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ANGÚSTIA EXISTENCIAL CONTEMPORÂNEA E SUA EXPRESSÃO


EM PSICOTERAPIA
EXISTENTIAL DISTRESS AND THEIR EXPRESSION IN CONTEMPORARY
PSYCHOTHERAPY

Anne Tatila Borges1


Jorge Antonio Vieira2
Lucimeire Ferreira Bonfin3
Raquel Cervinhani4

BORGES, A. T.; VIEIRA, J. A.; BONFUN, L. F.; CERVINHANI, R.


Angústia existencial contemporânea e sua expressão em psico-
terapia. Akrópolis Umuarama, v. 19, n. 4, p. 221-228, out./dez.
2011.

Resumo: O presente estudo se caracteriza como uma revisão biblio-


gráfica da filosofia de Sartre e de outros filósofos existenciais, bem
como um aprofundamento do conceito existencial de angústia, sua
manifestação na contemporaneidade e em psicoterapia. Tal pesquisa
objetiva oferecer um maior entendimento sobre a temática a ser discu-
tida no presente artigo: angústia existencial. Apresentar-se-á a seguir
a relação psicoterapêutica numa ótica fenomenológica-existencial, a
manifestação da angústia nessa relação e a compreensão da angústia
como uma emergência contemporânea. Com a elaboração de tal estu-
1
Acadêmica do curso de Psicologia da UNI-
do foi possível perceber que a angústia existencial se configura como
PAR, participante do PIC. Email: anne_
tati6@hotmail.com um fenômeno pertencente à condição humana, o qual possui fortes
contornos expressivos na contemporaneidade.
2
Orientador, Doutor em filosofia, professor Palavras-chave: Angústia existencial, Psicoterapia e contemporanei-
do curso de Psicologia da UNIPAR. Email:
dade.
jvieira@unipar.br

3
Acadêmica do curso de Psicologia da UNI- Abstract: This article is characterized as a review of the philosophy
PAR, participante do PIC. Email: lucimei- of Sartre and other existential philosophers, and a deepening of the
re_assis@hotmail.com
concept of existential angst, and its manifestation in contemporary
4
Acadêmica do curso de Psicologia da UNI- psychotherapy. This research aims to provide a greater understanding
PAR, participante do PIC. Email: cervinha- to the topic being discussed in this article: existential angst. It will be
ni@hotmail.com presented below the psychotherapeutic relationship in a phenomeno-
logical-existential, the manifestation of distress in this relationship and
understanding of anxiety as a contemporary emergence. With the de-
velopment of such an article it is noted that the angst is configured as
a phenomenon belonging to the human condition, which has strong ex-
pressive contours in contemporary times.
Keywords: Existential angst, Psychotherapy and modernity.

