultura e literatura nas tramas do samba”, com Juliana Barbosa, Renato Forin e Valdir Grandini.
43
Composição de samba de Noel Rosa e Vadico de 1933.
139
Mas, em nota de rodapé, o autor faz questão de evidenciar que “[...] a cultura
indígena e, em particular, a cultura negra desempenham um papel decisivo na
formação de nossa fisionomia cultural especificamente brasileira” (COUTINHO,
2013, p.35), mesmo que isso ocorra
44
"A umbigada (ou batuque, designação portuguesa que passou com o tempo a se referir aos festejos dos
negros de modo geral), por sua vez, é um gesto em torno do qual se organizam diversas danças provenientes da
África" (NEVES, 2013, p.132).
142
Mas, graças à capacidade do povo negro de, com seus batuques, abrirem
“brechas no mundo”, em meio a um processo de escravização, suas expressões
culturais vão se localizar no que pode ser considerado uma contra hegemonia em
relação à cultura europeia, processo que resultará na construção da música popular
brasileira.
O resultado desta história é que a cultura nacional brasileira é constituída em
uma mescla de elementos de culturas diversas; aqui o universal não entra
diretamente em conflito com o nacional. Entre sistemas de dominação, inclusive
cultural (um exemplo seria a catequização dos indígenas e africanos pelos padres
jesuítas) e resistências, na música, Tinhorão considera que durante os primeiros
séculos de colonização,
guerreiro, foi pro cativeiro e de lá cantou”; ao negro que “entoou o canto de revolta
pelos ares, no quilombo dos palmares, onde se refugiou”; além de referenciar ao
“todo povo dessa terra” que “de guerra em paz, de paz em guerra/ quando pode
cantar, canta de dor” (CANTO..., 1976). A última estrofe une as “três raças” em uma
única categoria, a de trabalhador, quando: “E ecoa noite e dia: é ensurdecedor/ Ai,
mas que agonia/ O canto do trabalhador/ Esse canto que devia ser um canto de
alegria/ Soa apenas como um soluçar de dor” (CANTO..., 1976).
Samba, portanto, já nasce, assim como posteriormente vai se transformar,
na mistura dos elementos africanos, indígenas e europeus, com um princípio que
será o elemento estruturador: a síncopa.46 Curiosamente, este elemento, a síncopa,
característica definidora da música popular brasileira, é definida por muitos autores
como “[...] uma ocorrência percebida como desvio na ordem normal do discurso
musical” (SANDRONI, 2001, p.20), donde a acentuação rítmica se dá no
contraponto da acentuação considerada dentro da “ordem normal”. Esta definição,
se estendida para a cultura popular, como um todo, demonstrará o aspecto contra
hegemônico esta cultura representa.
Ainda sobre a síncopa, segundo Sodré
46
Anotações de palestra no SESC cadeião em Londrina-PR, no dia 29 de novembro de 2019: “Café com que?
Cultura e literatura nas tramas do samba”, com Juliana Barbosa, Renato Forin e Valdir Grandini.
144
[...] migração de população rural negra - escrava, liberta ou livre - para o Rio
de Janeiro, levando consigo sua música (destacando-se aqui o samba
"baiano", ou samba de umbigada), migração que parece ter se intensificado
a partir de 1870; o desabrochar na capital - que remonta à vinda da família
real portuguesa em 1808, mas se acelera sobremaneira também a partir de
1870 -, de características socioeconômico-culturais peculiares a um grande
centro urbano capitalista, e, com isso, a evolução de danças
caracteristicamente urbanas (as "danças nacionais"), no caso com o
desenvolvimento da dança do maxixe, que substitui o lundu no papel de
dança nacional, sendo posteriormente substituído pelo samba (NEVES,
2013, p.131).
146
47
Hilária Batista de Almeida, conhecida como tia Ciata, "Sua liderança junto à comunidade afro-brasileira era
comprovada pelo número e pela variedade de pessoas que frequentavam sua casa. Lá iam baianos, africanos,
negros cariocas, brancos, profissionais como estivadores, funcionários públicos, policiais, músicos, intelectuais e
políticos importantes" (LIMA, 2013, p.108).
147
[...] painel muito variado de tendências, estilos, visões de mundo. Por isso,
tanto é possível encontrar em seus sambas um tipo de discurso sentimento
e lacrimejante, como realista e sarcástico; um malandro cínico ao lado de
um bem comportado trabalhador; idealismo e ceticismo; a crítica da
sociedade estabelecida e o elogio da ordem e do progresso (1982, p.18).
Energia nuclear/ O homem subiu à lua/ É o que se ouve falar/ Mas a fome
continua/ É o progresso, tia Clementina/ Trouxe tanta confusão/ Um litro de
gasolina/ Por cem gramas de feijão/ Não vadeia Clementina/ Fui feita pra
vadiar/ Não vadeia, Clementina/ Fui feita pra vadiar, eu vou…/ Vou vadiar,
vou vadiar, vou vadiar, eu vou/ Vou vadiar, vou vadiar, vou vadiar, eu vou/
Cadê o cantar dos passarinhos/ Ar puro não encontro mais não/ É o preço
que o progresso/ Paga com a poluição/ O homem é civilizado/ A sociedade
é que faz sua imagem/ Mas tem muito diplomado/ Que é pior do que
selvagem (NÃO VADEIA..., 1977).
48
Informações da professora Andréa Pires Rocha em parecer de avaliação desta dissertação, 2020.
49
O samba foi lançado em ano que compõe o período de análise desta pesquisa, mas não está entre a listagem,
pois não é citado pelos autores do livro utilizado. Porém a letra do samba ilustra bem o momento histórico do
samba sendo criminalizado enquadrado como “vadiagem”.
153
[...] se originaram nos estratos sociais mais pobres e eram formadas de uma
população relativamente marginalizada, composta de indivíduos sem
profissão definida ou migrantes de áreas rurais que aqui ocupavam as
posições sociais mais humildes (2013, p.113).
52
Anotações de palestra no SESC cadeião em Londrina-PR, no dia 29 de novembro de 2019: “Café com que?
Cultura e literatura nas tramas do samba”, com Juliana Barbosa, Renato Forin e Valdir Grandini.
53
Nasceu em 1901, “no centro do Rio de Janeiro e ainda muito jovem foi transferido para Madureira, lá ganhou
fama de competência e liderança, com o codinome de Paulo da Portela” (BARBOZA, 2013, p.99).
156
Paulo provinha daquele grupo de negros que possuía uma condição social e
econômica um pouco mais favorável e que também havia incorporado elementos
culturais dos brancos. Segundo Barboza,
Foi deste contexto que Paulo da Portela aparece e tenta conciliar a cultura
popular da população mais pobre com valores que adquiriu em meio à sociedade
branca e conservadora.
Barboza faz uma diferenciação dos períodos das escolas de samba por
fases. Dentre essas fases, o relevante para esta pesquisa está na chamada “Fase
de Interação” (1954/1970), na qual
54
O “hoje” ao qual a autora se refere trata-se da fase atual das escolas de samba, que ela chama de “Frase do
Sambódromo ou das Grandes Sociedades do Samba”, datada de 1984 até dias atuais. A autora escreveu este
livro em 2013.
158
Miranda” de Wilson Diabo, Heitor Rocha e Maneco, que manifesta o fato da cantora,
fazendo sucesso internacional tenha, levado para todo mundo o samba. A letra diz:
“Uma pequena notável/ Cantou muito samba/ É motivo de carnaval/ Pandeiro,
camisa listrada/ Tornou a baiana internacional”(ALÔ, ALÔ..., 1972).
