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ALGUMAS QUESTÕES CONTROVERTIDAS DO

PROCESSO CAUTELAR
Maristela Rodrigues de Lima1

Resumo: O tema objeto de estudo visa a um maior aprofundamento nos aspectos


do processo cautelar, sede de entendimentos doutrinários divergentes.
Primeiro, foi dado um enfoque com relação ‘a finalidade do processo
cautelar em nosso ordenamento jurídico e, posteriormente, delineadas
algumas de suas características, fundamentos para sua concessão e a
existência ou não de mérito no processo cautelar.

Abstract: The theme studied views a greater deepening on preventive process


aspects, base of divergent doctrinary understanding. First it focuses on
the judicial orders in preventive process, and secondly some
characteristics and foundations for its concession and existence or not
of merits in the preventive process.

Palavra- chave: características, condições, posicionamentos.


alavra-chave:

1.Introdução

A necessidade de se garantir a eficientização da prestação


jurisdicional fez com que surgisse o processo cautelar no
sentido de suprir os danos irreparáveis causados pela demora,
visando, assim, a uma otimização da atuação jurisdicional.
Nesse sentido, contempla o presente estudo alguns aspectos
do processo cautelar, visando a um delineamento de seus
parâmetros dentro da nossa sistemática jurídica. Para isso,
foram trazidos à tona posicionamentos de alguns
doutrinadores, no sentido de melhor adentrar no campo de
atuação do processo cautelar.

1
Acadêmica do Curso de Pós Graduação em Direito Processual Civil na UNIGRAN. Trabalho apresentado no curso
de Pós graduação em Direito Processual Civil na UNIGRAN

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2. A Efetividade do Processo

Primitivamente, competia aos próprios titulares dos direitos


reconhecidos pelo Estado defendê-los e realizá-los; era a chamada
“justiça privada” ou “justiça pelas próprias mãos”, que não ajudava
em nada na solução pacífica dos conflitos e a conseqüente paz
social.2. Com o fortalecimento do Estado, os conflitos de interesses
passaram a ser resolvidos por este e não mais pelo particular. Assim,
o Estado assumiu a tarefa de aplicar o direito dentro de cada situação
de litígio bem como de fazer com que a parte cumprisse o que foi
determinado, ou seja, o Estado passou a ter a função, também, de
executar suas sentenças.
Dessa forma, instituiu-se a jurisdição, na composição dos
litígios; o Estado, diante da situação concreta, declara e
realiza a aplicação da lei. Como muito bem esclarece Ernane
Fidélis dos Santos: 3

“Seja para a realização prática do direito, a jurisdição, por seu próprio


escopo de fazer a justiça, não cumpre seu mister através de ato único,
mas de uma seqüência de atos. Tal soma de atos, que tem objetivo
certo e determinado, é o que se chama ‘processo’. ‘Processo é o meio
pelo qual a jurisdição atua”.

Quando tal situação é posta em prática, ou seja, com a


atuação da jurisdição, visando à composição dos litígios, o
processo, sendo uma soma de atos, exige um determinado
tempo para que sejam alcançadas suas finalidades, com base
nos princípios que o norteiam.
Muitas vezes, o transcurso do tempo exigido pelo trâmite
processual pode acarretar prejuízos irreparáveis às partes, como
por exemplo, a deterioração, o desvio, a alienação etc. Dessa
forma, não basta apenas a decisão judicial justa; deve haver
também uma garantia de que ela seja efetivada e que atinja o
fim precípuo de composição da lide.
Surgiu, então, a partir daí, o processo cautelar, visando a
assegurar que a sentença, ao final, não se tornasse inócua.
2
Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civi
Civil, p.42.
3
Ernane Fidélis dos Santos. Manual de Direito Processual Civil, p. 295.