Recebido em março/2011
Aceito em maio/2011

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BORGES, et. al

INTRODUÇÃO contêm, por vezes, estados e sentimentos múlti-


plos que podem eclodir no homem um novo que-
O seguinte artigo apresenta o conceito rer existencial.
de angústia numa perspectiva filosófico-exis-
tencial, bem como as várias facetas existentes O CONCEITO DE ANGÚSTIA NUMA PER-
e decorrentes de sua vivência, buscando focar SPECTIVA FILOSÓFICA-EXISTENCIAL
como essa se dá na contemporaneidade. A an-
gústia emerge da tomada de consciência do Ser No momento em que é lançado ao mun-
enquanto livre e, portanto um devir de possibi- do o homem além de sobreviver, necessita viver
lidades, um nada de determinações. Diferente- nele, projetar-se enquanto existente comungan-
mente do medo, o qual possui um objeto ao qual do das coisas e de outrem que se fazem pre-
temer, é entendido que a angústia se instala fr- sentes no mundo. É um construir-se aliado a um
ente a um futuro a construir, assim como não há mundo já criado, construído por outros homens,
um objeto determinado que angustie o homem. contudo, inacabado e, portanto passível de aco-
Dessa maneira, a angústia manifesta o nada, em plar uma nova existência que dentre tantas pos-
que para Heidegger (s/d apud WERLE, 2003), o sibilidades de ser, percebe-se tomada pela an-
nada se coloca por si mesmo na angústia, não gústia primeira, a liberdade de ser o que ele, o
precisa ser criado, mas se revela na angústia e homem, escolhe ser.
ao mesmo tempo a provoca, ele é a causa e o A angústia, para Heidegger (s/d apud
efeito ao mesmo tempo. WERLE, 2003), é caracterizada como um traço
A angústia decorre também da solidão e totalizante e constitutivo da existência do Das-
do tédio existencial, condições essas espetacu- ein, ou seja, do homem como um ente que ex-
lares a determinado momento e contexto de vida iste imediatamente no mundo. Angústia como
do humano. Em se tratando desse fenômeno em sendo aquilo que define a essência do ser hu-
contexto contemporâneo, Dantas (2009) afirma mano. Essa é entendida não apenas como um
que a patologização da angústia é a marca da fenômeno psicológico e característico de algo,
produção de subjetivação em uma época em mas sim de uma dimensão ontológica, isto é,
que a tecnologia possui uma grande importân- uma condição humana, já que nos remete à to-
cia na vida do sujeito, pois se configura como talidade da existência como ser-no-mundo, as-
um modo de evitação da sua própria angústia, sumindo um cunho existencial essencialmente
um controle exagerado da sua condição exis- humano, como em Kierkegaard. Entretanto,
tencial. O desespero do homem contemporâneo nesse a angústia revela o ser finito, o nada
apresenta diversas facetas de dor, mas que pre- da existência diante da infinitude e do caráter
cisamente é a ausência do Outro o que mais o eterno de Deus. Já Heidegger toma a angústia
angustia. apenas como fenômeno existencial da finitude
Apresentar-se-á, por fim, o olhar da psi- humana, abandonando a perspectiva teológica
coterapia existencial sobre o fenômeno da an- de Kierkegaard.
gústia existencial, a qual, a partir dos escritos de Para Costa (2009) a angústia emerge
Angerami e Feijoo (1999), é manifestada pelo da tomada de consciência do Ser como livre e,
sujeito, em contexto psicoterápico, na tentativa portanto um devir de possibilidades, um nada de
de encontrar justificativas para não se permitir determinações. A angústia se instala frente a um
lançar ao devir. Assim, consta no presente estu- futuro a construir, incerto, é uma temporalização
do algumas condutas incorporadas pelos sujei- do Ser do que ainda não é, ou seja, na angús-
tos a fim de evitar lançar-se ao mundo de possi- tia, espera-se por um futuro ainda no presente e
bilidades, condutas essas que buscam justificar sem a segurança do passado, o qual se carac-
sua liberdade, a qual é negada e mascarada teriza como aquilo que já foi.
pelo sujeito angustiado. De acordo com Dantas (2009) a angústia
Ressalta-se nesse artigo a importância aponta a fragilidade da existência humana pe-
de se conhecer os contextos em que o homem rante a vida, uma vez que o homem não possui
se percebe angustiado, bem como os diferen- nenhum fundamento para além da temporali-
tes caminhos dessa angústia. Propõe então, ao dade. É por essa condição de existente aberto
leitor, a possibilidade de refletir sobre a existên- para si mesmo, para construir o ser no mundo,
cia humana envolta por suas agruras, as quais que o homem se angustia. O território da angús-

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Angústia existencial contemporânea...