Mesmo que a letra deste samba enredo não se relacione a história do povo
negro, mas sim de uma intérprete branca que fora conhecida mundialmente, não
deixa de conter elementos de afirmação do próprio samba. A letra traduz como o
samba se torna símbolo nacional brasileiro reconhecido no mundo todo.
Ocorre que "[...] tanto o jazz quanto o samba encontram a sua especificidade
musical na sincopação" (SODRÉ, 1998, p.26). Mas este era um momento em que o
que estava em voga era a importação da cultura de fora e por isso o jazz parece ser
a solução para uma música que tivesse algo de brasilidade, mas com “um pé” nos
Estados Unidos. Era este o momento em que "A preferência da zona sul recaía
159
A bossa nova (começo dos anos 60): como é sabido de sobra, reprocessa a
batida do samba e a harmonia das canções com influxos do jazz e da
música impressionista, torna as letras mais concentradas e dá um calafrio
camerístico na tradição do canto em dó-de-peito; em suma, precipita sobre
o mercado uma síntese em adensamento das linhas da canção de massa
em vigor no Brasil, da canção erudita internacional do jazz, e cria um novo
padrão de produção técnica, de uso da voz e do violão (João Gilberto),
tendo como cor local o desenvolvimento juscelinista, e instrumentando toda
uma geração surgida na década de 60 (2005, p.31).
55
“Chega de saudade” foi composta por Vinícius de Moraes e Tom Jobim no final da década de 1950, foi
gravada por diversos artistas, mas ficou realmente conhecida na voz de João Gilberto em 1958, sendo
conhecido, portanto, como o marco inicial da Bossa Nova.
56
Anotações de aula no Curso de Canto Popular do 39º Festival Internacional de Música de Londrina em 2019.
160
enredo, bossa nova, samba exaltação, afro samba, samba de morro, samba de roda
e samba canção” (AMIGOS DA VILA MARIANA, 2018).
E foi assim, diante de suas transformações, que o samba foi transitando
entre caminhos de conformismo e resistência. Segundo Wisnik, “Sobre o batuque
coletivo do samba foi se desenhando o melos individual do sambista que canta com
malícia e altivez a sua condição de cidadão precário, entre a “orgia” e o trabalho,
numa dialética da ordem e da desordem” (2005, p.29).
Apesar do samba, só ser reconhecido pelas classes dominantes quando se
aproxima da cultura europeia59, pois enquanto apenas expressão dos modos de vida
dos povos marcados pela dominação colonial e escravista, ele é desprezado;
observa-se a resistência dos elementos dessa cultura que até os dias atuais
consegue expressar o cotidiano das classes populares, mesmo tendo incorporado e
reproduzir valores conservadores, haja vista a dialética contraditória entre
conformismos e resistências.
59
E como apontou o professor Marcelo Braz em seu parecer de avaliação, só podemos falar em samba quando
se deu a aproximação da cultura africana resistente com algumas expressões da música europeia, 2020.
162
1976 Gota D’água Você não passa de Nem ouro, nem prata
Juventude uma mulher
Transviada Xica da Silva
O que será?
Canto das três
raças
Meu caro amigo
Mulheres de
Atenas
O mundo é um
moinho
60
Esta letra gerou bastante dúvida. Destaca-se a rotina de uma esposa que cumpre seus papéis submissos a
seu marido, mas o personagem expressa “Eu quero é ir-me embora” e essa frase fez emergir uma dúvida se ele
está se referindo à crítica a rotina extenuante do trabalho e da sociabilidade burguesa ou se o seu “ir embora” é
direcionado à vida de casado. Até o momento da conclusão da dissertação, optou-se por caracterizá-la com
tendências conservadoras, por acreditar que se trata de um homem desabafando seu descontentamento com
sua companheira, que apesar de lhe servir, parece lhe causar tédio, colocando a mulher numa condição de mera
realizadora de suas vontades, sem ela própria ter as suas.
163
Pecado Capital
Mineira
1979 O bêbado e a
equilibrista
Senhora
Liberdade
Desesperar
jamais
Pega eu
[...] 1975, enquanto a repressão estava a todo vapor, o fundo sonoro era
feito pelo "sambão-jóia" de Benito de Paula e seu amigo "Charlie Brown"; do
"Pôxa", de Gilson de Souza; e de Agepê (1942-1995) e seu "Moro onde não
mora ninguém". Outro grande sucesso foi o samba de Martinho da Vila,
"Canta, canta minha gente", que dizia: " Deixa a tristeza pra lá/ Canta forte,
canta alto/ Que a vida vai melhorar" (2001, p.106).
A seguir, construiu-se outro quadro dos sambas que não compõem o objeto
desta pesquisa. Ou seja, não foi possível analisar quais tendências eram as
predominantes em suas letras: críticas e/ou conservadoras. Faz parte desse quadro
dois grandes grupos. Um primeiro é composto por sambas cujas letras voltam-se a
temas que giram em torno do próprio samba e que em tal centralidade não revelam
tendências críticas ou conservadoras ou apresentam tais tendências de forma
sincrética. O segundo grupo deste quadro compõe os sambas cujas letras voltam-se
a subjetividade dos compositores, de tal forma que dificultam a análise das
164
Quadro 2 - Letras com tema central sobre o samba e que não apresentam tendências críticas e/ou
conservadoras de forma sincrética
Explica-se isso, pois "O samba, como o mito negro, nos conta sempre uma
história" (SODRÉ, 1998, p.61). E a forma como essa história é contata tem
centralidade, pois "[...] o modo como se conta tem primazia, rege os conteúdos
narrados" (SODRÉ, 1998, p.61).
Não se afirma que apenas o fato da persistência da síncopa signifique que o
samba reproduz apenas valores críticos; mas a existência deste elemento de
resistência pode evidenciar uma cultura contra hegemônica, que por si só, indica
novas formas de sociabilidade e a construção de uma moralidade diferenciada
166
remeter ao popular, não desqualifica toda sua obra e a contestação que reproduziu
durante os duros anos da autocracia burguesa no Brasil e na América Latina. 61
Já no início da década, sobressai o destaque entre suas composições no
samba “Apesar de você”. A canção foi lançada num momento de pós promulgação
do AI-5, quando a censura ocorria de forma institucionalizada. Mas Chico Buarque
conseguiu passar pelos censores e a lançou, sendo apenas posteriormente
percebida a mensagem que realmente desejava manifestar. O “você” do samba
refere-se ao presidente Médici, e “minha gente” se refere à classe de músicos, que
com “Todo esse amor reprimido/ Esse grito contido/ Esse samba no escuro”
(APESAR..., 1970), vislumbrava chegar o momento em que veria acabar o seu
sofrimento. O recado ao presidente Médici e à censura foi o de que iria chegar o dia
em que não precisariam conceder a licença para que os artistas pudessem se
expressar: “você vai se amargar, vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença”
(APESAR..., 1970). E neste futuro esperançoso como então o presidente e todos
seus companheiros militares iriam se “se explicar, vendo o céu clarear, de repente,
impunimente? Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente?” (APESAR...,
1970). O coro das vozes dos inconformados já aparecia idealizado no início da
década.
A relação que se faz das composições que criticam o regime autocrático
com a crítica e resistência ao conservadorismo é a de que nessas composições são
questionados valores conservadores tais como a centralidade do poder, o poder
autoritário, e a defesa da ordem social sobre o aumento das desigualdades.
Em “Vai levando”, Chico aponta para a persistência diante da situação:
“Mesmo com o nada feito/ Com a sala escura/ Com um nó no peito/ Com a cara
dura/ Não tem mais jeito/ A gente não tem cura” (VAI LEVANDO..., 1975). A canção
também traduz o desespero de uma mulher que fora abandonada.