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O processo cautelar encontra-se disciplinado nos artigos 796
a 889, no Livro III, no Código de Processo Civil, de forma ampla
em sua estrutura e em seus procedimentos. A maioria dos
processualistas o vêem como um “tertium genus”, posto que o
equiparam ao processo cognitivo e executivo.4

3.Características do Processo Cautelar

O processo cautelar surge como um instrumento eficaz de segurança


e prevenção para a realização dos interesses e composição de litígios.
Segundo Humberto Theodoro Junior,5 ao citar a opinião de Carnelutti,
“a tutela cautelar existe não para assegurar antecipadamente um
suposto e problemático direito da parte, mas para tornar realmente
útil e eficaz o processo como remédio adequado à justa composição
da lide”. Nélson Nery Junior comunga desse mesmo entendimento
ao ensinar que “a finalidade do processo cautelar é assegurar o
resultado do processo de conhecimento ou do processo de
execução”6. Também, nesse sentido, pode-se citar Liebman quando
diz que “a ação cautelar é sempre ligada por uma relação de
complementariedade a uma ação principal já proposta ou cuja
iminente propositura já se anuncia. Essa relação reside no fato de a
cautela pedida ter o escopo de garantir o resultado útil da ação
principal”7. O que daí se extrai é que o processo cautelar assegura,
porém não satisfaz o direito assegurado, revelando uma de suas
características, a questão da instrumentalidade, já que visa a assegurar
o resultado prático de outro processo.
Contrário a esse entendimento, Ovídio Baptista da Silva defende a
existência de um direito substancial de cautela, chegando a afirmar
que as ações cautelares têm também um certo caráter satisfativo.
Primeiramente, analisaremos a questão da satisfação, o que
entende o referido mestre com a satisfação de um direito:8
“Nossa compreensão do que seja a satisfação de um direito

4
Luiz Alberto Hoff. Reflexões em torno do Processo Cautelar
Cautelar, p.8.
5
Humberto Theodoro Júnior. Processo Cautelar
Cautelar, p.53.
6
Nélson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado
Comentado, p.908.
7
Enrico Tullio Liebman. Manual de Direito Processual Civil
Civil, p.217.
8
Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil
Civil, p.30.

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corresponde rigorosamente ao entendimento do senso comum, para
o qual satisfazer um direito é realiza-lo no plano social. Todo direito
e, correlativamente, todo o dever que grava o sujeito passivo,
obrigado a respeita-lo e cumpri-lo, têm em seu núcleo um
determinado verbo especial, através do qual é possível identificar a
respectiva ação(de direito material) que o realiza.”
Partindo de tal raciocínio é possível compreender que existem formas
de satisfação provisória de um, determinado direito, o que não tem
respaldo da doutrina em geral, já que para Chiovenda, para satisfazer
um direito no plano jurisdicional, basta declará-lo existente. Ovídio
Baptista da Silva cita como exemplo os alimentos provisionais, que
são tidos pelos processualistas em geral como cautelares e não como
satisfativos da pretensão alimentar, só que ,embora provisórios,
suprem uma necessidade imediata do alimentando, ainda que a
respectiva sentença lhe tenha dado o caráter de provisionais. Dessa
forma, o uso que o credor irá fazer deles, tanto em caráter provisório
quanto definitivo (declarado em sentença no Processo de
Conhecimento) será o mesmo.
Cada caso concreto irá fornecer dados sobre a satisfatividade ou
não da medida cautelar, já que, conforme cita o autor, no caso do
seqüestro, é evidente o caráter apenas assegurativo, já que “visa
assegurar a futura satisfação (realização) do direito assegurado”.9
Com relação ao direito substancial de cautela, o eminente
processualista entende ser totalmente procedente devido ao fato
da sentença mandamental representar uma forma de proteção
jurisdicional a um direito supostamente existente. Quando o juiz
“declara” que há plausibilidade do direito e que a parte é
merecedora da tutela cautelar pleiteada(fumus boni júris e
periculum in mora), configura-se aí, um caráter declarativo,
embora sem cunho de coisa julgada material, onde o juiz admite,
implicitamente, que a pretensão, posta em juízo, encerra um direito
plausível10. Nesse sentido, Luiz Alberto Hoff, preleciona que:
“O próprio código, ao permitir a postulação de medidas
cautelares inespecíficas, no art.798, estabelece claramente que o
objeto da ação cautelar não é a proteção do processo principal,
senão que uma tutela ao direito que esteja ameaçado de sofrer
9
Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil
Civil, p. 32-33.
10
Luiz Alberto Hoff. Reflexões em torno do Processo Cautelar
Cautelar, p.9-11.

