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ARTE EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Arte Educação e Cultura Digital – Prof. Dr. Wilton Luiz Duque Lyra

Meu nome é Wilton Luiz Duque Lyra. Sou graduado em


Educação Artística (Licenciatura Plena) pela Faculdade de Belas
Artes de São Paulo. Fiz Pós-Graduação Lato Sensu em História da
Arte pela Fundação Armando Álvares Penteado, mestrado em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e doutorado em Ciências da Comunicação pela
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
Fui coordenador do curso de Licenciatura em Artes a distância
no Centro Universitário Claretiano, onde atualmente sou tutor.
Além disso, trabalho há 15 anos como arte-educador (efetivo)
na rede pública do município de São Paulo.
E-mail: wiltonlyra@claretiano.edu.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Wilton Luiz Duque Lyra

ARTE EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL


Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

700.7 L745a

Lyra, Wilton Luiz Duque


Arte educação e cultura digital / Wilton Luiz Duque Lyra – Batatais, SP :
Claretiano – Rede de Educação, 2013.
222 p.

ISBN: 978-85-67425-39-9

1. Ensino da Arte antes da Cultura Digital. 2. Investigação sobre a ideia de arte.


3. Cultura Digital. 4. Arte-educação e Cultura Digital. I. Arte educação e cultura
digital.

CDD 700.7

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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
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Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
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Luciana dos Santos Sançana de Melo
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 9
3 E-REFERÊNCIA................................................................................................... 29
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 29

Unidade 1 – ENSINO DA ARTE E MEIOS ANALÓGICOS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 31
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 31
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 32
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 33
5 PANORAMA HISTÓRICO COMUM.................................................................... 34
6 ARTE-EDUCAÇÃO COMO DISCIPLINA ............................................................. 39
7 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS..................................................... 51
8 REFERENCIAL DE EXPECTATIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA
COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORA NO CICLO II DO ENSINO
FUNDAMENTAL................................................................................................. 60
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 67
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 68
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 69

Unidade 2 – INVESTIGANDO A IDEIA DE ARTE


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 71
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 71
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 72
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 72
5 PARA COMPREENDER A ARTE.......................................................................... 74
6 ELEMENTOS VISUAIS........................................................................................ 78
7 PICTÓRICO E LINEAR......................................................................................... 85
8 ESTÉTICA E O ENSINO DA ARTE....................................................................... 93
9 ESTÉTICA: REFLEXÃO FILOSÓFICA OU REFLEXÃO EMPÍRICA? ...................... 110
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 130
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 130
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 132

Unidade 3 – CULTURA DIGITAL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 135
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 135
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 136
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 136
5 COMO TUDO COMEÇOU................................................................................... 139
6 DEFININDO A CULTURA DIGITAL...................................................................... 157
7 PARA ENTENDER A ARTE: NOVAS CONCEPÇÕES ........................................... 168
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 191
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 191
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 193

Unidade 4 – ARTE-EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 197
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 197
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 197
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 198
5 O PROBLEMA DA EXCLUSÃO DIGITAL.............................................................. 199
6 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 218
7 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 219
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 219

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EAD
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ensino da Arte antes da Cultura Digital. Investigação sobre a ideia de Arte. Cul-
tura Digital. Arte-educação e Cultura Digital.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Como já apontava McLuhan (1977), qualquer nova tecnolo-
gia cria seu respectivo meio ambiente humano. Com isso, entre o
moderno ambiente de informação elétrica e a sala de aula já havia
uma diferença brutal, pois a criança da televisão estava sintoni-
zada em notícias adultas e ficava desnorteada quando penetrava
no ambiente do século 19, que ainda caracterizava o organismo
educacional com informações escassas. O mote para o desenvol-
vimento dessas ideias foi a mudança de uma tecnologia mecânica
para uma tecnologia de circuitos elétricos.
O ambiente e o modo de pensar de um jovem que cresceu
diante da tela de um televisor são muito diferentes do ambiente e
8 © Arte Educação e Cultura Digital

do modo de pensar de um jovem que vive a difusão da informação


por meios digitais.
Como bem observou McLuhan, "a ‘mensagem’ de qualquer
meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão
que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas" (1977,
p. 22).
Com o surgimento dos computadores em 1946, o início da
fabricação dos computadores pessoais, os PCs, em 1981, a popula-
rização do CD-ROM e da internet, na década de 1990, surgiu uma
nova cultura, a digital, que certamente introduziu novíssimas men-
sagens às coisas humanas.
Não devemos nos esquecer de que uma parcela significativa
da população há muito vivencia efetivamente essa nova realidade
e, como consequência, uma nova cultura. Os signos que circulam
nessa nova cultura,
[...] os tipos de mensagens que engendram e os tipos de comunica-
ção que possibilitam são capazes não só de moldar o pensamento
e a sensibilidade dos seres humanos, mas também de propiciar o
surgimento de novas culturas (SANTAELLA, 2003, p. 13).

Talvez seja possível, pois, afirmar que os meios digitais cria-


ram, ou mesmo impuseram, um ambiente e um indivíduo especí-
ficos para a cultura que surgiu com tais meios.
Quando ouvimos falar em revolução digital, pensamos ime-
diatamente em informática e em um universo paralelo cuja matriz
é a internet.
Essa revolução depende muito mais da comunicação que se
institui entre as conexões em rede do que propriamente do papel
desempenhado pela informática e pelos computadores.
As duas forças principais da informática, a capacidade de ar-
mazenamento e o processamento de informação, acabam se mul-
tiplicando imensamente à medida que as máquinas podem se be-
neficiar umas das outras. Os objetos desse universo consistem em
uma realidade multidirecional incorporada a uma rede global, ou
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

seja, estão sustentados por computadores que funcionam como


meios de geração e acesso.
Nessa realidade, cada computador passou a ser uma janela,
e os objetos vistos e ouvidos são constituídos de tráfegos de infor-
mação produzidos por empreendimentos humanos em todas as
áreas.
A palavra digital pode remeter imediatamente a computa-
dores; não obstante, em sentido amplo, ela define um conjunto de
fenômenos muito mais complexo do que o simples armazenamen-
to de informações.
Na verdade, o termo "digital" deve ser pensado como algo
capaz de diferenciar o modo contemporâneo de vida do modo de
vida dos outros, ou seja, representa uma clara ruptura com tudo
que o precedeu.
Mas vocês já se perguntaram de que maneira essa verdadei-
ra revolução começou? É para responder a essa e a outras ques-
tões que envolvem os meios digitais que estudaremos Arte e Tec-
nologia.

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-
dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará
em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma
breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões
no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral
visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do
qual você possa construir um referencial teórico com base sólida
– científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis-
são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi-
lidade social.

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10 © Arte Educação e Cultura Digital

Podemos dizer com total segurança que a Proposta Triangu-


lar foi um divisor de águas no que diz respeito ao ensino da Arte
no Brasil. Já sobre a Cultura Digital, não podemos dizer o mesmo,
porque o ensino da Arte não está dividido em função de um "an-
tes" e um "depois" da Cultura Digital.
Agora, por meio de reproduções digitais, de combinações de
imagens, textos e, em muitos casos, de sons, somos forçados a
constantes reorganizações perceptíveis que fazem parte de uma
verdadeira revolução: a revolução numérica. Logo, é importante
analisar como a tecnologia entrou no mundo da Arte e, por con-
seguinte, avaliar qual foi o impacto dessa tecnologia no campo da
Arte-educação.
Neste Caderno de Referência de Conteúdo, será apresentado
um panorama histórico comum a fim de verificar as transforma-
ções mais significativas pelas quais passou o ensino da Arte até
chegar ao estado atual. Em seguida, veremos um pouco sobre um
importante movimento cujo objetivo principal foi melhorar o en-
sino da Arte nos Estados Unidos. Esse movimento foi o DBAE −
Discipline-Based Art Education (Arte-educação como disciplina).
No Brasil, o ensino da Arte foi impulsionado com a criação do
Movimento Escolinha de Arte e a Escolinha de Arte de São Paulo.
Esse ambiente, juntamente com as proposições de uma Arte-edu-
cação como disciplina e com a experiência mexicana das Escolas
ao Ar Livre, possibilitou o desenvolvimento de uma prática peda-
gógica que ficou conhecida como Proposta Triangular.
Estudaremos também os Parâmetros Curriculares Nacionais,
cuja proposta é oferecer um referencial para a educação no Ensino
Fundamental para todo o país. E, por fim, veremos o que é uma
Sequência Didática.
Após esse apanhado histórico, e após a apresentação do
instrumental teórico que rege o ensino da Arte, investigaremos
a ideia de Arte, pois, de acordo com as pesquisas realizadas por
Jeffers (2000, p. 43), não há diferença quanto à definição de arte
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

entre alunos que tiveram instruções artísticas com especialistas e


alunos que não tiveram instrução com especialistas.
Isso, na verdade, é compreensível, ainda mais tomando-se
como base os estudos de Michel Parsons. Para ele, há cinco es-
tágios de desenvolvimento estético e somente "[...] alcançamos
as percepções mais complexas da maturidade passando por uma
série de estádios" (PARSONS, 1992, p. 26).
O curioso é que, independentemente de uma formação uni-
versitária, alguns indivíduos ficam no primeiro estágio de desen-
volvimento estético, ou seja, o entendimento de um adulto que
não teve educação estética está no mesmo nível do entendimento
de uma criança. Logo, um arte-educador não pode estar no primei-
ro estágio de desenvolvimento estético, pois é dele a incumbência
de mediar o desenvolvimento estético dos alunos. Se mediar é
proporcionar acesso, para proporcionar acesso é essencial que o
professor domine suficientemente o assunto a ser trabalhado.
Especificamente falando em Artes Plásticas, não basta dese-
nhar e pintar muito bem, pois a intenção das aulas de Artes não é
formar desenhistas; também não ajudaria muito ser um extraor-
dinário historiador da Arte, pois os alunos não estudarão a Histó-
ria da Arte de maneira cronológica; como também não adiantaria
muito um expert em crítica de Arte, porque a crítica da obra de
arte também não é a finalidade última dos estudos artísticos.
Isso não quer dizer que o arte-educador não tenha que
identificar as várias escolas artísticas; não quer dizer que ele não
precise ter boas noções de desenho e pintura; e que não precise,
enfim, saber analisar uma obra de arte. Qual seria, então, o papel
do arte-educador dentro das escolas? Para Bernard e Chaguiboff
(1979, p. 102),
Inicialmente, podemos dizer que ao arte-educador cabe, entre ou-
tras coisas, estimular a sensibilidade estética, haja vista que, apa-
rentemente, desde sua mais tenra idade, a criança possui sensibi-
lidade estética.

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12 © Arte Educação e Cultura Digital

O desenvolvimento dessa sensibilidade, no entanto, depen-


de de certos princípios estéticos: o equilíbrio, o ritmo, a harmonia,
a unidade.
Ser um arte-educador, mesmo para quem queira se espe-
cializar em uma única linguagem – plástica, por exemplo – requer
muitos anos de estudo e dedicação. Portanto, o problema não é
tão simples como pode parecer.
Essa talvez tenha sido a preocupação de Edmund Feldman,
pois ele começa seu livro Becoming human through Art (Tornando-
-se humano pela Arte) dizendo que qualquer indivíduo que queira
ensinar Arte deve, inicialmente, e independentemente da série,
saber o que é Arte, compreender sua natureza e os modos como
ela é praticada e estudada na escola.
Jorge Coli, em seu livro O que é Arte, no capítulo dedicado à
instauração da Arte e aos modos do discurso, diz que a Arte "ins-
tala-se em nosso mundo por meio do aparato cultural que envol-
ve os objetos: o discurso, o local, as atitudes de admiração, etc."
(COLI, 1990, p. 12). Em outras palavras, dependendo do aparato
cultural do indivíduo, determinados objetos serão considerados
legítimas obras de Arte e outros não.
Talvez seja por isso que ainda ouvimos com certa frequência
a famosa frase: "O que é Arte para mim pode não ser para você"!
Se levarmos em consideração o aspecto mais comum que
reside em qualquer ato, desde que esse ato seja feito por alguém
que tenha habilidade, todas as manifestações realizadas pelo ho-
mem podem, a princípio, ser Arte: desde a feitura de um sapato
até a construção de um prédio.
É evidente que houve muitos avanços no ensino da Arte, mas
ainda é comum – muito mais do que imaginamos – professores de
Artes enfatizarem artistas e períodos com os quais mais se identi-
ficam para demonstrar o que é Arte. Geralmente são obras figura-
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

tivas, como clássicos do Renascimento, mas tomar esses clássicos


como exemplos de obra de arte não significa que o indivíduo saiba
o que é Arte.
Dependendo do estágio em que ele se encontra, as relações
ocorrerão de modo diferente, podendo sofrer, inclusive, restrições.
Cada estágio não deve servir de redutor de uma série "infinita" de
manifestações, posto que cada uma delas é uma relação com um
sujeito em perpétuo estado de transformação.
Sartre, por exemplo, ao se referir à obra de Marcel Proust,
adverte que o
[...] gênio de Proust, ainda que reduzido às obras produzidas, nem
por isso deixa de equivaler à infinidade de pontos de vista possíveis
que podem ser adotados sobre sua obra, e isto se chamará de ‘ines-
gotabilidade’ da obra proustiana (SARTRE, 1984, p. 18).

Essa inesgotabilidade da qual fala Sartre dá-se porque o ar-


tista, ao criar uma obra de arte, não o faz por conhecer "a arte"
de fazer certas coisas com Arte. Essa inesgotabilidade surge, por
exemplo, devido à organização dos elementos visuais – linha, for-
ma, cor, volume e textura –, de modo a criar uma forma significan-
te; "e ‘Forma Significante’ é a única qualidade que é comum a toda
obra de arte" (BELL, 1958, p. 18).
A partir da organização dos elementos visuais, podemos
apreender alguns significados diretamente pela percepção, sem
sermos afetados pelo contexto da obra em particular. Mas isso im-
plicaria um alfabetismo visual.
São inúmeros os conceitos necessários para se ultrapassar o
simples enxergar e conquistar o alfabetismo visual. Infelizmente,
não há outra maneira de se chegar à multiplicidade de definições,
conceitos e características do vocabulário visual se não for por
meio da alfabetização visual.
Embora o ponto seja o elemento básico de toda representa-
ção, e a partir dele todos os outros elementos podem ser repre-
sentados e estudados, vamos estudar apenas um dos elementos
visuais: a linha.

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14 © Arte Educação e Cultura Digital

Como bem observa Feldman, o estabelecimento "de uma se-


quência rítmica em arte não ocorre com o resultado de um aciden-
te: tem que ser planejado e calculado" (FELDMAN, 1967, p. 269).
A linha, uma vez calculada, é capaz de determinar o ritmo de uma
obra de arte, pois ela pode ser de ritmo calmo, com movimento ou
ter ritmo agitado.

Ritmo calmo
Dizemos que o ritmo de uma obra de arte é calmo quando
há predominância de linhas horizontais e verticais. Logo, é eviden-
te que em uma obra de ritmo calmo teremos linhas curvas, mas
não a ponto de predominarem na obra.
Na Unidade 2, observaremos que na Figura 3, Virgem entro-
nada com os anjos, de Cimbaue, predominam claramente linhas
verticais e horizontais. Portanto, trata-se de uma obra de ritmo
calmo. O interessante é que essa predominância de linhas hori-
zontais e verticais é essencial para a finalidade da obra. Ou seja,
para o propósito segundo o qual a obra fora concebida não haveria
espaço para outro ritmo que não fosse um ritmo calmo.

Movimento
Veremos na Figura 4 da Unidade 2 a obra O chamado de São
Mateus, de Caravaggio, para estudarmos o movimento. Podemos
perceber que o ritmo da composição é um pouco calmo, porque
há forte presença de horizontais e verticais. Esse fenômeno ocorre
porque, além de linhas horizontais e verticais, há a presença de
diagonais. Dizemos então que a obra possui movimento.
Nessa obra, Caravaggio utilizou a própria luz, que invade
a cena pela direita em diagonal, para, além de direcionar nosso
olhar para São Mateus, em torno do qual toda a narrativa é cons-
truída, dar movimentação à obra. No entanto, essa não é a única
linha em diagonal presente na composição: podemos identificar
várias outras.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Ritmo violento
Como vimos, uma obra de arte deixa de ter ritmo calmo e
passa a ter movimento quando há linhas em diagonais pela obra;
em outras palavras, quando há o predomínio de diagonais. E quan-
do vemos muitas curvas, como na Figura 6 da Unidade 2, A que-
da dos condenados, de Rubens? Estudaremos nessa unidade que,
quando predominam linhas curvas e diagonais, dizemos que o rit-
mo do quadro é violento.
Há outros aspectos que também podem ser levados em con-
sideração ao analisarmos uma obra de arte: a expressão, a forma e
o conteúdo, o contexto no qual a obra foi produzida etc.
E ao falarmos sobre uma obra de arte digital, o que devemos
olhar?
Inicialmente, devemos aceitar que estamos diante de novas
concepções artísticas; que as relações do homem com o mundo
não são mais as mesmas depois da revolução da informática.
Atualmente, como praticamente tudo passa pelas tecnolo-
gias, os artistas acabaram descobrindo novas possibilidades, uma
vez que estamos na iminência de repensar até mesmo nossa pró-
pria condição humana. Sendo assim, as mudanças decorrentes do
abandono de técnicas tradicionais, o afastamento da ideia de arte
como mercadoria, a reavaliação dos conceitos fundados na repre-
sentação de formas, no belo, na subjetividade, na individualidade
e na artistificação dos meios, deram lugar a novas formas de pro-
dução. Surgem novas formas de Arte: Net Art, Arte Interativa, Arte
Mídia e por aí vai!
Estudaremos na Unidade 3 o motivo pelo qual algumas ma-
nifestações artísticas são consideradas obras de arte. Para isso, te-
mos que nos inteirar dos conceitos que envolvem a Cultura Digital
e, para podermos falar sobre Cultura Digital é necessário analisar-
mos como se dá o processo de "digitalização", ou seja, de que ma-
neira surge um objeto digital.

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16 © Arte Educação e Cultura Digital

Steven Connor, em seu livro Cultura Pós-Moderna, observa


que é comum dizerem que só se pode aproveitar o conhecimento
sobre coisas que de alguma maneira estejam encerradas. Tentar
compreender o contemporâneo é algo que só poderemos fazer
parcialmente, uma vez que o ato de conhecer está condenado a
chegar tarde demais à cena da experiência. Para ele, as únicas fer-
ramentas disponíveis para se entender a Cultura Pós-Moderna en-
contram-se na própria pós-modernidade, pois estamos no e per-
tencemos ao momento em que tentamos analisar; estamos nas e
pertencemos às estruturas que empregamos para analisá-la. Com
a Cultura Digital acontece o mesmo: não conseguiremos apreen-
dê-la em sua totalidade exatamente porque estamos participando
dessa revolução digital, pertencemos ao momento digital. Mas é
interessante notarmos que também vivemos sob a influência da
Cultura de Massa.
A Cultura Digital foi sendo semeada por meio de processos de
produção, distribuição e consumo comunicacionais. Tais processos
acabaram se distinguindo da lógica massiva, fertilizando gradativa-
mente o terreno sociocultural para o surgimento da Cultura Digi-
tal. Então, com a Cultura Digital, a persistência do analfabetismo,
assim como a existência dos excluídos da educação, passou a ser
mais um dos absurdos da atualidade, embora a alfabetização nun-
ca tenha sido primordial para o usufruto dos produtos da cultura
de massa (rádio, televisão, cinema) (SANTAELLA, 2003, p. 17). En-
quanto basta acordarmos pela manhã para sermos invadidos por
produtos da Cultura de Massa, na Cultura Digital isso não acontece
de modo tão simples, pois mesmo que um indivíduo execute as
mais variadas funções em um caixa eletrônico, por exemplo, isso
não significa que ele "domine" a Cultura Digital. Ele continua um
analfabeto digital, só que funcional. O sentimento de pertenci-
mento à Cultura Digital vai muito além disso, requer "o conjunto
de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de
modos de pensamento e de valores que se desenvolvem junta-
mente com o crescimento do ciberespaço" (2003, p. 17). Logo, o
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

crescimento do ciberespaço, assim como tudo que é produzido e


distribuído digitalmente, acaba influenciando nosso modo de vida:
algumas mass mídia, televisão, música, filmes, o World Wide Web
(www), video games etc. Então, a princípio, podemos definir Cul-
tura Digital como o conjunto de experiências contemporâneas que
só foram possíveis com o advento da tecnologia digital; logo, o di-
gital é o elemento seminal capaz de definir um complexo conjunto
de fenômenos. Desse modo, a Cultura Digital deve ser vista como
marca de uma cultura que incorpora artefatos, sistemas de signifi-
cação e comunicação que demarcam nosso modo contemporâneo
de vida.
O surgimento da Cultura Digital só foi possível a partir de
desenvolvimentos tecnológicos recentes. Embora cheguemos fa-
cilmente a essa conclusão, Gere (2002) não entende dessa manei-
ra. Para ele, seria mais preciso sugerir que a tecnologia digital é
um produto da cultura digital, e não o contrário. O digital não se
refere apenas aos efeitos e possibilidades de uma tecnologia parti-
cular. Ela define e abarca modos de pensamento e fazeres que são
incorporados nessa tecnologia, tornando possível seu desenvolvi-
mento.
Como vemos, a tecnologia teve papel muito importante para
o desenvolvimento da atual Cultura Digital. Porém, tecnologia é
apenas um entre muitos outros recursos. Ainda de acordo com o
autor:
Outros incluem discursos tecno-científicos sobre informação e sis-
temas, arte de van-guarda, utopia contracultural, teoria crítica e
filosófica, e mesmo formação de sub-cultura, caso do Punk. Esses
diferentes elementos são um produto do paradigma da abstração,
codificação, auto-regulação, virtualização e programação (GERE,
2002, p. 14).

Como dissemos, a tecnologia foi muito importante para o


desenvolvimento da Cultura Digital, e de todas as tecnologias,
nos parece que o computador está mais em evidência. Segundo
Guattari (2012), cada tipo de máquina possui um poder singular
de enunciação, o que ele chama de consistência enunciativa espe-

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18 © Arte Educação e Cultura Digital

cífica. A consistência enunciativa específica que surge a partir do


computador é a capacidade de reduzir tudo ao "zero" e ao "um". E,
como observam Couchot e Hillaire (2003), essa redução só foi pos-
sível devido à utilização de uma tecnologia complexa, híbrida, in-
timamente algorítmica; ou seja, por meio de complexas fórmulas
lógico-matemáticas é possível simular todas as técnicas existen-
tes. "É essa capacidade que dá ao numérico poder de penetração,
de contaminação sem precedente, que o autoriza a sujeitar todas
as tecnologias à ordem informacional [...]" (COUCHOT; HILLAIRE,
2003, p. 115).
Do ponto de vista da Arte-Educação, o que fazer diante da
Cultura Digital?
O processo digital, além de essencial para a cidadania, tor-
nou-se irreversível. Aparentemente nenhuma fronteira oferece
resistência à sua expansão. Mas, para acompanhar seu desenvol-
vimento e implementar um projeto de inclusão social a partir da
inclusão digital, é essencial que haja investimento. E, no Brasil, em-
bora as tecnologias digitais estejam mais acessíveis, ainda estamos
longe de promover uma revolução na sociedade, e principalmente
na educação, a partir dos meios digitais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, para diminuir a razão en-
tre computador-aluno (que era, em 1991, de 1 computador para
cada 25 alunos) para 1 computador para cada 2 ou 3 alunos, era
necessário investir, anualmente, $4 bilhões de dólares. Dinheiro
que, aparentemente, ainda não temos disponível.
É evidente que a cultura proveniente dos meios digitais faz
parte de um processo sem volta; no entanto, não devemos ali-
mentar a ilusão de que o espantoso tecnofuturo prometido pelos
defensores das super-rodovias da informação e pelos barões da
ciberindústria são acessíveis a todos. Só se aplica àqueles que pos-
suem telefone e que tenham poder de compra. Se levarmos em
consideração que apenas 10% da população mundial tem acesso a
telefone, e que para muitas pessoas ter um telefone em casa ainda
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

é artigo de luxo, é contraditório que uma grande quantidade de


dinheiro seja sistematicamente investido em programas de comu-
nicação global.
Como isso, duas realidades parecem colidir: a realidade do
planeta e seus habitantes e a realidade do mundo virtual com sua
infraestrutura comunicacional habitada por consumidores/usuá-
rios. Sabemos que uma parte expressiva da população mundial é
totalmente invisível, aparecendo só em momentos de catástrofe
natural, guerra ou revolução; que a grande maioria das pessoas
não possui telefone; não tem poder de compra e que, portanto,
não alcançará o status de usuários/consumidores. Esta não é uma
visão apocalíptica, "apenas" uma constatação! Logo, com as pri-
vações econômicas aparentemente superadas, o indivíduo ainda
precisa superar outro entrave ligado à sua formação: a superação
da exclusão digital.
Com relação à educação, o cerne do problema está na subu-
tilização do computador nas aulas de arte. Muitos arte-educadores
ainda não aceitaram o computador como um meio, pois falta-lhes
vocabulário e habilidades básicas para usá-lo de modo efetivo. As-
sim, alguns profissionais simplesmente rejeitam os meios eletrô-
nicos por temerem colocar a forma no lugar do conteúdo, além
de acreditarem que haverá perda do espiritual na arte. Logo, é
evidente que a atitude do professor é fundamental na implemen-
tação da tecnologia na arte-educação e, a partir daí, superar o en-
trave da exclusão digital.
Temos consciência de que a mera presença de um compu-
tador por si só não garante mudanças significativas no ensino da
arte, sobretudo se o arte-educador não estiver motivado e com-
prometido, condições fundamentais para unir tecnologia e arte-
-educação.
Não encontraremos as respostas dentro das máquinas, mas
dentro de nós mesmos (aliás, como sempre foi), pois as tecnolo-
gias emergentes, como o computador, são formados de circuitos,

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20 © Arte Educação e Cultura Digital

plásticos, fios, e micro chips; "[...] essas novas tecnologias não são
inteligentes, estéticas, ou seres espirituais. Ninguém pode achar
as respostas dentro de uma máquina" (GREGORY, 1996, p. 54).
Portanto, o papel do professor será, entre outras coisas, aju-
dar os alunos a refletir criticamente sobre sua escrita e seu modo
de produzir imagens, além de ajudá-los a criar seu próprio currícu-
lo à medida que exploram a rede. Por outro lado, o papel do aluno
será tomar para si a responsabilidade pelo seu próprio aprendiza-
do, pela criação de imagens e de outras incumbências em termos
de significado, com menos ênfase nas qualidades formais e habili-
dades técnicas.
A utilização de qualquer meio tecnológico deve ser feita com
propósitos muito bem definidos, e não como um mero brinquedo.
Especificamente falando de arte-educação, a grande chance de
não mais perdermos o bonde da história da arte é participando,
pesquisando, mudando programas – juntamente com os alunos
– para descobrir novas possibilidades de educação artística a par-
tir da informática. Capturar imagens de obras de arte de sites da
internet facilita o trabalho do professor, além de não promover
gastos adicionais.
A utilização daquilo que Santaella define como mensagens
semioticamente diversificadas não geraria redundância, mas, sim,
uma "cooperação intercódigos, interlinguagens tanto na formação
da mensagem quanto no efeito de compreensão a ser produzido
no receptor" (SANTAELLA, 2003, p. 46). Por exemplo, quando o
primeiro avião se choca a uma das torres gêmeas do World Trade
Center no dia 11 de setembro de 2001. Ver a imagem é impactan-
te, mas muito mais impactante e significativo do que ver somente
as fotos estampadas nas primeiras páginas dos jornais, e muito
mais do que ler a descrição do ocorrido, é ver a imagem do acon-
tecido em movimento.
Portanto, a máxima segundo a qual "uma imagem diz mais
do que mil palavras", pelo menos nesse caso específico, é verda-
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

deira, ainda mais se a imagem estiver em movimento! O ato de


recepção dessas imagens estimularia uma riqueza de sentidos per-
ceptivos assim como uma profusão de efeitos psicofísicos e cogni-
tivos (SANTAELLA, 2003, p. 47).
Acreditamos que uma alternativa seria montar apresenta-
ções no Power Point que assumisse a mesma complexidade semi-
ótica que a televisão, com tudo acontecendo ao mesmo tempo:
som, imagem e verbo que podem assumir papéis diversificados e
multifacetados ao mesmo tempo, além do ritmo dos cortes, jun-
ções, aproximações e distanciamentos. Esses são seguramente os
aspectos mais característicos dessa mídia.
Assim, devemos, em maior ou menor grau, utilizar o com-
putador cada vez mais como veículo de produção de sentido. Mas
essa prática seria suficiente para estreitar os laços entre a arte-
-educação e a emergente cultura digital? Acreditamos que ainda
não seja suficiente! É necessário que aprendamos a usar o compu-
tador de maneira mais otimizada.
Aprender a interagir com um computador e uma rede é a base do
aprendizado de uma nova linguagem multimídia, da mesma forma
que aprender a construir sentenças é a base do aprendizado de
uma língua estrangeira. E como acontece com outros idiomas, o
entendimento da nova linguagem multimídia virá acompanhada da
percepção da cultura multimídia (SULLIVAN-TRAINOR, 1995, p. 27).

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados neste Caderno de Referência de
Conteúdo. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Arte interativa: os novos interesses repousam sobre um
conjunto de condições que favorecem cada vez mais o
diálogo homem/máquina. Um deles é o ambiente inte-
rativo, onde o espectador passa de mero contemplador
para coautor da obra. Ao falar sobre arte interativa, re-

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22 © Arte Educação e Cultura Digital

ferimo-nos a um tipo de produção que foi concebida es-


pecificamente para proporcionar diálogo como usuário.
A obra só se revelará interativa a partir da atuação e da
intervenção do espectador. Em outras palavras, a obra é
interativa quando houver intercâmbio real de informa-
ção entre os sistemas – humano e digital. Deve haver
condições para que "um elemento externo à máquina
faça parte do processo mediante introdução de infor-
mação, e possa gerar nova informação não contida no
programa" (GIANNETTI, 2012, p. 2). É uma forma de arte
que envolve os espectadores de tal maneira que "nem
sempre se dão conta de que o que estão vivenciando é
uma experiência estética" (MACHADO, 2007, p. 29).
Muitas obras interativas trazem sensores que reagem ao
movimento, ao calor, a alterações meteorológicas, fa-
zendo o programa responder.
2) Cultura digital: é a cultura que deriva do processo de
digitalização, e que passou a mediar os principais temas
desse século. É inevitável que a digitalização progressiva
de todo tipo de informação influenciou nossas condições
de vida, uma vez que muitos paradigmas sofreram, de
um modo ou de outro, impacto significativo das novas
descobertas tecnológicas. Tais descobertas nos forçaram
a reavaliar várias relações humanas.
3) Discipline-Based Art Education − DBAE (Arte-educação
como disciplina): o DBAE foi desenvolvido ao longo dos
anos de 1960 por um grupo de notáveis (entre eles Elliot
W. Eisner). A Arte-educação como disciplina foi uma re-
ação à livre expressão criativa que dominou o ensino da
Arte durante os anos de 1940 e 1950. Instituiu-se, com
isso, uma verdadeira mudança de paradigmas, pois a ên-
fase deixou de ser no produto e passou a ser no proces-
so. As disciplinas que dariam respaldo a essa mudança
de concepção foram a Produção Artística, a História da
Arte, a Crítica da Arte e a Estética.
4) Estética: para entender os fundamentos da estética, pri-
meiramente temos que averiguar se ela constitui uma
reflexão filosófica ou empírica. Para alguns, a estética é
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

filosofia, uma vez que procura definir o que é ou o que


não é arte a partir da pura especulação, sem necessidade
da experiência direta do crítico de arte ou do artista. Há
quem sustente que a estética não é filosofia, porque é
alguma coisa intermediária entre a Filosofia e a História
da Arte. Sendo assim, ela não se encarrega de dar uma
definição geral da Arte, mas conta com os testemunhos
dos artistas, as reflexões dos críticos e historiadores da
Arte e as doutrinas dos teóricos de cada arte em parti-
cular. Portanto, não são necessárias elaboradas teorias
filosóficas para justificar o que é Arte.
5) Ideia de Arte: não há diferença quanto à definição de
arte entre alunos que tiveram instruções artísticas com
especialistas e alunos que não tiveram instrução com
especialistas. Isso é compreensível porque há cinco es-
tágios de desenvolvimento estético; e somente "alcan-
çamos as percepções mais complexas da maturidade
passando por uma série de estádios" (PARSONS, 1992, p.
26). Vemos que, independentemente da formação uni-
versitária, alguns indivíduos ficam no primeiro estágio
de desenvolvimento estético. O entendimento de um
adulto que não tenha educação estética está no mesmo
nível de uma criança.
6) Internet: a Internet foi uma estratégia para manter uma
rede de comunicação em um possível ataque nuclear,
uma vez que qualquer central de comando tornar-se-ia
um eminente alvo inimigo. O Departamento de Defesa
buscou meios de criar uma rede de comunicação que
fosse ao mesmo tempo descentralizada e resistente a
ataques, garantindo, dessa maneira, a continuidade das
operações, mesmo se algum nó fosse destruído (RABI-
NOVITZ; GEIL, 2004, p. 10).
Todos os nós da rede teriam os mesmos status. Seriam
capazes de gerar, passar e receber mensagens. Essas
mensagens seriam divididas em pacotes; cada um com
o endereço separado. Cada um dos pacotes iria encer-
rar seu caminho em uma base individual. O percurso dos
pacotes seria o menos importante, pois de uma maneira
ou de outra atingiria seu destino. Caso acontecesse de

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24 © Arte Educação e Cultura Digital

grandes partes da rede ser destruída, mesmo assim os


pacotes de mensagens continuariam no ar.
7) Proposta Triangular: Ana Mae Barbosa, utilizando al-
guns conceitos da DBAE, desenvolveu uma "Proposta
Triangular". Tal metodologia fundamenta-se em três
vertentes: o fazer artístico (criação), a leitura da imagem
(compreensão) e a História da Arte (contextualização).
Conforme Ana Mae, a Proposta Triangular representa
a pós-modernidade da educação brasileira, pois vai ao
encontro da Arte. "Na pós-modernidade, o conceito de
arte está ligado à cognição; o conceito de fazer arte está
ligado à construção e o conceito de pensamento visu-
al está ligado à construção do pensamento a partir da
imagem" (BARBOSA, 1999, p. 9). Na Proposta Triangular,
há uma inter-relação entre o fazer artístico, a leitura da
imagem e a História da Arte, priorizando a Arte como
forma de conhecimento, evidenciando seus conteúdos
específicos.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave deste Caderno de Referência de
Conteúdo. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu es-
quema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse
exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento, res-
significando as informações a partir de suas próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-


nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-
dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza-
gem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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26 © Arte Educação e Cultura Digital

Arte-Educação ARTE E
Proposta Triangular
como Disciplina TECNOLOGIA

Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento da Competência


Leitora e Escrita no Ciclo II do Ensino Fundamental
D

Antes Durante Depois R

Para compreender a Arte Elementos Visuais Estética e o Ensino


da Arte

Pictórico Linear Expressão

Forma e Conteúdo O conhecimento a partir da realidade

Estética da realidade do ponto de vista formalista

Necessidade de aproximação da realidade para a experiência estética

CULTURA DIGITAL N
c
c
Internet Para todas as Do um ao O zero e o um:
o
coisas, números zero revolução numérica

O Ciberespaço

ARTE-EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL

Exclusão Digital Tecnofobia

Complexidade Semiótica

Figura 1 Esquema dos conceitos-chave – Arte Educação e Cultura Digital.