O uso do lugar “sala escura”, parece referir-se à sala de tortura dos porões
do regime autocrático. Também em “Gota d’água” o compositor parece explorar as
sensações de alguém esgotado fisicamente por uma sistemática tortura:
Já lhe dei meu corpo, minha alegria/ Já estanquei meu sangue quando
fervia/ Olha a voz que me resta/ Olha a veia que salta/ Olha a gota que falta
pro desfecho da festa/ Por favor/ Deixe em paz meu coração/ Que ele é um
61
Em 2019, Chico Buarque se tornou o primeiro músico a receber o Prêmio Camões, premiação dada na
literatura portuguesa. Então o atual presidente Jair Messias Bolsonaro, a ilustração do conservadorismo
brasileiro do atual momento e defensor de um dos principais torturadores da autocracia burguesa erigida com o
golpe de 1964, se recusou a assinar o diploma de premiação.
173
pote até aqui de mágoa/ E qualquer desatenção, faça não/ Pode ser a gota
d'água (GOTA..., 1976)
Minha história é esse nome que ainda hoje carrego comigo/ Quando vou bar
em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo/ Os ladrões e as amantes, meus
colegas de copo e de cruz/ Me conhecem só pelo meu nome de Menino
Jesus (MINHA..., 1974).
Obrigado seu Doutor pelo acontecimento/ Vai ter peixe camarão/ Lagosta
que só Deus dá/ Pego bem a sua ideia/ Peixe é bom pro pensamento/ E a
partir desse momento/ Meu povo vai pensar/ Esse mar é meu/ Leva seu
barco pra lá desse mar (DAS DUZENTAS..., 1972).
174
A manifestação de que “meu povo vai pensar” e “esse mar é meu” reforça
que aquele povo assume as rédeas de sua história demonstrando sua capacidade
pra tomar suas próprias decisões, sem precisar de uma “tutela” que o faça, ou de um
líder autoritário que saiba tomar as decisões por este povo. A história do samba
também expressa essa defesa, quando, desprovidos de formação clássica musical,
os moradores das comunidades, morros e favelas, produzem a música
organicamente vinculada às suas condições de vida; como expressa Cartola na
canção “Sala de Recepção”, já citada, não apontada na listagem utilizada nesta
pesquisa, mas que foi lançada no mesmo período de análise. A canção afirma sobre
um lugar (comunidade da Mangueira) onde uma gente “tão simples e pobre/ que só
tem o sol que a todos cobre” (SALA..., 1976), pode cantar.
Ivan Lins e Vitor Martins também fazem parte de compositores de destaque
neste eixo analítico. Em 1974 lançam “Abre Alas”. A letra inicia com uma situação
ideal de liberdade cultural e artística: “abre alas pra minha folia/ já está chegando a
hora/ abre Alas pra minha bandeira/ já está chegando a hora” (ABRE..., 1974); mas
parece ir esmorecendo na medida em que se lembra das condições reais, e
aconselha:
Apare os teus sonhos que a vida tem dono/ E ela vem te cobrar/ A vida não
era assim, não era assim/ Não corra o risco de ficar alegre/ pra nunca
chorar/ A gente não era assim, não era assim/ Encoste essa porta que a
nossa conversa não pode vazar/ A vida não era assim, não era assim/
Bandeira arriada, folia guardada/ pra não se usar (ABRE..., 1974).
O futebol foi neste período uma temática bem explorada para camuflar as
atrocidades do regime. Uma composição de samba neste sentido que não entrou na
176
listagem utilizada nesta pesquisa, mas que cabe mencionar é o grande sucesso de
Luiz Américo “Camisa Dez” de 1973. Entre outras canções nesta mesma toada
estão a marcha “Pra frente Brasil”, de Miguel Gustavo em 1970 e “Eu te amo meu
Brasil” no mesmo ano, da dupla Dom & Ravel, as duas relacionam o campeonato de
futebol com o chamado “milagre brasileiro”. Assim
Para não fugir do gênero musical que é foco desta pesquisa, lembra-se que
o compositor e cantor Benito da Paula também menciona o futebol em seu samba
“Assobiar e Chupar Cana”, no trecho “A taça do mundo é nossa, Com brasileiro não
há quem possa” (ASSOBIAR..., 197). A citação é de uma marcha lançada na década
de 195862.
Há de se mencionar, contudo, que não se considera o esporte, ou o futebol,
um mero instrumento de mascaramento das contradições. Atenta-se à existência e
ao protagonismo, no período de vigência da autocracia burguesa da década de
1970, do movimento “democracia corintiana” que Chaui observa: “Se há no futebol,
como vimos, aspectos que o tornam apropriável pelo verde-amarelismo, há nele
também aspectos que o fazem, tacitamente, contestador do verde-amarelo” (1989,
p.102). E foi exatamente no período da autocracia burguesa que segundo a autora
[...] uma pesquisa feita [...] nas principais cidades do país sobre o
desempenho nacional e internacional do futebol, considerado insatisfatório,
revelou o seguinte resultado: 90% dos entrevistados atribuíram o mau
desempenho à militarização do futebol, ao lado de os treinadores oficiais
serem capitães e coronéis do Exército e da Marinha e submeterem os
jogadores, no dizer de um entrevistado, “à disciplina do quartel” (CHAUI,
1989, p.103).
Isso se explica, nas reflexões da autora pelo fato do esporte ter intrínseca
relação com o popular, sendo compreendido como
62
Marcha composta por Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dag em 1958 nas
comemorações da vitória na Copa do mundo na Suécia.
177
63
Hoje se sabe que o uso da expressão “a coisa aqui tá preta” expressa uma concepção racista quando
relaciona a cor preta com uma situação ruim, mas durante a composição está ainda não era uma consciência
presente.
178
que o brasileiro tem feito. A canção faz a denúncia das condições de vida do
trabalhador brasileiro, que necessitava de “muita mutreta pra driblar a situação”
(MEU CARO, 1976).
Outro elemento a ser observado é que a canção é como uma carta, pois
segundo o personagem que a escreve, o “correio andou arisco”, por isso ele se
propõe a: “tentar lhe remeter, notícias frescas nesse disco”. Uma alusão e denúncia
sobre censura nas composições.
Durante a década de 1970, como já explicitado, a cultura foi fortemente
reprimida, além de ser determinada por condições que o regime militar impôs a
levando a transformações. Segundo Napolitano, com o
O que será, que será?/ Que vive nas ideias desses amantes/ Que cantam
os poetas mais delirantes/ Que juram os profetas embriagados/ Que está na
romaria dos mutilados/ Que está na fantasia dos infelizes/ Que está no dia a
dia das meretrizes/ No plano dos bandidos dos desvalidos/ Em todos os
sentidos.../ Será, que será?/ O que não tem decência nem nunca terá/ O
que não tem censura nem nunca terá/ O que não faz sentido.../ O que será,
que será?/ Que todos os avisos não vão evitar/ Por que todos os risos vão
desafiar/ Por que todos os sinos irão repicar/ Por que todos os hinos irão
consagrar/ E todos os meninos vão desembestar/ E todos os destinos irão
se encontrar/ E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá/ Olhando aquele
inferno vai abençoar/ O que não tem governo nem nunca terá/ O que não
tem vergonha nem nunca terá/ O que não tem juízo (O QUE..., 1976).
João foi um de nós, meu filho, e teve que suportar as maiores dificuldades
de uma terra seca e pobre como a nossa. Pelejou pela vida desde menino,
passou sem sentir pela infância, acostumou-se a pouco pão e muito suor.
Na seca, colhia macambira, bebia o sumo do xique xique, passava fome, e
quando não podia mais rezava, quando a reza não dava jeito, ele se
juntaram a um grupo de retirantes que ia tentar sobreviver no litoral.