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lesão grave e de difícil reparação.”
Humberto Theodoro Júnior critica veementemente o
posicionamento de Ovídio Baptista da Silva, ao dizer que:

“A lide é uma só e se o direito a sua solução só vai ser satisfeito no


processo principal, que, obviamente, pode até resultar em um provimento
contrário à pretensão substancial da parte que provoca a tutela
jurisdicional cautelar, não vemos como defender a existência de um direito
substancial de cautela”.11

Para o processualista, a existência de um direito processual de


cautela entra em contradição com o entendimento que se tem hoje
do conceito de ação como direito abstrato e autônomo frente ao
direito material, isto é, como direito à tutela jurisdicional,
independente se for ou não procedente à pretensão substancial da
parte. E conclui, “Não é o direito material que assegura o exercício
dessa ação, mas o risco processual de ineficácia da prestação
definitiva sob influência inexorável do tempo que se demanda para
alcançar o provimento definitivo no processo principal”.
A instrumentalidade é tida por muitos doutrinadores como a
principal característica do processo cautelar e advém do artigo 796
do Código de Processo Civil que dispõe: “o procedimento cautelar
pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é
sempre dependente”. Humberto Theodoro Júnior, na mesma linha de
pensamento de Carnelutti, preleciona que:

“O processo cautelar, embora autônomo por seu objeto, não justifica sua
existência por si mesmo, mas pela relação necessária que guarda com
outro processo principal, isto é, de cognição ou de execução, ao qual
serve como instrumento de segurança de eficaz atuação”12.

Conforme dito anteriormente, tal característica não encontra


respaldo ao se considerar o posicionamento do professor Ovídio
Baptista da Silva, que vê o processo cautelar autônomo e independente
do processo principal.
O Eminente processualista Vicente Greco Filho, vê a
instrumentalidade de forma hipotética, com base em Calamandrei,
11
Humberto Theodoro Júnior. Processo Cautelar
Cautelar, p.60.
12
Ibid., p.61.

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pois além da medida estar a serviço de um processo, não depende
de que a decisão seja favorável ou não naquele processo. Segundo o
processualista, “protege-se um bem jurídico na hipótese de que, sendo
a sentença favorável ao requerente, esse precisa estar íntegro para
lhe ser entregue ou ser utilizado. A medida é concedida para que a
hipótese daquele que a pleiteia, tenha razão.”13
Outra característica do processo cautelar é a autonomia, uma
autonomia de caráter procedimental, já que depende
ontologicamente do processo principal. Essa autonomia é vista quando
se verifica que o resultado do procedimento cautelar pode não ser o
mesmo da ação principal, ou seja, a parte que obteve êxito na ação
cautelar pode não obter o mesmo resultado na ação principal,
segundo o que dispõe o art. 810 do Código de Processo Civil que
dispõe que “o indeferimento da medida não obsta a que a parte
intente a ação, nem influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no
procedimento cautelar, acolher a alegação de decadência ou de
prescrição do direito do autor.” Segundo os ensinamentos de João
Carlos Pestana de Aguiar Silva, “na forma, o processo cautelar tem
vida autônoma. No fundo, não obstante, tem vida acessória ao
processo principal.”14
Em sentido diametralmente oposto, percebe-se o professor Ovídio
que vê a autonomia em inúmeros casos, embora a lei e a doutrina
entendam de outra forma. Para auxiliar na compreensão de tal
alegação, o processualista cita como exemplo a ação cautelar visando
à produção antecipada de provas, que não depende do ajuizamento
de uma ação principal, já que pode ocorrer que o autor da ação
cautelar nem mesmo tenha alguma ação que pudesse servir de ação
principal. Ou seja, “ela é autônoma no sentido de dispensar a
existência de uma ‘lide principal.’”15
O processo cautelar caracteriza-se, também, pela provisoriedade,
com base nos ensinamentos de Humberto Theodoro Junior, em
consonância com o entendimento de Chiovenda e Calamandrei, “no
sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o
provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao

13
Vicente Greco Filho. Direito Processual Civil Brasileiro
Brasileiro, p.151.
14
João Carlos Pestana de Aguiar Silva. Síntese Informativa do Processo cautelar
cautelar, Revista Forense, v.247,
n.853-855, p.41-52.
15
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, p.108-109.