tia é exatamente esta ausência de qualquer ter- meio a nossas ocupações do dia-a-dia, nos so-
ritório previamente estabelecido. brevém certo tédio. (WERLE, 2003)
Sendo a liberdade uma realidade on- Por não haver um objeto determinado
tológica da existência humana, essa outorga ao que angustie o homem, a angústia manifesta o
homem a responsabilidade por suas escolhas, nada. Enfim, nos angustiamos, mas não conse-
não podendo atribuí-la a mais ninguém, a não guimos identificar o objeto de nossa angústia.
ser a si próprio. O homem se vê impelido a fazer Para Heidegger (s/d apud WERLE, 2003), o
escolhas para si mesmo, porém em completo nada se coloca por si mesmo na angústia, não
desamparo, precursor da angústia, já que se precisa ser criado, mas se revela na angústia e
reconhecendo livre o homem se sabe como o ao mesmo tempo a provoca, ele é a causa e o
único responsável por aquilo que escolhe o que efeito ao mesmo tempo (WERLE, 2003).
faz com que se movimente num constante recri- Entende-se então que a angústia não
ar de sua existência. No entanto, tal movimento, representa o medo da morte pela morte, mas
por mais apreensivo que pareça, não deve ser representa a consciência de ter que viver mes-
confundido com o temor (SARTRE, 1987). mo diante da iminência da morte, da finitude. O
A angústia, de acordo com Werle (2003), paradoxo da angústia reside no movimento do
não deve ser tomada como um mero temor, pois homem em direção a um constante e inquietante
esse é entendido como um estágio mais suave devir e, ao mesmo tempo, desvela a inseguran-
da angústia. O medo é uma disposição central ça do mesmo em relação ao amanhã, o qual não
da existência pelo fato de manifestar o mundo conhece (ANGERAMI, 2000).
no ato de fuga de si mesmo do sujeito. Embora o O que angustia o homem é um nada
homem tema por algo objetivo no mundo, o seu que nadifica constantemente, ou seja, uma ex-
temor, não é o objeto fora dele, mas ele mes- istência que sempre se faz circundante e incom-
mo, ou seja, é como se o medo se voltasse para pleta. Pode-se dizer então que o fenômeno da
quem teme e não para o que se teme. O temor é angústia coloca a existência humana diante de
sempre um fenômeno privado, embora também si mesma, fazendo com que o ser existente no
possamos temer pelo outro, ao assumirmos o mundo alcance uma situação concreta de tran-
medo dele, o qual, a princípio, não é nosso. scendência, ou seja, que esse possa ultrapas-
Corroborando com o pensamento aci- sar a si mesmo (WERLE, 2003). No conceito de
ma, Kierkegaard (s/d apud ANGERAMI, 2000) angústia, Heidegger (s/d apud WERLE, 2003)
diz que o medo se distingue da angústia pela localiza a real possibilidade de virada da existên-
existência de algo concreto no mundo, que pa- cia humana, a possibilidade de o homem sair da
rece dizer ao homem o que temer, todavia, na inautenticidade, na qual ele geralmente vive, e
angústia o que se sente é um mal estar, uma in- assumir a autenticidade.
segurança do homem consigo mesmo, com sua Todavia, Rojas (1996 apud ANGERAMI,
própria existência inacabada e ainda por fazer, 2000) declara que a exacerbação da angústia
portanto, um nada, o qual remete a esse homem pode torná-la patológica, à medida que paralisa
sua condição de ser livre. O caráter arrebatador a ação humana, dificultando o crescimento e o
da angústia traz em seu bojo a gratuidade da ex- desenvolvimento do homem que a vivencia. Em
istência humana, ou seja, não há coisa alguma termos de psicoterapia, essa deve ser olhada
que possa justificá-la no mundo, esta é então não como um sintoma, mas sim como um fenô-
contingente, existimos, mas poderíamos não ex- meno que auxilie a compreender o projeto que
istir. se apresenta em forma de sofrimento.
A diferença entre a angústia e o temor re- Angerami (2000) escreve que assim
side justamente no fato de que a angústia é mais como uma pessoa não é capaz de reviver uma
abrangente do que o temor, o qual é direcionado mesma situação, também não pode reviver a
a um ente determinado da nossa existência, ao angústia sentida e, tampouco, reproduzi-la e/ ou
passo que o objeto da angústia, ao qual ela se generalizá-la a outrem que a vivencie, pois sua
dirige, é completamente indeterminado, isto é, vivência é peculiar a cada um que se escolhe
o simples fato de estar no mundo é motivo de estar no mundo, de diferentes maneiras.
angústia para o humano. Nessa, segundo Werle Essas diferentes maneiras de se colocar
(2003), não sabemos diante de que nos angus- no mundo esbarram tanto nas escolhas realiza-
tiamos; ela começa a se apresentar quando, em das pelos homens que neste habitam, quanto

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BORGES, et. al

pela tomada de consciência de que o mundo ditames sociais.