Humilhado, derrotado, cheio de saudade. E logo que tinha notícia da chuva,
pegava o caminho de volta, animava-se de novo, como se a esperança
fosse uma planta que crescesse com a chuva. E quando revia sua terra,
dava graças a Deus por ser um sertanejo pobre, mas corajoso e cheio de fé
180
(O AUTO..., 2000).
aquisitivo que resta à classe trabalhadora. Quando o saco de feijão passa a custar
muito mais:
Eu não tenho nada de luxo que possa agradar o ladrão/ só uma cadeira
quebrada, um jornal que é meu colchão/ eu tenho uma panela de barro, e
dois tijolos como um fogão/ O ladrão ficou maluco de ver tanta miséria em
cima de um cristão/ E saiu gritando pela rua pega eu que eu sou ladrão/
(PEGA..., 1979).
Silêncio/ Morreu um poeta no morro/ Num velho barraco sem forro/ Tem
cheiro de choro no ar/ Mas choro que tem bandolim e viola/ Pois ele falou lá
na escola/ que o samba não pode parar/ por isso meu povo no seu
desalento/ começa a cantar samba lento/ que é jeito da gente rezar/ E dizer
que a dor doeu/ que o poeta adormeceu/ como um pássaro cantor/ quando
vem no entardecer/ acho que nem é morrer/ silêncio/ mais um cavaquinho
vadio/ ficou sem acordes, vazio/ deixado num canto de um bar/ mas dizem
poeta que morre é semente/ de samba que vem de repente/ e nasce se a
gente cantar” (MORTE..., 1977).
183
A sala cala e o jornal prepara quem está na sala/ Com pipoca e com bala e
o urubu sai voando, manso/ O tempo corre e o suor escorre, vem alguém de
porre/ Há um corre-corre, e o mocinho chegando, dando./ Eu esqueço
sempre nesta hora (linda, loura)/ Minha velha fuga em todo impasse;/ Eu
esqueço sempre nesta hora (linda loura)/ Quanto me custa dar a outra face./
O tapa estala no balacobaco e é bala com bala/ E fala com fala e o galã se
espalhando, dando./ No rala-rala quando acaba a bala é faca com faca/ É
rapa com rapa e eu me realizando, bambo./ Quando a luz acende é uma
tristeza (trapo, presa),/ Minha coragem muda em cansaço./ Toda fita em
série que se preza (dizem, reza)/ Acaba sempre no melhor pedaço (BALA...,
1972).
mania de passado/ Sem querer ficar do lado/ De quem não quer navegar/ Faça
como um velho marinheiro/ Que durante o nevoeiro/ Leva o barco devagar”
(ARGUMENTO..., 1975).
O marinheiro levando o barco devagar durante o nevoeiro representa as
mulheres e homens que atentos criticamente às mediações do concreto, vão se
reconstruindo e assim reconstruindo seus valores. Trata-se aqui de um
posicionamento contrário ao que se expressa entre expoentes do conservadorismo
clássico que fazem apologia ao passado sem reconhecer as transformações do
próprio movimento histórico, ou do conservadorismo moderno que desconsideram
as grandes transformações, defendendo somente aquelas que servem de
sustentação para a ordem posta: a do capitalismo.
O quarto eixo que orientou análise das letras de samba é referente à ênfase
na laicização em expressões diversas de religiosidade ou a afirmação rígida da
tradição judaico cristã.
Dentre as composições analisadas, observam-se as que se referem à
elementos de expressões de diversas religiosidades e também as que centram-se
na afirmação da tradição judaico cristã. Não é uma regra que as primeiras estejam
vinculadas a aspectos críticos enquanto que as segundas a aspectos
conservadores. Contudo, considera-se que as referências a expressões religiosas
que não se filiam a esta tradição e, que, expressam diversas formas de religiosidade
podem sim sinalizar para o respeito à diversidade religiosa frente à afirmação da
religião imposta.
Sinaliza-se, nesta direção uma das canções de Chico Buarque, “Partido
Alto”, na qual o personagem principal da história questiona o destino traçado por
Deus para ele e a responsabilidade deste seu destino, quando: “Diz que deu, diz que
dá, diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/ E se Deus não dá/ Como é que vai
ficar, ô nega? (...) Deus é um cara gozador, adora brincadeira” (PARTIDO..., 1972).
No senso comum assiste-se à tradicional associação de conquistas às bênçãos
divinas, mas os insucessos são tributados à responsabilidade humana. Esta canção
traz a tona, de forma indireta, a responsabilidade sobre a história humana, ao
mesmo tempo em que chama atenção para a religiosidade em seu aspecto
alienante.
Em “Festa para um rei negro - pega no ganzé”, samba já citado, aparecem
outras formas de religiosidade que questionam a hegemonia da tradição judaico
186
Tem uns dias/ Que eu acordo/ Pensando e querendo saber/ De onde vem/
O nosso impulso/ De sondar o espaço/ A começar pelas sombras sobre as
estrelas-las-las-las/ E de pensar que eram os deuses astronautas/ E que se
pode voar sozinho até as estrelas-las-las/ Ou antes dos tempos conhecidos/
Conhecidos/ Vieram os deuses de outras galáxias-xias-xias/ Ou de um
planeta de possibilidades impossíveis/ E de pensar que não somos os
primeiros seres terrestres/ Pois nós herdamos uma herança cósmica/ Errare
humanum est/ Errare humanum est (ERRARE..., 1974).
A crítica também aparece nas frases seguintes, com atenção para o uso dos termos
“até” e “pareceu”: “A paz amanheceu sobre o país/ E o povo até pensou que já era
feliz/ Mas foi porque/ Pra todo mundo pareceu/ Que o Menino Deus nasceu”
(MENINO..., 1974).
A alusão ao fato do povo “até” pensar que era já era feliz manifesta o
contraste com uma realidade de mazelas que vivenciavam na década de 1970;
aquele era um momento de respiro diante das dificuldades, o nascimento do menino
Deus enchia de sentido suas vidas, que no cotidiano parecia lhes fugir. Mas não é
porque a Igreja diz que é natal, que o mundo para e as coisas se colocam no lugar
como um passe de mágica, e a harmonia se dá, assim como defendiam os
conservadores clássicos, sendo Deus, e por consequência a igreja, o centro do
universo. O responsável por fazer a harmonia imperar seria um ser superior,
enquanto que aos “homens desordeiros por natureza”, era necessário ter alguém ou
alguma instituição que lhes forçasse a preservar a ordem necessária. Neste sentido,
a família e os pequenos grupos comunitários tem uma função essencial de núcleo
da ordem e harmonia.
Em “Modinha para Gabriela” de Dorival Caymmi, de 1975, Gabriela vem ao
mundo sem estar marcada com nada, sem pouco se importar com quem lhe batizou:
Quando eu vim pra esse mundo/ Eu não atinava em nada/ Hoje eu sou
Gabriela/ Gabriela he! meus camaradas/ Eu nasci assim, eu cresci assim/
Eu sou mesmo assim/ Vou ser sempre assim/ Gabriela, sempre Gabriela/
Quem me batizou, quem me iluminou/ Pouco me importou, e assim que eu
sou/ Gabriela, sempre Gabriela/ Eu sou sempre igual, não desejo mal/ Amo
o natural, etecetera e tal/ Gabriela, sempre Gabriela (MODINHA..., 1975).
Salve o Nosso Senhor Jesus Cristo!/ Epa Babá, Oxalá!/ Salve São Jorge
Guerreiro, Ogum!/ Ogunhê, meu Pai!/ Salve Santa Bárbara!/ Eparrei, minha
mãe Iansã!/ Salve São Pedro!/ Kaô Kabesilê, Xangô!/ Salve São Sebastião!