© Caderno de Referência de Conteúdo 27

Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem. Por exemplo, o conceito de
cultura digital implica em entender que com o advento das tecno-
logias digitais há uma experiência comum a todos, cuja raiz está
na digitalização da sociedade e nos modos de intercâmbio. Já não
estamos, como antigamente, limitados a uma só cultura, do mes-
mo modo que nossas pesquisas não se resumem apenas ao livro
impresso. Sem o domínio conceitual desse processo pode-se ter
uma visão equivocada sobre os meios digitais e o ensino da Arte.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões pode ser uma
forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-
solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará
se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além
disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe-
cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis-
sional.

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28 © Arte Educação e Cultura Digital

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos deste Caderno de Referência de Conteúdo, pois relacionar
aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma
boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo
de emancipação do ser humano. É importante que você se atente
às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes
nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas
com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
© Caderno de Referência de Conteúdo 29

rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-


ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

3. E-REFERÊNCIA
GUATTARI, F. L'hétérogenèse machinique. Disponível em: <http://netart.iv.org.br/portal/
referencias/11chi06.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2012.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, A. M. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1999.
BELL, C. Art. Nova York: Capricorn Books, 1958.
BERNARD, Y.; CHAGUIBOFF, J. L’œuvre d’art picturale. In: Psychologie de l'art et de
l'esthétique. Paris: Presses Universitaires de France, 1979.
COLI, J. O que é arte? São Paulo: Brasiliense, 1990.
COUCHOT, E.; HILLAIRE, N. L'art numérique: coment la technologie vient au monde de
l'lart. Paris: Éditions Flammarion, 2003.
FELDMAN, E. B. Art as image and idea. Nova Jersey: Prentice-Hall/Englewood, 1967.

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30 © Arte Educação e Cultura Digital

GERE, C. Digital culture. Londres: Reaktion Books, 2002.


GIANNETTI, C. Estética digital: sintopía del arte, la ciencia y la tecnología. Barcelona:
Associació de Cultura Contemporània L'Angelot, 2002.
JEFFERS, C. S. Drawing on semiotics: inscribing a place between formalism and
contextualism. In: Art Education, v. 53, n. 6, nov. 2000.
MACHADO, A. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
MCLUHAN, M. A galáxia de Gutenberg. Tradução de Leónidas Gontijo de Carvalho e
Anísio Teixeira. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1977.
PARSONS, M. J. Compreender a Arte: uma abordagem à experiência estética do ponto
de vista do desenvolvimento cognitivo. Tradução de Ana Luísa Faria. Lisboa: Editorial
Proença, 1992.
RABINOVITZ, L.; GEIL, A. (Eds.). Memory bytes: history, technology and digital culture.
Londres: Duke University Press, 2004.
SANTAELLA, L. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 2003.
______. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo:
Paulus, 2003.
SARTRE, J. P. El Ser y la Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Traducion espanhola
de Juan Valmar. Madrid: Alianza Editorial, 1984.
SULLIVAN-TRAINOR, M. Information superhighway: toda a verdade sobre a super-rodovia
da informação. Trad. Lenke Peres Alves de Araújo. São Paulo: Makron Books, 1995.
EAD
Ensino da Arte e Meios
Analógicos

1
1. OBJETIVOS
• Conhecer e compreender o panorama histórico comum
do ensino da Educação Artística.
• Conhecer e compreender os desdobramentos do ensino
da arte no Brasil.
• Elaborar uma sequência didática.

2. CONTEÚDOS
• Panorama histórico comum.
• Arte-educação como disciplina (Discipline-Based Art Edu-
cation − DBAE).
• Algumas críticas à Arte-educação como disciplina.
• Um pouco da Arte-educação no Brasil.
• Movimento Escolinha de Arte.
32 © Arte Educação e Cultura Digital

• Escolinha de Arte de São Paulo.


• Proposta Triangular.
• Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
• Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – Arte.
• Pluralidade Cultural.
• Referencial de Expectativa para o Desenvolvimento da
Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino Fun-
damental.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) É interessante que você conheça um pouco sobre os tra-
balhos de Ana Mae Barbosa, a primeira brasileira a obter
o título de doutora em Arte-educação, em um tempo em
que, no Brasil, não havia cursos de pós-graduação nes-
sa área. Para saber mais, recomendamos que leia a sua
obra Inquietações e mudanças no ensino da Arte.
2) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli-
citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de
Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades
deste CRC. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu
desempenho.
3) Leia os livros da bibliografia indicada, para que você
amplie seus horizontes teóricos. Coteje com o material
didático e discuta a unidade com seus colegas e com o
tutor. Pesquise novas fontes e troque experiências com
seus colegas e tutor, pois toda experiência é bem-vinda
e ajudará no aprendizado.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 33

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Podemos dizer, com total segurança, que a proposta triangu-
lar de Ana Mae Barbosa foi um divisor de águas no que diz respeito
ao ensino da Arte no Brasil.
Já com relação à Cultura Digital, não podemos dizer o mes-
mo, porque, evidentemente, a história do ensino da Arte não está
dividida em função de um "antes" e de um "depois" da Cultura
Digital, pois, mesmo após o surgimento dos primeiros computado-
res, o ensino da Arte seguiu seu rumo por um bom tempo sem ser
diretamente afetado por eles.
Agora, por meio de reproduções digitais, de combinações de
imagem, de texto e, em muitos casos, de som, vemo-nos forçados
a constantes reorganizações perceptíveis que fazem parte de uma
verdadeira revolução: a revolução numérica. Logo, é importante
analisar como a tecnologia entrou no mundo da Arte e, por con-
seguinte, avaliar qual foi o impacto dessa tecnologia no campo da
Arte-educação (se é que houve!).
Nesta unidade inicial, apresentaremos um panorama histó-
rico comum, a fim de verificarmos as transformações mais signifi-
cativas pelas quais passou o ensino da Arte até chegar ao estado
atual.
Ao mesmo tempo, gostaríamos de advertir que não se trata
de um estudo minucioso, que dará conta de todas as implicações
relativas ao ensino da Arte ocidental. Na verdade, apresentaremos
algumas observações baseadas no livro de Arthur D. Efland, A his-
tory of Art Education: intellectual and social currents in teaching
the visual arts (História da Educação Artística: correntes intelectual
e social no ensino das Artes).
Em seguida, veremos um pouco sobre o Discipline-Based Art
Education (DBAE), Arte-educação como disciplina, um importante
movimento cujo objetivo principal foi melhorar o ensino da Arte
nos Estados Unidos.

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34 © Arte Educação e Cultura Digital

Foi a partir da proposição de uma Arte-educação como dis-


ciplina, juntamente com a experiência mexicana das escolas ao ar
livre, que Ana Mae desenvolve sua proposta triangular, que tam-
bém será apresentada no decorrer do texto.
Teremos a oportunidade de estudar o ambiente que propi-
ciou a Ana Mae desenvolver sua proposta, o Movimento Escoli-
nhas de Arte e a Escolinha de Arte de São Paulo.
Estudaremos, mesmo que brevemente, os PCNs, cuja pro-
posta é oferecer um referencial para a educação no Ensino Funda-
mental para todo o país. Sob esse prisma, o que propõem os PCNs
de Arte?
Por fim, veremos o que é uma sequência didática, proposta
que apresenta um roteiro para a leitura de imagens composta de
três momentos: um "antes", um "durante" e um "depois". Come-
cemos, pois, pelo panorama histórico comum do ensino da arte.

5. PANORAMA HISTÓRICO COMUM


Ao realizar a leitura do livro de Arthur Efland (1990), pode-
mos constatar que, ao longo da história, o ensino das artes visuais
assumiu papéis diametralmente opostos, pois foi considerado ora
como uma atividade que somente escravos e filhos de artesões
poderiam praticar, ora como conhecimento privilegiado a que ape-
nas uma elite abastada teria acesso.
Foi somente no tempo de Aristóteles que o desenho come-
çou timidamente a ser introduzido, pois a ênfase ainda era o ensi-
no da música, por desfrutar de maior status intelectual. Lembre-
mos que, para Platão, um desenho (ou mesmo uma pintura) era
a cópia da cópia de um mundo perfeito – o mundo das ideias – e,
portanto, só a música poderia proporcionar conhecimento verda-
deiro, devido ao seu caráter abstrato.
Na Idade Média, no geral, o ensino das artes visuais também
não foi valorizado. No período conhecido como Escolástica, por
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 35

exemplo, cujas matérias ensinadas eram divididas em Trívio – Gra-


mática, Retórica e Dialética – e Quadrívio – Geometria, Aritmética,
Música e Astronomia –, que compunham as chamadas Artes Libe-
rais, o ensino das artes visuais não foi contemplado.
Esse cenário só começou a mudar com o surgimento de do-
cumentos escritos, que facilitariam não só a produção de arte,
como, também, o treinamento de vários artistas.
É interessante notar que foi no Renascimento, mais precisa-
mente no século 16, que houve uma grande contribuição para o
ensino da Arte. Como foi nesse período que viveram grandes mes-
tres da pintura, o ensino da Arte deixou de ficar a cargo de mestres
locais, uma vez que esses mestres apenas podiam transmitir aqui-
lo que eles possuíam, sem poder criar "gênios".
O ensino da Arte passou, então, a ser realizado nas acade-
mias, ou seja, em lugares onde o conhecimento sobre a teoria e a
filosofia da Arte baseava-se na busca pelo conhecimento universal
da Arte como uma ciência, que poderia ser desenvolvido e com-
partilhado igualmente por professores e estudantes. Leonardo,
por exemplo, acreditava que, em primeiro lugar, o indivíduo de-
veria estudar e só depois praticar. Para outro gigante do Renasci-
mento, Michelangelo, uma pintura era feita com a mente, e não
com as mãos.
Nas academias, grupos de artistas de várias idades reuniam-
-se para desenhar e ver outros artistas demonstrarem novas técni-
cas ou novos princípios, ou para discutirem novas teorias artísticas.
O mais interessante, pelo menos no que diz respeito à Arte-
-educação, foi o fato de que o currículo dessas academias consistia
de teorias que haviam sido desenvolvidas pelos próprios artistas:
bases matemáticas para aplicação à Arte, anatomia e investiga-
ções humanistas a partir da Antiguidade.
Com a morte de Leonardo da Vinci e de Rafael, e como Mi-
chelangelo estava muito velho, o sentimento de que o período de
glória havia chegado ao fim se instalou.

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36 © Arte Educação e Cultura Digital

Movido por esse sentimento, Vasari tentou desenvolver re-


gras diretamente a partir das descobertas dos grandes mestres. De
acordo com Efland (1990, p. 32):
Essas regras, portanto, vinham da própria arte, e não mais da natu-
reza, como antes, fazendo da arte uma disciplina com métodos de
investigação e ensinamentos muito bem estabelecidos.

O ensino da Arte passaria a ter como fundamento a própria


Arte, em vez da observação da natureza.
Com a fixação de regras, tendo como base as descobertas
feitas pelos grandes mestres do Renascimento, vemos surgir o Ma-
neirismo. Foi Vasari quem pela primeira vez usou o termo manie-
ra: pintar à maneira dos mestres da Alta Renascença. No entan-
to, é possível afirmar que o objetivo seminal do maneirismo foi,
na realidade, preservar e disseminar as descobertas dos grandes
mestres.
Para difundir essa nova concepção, surgem estabelecimen-
tos privados: as academias. Um bom exemplo é a academia dos
irmãos Caracci, em Bolonha. A intenção deles era pôr fim ao de-
clínio da qualidade da pintura italiana desde os dias do Papa Leão
X. O interessante é que a estratégia por eles adotada não foi pôr
fim a esse declínio, propondo novas alternativas, mas sim realizar
a imitação dos trabalhos que os mestres do Renascimento criaram
(EFLAND, 1990).
Essas "novas" academias, agora estabelecimentos privados,
deixaram de ser, no final do século 16, lugares onde intelectuais
se reuniam para discutir e disseminar descobertas artísticas, pas-
sando a ser lugares cujo único intuito era ensinar Arte a partir de
regras fixas. Esse foi exatamente o modelo adotado pela França.
Surge, com isso, a Arte Acadêmica ou Neoclássica.
A primeira academia francesa foi fundada em 1648. Uma de
suas atribuições era instruir os estudantes por meio de cursos de
desenho, utilizando modelo vivo.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 37

Enquanto a intenção de Vasari era criar uma academia de


arte para preservar as descobertas dos grandes mestres, a priori-
dade da academia francesa era garantir o monopólio sobre o curso
de desenho com modelo vivo. Com essas medidas, em nenhum
lugar podia-se ensinar desenho a partir da observação de modelo
vivo, pois tais estudos eram permitidos somente aos membros da
academia francesa. Como podemos perceber, pertencer à acade-
mia significava seguir regras muito bem estabelecidas. Logo,
[...] esperava-se que todos os membros observassem esses prin-
cípios em suas atividades de educação artística, a academia era
capaz de ditar cânones estéticos aos artistas de uma maneira que
teria surpreendido e chocado Leonardo e Michelangelo. Agora os
artistas faziam parte do aparato do estado, e os detalhes de suas
artes eram supervisionados pelo ministro do rei (EFLAND, 1990, p.
37).

Conforme Kenneth Clark (1973), em 1755, Johann Joachin


Winckelmann publicou Reflections on the Imitation of Greek Art
(Reflexões sobre a imitação da Arte Grega), que se tornaria o texto
fundamental do Neoclassicismo. No ano seguinte, Edmund Burke
publicaria A Philosophical Inquiry Into the Origin of Our Ideas of
the Sublime and the Beautiful (Uma investigação filosófica sobre a
origem de nossas ideias do sublime e da beleza), livro que se tor-
naria a base do Romantismo.
Com essas duas publicações, surgiria uma verdadeira divisão
entre a arte clássica e a arte romântica. Não se tratava, apenas,
de uma divergência técnica, mas de implicações filosóficas que se
manifestariam, inclusive, nas artes plásticas. Enquanto a Arte, para
um neoclássico, deveria buscar uma simplicidade nobre e uma cal-
ma grandiosa, para um romântico ela deveria excitar as emoções:
o medo, a origem do sublime etc. Sendo assim, conforme ressalta
Clark (1973, p. 20):
Tornou-se uma rebelião contra a conformidade estática do século
dezoito; e em arte isto se transformou em uma rebelião contra as
formas emprestadas da escultura greco-romana, e contra a proibi-
ção da cor e movimento como expressão de força vital.

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38 © Arte Educação e Cultura Digital

Para o ensino da Educação Artística, comparando as Figuras


1 e 2, vemos exatamente isso, ou seja, de um lado, uma pintura
estática, fria, sem emoção, realizada a partir de regras fixas, com o
predomínio da linha, e, de outro, uma pintura com bastante movi-
mento, expressiva, com o predomínio da cor. Os artistas passaram,
então, a ser vistos como pessoas com poderes imaginativos, supe-
riores à ciência.

Figura 1 Parnasus. Anton Raphael Mengs (1728-1779).

Figura 2 A Balsa da Medusa. Théodore Géricault (1791-1824).


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Efland (1990) continua contando sua história da Educação


Artística, agora enfatizando o seu desenvolvimento nos Estados
Unidos. Para nós, no entanto, é mais interessante passar direta-
mente para a criação do DBAE, concepção que teve impacto signi-
ficativo no ensino da Arte no Brasil.

6. ARTE-EDUCAÇÃO COMO DISCIPLINA


O ensino da arte vem colecionando sucessivos equívocos ao
longo de sua história mais recente. Um deles, por exemplo, é que,
para muitos, a arte só deveria ser utilizada para desenvolver ha-
bilidades artísticas mais gerais, ou seja, para incentivar o poten-
cial criativo da criança. Outro equívoco está no fato de que apenas
crianças talentosas teriam habilidades suficientes para realizar tra-
balhos artísticos. Com isso, o problema da educação deixa de ser
de instrução e passa a ser de seleção (EISNER, 1987).
Tais equívocos levaram à queda da qualidade do ensino da
Arte nos Estados Unidos. Foi constatado que muitas escolas es-
tavam priorizando a Educação Artística somente como meio de
desenvolver a criatividade e a livre expressão. Desse modo, com
o intuito de melhorar a qualidade do ensino da Arte nos Estados
Unidos, J. Paul Getty Trust, em 1982, fundou o Getty Center for
Education in the Arts, Centro Getty para a Educação em Arte.
A concepção norteadora do Getty Center pode ser resumida
da seguinte maneira: as artes são os repositórios das maiores rea-
lizações de cultura, e o estudo delas é um meio pelo qual entende-
mos a experiência humana e a transmissão de seus valores. Para
imprimir mudanças significativas, tanto no modo como as pessoas
percebiam Arte como no modo como os professores a ensinavam,
os profissionais do Getty Center consultaram professores de Arte,
supervisores, diretores de escola, acadêmicos, entre outros. Com
essa pesquisa em mãos, descobriram que o status do ensino da
Arte tinha decaído alarmantemente. Conforme Duke (1988, p. 7):

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40 © Arte Educação e Cultura Digital

A maioria dos estudantes passam 12 anos na escola, e recebem por


volta de 12.000 horas de instrução de todas as matérias. Menos
de 1% desse tempo é gasto no estudo de qualquer forma de arte,
e 80% de todos os estudantes que se formaram em universidades
públicas tiveram pouco ou nenhuma instrução em artes. Além do
mais, apesar de esperarmos que eles ensinem arte no ensino ele-
mentar, os professores de quase a metade dos estados ainda não
tiveram que freqüentar cursos de arte para certificação.

Ora, a ideia de que somente uns poucos eleitos portadores


de talentos excepcionais teriam condições de fruir obras de arte
é o resultado mais evidente dessa baixíssima aproximação com o
universo das manifestações artísticas.
Diante desses dados, o Instituto Getty adotou o Discipline-
-Based Art Education (DBAE), Arte-educação como disciplina. Essa
proposta, evidentemente, não surgiu da noite para o dia ou com
a fundação do Instituto Getty. O DBAE, na realidade, foi desenvol-
vido ao longo dos anos de 1960 por um grupo de notáveis, como
Manoel Barkan e Elliot W. Eisner.
A Arte-educação como disciplina foi, como já mencionamos,
uma reação à livre expressão criativa, que dominou o ensino da
Arte durante os anos de 1940 e 1950. Instituiu-se, com isso, uma
verdadeira mudança de paradigmas, pois a ênfase deixou de ser
no produto e passou a ser no processo. As disciplinas que dariam
respaldo a essa mudança de concepção foram Produção Artística,
História da Arte, Crítica da Arte e Estética.
O problema mais "imediato" na implementação da Arte-edu-
cação como disciplina foi a necessidade de se criar um currículo
próprio, além da necessidade de encontrar professores treinados
que viabilizassem essa nova proposta de ensino da Arte.
Na verdade, as concepções mais gerais sobre a Arte-educa-
ção como disciplina já circulavam durante os anos de 1960. Porém,
a teoria ainda não havia sido desenvolvida por completo ou inte-
grada efetivamente à prática em sala de aula.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 41

De acordo com Duke (1988), alguns eventos contribuíram


para consolidar as bases teóricas acerca da Arte-educação como
disciplina. O Instituto Getty encomendou vários artigos a respeita-
dos arte-educadores, examinando os antecedentes da DBAE. Eles
foram publicados no The Journal of Aesthetic no verão de 1987.
Em maio do mesmo ano, 42 acadêmicos reuniram-se para discutir
questões teóricas ligadas à Arte-educação.
Uma das várias pesquisas realizadas pelo Instituto Getty re-
velou que a maioria dos professores envolvidos com arte gasta de
60 a 75% de seus estudos com trabalhos práticos e o restante do
tempo com outras três disciplinas: História da Arte, Crítica da Arte
e Estética. Essa informação explica o porquê de os especialistas em
Arte não estarem preparados para ensinar conteúdos que requei-
ram conhecimento mais aprofundado dessas disciplinas.
Portanto, esse novo posicionamento vai de encontro à ideia
de que a Arte deve ser trabalhada apenas para desenvolver habi-
lidades gerais ou de que é um dom divino. Sendo assim, a Arte-
-educação como disciplina significa que o professor deve ajudar
o aluno a ter uma experiência que o ajudará em seu desenvolvi-
mento mental, ou seja: "aqueles que compartilham os ideais da
Arte-educação como disciplina pressupõem que a criança se de-
senvolve não apenas de dentro para fora, mas de fora para dentro"
(EISNER, 1987, p. 14).

Algumas críticas à Arte-educação como disciplina


Apesar do impacto positivo que a Arte-educação como disci-
plina proporcionou ao ensino da Arte, houve alguns mal-entendi-
dos que felizmente não germinaram.
Em seus primórdios, a DBAE foi vista simplesmente como um
conjunto de fórmulas inflexíveis, sem espaço para adaptações em
sala de aula. Pairou, em função disso, o temor de que não houves-
se mais espaço para a produção de trabalhos e, portanto, a origi-
nalidade e a criatividade da criança deixariam de ser incentivadas.

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42 © Arte Educação e Cultura Digital

Mas alguns teóricos foram além dessas questões, que ficam mais
à superfície do DBAE, voltando-se para questões mais estruturais.
Conforme o que pudemos apurar, os princípios que nortea-
ram a DBAE remontam à filosofia aristotélica e à filosofia realista,
amplamente utilizadas por Harry Broudy, uma das avós da DBAE,
de acordo com Vincent Lanier (1987). Dentro de tal visão, o univer-
so material existe independentemente dos observadores.
Lanier (1987) aponta três características imediatas desse
pensamento:
• a estrutura mais profunda do mundo só é atingida por
meio de muito esforço – somente as obras de arte de mu-
seus e galerias teriam condições de cumprir tais obriga-
ções, ou seja, as belas artes;
• a propriedade promovida pela visão a partir da Arte é,
em si, estrutural – o que a estrutura retrata é secundária,
portanto, as qualidades formais constituem a essência da
obra de arte;
• como a estrutura última do mundo não muda, ela jamais
será afetada de modo significativo por alterações contex-
tuais – a história de uma obra de arte, enquanto não for
necessária para o entendimento da obra em questão, é
secundária.
Esses princípios transformaram-se em um dos problemas
mais sérios da DBAE, de acordo com Vincent Lanier (1987). A par-
tir dessas constatações, o autor propôs uma alternativa à DBAE
denominada Aesthetic Response Theory (A*R*T), Teoria do Efeito
Estético.
Conforme as proposições da Teoria do Efeito Estético, quan-
to mais o indivíduo entender o processo do efeito estético e o
mundo dos objetos que proporcionam tal efeito, mais ele acentua
a amplidão e o vigor desse efeito. Com isso, em vez de três discipli-
nas – Produção Artística, História e Crítica da Arte –, apenas uma
ganharia destaque. De acordo com o autor, a História e a Crítica da
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 43

Arte oferecem um ótimo suporte material, mas elas não podem


ser usadas como modelos para processos de investigação. Como
podemos perceber, Lanier (1987) elegeu a Estética como disciplina
central de sua proposta, isso porque, conforme ele, saber o que é
Arte, como reagimos a ela, onde a encontramos, como e por que
ela é feita seria mais adequado ao ensino da Arte no geral.
Diferentemente da DBAE, Lanier (1987) defende que uma
ampla gama de objetos, que obviamente podem ser obras-primas
de museus, mas, também, podem ser formas naturais ou mesmo
arte popular, pode ser utilizada no ensino da arte. Logo, uma vez
que obras de arte são produtos de circunstâncias sociais, tais cir-
cunstâncias devem ser cuidadosamente analisadas. Conhecer as
características gerais do Surrealismo, por exemplo, não é suficien-
te; conhecer como e por que ele se desenvolveu passa a ser verda-
deiramente o mais importante (LANIER, 1987).
Outra crítica à DBAE foi com relação ao elitismo que esta-
va incorporado à sua proposta. Conforme observa Heise (2004),
com a introdução da Arte-educação como disciplina, os estudan-
tes foram sistematicamente expostos apenas a um determinado
modelo de obras de arte. Em função dessa metodologia, a DBAE
foi criticada por alguns arte-educadores, por perpetuar somente
cânones ocidentais. Conforme a autora:
Alguns arte-educadores acharam que DBAE estava muito estrutu-
rada, elitista, eurocêntrica, e não inclusiva, de modo que ela ape-
nas focou as belas artes a partir de uma perspectiva muito estreita
(HEISE, 2004, p. 42).

Devemos diversificar as imagens com as quais trabalhare-


mos em sala de aula. Dessa maneira, os alunos terão contato com
manifestações artísticas de outras culturas.
A conclusão mais imediata a que podemos chegar a partir
das observações de Heise (2004) é: ao mesmo tempo que deve-
mos trabalhar elementos da cultura dita "elevada" com nossos alu-
nos, devemos, também, trabalhar os elementos da cultura visual
cotidiana em sala de aula, ligando, dessa maneira, o aprendizado

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44 © Arte Educação e Cultura Digital

às experiências da vida real. Portanto, não devemos valorizar uma


em detrimento da outra porque estruturas teóricas e conceituais,
assim como as abordagens práticas de ambas, Arte-educação e
Arte-educação voltada à cultura visual, são muito diferentes.
Heise (2004) orienta: ao escolher imagens, seja para imple-
mentar um currículo de Arte voltado à cultura visual, seja para im-
plementar um currículo tradicional, o professor deve considerar
algumas questões muito importantes:
1) Como a imagem personifica interesses racistas, sexistas
ou de uma classe específica?
2) Como o poder é retratado nessas imagens?
3) De que maneira essas imagens representam culturas va-
riadas?
4) Como o currículo favorece uma pedagogia que chama a
atenção dos estudantes para um entendimento rico em
vários níveis?
Enfim, trabalhando com essas questões:
[...] os arte-educadores facilitariam um aprendizado significativo
em artes, permitindo aos estudantes praticarem habilidades e dis-
posições democráticas, tais como tolerância e respeito pela diversi-
dade (HEISE, 2004, p. 43).

Um pouco da Arte-educação no Brasil


Por volta de 1930, a expansão do ensino acentuaria a de-
fasagem entre educação e desenvolvimento devido ao ritmo e à
caracterização dessa demanda. Temos, pois, de um lado, a falta de
oportunidade educativa (defasagem quantitativa) e, de outro, um
desequilíbrio entre os produtos acabados fornecidos pela escola e
as necessidades econômicas de qualificação de recursos humanos
(defasagem estrutural).
É evidente que, de alguma maneira, esse cenário refletiria
no ensino voltado à Arte, pois, no Brasil, desde seus primórdios,
ele esteve envolto por ideias no mínimo equivocadas. Um bom
exemplo desses equívocos é o fato de que, em função da crescente
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 45

demanda pela industrialização, no início do século 20, houve uma


remodelação do projeto educacional vigente, a fim de adequá-lo à
nova política nacional e à modernização cultural que despontava.
Tais mudanças seriam traduzidas em readaptações que não gera-
riam transformações efetivas.
Dessa forma, desde a primeira metade do século 20, o que
predominou foi uma concepção utilitarista da Arte: os professores
trabalhavam basicamente com exercícios e modelos convencionais
selecionados em manuais e livros didáticos. O ensino da Arte era
voltado, essencialmente, para o domínio técnico, mais centrado na
figura do professor. Na verdade, o professor era um mero difusor,
um reprodutor de modelos predeterminados. Portanto, desde a
sua origem, o ensino da Arte carrega o estigma do desconheci-
mento da natureza do objeto de seu estudo.
Sob a influência de John Dewey, surge um movimento edu-
cacional conhecido por "Escola Nova", que influenciou grande par-
te das reformas educacionais de 1927 a 1935, com ideias baseadas
nos pressupostos da democracia e da ciência. Apesar da influência
de peso de um John Dewey, o ensino da Arte nesse momento apre-
sentou algumas inconsistências, uma vez que apenas atividades
para desenvolver as potencialidades manuais foram incentivadas.

Movimento Escolinha de Arte


Os caminhos trilhados pela pedagogia da Escola Nova e suas
influências no ensino de Arte apontavam uma série de controvér-
sias, que iam desde a utilização excessiva do termo "livre expres-
são" – métodos de ensino de Arte baseados no deixar fazer, em
concepções artísticas que exploravam e valorizavam o expressio-
nismo e a espontaneidade da criança –, até as transformações efe-
tuadas pelos educadores brasileiros com base nas ideias de Dewey
(vale a pena destacar que foram Anita Malfati e Mário de Andrade
que introduziram as ideias da "livre expressão" no Brasil).

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46 © Arte Educação e Cultura Digital

A grande renovação metodológica que aconteceu no cam-


po da Arte-educação se deve à Arte Moderna. Influenciados por
Freud, especialmente por sua obra Interpretação dos sonhos, livro
que desvenda os mistérios do subconsciente lançado em 1900, e
pelas teorias expressionistas, Mário de Andrade e Anita Malfati
passaram a valorizar a arte infantil. Foram eles que introduziram
a ideia de que a finalidade principal da Arte era permitir que a
criança expressasse seus sentimentos. Sendo assim, ela não deve-
ria sofrer nenhum tipo de influência externa.
Até 1945, o papel da Arte na educação resumiu-se em pro-
porcionar uma liberação emocional. Em 1948, com a criação da Es-
colinha de Arte do Brasil, o objetivo do ensino da Arte passou a ser
o desenvolvimento da capacidade criadora em geral. O impacto foi
tão positivo que, em 1971, já havia 32 escolinhas de Arte espalha-
das por todo o país. Essas escolinhas ofereciam, além de cursos de
arte para crianças e adolescentes, cursos de Arte-educação para
professores e artistas.
No movimento Escolinhas de Arte, predominou a concepção
modernista de Arte-educação: a livre expressão. Essa concepção
possui valor por ser libertária e por estar amparada pelas teorias
de Victor Lowenfeld e Herbert Read.
Resumidamente, para Lowenfeld (apud EFLAND, 1990), caso
a criança fosse podada pela imposição de um adulto ou pela perda
de autoconfiança, a livre expressão seria um remédio muito eficaz,
uma vez que o estímulo criativo minimiza os distúrbios mentais,
devolvendo o equilíbrio à criança. Esse era o motivo principal para
a utilização da livre expressão, pois Lowenfeld nunca considerou
a arte da criança como um fim em si mesma, ou seja, a livre ex-
pressão não produz arte. Para ele, a meta da Arte-educação não
é produzir um objeto estético ou proporcionar uma experiência
estética, mas fazer com que a criança cresça criativa e sensível.
Herbert Read (1949), em um dos capítulos de A educação
pela Arte, investiga os modos inconscientes de integração. Para
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 47

tanto, ele utiliza as teorias de Jung; mais precisamente, o incons-


ciente coletivo. Read (1949) não se interessou por um determi-
nado estado da mente, mas com o poder ou a habilidade para
organizar a energia nervosa quando necessário, pois os desenhos
revelam o processo de integração que ocorre dentro da mente da
criança, abaixo do nível da consciência.
O que interessa a Read é o processo psíquico que ocorre
abaixo do nível da consciência e que tende a organizar as imagens
presentes no inconsciente em um esquema harmonioso. E o que
Read observou ser livre expressão é um dispositivo psicológico da
criança. Entretanto, Read deixa bem claro que "livre" expressão
não significa expressão "artística".
É evidente que Read acreditava na educação pela Arte, po-
rém, ao falar sobre desenhos infantis e sobre livre expressão, seu
interesse estava mais em identificar os perfis psicológicos do que a
produção estética propriamente dita.
Quando Noêmia Varela revela que interpretaram errone-
amente as palavras de Read (1949), que não souberam "ler nas
entrelinhas", cremos que possa ter sido nesse sentido, ou seja,
quiseram dar sentido estético a uma proposição que se voltava ao
aspecto psicológico da produção infantil. Talvez seja por isso que o
movimento Escolinhas de Arte não tenha avançado, tenha ficado
na modernidade.