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contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado. De
tal sorte, a medida cautelar já surge com a previsão de seu fim.”16
Observação importante a ser feita é a questão da conceituação do
que é provisório e do que é temporário. Enquanto a provisoriedade
pressupõe o advento de outro provimento para substituí-la, a
temporariedade tem um caráter de independência, no sentido de que
a tutela cautelar vige, não importando o que venha depois. Luiz Alberto
Hoff exemplifica que “a provisoriedade, como ensinava Lopes da
Costa, nada tem a ver, v.g., com os andaimes de uma obra que,
embora temporários, não deverão ser substituídos por nada”. E
continua, “a barraca que o construtor constrói, enquanto não conclui
a casa definitiva, entretanto, é provisória, visto que destinada a ser
substituída por etc.17
Partindo da conceituação acima, verificamos que em se acatando
o conceito de provisoriedade para o processo cautelar, limitamos a
tutela cautelar como simplesmente um instrumento, conforme
delineado anteriormente quando nos referimos à questão da
instrumentalidade. Em sentido oposto, em se verificando a
temporariedade, cremos como procedente a tese de Ovídio A. Baptista
da Silva, ao dizer que o processo cautelar é uma forma de proteção
ao direito da parte.18
Por último, caracteriza-se o processo cautelar pela revogabilidade,
já que é possível que a medida seja substituída, modificada ou
revogada a qualquer tempo(art.805 e art.807 do Código de Processo
Civil). Em ocorrendo o desaparecimento da situação fática que havia
dado base para o acautelamento prestado pelo órgão jurisdicional,
conseqüentemente, cessa a razão de ser da cautela deferida.

4. Condições da Ação Cautelar

A ação cautelar sujeita-se, primeiramente, à análise das condições


genéricas da ação, ou seja, à possibilidade jurídica do pedido o
interesse de agir e a legitimatio ad causam. Além desses requisitos,

16
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p.66.
17
Luiz Alberto Hoff, Reflexões em torno do Processo Cautelar, p.15.
18
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, p.49-58.

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de acordo com o caput do art.801 do Código de Processo Civil,
vislumbra-se também a necessidade de demonstração do fumus boni
júris e do periculum in mora, que dispõe, in verbis:

“Art.801. O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que


indicará:
I-a autoridade judiciária, a que for dirigida;
II-o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do
requerido;
III-a lide e seu fundamento;
IV-a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;
V-as provas que serão produzidas.”

O fumus boni júris representa a probabilidade e verossimilhança


do direito pleiteado, bastando, para isso, a existência do direito.

“A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom direito, e é


correlata `as expressões cognição sumária, não exauriente, incompleta,
superficial ou perfunctória. Quem decide com base em fumus não tem
conhecimento pleno e total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza
quanto a qual seja o direito aplicável.”19

Não se verifica assim uma análise pormenorizada, pois decorreria


daí o perigo da demora e a conseqüente ineficácia do processo diante
do lapso de tempo decorrido. De acordo com Humberto Theodoro
Junior, o que se deve verificar, efetivamente, é se a parte dispõe do
direito de ação, ou seja, direito ao processo principal.20 Também,
com o mesmo entendimento, o eminente processualista Nélson Godoy
Bassil Dower.21
Quanto ao periculum in mora, entende-se como a demonstração
do perigo ocasionado pela demora, onde a parte requerente deve
demonstrar, com base em conceitos concretos, que poderão ocorrer
óbices ao processo principal, caso a medida cautelar não seja
deferida, frustrando posteriormente a prestação jurisdicional do
Estado.
Humberto Theodoro Junior22 cita os ensinamentos de Lopes da Costa,

19
Luiz Rodrigues Wambier(coord.), Teoria Geral do processo Cautelar, p.28.
20
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p.76.
21
Nélson Godoy Bassil Dower, Curso Básico de Direito Processual Civil, p.361.
22
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p. 77.