cotidiano, em que reina a impessoalidade, apre- Heidegger diz que a vivência da angústia
senta modos de existir que se revelam insusten- permite ao homem ampliar o sentido que ele atri-
táveis e, por vezes, sem sentido, o que se pode bui ao mundo da técnica, dos instrumentos com
notar com o fenômeno do tédio. A contempora- os quais se relaciona. Entretanto, o homem con-
neidade é esse momento em voga, sobre o qual temporâneo não só faz uso dessa técnica como
o homem se insere, vejamos como se processa também se torna dependente dela, deixa-se
essa inserção no tópico seguinte. capturar e objetivar pela tecnologia, por vezes,
de maneira alienada.
A VIVÊNCIA DA ANGÚSTIA NA CONTEMPO- A tecnologia, como mecanismo de sub-
RANEIDADE jetivação, segundo Dantas (2009) a fim de con-
trolar a conduta e o desejo humano, restringe o
Na era do desenvolvimento e avanço de homem em seu modo de ser e agir, provocando
tecnologias das comunicações presenciamos, no homem contemporâneo sofrimento, o qual se
de acordo com Angerami (1999), o total empo- manifesta por meio da angústia. Essa por sua
brecimento das relações interpessoais, o que vez, denuncia o vazio ante esse cerceamento da
explica o fato de que cada vez mais pessoas se existência.
queixam de solidão. Faz-se importante contex- Segundo Bauman (1999 apud DAN-
tualizar o que se entende então por solidão, a TAS, 2009) na era da previsibilidade e da pa-
qual não é o sentimento que nos acomete em dronização não há espaço para a ambivalência,
momentos específicos como numa sexta-feira à situações dúbias da existência humana. Toda e
noite ou um domingo a tarde que não haja pro- qualquer indecisão deve ser aplacada, cedendo
gramação. A solidão é na verdade uma condição lugar ao que é exato e controlável.
imanente do homem, a qual faz parte da própria De acordo com Heidegger (1976 apud
vida, contudo, o que se aplica ao início é que DANTAS, 2009) o homem contemporâneo
por vezes sentimo-la de maneira mais aguda e desconhece a prática do questionamento, pois
não sabemos lidar com ela, o que coincide com com a emergência da ciência instaurou-se a
a angústia existencial, a qual embora própria do crença da verdade absoluta e, portanto, inques-
sujeito, por vezes o confunde e faz sofrer em de- tionável. Esse homem acostumou-se a aceitar e
masia. Entende-se que tanto a solidão quanto a reproduzir verdades prontas. Tem-se então, um
angústia, remetem a um desamparo que incita sufocamento da vivência particular em prol da
ao homem uma convivência consigo, bem como neutralização da existência.
uma vivência responsável e dependente de suas Heidegger postula que a angústia é sem-
ações. pre em relação à finitude, à morte, porém ambas
Para Dantas (2009) a patologização da fazem parte da existência humana. Contudo, o
angústia é a marca da produção de subjetiva- homem teme a morte angustiante e dela tenta
ção em uma época em que a tecnologia pos- fugir quando a concebe como sendo impessoal,
sui uma grande importância na vida do sujeito, cotidiana e universal, à medida que evita apro-
pois se configura como um modo de evitação da priar-se dela.
sua própria angústia, um controle exagerado da Os avanços científicos, conforme Dantas
sua condição existencial. Tal controle justifica-se (2009) as indústrias farmacêuticas e os produ-
pelo medo que o sujeito sente de vivenciar as tos de beleza e rejuvenescimento são artifícios
experiências fundamentais do existir como, por que o homem lança mão para fugir da angústia
exemplo, a dor, o amor, a liberdade e a morte. diante da morte. Tais artifícios denunciam ainda
O fundamento da existência, conforme mais o vazio que se instala pela falta de sentido
o autor supracitado é a disponibilidade para o e pela proximidade da finitude.
uso da tecnologia, da qual o homem é ao mes- Ao encarar a morte como inevitável, o
mo tempo produtor e consumidor. A vivência homem se vê livre para assumir o seu ser sua
humana tem o sentido mecânico de produção angústia passa a ser vivenciada de maneira pos-
da subjetividade, orientada por um projeto de itiva, pois impele ao homem responsabilizar-se
exploração e de controle hegemônicos sobre a por sua existência, à medida que pede dele uma
realidade humana, o que acaba por provocar um ação. Essa ação se relaciona com aquilo que o
empobrecimento de sua criticidade frente aos homem escolhe ser, ou seja, com sua singular-

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Angústia existencial contemporânea...