Escolinha de Arte de São Paulo


Houve um descontentamento com relação ao movimento
Escolinha de Arte porque seu campo de atuação acabou se restrin-
gindo basicamente à burguesia. Não só em função desse motivo,
mas, também, desse descontentamento, surge, em 1968, a Esco-
linha de Arte de São Paulo (EASP), que defendia o ensino da Arte
na escola pública.
Inicialmente, a EASP deu bolsas de estudo para o que Ana
Mae chamou de periferia da burguesia: filhos de motoristas, de

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empregadas domésticas etc. Mas a periferia da burguesia ainda


não é a classe operária; logo, esta não estava representada.
Por meio da leitura da entrevista de Ana Mae no livro Ensino
da Arte: memória e história (2008), foi possível compreender que
a Escolinha de Arte de São Paulo era muito próxima do que hoje é
a Casa do Saber, pois para lá foram, para dar curso, Antônio Cândi-
do, Francisco Weffort, entre outros. Ou seja, a EASP já apresentava
uma proposta interdisciplinar antes mesmo da interdisciplinarida-
de.
Como podemos observar, além da preocupação com a inter-
disciplinaridade, havia, também, a preocupação com as questões
políticas e sociais. Além disso, havia espaço para questões direta-
mente ligadas ao ensino da Arte, e, por que não dizer, com a refor-
mulação do seu ensino.
Para se ter uma ideia, uma das preocupações era saber se
a criança que passa quatro ou cinco anos fazendo arte na escola
seria capaz de se desenvolver criativamente; e se, depois, também
continuaria a se desenvolver dessa forma.
Com isso, houve uma preocupação seminal com o desen-
volvimento criativo por meio da Arte, coisa que, pelo menos ini-
cialmente, não fazia parte da agenda do movimento Escolinha de
Arte. A partir dessas características, podemos supor que a Esco-
linha de Arte de São Paulo, diferentemente do movimento Esco-
linha de Arte, já era pós-moderna, antes mesmo do movimento
Arte-educação!
Em 1971, a Escolinha de Arte de São Paulo fechou as portas
devido a problemas financeiros. Com a Lei nº 5692/71, o ensino de
Arte passou a ser obrigatório nos diversos níveis da educação bási-
ca, visando à promoção e ao desenvolvimento cultural dos alunos.
Os professores e artistas que haviam sido preparados nas es-
colinhas não puderam lecionar a partir da 5ª série porque nenhum
deles tinha nível superior. Para atender a essa demanda, foram
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 49

criados, em 1973, os primeiros cursos de Licenciatura em Educa-


ção Artística.
Essas licenciaturas tiveram o desafio de habilitar os futuros
professores de Educação Artística em música, teatro, artes plásti-
cas e dança, como se dois anos fossem suficientes para formar um
profissional que, além de "dominar" as quatro linguagens, ainda
fosse capaz de compreender todo o processo criativo e expressivo
por trás delas.
Os resultados obtidos com a polivalência, como era de se
esperar, mostrar-se-iam insuficientes, uma vez que não prepara-
riam nenhum profissional capaz de atuar significativamente nas
quatro áreas. Era evidente que não conseguiriam se aprofundar
em nenhuma delas.
Mesmo após a conclusão do curso, os professores não se
sentiam seguros para lecionar, e a consequência mais imediata
desse despreparo foi a adoção de livros didáticos. Com isso, os
professores de Arte passaram a reproduzir conteúdos em ativida-
des soltas, e crentes – o que é pior – de que estavam contemplan-
do todas as linguagens.
Nos anos 1980, surgiu a Arte-educação, movimento que,
pelo menos em tese, ajudaria a resolver um problema crucial na
vida do professor de Arte: o problema de identidade.
Dizemos um problema de identidade porque, até então, não
estava claro o que fazia um professor de Arte. Eram profissionais
que visavam a uma Educação Artística ou a uma Educação pela
Arte? Buscavam Arte-educação ou Arte e Educação? Tais profes-
sores ensinavam Arte ou Artes? Diante de tantas incertezas e des-
confortos, o termo Arte-educação, pelo menos aparentemente,
normatizaria a área do conhecimento que lida especificamente
com as questões voltadas ao ensino da Arte.
Os envolvidos diretamente nessa nova concepção foram
denominados arte-educadores. Entretanto, se, por um lado, a

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Arte-educação ajudaria a resolver o problema de identidade dos


professores que trabalham as questões ligadas às manifestações
artísticas, por outro lado, poria em xeque toda a prática que os
professores mantinham com o ensino da Arte até então. Com a
"proposta triangular", idealizada por Ana Mae Barbosa, a Arte-
-educação redirecionaria o ensino da Arte de modo tão profundo
que dificilmente haveria volta.

Proposta Triangular
Ana Mae Barbosa, adaptando a proposta do DBAE ao con-
texto brasileiro, desenvolveu uma metodologia "triangular". Tal
metodologia fundamentar-se-ia em três vertentes: o fazer artístico
(criação); a leitura da imagem (compreensão); e a História da Arte
(contextualização).
Sinteticamente, na metodologia triangular, há uma inter-
-relação entre o fazer artístico, a leitura da imagem e a História da
Arte, priorizando a Arte como forma de conhecimento e eviden-
ciando, dessa maneira, seus conteúdos específicos.
Sua proposta educativa, aplicada inicialmente em museus e
espaços expositivos, ampliou as discussões a respeito do papel da
Arte na Educação. Sua ação, apoiando-se em algumas concepções
de Paulo Freire, começou questionando o papel da Arte dentro do
processo educativo; ou seja, a Arte deixou de ser vista como mera
atividade e passou a ser encarada como um componente curri-
cular, com especificidades próprias e, sobretudo, com conteúdos
indispensáveis ao desenvolvimento pleno do educando.
Para enfatizar esse desenvolvimento, podemos citar uma ob-
servação feita por Ana Mae, em uma entrevista dada à TV Câma-
ra, sobre determinado exame feito nos Estados Unidos. De acordo
com ela, em um estudo feito com alunos durante dez anos segui-
dos, descobriu-se que a maioria dos primeiros colocados tinha
pelo menos um curso de Arte. Isso serve para justificar que a Arte
tem muito a contribuir na formação acadêmica dos educandos.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 51

Mas nem tudo foi glória na adoção da metodologia triangu-


lar. Um dos obstáculos encontrados na aplicação dessa proposta
foi a formação dos professores, pois "a falta de uma preparação de
pessoal para entender arte antes de ensiná-la é um problema cul-
tural crucial, nos levando muitas vezes a confundir improvisação
com criatividade" (BARBOSA, 2002, p. 15).
Esse obstáculo, na realidade, reflete uma deficiência na for-
mação de muitos professores, que viam a Arte puramente como
desenvolvimento de técnicas manuais. Tais professores incentiva-
vam os alunos a fazer seus desenhos livremente, porque acredita-
vam na livre expressão.
O fruto dessa concepção equivocada foram desenhos descon-
textualizados com o meio e a vivência dos alunos. Na realidade, boa
parte desses professores não sabia trabalhar com Arte-educação –
isso porque, além da resistência à nova abordagem, encontraram
muitas dificuldades por estarem ligados a valores do passado.
Essa dificuldade e resistência podem ser explicadas se levar-
mos em consideração o fato de que o ensino da Arte, a partir desse
momento, requereria uma nova postura por parte do professor:
seria necessário um professor que mediasse a aplicação da meto-
dologia triangular, pois:
[...] mediar é proporcionar o acesso ao modo como as crianças,
jovens e artistas de outros tempos e lugares produziram artistica-
mente, como ampliação de referências, escolhidas com muito cri-
tério pela variedade, diversidade, pelos caminhos opostos e parale-
los (BARBOSA, 2002, p. 57).

7. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS


A proposta de criação de Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCNs) objetivava oferecer um referencial para a educação no
Ensino Fundamental para todo o país. Dessa maneira, as regiões
mais afastadas teriam contato com a produção pedagógica à épo-
ca mais atual.

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Apesar do que o nome "parâmetro" possa suscitar à primei-


ra vista, o documento não pretendeu impor um currículo homogê-
neo, pois levou em consideração as diferenças regionais do país,
assim como preservou a autonomia dos professores e da equipe
pedagógica.
O processo de elaboração dos PCNs começou com o estudo
de propostas curriculares de Estados e Municípios. Após a análise
de aproximadamente setecentos pareceres, a discussão da pro-
posta foi estendida para diversos encontros organizados pelas de-
legacias do MEC nos Estados da Federação.
Percebeu-se, a partir da análise dos vários pareceres, que
havia a necessidade de implementação de uma nova proposta
educativa. E essa nova proposta educativa levou em consideração
o fato de que toda criança ou jovem brasileiro, independentemen-
te de suas condições socioeconômicas, "deve ter acesso ao con-
junto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos
como necessários para o exercício da cidadania para deles poder
usufruir" (PCNs, 2000, p. 35).
Os PCNs abrangem várias áreas do conhecimento, inclusive
as Artes e, como podemos observar na citação anterior, eles visa-
vam garantir, por meio de um currículo nacional comum, o exercí-
cio da cidadania.
Vejamos, pois, as orientações referentes à Arte.

Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte


É interessante destacarmos que, na proposta dos Parâme-
tros Curriculares, a Arte tem uma função tão importante quanto
as outras áreas do conhecimento no processo de ensino e apren-
dizagem, pois ela, conforme o PCNs de Arte (BRASIL, 1997, p. 19):
[...] propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da per-
cepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e
dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibi-
lidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 53

quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por


ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas.

Outro aspecto interessante e que vale a pena ser destacado


é o fato de que os PCNs de Arte enfatizam conteúdos que colabo-
ram para a formação do cidadão.
Os conteúdos gerais do Ensino Fundamental em Arte são:
[...] a arte como expressão e comunicação dos indivíduos; elemen-
tos básicos das formas artísticas, modos de articulação formal, téc-
nicas, materiais e procedimentos na criação em arte; produtores
em arte: vidas, épocas e produtos em conexões; diversidade das
formas de arte e concepções estéticas da cultura regional, nacio-
nal e internacional: produções, reproduções e suas histórias; a arte
na sociedade, considerando os produtores em arte, as produções
e suas formas de documentação, preservação e divulgação em di-
ferentes culturas e momentos históricos (PCNs - ARTE, 1997, p. 57).

Para dar conta desses conteúdos, os Parâmetros Curriculares


Nacionais de Arte propõem que os professores trabalhem artes
visuais, dança, música e teatro.
Em todas as linguagens artísticas, os professores deverão
trabalhar a expressão e a comunicação humanas como produto
cultural e histórico. Então, em artes visuais, teremos:
1) o objeto como elemento de apreciação significativa,
além de produto cultural e histórico;
2) a dança como manifestação coletiva e como produto e
apreciação estética;
3) a música como comunicação e expressão (interpretação,
improvisação e composição) e como apreciação signifi-
cativa em música (escuta, envolvimento e compreensão
da linguagem musical);
4) a música como produto cultural e histórico (música e
sons do mundo);
5) o teatro como expressão e comunicação (produção cole-
tiva, produto cultural e apreciação estética).
Como podemos perceber, a proposta dos PCNs de Arte, em
linhas gerais, está em consonância com as proposições da pro-

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54 © Arte Educação e Cultura Digital

posta triangular: o fazer artístico (criação), a leitura da imagem


(compreensão) e a História da Arte (contextualização). Entretanto,
aquilo que havia sido fortemente criticado por Ana Mae Barbo-
sa e havia causado inquietude por parte dos profissionais ligados
à Arte-educação voltou como parâmetro curricular nacional em
uma tentativa de formar um profissional que desse conta de todas
as linguagens. Felizmente, o Conselho Nacional de Educação apro-
vou, em 6 de dezembro de 2007, o parecer de Alex Bolonha Fiúza
de Mello, que apresentou o seguinte:
O parecer CNE/CES nº 195/2003, aprovado em 05/08/2003 e pu-
blicado em 12/02/2004, trata das Diretrizes Curriculares Nacionais
dos Cursos de graduação em Música, Dança, Teatro e Design, re-
fletindo o referencial acumulado pelos profissionais da área no
sentido de que a formação em curso superior contemple a espe-
cificidade das linguagens artísticas – e não mais a polivalência e a
generalidade preconizada pela Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 2008).

Portanto, como observamos, o formando em artes visuais


deve, a partir de agora:
I. interagir com as manifestações culturais da sociedade na qual
se situa, demonstrando sensibilidade e excelência na criação,
transmissão e recepção do fenômeno visual;
II. desenvolver pesquisa científica e tecnológica em artes visuais,
objetivando a criação, a compreensão, a difusão e o desenvolvi-
mento da cultura visual;
III. atuar, de forma significativa, nas manifestações visuais, institu-
ídas ou emergentes;
IV. atuar nos diferentes espaços culturais, especialmente em arti-
culação com instituições de ensino específico de artes visuais;
V. estimular criações visuais e sua divulgação com manifestação
do potencial artístico, objetivando o aprimoramento da sensibi-
lidade estética dos diversos atores sociais (BRASIL, 2008).

Pluralidade cultural
Como um dos profissionais encarregados de aproximar os
alunos das questões que envolvem a cultura afro é o arte-educa-
dor, seria muito proveitoso estudar o que os PCNs falam sobre a
pluralidade cultural.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 55

De acordo com os PCNs – Temas Transversais, estudar a


pluralidade cultural não é apenas uma questão de adesão pura e
simples dos valores de outros indivíduos. Trata-se, pois, de uma
concepção caracterizada por relações socioeconômicas, pelas de-
sigualdades sociais, enfatizando o respeito por todo ser humano;
ou seja, estamos falando de respeito sem qualquer tipo de discri-
minação.
Ao estudar a pluralidade cultural, devemos ter em mente
que é impossível tratar de tal tema sem levar em consideração os
problemas pelo contexto socioeconômico e a estrutura autoritária
que marca a sociedade, pois, conforme os PCNs, as "produções
culturais não correm 'fora' de relações de poder: são construídas
e marcadas por ele, envolvendo um processo de reformulação e
resistência" (BRASIL, 1997, p. 121).
Embora a grande massa da população brasileira se enquadre
tanto no conceito de desigualdade social quanto no de exclusão
social, encontramos, no Brasil, experiências de convívio e reelabo-
ração das culturas de origem, constituindo algo intangível, que se
tem chamado de "brasilidade" e que permite a cada um de nós nos
reconhecermos como brasileiros.
Conforme o que nos é apresentado nos Temas Transversais
dos PCNs, o intuito não é simplesmente dividir ou esquadrinhar,
mas introduzir o tema da pluralidade cultural como um dos te-
mas transversais, ou seja, tratar da presença de várias culturas e
de suas influências sobre a sociedade.
Para se conseguir um entendimento satisfatório do ato que
as várias manifestações exercem sobre a formação brasileira, é
necessário que se compreenda a formação das sociedades euro-
peias e as relações entre sua história, suas viagens de conquista,
bem como o entrelaçamento de seus processos políticos com os
do continente americano. Dessa forma,
[...] auxiliará professores e alunos a formarem referencial não só
de conteúdos específicos, como também da estruturação de pro-
cessos de influenciação recíproca. Isso é especialmente importante

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56 © Arte Educação e Cultura Digital

para o momento atual, quando o quadro internacional interfere no


cotidiano do cidadão de muitas e várias formas (BRASIL, 1997, p.
130).

O estudo da pluralidade cultural envolve, portanto, conheci-


mentos antropológicos, uma vez que todo homem faz parte de de-
terminada composição cultural que, ao longo de sua vida, também
ajuda na sua produção. Isso ocorre porque cada contexto produz
determinados códigos simbólicos que são reconhecíveis e a partir
dos quais o conhecimento é produzido.
A pluralidade cultural procura definir alguns conceitos que,
embora sejam de uso frequente, estão desatualizados. É o caso,
por exemplo, do termo raça, que, conforme consta no documento,
é a subdivisão de uma espécie cujos indivíduos apresentam deter-
minadas características – cor da pele, formato do crânio, do rosto,
tipo de cabelo – que são transmitidas por hereditariedade. Trata-
-se, na realidade, de um conceito ligado a conteúdos biológicos.
O termo etnia, por sua vez, está substituindo o de raça, uma
vez que, na formação do conceito de etnia, podemos encontrar,
em sua constituição, a base social e cultural, e não apenas os as-
pectos biológicos. Temos, pois, a seguinte proposição como defini-
ção do novo conceito: "’Etnia’ ou ‘grupo étnico’ designa um grupo
social que se diferencia de outros por sua especificidade cultural"
(BRASIL, 1997, p. 132).
Todas as pessoas que compartilham do mesmo ponto de vis-
ta, da mesma visão de mundo, compõem uma etnia. Em outras
palavras, esse conjunto de identificações de cada grupo formador
pode ser chamado de etnicidade, ou seja, a condição de pertencer
a um dado grupo étnico. Isso posto, não devemos nos confundir
ao empregar o termo "etnicidade", que é bem diferente de "etno-
centrismo" – neste último caso, estaríamos nos referindo a uma
tendência de tomar a própria cultura como centro exclusivo de
tudo; ou seja, o outro é pensado a partir de seus próprios valores
e categorias.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 57

A Arte-educação tem muito a contribuir, uma vez que não


se limita à linguagem oral dos grupos, mas inclui, como forma de
comunicação, a linguagem do corpo e das artes em geral, como a
música, a dança, as artes plásticas. Com isso, a proposta plural ofe-
rece a oportunidade de lidar com as origens de cada indivíduo de
maneira positiva, sem os aspectos depreciativos que tanto conta-
minam a compreensão dos valores de cada um. E o convívio esco-
lar é fundamental para essa empreitada, uma vez que é por meio
desse convívio que a percepção de injustiças, de manifestações de
preconceito e de discriminação será aguçada.
O resultado positivo dessas medidas é, entre outros, fortale-
cer a autoestima dos alunos, dando-lhes nova força para enfrentar
qualquer tipo de desafio.
Há uma frase de Marcus Garvey que diz o seguinte: "Um
povo sem o conhecimento de sua história, origem e cultura é como
uma árvore sem raízes". Ora, essa frase por si só já serviria de ar-
gumento para defender o estudo do continente africano, visto que
os elementos milenares são de suma importância na formação e
na valorização dos afrodescendentes. Em outras palavras, significa
abordar a história de uma maneira positiva e ampla, não apenas
enfocando os processos de mercantilização da escravidão, a ponto
de se perder a rica construção histórica da África.
Para iniciar os estudos sobre a contribuição afro, um exce-
lente exemplo seria introduzir a importância da cultura africana
a partir do ponto de vista de Cheikh Anta Diop. De acordo com as
pesquisas do Dr. Diop, o antigo Egito era uma civilização formada
por negros e, em função dessa afirmação, a "história da África Ne-
gra permanecerá suspensa no ar e não poderá ser escrita correta-
mente enquanto os historiadores africanos não ousarem ligá-la à
história do Egito" (DIOP, 1974, p. 14).
Sendo assim, estudar a história da África, a partir desse ponto
de vista, ajudaria, como o próprio Dr. Diop postula, a reconstruir a
personalidade nacional do provo negro, distorcida pelo colonialismo.

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58 © Arte Educação e Cultura Digital

Para que a pluralidade cultural faça parte do ambiente esco-


lar, é necessário bom-senso por parte do educador, pois cabe a ele
implementar um ambiente de respeito mútuo, deixando de lado
a política do avestruz. Portanto, o discernimento é indispensável
para conter atitudes discriminatórias no cotidiano escolar. Dessa
forma, discernir o ocorrido é saber tratar com firmeza a ação dis-
criminatória, esclarecendo o que é o respeito mútuo e como se
pratica a solidariedade, como consta no documento:
[...] o professor precisa saber que a dor do grito silencioso é mais
forte do que a dor pronunciada. Poder expressar o que sentiu dian-
te da discriminação significa a chance de ser resgatado da humilha-
ção e de partilhar seus sentimentos com os colegas (BRASIL, 1997,
p. 139).

Apesar das imensuráveis possibilidades que a pluralidade


cultural traz à educação em geral, e à Arte-Educação em específi-
co, há uma questão que deve ser olhada com bastante cuidado: o
multiculturalismo.
Harold Bloom (1994), em sua obra sobre os livros, que, con-
forme ele, formam "o cânone ocidental", faz uma crítica ao cená-
rio acadêmico mundial, sobretudo ao americano. De acordo com
o autor, correntes teóricas em ascensão, tais como o feminismo,
o neo-historicismo, a crítica pós-colonial e os estudos da cultura,
vêm alterando o cenário da academia, indicando livros cujo crité-
rio de escolha são basicamente pressupostos ideológicos.
Nos países de língua inglesa, como os Estados Unidos, o Ca-
nadá e a Inglaterra, as reivindicações políticas modificaram os cur-
rículos em nome do multiculturalismo. Vejamos o que Bloom tem
a dizer sobre esse assunto.
O "multiculturalismo", por exemplo, não significa simplesmente a
coexistência de clássicos como Shakespeare e Cervantes com auto-
res representativos das minorias modernas, mas uma substituição
daqueles por estes. Questionando a legitimidade de um julgamen-
to "literário" ou "estético", os principais nomes da academia ame-
ricana, hoje, não reconhecem qualquer forma de leitura que não
seja um ideário social (BLOOM apud NESTROVSKI, 1995, p. 5).
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 59

De acordo com o crítico Bloom, tudo desmoronou e parece


não haver volta, pois a simples e pura anarquia desencadeou-se
sobre o que antes era considerado o "mundo culto".
Harold Bloom ressalta que os adeptos do multiculturalismo
formam a Escola do Ressentimento. Para ele, tais defensores ten-
tam destruir o cânone, alegando implementar programas sociais.
A expansão do cânone significa a inclusão de autores "não porque
são bons escritores, mas devido ao fato de que eles não têm nada
a oferecer a não ser o ressentimento que desenvolveram como
parte do senso de identidade" (BLOOM apud NESTROVSKI, 1995,
p. 5).
Para o público brasileiro, conforme a opinião de Nestrovski
(1995), esse tipo de polêmica parece estar muito distante e, por-
tanto, não faz sentido discuti-lo. No entanto, o multiculturalismo
faz parte do pluralismo cultural; logo, há que se ter clareza quanto
às alternativas ideológicas que eventualmente possam surgir a tí-
tulo de pluralidade cultural.
É evidente que tais discussões trariam grandes contribuições
para o ensino da Arte. Entretanto, acreditamos que a contribuição
maior fora o reconhecimento de que há diferença entre o conte-
údo de Arte – específico – e as outras disciplinas. Como postula
Eisner, o ensino da Arte não deve servir de auxiliar para as outras
disciplinas. "A carga horária semanal dedicada às artes visuais, à
música, à dança, ou ao teatro não deve diferir da matemática ou
das línguas, deve apenas ser menos freqüente" (EISNER apud BAR-
BOSA, 2001, p. 86).
Embora saibamos que a carga horária de Artes continua sen-
do duas aulas no Ensino Fundamental II e de apenas uma no Ensi-
no Fundamental I, Eisner (apud BARBOSA, 2001), como facilmente
podemos perceber, põe a Arte em pé de igualdade em relação às
outras disciplinas, algo que muitos arte-educadores, de uns tem-
pos para cá, já vêm defendendo.

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8. REFERENCIAL DE EXPECTATIVAS PARA O DESEN-


VOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRI-
TORA NO CICLO II DO ENSINO FUNDAMENTAL
Conforme o roteiro para leitura de imagens contido no Refe-
rencial de Expectativas para o Desenvolvimento da Competência
Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental, devemos,
antes da leitura de qualquer imagem, aquecer o olhar do aluno.
Esse "aquecimento" é para descontrair; é um momento de envol-
vimento efetivo que decorre:
[...] de uma mediação didática instigante, que desperta o aluno
para interagir com um universo visual de formas, linhas, planos, lu-
zes, cores e prepara o terreno para que vivencie uma experiência
estética (SÃO PAULO, 2006, p. 27).

Uma vez que leituras visuais podem proporcionar experiên-


cias estéticas significativas, levando o aluno a um encantamento,
devemos, pois, produzir experiências estéticas em sala de aula.
Mas uma mediação didática instigante não surge do "nada"! En-
tão, como proceder?

Antes da leitura
O Referencial de Artes sugere, como uma das estratégias
para desenvolver habilidades interpretativas, que os alunos regis-
trem suas primeiras impressões e que as leiam em voz alta para o
resto da turma. A intenção, com esse tipo de registro, é:
[...] tomar conhecimento da primeira reação que uma imagem
causa nos alunos para depois confrontá-la com as interpretações e
reflexões que emergem de sua leitura, do contato mais prolongado
com ela (SÃO PAULO, 2006, p. 29).

Nessa etapa de desenvolvimento, cabe ao professor instigar


e despertar a curiosidade dos educandos, para que eles possam
se entregar ao prazer da fruição. Para tanto, é necessário que o
professor partilhe seu conhecimento sem, no entanto, desprezar
as referências trazidas pelos alunos. Dessa maneira, o professor
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 61

criaria um ambiente favorável, atrativo ao desenvolvimento da lei-


tura propriamente dito.
Sendo assim, logo que a imagem for apresentada, os alunos
registrariam suas impressões individualmente em um caderno,
deixando fluir o pensamento; em seguida, o professor poderia
registrar algumas dessas impressões para uso coletivo. Mas uma
coisa é certa: é extremamente importante que todas as impres-
sões sejam registradas para que, futuramente, sirvam de objeto
de reflexão.
É interessante observar, também, que, ao se propor uma
leitura de imagem, não se pode, de maneira alguma, impor uma
única leitura. Ao contrário, devem ser criadas oportunidades para
que o aluno crie seu próprio sentido por meio da leitura, ou seja,
suas experiências devem ser acolhidas e valorizadas. Desse modo,
[...] acolher e valorizar os referenciais e conhecimentos de cada
aluno é fundamental para a construção de um saber artístico que
se torne significativo no desenvolvimento desse sujeito: leitor de
imagem e leitor de mundo (SÃO PAULO, 2006, p. 31).

Como a ideia de "leitura" está associada a textos, seria uma


boa oportunidade mostrar aos alunos que uma pintura também é
um texto: o texto pictórico.
É preciso perguntar se eles fazem ideia do gênero da imagem
que será trabalhada, já que será utilizada uma reprodução. Após
as várias observações feitas pelos alunos relacionadas ao suporte,
seria interessante ressaltar que a técnica utilizada pelo artista foi a
do afresco, sem, no entanto, especificar tal técnica. É importante
deixar que os alunos tentem descobrir como tal técnica é desen-
volvida.

Durante a leitura
Durante a leitura, o aluno deve fazer a descrição dos ele-
mentos que identificar na obra. É tarefa do educador, nessa fase,
estimular o aluno a olhar cuidadosamente para a imagem e dizer

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62 © Arte Educação e Cultura Digital

o que está vendo: se ela se trata de um figurativismo ou de uma


abstração, por exemplo.
Poderíamos iniciar com uma análise subjetiva, ou seja, os
alunos falariam exclusivamente a partir de suas experiências, sem
se preocupar com termos técnicos; em outras palavras, sem se
preocupar com um estudo aprofundado, como, por exemplo, a
que escola a obra pertence. Em seguida, o professor se voltaria ao
conteúdo, enfatizando, porém, que o conteúdo de uma obra de
arte é tudo aquilo que está representado nela.
Na verdade, o conteúdo de uma obra de arte pode ser divi-
dido em três categorias: conteúdo objetivo, conteúdo subjetivo e
conteúdo formal.
O conteúdo objetivo é o que serviu de modelo ao artista, é a
imagem principal. Já o conteúdo subjetivo seria um título que da-
mos à obra. Trata-se de um título sem muitas pretensões, uma vez
que nos baseamos muito mais em nossas experiências pessoais do
que em outro dado qualquer.
E, por fim, a análise formal, sobre como a obra foi pintada.
Esse tipo de análise, porém, requer um treino visual mais apro-
fundado, requer mais estudos; logo, não seria prudente exigir dos
alunos tal confronto agora, sendo mais interessante completar a
análise posteriormente, no momento da contextualização.
Para desenvolver tais habilidades, é aconselhável a projeção
da imagem que se quer trabalhar, dando tempo suficiente para
que os alunos simplesmente a olhem. É fundamental que estes
verbalizem suas impressões de modo que as observações possam
ser partilhadas por todos. É importante, também, que:
Repita as falas individuais para a classe, confirmando o que cada
aluno verbalizou e registrando, depois, seu depoimento. Esse pro-
cedimento ajuda o grupo a tecer a rede de compreensão conjunta
da leitura que está sendo realizada (SÃO PAULO, 2006, p. 35).

Vamos fazer um rápido exercício. Dentre os afrescos que


compõem o chamado Ciclo de Arezzo, vamos analisar a cena que
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 63

representa a Exaltação da Santa Cruz, na Figura 3, ou seja, o episó-


dio final da Legenda Áurea. Trata-se da cena em que o imperador
Heráclio, depois de ter recuperado a Santa Cruz, decide levá-la de
volta a Jerusalém.

Figura 3 Exaltação da Cruz – Heráclito é quem leva a Verdadeira Cruz a


Jerusalém. Sobre a História da Verdadeira Cruz, São Francisco, Arezzo.
Piero della Francesca (c. de 1412-1492).

Sobre o Ciclo de Arezzo


A história do Ciclo de Arezzo começa por volta de 1417, quan-
do os Bacci, uma rica família de mercadores aretinos, proprietários
da Capela Maior da Igreja de São Francisco de Arezzo, planejaram
adornar a capela com um vitral e uma decoração pictórica.
Inicialmente, a obra ficou a cargo do pintor florentino Bicci di
Lorenzo, um tardio herdeiro do seco estilo gótico florentino, mas
foi interrompida com sua morte, em 1452. De suas mãos, sobre as
paredes da capela, restaram somente a decoração de uma peque-
na abóboda no teto e de dois Doutores da Igreja na entrada.

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64 © Arte Educação e Cultura Digital

É provável que, a partir desse momento, Piero della Fran-


cesca tenha começado a trabalhar para os Bacci, "revestindo em
poucos anos a estrutura gótica da capela com os afrescos mais
modernos e perspectivamente medidos que o século XV italiano
tenha podido conhecer" (ANGELINI, 1991, p. 21).
Piero della Francesca instituiu uma nova ordem ao substituir
o romantismo gótico pelo classicismo mediterrâneo. Na realidade,
com Piero della Francesca, a Idade Média deu lugar ao Renasci-
mento.
O tema escolhido por Piero deriva da Legenda Áurea de Ia-
copo da Varazze, do século 8º, que conta a história milagrosa da
madeira da Cruz de Cristo. Trata-se de uma lenda de sabor popu-
lar, de gosto medieval e rica de motivos narrativos. Angelini (1991)
acredita que essas características exerceram grande influência nos
séculos 14 e 15, inspirando vários ciclos de afrescos das igrejas da
ordem dos franciscanos.
Conforme Angelini (1991), os precedentes iconográficos
mais conhecidos de Piero eram os afrescos realizados por Agnolo
Gaddi para os franciscanos da Igreja da Santa Cruz de Florença, os
de Cenni di Francesco para a Igreja de São Francisco de Volerra e
as posteriores Histórias da Cruz, pintadas por Massolino em São
Augustinho de Empoli, em 1424.
Ao que tudo indica, o tema parece ter sido sugerido pelos
franciscanos não só a Piero della Francesca, como anteriormente
a Bicci di Lorenzo, pois trata-se de um tema tradicional entre os
franciscanos aretinos.

A história da Santa Cruz


De acordo com a síntese de Angelini (1991), a história narra
como Adão, prestes a morrer, mandou seu filho Set ver o arcanjo
Miguel, que lhe entregaria algumas sementes da árvore do pecado
para que ele as colocasse na boca do pai no momento da agonia.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 65

A árvore cresceu, então, sobre a tumba do patriarca. Poste-


riormente, foi derrubada pelo rei Salomão e sua madeira foi usada
para a construção de uma ponte.
A rainha de Sabá, em viagem para visitar o rei Salomão e co-
nhecer sua sabedoria, estava prestes a cruzar essa ponte quando,
por milagre, se inteirou de que, naquela madeira, seria crucificado
o Salvador. A rainha, então, prostou-se devotamente em sinal de
adoração.
Salomão, ao saber da mensagem celeste recebida pela rai-
nha, acorreu a desfazer a ponte e enterrar a madeira que causaria
o fim do reino dos hebreus. Não obstante os esforços do rei Sa-
lomão, a madeira foi encontrada e, de acordo com o presságio, é
transformada em instrumento da Paixão.
Três séculos mais tarde, o imperador Constantino, às véspe-
ras da batalha da Ponte Mílvio contra Maxêncio, recebeu em so-
nho uma mensagem divina, que o incitou a colocar-se sob o signo
da Cruz para superar o inimigo.
Após a vitória de Constantino, Elena, sua mãe, dirigiu-se a
Jerusalém a fim de recuperar a madeira milagrosa. A única pessoa
que sabia de seu paradeiro era um hebreu de nome Judas, que se
recusava terminantemente a revelar o segredo e, por isso, foi tor-
turado dentro de um poço.
Obrigado a confessar, o judeu indicou um templo de Vênus
como o local onde estavam escondidas as três cruzes do calvário.
Destruído o templo, a imperadora desenterrou as três relíquias e
a verdadeira cruz foi reconhecida, porque, ao contato com ela, um
jovem ressuscitou milagrosamente.
No ano de 615, o rei persa Cosroes roubou a madeira para
adorá-la juntamente com outros artefatos idólatras. Heráclito, en-
tão imperador do Oriente, atacou o rei persa e, depois de vencê-lo,
decidiu levar a Santa Cruz a Jerusalém.

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Por intervenção de uma força divina, Heráclito foi impedido


de entrar triunfalmente em Jerusalém. Decidiu, pois, despir-se de
toda pompa e, dessa forma, conseguiu entrar na cidade levantan-
do a Cruz em sinal de humildade, conforme o exemplo de Cristo.