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“o dano deve ser provável e não basta a possibilidade, a eventualidade.
E explica: possível é tudo, na contingência das cousas criadas, sujeitas à
interferência das forças naturais e da vontade dos homens. O ‘possível’
abrange assim até mesmo o que rarissimamente acontece. Dentro dele
cabem as mais abstratas e longínquas hipóteses; A ‘probabilidade’ é o
que, de regra, se consegue alcançar na previsão. Já não é um estado de
consciência, vago, indeciso, entre afirmar e negar, indiferente. Já caminha
na direção da certeza. Já para ela propende, apoiado nas regras da
experiência comum ou da experiência técnica.”

Após uma breve explanação sobre o que seja fumus boni júris e
periculum in mora que devem ser demonstrados na ação cautelar,
passaremos, a seguir, ao posicionamento da doutrina no sentido
de situar tais elementos, o que tem gerado inúmeras discussões.
Para que se possa entender melhor a profundidade do tema, faz-
se necessário adentrar na questão do mérito da ação cautelar,
que abrange os elementos acima, de acordo com a linha de
posicionamento.
Segundo Humberto Theodoro Júnior e a maior parte da
doutrina, “a ação cautelar, é certo, não atinge nem soluciona o
mérito da causa principal. Mas, no âmbito exclusivo da tutela
preventiva ela contém uma pretensão de segurança, traduzida
num pedido de medida concreta para eliminar o perigo de
dano”. 23 Tal posicionamento encerra uma linha de pensamento
que vimos inicialmente quando discorremos sobre as
características da ação cautelar e seu caráter no sentido de
assegurar a utilidade e eficácia do processo principal, ou seja, a
questão da instrumentalidade e da natureza acessória do
processo cautelar. João Carlos Pestana de Aguiar e Silva, 24
João Carlos Pestana de Aguiar Silva, Síntese Informativa do
Processo cautelar,

“Seguimos, nesse ponto, os ensinamentos de ZANZUCCHI, LIEBMAN E UGO


ROCCO, dentre outros (LIEBMAN, ‘unità’, cit. In ‘Problemi’, p. 109; UGO
ROCCO, ‘Trattato di Diritto Processuale Civile’, vol. V, p. 33 e seg.). A decisão
cautelar não é de mérito, mas sim, quando muito, acessória do mérito da ação
principal. Mesmo após proferida, permanece o mérito intacto e indefinido.

23
Ibid., p. 73.
24
João Carlos Pestana de Aguiar Silva, Síntese Informativa do Processo cautelar, Revista Forense, v.247, n.853-855, p.42.

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Sua solução se dará pela sentença da ação principal. Se a primeira se situa
no juízo de probabilidade, a segunda contém um juízo de certeza. Ambas,
como bem ressalta LIEBMAN, se diferem essencialmente.”

