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Matéria jornalística: Rap da Felicidade

Cena Um
(Abertura de um jornal)
Jornalista 1: Bom dia, o meu nome é Gustavo Eydan...
Jornalista 2: O meu é Daniel Reis...
Jornalista 1: E você está assistindo ao jornal sem nome.
Jornalista 2: Hoje, a principal e única matéria revolve-se
sobre uma música que já saiu há algum tempo. “Rap da
Felicidade”, foi escrita e vocalizada pela dupla de mc’s
Cidinho e Doca. A música foi um importante marco para o
funk brasileiro, visto que foi uma das primeiras
representações puras do funk carioca.
Jornalista 1: Exatamente. Além disso, a música é conhecida
por retratar a dura realidade da vida nas favelas não só
cariocas, mas do Brasil inteiro. São tratados temas como o
racismo, a violência contra e o negro e contra o pobre e a
desigualdade social. Veja agora um trecho da música:
(coloca a parte da música que eu vou indicar quando for
editar).
Jornalista 2: Bem marcante, né? E hoje, uma das nossas
representantes na rua, Beatriz Mororó, vai estar
entrevistando ninguém mais ninguém menos do que um dos
compositores da dupla: o Cidinho. É com você, Mororó.

Cena Dois
Entrevistador 1: Muito obrigado, Daniel. Hoje, eu estou
aqui na casa do Cidinho, compositor do “rap da felicidade”.
Tá tudo bem com você, Cidinho?
Cidinho: Tá tudo bem sim, mas pode me chamar pelo meu nome
real: Sidney.
Entrevistador 1: Olha, dessa eu não sabia. Então, Sidney,
você pode nos contar um pouco sobre o que te inspirou a
fazer o rap da felicidade?
Cidinho: O rap da felicidade é um que surgiu ali na mesma
época que o rap das armas, é um proibidão carioca e
infelizmente o que me motivou a fazer essa musica naquela
época era principalmente a violência que ocorria
diariamente na favela. Pra quem não sabe, eu morava na
Cidade de Deus, em Jacarepaguá e o negócio lá era pesado.
Não só a violência, mas também era muito comum o caso do
racismo e da discriminação, e além disso era e ainda é um
lugar com forte presença do tráfico de drogas e armas,
então não era um lugar bonito de morar, sabe?
Entrevistador 1: Entendi. E o que você acha que falta pra
melhorar a condição de vida nas favelas de todo o Brasil?
Cidinho: Investimento, assistencialismo, e principalmente a
atenção das autoridades. Na própria música, eu e o Doca
falamos bastante como só dá pra sair desse buraco com a
ajuda do governo, o que acaba sendo meio irônico já que o
governo colocou a gente nessa.
Entrevistador 1: E você, como uma pessoa que morou em uma
favela por muito tempo, acha que a situação tem mudado?
Cidinho: Muito pelo contrário. Desde a época dos escravos
que o meu povo vem vivendo a mesma situação. Às vezes muda
uma coisinha ou outra pra anestesiar a população, mas
mudança radical de verdade ainda não foi feita.
Entrevistador 1: Sidney, eu tô aqui com a letra da música.
Você se importa se a gente analisar alguns versos com você
aqui?
Cidinho: Claro que não. Pode mandar.
Entrevistador 1: Vamos começar com o refrão. A gente pode
pular a parte do “andar tranquilamente pela favela” porque
já sabemos que com isso você deseja andar sem medo da
violência que acontece nas favelas. Mas o que você quer
dizer com “e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”?
Cidinho: Essa frase é um lembrete de que o pobre também é
gente e não pode ser esquecido pela sociedade e pelas
autoridades. Eu quero que esse povo tenha ciência de que
essa classe existe e tenham noção dos problemas que ela
enfrenta.
Entrevistador 1: Nos versos “O povo tem a força, só precisa
descobrir. Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui”,
o que você sugere?
Cidinho: A gente sugere que o povo não pode esperar sempre
pelo auxílio do governo. Às vezes é necessário levantar as
mangas e fazer a mudança nós mesmos.
Entrevistador 1: Há também alguns versos onde você critica
as autoridades e acredita que, entre aspas, “Trocada a
presidência, uma nova esperança. Sofri na tempestade, agora
eu quero abonança”. Você acha que a causa da situação nas
favelas é a maneira como a presidência trata o país?
Cidinho: Claro! Mas não é somente isso. Assim como o
racismo, o problema das favelas é algo estrutural. Não é
algo que pode ser mudado simplesmente por um presidente
assinando algumas leis. É um pensamento enrustido na nossa
sociedade e que precisa ser removido à força dela. Mas sim,
à curto prazo, o que resolve o problema é a intervenção do
Estado.
Entrevistador 1: Desde o surgimento dos estilos musicais
como o samba e mais recentemente o funk e o rap, esses
tipos de música sempre foram discriminados por não passarem
uma visão eurocêntrica do mundo e por isso desagradam boa
parte da população. O que você tem a dizer para essas
pessoas?
Cidinho: Só dou um conselho: abram a mente. A minha música
tá focada na periferia porque é a realidade que eu vivi e é
uma realidade constante na vida de uma maioria no Brasil,
então, se você fecha os olhos pra isso, só posso te chamar
de ignorante.
Entrevistador 1: Ótima mensagem, Sidney. Muito obrigado
pela entrevista, e sucesso com suas futuras obras. De volta
para você, Daniel.
Cena Três
Jornalista 2: Obrigado pela entrevista, Bia. É
impressionante tudo o que ele tem a dizer sobre a realidade
que ele viveu na favela. Inclusive, eu aproveito a brecha
para recomendo o filme Cidade de Deus àqueles que ainda não
o assistiram.
Jornalista 1: Enfim, ainda temos mais algumas entrevistas a
serem feitas antes de fecharmos o dia. O nosso
correspondente no Rio de Janeiro, Pedro Henrique Lessa irá
falar com um morador da favela da Rocinha e também com um
historiador focado nos estudos sobre o Brasil colonial e
escravista/pós-escravista. É com você, Lessa.