Análise
Analisar uma obra de arte é tentar desvendar o processo
criador do artista, ou seja, é investigar como o artista trabalhou
com os elementos da composição, seus aspectos formais e estru-
turais, tais como: linhas, formas, cores, planos, equilíbrio, movi-
mento, temática.
Como sugere o Referencial, essa etapa é propícia para que
sejam introduzidos "alguns conceitos relativos à estrutura formal
da imagem e ampliar o repertório do aluno para os adjetivos que
auxiliam a caracterizar esses elementos" realizada (SÃO PAULO,
2006, p. 35).
Deve-se observar:
1) se a composição é abstrata ou figurativa;
2) se espaço é bidimensional ou tridimensional;
3) o que está em primeiro, em segundo ou em terceiro pla-
no;
4) a perspectiva, a simetria e a assimetria;
5) o equilíbrio, as direções, as distâncias;
6) os movimentos;
7) a predominância das linhas;
8) as cores: se são quentes ou frias, claras ou escuras, pri-
márias, secundárias ou terciárias;
9) as texturas: se são lisas, ásperas, sedosas, aveludadas,
porosas, macias, rugosas;
10) as formas: se são orgânicas, geométricas, arredondadas,
triangulares, retangulares, quadradas, cilíndricas, côni-
cas, piramidais, cheias, vazadas;
11) a luminosidade: luz, sombra, claros, escuros;
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 67

12) as técnicas: pintura, fotografia, desenho, colagem, gra-


vura, escultura, modelagem, tapeçaria;
13) o gênero: retrato, paisagem, natureza-morta;
14) o estilo: acadêmico, barroco, impressionista, expressio-
nista, abstrato, cubista, surrealista, fauvista, modernista,
contemporâneo.
Todos esses conceitos ajudarão os alunos a caracterizar os
elementos formais da linguagem visual.
Portanto, para concluirmos a análise da Figura 3, destaca-
mos que o afresco está dividido, basicamente, em dois blocos.
Do lado esquerdo, segurando a Santa Cruz, está Heráclito,
cuja figura está bastante danificada, acompanhado de seu séquito
de padres gregos e armênios. Do lado direito, ajoelhados, estão,
entre as personagens identificadas por Focillon (1991), dois dou-
tores da Igreja: Santo Ambrósio e Santo Agostinho.

Depois da leitura
Depois de os alunos terem passado pelo "antes" e pelo "du-
rante", chegou a hora do "depois", que, na verdade, é a realização
de uma atividade prática.
Nessa etapa, os alunos poderiam desenvolver um trabalho
que envolvesse pintura, por exemplo, tendo como referência algu-
ma passagem histórica. O importante é que a seleção do tema seja
feita seguindo a temática que foi desenvolvida durante a leitura da
imagem.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.

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A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para


você testar seu desempenho. Se você encontrar dificuldade em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais são as principais concepções da Arte-educação como disciplina?

2) Quais são as principais críticas que foram feitas à Arte-educação como dis-
ciplina?

3) Por que os movimentos Escolinha de Arte e Escolinha de Arte de São Paulo


foram importantes para o desenvolvimento da proposta triangular?

4) Qual é a importância da pluralidade cultural no ambiente escolar?

10. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Parnasus. Anton Raphael Mengs (1728-1779). Disponível em: <http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Mengs_Parnasus.jpg>. Acesso em: 26 jun. 2012.
Figura 2 A Balsa da Medusa. Théodore Géricault (1791-1824). Disponível em: <http://
www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 2 set. 2010.
Figura 3 Exaltação da Cruz – Heráclito é quem leva a Verdadeira Cruz a Jerusalém. Sobre
a História da Verdadeira Cruz, São Francisco, Arezzo. Piero della Francesca (c. de 1412-
1492). Disponível em: <http://www.abcgallery.com/P/piero/piero33.html>. Acesso em:
26 jun. 2012.

Site pesquisado
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer homologado. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2007/pces280_07.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2012.
© U1 - Ensino da Arte e Meios Analógicos 69

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANGELINI, A. Piero della Francesca. Traducción de Martha Canfield. Antella (Florencia):
Scala, Instituto Fotografico Editoriale S.p.A, 1991.
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EAD
Investigando a Ideia de
Arte

2
1. OBJETIVOS
• Compreender a ideia de Arte e seus elementos visuais.
• Analisar a estética e o ensino da Arte a partir da realidade.

2. CONTEÚDOS
• Para compreender a Arte.
• Elementos visuais.
• Linha.
• Ritmo calmo.
• Movimento.
• Ritmo violento.
• Pictórico e linear.
• Expressão.
• Estética e ensino da Arte.
72 © Arte Educação e Cultura Digital

• Belo artístico e Belo natural.


• Forma e conteúdo.
• Estética: reflexão filosófica ou reflexão empírica?
• Estética da realidade.
• Sobre a realidade e o real.
• Conhecimento a partir da realidade.
• Estética da realidade do ponto de vista formalista.
• Necessidade de aproximação da realidade para a experi-
ência estética.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Antes de iniciar o estudo desta unidade, é interessante
que você conheça um pouco mais sobre os elementos
visuais. Recomendamos a obra de Dondis, Sintaxe da lin-
guagem visuaI, e Como entender a pintura moderna, de
Cavalcanti.
2) As ideias apresentadas a seguir serão muito importantes
para seu aperfeiçoamento e não esgotam o tema. Ele é
passível de questionamentos. Sugerimos, portanto, pes-
quisas constantes, sempre buscando o aprofundamento.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
De acordo com as pesquisas realizadas, não há diferença
quanto à definição de Arte entre alunos que tiveram instruções
artísticas com especialistas e alunos que não tiveram instrução
com especialistas. Isso, na verdade, é compreensível, ainda mais
tomando como base os estudos de Michel Parsons. Segundo o au-
tor, há cinco estágios de desenvolvimento estético e somente "al-
cançamos as percepções mais complexas da maturidade passando
por uma série de estádios" (1992, p. 26).
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 73

Vemos que, independentemente da formação universitária,


alguns indivíduos ficam no primeiro estágio de desenvolvimento
estético, ou seja, o entendimento de um adulto que não tenha
educação estética está no mesmo nível de uma criança. Logo, um
arte-educador não pode estar no primeiro estágio de desenvolvi-
mento estético, pois cabe a ele a incumbência de mediar o desen-
volvimento estético dos alunos.
Se mediar é proporcionar acesso, para proporcionar acesso
é essencial que o professor domine suficientemente o assunto a
ser trabalhado. Como já vimos, os primeiros cursos de Licenciatura
em Educação Artística tinham por tarefa preparar, pelo menos em
tese, professores para lidar com música, teatro, artes plásticas e
dança. Os resultados obtidos com tal proposta, no entanto, mos-
traram-se insuficientes, uma vez que é quase impossível formar
profissionais capazes de atuar significativamente nas quatro áreas
sem ter tido aprofundamento suficiente em nenhuma delas.
Falando especificamente de artes plásticas, não basta dese-
nhar e pintar muito bem, pois a intenção das aulas de Artes não é
formar desenhistas; também não ajudaria muito ser um extraor-
dinário historiador da Arte, pois os alunos não estudarão a Histó-
ria da Arte de maneira cronológica, ou pelo menos não deveriam;
como também não adiantaria muito um expert em crítica de Arte,
porque a crítica da obra de arte não poderia ser a finalidade dos
estudos artísticos.
Mas tudo isso não quer dizer que o Arte-Educador não tenha
que identificar as várias escolas artísticas; não quer dizer que ele
não precise ter boas noções de desenho e pintura; e que não pre-
cise, enfim, saber analisar uma obra de arte. Qual seria, então, o
papel do Arte-Educador dentro das escolas?
Inicialmente, podemos dizer que ao Arte-Educador cabe,
entre outras coisas, estimular a sensibilidade estética, haja vista
que, aparentemente, desde sua mais tenra idade, a criança pos-
sui sensibilidade estética (BERNARD; CHAGUIBOFF, 1979). O de-

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74 © Arte Educação e Cultura Digital

senvolvimento dessa sensibilidade, no entanto, depende de certos


princípios estéticos: o equilíbrio, o ritmo, a harmonia e a unidade.
Desse modo, iniciaremos esta unidade apresentando algu-
mas observações acerca do conceito de Arte, pois sem saber mini-
mamente o que é e o que não é Arte, o arte-educador terá sérios
problemas pela frente. Apresentaremos, também, algumas possi-
bilidades de análise de obras de arte a partir da linha, que é capaz
de determinar se o ritmo é calmo, movimentado ou violento.
Veremos, ainda, os problemas da estética, uma vez que de-
vemos avaliar os seus fundamentos, ou seja, se ela constitui como
reflexão filosófica ou como reflexão empírica. Para alguns, a es-
tética é filosofia, para outros, não; ela é pura especulação, sem
necessidade da experiência direta.
E por que passarmos por tantos conceitos e definições?
Porque, a partir da Cultura Digital, muitos paradigmas terão que
ser repensados. Para analisar uma obra, não poderemos mais nos
preocupar tanto com linhas, espaço pictórico, movimento. Tere-
mos que nos voltar para outras proposições estéticas, próprias dos
meios digitais.
Vamos lá?

5. PARA COMPREENDER A ARTE


Ser um arte-educador, mesmo para quem queira se espe-
cializar em uma única linguagem, como a linguagem plástica, por
exemplo, requer muitos anos de estudo e dedicação. Portanto, o
problema não é tão simples como pode parecer.
Essa talvez tenha sido a preocupação de Edmund Burke Fel-
dman, pois ele começa seu livro Becoming Human Through Art
dizendo que qualquer indivíduo que queira ensinar Arte deve,
a princípio (e independentemente da série), saber o que é Arte,
compreender sua natureza e os modos como ela é praticada e es-
tudada na escola.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 75

Para muitas pessoas, arte é sinônimo de Michelangelo ou de


Leonardo da Vinci! Para o escritor russo Leon Tolstói, arte começa
quando o artista consegue expressar seus sentimentos de modo
que outras pessoas os compartilhem. Em outras palavras, arte é
evocar nos indivíduos, por meio de movimentos, linhas, cores,
sons e palavras, sentimentos que já foram experimentados uma
vez. Para Tolstói, toda vida humana é coberta de obras dos mais
variados tipos – mímicas, ornamentações, vestidos, utensílios do-
mésticos, monumentos etc. Diante disso, ao mesmo tempo que o
autor de Guerra e Paz defende a ampliação do conceito de arte,
na verdade não são todas as produções humanas que Tolstói con-
sidera como arte, mas somente as atividades humanas às quais
nós, por alguma razão, selecionamos e damos especial importân-
cia (TOLSTÓI, 1960).
Jorge Coli, em seu livro O que é Arte, no capítulo "Instauração
da Arte e os modos do discurso", relata que a Arte "instala-se em
nosso mundo por meio do aparato cultural que envolve os objetos:
o discurso, o local, as atitudes de admiração, etc." (1990, p. 12). Em
outras palavras, dependendo do aparato cultural do indivíduo, de-
terminados objetos serão considerados legítimas obras de arte ou
não. Talvez seja por isso que ainda ouvimos com frequência a famo-
sa frase: "O que é arte para mim pode não ser para você"!
Se levarmos em consideração o aspecto mais comum que
reside em qualquer ato, desde que esse ato seja feito por alguém
que tenha habilidade, todas as manifestações realizadas pelo ho-
mem podem, a princípio, ser Arte: desde a feitura de um sapato
até a construção de um prédio. Para percebermos melhor o teor
dessa afirmação, vamos acompanhar uma sequência do diálogo
entre Sócrates e Hermógenes:
Sócrates. Quem é o autor da obra, de que o tecelão se servirá com
arte, ao servir-se da lançadeira?
Hermógenes. O marceneiro.
Sócrates. E todo o homem é marceneiro ou só o que conhece a
Arte?

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76 © Arte Educação e Cultura Digital

Hermógenes. Só o que conhece a Arte.


Sócrates. E quem é o autor da obra, da qual aquele que fura se
servirá com arte, ao servir-se do trado?
Hermógenes. O ferreiro.
Sócrates. Porventura, todo homem é ferreiro ou só aquele que co-
nhece a Arte?
Hermógenes. Só aquele que conhece a arte [...] (PLATON, 1931, p.
388).

É evidente que houve muitos avanços no ensino da Arte, mas


ainda é comum − muito mais do que imaginamos − professores de
Artes enfatizarem artistas e períodos com os quais mais se identi-
ficam para demonstrar o que é Arte. Geralmente são mostradas
obras figurativas − clássicos do Renascimento.
Tomar clássicos do Renascimento como exemplos de obra de
arte não significa que o indivíduo saiba o que é Arte. O que vemos
frequentemente é que a ideia de Arte, dependendo do indivíduo,
assume determinadas características. Vamos analisá-la, inicial-
mente, tomando-a como um lexema.

Lexema––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
De acordo com Greimas, cada lexema caracteriza-se pela presença de certo nú-
mero de semas, e pela ausência de outros. Portanto, aquilo que falta em um le-
xema deve ser interpretado como uma "oposição sêmica que disjunta, a partir de
uma base sêmica comum, o lexema dado dos outros lexemas possuidores desse
sema" (GREIMAS, 1990, p. 48). Por exemplo: em "baixo e alto" encontramos a
presença do sema "verticalidade"; e em "comprido e curto" temos a presença do
sema "horizontalidade".
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Greimas (1990) confere ao lexema a função de propiciar en-


contros históricos. Isso quer dizer que no curso da história os lexe-
mas tanto podem ser enriquecidos de novos semas como podem
se esvaziar de outros.
Ora, foram acrescentados, ao longo do tempo, novos semas
ao lexema Arte. Portanto, quando um sujeito qualquer utiliza a pa-
lavra arte em seu discurso, já deveria estar implícito todo o conjun-
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 77

to sêmico que vem desde a pré-história até o estado particular em


que ela se encontra. Porém, não é isso que acontece.
Se considerarmos dois sujeitos, A e B, cujos conhecimentos
sobre História da Arte estejam em estágios diferentes, ao lexema
Arte, que representa determinado conjunto de relações sêmicas,
ainda pode ser acrescentado uma série de outros semas que ainda
não foram incorporados nem por A e nem por B.
Observemos as Figuras 1 e 2.

Figura 1 A Santa Ceia (1495-1498), de Leonardo da Vinci.

Figura 2 Juramento dos Horácios (1784), de Jacques-Louis


David.

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78 © Arte Educação e Cultura Digital

Por exemplo, para o sujeito "A", estão agregados ao lexema


"Arte" os semas históricos do Renascimento (Arte, para "A", são as
obras do Renascimento), e, para "B", os semas históricos do Neo-
classicismo (Arte, para "B", são obras Neoclássicas).
Se o problema das relações entre a estrutura e sua manifes-
tação histórica parcial se vê situado em um plano de reflexão ho-
mogênea, o fazer produtor de enunciados de "A" e "B" se limitará
a momentos muito específicos da História da Arte. As competên-
cias de cada um dos sujeitos só permitirão que sejam aceitos, com
um menor sentimento de rejeição, fatos artísticos da Renascença
e do Neoclassicismo.
Dependendo do estágio em que o indivíduo se encontra, as
relações sêmicas dar-se-ão de modo diferente, podendo sofrer,
inclusive, restrições. Cada estágio não deve servir de redutor de
uma série "infinita" de manifestações, posto que cada uma delas
é uma relação com um sujeito em perpétuo estado de transfor-
mação. Sartre, por exemplo, ao se referir à obra de Marcel Proust,
adverte que:
[...] o gênio de Proust, ainda que reduzido às obras produzidas,
nem por isso deixa de equivaler à infinidade de pontos de vista pos-
síveis que podem ser adotados sobre sua obra, e isto se chamará de
"inesgotabilidade" da obra proustiana (1984, p. 18).

6. ELEMENTOS VISUAIS
Essa inesgotabilidade à qual Sartre se refere acontece por-
que o artista, ao criar uma obra de arte, não o faz porque conhe-
ce a "arte" de fazer certas coisas com arte. Essa inesgotabilidade
surge devido à organização dos elementos visuais − linha, forma,
cor, volume e textura −, de modo a criar uma forma significante; "e
‘Forma Significante’ é a única qualidade que é comum a toda obra
de arte" (BELL, 1958, p. 18).
A partir da organização dos elementos visuais, podemos
apreender alguns significados diretamente pela percepção, sem
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 79

sermos afetados pelo contexto da obra em particular. Mas isso im-


plicaria um alfabetismo visual. Vejamos o que relata Dondis (2007,
p. 227) sobre o assunto:
O alfabetismo visual implica compreensão, e meios de ver e com-
partilhar o significado a um certo nível de universalidade. A reali-
zação disso exige que se ultrapassem os poderes visuais inatos do
organismo humano, além das capacidades intuitivas em nós pro-
gramadas para a tomada de decisões visuais numa base mais ou
menos comum, e das preferências pessoais e dos gostos individu-
ais.

São inúmeros os conceitos necessários para se ultrapassar


o simples "enxergar" e chegar à conquista do alfabetismo visual.
Infelizmente, de acordo com Dondis, não há outra maneira de se
chegar à multiplicidade de definições, conceitos e características
do vocabulário visual se não for por meio da alfabetização visual.
Embora o ponto seja o elemento básico de toda representa-
ção e a partir dele todos os outros elementos possam ser repre-
sentados e estudados, vamos estudar apenas um dos elementos
visuais: a linha.

Linha
A linha surge quando os pontos estão muito próximos, crian-
do uma sequência impossível de ser identificada individualmente.
Com isso, aumenta a sensação de direção. Mas a linha também
pode ser utilizada para determinar o ritmo de uma obra de arte,
pois linhas formando ângulos retos sugerem estabilidade; linhas
diagonais dão a ideia de instabilidade, movimento incontrolado; e
linhas curvas sugerem bastante movimento.
Como bem observa Feldman, o estabelecimento "de uma
seqüência rítmica em arte não ocorre com o resultado de um aci-
dente: tem que ser planejado e calculado" (1967, p. 269). Vamos
começar, então, observando como a linha é capaz de determinar o
ritmo de uma obra de arte, pois ela pode ser de ritmo calmo, com
movimento ou ter ritmo agitado.

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80 © Arte Educação e Cultura Digital

Ritmo calmo
Dizemos que o ritmo de uma obra de arte é calmo quando
há predominância de linhas horizontais e verticais. Seria interes-
sante ressaltarmos, no entanto, que falamos em predominância
de linhas verticais e horizontais; logo, é evidente que em uma obra
de ritmo calmo teremos linhas curvas, mas não ao ponto de predo-
minarem na obra. Vejamos os dois exemplos na Figura 3.

Figura 3 Virgem entronada com os anjos (1290-1295), de


Cimbaue.

Observando a Figura 3, percebemos claramente que pre-


dominam linhas verticais e horizontais. Portanto, se levarmos em
consideração apenas a linha, justificamos seu ritmo. O mais inte-
ressante, no entanto, é o fato de que essa predominância de linhas
horizontais e verticais é essencial para a finalidade da obra. Ou
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 81

seja, para o propósito ao qual a obra fora concebida não haveria


espaço para outro ritmo que não fosse um ritmo calmo.
O artista que pintou a Figura 3 representou a Virgem Maria e
o Menino Jesus seguindo determinadas regras que não poderiam
ser violadas de maneira alguma, uma vez que as imagens eram
vistas de um ponto de vista simbólico, abstrato, sem qualquer con-
sideração para com as características reais das coisas e dos seres
representados, tais como tamanho, volume, forma, proporções,
cor, movimento etc. É por isso que vemos a Virgem Maria e o Me-
nino Jesus ocupando o centro da obra. Com isso, o equilíbrio pictó-
rico foi conseguido por meio da simetria, sem a preocupação com
proporções, pois o menino Jesus é visivelmente quase do mesmo
tamanho que os anjos que o cercam. O artista também não se pre-
ocupou em criar a sensação de profundidade. Temos a impressão
de que os anjos estão um em cima do outro, em vez de um atrás
do outro.
O que vemos, na realidade, é um bom exemplo de iconiza-
ção da imagem, ou seja, imagens exclusivamente religiosas e rigo-
rosamente ligadas a normas fixas de composição, como:
[...] o hieratismo (forma rígida e majestosa imposta por uma tradi-
ção invariável), a frontalidade (obrigação de só representar as ima-
gens de frente), o tricomatismo (normalmente o azul, o dourado,
e o ocre), a isodactilia (todos os dedos de uma mesma mão com
o mesmo tamanho) e a hierarquia dos espaços (com destaque va-
riando da figuras mais sagradas para as menos sagradas). Mais do
que normas, esses requisitos da imagem eram dogmas religiosos,
rompê-los era sacrilégio, acarretando a destruição da obra e a pu-
nição do artista (SEVCENKO, 1988, p. 27).

Como observa Osborne (1978, p. 119), "as obras de arte não


eram avaliadas por padrões estéticos, nem apreciadas pelo seu
poder de evocar o prazer estético, mas por outros propósitos se-
cundários, a que elas serviam".
Portanto, o que movia o artista não era estabelecer relações
proporcionais entre as figuras ou criar efeitos visuais de profun-
didade, pois a pintura era apenas um meio, e não um fim em si

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82 © Arte Educação e Cultura Digital

mesma. Os propósitos secundários a que as figuras serviam eram


muito mais importantes do que o fato de serem apreciadas.

Movimento
Vamos utilizar O chamado de São Mateus, de Caravaggio
(Figura 4), e um detalhe da mesma obra, para falar sobre o movi-
mento. Podemos perceber que o ritmo da composição é um pouco
calmo, porque há forte presença de horizontais e verticais, mas
não chega a ser tão calmo quanto na obra de Cimabue, Virgem en-
tronada com os anjos, como você pode observar na Figura 3. Esse
fenômeno ocorre porque, além de linhas horizontais e verticais, há
a presença de diagonais. Dizemos, então, que a obra possui movi-
mento.

Figura 4 O chamado de São Mateus (1599-1600), de Caravaggio (adaptado pelo autor).


© U2 - Investigando a Ideia de Arte 83

Figura 5 Detalhe de o chamado de São Mateus (adaptado pelo autor).

No quadro retratado nas Figuras 4 e 5, Caravaggio utilizou a


própria luz que invade a cena pela direita em diagonal, para, além
de direcionar nosso olhar para São Mateus, em torno do qual toda
a narrativa é construída, dar movimento à obra.
Observe, no entanto, que essa não é a única linha em dia-
gonal presente na composição que podemos perceber. A partir do
rapaz em primeiro plano podemos identificar várias diagonais: o
próprio posicionamento de seu corpo, que se inclina para a direita
a fim de acompanhar o que está acontecendo; a posição de suas
pernas; sua espada.
A espada, na realidade, acaba exercendo dupla função: uma
é reforçar a movimentação interna da cena, e a outra é guiar nosso
olhar em direção a São Mateus, assim como acontece com a luz
que entra pela direita.

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Ritmo violento
Como vimos, uma obra de arte deixa de ter ritmo calmo e
passa a ter movimento quando há linhas em diagonais pela obra;
em outras palavras, quando há o predomínio de diagonais.
E quando vemos muitas curvas, como na Figura 6, a Queda
dos condenados, de Rubens? Quando predominam linhas curvas e
diagonais, dizemos que o ritmo do quadro é violento.

Figura 6 A queda dos condenados (1620), de Rubens.

Veja, na Figura 7, o detalhe da obra A queda dos condena-


dos, evidenciando o ritmo violento.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 85

Figura 7 Detalhe de A queda dos condenados (adaptado pelo autor).

Conforme a observação de Kandinsky, uma linha curva é na


verdade uma linha desviada de seu caminho por uma pressão la-
teral contínua. Em outras palavras, "quanto maior é esta pressão,
mais o desvio da recta se acentua; a tensão para o exterior aumen-
ta cada vez mais e a linha tende finalmente para o fechamento
sobre si mesmo" (KANDINSKY, 1989, p. 81).
Observando o detalhe do quadro de Rubens, podemos per-
ceber exatamente o que relata Kandinsky, ou seja, há várias forças
atuando sobre as linhas, criando tensões para o exterior. Com isso,
os corpos se contorcem, imprimindo movimentação violenta por
toda obra.

7. PICTÓRICO E LINEAR
Lembremos ainda que a linha é a responsável por uma ca-
racterística muito interessante em uma pintura: se ela for a marca
expressiva principal, diremos que essa pintura é linear; já se os
contornos deixarem de ser indiferentes ao olho, estaremos diante
de uma obra pictórica. Isso quer dizer que, diferentemente da li-

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nha, a mancha passa a ser o primeiro elemento da impressão em


uma pintura pictórica.
Vejamos dois exemplos nas Figuras 8 e 9:

Figura 8 A grande odalisca (1814), de Jean-Auguste Dominique Ingres.

Figura 9 A balsa da Medusa (1818-19), de Théodore Géricault.

Observe como a linha na pintura de Ingres, na Figura 8, se


sobressai, apesar da cor. Cada área é delimitada por uma linha
contínua.
Já na pintura de Géricault, Figura 9, os elementos se unem,
dando a impressão de movimento contínuo. Isso porque as mas-
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 87

sas buscam-se umas às outras, evidenciando a dependência das


formas.
Outro elemento interessante a ser observado em uma obra
de arte é a força expressiva com a qual o artista trabalhou. Veja-
mos, a seguir, a expressão da obra de arte.

A expressão
De acordo com Piaget (1998), há dois sentidos para "repre-
sentação"; um sentido mais amplo e um sentido mais estrito.
Em um sentido mais amplo, ela é confundida com o próprio
pensamento, ou seja, com a inteligência que se apoia em um sis-
tema de conceitos. Em um sentido estrito, ela se reduz à imagem
mental, às lembranças simbólicas da realidade ausente. A repre-
sentação, no sentido mais geral, é a "representação conceitual";
por exemplo: nenhum corpo pode ocupar o mesmo espaço ao
mesmo tempo (impenetrabilidade dos corpos). Já no sentido estri-
to trata-se de uma "representação simbólica", como representar
um objeto ausente ou mesmo um acontecimento.
Nós, na realidade, não pensamos exclusivamente por ima-
gens e nem exclusivamente por conceitos. Na verdade, há uma
interligação entre esses dois sistemas de representação: um siste-
ma conceitual e um sistema de representações simbólicas de re-
alidades ausentes. Piaget chamou de "sistema de representação
conceitual" as representações em seu sentido mais amplo, e de
"sistema de representação simbólica" as representações em seu
sentido mais estrito.
Rudolf Arnhein define expressão "como maneiras de com-
portamentos orgânico ou inorgânico revelados na aparência dinâ-
mica de objetos ou acontecimentos perceptivos" (1998, p. 437).
Isso quer dizer que as propriedades estruturais de determi-
nados comportamentos não devem ser limitadas àquilo que é cap-
tado pelas sensações externas, pois elas também estão ativas no

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88 © Arte Educação e Cultura Digital

comportamento da mente humana e são metaforicamente usadas


para caracterizar uma infinidade de fenômenos não sensoriais, tais
como: má disposição de ânimo, o alto custo da vida, a subida dos
preços, a lucidez dos argumentos, a solidez da resistência. Em ou-
tras palavras, podemos obter informações sobre o espírito de uma
pessoa não somente a partir de suas feições e gestos, mas, tam-
bém, pelo modo como fala, como se veste e conserva seu quarto,
para não mencionar as opiniões que ela defende ou o modo como
reage aos acontecimentos. De acordo com Arnhein:
Muitas destas informações podem ser interpretadas somente por
inferência intelectiva, como, por exemplo, quando a maneira de um
homem gastar seu dinheiro revela se ele é generoso ou mesquinho
(1998, p. 438).

Uma curiosa peculiaridade no que diz respeito à estrutura


expressiva é o fato de que há determinados fatores formais que
reproduzem fatores idênticos do estado de espírito, ou seja, uma
estrutura formal semelhante ao estado de espírito intencionado.
Veja o exemplo de Arnhein:
Pediu-se a membros de um grupo de dança de uma faculdade para
improvisarem temas como tristeza, força ou noite. Os desempe-
nhos dos bailarinos mostraram muita concordância. Por exemplo,
na representação da tristeza os movimentos eram lentos e limita-
dos a um âmbito estreito. Era de forma bem curvada e mostrava
pouca tensão. A direção era indefinida, variável, oscilante, e o cor-
po parecia mais render-se passivamente à força da gravidade do
que ser impulsionado por iniciativa própria. Deve-se admitir que
o clima psíquico de tristeza tem um padrão similar. Numa pessoa
deprimida os processos mentais são lentos e raramente vão além
dos assuntos intimamente ligados a experiências imediatas e a
interesses momentâneos. Todos os seus pensamentos e esforços
manifestam languidez e falta de energia. Mostra pouca determina-
ção e a atividade é freqüentemente controlada por forças externas
(1998, p. 442).

Diante do que foi exposto, podemos dizer que em uma ex-


pressão simbólica o estado de espírito de um indivíduo pode ser
percebido. Isso é possível porque determinados climas psíquicos
apresentam padrões similares.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 89

É claro que as pessoas têm opiniões diferentes sobre o sen-


timento, sobre a "expressão da emoção". Mas, conforme a psico-
logia da Gestalt (Psicologia da Forma), há semelhança estrutural
entre o comportamento neuromuscular de um observador e a
qualidade física de um objeto de arte.
Como nas artes visuais há certos traços que são recorrentes
quando a intenção é enfatizar o sentimento, Feldman observa que
existe um estilo da emoção. Vejamos inicialmente os girassóis de
Van Gogh nas Figuras 10 e 11.

Figura 10 Doze girassóis (1889), de Vincent Van Gogh.

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Figura 11 Vaso com quinze girassóis (1889), de Vincent Van Gogh.

Com pinceladas irregulares, Van Gogh trabalhava diretamen-


te no local, procurando fixar no desenho aquilo que era essencial.
Ele exagerava deliberadamente nos tons amarelos.
Essa maneira de pintar, na verdade, fora fertilizada pelas
ideias de Delacroix, pois, em vez de tentar reproduzir exatamente
o que tinha ante os olhos, ele usava a cor mais arbitrariamente,
para se expressar com força.
Em seu quadro Café noturno (Figura 12), Van Gogh procurou
expressar a ideia de que o café é um lugar onde uma pessoa pode
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 91

se arruinar, enlouquecer ou cometer um crime. Ele esforçou-se


para expressar os poderes de uma
[...] taverna com os contrastes de rosa suave, vermelho-sangue, cor
de vinho e do verde suave de Luís XV e Veronese, contrastando os
verdes amarelados e os verdes azulados duros, tudo isso numa at-
mosfera de fornalha infernal, de um amarelo-enxofre (CHIPP, 1968,
p. 33).

Figura 12 Café noturno (1888), de Vincent Van Gogh.

Vejamos agora, na Figura 13, O morcego, de Germaine Ri-


chier.

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Figura 13 O morcego (1952), de Germaine Richier.

Como vimos, é possível afirmar que em algumas obras a


emoção é o elemento mais importante. Mas, ao afirmarmos isso,
estamos nos referindo à emoção que o artista sentiu ou à emoção
que foi provocada no observador?
Na verdade, o interesse pela emoção do artista é secundário,
pois ao estudarmos Arte devemos nos preocupar muito mais em
como os objetos artísticos provocam reações diversas nos obser-
vadores do que com a emoção do artista.
Às vezes, ao olhar para uma obra de arte, nos perguntamos
se de fato o artista experimentou aquele sentimento. Tanto faz se
experimentou ou não! O que o observador deveria se perguntar,
inicialmente, é se a obra foi convincente sobre a realidade que pre-
tendeu criar em vez de se perguntar se o artista realmente sentiu
as emoções representadas ali. Um bom exemplo disso é o poema
de Fernando Pessoa apresentado a seguir. Vejamos:
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 93

Autopsicografia–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração (RELEITURAS, 2012).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. ESTÉTICA E O ENSINO DA ARTE


As questões relativas à estética, no Ocidente, tiveram sua
origem no pensamento de Platão (428-348), em cuja obra encon-
tramos a primeira teoria da Arte e do Belo de que se tem notícia.
Conforme Santaella:
De fato, foi Platão quem levantou os problemas relativos à criação,
para os quais foram dadas as mais diversas interpretações através
do tempo e com os quais nos debatemos até hoje, tais como a natu-
reza da inspiração, a relação do coração com a emoção, o impacto e
feitos da arte sobre o receptor, as antinomias entre conhecimento
verdadeiro e a ilusão das paixões, as conseqüências do descome-
dimento e as virtudes da temperança [...] Se Platão levantou esses
problemas, Aristóteles (por volta de 384-322 a.C.) foi o primeiro a
lhes dar formalização na sua Poética, obra que, sem margem de
erro, pode ser qualificada como a teoria da arte e crítica mais in-
fluente em toda a história do Ocidente (SANTAELLA, 1994, p. 12).

Platão suscitou três ordens de problemas relacionados às ar-


tes em geral: a primeira investiga a questão da essência das obras
pictóricas e escultóricas comparadas com a própria realidade; a
segunda abrange a relação entre as artes e a beleza; e, finalmente,
a terceira investiga os efeitos morais e psicológicos da música e

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da poesia. Dentro desse contexto, Platão conseguiu problematizar,


ou seja, transformar em problema filosófico a existência e a fina-
lidade das artes. A partir de Platão, já não bastava mais a simples
fruição da pintura, da escultura e da poesia. "Agora, elas também
passam a constituir objeto de investigação teórica. É o pensamen-
to racional que as interpela sobre o seu valor, sua razão de ser e o
seu lugar na existência humana" (NUNES, 1989, p. 8).
Foi no século 4º a.C. que Aristóteles desenvolveu uma teoria
de capital importância para o estudo da estética: a poética. Devido
a ideias relativas à origem da poesia e à conceituação dos gêneros
poéticos, pela clareza e consistência, a poética representa a pri-
meira teoria explícita de Arte que a Antiguidade nos legou. Por-
tanto, como observa Monroe C. Beardsley (1958) na introdução de
seus estudos sobre a estética, não haveria nenhum problema de
estética se ninguém tivesse falado sobre obras de arte.
Não é fácil precisar o que é "estética" e sobre o que ela legisla,
mas o termo é comumente associado às teorias do Belo e da Arte.
No entanto, houve muitas tentativas de dissociar a estética do Belo.
Lembremo-nos, por exemplo, de que a Arte Moderna já havia dei-
xado de se preocupar com o "Belo" há muito tempo; ao contrário,
com frequência perseguiu deliberadamente o "feio". Isso ocorreu
porque o Belo não é mais o objeto, mas o resultado da Arte, ainda
que este não se conforme à ideia tradicional de beleza.
Dessa forma, chegou-se ao ponto de reduzir a beleza à Arte,
seja no sentido de não se reconhecer outra forma de beleza que
não a artística, seja no sentido de conceber qualquer beleza, mes-
mo a natural, como resultado da Arte.
É na história da Filosofia que a palavra "estética" encontra
uma definição precisa. O primeiro a utilizá-la filosoficamente foi
Alexander Gottlied Baugarten (1714-1762), em 1735, nas suas Re-
flexões filosóficas sobre algumas questões pertencentes à poesia.
Nessa obra, a estética foi definida como a ciência da percepção em
geral. Conforme Santaella:
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 95

Na sua obra posterior, Aesthetica, essa ciência da percepção foi


tomada como sinônimo de conhecimento através dos sentidos, a
"perfeição" da cognição "sensitiva" que encontra na beleza o seu
objeto próprio (1994, p. 11).