ização, a qual tem o seu aparecimento impedido aproximando-se do tédio patológico. (ANGERA-
na contemporaneidade que preza pela homoge- MI, 1999)
neização e massificação dos Homens. Na vivência do tédio há um comprometi-
Contrapondo a ideologia de alienação do mento na temporalidade, já que as instâncias de
sujeito, Heidegger (2000 apud DANTAS, 2009) tempo são sentidas como longas e insignifican-
traz o pensamento meditante e a serenidade, os tes, seja passado, presente ou futuro estes nada
quais se caracterizam por uma postura mais leve representam para o sujeito entediado.
do homem em deixar as coisas virem à luz dos Muitos buscam a saída do desespero por
acontecimentos, isto é, o homem sente-se ab- meio do entorpecimento de drogas e em proces-
sorto pela abertura de sua existência e se move sos de alienação. Contudo, essas buscas não
a favor daquilo que quer para seu ser. alcançam seus fins e os sujeitos deparam-se
Todavia, Angerami (1999) menciona que cada vez mais com o absurdo da própria ex-
o desespero do homem contemporâneo apre- istência, ou seja, seu caráter contingente e in-
senta diversas facetas de dor, mas que precisa- certo. Entretanto, Angerami (1999) nos trás que
mente é a ausência do Outro o que mais o an- somente assumindo projetos possíveis e verda-
gustia. Pautando-se no pressuposto de que para deiramente significativos é que o indivíduo tende
o existencialismo a vida é absurda, ou seja, não a ultrapassar o tédio. É o sentido que damos a
tem um sentido de ser a priori, o sujeito busca vida o que nos mantém vivos.
por realizações significativas que visem dar sen-
tido e cor a sua existência. Portanto, entende-se Sem ação concreta não se sai deste aniquila-
que o sentido da vida encontra-se no fato de que mento existencial que é o tédio: se você está
o homem existe a partir de seus projetos, real- explodindo silenciosamente, então é melhor
izações e relações estabelecidas com o Outro. viver, sair da solidão [...] Ir de encontro às
pessoas, tentar novas possibilidades, outros
Desse modo, se explica o porquê do de-
trabalhos, outro casamento, outros ambien-
sespero do homem contemporâneo relacionar- tes (ANGERAMI, 1999 p. 26).
se à existência do Outro, já que o significado
desse está diretamente relacionado com sua O sentimento diante a não realização
presença e ausência, embora, Angerami (1999) de uma série de possibilidades vitais, diante o
afirme que na ausência esse Outro se torna mui- próprio tédio e da dúvida perante a própria vida
to mais presente do que em situações de pre- é caracterizado como a angústia existencial.
sença física real. O Outro existe dando também Essa é libertária, pois ao constatarmos nossa
significação a minha própria existência, já que acomodação diante determinadas situações da
esse não é somente aquele que eu vejo, mas ai- vida buscamos a transformação a fim de que a
nda é aquele que me vê. Diante disso, a solidão angústia seja esvaída. Diante disso, entende-se
é considerada como a configuração extremada que a angústia amplia a possibilidade de tomada
da ausência do Outro e em como eu me rela- de consciência da própria condição humana do
ciono com esse Outro que se faz presente na ser, o qual se difere dos demais seres existentes
própria ausência, confirmando em mim a neces- pela condição de ser livre e, portanto, dono dos
sidade de me relacionar com outros, que não eu. seus próprios atos. “Minha angústia me leva ao
No entanto, a tomada de consciência da encontro da minha libertação ao tirar-me do qui-
condição de ser só, leva o sujeito à percepção etismo” (ANGERAMI, 1999 p. 30).
de que por ser só, é dele que depende suas es- A libertação ocorre quando, após o sofri-
colhas e a resolução de seus conflitos, é a partir mento e as crises existenciais os quais tem como
de então que esse toma a frente de sua vida, precursora a angústia diante o existir, no qual,
assumindo-se como responsável por essa. Con- segundo Angerami (2000), o homem assume
statar-se responsável pela própria existência que algo precisa e pode ser feito para que possa
requer o conhecimento de que há sempre algo ser liberto, usufruindo e ampliando as possibili-
por fazer, porém ainda que a existência humana dades de existência. Ao assumir a condição de
caracterize-se como uma totalização em curso, ser livre, o homem se reconhece como sendo o
uma constante inacabada, a sensação de não único Ser que pode atribuir significado ao mun-
estar exercendo as possibilidades vitais e de es- do, ou seja, o mundo só existe pelo e através do
tar parado na vida provocam o tédio existencial, homem e o homem só se sabe homem, quando
o qual pode tornar-se excessivamente doloroso, situado no mundo.