Okê Arô, Oxóssi!/ Salve Nossa Senhora da Conceição!/ Odofiabá, Iemanjá!/
Salve Nossa Senhora da Glória!/ Ora yeyê ô, Oxum!/ Salve Nossa Senhora
de Santana, Nanã Burukê!/ Saluba Bobó!/ Salve São Lázaro!/ Atotô,
Obaluaê!/ Salve São Bartolomeu!/ Arrobobô, Oxumaré! (GUERREIRA...,
1978).
64
Clara Nunes nasceu Minas Gerais e “foi a primeira brasileira a ultrapassar a cifra de cem mil discos vendidos,
quebrando um velho tabu reverenciado pelas gravadoras” (SEVERIANO; MELO, 2015, p.182).
189
culturais africanos: “Clara/ Abre o pano do passado/ Tira a preta do cerrado/ Pôe
reio congo no conga/ Anda, canta um samba verdadeiro/ Faz o que mandou o
mineiro/ Oh! Mineira” (MINEIRA..., 1976). Aparece neste trecho referência a outra
obra musical, do ano de 1939 de Ary Barroso: “Aquarela do Brasil”.
O quinto eixo orientador para as análises das letras se refere à ênfase a
expressões que tendem a convergir para apologia à necessária harmonia social.
Segundo Napolitano, é neste período que são impregnadas as canções da MPB de
valores que expressavam a busca pela modernidade e pela justiça, mesmo que para
isso a justiça ficasse cada vez mais restrita, segundo o mesmo autor
Minha seresta/ Não terá pinga na rua/ Não terá luar nem lua/ E nem lampião
de gás/ Porque a lua/ Nesses tempos agitados/ Já não é dos namorados/
Romantismo não tem mais/ Minha seresta/ Nesta era espacial/ Vai se tornar
imortal/ Na voz daquele ou daquela/ Minha seresta/ Vai ganhar placa de
bronze/ Pois nem mesmo apolo onze/ É mais moderno que ela (BOÊMIO...,
1971).
Que as sete sai pro batente/ E noite vem pro jantar/ Não deixo meu trabalho
pra depois/ Sou boêmio setenta e dois/ Quem quiser pode imitar/ Não faço
apologia ao botequim/ E só bebo umas e outras/ Quando a coisa está pra
mim/ Mudei e mudei para melhor/ Não é qualquer ré menor/ Das cordas de
uma viola/ Que me faz perder a trilha/ Que me faz mudar o rumo/ Viola e
amor/ Eu tenho em casa pra consumo/ Resumo/ Agora minha transa é
diferente/ Tenho amor e muita paz/ Podes crer sou muito gente/ Mas o
mesmo visionário/ Somando estrelas na mão/ Sempre na minha com aquela
curtição/ Morou/ Bom mesmo, é ser boêmio como sou (BOÊMIO..., 1972).
Eh! Meu amigo Charlie/ Eh! Meu amigo/ Charlie Brown, Charlie Brown/ Se
você quiser/ Vou lhe mostrar/ A nossa São Paulo/ Terra da garoa/ Se você
quiser/ Vou lhe mostrar/ Bahia de Caetano/ Nossa gente boa/ Se você
quiser/ Vou lhe mostrar/ A lebre mais bonita/ Do Imperial/ Se você quiser
Vou lhe mostrar/ Meu Rio de Janeiro/ E nosso carnaval/ Charlie! Eh! Meu
amigo Charlie/ Eh! Meu amigo/ Charlie Brown, Charlie Brown/ Eh! Meu
amigo Charlie/ Eh! Meu amigo/ Charlie Brown, Charlie Brown/ Se você
quiser/ Vou lhe mostrar/ Vinícius de Moraes/ E o som de Jorge Ben/ Se
você quiser/ Vou lhe mostrar/ Torcida do Flamengo/ Coisa igual não tem/
Se você quiser/ Vou lhe mostrar/ Luiz Gonzaga/ Rei do meu baião/ Se você
quiser/ Vou lhe mostrar/ Brasil de ponta a ponta/ Do meu coração/ Oh Oh
Charlie!/ Eh! Meu amigo Charlie/ Eh! Meu amigo/ Charlie Brown, Charlie
Brown/ Eh! Meu amigo Charlie/ Eh! Meu amigo Charlie Brown, Charlie
Brown/ Se você quiser/ Vou lhe mostrar/ Vinícius de Moraes/ E o som de
Jorge Ben/ Se você quiser/ Vou lhe mostrar/ Torcida do Flamengo/ Coisa
igual não tem/ Se você quiser/ Vou lhe mostrar/ Luiz Gonzaga/ Rei do meu
baião/ Se você quiser/ Vou lhe mostrar/ Brasil de ponta a ponta/ Do meu
coração/ Oh Charlie!/ Eh! Meu amigo Charlie (CHARLIE..., 1975).
atrocidades que eram cometidas pelo regime militar. Não está se criticando
composições de exaltação do país, mas o que não há como negar é que esta
composição converge para a valorização da harmonia social.
Em “Fato consumado” também lançado em 1975, aparece o conformismo na
conhecida máxima: “Contra fatos não há argumentos”. O autor traduz tal valor na
frase: “No fundo, eu julgo o mundo um fato consumado e vou embora” (FATO...,
1975). O que tem de aspecto conservador nesta composição é o fato do compositor
confirmar um mundo que já está dado e não há como questioná-lo. É o fim da
história proclamado pelos conservadores modernos, ou o providencialismo do qual
resta-nos viver o que está dado, pois haverá um momento que alcançaremos a vida
eterna no paraíso prometido.
Em “Mundo Bom” de Agepê e Canário, samba composto em 1978, há a
manifestação dialética de um mundo que gira,se transforma: “Gira mundo vai
girando/ Roda mundo vai rodar/ Roda gira, gira a roda/ Me leva pra qualquer lugar/
No eixo do meu dia a dia/ Te deixo me fazer cantar/ Tem gente que não entende/
Que a vida é feita/ De açúcar e sal/ De chuva e sol” (MUNDO..., 1978).
Mas o compositor acaba concluindo que o “mundo é bom” e que “vai ficar
tudo bem”, o que resulta na exaltação à atitude conformista. Há sim a compreensão
da transformação, mas há também a compreensão de que no final das contas o
mundo é bom e tudo vai se resolver de forma pacífica.
O sexto eixo refere-se à afirmação de preconceitos de classe, gênero ou
etnia, ou, ao contrário, o reconhecimento de valores e críticas a tais preconceitos.
Observa-se que há em parte das letras de sambas analisados, algumas que se
colocam na perspectiva do reconhecimento da importância de diferentes etnias,
sobretudo com referência aos negros e indígenas e, em alguns casos, até
valorização da população nortista e nordestina que também são alvos de
preconceitos em nosso país.