Estamos falando de algo que significa "sentir". Não o sentir


com o coração, mas sim o sentir com os sentidos, com as redes de
percepções físicas.
O impulso do qual resultam alguns dos progressos mais sig-
nificativos da estética deve-se a Kant, pois foi ele quem estabele-
ceu firmemente, em sua Crítica da faculdade do juízo, a autonomia
desse domínio do Belo que Baumgarten considerou objeto de co-
nhecimento inferior.
Kant admite três modalidades de experiência: a cognoscitiva
(do conhecimento intelectual propriamente dito), inseparável dos
conceitos, mediante os quais formamos ideias das coisas e de suas
relações; a prática, relativa aos fins morais que procuramos atingir
na vida; e a experiência estética, fundamentada na intuição ou no
sentimento dos objetos que nos satisfazem, independentemente
da natureza real que possuem.
Essa satisfação começa e termina com objetos que a provo-
cam. Agradando por si mesmos, eles despertam e alimentam em
nosso espírito uma atitude que não visa ao conhecimento e à con-
secução dos interesses práticos da vida. É uma atitude contempla-
tiva, de caráter desinteressado.
Consequentemente, como afirma Kant, o Belo é proprieda-
de das coisas que agradam sem conceito e que nos causam uma
satisfação desinteressada. Por outras palavras, o filósofo reduziu
o Belo à condição de objeto da experiência estética, a qual se ca-
racteriza pela aconceptualidade (não determinada por conceitos),
pelo desinteresse (é contemplativa) e pela autotelia (tem finalida-
de intrínseca).
Quando a representação de um objeto é meramente subjetiva
(aquilo que constitui a sua relação com o sujeito e não como objeto),

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trata-se de uma representação de natureza estética; mas aquilo que


na representação pode servir ou é utilizado para a determinação do
objeto (para o conhecimento) é a sua validade lógica.
Em uma representação, o elemento subjetivo que não pode,
de modo algum, ser parte do conhecimento é o prazer ou o des-
prazer ligado àquela representação. Por meio do prazer ou do des-
prazer nada é conhecido no objeto da representação, mesmo que
eles possam ser o efeito de um conhecimento qualquer.
Kant sustenta que, se o prazer estiver ligado a uma simples
apreensão da forma de um objeto da intuição, sem que haja uma
relação dessa forma como um conceito destinado a um conheci-
mento determinado,
[...] nesse caso a representação não se liga ao objeto, mas sim ape-
nas ao sujeito; e o prazer não pode mais do que exprimir a ade-
quação desse objeto às faculdades de conhecimento que estão em
jogo na faculdade do juízo reflexivo e por isso, na medida em que
elas aí se encontram, exprime simplesmente uma subjetiva e for-
mal conformidade a fins do objeto (KANT, 1993, p. 34).

Com isso, quando a faculdade da imaginação é posta de


acordo com o entendimento (com a faculdade dos conceitos) me-
diante uma dada representação e, desse modo, se desperta um
sentimento de prazer, nesse caso o objeto deve ser considerado
um conforme a fins para a faculdade de juízo reflexivo. "Um tal
juízo é um juízo estético sobre a conformidade a fins do objeto,
que não se fundamenta em qualquer conceito existente de ajuizar
objeto e nenhum conceito é por ele criado" (KANT, 1993, p. 34).
Os juízos estéticos afastam-se das condições essenciais que
prevalecem para o conhecimento teórico da Natureza. Afastam-se,
também, daquelas que vigoram para o discernimento moral, que
necessita da adesão da vontade ao princípio racional do Dever,
cujo postulado é a Liberdade.
Esses juízos se relacionam com uma faixa da nossa experiência,
diferente da empírica, que é de caráter cognoscitivo, e diferente da
experiência moral dos princípios universais válidos para a conduta.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 97

A experiência estética, cujo objeto é o Belo, manifesta-se por


intermédio dos juízos estéticos ou juízos do gosto, fundamentados
na satisfação interior, desinteressada, de caráter contemplativo,
proveniente das representações ou intuições, desembaraçadas
dos conceitos do Entendimento.
Não sendo motivada por inclinações do sujeito ou por seus
interesses e desejos, a satisfação do Belo é universal. Para se pro-
duzir, é necessário que as condições pessoais, empíricas, bem
como as variáveis de indivíduo para indivíduo, neutralizem-se de
maneira que se permita o livre julgamento do contemplador. Lon-
ge de ser um estado de fato, a satisfação estética é uma conquista
da consciência que possibilita a universalização do juízo de gosto,
como se a beleza fosse uma condição dos próprios objetos.
Dois são os aspectos de toda experiência estética: um, sub-
jetivo (o sujeito que sente e julga), e outro, objetivo (os objetos
que condicionam ou provocam o que sentimos e julgamos). As
correntes inspiradas na Psicologia, chamadas psicologistas, estu-
dam, com exclusividade, o aspecto subjetivo, valorizando os seus
elementos heterogêneos, como o prazer sensível, os impulsos, os
sentimentos e as emoções. Divergindo entre si quanto aos méto-
dos de investigação, elas partem de fatos psíquicos determinados,
sejam estados simples ou complexos de consciência, sejam pro-
cessos ou inclinações da nossa vida mental, para explicar a expe-
riência estética.
Não basta, porém, considerar apenas os dois aspectos da ex-
periência estética. É preciso não esquecer que o sentido a ela ine-
rente não reside nos estados psíquicos do sujeito, nem deriva dos
objetos, como consequência direta de suas qualidades físicas. É
que a experiência estética, em parte sensível e em parte espiritual,
tem o caráter valorativo. Unindo subjetivo e objetivo, o seu senti-
do está na consciência dos valores específicos a que nos dá acesso
e que não podemos isolar das formas perceptivas concretas.

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Forma e conteúdo
Uma obra de arte não é como flores que vivem em flores-
tas virgens dos trópicos, que em muitos casos definham sem que
tenham sido apreciadas. "A obra de arte [...] não apresenta esse
isolamento desinteressado: é uma interrogação, um apelo dirigido
às almas e aos espíritos" (HEGEL, 1999, p. 96).
Disso resultam diferentes formas de arte, uma vez que as
diferenças que separam determinadas formas fundam-se nas dife-
renças que existem entre as maneiras de apreender e conceber a
ideia, pois a elas correspondem, naturalmente, diferentes modos
de expressão. As formas de arte correspondem às diferentes rela-
ções entre a ideia e o conteúdo, relações que provêm da própria
ideia e que fornecem, assim, o verdadeiro princípio de divisão do
sujeito (HEGEL, 1999). A atividade criadora descobriu na forma
humana a maneira mais adequada de exprimir o espiritual. Isto
porque a forma representa o desenvolvimento do conceito que
só naquela se exterioriza, se representa e se manifesta; o espiritu-
al, enquanto manifesto, só o é revestindo a forma humana. Para
Hegel, o espírito da Arte encontrou na forma humana sua forma
ideal. De acordo com o autor:
O conteúdo verdadeiro é um espiritual em que o elemento concre-
to reside na forma humana, a única capaz de revestir o espiritual
em sua existência no tempo. Enquanto existe, e de uma existência
sensível, o espírito só se pode manifestar na forma humana. É as-
sim que se realiza a beleza em todas as suas virtualidades, a beleza
perfeita. Afirmou-se já que a personificação e a humanização do
espiritual correspondem a uma degradação; a verdade é, porém,
que só humanizando-o a arte pode exprimir o espiritual de modo
a torná-lo sensível e acessível à intuição, porque só encarnado no
homem o espírito se nos torna acessível (HEGEL, 1999, p. 102).

O objeto de um determinado conteúdo é representado pelo


Belo, assim como o verdadeiro conteúdo do Belo é o espírito. De
acordo com Hegel, há uma verdade divina ofertada pela Arte à
contemplação intuitiva e ao sentimento; essa verdade divina cons-
titui o centro do mundo de toda a Arte, "centro representado pela
figura divina, livre e independente, que completamente assimilou
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 99

os aspectos exteriores da forma e da matéria transformando-os na


perfeita manifestação de si própria" (HEGEL, 1999, p. 106).
Portanto, Deus é o ideal, é aquele que está no centro de
tudo. E as relações entre este Deus e a forma na qual ele aparece
já não são puramente exteriores.
Ora, apesar das sábias palavras de Hegel, nem sempre o
conteúdo de uma obra deve ser representado pelo Belo. Devemos
levar em consideração que, às vezes, a forma de um conteúdo é
bela, mas em muitos casos, não. Diante dessa possibilidade, o que
é mais importante em uma obra de arte: sua forma ou seu conte-
údo? É possível um conteúdo sem forma?
É verdade, como apontou Hegel, que a forma e o conteúdo
buscam-se um ao outro, e enquanto esse encontro não se dá, não
se reconhecem, não se unem, permanecerão estranhos um ao ou-
tro sem relação de contiguidade entre si. O que ocorre é que, em
princípio, a ideia é indeterminada, abstrata, sem clareza, no estado
de substancialidade geral; em outras apalavras, ainda não é uma
realidade precisa que se manifesta na sua verdadeira forma.
Ao falarmos "Revolução Francesa", por exemplo, estaremos
diante de um conteúdo ainda sem forma, cuja ideia permanece
abstrata, sem uma forma definida. A partir do momento em que
um artista resolve pintar uma tela, a forma seminal desse conte-
údo é uma pintura; se um músico compõe uma sonata, a forma
seminal desse conteúdo é musical, e assim por diante.
É óbvio que dentro da pintura há uma variedade de formas,
assim como na música. O pintor holandês Hieronymus Bosch, por
exemplo, utilizava o grotesco em suas pinturas para transmitir de-
terminado conteúdo: mostrar o caminho que os cristãos deveriam
seguir, preparando-os para o dia do juízo final.
Walter S. Gibson destaca esse tipo de atitude dizendo o se-
guinte: "era ensinado aos fiéis qual conduta os possibilitaria figu-
rar entre os abençoados; advertia os apóstatas e os malfeitores da

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horrível punição que os aguardava se eles falhassem na correção"


(GIBSON, 1988, p. 49).
Na obra O último julgamento (Figura 14), por exemplo, há
uma aparente desordem nas cenas descritas por Bosch. As figuras
que compõem o painel central estão distribuídas para demonstrar
as várias formas possíveis de punição. Os condenados recebem
atenção especial pelas mãos de Bosch, pois esta, na realidade, foi
a intenção principal: mostrar os horrores. Devido a isso, a corte
divina ocupa uma parte muito pequena; e "bem pequena é o nú-
mero que figura entre os eleitos. A maioria do seres humanos está
sendo engolida pelo cataclisma universal, o qual se estende pela
profunda e negra paisagem abaixo" (GIBSON, 1988, p. 55).

Figura 14 O último julgamento (1504). Hieronymus Bosch.

As informações de Gibson nos fazem percebem que para a


maioria das pessoas os sofrimentos do inferno eram dores físicas;
e o papel de Bosch foi intensificá-las, de modo que é frequente a
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 101

aparição de corpos nus e pálidos sendo dilacerados, atormentados


por serpentes, "consumidos em fornalhas em brasa e aprisionados
em diabólicos engenhos de tortura. Essa variedade de tormentos
parecem infinitos" (GIBSON, 1988, p. 55).
Olhando para as paisagens, somos acometidos por várias
sensações que nos deixam apavorados. Muitas delas se unem à
força da pintura, encaixam-se na descrição do grotesco. Um sorri-
so sobre as deformidades, um asco ante o horripilante e o mons-
truoso. Como sensação fundamental, porém, aparece um assom-
bro, um terror, uma angústia perplexa, como se o mundo estivesse
saindo dos eixos e já não encontrássemos apoio nenhum. A falta
de apoio é a verdadeira intenção. Não há esperanças na Terra, a
não ser seguir os ensinamentos divinos. Caso contrário, o pecador
participará do mundo de Bosch. Da mesma forma que os pecados
aparecem, suas punições também, ou seja, simultaneamente.
Vejamos com mais atenção algumas das personagens que
compõem o universo de Bosch na Figura 15. Encontramos uma fi-
gura com o rosto e as solas dos pés de tonalidade azul; sua barriga,
que é desproporcional, está totalmente coberta por bolhas. Esta
criatura está assando um homem, pois derrama uma espécie de
óleo à medida que o gira com a ajuda de um espeto.
Mais abaixo vemos outro ser que cortou um homem em vá-
rios pedaços e os está fritando. Enquanto a figura anterior tem a
barriga azul, que de certa forma o distingue dos outros; nesta, os
pés se assemelham às patas de uma ave.
Aqui reina uma inversão de papéis nas atividades que pode-
riam ser exercidas por seres humanos. As palavras de Kaiser encai-
xam-se perfeitamente nesta passagem. Temos até a impressão de
que ele estivera olhando para estas cenas quando escreveu:
O horror, mesclado ao sorriso tem seu fundamento justamente na
experiência de que nosso mundo confiável e aparentemente arri-
mado numa ordem bem firme, se alheia sob irrupção de poderes
abismais, se desarticula nas juntas e nas formas e se dissolve em
suas ordenações (KAISER, 1995, p. 40).

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Figura 15 O último julgamento (detalhe).

Na cena da Figura 16, a qual Gibson chamou de Demônio-


-caçador com sua vítima, vemos uma cabeça se locomovendo com
dois pés que parecem ter vida própria. Ela carrega uma espada,
mas não há, no entanto, mãos que a auxiliem. É uma criatura cuja
função é a de vigiar a caça que está sendo carregada. Kaiser nos diz
que esse é um típico exemplo de grotesco na pintura: "o seu moti-
vo central, o de uma parte do corpo a percorrer sozinha o mundo,
nós conhecemos em Bosch e Morgenstern" (KAISER, 1995, p. 109).
A figura que carrega a "caça" possui uma estrutura cefálica
indefinidada: ele tem o bico que lembra o de um pato – embo-
ra muito longo – e cílios que lembram uma foca. Trata-se, pois,
de uma figura ambígua, uma vez que a mescla do heterogêneo, a
confusão, o fantástico é possível de ser encontrado, ou seja, algo
como o estranhamento do mundo.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 103

Figura 16 O último julgamento (detalhe).

Esse tipo de ação em que determinada parte do corpo as-


sume vida própria também é encontrado no conto de Nicolai Gó-
gol, O nariz. Daremos destaque a uma passagem do referido conto
para ilustrar o caráter grotesco dessas partes que se separam e va-
gam com vida própria, e, com efeito, porque Kaiser faz referência
ao grotesco pelas imagens de Gógol.
E com efeito, ao cabo de dois minutos o nariz saiu. Usava um uni-
forme bordado em ouro, com uma gola alta, calças de camurça e
uma espada do lado. Pelo chapéu de plumas podia-se concluir que
ele se considerava um conselheiro de Estado. Todo indicava que ia
para algum lugar fazer visita. Deu uma olhada para ambos os lados
e gritou ao cocheiro: Vamos! Sentou-se e partiu.
O pobre Kovalióv quase perdeu o juízo. Não sabia o que pensar des-
te acontecimento tão estranho. Com efeito, como era possível um
nariz que no dia anterior estava em seu rosto e que não podia cor-
rer nem andar, estar agora metido num uniforme! (GÓGOL, 1986,
p. 20).

Numa reflexão crítica do conto de Gógol, Arlete Cavaliere faz


uma citação que serve para destacar a autossuficiência, não só da
personagem principal, mas também para exemplificar as que en-
contramos em Bosch:
As coisas se emancipam da realidade e tomam rumos próprios.
Como se o chão cedesse debaixo dos pés e a sua própria identidade
se dissolvesse metaforicamente com a perda do nariz.

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É dessa desorientação em face de uma realidade tornada enigmá-


tica e insondável que decorre a reação de horror, espanto, nojo e
mesmo riso arrepiado das personagens, do leitor e do próprio nar-
rador, que no caso de Gógol, embora através de uma atitude narra-
tiva irônica e satírica, deixa transparecer um ligeiro estremecimen-
to, ante o espetáculo descomunal de um mundo cujas categorias
básicas perdem a sua validade.
É extremamente isso que integra perfeitamente "O Nariz" numa
visão grotesca do mundo e do homem, quase esbarrando no hu-
mor negro.
Com efeito, quando, depois da mais árdua procura, Kovalióv se vê
novamente "dono de seu nariz" (O trocadilho é bastante oportuno)
e não consegue de forma alguma fixá-lo no lugar, nada é mais cômi-
co e mais desesperador ao mesmo tempo (GÓGOL, 1986, p. 129).

Essas observações com relação à arte de Bosch foram feitas


para demonstrar que sua intenção, na realidade, era de que os
fiéis temessem uma possível condenação aos olhos divinos, e que,
para isso, valeu-se do próprio grotesco. Bosch utilizou-o como ins-
trumento para difundir, com a aprovação do clero, todos os horro-
res que o pecador passaria. O pensamento medieval, para Gibson
(1988, p. 60),
[...] não somente fez a agonia dos condenados persistir em sua
maior intensidade, mas também as mais horripilantes almas mu-
tiladas foram perpetuadas para fazer com que seus sofrimentos
fossem sempre renovados.

Salvador Dalí também utiliza o grotesco em sua obra, mas


com um conteúdo diferente de Bosch, pois a intenção também era
diferente.
Em seus quadros, o grotesco não aparece para cumprir uma
função, intimidar pessoas, como no caso de Bosch, mas sim como
um elemento necessário à composição de certas obras. Ao anali-
sarmos, com a ajuda de Dawn Ades, O jogo lúgubre (Figura 17),
identificamos vários motivos que podem ser associados ao gro-
tesco, porém, ao contrário de Bosch, não como substantivo, mas
como um adjetivo.
Antes da análise propriamente dita da Figura 17, vamos
acompanhar o que Dalí diz acerca de sua obra:
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 105

Quando os surrealistas descobriram na casa de meu pai, em Cada-


qués, o quadro que eu acabara de pintar e que Paul Éluard batizou
de O Jogo Lúgubre, ficaram escandalizados com os elementos es-
catológicos e anais da imagem representada. Gala, principalmente,
desaprovou minha obra com uma veemência que neste dia revol-
tou-me, mas que, desde então, aprendi a adorar. Estava disposto a
entrar para o grupo surrealista, cujas palavras de ordem e temas eu
tinha conscienciosamente acabado de estudar, desossando-as até
a última vértebra. Havia entendido que se tratava de transcrever
espontaneamente o pensamento, sem nenhum controle racional,
estético ou moral (DALÍ, 1989. p. 22).

Figura 17 O jogo lúgubre, de Salvador Dalí.

Começando pelo lado esquerdo de O jogo lúgubre (Figura


17), na parte superior, encontraremos uma mão desproporcional
em relação ao resto do corpo da figura representada. Enquanto

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a maior está à frente, temos outra que cobre os olhos em sinal


de vergonha. Conhecendo um pouco a vida de Salvador Dalí, po-
demos notar aqui uma forte indicação de suas atividades mastur-
batórias: a masturbação é presença marcante em sua obra, basta
lembrarmo-nos de seu quadro O grande masturbador e também
a descrição dessa pintura feita por Dalí em um poema homônimo.
Para Ades (1988, p. 75), o
[...] tema dominante dos quadros de 1929 é uma profunda ansie-
dade sexual, na qual a masturbação ainda ocupa um papel impor-
tante, na mão da estátua grotescamente aumentada e culposa em
O Jogo Lúgubre, por exemplo, escondendo sua face de vergonha.

À diagonal vemos uma figura masculina cujas calças estão


manchadas de excrementos. Em um quadro, representar um indi-
víduo que, presumivelmente, não conseguiu conter suas necessi-
dades fisiológicas, não é um tema apreciável à primeira vista; mas
à luz do grotesco, cremos que exista um contraste entre a inteli-
gência e a "efetividade da realidade", porque à medida que o gro-
tesco revela o mistério mais profundo do ser, o conceito adquire
outro conteúdo.

Figura 18 Construção mole com feijões cozidos, de Salvador


Dalí.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 107

Em Construção mole com feijões cozidos (Figura 18) Dalí


nos apresenta uma forma que se dilacera. Uma enorme mão está
esmagando o único seio que aparece na imagem, que podemos
admitir, portanto, que se trata de uma figura feminina. No rosto,
notamos um semblante agonizado, apoiado em um pescoço repu-
xado que, por sua vez, sustenta-se em uma parte do tórax. Não há
uma definição clara dos órgãos humanos, há, pois, uma sugestão,
uma reunião de elementos corporais que nos causam estranha-
mento, fazendo-nos perceber que:
[...] a partir do deformado, desarticulado, estraçalhado, asqueroso
e repugnante aqui justaposto e pintado com fidelidade fotográfi-
ca em certa medida consciente, torna difícil o intento de alguém
perseverar como contemplador, diante de tais quadros os efeitos
de estranhamento são agora em geral mais reforçado pelo colorido
(KAISER, 1995, p. 143).

O emprego da palavra "estranhamento", utilizado para se


referir a obras surrealistas, não se encaixa, aqui, à categoria de
assustador que remete ao que já é conhecido, e há muito familiar,
conforme Freud em seu artigo Das Unheimliche.
Freud aponta para o fato de que quando aparecem mem-
bros arrancados, cabeças decepadas, mãos cortadas, pés que pos-
suem vontade própria, "todas essas coisas têm algo peculiarmente
estranho a respeito delas, particularmente quando [...] mostram-
-se, além do mais, capazes de atividades independentes" (FREUD,
1919, p. 304).
Podemos notar, então, que o grotesco pode aliar-se ao estra-
nho, conseguindo a sensação de estranhamento; no entanto, esse
efeito é conseguido por meio de elementos que, embora tenham
vida própria – pelo menos é essa a impressão que temos –, dife-
rem em conteúdo das figuras de Bosch, porque mantêm relações
diretas mediante ligações de membros, como é o caso de Constru-
ção mole com feijões cozidos (Figura 18), que, de certa maneira,
nos faz perceber cada um dos quatro apêndices juntamente com
a cabeça.

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As produções de Salvador Dalí, ainda que se considere sua


atividade paranoico-crítica, enquadram-se no estranho visualiza-
do, diferente do experimentado, o caso daquilo que é novo e que
pode vir a ser estranho porque foi reprimido.
As conclusões de Freud são de que o estranhamento, nas
artes em geral, merece uma exposição à parte:
Acima de tudo, é um ramo muito mais fértil do que o estranho na
vida real, pois contém a totalidade deste último e algo mais além
disso, algo que não pode ser encontrado na vida real. O contraste
entre o que foi reprimido e o que foi superado não pode ser trans-
posto para o estranho em ficção sem modificações profundas; pois
o reino da fantasia depende, para seu efeito, do fato de que o seu
conteúdo não se submete ao teste de realidade. O resultado algo
paradoxal é que em primeiro lugar, muito daquilo que não é estra-
nho em ficção se-lo-ia se acontecesse na vida real; e, em segundo
lugar, que existem muito mais meios de criar efeitos estranhos na
ficção do que na vida real (FREUD, 1925, p. 310, grifos do autor).

Concluímos, a partir de Freud, que as explicações indicam


um estranho que não procura precedentes no teste da realidade.
Em algumas obras de Salvador Dalí, encontramos um tipo de
grotesco conseguido pelo sentimento de estranhamento, devido,
especialmente, a corpos dilacerados, que, tendo autonomia, nos
inquietam, mas Dalí também utiliza o contraste para intensificar o
aspecto de grotesco.
Na Figura 19, vemos uma criança comendo um rato. O rosto
do garoto foi pintado de forma doce, angelical, que, por alguns
instantes, prende nossa atenção. A figura do infante encarna, po-
deríamos dizer, o belo, tendo em sua forma relações muito simpli-
ficadas, necessitando de poucos recursos plásticos para satisfazer
o grande público. Já o rato, representando o feio, oferece uma va-
riedade de articulações.
Com relação a isso, Victor Hugo afirma:
O belo tem somente um tipo; o feio tem mil. É que o belo, para
falar humanamente, não é senão a forma considerada na sua mais
simples relação, na sua mais absoluta simetria, na sua mais íntima
harmonia com nossa organização. Portanto, oferece-nos sempre
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um conjunto completo, mas restrito como nós. O que chamamos


o feio, ao contrário, é um pormenor de um grande conjunto que
nos escapa, e que se harmoniza, não com o homem, mas com toda
a criação. É por isso que ele nos apresenta, sem cessar, aspectos
novos, mas incompletos (HUGO, 1988, p. 33).

Esse pormenor de um grande conjunto é, no nosso exemplo,


um tipo de graça cuja ingenuidade personificada pelo semblante
do menino funciona como um contraposto angelical-grotesco que
foi aproveitado de maneira genial por Dalí (Figura 19).

Figura 19 Criança búlgara comendo um rato (1939), Salvador Dali.

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9. ESTÉTICA: REFLEXÃO FILOSÓFICA OU REFLEXÃO


EMPÍRICA?
Na verdade, para entender os fundamentos da estética, te-
mos, inicialmente, que averiguar se a estética constitui reflexão
filosófica ou reflexão empírica.
Para alguns, a estética é Filosofia, uma vez que procura defi-
nir o que é ou o que não é arte a partir da pura especulação, sem
necessidade da experiência direta do crítico de arte ou do artista.
No entanto, há quem sustente que a estética não é Filosofia, por-
que é alguma coisa intermediária entre a Filosofia e a História da
Arte.
Dessa forma, ela não se encarrega de dar uma definição geral
da Arte, mas conta com os testemunhos dos artistas, as reflexões
dos críticos e historiadores da Arte e as doutrinas dos teóricos de
cada arte em particular. Portanto, não são necessárias demoradas
e elaboradas teorias filosóficas para justificar o que é Arte.
De acordo com Pareyson,
[...] o filósofo que pretenda legislar em campo artístico ou que de-
duza, artificialmente, uma estética de um sistema filosófico prees-
tabelecido, ou que, em qualquer caso, proceda sem considerar a
experiência estética, torna-se incapaz de explicar esta última e sua
reflexão cessa de ser filosofia para reduzir-se a mero jogo verbal
(2001, p. 3).

Como a reflexão filosófica é puramente especulativa e não


normativa, ela define conceitos sem estabelecer normas. Desse
modo, a estética
[...] não pode pretender estabelecer o que deve ser a arte ou o belo,
mas, pelo contrário, tem a incumbência de dar conta do significado,
da estrutura, da possibilidade e do alcance metafísico dos fenôme-
nos que se apresentam na experiência estética (PAREYSON, 2001,
p. 4).

Se, por um lado, a estética não deve se ligar a nenhum sis-


tema filosófico preconcebido, isso não quer dizer que devamos
privá-la de uma tarefa filosófica ou substituir a estética filosófica
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 111

pelos programas de Arte, pelas técnicas artísticas ou por meras


observações, ainda que muito concretas.
Portanto, a estética não pode deixar de ser filosofia; ou me-
lhor, deve apresentar-se como indagação puramente filosófica,
como reflexão que se constrói sobre a experiência estética, e por
isso mesmo não se confunde com ela. Enfim,
Uma reflexão sobre a arte ou é filosófica, como a estética, e então
torna a entrar na filosofia, ou é trabalho de crítico, ou de historia-
dor, ou de teorizador da arte, e então entra na experiência estética,
como objeto da filosofia. A estética é filosofia justamente porque
é reflexão especulativa sobre a experiência estética, na qual entra
toda experiência que tenha a ver com o belo e com a arte: a expe-
riência do artista, do leitor, do crítico, do historiador, do técnico da
arte e daquele que desfruta de qualquer beleza. Nela entram, em
suma, a contemplação da beleza, quer seja artística, quer natural
ou intelectual, a atividade artística, a interpretação e avaliação das
obras de arte, as teorizações da técnica das várias artes (PAREY-
SON, 2001, p. 5).

Na prática, a estética tanto pode ser aplicada às filosofias do


Belo quanto à elegância de uma fórmula matemática, a objetos
artísticos, a um crepúsculo etc. Portanto, não podemos deixar su-
bentendido que ela é um ramo da Filosofia que se preocupa exclu-
sivamente com o Belo. Esse tipo de definição já não cabe porque,
como já mencionamos anteriormente, a Arte Moderna passou a
perseguir deliberadamente o "feio".
Portanto, se o "feio" fizer parte de uma dada realidade, ele
deve ser incluído como objeto de investigação estética (lembre-
mos que se chegou ao ponto de não se reconhecer outra forma de
beleza que não a artística).
Chamamos de Estética da Realidade as experiências estéti-
cas que podemos ter a partir de objetos ou ocasiões do cotidiano
mais imediato. Portanto, a ênfase aos estudos voltados à estética
não devem ficar restrita a experiências advindas de obras de arte
"belas".
Não há dúvidas de que os professores devem compreender a
estética como um elemento da Filosofia a fim de proporcionar aos

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alunos educação estética em artes visuais, mas eles não precisam


usar o termo estética. Se a estética volta-se para o feio, por que
não se voltar, também, para os elementos que compõe a realidade
de cada indivíduo?

Sobre a realidade e o real


Antes se acreditava que era possível conceber o mundo
inteiro por meio do pensamento puro. Embora o poder da ideia
esteja muito presente entre nós, há outras necessidades. Já não
basta uma mera pedagogia das ideias: a elas se acrescenta uma
pedagogia das realidades.
Diante dessa necessidade, propomo-nos a abordar um pou-
co sobre um dado muito importante, a realidade.
Duarte Júnior, em seu livro O que é realidade (1991), dá um
exemplo muito interessante, dizendo que todos nós bebemos
água, no entanto, dependendo do uso, ela adquirirá um estatuto
diferente: a água para uma lavadeira que lava sua roupa à margem
de um riacho, por exemplo, tem sentido diferente do que para uma
pessoa com sede; já para um químico a água poderá não passar de
duas moléculas de hidrogênio e uma molécula de oxigênio (H2O).
Vemos, pois, que há "níveis" de realidade que passam pela
compreensão das diferentes maneiras de o homem se relacionar
com o mundo. Só que o mundo, para Merleau-Ponty (1994, p. 1),
[...] está sempre "ali", antes da reflexão, como uma presença ina-
lienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato
ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico.

Como a grande maioria dos indivíduos não se ocupará em


dar estatuto filosófico ao mundo, é interessante notar que há uma
realidade que nos é mais palpável, que está ao alcance de nossas
mãos. Essa realidade mais palpável é o mundo no qual atuamos,
trabalhando para alterá-lo ou não. Conforme Duarte Júnior:
Aqui subjazem em minha consciência motivos essencialmente
pragmáticos, ou seja, minha atenção se prende àquilo que estou
fazendo, fiz ou pretendo fazer. A interpretação da realidade coti-
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diana fundamenta-se em propósitos práticos, propósitos que, em


última análise, têm a ver com a nossa sobrevivência (1991, p. 29).

Atuar sobre um dado do dia a dia nos aproxima mais de de-


terminada realidade. Com o intuito de organização do pensamen-
to, reproduzimos, na íntegra, o seguinte trecho:
A partir dessa região mais clara e evidente de nosso dia-a-dia, ou-
tras vão se sucedendo e, à medida que se afastam de nossa possi-
bilidade de manipulação, tornam-se mais obscuras. Por exemplo:
uma pessoa todo dia ao dirigir-se para o trabalho, cruza a ponte so-
bre o rio que corta a cidade. De lá vê pescadores em suas margens,
com os caniços nas mãos. Nunca tendo pescado, desconhece as
técnicas da pesca e, mais especificamente, desconhece aquele rio
em particular: os tipos de peixe que existem ali, os melhores luga-
res para apanhá-los, as iscas que devem ser empregadas, etc. O rio
e a pesca fazem parte de seu cotidiano, mas estão localizados numa
área de realidade menos conhecida e manipulável do que a ocupa-
da pelo seu trabalho no escritório (DUARTE JÚNIOR, 1991, p. 30).