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BORGES, et. al

Embora ao homem contemporâneo O mesmo autor disserta ainda que o


não falte problemas que tendem a limitar e/ou homem que se sabe artífice de sua existência
dificultar sua existência, assim como a liberta- está engajado em seu projeto de existir e isso só
ção do tédio apenas acontece a partir da ação, acontece a partir da relação com o Outro, o qual
o mesmo ocorre ao se tratar da angústia. An- é seu fundamento, pois esse o reconhece como
gerami (1999) menciona que, conquanto a atual um ser no mundo diferente dele. De acordo com
sociedade tenha tudo para aniquilar o indivíduo Sartre (1997), esse reconhecimento se dá a par-
nos seus diversos níveis de convivência (profis- tir de meu nascimento, em que dependo dele
sional, afetivo e sexual), cabe somente a ele de- não só para sobreviver, mas também para me
cidir por libertar-se dessas condições ou aceitar tornar humano, isso se dá por meio do contato
o estrangulamento e vivenciar o tédio diante de direto ou indireto com o Outro, que me permite a
tal aniquilamento existencial. aquisição de características humanas, as quais
Esse intento da sociedade em conduzir certificam ao homem sua existência no mundo
o homem ao aniquilamento de seu ser é exem- com esse Outro que como ele, é livre e constru-
plificado por Sartre (1997, p.105-107) na figura tor de seu mundo.
do garçom, o qual, para exercer sua profissão, Ao dizer que o Outro me fundamenta,
precisa cercar-se de uma conduta, trejeitos e digo que ao fitar seu olhar sobre mim o Outro me
vestimentas que o caracterizem socialmente constitui um novo tipo de Ser que “deve sustentar
como sendo um garçom, apenas um garçom pe- qualidades novas, este novo Ser que aparece no
rante seus clientes. Essa caracterização parece Outro não reside no Outro, eu sou responsável
encerrar qualquer capacidade reflexiva para por ele”, mas preciso do Outro para captar es-
além de servir à mesa ou segurar uma bandeja, truturas em meu Ser (Sartre, 1997, p.290-291).
tem-se aí uma objetivação desse homem em É como se somente o Outro, por ser diferente
sua função de garçom, o qual pode escolher-se de mim, pudesse saber o que sou quando estou
alienado ou liberto frente a esse rótulo social, diante dele, assim o Outro se insere em minha
corresponder ou transcender essa condição. existência de maneira a organizar o meu modo
O tédio, a angústia e a própria solidão de existir no mundo.
exigem do homem contemporâneo uma radical O meu projeto de existir nesse mundo
transformação rumo a formas dignificantes de objetivo esbarra, inevitavelmente, no projeto de
vida, em que as pessoas não precisem recor- existência do Outro, o qual é diferente do meu.
rer ao entorpecimento da consciência por meio Portanto, tenho que conviver com a liberdade do
do uso de drogas, a fim de suportar as adversi- Outro, o qual assim como eu necessita carto-
dades da existência. grafar sua existência através de suas escolhas,
atos e projetos. Essa liberdade aliada à respon-
O OLHAR DA PSICOTERAPIA EXISTENCIAL sabilidade de se fazer de maneira autônoma
SOBRE O FENÔMENO DA ANGÚSTIA EXIS- suscita no homem uma angústia diante o seu
TENCIAL próprio existir, pois deve considerar além de seu
querer, o querer do Outro e o mundo das coisas,
Considerando que o existencialismo é isto é, deve-se conhecer convivendo em meio a
uma filosofia que se ocupa em conhecer como o demais projetos (SARTRE, 1997).
homem se escolhe, como desenha sua existên- Embasada pelo existencialismo, a psico-
cia, tem-se que esta é uma corrente filosófica do terapia existencial, segundo Angerami (1984), é
cotidiano, o qual envolve o homem em situações entendida como um processo de libertação do
reais e concretas, nas quais tende a se relacio- sujeito, sobre o qual estão envoltos psicotera-
nar com outros homens e com um mundo mais peuta e cliente, numa relação de ajuda, na qual
objetivo, o mundo das coisas. A psicoterapia ex- o psicoterapeuta se compromete a estar junto
istencial surge desse entrelaçamento de uma ao cliente num momento em que esse último se
visão de homem livre e responsável pelo que é propõe a caminhar ao encontro de novas pos-
e da relação, proveniente da psicoterapia, em sibilidades de existência. O sujeito é compreen-
que há uma disposição de estar junto, a fim de dido em sua singularidade e respeitado em sua
o psicoterapeuta intentar compreender como se vivência. Somente ele é capaz de conhecer a
constrói uma dada existência individual do cli- si e transformar sua existência, conforme seus
ente que a ele se apresenta (NICOLAU, 2007). projetos. Cabe ao psicoterapeuta apreender

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Angústia existencial contemporânea...