E, na mesma linha de pensamento, já decidiu o Tribunal de


Justiça de São Paulo: 25
“MEDIDA CAUTELAR – Seqüestro – Acórdão que mantém a sentença
de 1º grau – Decisão que não produz coisa julgada material – Ação
rescisória incabível – Recurso improvido – Inteligência do art. 485 do
CPC – Declarações de votos vencedores e vencido.
A decisão que aprecia medida cautelar não examina o meritum
causae e nem produz coisa julgada material, dela não cabendo ação
rescisória, só admissível contra as decisões de mérito, a teor do art.
485 do CPC.”
Diante do exposto, observamos que, para tal corrente o fumus boni
júris e o periculum in mora são considerados como condições da
ação, já que não há decisão de mérito no processo cautelar.
Em lado diametralmente oposto, temos o posicionamento de
Ovídio Baptista da Silva que promove as condições acima como de
mérito, partindo da idéia da existência de um direito substancial de
cautela. Para ele, o processo cautelar possui uma lide específica,
diversa das outras eventuais lides que possam emergir do direito
acautelado. O mérito do processo cautelar está na segurança que se
pretende para o direito que se afirma existir. 26Partindo de tal
posicionamento, pertinente é a reflexão com relação à parte que não
provou suficientemente o fumus boni júris. Como irá proceder o juiz?
Irá declarar a parte carecedora da ação ou irá julgar improcedente
a cautelar? Julgará improcedente a ação, ou seja, houve uma decisão,
o magistrado adentrou no mérito da questão, ainda que
perfunctoriamente, sob o aspecto de um juízo de verossimilhança sobre
a existência do direito. E, de acordo com o art.269, I, do Código de
Processo Civil, quando o juiz acolhe ou rejeita o pedido do autor é
julgamento de mérito.
Segundo o Eminente Processualista, ainda que adentrando no mérito
da questão, o processo cautelar culmina em provimento não definitivo,
podendo ser revogado, de acordo com a modificação dos fatos
25
2aGr. Cs. Do TJSP, AR 73.137-1(AgRg), Rel. Des. Freitas Camargo, 24.04.86, Revista dos Tribunais.
26
Luiz Alberto Hoff, Reflexões em torno do Processo Cautelar, p. 12.

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trazidos à orla jurídica.
Vicente Greco filho posiciona-se no sentido de admitir a existência
de mérito em sede de cautelar: “Entendemos, porém, que são
requisitos ou pressupostos de procedência do pedido ou da pretensão
cautelar e, portanto, concernentes ao mérito cautelar. Se um deles
não estiver presente, a pretensão de proteção será improcedente.”27Há
ainda outra corrente que entende que o periculum in mora caracteriza-
se como condição da ação cautelar, dentro do interesse processual e
o fumus boni júris caracteriza-se como exame de mérito. Só o perigo
da demora não é elemento suficiente para adentrar no mérito da
questão, mas o fumus boni júris sim, representando um juízo, ainda
que provisório.28

5. Natureza da Sentença Cautelar

Para aqueles que vêem o processo cautelar apenas como um


instrumento para a eficácia do processo principal, a sentença cautelar
classifica-se de acordo com cada caso concreto de atuação do
processo. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior: 29
“Com efeito, há cautela que se dá a processo de execução, como o
arresto, em que se antecipa uma medida aparentemente executiva;
há outras que importam imposição à parte de uma prestação, como
se dá nos casos de alimentos provisionais, em que a sentença é
tipicamente condenatória; há, também, casos em que se altera a
relação jurídica entre as partes, suspendendo o dever conjugal de
convivência como ocorre no afastamento temporário de cônjuge do
lar conjugal(efeito constitutivo); em alguns casos há simples efeito
declaratório, como nas antecipações de prova; em outros, ainda, o
efeito é inibitório, impedindo que o titular de um direito o exerça,
como na sustação de protesto; e outros, impõe à parte uma prestação
positiva, como a exibição de coisa ou documento; e assim por diante.”
Em posição oposta, o Prof. Ovídio30 vê a sentença cautelar como

27
Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, p. 153.
28
José Maria Rosa Tesheiner, Elementos para uma teoria Geral do Processo, disponível em http://www.tex.pro.br/
wwwroot/livroelementos/capituloVII.htm.
29
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p. 162.
30
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, p. 62.

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de caráter mandamental, conforme se depreende de seus
ensinamentos:

“É impossível, finalmente, a construção de uma teoria coerente da tutela


de simples segurança sem a prévia aceitação da categoria das ações e
sentenças mandamentais. Somente uma categoria de sentenças que seja,
ao mesmo tempo, ato jurisdicional típico incapaz de produzir coisa julgada
e definitivo, no sentido de corresponder a uma espécie de tutela jurisdicional
que se completa com uma sentença que encerra uma determinada relação
processual, como qualquer sentença de mérito e, mesmo assim, não declara
a existência do direito assegurado, poderá ser apta a servir à finalidade a
que se destina a tutela cautelar”.