O setor da realidade que é mais claro e conhecido é denomi-


nado não problemático, haja vista que o mero envolvimento com
a realidade já é suficiente – por si só habilita o sujeito a viver sem
a necessidade de novos conhecimentos ou de novas habilidades
para resolver pequenas questões.
Caso surja um problema inusitado, a experiência anterior
será ativada e o sujeito tentará resolvê-lo a partir do conhecimen-
to já cristalizado pelo seu dia a dia, buscando integrar esta nova
realidade problemática àquela não problemática.
Podemos afirmar que a realidade que predomina é, em pri-
meira instância, a do cotidiano; e à medida que o indivíduo se
afasta da esfera que pode ser abarcada por seu conhecimento
imediato, perceberá que esta nova realidade tornou-se obscura
e nebulosa; é preciso, então, que tenhamos em mente a quem
devemos recorrer quando determinado fato nos obriga a buscar
um conhecimento específico, pois a realidade não é simplesmente
construída, ela é socialmente edificada.
As comunidades humanas produzem o conhecimento de
que necessitam e, em seguida, o distribuem entre seus membros,

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edificando assim sua realidade. É, pois, um processo fundamental-


mente social.
A estrutura social em que vivemos é uma criação do ho-
mem, é uma coisa objetiva, estava aí antes de termos nascido e,
portanto, continuará depois de termos morrido. Este fenômeno é
chamado de reificação; em outras palavras, é a realidade transfor-
mada em coisa: adquire o mesmo estatuto das coisas naturais, dos
objetos físicos. É nesse sentido que a institucionalização sobre a
qual se edifica a realidade possui em si um controle social: ao ser
percebido como algo dado, estabelecido, evita que os indivíduos
procurem alterá-lo.
Nesse processo de construção da realidade por meio das ins-
tituições sociais, devemos levar em consideração o sistema linguís-
tico, ferramenta básica na criação do mundo humano.
As instituições são sempre acompanhadas de um correspon-
dente esquema explicativo e normativo, chamado legitimação.
Para seguir essas realidades institucionais, devemos respeitar de-
terminadas normas, de acordo com seus preceitos pragmáticos.
O primeiro deles está situado no nível preteórico, que não é um
conhecimento elaborado abstratamente em torno dos "porquês",
mas sim em torno dos "como".
No segundo nível de legitimação, é necessário lidar com pro-
posições teóricas, porém, ainda não tão elaboradas. No terceiro
nível, a legitimação é conseguida por meio de um corpo diferen-
ciado de conhecimentos, isto é, um conhecimento específico e
com um nível maior de abstração. Para adquiri-lo, é indispensável
um aprendizado formal do assunto. O conhecimento pragmáti-
co de que dispomos não é suficiente para resolver determinadas
questões.
O quarto nível de legitimação denomina-se universo simbó-
lico; consiste de um corpo teórico de conhecimentos cuja meta é
integrar os diferentes setores de uma dada ordem institucional em
um esquema lógico e consistente.
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O universo simbólico compõe-se de teorias que justificam e


explicam o porquê de uma instituição existir e em que se funda-
menta o seu funcionamento, sem nenhuma alusão aos esquemas
práticos de seu dia a dia. Ele também está a cargo de especialistas
e depende de um processo formal para a sua aprendizagem.
Devido ao fato de os conhecimentos simbólicos estarem
afastados dos conhecimentos comuns da sociedade, para inter-
pretá-los e integrá-los é imprescindível recorrer a especialistas. Os
universos simbólicos (ou teorias) são criados para legitimarem, em
um nível genérico, as instituições sociais já existentes, encontran-
do-lhes explicações e integrando-as em um todo significativo.
Como há níveis de realidade que caminham junto a níveis de
verdade, não é possível construir a "realidade" por meio do pensa-
mento puro, uma vez que a realidade não é algo que possa existir
independente de nossa vontade e, também, já não é mais uma re-
alidade que tem a ver com nossa sobrevivência. Enfim, encarar "o
mundo de modo intelectual é diferente de ‘senti-lo’, assim como
estudar um país mediante um livro de geografia é diferente de vi-
ver nele" (VISCOTT, 1982, p. 20).
"Realidade", portanto, implica consciência de "realidade".
Dizemos isso porque há uma realidade que é a não problemática
− que não implica novos conhecimentos – e a realidade que está
ligada ao universo simbólico − que consiste em dominar novos co-
nhecimentos para integrar determinada ordem institucional, por
exemplo.
No campo da educação, é comum os alunos se verem diante
de situações que exigem muito mais do que o conhecimento prag-
mático. Logo, acreditamos que é papel do professor inicialmente
se aproximar da realidade do aluno ─ não simplesmente partir da
realidade dele – a fim de ampliar seu repertório e ajudá-lo a solu-
cionar satisfatoriamente um dado problema. Em outras palavras,
é ele que se incumbirá de encontrar explicações para cada nova
realidade do aluno. Portanto, trabalhar a partir dessa perspectiva

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é atuar "molhado de realidade". A praxis não deve afastar-se da


realidade, pois é imprescindível manter-se imbuído de realidade
vivenciada. Ou, melhor ainda, a práxis deve surgir da realidade.
Portanto, de nada adianta abordar determinados temas sem
essa preocupação, porque é a cultura à qual o sujeito pertence que
fornece a ele os sistemas simbólicos de representação da realida-
de. Logo, o homem, em hipótese alguma deve ser pensado fora de
seu contexto social, uma vez que grande parte da mensagem que
qualquer indivíduo traz consigo é oriunda do meio no qual ele vive.
Mas, antes mesmo de falarmos em educação estética como
algo que ajudará a perceber a obra de arte com significantes pró-
prios, seria interessante falar de educação estética sob outra ópti-
ca, a óptica de um padrão estético.
Pois bem, o mundo, conforme postula Viscotti, é tão compli-
cado que não podemos nos apoiar apenas em nosso intelecto para
avaliar nossas percepções. De acordo com o autor, nossa capacida-
de de pensar nos permite formar determinados conceitos que nos
ajudarão a classificar nossas impressões. Não obstante tais classi-
ficações, há determinados atalhos nesse processo mental capazes
de estabelecer um vínculo mais facilmente compreendido entre
os estímulos exteriores e as impressões que percebemos. O autor
expõe o seguinte exemplo,
[...] podemos experimentar um súbito temor, a nos advertir que
nossa sobrevivência está sendo ameaçada muito antes de sermos
capazes de formarmos um conceito mental que nos leve à mesma
conclusão. Não obstante, às vezes, permitimos que nossos senti-
mentos dêem um colorido à mesma conclusão. Ainda que isso pos-
sa nos tornar mais alertas e faça com que nos protejamos melhor,
isso também pode deformar o mundo que percebemos – especial-
mente quando nos sentimos abertamente vulneráveis a ele (VIS-
COTTI, 1982, p. 19).

O conhecimento a partir da realidade


Como vimos, de acordo com Paulo Freire, devemos pen-
sar estando "molhados de realidade", pois, com isso, poderemos
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observar que a meditação, anterior à praxis, não deve afastar-se


da realidade. Isso significa que de nada adianta abordar deter-
minados temas sem essa preocupação, porque é a cultura à qual
o sujeito pertence que fornece a ele os sistemas simbólicos de
representação da realidade.
Ao longo de seu desenvolvimento, o indivíduo internaliza
formas culturalmente dadas de comportamento, em um processo
em que atividades externas transformam-se em atividades inter-
nas, intrapsicológicas.
As funções psicológicas superiores, baseadas na operação
com sistemas simbólicos, são, pois, construídas de fora para den-
tro do indivíduo. O aluno pode começar o processo de aprendiza-
gem por meio da descrição do objeto (descrição de objetividades);
nessa maneira de interagir com a realidade, a linguagem vai em
direção às coisas e as palavras são signos.
A dificuldade encontrada pelo professor é, digamos, a tradu-
ção desses signos que, na maioria das vezes, esconde o pensamen-
to, pois o estudante não consegue, ainda, demonstrar a imanência
do pensamento pela linguagem. Em outras palavras, o que é dito
não é o pensado.
Sendo assim, o aluno é um sujeito que atribui sentidos e sig-
nificados de acordo com sua capacidade de assimilar o conteúdo.
A criança não vê o mundo como ele é na realidade objetiva, mas
como ela é. Dessa forma, garantir o direito que a criança tem de
formular hipóteses de acordo com suas próprias ideias e testá-las
é a função mais importante da prática construtivista.
Como em um primeiro estágio a aquisição de conhecimento
origina-se da experiência, de uma curiosidade inocente, esta não
deve, em hipótese alguma, ser deixada de lado. Contudo, como
aponta Paulo Freire, a superação e não a ruptura se dá à medida que
a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, criticiza-se.

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É papel do professor não apenas respeitar essa condição,


mas aproveitá-la, de modo que facilite o estabelecimento de uma
relação construtiva entre a vivência do aluno e os objetivos dese-
jados. É a partir dele que os recursos didáticos serão distribuídos,
fazendo com que cada aluno possa, sem causar traumas, criar si-
tuações favoráveis que permitam a aquisição do conhecimento.
Fica claro, então, que o professor, além de estar em sintonia
direta com as novas práticas educacionais, deve, sobretudo, man-
ter-se atento às informações que são trazidas de fora do ambiente
escolar propriamente dito.
A realidade existencial, juntamente com seus problemas e ad-
versidades, compõe o repertório de onde surgirá o desejo de apren-
der ou de se modificar. A questão do ensino deve ser conectada a
questões de vida do aluno. Como já apontara Merleau-Ponty,
[...] o verdadeiro Cogito não define a existência do sujeito pelo pen-
samento de existir que ele tem, não converte a certeza do mundo
em certeza do pensamento do mundo e, enfim, não substitui o
próprio mundo pela significação mundo. Ele reconhece, ao contrá-
rio, meu próprio pensamento como um fato inalienável, e elimina
qualquer espécie de idealismo revelando-me como "ser no mun-
do" (1994, p. 9).

Ora, se o verdadeiro Cogito revela-me como um ser no mun-


do, e se a realidade é um dado concreto, por meio da qual tem-se
uma vivência real, a natureza das coisas é muito mais facilmente
concebida quando elas são observadas, passando gradativamente
a existir, do que quando são produzidas de repente, em um estado
acabado e perfeito.
Os conteúdos são absorvidos de maneira satisfatória quan-
do é levada em conta essa existência gradativa e participativa, ou
seja, o aluno, à medida que aborda os objetos, ou um corpus qual-
quer do conhecimento humano, o faz por meio de um caminho
instigador; em outras palavras: o objeto da reflexão deve deixar
de ser uma propriedade do educador para tornar-se a incidência
sua e dos educandos. Com isso, o ato cognoscente será constante-
mente refeito na cognoscibilidade dos educandos, e estes, por sua
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 119

vez, tornar-se-ão investigadores críticos, estabelecendo diálogos


constantes com o educador, como sugere Paulo Freire.
Um exemplo concreto das proposições de Paulo Freire dá-se
com a criança em seu lar, pois, quando no lar, ela vê muito mais
letras do que na escola, produz muito mais textos "livres" do que
na escola. Lá ela é quase obrigada a copiar, sem produzir nada de
forma pessoal. As informações que a criança recebe em casa po-
dem parecer desordenadas, sem sentido, mas, para Ferreiro, "é
informação sobre a língua escrita em contextos sociais de uso, en-
quanto que a informação escolar é freqüentemente informação
descontextualizada" (2001, p. 39).
Outro dado importante é o fato de que as crianças, desde
aproximadamente os 4 anos, já possuem sólidos critérios para or-
ganizar os materiais figurativo e não figurativo. É por isso que em
uma oração, por exemplo, torna-se muito mais difícil para a crian-
ça interpretar seu conteúdo sem outro apoio figurativo.
Como as informações sobre a língua escrita estão em um
ambiente familiar (casa) dentro de determinados contextos so-
ciais de uso, assim deve ocorrer, também, com as palavras escritas.
Conforme Emilia Ferreiro, se quisermos que as crianças aceitem
o que dizemos, devemos oferecer-lhes algo mais do que simples
letras sobre um papel.

Estética da realidade do ponto de vista formalista


Acreditamos que uma experiência estética proveniente dos
elementos formais de uma obra é diferente de uma experiência
estética proveniente da interpretação crítica. Uma interpretação é
necessária quando a descrição já não dá conta da obra em ques-
tão e quando queremos dirigir a percepção para determinados
elementos. Uma investigação crítica envolve conhecimentos espe-
cializados que faltam ao leigo; é um procedimento específico que
envolve a formulação de hipóteses sobre o significado e o valor de
uma determinada obra de arte.

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O elemento imprescindível a tal abordagem é o conhecimen-


to biográfico e contextual da obra que se quer analisar; logo, a
aquisição de tais conhecimentos é algo intrínseco ao processo de
investigação crítica.
Geahigan (1998) não recomenda a investigação crítica na sala
de aula sem uma mudança de paradigmas. Segundo ele, a investi-
gação crítica não proporciona a troca de ideias entre os alunos. O
que se deve fazer é criar condições que promovam o pensamento
e a reflexão sobre obras de arte, ou seja, desenvolver atividades de
modo a tornar os estudantes conscientes dos problemas estéticos
que envolvem uma obra de arte. Não é o professor que formula
hipóteses acerca da obra, mas deve, não obstante, criar condições
para que os próprios alunos levantem hipóteses sobre o significa-
do e o valor de uma obra de arte e, por fim, reúnam evidências
para testar as hipóteses levantadas. Esse processo todo começa
quando os alunos se dão conta de que a obra que estão estudan-
do apresenta problemas de significado e valor; e continua quando
eles são capazes de formular hipóteses, reunir evidências e testá-
-las (GEAHIGAN, 1998).
Conforme Jean-Claude Forquin, pode-se dizer que um dos
papéis das atividades estéticas na aprendizagem é enfatizar os as-
pectos sensoriais e sensíveis, ou seja, ensinar aos alunos, por meio
de exercícios sistemáticos, a perceber a aparência real dos objetos,
e não apenas seus aspectos utilitários mais imediatos.
Tal atitude implicaria reconhecer as nuances das cores; estu-
dar os movimentos; avaliar as grandezas e as distâncias dos obje-
tos; ter consciência do ritmo das coisas e dos seres mais diversos.
Enfim,
[...] se familiarizar com o valor espacial e as propriedades volumé-
tricas, que é a base de toda apropriação efetiva do mundo sensível,
o meio de habitar o mundo de uma maneira mais intensa e signifi-
cativa (FORQUIN, 1973, p. 25).

É inegável, portanto, que uma educação estética favorece o


desenvolvimento dos aspectos intelectuais. Portanto, retomando
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 121

a proposição de Gray, é evidente que os professores devem, se


possível, compreender a estética em toda sua dimensão como um
elemento da Filosofia, mas usar o termo estética sem, no entanto,
estudar a estética em si.
Acreditamos que, pelo menos inicialmente, a aproximação
estética por meio das formas seja muito enriquecedora para os
alunos, pois permitirá que eles se deem conta de como o artista
organizou os elementos visuais. Proporcionar experiência estética
a partir de elementos da realidade implica na escolha precisa dos
objetos ou das imagens que serão utilizados.
Não devemos nos esquecer de que a diversificação é muito
importante, uma vez que é por meio de imagens que os alunos
terão contato com outras culturas. Portanto, ao escolhermos uma
imagem, devemos ser muito criteriosos.
Julgamos que seja muito mais enriquecedor e prudente o
professor iniciar uma aula sobre estética utilizando trabalhos feitos
pelos próprios alunos do que utilizar imagens de obras que somen-
te são encontradas em museus ou galerias. O que devemos levar
em consideração é o grau de envolvimento que uma determinada
imagem proporcionará em função de sua proximidade com o alu-
no. Diante disso, uma cadeira pode ser muito mais importante do
que uma pintura; uma máscara Africana muito mais importante do
que o trabalho criado por algum escultor Ocidental (SILVERMAN,
1988). Como bem observa Lenier,
[...] aquelas colchas feitas pela vovó, a velha mobília que herdamos
de nossas famílias, o porta-guadanapos esculpidos de barbatanas
de baleias. Estes não são propriamente a arte nobre dos museus
mas freqüentemente nos proporcionam pelo menos o mesmo tipo
de prazer de visão que associamos às mais honoríficas artes (2001,
p. 48).

É por isso que, como observou Musil,


Muitas vezes [...] uma poça d'água deu ao indivíduo mais intensa
impressão de profundidade do que o oceano, pelo simples motivo
de que se tem mais ocasiões de se vivenciar poças do que oceanos
(1989, p. 617).

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122 © Arte Educação e Cultura Digital

Necessidade de aproximação da realidade para a experiência


estética
Também devemos levar em consideração que em algumas
produções a Arte só existe em uma atmosfera de teoria; ou seja, é
necessário conhecer as ideias constitutivas da própria obra, o in-
grediente essencial que interagiu com suas qualidades perceptivas
e que as tornou significantes.
É possível, então, que o ponto de partida para uma análise
seja apenas seus elementos visuais. Um exemplo de arte que só
existe a partir de uma atmosfera de teoria é a obra de Maliévich,
apresentada na Figura 20. Observe.

Figura 20 Quadrado branco sobre um fundo branco (1918), de Kazimir Malevich.


© U2 - Investigando a Ideia de Arte 123

Há casos em que, para determinar o significado e o valor de


uma dada produção, é preciso entender, primeiramente, a obra
em questão. É possível, por exemplo, operarmos a partir da inten-
ção do artista (entendimento intencional), como reflexo de ideais
culturais maiores ou como manifestação de princípios fundamen-
tais (entendimento estético).
Em posse desses dados, podemos interpretar outras obras
de outros artistas, porque as mesmas intenções e os mesmos ob-
jetivos foram comumente compartilhados por outros artistas do
período. Proceder dessa maneira, no entanto, é diferente de uma
conversa sobre Arte, frequentemente recomendada pelos educa-
dores.
Em outras obras, no entanto, o expectador precisa conhecer
alguns detalhes históricos, o contexto das convenções que gover-
naram o uso dos meios da Arte em geral. O conhecimento especí-
fico das ideias sobre Arte, ou o contexto cultural de uma determi-
nada obra.
Há, portanto, modos de ver, e o modo como olhamos as
obras de arte deve ser diferenciado. Há um perigo muito grande
entre olhar obras de arte, mesmo que detalhadamente, e apreciá-
-las. Como já vimos, uma obra de arte pode ser conhecida como
combinações de forma, cor, textura e massa, mas pouco entendi-
das em relação aos motivos religiosos, históricos, sociais, políticos,
econômicos e outros que a originaram, que são tão importantes
quanto os formais.
Conforme Thistlewood (2001), a tela de Van Gogh Come-
dores de batatas (Figura 21) pode ser vista como uma tradução
inofensiva de um tema familiar e não como a crítica sociopolítica
do trabalho opressivo e da existência marginal que, sem dúvida,
representa.

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Figura 21 Comedores de batatas (1885), de Vincent Van Gogh.

Vincent Van Gogh, em uma das cartas escritas a seu irmão


Theo, comenta o quadro Comedores de batatas, dizendo que es-
colhera essa temática porque queria ressaltar
[...] que aquelas pessoas, comendo suas batatas à luz da lâmpada,
cavaram a terra com as próprias mãos que colocaram no prato, e
por isso o quadro fala de trabalho manual, e como elas ganharam
honestamente seu alimento (CHIPP, 1968, p. 29).

O artista preferiu pintar os camponeses em toda sua aspere-


za do que lhes dar um encanto convencional e desnecessário, ou
seja, ele quis que conhecêssemos o modo de vida que é totalmen-
te diferente do modo de vida civilizado.
Para Van Gogh, um camponês é mais real nas roupas que usa
nos campos do que quando vai à igreja no domingo. Ele acreditava
que seria um erro
[...] dar a um quadro de camponês um certo brilho convencional. Se
um quadro sobre camponeses cheira a toucinho, fumaça, vapor de
batata − então está bem, isso nada tem de insalubre. Se um estábu-
lo cheira a bosta − está bem, isso pertence a um; se o campo tem o
cheiro de trigo maduro ou de batatas, ou de guano ou esterco − isso
é saudável, especialmente para as pessoas da cidade (CHIPP, 1968,
p. 31).
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 125

Quando Van Gogh diz que escolheu a temática de Comedo-


res de Batatas para ressaltar a dificuldade dos trabalhadores rurais
de conseguir o próprio alimento, na verdade essa atmosfera já era
uma realidade que se impunha cotidianamente a ele, mesmo an-
tes de pintar o quadro. Uma obra de arte pode nos proporcionar
infinitas leituras, porém, se não nos alimentarmos da realidade da
obra, dificilmente teremos condições de apreendê-la.
Outro exemplo emblemático é Guernica, de Picasso, que
você pode observar nas Figuras 22, 23, 24 e 25. Ele pode ser con-
siderado uma mistura curiosa de velhos e modernos simbolismos,
mas, sem compreendermos os contextos dos ataques e bombar-
deios da Guerra Civil Espanhola, a leitura da obra perde muito de
seu significado.
Conforme o relato de Russell Martin, quatro meses antes do
bombardeio fatídico, quatro homens foram visitar Picasso a fim
de convidá-lo a pintar um painel no pavilhão espanhol, que faria
parte de uma feira em Paris.
Como Picasso a princípio apenas prometeu pensar no assun-
to, os homens, no esforço para persuadir o artista, sugeriram que
a pintura lembraria ao mundo que Picasso era um filho da Espanha
e que ele, como todo patriota, abominava a rebelião dos membros
do exército espanhol, que tinha jogado o país em uma guerra civil,
ameaçando a sobrevivência da nascente nação democrática.

Figura 22 Guernica (1937), de Pablo Picasso.

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Figura 23 Guernica. Detalhe 1.

Figura 24 Detalhe 2 de Guernica.


© U2 - Investigando a Ideia de Arte 127

De fato, o que Picasso fez foi pensar sobre o assunto, sem,


no entanto, realizar nenhum esboço, até que as notícias do dia 27
de abril 1937 chegaram a seus ouvidos: a cidade de Guernica tinha
sido destruída por bombas nazistas sob as ordens de generais in-
surgentes, no horário em que várias pessoas faziam compras em
um mercado local. Os únicos alvos, na verdade, foram civis, casas,
escolas e igrejas. De acordo com Martin:
Picasso, como outras pessoas por toda a Europa e o resto do mun-
do, responderam às notícias com indignação imediata, e ele pelo
menos soube que não tinha nenhuma escolha a não ser ir à guer-
ra − criar o mural tanto para apoiar a República Espanhola quanto
para demonstrar oposição à onda fascista que estava engolindo sua
amada terra natal (2002, p. 3).

É por isso que na contracapa do livro de Martin podemos ler


a seguinte frase de Picasso: "O que você pensa que é um artista?
Um imbecil que apenas tem olhos, se ele for um pintor? Não, uma
pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento
de guerra".
Guernica não nos mostra o momento posterior ao bombar-
deio. Também não é uma obra que registra, de maneira idealizada,
o sofrimento das pessoas. No entanto, Picasso conseguiu captar a
essência do sofrimento.
É evidente que cada artista representará "o sofrimento" de
maneira diferente, mas cremos que nenhum conseguiu represen-
tar a sua essência. Dizemos isso por entendermos que há diferença
entre representar o sofrimento de um indivíduo qualquer e conse-
guir captar e representar a essência do sofrimento.
Olhando para a tela de Picasso na Figura 25 ─ mesmo que
por meio de uma reprodução digitalizada ─, não sabemos exata-
mente como as pessoas ficaram após o bombardeio, mas temos a
ideia exata do sofrimento da mãe que segura seu filho morto nos
braços.

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128 © Arte Educação e Cultura Digital

Figura 25 Detalhe 3 de Guernica.

Estamos diante do registro do sofrimento de uma pessoa e,


ao mesmo tempo, diante da essência do sofrimento. Enfim, como
postula Lanier (1987) Guernica apresenta elementos capazes de,
por si só, provocar uma resposta estética.
Para decifrarmos o significado de algumas obras, é possível
operar a partir da intenção do artista, partindo de seus vestígios
culturais. O risco que corremos tentando descobrir sua intenção é
realizar decodificação parcial, "realizada com emprego de códigos
incompletos, muitas vezes inteiramente arbitrários" (ECO, 1990, p.
105). Isso pode ocorrer mesmo que tenhamos informações sufi-
cientes sobre a vida do artista. Foi o que aconteceu com a análise
que Freud fez da A Virgem e o menino com Santa Ana, pintado por
Leonardo Da Vinci. Observe esse quadro na Figura 26.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 129

Figura 26 A Virgem e o Menino com Santa Figura 27 Detalhe de A Virgem e o Menino


Ana (1510), de Leonardo da Vinci. com Santa Ana (1510), de Leonardo da
Vinci.

Freud, partindo da informação de que Leonardo da Vinci es-


tava em seu berço quando um abutre o sobrevoou, colocando a
cauda em sua boca e agitando-a várias vezes em seus lábios, e que
supostamente Leonardo tenha sido afastado de sua mãe quando
tinha três anos, não é suficiente para supor que ele tenha feito
referência a sua mãe. Freud, ao analisar a Santa Ana, apostou na
semelhança fonética entre as palavras Mut e Mutter.
Conforme descreve Bazin:
Traduzindo por "abutre" o nibbio do texto original, Freud já cometia
um primeiro erro, pois se trata não desse pássaro, mas do milhafre
[...] E Freud, filólogo improvisado, impressionou-se com a seme-
lhança de Mutt com o alemão Mutter, palavra que designa a mãe.
Assim, caem por terra todas as especulações sobre o simbolismo
do abutre feitas por um Padre da Igreja que Leonardo supostamen-
te leu (1989, p. 266).

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130 © Arte Educação e Cultura Digital

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Por que, para muitas pessoas, Arte é sinônimo de Michelangelo ou de Leo-
nardo da Vinci?

2) É possível definir o que é e o que não é Arte?

3) O que é Alfabetismo Visual?

4) O que é estética da realidade?

5) Explique: o que é necessidade de aproximação da realidade para a experi-


ência estética?

11. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 A Santa Ceia (1495-1498), de Leonardo da Vinci. Disponível em: <http://cgfa.
acropolisinc.com/vinci/p-vinci17.htm>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 2 Juramento dos Horácios (1784), de Jacques-Louis David. Disponível em: <http://
www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 5 set. 2010.
Figura 3 Virgem entronada com os anjos (1290-1295), de Cimbaue. Disponível em:
<http://www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 5 set. 2010.
Figura 4 O chamado de São Mateus (1599-1600), de Caravaggio (adaptado pelo autor).
Disponível em: <http://www.abcgallery.com/C/caravaggio/caravaggio24.html>. Acesso
em: 5 mar. 2012.
Figura 5 Detalhe de o chamado de São Mateus (adaptado pelo autor). Disponível em:
<http://www.abcgallery.com/C/caravaggio/caravaggio24.html>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 6 A queda dos condenados (1620), de Rubens. Disponível em: <http://www.wga.
hu/frames-e.html?/html/r/rubens/index.html>. Acesso em: 1º set. 2010.
Figura 7 Detalhe de A queda dos condenados (adaptado pelo autor). Disponível em:
<http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/r/rubens/index.html>. Acesso em: 5 set.
2010.
Figura 8 A grande odalisca (1814), de Jean-Auguste Dominique Ingres. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ingre,_Grande_Odalisque.jpg>. Acesso em: 5
mar. 2012.
© U2 - Investigando a Ideia de Arte 131

Figura 9 A balsa da Medusa (1818-19), de Théodore Géricault. Disponível em: <http://


www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 1º set. 2010.
Figura 10 Doze girassóis (1889), de Vincent Van Gogh. Disponível em: <http://4.
bp.blogspot.com/_boFtnt5xifA/S5EPJrcikgI/AAAAAAAAAt0/w_PJ3zOR9kI/s320/
Girass%C3%B3is+de+Van+Gogh+2.>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 11 Vaso com quinze girassóis (1889), de Vincent Van Gogh. Disponível em: <http://
www.calerdoses.blogger.com.br/os%20_girassois_Vincent_Willem_van_Gogh_128.
jpg>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 12 Café noturno (1888), de Vincent Van Gogh. Disponível em: <http://www.
casthalia.com.br/a_mansao/obras/images/va07.jpg>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 13 O morcego (1952), de Germaine Richier. Disponível em: <http://www.tate.org.
uk/servlet/ViewWork?workid=26864&tabview=image>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 14 O último julgamento (1504). Hieronymus Bosch. Disponível em: <http://www.
ibiblio.org/wm/paint/auth/bosch/judge/judge-c.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.
Figura 17 O jogo lúgubre, de Salvador Dalí. Disponível em: <http://www.passeiweb.com/
saiba_mais/arte_cultura/galeria/open_art/1081>. Acesso em: 15 maio 2012.
Figura 18 Construção mole com feijões cozidos, de Salvador Dalí. Disponível em: <http://
www.filosofia.com.pt/iquest/freud_inc/dali/p1.html>. Acesso em: 15 maio 2012.
Figura 19 Criança búlgara comendo um rato (1939), Salvador Dali. Disponível em:
<http://www.ideiasbizarras.com.br/?p=1014>. Acesso em: 15 maio 2012.
Figura 20 Quadrado branco sobre um fundo branco (1918), de Kazimir Malevich.
Disponível em: <http://comunidade.sol.pt/blogs/ohmaggie/default.aspx?p=2>. Acesso
em: 15 maio 2012.
Figura 21 Comedores de batatas. Disponível em: <http://www.ibiblio.org/wm/paint/
auth/gogh/potato-eaters.jpg>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Figura 22 Guernica (1937), de Pablo Picasso. Disponível em: <http://caranddriverbrasil.
uol.com.br/carro-moto-testes/8/imagens/guernica_a.jpg>. Acesso em: 5 set. 2010.
Figura 23 Guernica. Detalhe 1. Disponível em: <http://caranddriverbrasil.uol.com.br/
carro-moto-testes/8/imagens/guernica_a.jpg>. Acesso em: 5 set. 2010.
Figura 24 Detalhe 2 de Guernica. Disponível em: <http://caranddriverbrasil.uol.com.br/
carro-moto-testes/8/imagens/guernica_a.jpg>. Acesso em: 5 set. 2010.
Figura 25 Detalhe 3 de Guernica. Disponível em: <http://caranddriverbrasil.uol.com.br/
carro-moto-testes/8/imagens/guernica_a.jpg>. Acesso em: 5 set. 2010.
Figura 26 A Virgem e o Menino com Santa Ana. Disponível em: <http://www.wga.hu/
support/viewer/z.html>. Acesso em: 1º set. 2010.
Figura 27 Detalhe de A Virgem e o Menino com Santa Ana (1510), de Leonardo da Vinci.
Disponível em: <http://www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 1º set. 2010.

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132 © Arte Educação e Cultura Digital

Site pesquisado
RELEITURAS. Autopsicografia. Disponível em: <http://www.releituras.com/fpessoa_
psicografia.asp>. Acesso em: 6 mar. 2012.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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PAREYSON, L. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São


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PARSONS, M. J. Compreender a Arte: uma abordagem à experiência estética do ponto
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TOLSTOY, L. N. What is Art? Tradução de Almyer Maude. Nova York: Bobbs-Merril
Company, INC., 1960.
VISCOT, D. A linguagem dos sentimentos. Tradução de Luiz Roberto S. S. Malta. São Paulo:
Summus, 1982.
EAD
Cultura Digital

3
1. OBJETIVOS
• Acompanhar a história e os pressupostos da Cultura Di-
gital.
• Compreender o desenvolvimento da internet.
• Entender as novas concepções artísticas oriundas da cul-
tura digital.

2. CONTEÚDOS
• Cultura digital: como tudo começou.
• Internet.
• Para todas as coisas, números.
• Do um ao zero.
• O zero e o um: revolução numérica.
• Ciberespaço.
136 © Arte Educação e Cultura Digital

• Definindo a cultura digital.


• Algoritmos.
• Leitor e literatura no meio digital.
• Para entender a Arte: novas concepções artísticas.
• Net art.
• Arte interativa.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para fixar os conteúdos desta unidade, recomendamos a
releitura dos textos deste material. Sugerimos, também,
que você realize apontamentos com o objetivo de com-
parar e aprofundar os pontos de destaque, utilizando-se
das fontes aqui listadas e indicadas como indispensáveis
para o estudo deste tema.
2) A fim de adquirir uma compreensão mais ampla sobre
a Arte e a Cultura Digital, indicamos os seguintes livros:
• DOMINGUES, D. (Org.). A arte no século XXI. São Pau-
lo: Fundação Editora da Unesp, 1997.
• MACHADO, A. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2007.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Com o advento das tecnologias digitais, há uma experiência
comum a todos, cuja raiz está na digitalização da sociedade e nos
modos de intercâmbio. Já não estamos, como antigamente, limita-
dos a uma só cultura, do mesmo modo que nossas pesquisas não
se resumem ao livro impresso, escrito em português. O volume
de informação que foi produzido nos últimos 30 anos ultrapassou
toda a informação acumulada durante os cinco mil anos preceden-
© U3 - Cultura Digital 137

tes. Mas, como as distâncias foram encurtadas, a troca de informa-


ções tornou-se quase instantânea. O que temos agora são espaços
emergentes, abertos, contínuos, em fluxos não lineares, reorgani-
zando-se de acordo com os objetivos ou contextos nos quais cada
um ocupa uma posição singular e evolutiva (LÉVY, 1999).
A cultura que deriva desse processo de digitalização passou
a mediar os principais temas deste século. Logo, é inevitável que
a digitalização progressiva de todo tipo de informação tenha in-
fluenciado nossas condições de vida, uma vez que muitos paradig-
mas sofreram, de um modo ou de outro, impacto significativo das
novas descobertas tecnológicas. Tais descobertas forçaram-nos a
reavaliar várias relações humanas.
Como bem observou McLuhan (1977), qualquer nova tecno-
logia de transporte ou comunicação tende a criar seu respectivo
meio ambiente humano. Com isso, entre o moderno ambiente de
informação elétrica e a sala de aula, já havia uma diferença brutal,
pois a criança da televisão estava sintonizada com notícias adultas:
inflação, desordens de rua, guerra, impostos, crime, beldades de
biquíni; e ficava desnorteada quando penetrava no ambiente do
século 19, que ainda caracterizava o organismo educacional com
informações escassas, "mas ordenada e estruturada em padrões,
assuntos e programas fragmentados e classificados" (MCLUHAN;
FIORE, s.d., p. 46).
O mote para o desenvolvimento dessas ideias foi a mudança
de uma tecnologia mecânica para uma tecnologia de circuitos elé-
tricos. O ambiente e o modo de pensar de um jovem que cresceu
diante da tela de um televisor são muito diferentes do ambiente e
do modo de pensar de um jovem que vive a difusão da informação
por meios digitais.
Enquanto em um ambiente televisivo mulheres desfilam de
biquíni, no digital elas podem ser vistas completamente nuas. Há
uma enorme quantidade desse tipo imagem, basta navegar por
determinados sites na internet.

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138 © Arte Educação e Cultura Digital

Como bem observou McLuhan (1979, p. 22), "a 'mensagem'


de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência
ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas huma-
nas".
Com o surgimento dos computadores em 1946, o início da
fabricação dos computadores pessoais, os PCs, em 1981, e a po-
pularização do CD-ROM e da internet na década de 1990, surgiu
uma nova cultura, a digital, que certamente introduziu novíssimas
mensagens às questões humanas.
Não devemos nos esquecer de que uma parcela significativa
da população há muito vivencia efetivamente essa nova realidade
e, como consequência, uma nova cultura. Os signos que circulam
nessa nova cultura, bem como:
[...] os tipos de mensagens que engendram e os tipos de comunica-
ção que possibilitam são capazes não só de moldar o pensamento
e a sensibilidade dos seres humanos, mas também de propiciar o
surgimento de novas culturas (SANTAELLA, 2003, p. 13).