No samba enredo da Portela de 1972, “Ilu Ayê- terra da vida”, de
composição de Cabana e Norival Reis, aparecem elementos de afirmação da cultura
africana como forma de resistência ao processo de escravização sofrido durante a
colonização brasileira:
Ilu Ayê, Ilu Ayê Odara/ Negro dançava na Nação Nagô/ Depois chorou
lamento de senzala/ Tão longe estava de sua Ilu Ayê/ Tempo passou ôô/ E
no terreirão da Casa Grande/ Negro diz tudo que pode dizer/ É samba, é
batuque, é reza/ É dança, é ladainha/ Negro joga capoeira/ E faz louvação à
192
O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil/ Tapir, jabuti
Iliana, alamanda, alialaúde/ Piau, ururau, akiataúde/ Piá, carioca,
porecramecrã/ Jobimakarore Jobim-açu/ Uô-uô-uô-uô/ Pererê, câmara,
tororó, olerê/ Piriri, ratatá, karatê, olará!/ O Brazil não merece o Brasil/ O
Brazil tá matando o Brasil/ Jerebasaci/ Caandrades cunhãs, ariranharanha/
Sertões, Guimarães, bachianaságuas/ Imarionaíma, arirariboia/ Na aura das
mãos de Jobim-açu/ Uô-uô-uô-uô/ Jereerê, sarará, cururu, olerê/ Blá-blá-
blá, bafafá, sururu, olará/ Do Brasil, S.O.S. ao Brazil/ Tinhorão, urutu, sucuri
olerê/ Ujobim, sabiá, bem-te-vi olará/ Cabuçu, Cordovil, Cachambi olerê/
Madureira, Olaria ibangu olará/ Cascadura, Águasanta, Acari olerê/
Ipanema inovaiguaçu olará/ Araguaia e Tucuruí/ Cantagalo, ABC, Japeri/
Cabo frio xingú sabará/ Florianópolis piabetá/ Araceli no espirito santo/ E o
aézio em jacarépaguá/ Os inamps o jari a central/ Instituto medico legal
(QUERELAS..., 1978).
Vou dar bolacha/ em quem mexer com a minha nega/ Já dei colher demais
agora chega/ Há dez mulheres para cada um/ no Rio de Janeiro/ A nega é
minha/ ninguém tasca eu vi primeiro/ Oi a nega é minha/ ninguém tasca eu
vi primeiro/ Quando eu andava naquela/ pindaíba que fazia gosto/ não havia
nem um matusquela/ querendo olhar pro seu rosto/ Hoje ela anda bonita/ e
vive no meu barracão/ 1 2 3 fica assim de gavião/ Oi o meu barraco fica
assim de gavião/ 1 2 3 fica assim de gavião/ Oi o meu barraco fica assim de
gavião (NINGUÉM..., 1973).
Tens que chorar o meu choro/ Sorrir no meu riso/ Sonhar no meu sonho/
Versar nos meus versos/ Cantar no meu coro/ Na minha tristeza tens que
ser tristonho/ Há de estar brincando, que também vou ficar brincadeira/ Não
choro o teu choro/ Não sonho o teu sonho/ Não verso os seus versos/ Nem
marco bobeira (O AMOR..., 1978).
Mulher preguiçosa, mulher tão dengosa, mulher/ Você não passa de uma
mulher (ah, mulher)/ Mulher tão bacana e cheia de grana, mulher/ Você não
passa de uma mulher (ah, mulher)/ Você não passa de uma mulher (ah,
mulher)/ Você não passa de uma mulher/ Olha que moça bonita/ Olhando
pra moça mimosa e faceira/ Olhar dispersivo, anquinhas maneiras/ Um
195
Mas Martinho da Vila não pode ser lembrado apenas por suas composições
machistas e que reproduzem valores de sustentação da sociedade patriarcal. É um
homem negro e tem sua história marcada por este seu lugar de fala.
Martinho da Vila foi batizado como de Martinho José Ferreira, filho de pais
lavradores, nasceu no interior do Rio de Janeiro em 1938, mas em busca por
melhores condições de vida, sua família se muda para a capital. O único filho
homem da família significava pra sua mãe a possibilidade de “[...] escalar todos os
degraus da pirâmide social, da base ao topo” (BARBOZA, 2013, p.122). Assim,
[...] depois de uma turnê em Angola em 1972, desperta seu interesse pelas
ligações históricas entre as culturas africanas e afro-brasileiras, engajando-
se na luta pela afirmação da identidade negra e defesa da igualdade racial,
temas constantes em suas canções e em livros de sua autoria,
como Kizombas, Festas e Andanças (1992), Ópera Negra (2001), Memórias
Póstumas de Tereza de Jesus (2002) (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL,
2019).
No entanto
Em “Nem ouro, nem prata” de Rui Maurity e José Jorge, já citada acima,
além do aspecto da afirmação de elementos de religião afro-brasileira, trás também
a afirmação:
Sou brasileira, faceira, mestiça mulata/ Não tem ouro, nem prata/ O samba
que sangra do meu coração/ Tua menina de cor/ Pedaço de bom carinho/
Entrei no teu passo/ Malandra não sou/Como a tal conceição/ Chega de
tanto exaltar essa tal de saudade/ Meu caboclo moreno, mulato, amuleto do
nosso brasil/ Olha, meu preto bonito/ Te quero, prometo/ Te gosto pra
sempre/ Do samba-canção ao primeiro apito/ Do ano dois mil (NEM
OURO..., 1976).
Lava roupa todo dia, que agonia/ Na quebrada da soleira, que chovia/ Até
sonhar de madrugada, uma moça sem mancada/ Uma mulher não deve
vacilar/ Eu entendo a juventude transviada/ E o auxílio luxuoso de um
pandeiro/ Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada/ Uma mulher
não deve vacilar/ Cada cara representa uma mentira/ Nascimento, vida e
morte, quem diria/ Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada/
Uma mulher não deve vacilar/ Hoje pode transformar/ E o que diria a
juventude/ Um dia você vai chorar/ Vejo clara as fantasias/ Lava roupa todo
dia, que agonia/ Na quebrada da soleira, que chovia/ Até sonhar de
madrugada, uma moça sem mancada/ Uma mulher não deve vacilar/ Até
sonhar de madrugada, uma moça sem mancada/ Uma mulher não deve
vacilar (JUVENTUDE..., 1976).
sua crítica férrea a Caetano, Tinhorão aponta que o compositor baiano tinha
características de autoconfiança exacerbadas e por isso “ia evidenciar sempre um
individualismo muito exacerbado, o que por sua vez explicaria sua incompatibilidade
com a participação política e sua aversão às ideologias e interpretações dialético-
materialistas da História” (1986, p.256).
A crítica social feita pelo compositor não se dá pautada no materialismo
histórico dialético, porém abala as estruturas e valores sociais da ordem instituída.
Portanto, não há como dizer que nas letras de Caetano não seja possível identificar
tendências críticas, mesmo que estas não estejam fundamentadas no materialismo
histórico dialético. Não há como negar que o movimento do tropicalismo contradizia
a moralidade burguesa brasileira daquele período com as suas diversas formas de
contestação.
Em 1975, a escola de samba Portela apresenta seu samba-enredo chamado
Macunaíma. Macunaíma é a personagem da obra de Mario de Andrade, o “herói
sem nenhum caráter”. O fato do samba colocar em evidência a história de um anti
herói, faz uma crítica a realidade social, pois uma nação que não tem um herói,
cultua o anti herói.
Há sambas nos quais todos os eixos que elegemos para análise aparecem,
de forma mais ou menos explícita, contudo, elegeu-se, aqui, um desses sambas;
para exemplificar a riqueza de aspectos que se revelam na análise de conteúdo
dessas letras de samba. O samba-choro de Caetano Veloso, lançado em 1978,
“Sampa” provoca uma reflexão acerca do preconceito. Defendido pelos
conservadores como necessário para orientar adequadamente o comportamento
humano para que este tenha parâmetros para agir frente à realidade social e não
busque e execute estratégias de transformação, o preconceito é denunciado neste
200
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas/ Da força da grana que ergue/
e destrói coisas belas/ Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas/ Eu
vejo surgir teus poetas de campos, espaços/ Tuas oficinas de florestas, teus
deuses da chuva/ Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba/ Mas
possível novo quilombo de Zumbi/ E os Novos Baianos passeiam na tua
garoa/ E novos baianos te podem curtir numa boa (SAMPA..., 1978).
Os ímpetos à revolução devem ser efetivados por uma classe que seja
capaz de “[...] despertar em si e nas massas, um momento de entusiasmo em que se
associe e misture com a sociedade em liberdade, se identifique com ela e seja
sentida e reconhecida como a representante geral da referida sociedade” (MARX,
2006, 154).
criação. Mesmo assim, é uma “esperança equilibrista” que ainda vive sob o julgo da
decisão do poder político que experienciava uma incipiente transição, traduzindo
aquele momento de insegurança.