qual fenômeno está sendo manifestado nesse poderá se deparar com as reais possibilidades
sujeito e auxiliá-lo a refletir sobre escolhas e que vem negligenciando, bem como vislumbrá-
possibilidades. las, caso ainda não tenha feito, e a partir da to-
Essa prática psicoterápica, conforme mada de consciência dessas possibilidades, op-
Nicolau (2007) tem como foco captar a pessoa tar e então, decidir-se permanecer paralisado ou
no mundo e não uma suposta patologia que, assumir sua liberdade e escolher o agir atuante
caso exista, é vista como uma vivência inautên- (ANGERAMI e FEIJOO, 1999).
tica do sujeito que escolhe não assumir suas O fenômeno da angústia, uma vez mani-
escolhas frente ao mundo, a qual não deve ser festo em psicoterapia, necessita ser compreen-
explicada e sim compreendida em psicoterapia, dido a partir do cliente, isto é, de acordo com
para que cônscio de suas ações o sujeito tenha Angerami (2000) é de fundamental importância
a oportunidade de transcendê-las e experenciar que o psicoterapeuta se preocupe em questionar
outras vivências com mais propriedade e auten- como o cliente sente e vivencia esse fenômeno.
ticidade. O encontro psicoterapêutico significa Para tanto, a escuta deve-se voltar para aquilo
auxílio ao Outro que se alegra, teme e sofre e que o cliente sente quando diz estar angustiado,
que necessita ser ouvido em sua dor, sem críti- ou seja, estar atento à maneira como descreve e
cas ou julgamentos. Ou seja, “tem-se como pre- vivencia a angústia, suas sensações, sintomas e
tensão ajudar o cliente a descobrir o seu poder medos decorrentes dela.
de auto-criação e aceitar a liberdade de ser ca- Alguns clientes relatam a angústia como
paz de usar as suas próprias capacidades para sendo o medo da não realização das possibili-
existir, conforme ele próprio nos esclarece” (ER- dades existentes. Outros, por sua vez, trazem o
THAL, 1999, p. 25). medo de ficarem enredados pela angústia, pois
A angústia existencial, a partir de relatos alegam não encontrarem saída para o sofrimen-
de Angerami e Feijoo (1999), é manifestada pelo to. Há aqueles ainda que temem morrer e por
sujeito, em contexto psicoterápico existencial, isso deixam de viver, como se pudessem evitar a
na tentativa de encontrar justificativas para não morte ao optar por uma existência inerte. Nesse
se permitir lançar ao devir. A partir de Heidegger caso não se fala de uma angústia própria da re-
(1989 apud ANGERAMI E FEIJOO, 1999), a an- alidade humana, mas sim de uma angústia que
gústia é decorrente do temor experienciado pelo prende, sufoca e impede o cliente de viver ple-
sujeito ao ter de escolher dentre possibilidades namente (ANGERAMI, 2000).
futuras, ou seja, refere-se à vivência do temor A reflexão efetuada em psicoterapia a
diante a possibilidade de escolher sem a certe- respeito da angústia como escreve Angerami
za de que se está optando pela melhor direção, (2000), intenta levar o cliente ao reconhecimento
uma vez que, ao eleger algo diversas possibili- de sua atual situação e a visualizar-se respon-
dades são abandonadas. sável pelos seus atos e que assim assuma uma
A angústia é, por vezes, expressa pelo postura autêntica e decisiva sobre sua existên-
cliente em psicoterapia por meio de condutas cia. Entende-se que uma vez que o cliente diz
paralisantes, que o aprisionam e o impedem de querer modificar sua existência, esse necessita
seguir determinados caminhos e tomar certas ser o seu legislador, tomando para si as rédeas
atitudes. Isso porque ele acredita que não es- de seu caminho à medida que se apropria de um
colhendo, não corre riscos, bem como assume o querer ou de um não querer para sua existên-
controle do tempo. Ressalta-se que para não es- cia. Empodera-se de seu poder de escolha, de
colher o sujeito constrói inúmeras justificativas, decisão.
seja pelo Outro que o impede de realizar, seja
por medo ou pânico (ANGERAMI e FEIJOO, CONSIDERAÇÕES FINAIS
1999). Entretanto, essa não escolha não se faz
verdadeira, já que até mesmo essa é uma ati- A guisa de finalizar este estudo considera-
tude de decisão. se a angústia existencial como um fenômeno
Ao psicoterapeuta cabe atuar com o pertencente à condição humana, emergente
cliente angustiado, o qual não encontra alter- do nada e do caráter contingente da existência.
nativas que se diferem de suas condutas, de Portanto, observou-se que a angústia se diferen-
maneira a promover a ampliação da vivência cia do medo por não ter esta um objeto temido
de angústia, pois é a partir dessa que o sujeito e sim um existir que se faz angustiante pela re-