Talvez isso seja possível, pois afirmarmos que os meios digi-


tais criaram, ou mesmo impuseram um ambiente e um indivíduo
específicos para a cultura que surgiu com tais meios.
Quando ouvimos falar em revolução digital, pensamos ime-
diatamente em informática e em um universo paralelo, cuja matriz
é a internet. No entanto, essa revolução depende muito mais da
comunicação que se institui entre as conexões em rede do que
propriamente do papel desempenhado pela informática e pelos
computadores.
As duas forças principais da informática – a capacidade de
armazenamento e o processamento de informação – acabam se
multiplicando imensamente, à medida que as máquinas podem se
beneficiar umas das outras.
Os objetos desse universo consistem de uma realidade mul-
tidirecional incorporada a uma rede global, ou seja, estão susten-
tados por computadores que funcionam como meios de geração e
© U3 - Cultura Digital 139

acesso. Nessa realidade, cada computador passou a ser uma janela,


e os objetos vistos e ouvidos (que não são físicos nem representa-
ções de objetos físicos) são constituídos de tráfegos de informação
produzidos por empreendimentos humanos em todas as áreas.
Por esse universo paralelo navega determinado leitor cujas
habilidades perceptivas, sensório-motoras e cognitivas são mui-
to distintas de outros leitores. Podemos muito bem chamá-lo de
"navegador-leitor", uma vez que ele desenvolveu, como aponta
Santaella, determinadas disposições e competências que o habi-
litaram a receber e a dar respostas à densa floresta de signos em
que o crescimento das mídias vem convertendo o mundo.
Santaella denomina esse tipo de leitor de "imersivo": aquele
que é capaz de navegar por fluxos informacionais voláteis, líqui-
dos e híbridos, próprios da hipermídia. Esse leitor imersivo, dota-
do de determinadas competências mediáticas específicas, vivencia
constantemente uma fusão híbrida com as tecnologias, com suas
interfaces biológica e maquínica na sua constituição híbrida de or-
ganismo cibernético, orgânico e protético.
Com já observamos, à primeira vista, a palavra "digital" pode
nos remeter, imediatamente, a computadores, pois são eles que,
por excelência, manipulam e armazenam a informação na forma
digital. Não obstante, em sentido amplo, "digital" define um con-
junto de fenômenos muito mais complexo do que o simples arma-
zenamento de informações. Na verdade, "digital" deve ser pensa-
do como algo capaz de demarcar nosso modo contemporâneo de
vida do modo de vida dos outros, ou seja, "digital" representa uma
clara ruptura com tudo o que o precedeu. Mas você já se pergun-
tou de que maneira essa verdadeira revolução começou?

5. COMO TUDO COMEÇOU


Para entendermos como a cultura que chamamos de digital
se instalou, é necessário voltarmos ao final da década de 30 do

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140 © Arte Educação e Cultura Digital

século 20, quando Alain Turing publicou o artigo On Computable


Numbers with Application to the Entscheidungsproblem. De acor-
do com Gere (2002), o objetivo desse artigo foi responder a uma
das proposições feitas pelo matemático alemão David Hilbert. Re-
sumidamente, Hilbert acreditava na possibilidade de que todas as
matemáticas pudessem ser reunidas em uma estrutura axiomáti-
ca. Ele defendeu a ideia de que um sistema, para ser satisfatório,
deveria ser, também, consistente. Assim, seria impossível derivar
de uma sentença sua negação, pois toda sentença corretamente
escrita deveria ser de tal forma que tanto a sentença quanto a ne-
gação pudessem derivar de um axioma. Enfim, qualquer afirmação
ou negação deveria ser provada por meio de um algoritmo .
Entretanto, o matemático alemão Kurt Gödel, em 1931, de-
monstrou que não havia nenhum sistema desse tipo proposto por
Hilbert, cujos números inteiros pudessem ser definidos e que fos-
sem consistentes e completos ao mesmo tempo. Tal descoberta
ficou conhecida como Teorema da Incompletude de Gödel. O im-
pacto desse teorema foi tão grande que ultrapassou os limites da
matemática.
Com o intuito de implementar as questões levantadas por
Gödel, Alan Turing imaginou uma máquina inteiramente conceitu-
al, tomando como modelo a velha máquina de escrever, uma vez
que, com ela, era possível escrever tanto em caixa alta como em
caixa baixa.
Pela descrição feita por Gere (2002), embora a máquina de
Turing fosse muito próxima de uma máquina de escrever conven-
cional, ela, no entanto, seria capaz de realizar ações variadas, e,
dependendo da configuração, quase todos os problemas da mate-
mática poderiam ser resolvidos.
O que permitiria configurar uma máquina conceitual em es-
tados diferentes e capaz de resolver quase todos os problemas da
matemática seria o posicionamento binário.
© U3 - Cultura Digital 141

Embora Turing tivesse pouco interesse nas implicações so-


ciais e culturais que sua descoberta poderia proporcionar, ele, in-
diretamente, abriu caminho para o primeiro computador binário
digital e, por conseguinte, para o desenvolvimento de toda a cul-
tura que viria em sua esteira: a Cultura Digital.
Devemos nos lembrar de que a disputa matemática sobre
a possibilidade de que todas as matemáticas pudessem assumir
uma estrutura axiomática ocorreu no momento em que a guerra
se tornara uma realidade irreversível. E, como sabemos, as guer-
ras, de um modo geral, mobilizam muitas áreas.
Uma das áreas mobilizadas foi exatamente a área da tecno-
logia, cujos esforços iniciais voltaram-se, pelo menos em parte, ao
desenvolvimento da balística e da comunicação e ao desenvolvi-
mento de armas de destruição em massa.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o que levou à implemen-
tação de cálculos digitais foi a necessidade de gerar tabelas des-
crevendo com precisão os ângulos que os disparos deveriam ser
feitos (antes da guerra, esses cálculos eram feitos manualmente).
Foram tantos os esforços de guerra para precisar os cálculos
balísticos, que foram utilizados para esse fim o Harvard Mark I, o
Analisador Diferencial, como você pode ver na Figura 1, e a Calcu-
ladora Tecnológica para Números Complexos.

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142 © Arte Educação e Cultura Digital

Figura 1 Harvard Mark I.

Como podemos observar na Figura 1, pelo tamanho, o Har-


vard Mark I foi um dos primeiros computadores eletrônicos da his-
tória da computação.
Máquinas similares também foram usadas em um projeto
chamado Projeto Manhattan, que envolveu a construção da bom-
ba atômica. Em 1943, os equipamentos utilizados para cálculos ba-
lísticos já não eram suficientes.
Entraria em cena, então, aquele que passaria a ser o pri-
meiro computador moderno da história: o Eniac, abreviação para
Eletronic Numerical Integrator and Computer. Ele foi o primeiro
computador digital passível de ser reprogramado para resolver
problemas que envolvessem cálculos, como você pode ver nas Fi-
guras 2 e 3.
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Figura 2 Eniac.

Figura 3 Eniac.

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144 © Arte Educação e Cultura Digital

Ao que tudo indica, a era da chamada Cultura Digital inicia-se


com o desenvolvimento simultâneo do Manchester Mk1, o primei-
ro computador com capacidade de armazenar dados de maneira
inteiramente eletrônica, e do Eniac, o primeiro computador digital
programável para resolver problemas que envolvessem cálculos.
Eles foram considerados os primeiros computadores, no
sentido moderno do termo, por apresentarem as seguintes carac-
terísticas: digital, binário e com capacidade de armazenamento e
de ser reconfigurado para realizar tarefas diferentes. Mas há dois
fatores que foram ainda mais marcantes para o desenvolvimento
da chamada Cultura Digital.
Por um lado, tivemos a guerra e sua crescente demanda por
cálculos cada vez mais complexos e em uma velocidade cada vez
mais rápida. E, por outro, a personificação do capitalismo moder-
no, que realmente impulsionaria o desenvolvimento da cultura di-
gital.
A Segunda Guerra Mundial não só impulsionaria o desen-
volvimento do computador binário digital como também elevaria
número de discursos e ideias que, juntos, consolidariam a cultura
digital, tais como: Cibernética, Teoria da Informação, Teoria Geral
de Sistemas, Biologia Molecular, Estruturalismo e Inteligência Ar-
tificial.
A emergência desses discursos não determinou nem foi de-
terminada pela invenção do computador em si, mas todas elas
fizeram parte do mesmo ambiente intelectual que reinava nesse
período. logo, essas ideias foram tão importantes quanto o próprio
computador no desenvolvimento da cultura digital.
Como aponta Gere, embora muitas dessas ideias possam
aparentemente estar fora de moda hoje em dia, sua influência ain-
da pode ser percebida na cultura contemporânea. Basta prestar
atenção às palavras que foram incorporadas ao nosso vocabulário,
tais como: Sociedade da Informação e Tecnologia da Informação, e
ao uso do prefixo ciber, como, por exemplo, em Cibercultura ou Ci-
© U3 - Cultura Digital 145

berfeminismo. "Tal uso demonstra quão profundamente as idéias


da era cibernética pós-guerra fazem parte de nossa atual cultura
digital" (GERE, 2002, p. 48).

A internet
Frank Rose afirma que a "computadorização" (computeri-
zation) da sociedade é o efeito colateral da "computadorização"
da guerra. Mas por que tal afirmação? Bem, conforme demonstra
Rabinovitz e Geil, a internet, como a conhecemos hoje em dia, foi
uma bem-sucedida estratégia de defesa do exército norte-ameri-
cano diante de eventuais ameaças durante a Guerra Fria. Vejamos
o que aconteceu.
Em 1950, o Departamento de Defesa Americano viu-se dian-
te de um dilema crucial: como manter uma rede de comunicação
em um possível ataque nuclear, uma vez que qualquer central de
comando tornar-se-ia um eminente alvo inimigo? O Departamento
de Defesa, então, buscou meios de criar uma rede de comunicação
que fosse, ao mesmo tempo, descentralizada e resistente a ata-
ques, garantindo, dessa maneira, a continuidade das operações,
mesmo se algum nó fosse destruído (RABINOVITZ; GEIL, 2004).
Todos os nós da rede teriam os mesmos status. Seriam capa-
zes de gerar, passar e receber mensagens. Essas mensagens seriam
divididas em pacotes, cada um com o endereço separado. Cada
um dos pacotes iria encerrar seu caminho em uma base individual.
O percurso dos pacotes seria o que menos importante, pois, de
uma maneira ou de outra, atingiria seu destino. Caso acontecesse
de grandes partes da rede serem destruídas, mesmo assim, os pa-
cotes de mensagens continuariam no ar.
Em 1968, o National Physical Laboratory (Laboratório Nacio-
nal de Física), na Grã-Bretanha, foi o primeiro laboratório a realizar
testes levando em consideração o envio de mensagens descentra-
lizadas. Logo em seguida, o Advanced Research Projects Agency
(Agência de Pesquisas em Projetos Avançados), do Pentágono, de-
cidiu investir em um projeto muito mais ambicioso.

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146 © Arte Educação e Cultura Digital

Cada ponto da comunicação passaria a ser um supercompu-


tador altamente veloz. No outono de 1969, o primeiro ponto de
comunicação foi instalado na UCLA. Em dezembro de 1969, houve
uma ampliação da rede, que foi nomeada de Arpanet. Eram qua-
tro computadores que poderiam transferir dados em alta veloci-
dade – poderiam, até, ser programados a partir de outros pontos
remotos. Em 1975, já havia 15 nós, a grande maioria em centros
universitários de pesquisa.
Como a intenção era ampliar a conexão da Arpanet com ou-
tras redes de computadores, surge um novo conceito: rede das re-
des. Após várias alterações e criações, em 1983, o Departamento
de Defesa resolve criar uma rede independente para usos militares
bem específicos. Surge, então, a ARPA-Internet, dedicada à pesqui-
sa.
A National Science Foudation (NSF) montou, em 1984, sua
própria rede de comunicação entre computadores, a NSFNET. Em
1988, começa, então, a usar a ARPA-Internet como infraestrutura
física da rede.
Em 1990, com a Arpanet já tecnologicamente obsoleta, o
governo libera a internet de seu ambiente militar, confiando sua
administração à National Science Foundation. Conforme observa
Castells, o caminho para a privatização da internet foi inevitável,
acontecendo de maneira natural, pois a tecnologia de redes de
computadores já era de domínio público, e as telecomunicações
eram plenamente desreguladas. Ainda de acordo com o autor:
Na altura da década de 1990, a maioria dos computadores nos EUA
tinha capacidade de entrar em rede, o que lançou os alicerces para
a difusão da interconexão de redes. Em 1995 a NSFNET foi extinta,
abrindo caminho para a operação privada da Internet (CASTELLS,
2003, p. 15).

A evolução para Arpanet não foi a única responsável pelo


desenvolvimento da internet como conhecemos hoje em dia. Em
1977, Ward Christensen e Randy Suess, então dois estudantes, de-
senvolveram um programa que permitia a transmissão de arquivos
© U3 - Cultura Digital 147

entre seus computadores. Esse programa foi batizado de Modem


(modulador e demodulador), instrumento que permite a conver-
são de dados – passar do analógico para o digital –, permitindo
que haja comunicação entre computadores em alta velocidade por
meio de uma linha telefônica.
Aproveitando todas as descobertas e aperfeiçoamentos
realizados, Berners-Lee desenvolve um programa chamado En-
quire. Foi Berners-Lee quem definiu e implementou "o software
que permitia obter e acrescentar informações de e para qualquer
computador conectado à internet: HTTP, MTML, E URI (mais tarde
chamada de URL)" (CASTELLS, 2003, p. 18). Em dezembro de 1990,
Berners-Lee criou um sistema de hipertextos que ficaria conhecido
com World Wide Web (www).

Para todas as coisas, números


Para Bornheim, Nietzsche resumira – aliás, com bastante
precisão – a contribuição dos gregos para o desenvolvimento da
cultura ocidental com as seguintes palavras: "Outros povos nos de-
ram santos, os gregos nos deram sábios" (NIETZSCHE apud BOR-
NHEIM, 1993, p. 9).
A característica principal do gênio grego é, antes de tudo, o
racionalismo, o intelectualismo, ou seja, trata-se de uma consci-
ência elevada ao valor supremo do conhecimento racional para
dominar a realidade, construir a Filosofia e orientar a vida.
O primeiro período do pensamento grego recebe o nome de
pré-socrático – ou naturalista –, cujo interesse filosófico está cen-
trado no mundo exterior, material. Esse primeiro período inicia-se
no século 6º a.C. e termina dois séculos depois, mais ou menos nos
fins do século 5º. É um período que surge e floresce fora da Grécia,
nas prósperas colônia gregas da Ásia Menor, do Egeu (Jônia) e da
Itália meridional, da Sicília, e que é favorecido, sem dúvida, na sua
obra crítica e especulativa, pelas liberdades democráticas e pelo
bem-estar econômico (PADOVANI, 1954).

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148 © Arte Educação e Cultura Digital

É do período naturalista que temos, entre outros, Tales de


Mileto, que acreditava ser a água a substância de todas as coisas; é
do período naturalista, também, Anaxímenes de Mileto, que pen-
sava ser o ar (ilimitado e em movimento constante) o princípio de
todas as coisas; Heráclito de Éfeso, que sustentava que todas as
coisas estão em movimento; e Pitágoras de Samos, que defendia a
ideia de que o número é o primeiro princípio, ou seja, tudo é nú-
mero. É justamente por esse pensamento que vamos nos ater aos
achados de Pitágoras.
Todos os autores que discorrem sobre Pitágoras são unâni-
mes em afirmar que sua vida está envolta em mito e lenda, pois é
muito difícil separar o fato da ficção. Foi graças a Pitágoras, no en-
tanto, que os números deixaram de ser vistos como coisas que ser-
viriam apenas para contar e calcular e passaram a ser apreciados
exclusivamente por suas próprias características. "Ele percebeu
que os números existem independentemente do mundo palpável
e, portanto, seu estudo não é prejudicado pelas incertezas da per-
cepção" (SINGH, 1998, p. 28).
Na realidade, Pitágoras adquiriu seus conhecimentos mate-
máticos em suas viagens pelo mundo antigo, aprendendo muitas
técnicas com os egípcios e babilônios, uma vez que esses povos ul-
trapassaram a mera contagem – foram capazes de cálculos comple-
xos que permitiram a criação de sistemas de contabilidade sofisti-
cados, além de elaboradas construções. Não obstante, aquilo que
motivou tais descobertas foi uma necessidade prática de refazer a
demarcação dos campos, que se perdiam durante as cheias do Nilo.
Após 20 anos de viagem, Pitágoras acaba por assimilar todo
o conhecimento matemático do mundo conhecido. Resolve, pois,
retornar à ilha de Samos, no mar Egeu. Ao chegar, Pitágoras es-
perava encontrar estudantes de mente aberta para ajudá-lo no
desenvolvimento de novas filosofias. Entretanto, o que achou foi
uma sociedade transformada em intolerante e conservadora pelas
mãos do tirano Polícrates.
© U3 - Cultura Digital 149

Ele chegou a convidar Pitágoras para fazer parte de sua corte,


mas o filósofo, percebendo que o objeto da oferta era meramente
silenciá-lo, recusou a "honra". Depois disso, ele deixou a cidade
e foi morar em uma caverna, em uma parte remota da ilha, onde
poderia continuar seus estudos sem medo de ser perseguido.
A famosa Irmandade Pitagórica – um grupo formado por
600 seguidores capazes de, entre outras coisas, entender os en-
sinamentos do mestre, além de contribuir criando novas ideias e
demonstrações – foi fundada em uma parte da casa de Milo. Ao
entrar para a irmandade, o novo membro deveria doar tudo o que
tinha para um fundo comum. Caso alguém quisesse partir, recebe-
ria em dobro o que havia doado, além de ter uma lápide erguida
em sua memória.
Foi Pitágoras quem criou a palavra "filósofo". Para ele, acon-
tece o seguinte com a vida:
[...] Na imensa multidão aqui reunida alguns vieram à procura de
lucros, outros foram trazidos pelas esperanças e ambições da fama
e da glória. Mas entre eles existem uns poucos que vieram para
observar e entender tudo o que se passa aqui.
Com a vida acontece a mesma coisa. Alguns são influenciados pela
busca de riqueza, enquanto outros são dominados pela febre de
poder e da dominação. Mas os melhores entre os homens se de-
dicam à descoberta do significado e do propósito da vida. Eles ten-
tam descobrir os segredos da natureza. Este tipo de homem eu cha-
mo de filósofo, pois embora nenhum homem seja completamente
sábio, em todos os assuntos, ele pode amar a sabedoria como a
chave para os segredos da natureza (SINGH, 1998, p. 31).

Os historiadores da Filosofia afirmam que é muito difícil dis-


tinguir os aspectos originais da doutrina, atribuída ao próprio Pi-
tágoras, dos aspectos que foram atribuídos a seus discípulos; mas,
de acordo com Bornheim (1993), há três pontos que são comuns:
• o número é o primeiro princípio; o número e suas rela-
ções são os elementos de todas as coisas; o estudo do nú-
mero reflete-se, também, no comportamento humano;

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150 © Arte Educação e Cultura Digital

• a forma dualista da teoria dos opostos, de tão largas con-


sequências para todo o pensamento pré-socrático, tam-
bém pode ser atribuída a Pitágoras;
• a descoberta de verdades de ordem matemática, sobre-
tudo o famoso teorema que lhe é atribuído.
Logo, os pitagóricos, por terem se dedicado profundamen-
te às matemáticas, atingindo, pois, grandes progressos, acabaram
chegando à conclusão de que o princípio matemático é, na verda-
de, o princípio de todas as coisas.
Pelo fato de os números serem os primeiros entre todos os
princípios matemáticos, é natural que os pitagóricos tenham iden-
tificado propriedades numéricas na justiça, na alma e no espírito,
assim como em harmonias musicais, por exemplo. Diante dessas
relações:
[...] supuseram que os elementos dos números são os elementos
de todas as coisas e que todo o universo é harmonia e número. E
recolheram e ordenaram todas as concordâncias que encontravam
nos números e harmonias com as manifestações e partes do uni-
verso, assim como com a ordem total (BORNHEIM, 1993, p. 50).

Portanto, Pitágoras, além de estudar as relações entre os nú-


meros, também foi fascinado pelas ligações existentes entre eles
e a natureza, uma vez que os fenômenos naturais são governados
por leis, e estas podem ser descritas por meio de equações mate-
máticas. Logo, é correto concluir – conforme Pitágoras – que os
números estão ocultos em tudo, inclusive nas órbitas dos plane-
tas. Desde a divulgação dessas descobertas, os cientistas vêm ten-
tando identificar regras matemáticas que parecem governar cada
processo físico.

Do um ao zero
O número "um" está ligado a um tempo em que ainda não
se sabia contar, mas isso não significa que os números não fizes-
sem parte do cotidiano das pessoas. Essa noção estava limitada
àquilo que os sentidos eram capazes de perceber com uma rápida
© U3 - Cultura Digital 151

olhada. Tratava-se, na verdade, de um conceito que exprimia uma


realidade concreta e inseparável dos objetos, que se manifestava
somente com a percepção direta de sua pluralidade física (IFRAH,
1985).
Devido a essa peculiaridade, os primeiros conceitos numéri-
cos inteligíveis do ser humano são o um e o dois. Para Ifrah (1998),
o número "um" esteve associado ao homem ativo, à obra da cria-
ção; é, também, o símbolo do homem em pé, o único ser vivo do-
tado dessa capacidade, bem como do falo ereto que distingue o
homem da mulher. Já o número "dois" corresponde à evidente
dualidade entre o feminino e o masculino, à simetria aparente do
corpo humano. É, também, o símbolo da oposição, da complemen-
taridade, da divisão, da rivalidade, do conflito ou do antagonismo.
O zero pode assumir dois papéis bem diferentes: o zero como
um número e o zero como um numeral. Como um número, ele in-
dica uma quantidade; por exemplo: se, em determinada estante
há zero livros, isso quer dizer que não há nada em suas prateleiras.
Portanto, o zero (número) indica uma quantidade nula, um nada.
Já como um numeral, o zero é utilizado em sistemas numéricos
que indicam um valor ao dígito que o precede ou que o sucede.
Se acompanharmos a história da humanidade e a história
dos números, verificaremos que o desenvolvimento das duas está
intimamente ligado a necessidades e a preocupações das culturas
e dos grupos sociais mais diversos, uma vez que foi procurando
contar os dias, concretizar trocas e transações, enumerar esposas,
mortos, bens, rebanhos, soldados, entre outros, que o homem se
viu diante da emergência de uma série de avaliações numéricas.
Como postula Ifrah (1998), além do domínio do fogo, do de-
senvolvimento da agricultura ou do progresso do urbanismo e da
tecnologia, dois acontecimentos foram extremamente revolucio-
nários: a invenção da escrita e a invenção do zero e dos algarismos
arábicos, modificando completamente a existência do ser huma-
no. A história da descoberta dos algarismos começou há mais ou

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152 © Arte Educação e Cultura Digital

menos cinco mil anos em certas sociedades avançadas, em pleno


processo de expansão, para fixar operações econômicas excessi-
vamente numerosas e variadas para serem confiadas, exclusiva-
mente, à memória humana. Mas alguns sistemas mostraram-se
impraticáveis.

O zero e o um: revolução numérica


Mesmo sem nos darmos conta, falar sobre digital indireta-
mente é falar também sobre sequências numéricas, uma sequên-
cia de 0 e 1. A princípio, quer seja um filme, quer seja uma foto
tirada com uma câmera digital, quer seja uma música que ouvimos
em um MP3, a partir do momento em que foram digitalizados, aca-
bam-se as diferenças entre eles: tudo passa a ser uma sequência
de zeros e uns armazenados na memória de um computador. Os
números codificados em binários podem ser objetos de cálculos
aritméticos e lógicos executados por circuitos eletrônicos especia-
lizados. Umas das vantagens de lidar com informações codificadas,
como os números, que podem ser manipulados com muita faci-
lidade, é que computadores podem calcular muito rapidamente
(LÉVY, 1999).
Um objeto digital, portanto, é diferente de qualquer objeto
ou fenômeno físico, porque perde a única característica capaz de
distingui-lo de uma pintura, de um desenho, de um livro, de sons
etc. Enfim, diferentemente dos objetos físicos, os objetos digitais
são basicamente os mesmos, não importando sua aparência, uma
vez que eles são interpretados por uma máquina.
Assim, aquilo que "havia sido feito no rádio e na televisão,
traduzindo o som e a imagem em ondas eletromagnéticas, o com-
putador o faria doravante traduzindo as mensagens em símbolos
matemáticos" (COUCHOT, 2003, p. 33).
O curioso é que o fenômeno da digitalização se estende à In-
teligência Artificial (AI – Artificial Inteligence), na qual o numérico
também está presente, pois, por meio de números e de máquinas
© U3 - Cultura Digital 153

eletrônicas, é possível copiar a atividade mental humana – talvez


até superá-la. Outra área que teria impacto relevante seria a psi-
cologia, porque, ao imitar o comportamento de um cérebro huma-
no por meio de ferramentas eletrônicas, aprenderíamos como ele
funciona. Com isso, a atividade mental passaria a ser vista também
como uma sequência de operações algorítmicas muito bem defini-
da (PENROSE, 1990).
Mas, como muito bem observa Monet, o ser humano, pelo
menos por enquanto, ainda não compreende o binário, pois uma
sequência de 0 e 1 não significa absolutamente nada para ele. Na
verdade, todos os equipamentos digitais têm de fornecer a infor-
mação sob uma forma analógica. Diante disso, ele dá o seguinte
exemplo:
Quando telefonamos, a nossa voz provém das vibrações de cordas
vocais. Sendo sua forma analógica (mais ou menos forte, mais ou
menos aguda etc.) será digitalizada pelo telefone ou pela central
telefônica. Sob o estado de 0 e 1, navega então pelo fio que nos liga
ao nosso correspondente. Mas como o ouvido humano não pode
decodificar esta linguagem binária (ou antes, estes impulsos elétri-
cos que descrevem a nossa voz em formato binário), é necessário
que a nossa mensagem seja restituída sob a única forma que o apa-
relho auditivo humano reconhece: a forma analógica. À chegada, o
auscultador emitirá vibrações que afetarão mais ou menos o tímpa-
no, recriando desse modo sons familiares. A nossa mensagem pas-
sa então por uma seqüência: analógica (a nossa voz), digital (perce-
bido e tratado pela rede telefônica), analógica (compreendido pelo
ouvido humano) (MONET, 1995, p. 15).

Uma peculiaridade do objeto digital é a possibilidade de re-


produção infinita, sem jamais perder suas qualidades: uma cópia
não é somente equivalente em conteúdo, mas é idêntica à sua
origem. Desse modo, o conceito de original desaparece, porque
todas as versões serão originais, ou melhor, serão cópias idênticas.

O ciberespaço
A observação mais fascinante sobre o surgimento do cibe-
respaço é a que nos apresenta Werthein. Ela aponta semelhanças
entre o surgimento do universo – uma grande explosão (Big Bang)

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154 © Arte Educação e Cultura Digital

– e o ciberespaço. Não que o ciberespaço também tenha surgido


de uma explosão, mas, devido ao fato de que, assim como o uni-
verso, o ciberespaço surgiu do nada.
De acordo com a autora, somos testemunhas oculares do
nascimento de algo que, simplesmente, não existia antes:
O "espaço" interconectado da rede global de computadores não
está se expandindo em nenhum domínio previamente existente;
temos aqui uma versão digital da expansão cósmica de Hubble, um
processo de criação de espaço (WERTHEIN, 2001, p. 163).

As semelhanças não param por aí. Assim como o universo,


que está em constante processo de expansão, o ciberespaço tam-
bém está atravessando seu próprio período inflacionário sem limi-
tes, uma vez que os computadores hospedeiros ultrapassaram os
37 milhões, e o número aumenta a cada dia. Isso significa a criação
de novos nós a todo o momento.
Logo, quanto maior o número de nós, maior a possibilidade
de extensões cada vez mais amplas. Em 1998 (período em que o
livro de Werthein foi escrito), a World Wide Web tinha mais de
300 milhões de páginas. Trata-se de um volume tão grande que,
conforme a autora, o Yahoo e a Alta Vista tinham registrado em
suas bibliotecas apenas 10% do total. "O crescimento inflacionário
na Web é agora tão extremado que especialistas temem jamais
serem capazes de acompanhá-lo em sua totalidade" (WERTHEIN,
2001, p. 165).
As duas forças principais da informática – a capacidade de
armazenamento e o processamento de informação – acabam se
multiplicando, imensamente, na medida em que as máquinas po-
dem se beneficiar umas das outras. Em função disso, passamos a
lidar, cada vez com mais frequência, com um universo paralelo,
cuja matriz é a internet. Uma das características mais marcantes
do ciberespaço é que o território passa a não mais existir, dando
lugar a uma rede informacional sem história ou lugar.
De acordo com Musso (2006, p. 197):
© U3 - Cultura Digital 155

A instauração do ciberespaço como espaço ilimitado das redes per-


mite circular, sem restrição, no espaço puro, etéreo, "virtual", das
redes informacionais. Através de um excelente exorcismo, tudo pa-
rece possível nesse espaço ideacional (ideal), uma vez que esque-
cemos o território. Mas o corpo também está fora, pois apenas o
cérebro é solicitado na aventura ciberespacial.

Conforme observa Santaella (2003), quanto mais os univer-


sos sensorial e cognitivo foram se estendendo e se amplificando
em tecnologias de produção de signos, mais o cérebro se extrasso-
matizou. O resultado foi o crescimento da complexidade do real,
que se adensa e se alarga. Uma dessas ampliações diz respeito às
máquinas, que aumentam a capacidade do cérebro e também aca-
bam aumentando a própria realidade do ciberespaço.
Os objetos desse universo consistem de uma realidade mul-
tidirecional incorporada a uma rede global, ou seja, estão susten-
tados por computadores que funcionam como meios de geração
e acesso.
Cada computador passou a ser uma janela, e os objetos vis-
tos e ouvidos (que não são físicos nem representações de objetos
físicos) são constituídos de tráfegos de informação produzidos por
empreendimentos humanos em todas as áreas. Esse fenômeno só
é possível porque canais de comunicação e arquivos mantêm co-
nectados humanos e máquinas, formando uma rede universal que
conecta todos os indivíduos em escala planetária.
No ciberespaço, habitam indivíduos com identidades instá-
veis, "como um processo contínuo de formação de múltiplas iden-
tidades" (SANTAELLA, 2004, p. 51). Isso é possível porque se trata
de um espaço informacional, com arquiteturas líquidas e sem fron-
teiras definidas, que pode ser comparado a um espaço arquitetô-
nico, porque se nutre das mesmas fontes conceituais e metodoló-
gicas. Entretanto, o que diferencia uma arquitetura digital de uma
arquitetura convencional é a influência de arquitetos informáticos,
dos eletricistas, dos microtécnicos e dos especialistas aeroespa-
ciais.

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Desde a Teoria da Relatividade que o tempo e o espaço dei-


xaram de ser elementos distantes, sem relação entre si. O sujeito
não está mais localizado em um tempo e em um espaço estáveis,
em um ponto de vista fixo a partir do qual calcula racionalmen-
te suas opções. Ao contrário, ele está multiplicado em bancos de
dados, disperso entre mensagens eletrônicas, muitas vezes, des-
contextualizadas, e reidentificado em comerciais de TV, bem como
dissolvido e remasterizado continuamente em algum ponto na in-
cessante transmissão e recepção eletrônica de símbolos.
Nesse mundo, o conceito de ser humano acaba sofrendo al-
terações, pois, nele, o homem está liberto de sua condição animal.
Podemos afirmar que o ciberespaço é uma área na qual canais de
comunicação e arquivos mantêm conectados humanos e máquinas.
O ponto fundamental do ciberespaço é que ele é uma cone-
xão de computadores espalhados pelo planeta e um dispositivo de
comunicação coletivo e interativo. É uma forma de utilizar as infra-
estruturas existentes e de explorar seus recursos por meio de uma
inventividade distribuída e incessante que é, indissociavelmente,
social e técnica.
Em um passado não muito distante, apenas os membros das
universidades poderiam navegar pelo ciberespaço. Agora, no en-
tanto, basta o indivíduo ter acesso a um computador, a um mo-
dem, a uma linha telefônica e a um provedor. Mas, como sabemos,
ainda há uma significativa parcela da sociedade que continua ex-
cluída.
Se levarmos em consideração que apenas 10% da população
mundial tem acesso a telefone e que, para muitas pessoas, ter um
telefone em casa ainda é artigo de luxo, é contraditório que uma
grande quantidade de dinheiro seja sistematicamente investida em
programas de comunicação global. Como bem observa Mackenzie
(2006), duas realidades parecem colidir: a realidade do planeta e
seus habitantes e a realidade do mundo virtual, com sua infraestru-
tura comunicacional habitada por consumidores/usuários. Denun-
© U3 - Cultura Digital 157

ciar que uma cultura dominada pela mídia televisiva é tão poderosa
que a realidade midiática passa a ser mais real que a experiência
atual, que uma parte expressiva da população mundial é totalmente
invisível, aparecendo só em momentos de catástrofe natural, guerra
ou revolução e que a grande maioria das pessoas não possui tele-
fone, não tem poder de compra e que, portanto, não alcançará o
status de usuário/consumidor não é uma visão apocalíptica e, muito
menos, uma visão tecnofóbica (MACKENZIE, 2006). Trata-se, "ape-
nas", de uma constatação.

6. DEFININDO A CULTURA DIGITAL


Para podermos falar sobre cultura digital, é necessário ana-
lisar, inicialmente, como se dá o processo de digitalização. Em ou-
tras palavras, de que maneira surge um objeto digital, composto
de duas partes: uma parte física e uma parte digital.
A parte física encarrega-se de transmitir, armazenar e apre-
sentar o material digitalizado; já a parte digital é aquela criada por
computador a partir de um arquivo digital. Estamos falando de um
objeto inteiramente novo e que circula em um ambiente também
inteiramente novo – pelo menos para uma parcela da sociedade.
Esse novo contexto, como observa Matuck, requer formas
inéditas de apreensão e, também, de teorização. Logo:
[...] pede a reelaboração de metáforas capazes de esclarecer e des-
vendar esse midiaverso em constante mutação. Torna-se necessá-
rio conceber modelos de sociedade, de cultura, de informação, de
autoria e de ciência, em que questões atuais do Direito e outras
emergentes sejam contempladas para que os homens não figurem
apenas como elementos periféricos de um sistema cada vez mais
ubíquo (MATUCK, 2008, p. 290).