O samba “O bêbado e a equilibrista” foi um dos grandes destaques do ano.
Seus compositores traduzem sentimentos de esperança da classe artística com
relação à reabertura política, foi “uma notável composição de João Bosco e Aldir
Blanc, que focaliza uma promessa de abertura democrática, na ocasião, cercada de
incertezas” (SEVERIANO; MELLO, 2015, p.283-284).
Outra canção que faz referência ao desejo dos brasileiros pela tão sonhada
liberdade é “Senhora liberdade” de Wilson Moreira e Nei Lopes, também do mesmo
ano:
CONCLUSÃO
matou e quem a mandou matar, tinha interesses políticos que se concretizavam com
a sua morte. Marielle, assim como durante sua vida resistiu; renasceu e resiste nas
vozes que diariamente lutam por causas sociais. Assim como Marielle, o samba
resiste!
O relatado acima tem um motivo que se apresenta no fato de o atual
presidente expressar sua inquestionável reverência aos militares que tomaram o
poder com o golpe de 1964, o presidente inclusive tornou público que apoia a
tortura. Além disso, não demonstra atenção pelo desvendamento do assassino de
Marielle Franco.
O golpe de 1964 significou um duro retrocesso ao que o Brasil vinha
acumulando de avanços democráticos e progressistas e não foi diferente com a
eleição e posse de Jair Messias Bolsonaro. Além disso, o golpe no mundo da cultura
também vem sendo dado, assim como no período da autocracia burguesa da
década de 1970.
Após o golpe de 1964, o “mundo da cultura” foi atingido e seus protagonistas
começam a ter cerceadas suas possibilidades de liberdade de criação. Mas como se
viu nesta pesquisa, com o samba isso se tornou um pouco mais difícil, os aspectos
críticos que o gênero acumulou desde sua origem que já se configurou como
resistência, dificultou o processo de cerceamento de sua manifestação.
Voltando-se ao tema central desta pesquisa e ao seu objeto: valores que se
expressam nas letras de samba da década de 1970; cabem algumas considerações:
Observa-se através da caracterização de cada letra e da construção dos
gráficos que de um modo geral as letras apresentaram maiores tendências críticas
do que conservadoras, embora isso ocorra de forma dialética e na mesma letra, ao
mesmo tempo, as tendências podem se misturar. Observa-se ainda que há um
destaque no ano de 1979, quando só aparecem letras de sambas de tendências
críticas, em sua grande maioria relatando o sentimento de esperança e insegura
vivenciado no período de redemocratização política.
Conclui-se também que após revisão bibliográfica e análises das letras, a
expressão artística se apresenta como reflexo estético da realidade e nela vão se
apresentar múltiplos determinantes. É nesse sentido que a história do samba pode
ser contada através da história do Samba e os elementos valorativos reproduzidos.
Desde o seu surgimento, o gênero samba é símbolo de resistência cultural e
política. O povo negro escravizado e o povo indígena massacrado pelo processo de
206
colonização resistiram através de diversas formas, mas uma delas foi e continua
sendo através do samba.
O samba passou por transformações que nos explicitam que em alguns
momentos suas tendências críticas se apresentavam mais que suas tendências
conservadoras.
Compreende-se que o conservadorismo é o sistema de valores que nasce
na sociabilidade que se funda no modo de produção capitalista, ou seja, sua
reprodução não está restrita ao âmbito individual das escolhas de valores a serem
reproduzidos por mulheres e homens. Mesmo em populações que vivenciam
situações cotidianas de violência e privação de direitos, o conservadorismo é
reproduzido, porque é uma das mediações dessa sociabilidade burguesa. Contudo,
como os valores são históricos, a possibilidade da crítica é o convite à construção de
novos valores, avessos a essa sociabilidade.
É a partir desse movimento que esta pesquisa volta-se ao samba. Apesar
de ter sua gênese vinculada à resistência do preto e pobre do Rio de Janeiro é parte
de um movimento histórico. A classe média carioca descobre as riquezas do gênero
e também quer participar. Seus aspectos iniciais ganham novos contornos, e
escampam aos propósitos da resistência; ainda que alguns compositores advindos
das classes médias, no período analisado, tiveram a ousadia de expressar suas
posições e visões de mundo que não podem ser consideradas meramente alienadas
e alienantes perante a realidade brasileira. Um exemplo dessa criticidade no samba
são as composições de Chico Buarque de Holanda.
Como nesse movimento histórico, elegeu-se nessa pesquisa a análise das
letras de samba em um determinado período: a década de 1970; conforme Netto
apontou, neste período a autocracia interviu sob duas frentes no “mundo da cultura”:
a negativa e a positiva. Na primeira delas, apresentou sua face terrorista, reprimiu,
torturou e tentou ao máximo calar a voz dos protagonistas do mundo da cultura,
inclusive a classe artística, e mais especificamente os músicos do samba.
Com relação à frente positiva, tentou promover ao máximo as vertentes
ideológicas que reproduzissem as marcas históricas do Brasil e incentivou a
proliferação das vertentes que se diziam neutras, assépticas, sem interesse pelas
questões da sociedade.
É nesta última vertente que observamos as composições de samba com
temas que revelavam sua despreocupação com a situação vivenciada pela
207
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O AUTO da Compadecida. Direção: Guel Arraes. Produção: Globo Filmes e a
Lereby Produções. [S. l.: s. n.], 2000. Disponivel em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Rk85x9AL4YM>. Acesso em: 9 jan. 2020.
O BÊBADO e a equilibrista. Compositor: João Bosco e Aldir Blanc. [S. l.]: Letras de
Música, 1979. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/joao-bosco/46527/>.
Acesso em: 25 set. 2019.
O GLOBO. 100 anos de samba: Um passeio pelo gênero ao longo das décadas. O
Globo Cultura, 2016. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/musica/100-
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em: 30 maio 2019.
O MUNDO é um moinho. Compositor: Cartola. [S. l.]: Letras de Música, 1976.
Disponível em: <https://www.letras.mus.br/cartola/44901/>. Acesso em: 18 fev. 2020.
O QUE será. Compositor: Francisco Buarque de Hollanda. [S. l.]: Letras de Música,
1976. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45156/>. Acesso
em: 18 fev. 2020.
OI, COMPADRE. Compositor: Martinho da Vila. [S. l.]: Letras de Música, 1977.
Disponível em: <https://www.letras.mus.br/martinho-da-vila/1400739/>. Acesso em:
18 fev. 2020.
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. O Exército e o Positivismo: identidade e autonomia
política. 1989. Disponível em: <https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/1677/2-
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OLIVEIRA, Nilo Dias. Os primórdios da doutrina de segurança nacional: a escola
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ORAÇÃO de mãe menininha. Compositor: Dorival Caymmi. [S. l.]: Vagalume: Música
é tudo, 1972. Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/dorival-caymmi/oracao-
de-mae-menininha.html>. Acesso em: 12 dez. 2019.
219
VOCÊ não entende nada. Compositor: Caetano Veloso. [S. l.]: Letras de Música,
1972. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44792/>. Acesso
em: 2 mar. 2020.
XAVIER, Wescley Silva; CARRIERI, Alexandre de Pádua. Concepções de uma
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EBAPE.BR FGV EBAPE V.12, nº 3, 2014. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
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XICA da Silva. Compositor: Jorge Bem. [S. l.]: Letras de Música, 1976. Disponível
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WISNIK, José Miguel. O minuto e o milênio ou Por favor, professor, uma década
de cada vez. In: NOVAES, Adauto (organização). Anos 70: Ainda sob a
tempestade. Rio de Janeiro: Aeroplano, Editora Senac Rio, 2005. p. 20- 36.