Para ele, a sentença proferida em ação cautelar consiste mais em


uma ordem que num julgamento propriamente dito, pois visa proteger
um direito apenas eventual, sem a necessidade de que seja declarada
a existência do referido direito.

6. Conclusão

Existem muitas questões controvertidas com relação ao processo


cautelar. A questão ainda não é pacífica, pois embora haja
predominância na doutrina no sentido de caracterizar o Processo
Cautelar como acessório ao processo principal, de autonomia apenas
técnica, tendo a finalidade precípua de dar garantia ao processo
principal, existem também outros posicionamentos, conforme
verificou-se no decorrer dos estudos apresentados.
As correntes estudadas são totalmente discrepantes com relação
às características, condições e funções do processo cautelar, pois o
enfocam de maneira diferente e, a partir desse referencial, os caminhos
se distanciam, pois as finalidades são distintas.
Analisando o tema atentamente, primeiramente entendemos que
o processo cautelar não visa dar garantias ao processo principal e
sim, proteger o próprio direito. A caracterização da instrumentalização
como característica principal do processo cautelar, faz com que o
coloquemos como acessório do processo principal, dependendo única
e exclusivamente deste tal entendimento transforma totalmente o
delineamento do processo cautelar e suas implicações. É óbvio que
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ele envolve o fator da temporariedade e revogabilidade, mas nem
por isso deve ser considerado como, simplesmente, um instrumento
do processo principal.
Torna-se ainda mais complexo o tema ao se vislumbrar a questão
do mérito no processo cautelar, já que a corrente predominante, de
inspiração caneluttiana, entende que a sentença proferida não é de
mérito, pois não possui um fim em si mesma, ou seja, não resolve a
lide do processo principal, o que não se encaixa na finalidade da
jurisdição que é a justa composição da lide, o que só seria possível
com a sentença proferida definitivamente. E, nessa problemática,
temos também o fumus boni júris e o periculum in mora que são
considerados como condições especifícas da ação cautelar pela
doutrina predominante, o que destoa com a existência de mérito no
processo principal. Assim, em se acolhendo a posição doutrinária do
eminente processualista Ovídio Baptista da Silva, tais requisitos
tornam-se matéria de mérito, pois ainda que superficialmente, o juiz
irá analisar a presença do fumus boni júris e do periculum in mora,
que, caso não estejam presentes, ocasionará a improcedência da
ação. O juiz não declara a existência do direito, mas afirma, diante
da situação concreta trazida ao processo, que a parte tem direito de
proteger o direito que ela diz existir. O mérito da ação cautelar foi
analisado de acordo com um juízo de verossimilhança e sob os
aspectos de urgência da ação cautelar.
Outro aspecto do processo cautelar é a sentença, pois de acordo com o
posicionamento do Prof. Ovídio, caracteriza-se pela mandamentalidade,
pois não constitui o direito, não faz coisa julgada e definitiva, não tem a
declaração como objetivo de sua composição. Tem um conteúdo
ordenativo porque é composta mais de ordem do que de juízo.
Ainda que diametralmente oposta a posição de Ovídio Baptista da
Silva, a partir de um ponto estabelecido, tudo o que se afirmou a partir
daí, tem total procedência dentro do nosso ordenamento jurídico.
Embora minoritária sua posição, contempla um embasamento sólido
e plenamente justificável. O que nos parece, com o estudo realizado, é
que muitos autores simplesmente acatam os ensinamentos da corrente
majoritária, sem se questionarem sobre seus aspectos e suas
implicações na temática jurídica. São poucos os que fazem referência
a outros posicionamentos doutrinários, pois a maioria tem como certos
e inquestionáveis os aspectos da ação cautelar.
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A importância do estudo foi primordial no sentido de se conhecer
outras linhas de pensamento e a partir daí, possibilitar o
desenvolvimento de uma consciência mais crítica e independente, a
capacidade de observar as questões sob ângulos diversos e poder
formar opiniões distintas, mas com uma sólida fundamentação.

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