Cena Quatro
Entrevistador 2: Obrigado, Eydan. Hoje eu estou aqui nas
proximidades da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. E
tenho aqui me acompanhando o Paulo, que é morador da favela
há quanto tempo?
Paulo: Há uns 16 anos. Vivo aqui desde que nasci.
Entrevistador 2: E você já ouviu a música da dupla de mc’s
Cidinho e Doca, “Rap da Felicidade”?
Paulo: Já sim, várias vezes. É quase que um clássico do
proibidão, né. Não é do meu tempo, mas eu já ouvi
Entrevistador 2: E você acha que, mesmo essa música não
sendo do seu tempo, ela ainda retrata aspectos que
permaneceram na vida de um morador de uma favela daquela
época?
Paulo: Com certeza, mesmo duas décadas depois do lançamento
da música, a realidade que a gente vive ainda é bem
parecida com aquela da música. A violência, o racismo, a
tráfico, a polícia subindo o morro, tudo isso ainda é parte
da minha vida e vai continuar sendo parte da vida de quem
continuar vivendo aqui. A esperança dos moradores é que os
‘chefe’ lá de Brasília façam alguma coisa, mas ‘nóis’ sabe
que isso é difícil de acontecer, né
Entrevistador 2: Muito obrigado, Paulo. Agora vamos
conversar com o historiador Pablo Mascarenhas. Pablo você
pode nos contextualizar um pouco em relação ao momento em
que essas favelas foram formadas no Brasil?
Pablito de la Bodega: É muito importante entender que o
centro de tudo é o Rio de Janeiro, foi lá onde primeiras
favelas surgiram e ainda hoje a maior favela do Brasil se
encontra no Rio. Começa com os escravizados sendo libertos,
mas não tendo para onde ir, e como os centros das cidades
estavam ocupados pelos mais ricos, os recém-libertos
tiveram que se amontoar às margens da sociedade em
cortiços.
Entrevistador 2: E como as reformas urbanas impactaram a
formação e consolidação das favelas brasileiras?
Pablito de la Bodega: A gente tem que avançar um pouco, até
o começo do século vinte, ainda no Rio de Janeiro capital
do Brasil. O então prefeito da cidade, Pereira Passos
queria reformar toda a cidade se baseando nos moldes
parisienses e tentando se livrar da imagem de uma país
escravocrata. Ele construiu praças, melhorou o saneamento
básico, ampliou ruas e até criou o Museu Nacional das Belas
Artes. Entretanto, com essa reforma, os cortiços nos quais
viviam muitos descendentes de ex-escravizados foram
destruídos. Dessa forma uma parte das pessoas foi para a
periferia da cidade, e a outra subiu o morro e lá formou a
favela.
Entrevistador 2: E o que você tem a falar sobre aquele
Processo de Higienização que ocorreu no início dos anos 40?
Pablito de la Bodega: Foi por volta de 1941 que o prefeito
Henrique Dodsworth elaborou o projeto de higienização das
favelas, que aconteceria durante a abertura da avenida
Presidente Vargas. Porém, o que aconteceu é que muitos
moradores das favelas foram desalojados e tiveram que ser
abrigados em parques públicos. Se eu não estou enganado,
cerca de oito mil pessoas foram desalojadas nesse ato.
Entrevistador 2: E houveram outras tentativas de fazer algo
semelhante?
Pablito de la Bodega: Sim. Nos meados dos anos 50 e 60,
houveram iniciativas, sendo algumas gigantes, de tentar
acabar com as favelas no Brasil, retirando os moradores de
suas casas e os colocando em conjuntos habitacionais. As
favelas eram vistas como se fossem uma questão meramente
habitacional e um problema de uso do solo. O objetivo não
era integrá-las à cidade, mas remover as comunidades e
despachar seus moradores para locais ermos, sem acesso a
transporte eficiente nem a infraestrutura e serviços
adequados, longe dos olhos do resto da sociedade. O próprio
“rap da felicidade” fala sobre isso: como o pobre tem seu
lugar e não pode ser simplesmente largado às margens da
sociedade e esquecido. E ainda no futuro, outros movimentos
de “higienização” entre aspas ocorreram com a mesma
finalidade, sempre desabrigando mais moradores do que
ajudando-os.
Entrevistador 2: Muito obrigado pela excelente entrevista,
Pablo. A gente realmente pôde esclarecer muitas dúvidas
aqui. Agora de volta para o estúdio com você, Eydan.

Cena Cinco
Apresentador 1: Olha, é muito impactante entender que
muitos negros acabam tendo que viver em situações precárias
por conta da permanência de pensamentos e de estigmas que
vêm da época escravista.
Apresentador 2: Realmente, ver a situação dessa maneira é
realmente frustrante. Mas infelizmente nosso jornal sem
nome vai chegando ao fim, obrigado a todos que assistiram e
não trocaram de canal. Um abraço.
(Encerramento com o rap da felicidade)

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