222
APÊNDICES
223
APÊNDICE 1
Quadro de Músicas brasileiras de destaque de 1970 a 1979:
1970 Apesar de Você- Chico Buarque de Hollanda;
Azul da Cor do Mar- Tim Maia;
Bandeira Branca- Max Nunes e Laércio Alves;
Foi um Rio que Passou em Minha Vida- Paulinho da Viola;
Gente Humilde- Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda;
Jesus Cristo- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
Madalena- Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza;
Menina- Paulinho Nogueira;
Pra Frente Brasil- Miguel Gustavo;
Procurando Tu- Antônio Barros e J. Luna;
O amor é meu país- Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza;
Assim na Terra como no céu- Roberto Menescal e Paulinho Tapajós;
BR-3- Antônio Adolfo e Tibério Gaspar;
O cabeção- Roberto Correia e Sílvio Son;
Cento e Vinte, Cento e Cinquenta, Duzentos Quilômetros por hora- Roberto Carlos
e Erasmo Carlos;
Coqueiro Verde- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
É de Lei- Baden Powell e Paulo César Pinheiro;
Eu amo você- Cassiano e Sílvio Rochael;
Eu te amo meu Brasil- Dom (Eustáquio Gomes de Farias);
Hotel das Estrelas- Jards Macalé e Duda Machado;
Irmãos Coragem- Nonato Buzar e Paulinho Tapajós;
London, London- Caetano Veloso;
Meu Laiá-Raiá- Martinho da Vila;
Meu pequeno cachoeiro- Raul Sampaio;
Paixão de um Homem- Waldick Soriano;
Pra você- Sílvio César;
Primavera- Cassiano e Sílvio Rochael;
Primeiro Clarim (marcha-rancho/carnaval), Klecius Caldas e Rutinaldo;
Quero voltar pra Bahia- Paulo Diniz;
Se eu pudesse conversar com Deus- Nelson Ned;
Teletema- Antônio Adolfo e Tibério Gaspar;
Tudo se transformou- Paulinho da viola;
Universo no teu corpo- Taiguara;
Vai ser assim- Martinha;
Verão vermelho- Nonato Buzar;
Vista a Roupa meu bem- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
Vou deitar e rolar- Baden Powell e Paulo César Pinheiro;
1971 Como dois e dois- Caetano Veloso;
Construção- Chico Buarque de Holanda;
Cotidiano- Chico Buarque de Holanda;
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
Detalhes- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
Festa para um Rei Negro (Pega no ganzê) (samba-enredo/carnaval)- Zuzuca- Adil de
Paula;
Tarde em Itapoã- Toquinho e Vinícius de Moraes;
Você Abusou- Antônio Carlos e Jocafi;
Amada Amante- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
Amanda- Taiguara;
Balada n7 (Mané Garrincha)- Alberto Luís;
Bloco da Solidão (marcha-rancho/carnaval)- Evaldo Gouveia e Jair Amorim;
Boêmio Demodê- Adelino Moreira;
O Cafona- Marcos vale e Paulo Sérgio Vale;
De noite na cama- Caetano Veloso;
De tanto amor- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
Desacato- Antônio Carlos e Jocafi;
Deus lhe pague- Chico Buarque;
Ê Baiana- Fabrício Silva, Baianinho, Ênio Santos Ribeiro e Miguel Pancrácio;
Impossível acreditar que perdi você- Márcio Greyck e Cobel;
Independência ou Morte- Zé Di;
Lapa em três tempos- samba-enredo/carnaval- Ari do Cavaco e Rubens;
Menina da Ladeira- João Só;
224
APÊNDICE 2
Quadro de Sambas de destaque de 1970 a 1979:
1970 Apesar de você- Chico Buarque de Holanda;
Foi um rio que passou em minha vida- Paulinho da Viola;
Madalena- Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza;
Coqueiro Verde- Roberto Carlos e Erasmo Carlos;
É de Lei- Baden Powell e Paulo César Pinheiro
Meu Laiá-Raiá- Martinho da Vila;
Tudo se transformou- Paulinho da Viola;
Vou deitar e rolar- Baden Powell e Paulo César Pinheiro;
1971 Construção- Chico Buarque do Hollanda;
Cotidiano- Chico Buarque do Hollanda;
Festa para um Rei Negro (Pega no Ganzê) (samba-enredo/carnaval) Zuzuca- Adil de
Paula;
Tarde em Itapoã- Toquinho e Vinícius de Moraes;
Você abusou- Antonio Carlos Marques Porto e Jocafi(José Carlos Figueiredo);
Boêmio Demodê- Adelino Moreira;
Desacato- Antonio Carlos e Jocafi;
Ê Baiana- Fabrício Silva, Baianinho, Ênio Santos Ribeiro e Miguel Pancrácio;
Independência ou morte - Zé Di;
Lapa em Três Tempos (samba-enredo/carnaval)- Ari do Cavaco e Rubens;
Mudei de ideia- Antonio Carlos e Jocafi;
A Tonga da Mironga do Cabuletê- Toquinho e Vinícius de Moraes;
1972 Águas de Março- Antônio Carlos Jobim;
Fio Maravilha- Jorge Ben;
Oração de mãe menininha- Dorival Caymmi;
Partido Alto- Chico Buarque de Hollanda;
Acontece- Cartola;
Alô, Alô, Taí Carmen Miranda (samba-enredo/carnaval), Wilson Diabo, Heitor Rocha e
Maneco;
Alô Fevereiro- Sidney Miller;
Bala com Bala- João Bosco e Aldir Blanc;
Besta é tu- Pepeu Gomes, Luiz Galvão e Moraes Moreira;
Boêmio 72- Adelino Moreira;
A dança da Solidão- Paulinho da Viola;
Das duzentas pra lá- João Nogueira;
Esperanças perdidas- Adeilton Alves e Délcio Carvalho;
IluAyê (terra da vida)- Samba-enredo/carnaval- Cabana e Norival Reis;
Mangueira, Minha madrinha querida (Tengo-tengo)- samba-enredo/carnaval- Zuzuca;
Regra três- Toquinho e Vinícius de Moraes;
Você não entende nada- Caetano Veloso;
1973 Estácio Holy Estácio- Luiz Melodia;
Folhas secas- Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito;
Retalhos de Cetim- Benito Di Paula;
Eu bebo sim- Luís Antônio e João Violão;
Naquela Mesa- Sérgio Bittencourt;
Ninguém tasca (samba/carnaval)- Marinho da Muda e João Quadrado;
Orgulho de um sambista- Gilson de Souza;
Porta aberta- Luís Ayrão;
Quando eu me chamar saudade- Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito;
Tristeza pé no chão- Mamão (Armando Fernandes);
1974 Abre Alas- Ivan Lins e Vitor Martins;
Conto da areia- Romildo S. Bastos e Toninho (Antônio Carlos Nascimento Pinto);
Maracatu Atômico- Jorge Mautner e Nelson Jacobina;
Quantas lágrimas- Manacéia;
Acorda Amor- Julinho de Adelaide (pseudônimo de Chico Buarque de Hollanda);
Os alquimistas estão chegando os alquimistas- Jorge Ben;
Alvorecer- Délcio Carvalho e Dona Ivone Lara;
Boi da Cara preta (samba/carnaval) Zuzuca;
Canta, canta minha gente- Martinho na Vila;
Disfarça e chora- Cartola e Dalmo Castelo;
Disritmia- Martinho da Vila;
E lá vou eu- João Nogueira e Paulo César Pinheiro;
Errare Humanum est- Jorge Ben;
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