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 4, p. 221-228, out./dez. 2011 227


BORGES, et. al

sponsabilidade de cada sujeito, diante de uma COSTA, V. de. Ontologia da negatividade em


escolha feita ou por fazer. Sartre. 2009. 139 f. Dissertação (Mestrado) -
Foi possível perceber ainda que na an- Programa de Pós Graduação em Filosofia, Uni-
gústia o que se sente é um mal estar, uma in- versidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.
segurança do homem consigo mesmo, com sua
própria existência inacabada e ainda por fazer, DANTAS, J. B. et al. A patologização da angústia
portanto, um nada, o qual remete a esse homem no mundo contemporâneo. Arquivos Brasilei-
sua condição de ser livre. O caráter arrebatador ros de Psicologia, v. 6, n. 2, 2009.
da angústia traz em seu bojo a gratuidade da ex-
istência humana, ou seja, não há coisa alguma NICOLAU, A. A. Ser-no-mundo na contempo-
que possa justificá-la no mundo, esta é então raneidade. 2007. 69 f. Monografia (Trabalho
contingente, existimos, mas poderíamos não ex- de Conclusão de Curso) - Centro Universitário
istir, contudo, uma vez que existimos, somos im- Newton Paiva, Belo Horizonte, 2007.
pelidos pela angústia a nortear nossa existência.
É na contemporaneidade que esse afã SARTRE, J. P. O existencialismo é um huma-
da existência se intensifica, pois o homem se vê nismo. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 194 p.
envolto por um incessante avanço tecnológico
que incide nele: angústia patológica, ou seja, ______. O ser e o nada: ensaio de ontologia
uma angústia que, ao invés de impulsioná-lo a fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997. 782 p.
recriar sua existência, intenta aprisioná-lo em
meio aos instrumentos técnicos, denunciadores WERLE, M. A. A angústia, o nada e a morte em
de um irremediável vazio. Esse vazio é propul- Heidegger. Trans/Form/Ação, Marília, v. 26, n.
sor da angústia, a qual parece sufocar e aniqui- 1, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/
lar o homem quando esse escolhe se alienar às scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010131732
imposições sociais. 003000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em:
Enfim, reconhece-se a angústia exis- 29 jun. 2010.
tencial como um fenômeno libertador, a qual é
passível de reflexão também em contexto psi- ANGUSTIA EXISTENCIAL CONTEMPORÁNEA Y
coterápico, tendo por objetivo fazer com que o SU EXPRESIÓN EN PSICOTERAPIA
homem possua uma consciência reflexiva sobre
Resumen: Este estudio se caracteriza como una re-
sua condição, bem como sobre suas escolhas
visión bibliográfica de la filosofía de Sartre y de otros
frente sua existência. Portanto, quando angus- filósofos existenciales, bien como una profundización
tiado pelas transformações e facticidades do del concepto existencial de angustia, su manifesta-
mundo esse pode escolher se manter inerte ou ción en la contemporaneidad y en psicoterapia. Esta
assumir sua liberdade de existir diante das pos- investigación busca ofrecer mayor entendimiento so-
sibilidades que possui. bre la temática a ser discutida en el presente artículo:
angustia existencial. Se presentará la relación psico-
REFERÊNCIAS terapéutica en una óptica fenomenológica existen-
cial, la manifestación de angustia en esa relación y
ANGERAMI, V. A. Angústia e psicoterapia. la comprensión de la angustia como una emergencia
contemporánea. Con la elaboración de tal estudio fue
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. 194 p.
posible percibir que la angustia existencial se confi-
gura como un fenómeno perteneciente a la condición
______. Existencialismo e psicoterapia. São humana, el cual posee fuertes contornos expresivos
Paulo: Traço Editora, 1984. 88 p. en la contemporaneidad.
Palabras clave: Angustia existencial psicoterapia,
______. Solidão: a ausência do outro. São Pau- y contemporaneidad.
lo: Pioneira, 1999. 116 p.

ANGERAMI, V. A.; FEIJOO, A. M. L. C. A psicote-


rapia existencial: uma pesquisa fenomenológica.
In: ANGERAMI,V. A. A prática da psicoterapia.
São Paulo: Pioneira, 1999. p. 7-35.

228 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 4, p. 221-228, out./dez. 2011

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