Na introdução de seu livro Culturas e artes do pós-humano:


da cultura das mídias à cibercultura (2003), Santaella, a fim de si-
tuar melhor a cultura das mídias, observa que se trata de uma cul-
tura intermediária e que não podemos confundi-la com a cultura
de massa, nem mesmo com a cultura digital.

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158 © Arte Educação e Cultura Digital

Para a autora, a cultura digital não surgiu naturalmente da


cultura de massas. Na verdade, ela foi sendo semeada a partir de
processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais,
a que ela chama de cultura das mídias. A cultura digital, na reali-
dade, é a continuação de um processo que foi se desenvolvendo
gradativamente. Vejamos o que diz Santaella (2003, p. 13):
Para compreender tais passagens, que considero sutis, tenho utili-
zado uma divisão das eras culturais em seis tipos de formações: a
cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de mas-
sas, a cultura das mídias e a cultura digital. Antes de tudo, deve
ser declarado que essas divisões estão pautadas na convicção de
que os meios de comunicação, desde o aparelho fonador até as
redes digitais atuais, embora, efetivamente, não passem de meros
canais para a transmissão de informação, os tipos de signos que
por eles circulam, os tipos de mensagens que engendram e os tipos
de comunicação que possibilitam são capazes não só de moldar o
pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas também de
propiciar o surgimento de novos ambientes socioculturais.

Ora, a partir das observações de Matuck e de Santaella, po-


demos afirmar que vivemos em um ambiente ainda em formação.
Diante disso, conforme Steven Connor, é comum dizerem que só
se pode aproveitar o conhecimento sobre coisas que, de alguma
maneira, estejam encerradas. Portanto, tentar compreender o
contemporâneo é algo que só poderemos fazer parcialmente, uma
vez que o ato de conhecer está condenado a chegar tarde demais
à cena da experiência. Para ele, as únicas ferramentas disponíveis
para entender a cultura pós-moderna encontram-se na própria
pós-modernidade. Estamos e pertencemos ao momento em que
tentamos analisar; estamos e pertencemos às estruturas que em-
pregamos para analisá-la (CONNOR, 1992).
Com a cultura digital, acontece o mesmo: não conseguire-
mos apreendê-la em sua totalidade porque participamos dessa
revolução digital (é evidente que uns mais e outros menos inten-
samente), pertencemos ao momento digital. Mas é interessante
notarmos que também vivemos sob a influência da cultura de
massa.
© U3 - Cultura Digital 159

Logo, mesmo participando (em muitas situações, ainda


como coadjuvantes) das inúmeras possibilidades oferecidas pela
cultura digital, ainda vivemos intensamente a cultura de massa,
ainda sofremos influência de seus produtos. Isso porque a civiliza-
ção de massa surge a partir do momento em que as classes subal-
ternas obtêm o acesso à participação da vida pública e quando o
alargamento da área de consumo das informações criou uma nova
situação antropológica.
Com isso, todos que pertencem a essa civilização tornam-se,
em determinado momento, consumidores de uma produção in-
tensiva de mensagens a jato contínuo, elaboradas industrialmente
em série e transmitidas conforme os canais de um consumo regido
pelas leis da oferta e da procura.
Logo, podemos facilmente concluir que vivemos sob a in-
fluência tanto da cultura de massa quanto da cultura digital. Mas
isso não quer dizer, de maneira alguma, que uma surgiu da outra.
Em outras palavras, uma vez que uma era cultural não desaparece
com o surgimento da outra, e uma nova formação comunicativa
vai se integrando à anterior, provocando, nela, reajustamentos e
refuncionalizações, temos a cultura digital convivendo "harmonio-
samente" com a cultura de massa. Resta ao indivíduo apenas "es-
colher" de qual delas ele quer fazer parte!
Retomando o que apontamos anteriormente, a cultura digi-
tal foi sendo semeada gradativamente, distanciando-se cada vez
mais da lógica massiva. Com isso, fertilizou o terreno sociocultural
para o surgimento de uma nova cultura, a digital. Com a cultura
digital, a persistência do analfabetismo, assim como a existência
dos excluídos da educação, ficou ainda mais evidente, um verda-
deiro absurdo da atualidade, embora a alfabetização nunca tenha
sido primordial para o usufruto dos produtos da cultura de massa
(rádio, televisão, cinema) (SANTAELLA, 2000).
Enquanto na cultura de massa basta acordarmos pela ma-
nhã para sermos invadidos por seus produtos, na cultura digital

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160 © Arte Educação e Cultura Digital

isso não acontece de modo tão simples, pois, mesmo que um in-
divíduo execute as mais variadas funções em um caixa eletrônico,
por exemplo, isso não significa que ele "domine" a cultura digital.
Ele continua um analfabeto digital, só que funcional. O sentimen-
to de pertencer à cultura digital vai muito além disso. Ele requer
"o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvol-
vem juntamente com o crescimento do ciberespaço" (SANTAELLA,
2003, p. 17).
Logo, o crescimento do ciberespaço, assim como tudo que é
produzido e distribuído digitalmente, acaba influenciando nosso
modo de vida: algumas mass mídia, televisão, música, filmes, o
World Wide Web (www), videogames etc.
Então, a princípio, podemos definir cultura digital como o
conjunto de experiências contemporâneas que só foram possíveis
com o advento da tecnologia digital; logo, o digital é o elemento
seminal capaz de definir um complexo conjunto de fenômenos.
Assim, a cultura digital deve ser vista como marca de uma cultura
que incorpora artefatos e sistemas de significação e comunicação
que demarcam nosso modo contemporâneo de vida.
O surgimento da cultura digital só foi possível a partir de de-
senvolvimentos tecnológicos recentes. Embora cheguemos facil-
mente a essa conclusão, Gere (2002) não entende dessa maneira.
Para ele, seria mais preciso sugerir que a tecnologia digital
é um produto da cultura digital e não o contrário. O digital não se
refere apenas aos efeitos e às possibilidades de uma tecnologia
particular. Ela, a cultura digital, define e abarca modos de pensa-
mentos e fazeres que são incorporados nessa tecnologia, tornando
possível seu desenvolvimento. Nisso, estão incluídas a abstração,
a codificação, a autorregulamentação, a virtualização e a progra-
mação.
A tecnologia teve um papel muito importante para o desen-
volvimento da atual cultura digital. Entretanto, a tecnologia é ape-
© U3 - Cultura Digital 161

nas um entre muitos outros recursos. Ainda de acordo com Gere


(2002, p. 14):
[...] Outros incluem discursos tecno-científicos sobre informação e
sistemas, arte de vanguarda, utopia contra-cultural, teoria crítica
e filosófica, e mesmo formação sub-cultural como Punk. Esses di-
ferentes elementos são um produto do paradigma da abstração,
codificação, auto-regulação, virtualização e programação.

Como mencionamos, a tecnologia foi muito importante para


o desenvolvimento da cultura digital e, de todas as tecnologias,
parece-nos que o computador está mais em evidência.
De acordo com Guattari (2012), cada tipo de máquina possui
um poder singular de enunciação, o que ele chama de consistência
enunciativa específica.
A consistência enunciativa específica que surge a partir do
computador é a capacidade de reduzir tudo ao zero e ao um. E, como
observam Couchot e Hillaire (2003), essa redução só foi possível de-
vido à utilização de uma tecnologia complexa, híbrida, intimamente
algorítmica, ou seja, por meio de complexas fórmulas lógico-mate-
máticas, é possível simular todas as técnicas existentes. "É essa capa-
cidade que dá ao numérico poder de penetração, de contaminação
sem precedente, que o autoriza a sujeitar todas as tecnologias à or-
dem informacional" (COUCHOT; HILLAIRE, 2003, p. 115).
Um dos elementos que cooperam para o processo computa-
cional é o algoritmo. Vejamos, pois, o que é um algoritmo.

Algoritmos
Algoritmo é um processo computacional muito bem defini-
do que toma alguns valores, ou conjunto de valores, como input, e
produz algum valor, ou conjunto de valores, como output. Na ver-
dade, algoritmo é uma sequência de passos computacionais que
transforma o input em output.
Conforme Penrose, a palavra "algoritmo" deriva do nome do
matemático persa Abu Já'far Mohammed ibn Musâ al-Khowârizm,

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162 © Arte Educação e Cultura Digital

que escreveu um texto muito importante (c. 825 a.C.), intitulado


Kitab al-jabr wa'l-mugabala. O modo como o nome "algoritmo"
veio a ser pronunciado, em vez do anterior e mais preciso "algoris-
mo", parece ter sido devido à associação com a palavra "álgebra",
aparecendo no título de seu livro (PENROSE, 1990, p. 26).
Na verdade, os algoritmos eram conhecidos muito antes do
livro de al-Khowârizm. Um dos mais familiares, datando dos tem-
pos da antiga Grécia (c. 300a.C.), é um procedimento conhecido
por algoritmo de Euclides, que pode ser utilizado para determinar
o maior fator comum ente dois números.
O algoritmo de Euclides, sem utilizar a fatoração, encontra
o máximo divisor comum entre dois números diferentes de zero.
Trata-se de uma sequência de instruções, não ambígua, que deve
ser executada até que uma determinada condição se verifique.
Por exemplo, tomando-se os números 348 e 156, teremos o
seguinte:
dividendo = 348
divisor = 156
resto (348/156) = 36

Como 36 é diferente de zero, substituímos o dividendo e o


divisor e repetimos o passo anterior:

dividendo = 156
divisor = 36
resto (156/36) = 12

Repetimos, novamente, o passo anterior:


dividendo = 36
divisor = 12
resto = 0
© U3 - Cultura Digital 163

Como 36 dividido por 12 é igual a 0, o máximo divisor co-


mum de 348 e 156 é 12.
Para qualquer processo computacional, o algoritmo precisa
estar rigorosamente definido, ou seja, especificado de que manei-
ra o computador deve se "comportar" em determinadas circuns-
tâncias.
A maneira mais simples de se pensar um algoritmo é por
meio de uma lista de procedimentos bem definida, cujas instru-
ções devem estar especificadas, passo a passo, do começo ao fim
da lista.
Da mesma maneira que precisamos de programas específi-
cos para que o computador faça qualquer coisa para nós, é ne-
cessário, também, que haja algoritmos para que os computadores
saibam como cumprir determinadas tarefas. Em outras palavras, é
a técnica elementar utilizada para dar ordens aos computadores.
Por meio de um algoritmo, é possível ordenar um milhão de
valores inteiros entre 1 e 10 ou, então, ordenar um milhão de tí-
tulos de livros. Basta, para isso, saber quais são os pontos fortes e
fracos dos diferentes algoritmos e saber escolher o melhor para a
tarefa que temos em mãos.
O processo de criptografia de uma mensagem, por exemplo,
depende do algoritmo e das metas que queremos atingir. Uma
combinação impressionante conseguida por meio de algoritmos é
a que se encarrega de recomendações automáticas personalizadas
em sites de busca, como o Amazon, ou que trata os links como re-
comendação, como o Google, um dos mais eficientes mecanismos
de busca do mundo.
Hoje em dia, utilizando um algoritmo específico, é possível
construir facilmente novas matérias de uma maneira dinâmica, re-
cortando frases e fatos de todas as fontes e conteúdos. Em segui-
da, é só recombiná-las, isolando os fatos e as ideias que se quer
destacar, e gerando, assim, equações.

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164 © Arte Educação e Cultura Digital

Mesmo que tal ferramenta de construção de notícias seja


um exemplo clássico de violação das leis de direitos autorais, de-
vemos reconhecer que se trata de uma maneira de personalizar a
informação. O risco disso tudo é que, se o indivíduo é de extrema
direita, ele será alimentado com ideias extremistas e personaliza-
das.

O leitor e a literatura no meio digital


Por esse universo paralelo navega determinado leitor que
possui habilidades perceptivas, sensório-motoras e cognitivas
muito distintas de outros leitores. Podemos muito bem chamá-lo
de navegador-leitor, uma vez que ele desenvolve determinadas
disposições e competências que o habilitam para a recepção e a
resposta à densa floresta de signos em que o crescimento das mí-
dias vem convertendo o mundo.
Esse leitor deve estar atento à utilização que se faz do com-
putador na escritura digital, ou seja, como uma máquina semióti-
ca, uma vez que cria informações novas, cujo significado pode ser
previsível ou não, dependendo de sua utilização.
É interessante ressaltar que o sensível, nesse contexto, se
justifica muito mais por meio de referências a modelos do que a
uma complexa estrutura de qualidades. O fato é que sempre esta-
belecemos analogias e oposições em uma rede de relações e de
correlações no âmbito do material sensível. É somente em função
disso que algo passa a ser verdadeiramente sensível para nós.
Um texto digital propõe uma leitura diferenciada, pois o lei-
tor terá, à sua disposição, uma variedade de nós e uma série de li-
gações entre esses nós que o ajudará a personalizar seu programa
de leitura. Estamos falando de uma abordagem em rede a partir
de uma coleção de informações multimodais dispostas em rede
para uma navegação rápida e intuitiva.
Esse processo de leitura só é possível porque o suporte do
texto é o digital, um suporte capaz de adicionar rapidez à leitura.
© U3 - Cultura Digital 165

Ler A comédia humana, de Honoré de Balzac, em uma ver-


são digital, não é a mesma coisa que o ler impresso em um livro.
A versão digital proporcionaria uma série de vantagens em função
da facilidade e da velocidade para transitar de um texto a outro.
Para Leyla Perrone-Moisés, Balzac é responsável pelo êxito
do romance como gênero maior desde o início do século 19. Em
sua obra, há muitas intrigas que proporcionam reviravoltas inacre-
ditáveis; as personagens passam da miséria à opulência num pis-
car de olhos. Outro exemplo é o caso dos burgueses endividados
que buscam, por todos os meios, casar-se com uma condessa para
salvar as propriedades ameaçadas de confisco. conforme a autora:
As centenas de personagens que aparecem e reaparecem são do-
tadas de todos os elementos que podem ser reunidos em fichas:
nome, data de nascimento, data de aparecimento no texto, dados
genealógicos e familiares, traços físicos e sociais, lugar de residên-
cia, data de morte (PERRONE-MOISÉS, 1999, p. 5).

A obra de Balzac é caracterizada como um mosaico compos-


to de pedaços que o acaso ou uma leitura futura se encarregaria
de harmonizar. O olhar do romancista é capaz de captar, ao mesmo
tempo, os grandes conjuntos, os pormenores mínimos e a capaci-
dade de invenção ficcional, insuperável em número de persona-
gens e variedade de intrigas. Perrone-Moisés (1999, p. 5) faz uma
revelação curiosa:
Balzac é aquilo que se pode chamar um monstro literário. Se con-
siderarmos que a "Comédia Humana" se compõe de mais de 80
narrativas, contando histórias diferentes e interligadas, chegamos
à seguinte observação, que nos assusta e encanta: se lermos dois
livros de Balzac por ano, teremos leitura para mais de 40 anos de
nossas vidas! Isso não deve assustar, mas alegrar aqueles que ainda
não começaram a ler Balzac, porque ler Balzac não é uma tarefa
tediosa; muito pelo contrário, seus livros não nos caem das mãos,
mas nos prendem desde a primeira frase até a última. Esses livros
todos foram escritos num período de 20 anos, o que constitui um
feito atlético por si só admirável, não fosse ainda mais admirável a
qualidade desses livros.

Conforme o relato de Isabelle Tournier, Balzac pode ser con-


siderado o inventor do hipertexto. Tournier, que preparou um

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166 © Arte Educação e Cultura Digital

CD-ROM com os 98 textos de A comédia humana, acredita que a


versão digital permite realizar, de forma mais completa, o proje-
to idealizado por Balzac: organizar sua extensa obra, criando uma
versão unificada.
Outro objetivo é favorecer uma leitura de seus textos em
conjunto. A digitalização dos textos, portanto, forma uma comple-
xa rede de informações que integra os romances e os textos curtos
que compõem a obra. A vasta rede literária balzaquiana é tecida
por lugares, personagens e trechos de livros que encontram rela-
ções e descrições em outros textos. A versão eletrônica supera a
dificuldade inicial de passar de um texto a outro e retornar muito
rapidamente, além de permitir a organização de informações re-
ferenciais.
Como era de se esperar, uma versão eletrônica desse porte
permite uma leitura personalizada, uma vez que cada leitor pode
ler o seu "próprio" Balzac, pois as escolhas serão pessoais e arbi-
trárias. Além de permitir que o leitor escolha os trechos em que
aparecem determinadas palavras, é possível que cada um fabrique
seu próprio hipertexto. Logo, em um hipertexto, cada leitor pode
não só modificar ligações, mas também acrescentar nós, como
textos, imagens ou música. É possível, por exemplo, conectar dois
hiperdocumentos e transformá-los em um único hipertexto. Em
última instância, todos os textos disponíveis na internet fazem par-
te de um imenso hipertexto em crescimento contínuo. "Os hiper-
documentos acessíveis por uma rede informática são poderosos
instrumentos de escrita-leitura coletiva" (LÉVY, 1996, p. 46).
Poderíamos criar um texto a partir de hipertextos da seguin-
te maneira: recortar e colar textos sobre o mesmo assunto − e
em línguas diferentes − e reorganizá-los, de modo que surja uma
"coerência textual". Comparando grosso modo e fazendo as devi-
das adaptações, teríamos um texto no estilo de James Joyce. Esse
exercício poderia exemplificar o que postula Lévy ao falar sobre a
produção de sentido. Em outras palavras, o texto não mais reme-
teria o leitor à interioridade de uma intenção:
© U3 - Cultura Digital 167

[...] mas antes à apropriação sempre singular de um navegador ou


de um surfista. O sentido emerge de efeitos de pertinência locais,
surge na intersecção de um plano semiótico desterritorializado e
de uma trajetória de eficácia ou prazer (LÉVY, 1996, p. 49).

Podemos dizer que esses são exemplos positivos de um lei-


tor em um hipertexto, porém, há, evidentemente, pontos negati-
vos. Destacaremos dois exemplos: um a partir da experiência de
Umberto Eco e outro a partir de uma observação de Werthein.
O autor de O nome da rosa, certa vez, foi convidado pela
Universidade de Jerusalém para participar de um simpósio, cujo
tema foi A imagem e o templo de Jerusalém através dos séculos.
Embora não soubesse nada especificamente sobre o assunto, uma
vez que tinha trabalhado com o início da Idade Média e sua dis-
sertação havia sido sobre São Tomás de Aquino, aceitou o convite.
Em sua biblioteca, ele tinha todos os trabalhos de Tomás de
Aquino com um índex razoável. Procurou descobrir quantas vezes
Tomás de Aquino citou Jerusalém e qual foi o uso que ele fez da
imagem dessa cidade.
Consultando suas fontes, para ele, teria encontrado de dez
a 15 citações, número que, seguramente, ele seria capaz de exa-
minar. Agora, infelizmente, conforme Eco, há o hipertexto, onde é
possível encontrar por volta de 11 mil citações. É humanamente
impossível alguém conseguir examinar tanto material.
Esse tipo de situação paralisa, conforme o pesquisador, uma
vez que a pessoa que está realizando a pesquisa a faz de uma ma-
neira sensível, intuitiva, ao passo que o computador relaciona, de
modo totalmente mecânico, qualquer exemplo.
Imaginemos que um texto no ciberespaço fosse como uma
estrela no universo. Algumas estrelas estão a bilhões de anos-
-luz de distância da Terra. Em muitos casos, corremos o risco, ao
olharmos para o céu, de ver o brilho de uma estrela que deixou
de existir há muito tempo, pois estaríamos, na realidade, olhando
para o passado. Como estudar a fonte emissora da luz se ela já não

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168 © Arte Educação e Cultura Digital

existe mais? Com um hipertexto, pode acontecer algo semelhante.


Corremos o risco de trabalhar com um texto – a que chegamos
por meio de um nó e que tenha sido impresso –, cujo sítio já nem
exista mais. Como indicar a referência do suposto texto se o sítio
já não existe? É exatamente como o exemplo da luz da estrela que
deixou de existir.

7. PARA ENTENDER A ARTE: NOVAS CONCEPÇÕES


As relações do homem com o mundo não são mais as mes-
mas depois da revolução da informática, e, como praticamente
tudo passa pelas tecnologias, os artistas acabaram descobrindo
novas possibilidades, porque estamos na iminência de repensar
até mesmo nossa própria condição humana. Assim, as mudanças
decorrentes do abandono de técnicas tradicionais, o afastamento
da ideia de arte como mercadoria, a reavaliação dos conceitos fun-
dados na representação de formas, no Belo, na subjetividade, na
individualidade e na artistificação dos meios deram lugar a novas
formas de produção (DOMINGUES, 1997).
Essas transformações dão margem para alguns questiona-
mentos muito comuns entre o púbico.
Gostaríamos de ilustrar um desses questionamentos a par-
tir do diálogo entre o detetive Del Spooner, representado por Will
Smith e o robô Sonny (Figura 4), protagonistas do filme Eu, Robô
(2004).
© U3 - Cultura Digital 169

Figura 4 O detetive Del Spooner (Will Smith) inquirindo o robô Sonny no filme Eu, Robô.

Antes da cena da Figura 4, Del Spooner entra e pisca para


outro policial. A partir daí inicia-se o seguinte diálogo:

Diálogo entre o detetive Del Spooner e o robô Sonny–––––––


Sonny − Quando entrou, olhou para o outro humano. O que significa?
Del Spooner − Sinal de confiança. Algo humano. Você não iria entender.
Sonny − Meu pai tentou me ensinar emoções humanas. Elas são difíceis.
Del Spooner − Fala do seu criador?
Sonny − Sim.
Del Spooner − Por que o matou?
Sonny − Eu não matei o Dr. Lanning.
Del Spooner − Por que se escondeu na cena do crime?
Sonny − Tive medo.
Del Spooner − Robôs não têm medo. Não sentem nada. Não têm fome, nem
sono.
Sonny − Eu tenho. Eu tenho até sonhos.
Del Spooner − Seres humanos têm sonhos. Cães têm sonhos. Você não. Você é
apenas uma máquina. Uma imitação da vida. Consegue compor uma sinfonia?
Um robô consegue pintar um belo quadro?
Sonny − Você consegue?
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A indagação de Sonny é muito interessante, uma vez que
muitas pessoas defendem a ideia de que uma máquina não conse-

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170 © Arte Educação e Cultura Digital

guiria realizar uma obra de arte. Ora, muitos de nós também não
conseguimos!
Em outra cena, Sonny volta-se para o detective Del Spoo-
ner, fazendo um desenho e diz: "Estava certo, detetive. Não con-
sigo criar uma obra de arte". Sonny, no entanto, faz um desenho
magnífico, mostrando que fazer obras de arte não é privilégio dos
humanos. Mas será que isso é verdade? Robôs são capazes de pro-
duzir obras de arte? Observe as Figuras 5 e 6.

Figura 5 Théo (1992), realizado por Figura 6 Clarissa (1992), realizado por
Aaron. Aaron.

As obras das Figuras 5 e 6 foram realizadas por um programa


de computador.
Em 1972, Harold Cohen, artista plástico que já expôs em di-
versas galerias de Londres, em vários museus e exposições inter-
nacionais, começou a trabalhar com um programa projetado para
gerar obras de arte. Cohen chamou esse programa de Aaron, por-
que, para ele, seria uma ótima ideia por um nome a partir do início
do alfabeto.
Cohen explica que iniciou o processo de aperfeiçoamento
dando ao programa a capacidade de diferenciar formas fechadas
© U3 - Cultura Digital 171

de formas abertas, figura de fundo e assim por diante. É importan-


te ressaltar que, de acordo com o artista, não há nada em comum
com métodos gráficos de computação, uma vez que Aaron não
sabe nada de superfícies.
Mesmo com essas informações, Aaron ainda não conseguia
criar imagens tridimensionais da figura humana, composta de da-
dos que representam as partes. Também não conseguia determi-
nar procedimentos sobre como articular as partes, assim como a
variação das proporções.
Os dados físicos representando os pontos-chave dentro dos
pontos de articulação do corpo e dos anexos musculares, entre
outros, constituiu um conjunto de figuras equivalente a rabiscos
de crianças. Cada parte do corpo foi processada como uma forma
fechada que resultou de uma linha.
A princípio, as imagens eram coloridas por Cohen: seja dire-
to nos desenhos feitos por Aaron ou após a transferência para uma
tela, colorindo-os em seguida. Ele fez isso porque percebeu que as
imagens precisavam de cor.
No início dos anos 1990, no entanto, Aaron passou a colorir
"seus" próprios desenhos. Para Cohen, Aaron não tem um sistema
visual, mas não está claro se um sistema visual ajudaria muito no
que diz respeito à coloração, a menos que as suas respostas à cor
estivessem estreitamente alinhadas ao sistema visual humano.
O que o programa possui é um recurso que o colorista huma-
no não tem, que é a capacidade de construir uma representação
interna estável, de projetar um esquema de cores "na imagina-
ção", por assim dizer, sem nenhuma referência, quer no monitor
de um computador ou em uma pintura feita em tela.
Em todas as mostras realizadas por Cohen, utilizando máqui-
nas de desenho, ele vendeu cada quadro original assinado a US$25.
Centenas de quadros foram vendidos em lugares dedicados a ob-
jetos que pessoas comuns não poderiam, nem em sonho, adquirir.

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172 © Arte Educação e Cultura Digital

Mas por que vender desenhos feitos por uma máquina ao


invés de vender seus próprios desenhos no mundo da arte conven-
cional? A resposta para essa inquietação servirá para a indagação
feita pelo detetive Del Spooner, ou seja, se uma máquina (no caso,
Sonny) poderia fazer o que normalmente apenas seres humanos
talentosos seriam capazes de fazer.
Cohen reconhece que um programa pode não ter as mesmas
razões de um artista: encarnar, suficientemente, alguns critérios
que determinam o que os artistas fazem, embora Aaron seja um dos
poucos programas com qualquer pretensão de criatividade, pois, na
realidade, o que está no centro da discussão é criatividade.
Embora alguns artistas insistam em citar Aaron como um
exemplo de criatividade programada, Cohen nunca usou essa pala-
vra. Ele tem consciência de que o programa seria incapaz do mes-
mo tipo de desenvolvimento que se exigiria de um grande artista
humano. Para Cohen, Aaron é criativo com um pequeno "c", mas
não com um grande "C".
Passemos agora para outra discussão que também gira em
torno de novas formas de produções artísticas, pois é em função
dessas novas formas de produção que muitas manifestações artís-
ticas são interativas, uma vez que nelas se insere o uso de tecnolo-
gias computadorizadas. Comecemos pela Net art.

Net art
Só para lembrar: o que motivou o exército norte-americano
a criar uma rede telemática de comunicação foi a necessidade de
manter uma rede de comunicação em um possível ataque nuclear.
Entretanto, essa rede telemática de comunicação chamou a aten-
ção não só de acadêmicos, mas também de artistas.
Nos anos 1980 e no início dos anos 1990, juntamente com o
desenvolvimento tecnológico da internet, modelos de arte e tele-
comunicação foram desenvolvidos por vários artistas. O objetivo
desse tipo de projeto era estabelecer novas formas de interação
© U3 - Cultura Digital 173

a distância, gerando espaços virtuais que pudessem servir de pla-


taforma para a criação de obras artísticas, muitas delas com forte
acento social, nas quais os usuários desempenhavam um papel
fundamental.
Um dos projetos mais significativos que entrou em rede com
plataforma para os artistas foi, conforme Giannetti, o legendário
The Thing.
No final de 1991, The Thing entrou na rede telefônica em
Nova York. A próxima fase, The Thing Colônia, veio em 1992 e em
novembro de 1993 veio The Thing Viena, entre outros.
A maior área ativa da The Thing é a mensagem distribuída
por meio de fóruns de debates, diálogos contínuos e fluxos aber-
tos de informação.

Figura 7 Towards Victory (1988), de Wolfgang Staehle.

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174 © Arte Educação e Cultura Digital

Um dos trabalhos desse período é o de Wolfgang Staehle,


que utilizou uma escada de alumínio, um pequeno monitor e um
leitor de vídeo alimentado por uma bateria de carro. No monitor
está a frase Vers la Victoire (Figura 7).
Embora o trabalho utilize baixa tecnologia, com um texto re-
tirado de um noticiário francês sobre a guerra na década de 1940,
o artista transforma a escada em uma escada simbólica "para a
vitória". No entanto, trazendo a mensagem criptografada, junta-
mente com uma escada de uso doméstico e a colocação de uma
"televisão" no mais alto degrau da escada, enfraquece o simbolis-
mo simples e contraria o texto. No final, toda vitória pode revelar-
-se como uma vitória de Pirro.
O poder da televisão – cujas imagens podem ser recebidas
mesmo sob condições improvisadas – é onipresente. O que resta
para o artista é o gesto irônico de prender o televisor a uma bate-
ria que, em algum momento, deve esgotar-se.
Outro trabalho muito interessante de Staehle é o Empire
24/7. Conforme a descrição do próprio artista, ele é um trabalho
formado por imagens instantâneas para consumo imediato. Trata-
-se de uma homenagem a Andy Warhol, que apareceu, original-
mente, como um ambiente projetado na mostra de 1999, a Net
Condition, em Karlsruhe, Alemanha.
Uma câmera de vídeo apontada para fora da janela do escri-
tório da The Thing em Nova York captura uma imagem contínua do
Empire State Building. O Empire 24/7 refere-se à disponibilidade
de acesso geral a uma loja, aberta 24 horas, sete dias por semana.
© U3 - Cultura Digital 175

Figura 8 Empire 24/7 (1999), Wolfigang Staehle.

Agora compare as imagens obtidas pela câmera (Figura 8)


com as pinturas de Monet, nas Figuras 9, 10 e 11.

Figura 9 Parlamento Inglês Figura 10 Parlamento Inglês, Figura 11 Parlamento Inglês


(1904), de Claude Monet. de Claude Monet. (1904), de Claude Monet.

Embora a intenção primeira fosse apenas mostrar a disponi-


bilidade de acesso a uma loja de departamento, 24 horas por dia,

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176 © Arte Educação e Cultura Digital

sete dias por semana, podemos dizer, pelo menos aparentemente,


que o artista também explorou os princípios impressionistas, re-
gistrando a incidência da luz no objeto em momentos diferentes.
Outra experiência muito interessante surgiu de dois euro-
peus: Joan Heemskerk e Dirk Paesmans. Juntos, eles criaram o site
www.jodi.org, em que podemos ver textos e imagens que piscam,
dando a impressão de desconstrução da linguagem visual da web.
O que Heemskerk e Paesmans fizeram foi remixar imagens
da mesma maneira que muitos dadaístas fizeram com imagens fo-
tográficas e tipográficas. Para Tribe e Jana (s. d., p. 6):
Jodi.org mudou o modo como as pessoas pensavam a internet, de-
monstrando que ela não é apenas um novo meio de circulação de
informação; ela também podia ser um meio como a pintura a óleo,
a fotografia, ou o vídeo. Como outras obras New Media art, jodi.
org explorou uma tecnologia emergente para propósitos artísticos.

Imagine as imagens a seguir (Figuras 12 e 13) piscando na


tela de seu computador ininterruptamente:

Figura 12 Transfer interrupted!, de Heemskerk e Paesmans.


© U3 - Cultura Digital 177

Figura 13.

Os dois artistas também produziram imagens sem movimen-


to e imagens tridimensionais de objetos do cotidiano, como as das
Figuras 14, 15 e 16.

Figura 14. Figura 15. Figura 16.

Em 1998, Jodi ganhou notoriedade por seu CD-ROM


"OSS****", que, aparentemente, assumia o controle da área de
trabalho do usuário.
Nós exploramos o computador de dentro, e refletimos isso na net.
Quando um observador olha nosso trabalho, nós estamos dentro de
computador [...]. E nos sentimos honrados de poder estar no compu-
tador de alguém. Você está muito próximo do indivíduo quando está
em sua área de trabalho. E acho que o computador é um instrumen-
to para entrar na mente das pessoas (TRIBE; JANA, s. d., p. 6).

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178 © Arte Educação e Cultura Digital

A princípio, podemos comparar tal atitude com a atitude de


um hacker. Entretanto, como observa Mackenzie (2006), a inten-
ção do artista é unir computador e identidade pessoal. Além disso,
sua obra é apresentada tendo essa preocupação, ou seja, a relação
entre computador e indivíduo.
À medida que as primeiras incursões em torno de comuni-
dades virtuais foram se estabelecendo e o número de art.nets foi
aumentando, surgem, no século 21, algumas reflexões em torno
do valor criativo de algumas obras.
A velha questão sobre os critérios para se atribuir a denomi-
nação "arte" a qualquer tipo de produção on-line provoca confu-
são e desconcerto. Conforme aponta Giannetti (2010, p. 10):
Não faz muito tempo, tão logo os artistas plásticos descobriram a
internet como meio de difusão de suas obras, passaram a escanear
e postar em seus sites imagens de desenhos, aquarelas e pinturas e
passaram a afirmar que também eram artistas digitais.

É evidente que escanear desenhos e postar na internet não


pode ser considerado obra de arte digital. Para ser uma obra digi-
tal, deve haver uma investigação sobre a dinâmica da rede como
experimento artístico. E, em alguns experimentos, propõe-se a
criação de redes colaborativas, que passam a existir a partir da
participação de múltiplos usuários, os quais não precisam ser, ne-
cessariamente, artistas.

Arte interativa
Se quisermos investigar o cenário artístico contemporâneo
de maneira satisfatória, é essencial que voltemos nossas atenções
para a Midia Art. Pois se assim não o fizermos, corremos o risco
de deixar de fora valiosas pesquisas que combinam arte e ciência
a fim de explorar o potencial estético da arte interativa. Mas não
é somente isso. As mídias interativas "estão mudando nossa per-
cepção e nosso conceito de imagem rumo a um espaço multissen-
sorial, de experiências interativas com uma dimensão temporal"
(GRAU, 2007, p. 07).
© U3 - Cultura Digital 179

Quantas vezes já não ouvimos falar que o caixa automático,


onde sacamos nosso dinheiro, conferimos nosso saldo, pagamos
nossas contas, entre outros, é interativo? É também muito comum
ouvirmos que alguns sites são interativos; que algumas escolas
oferecem aprendizado interativo, ou, ainda, que: multimídia é si-
nônimo de interatividade! Sendo assim, interatividade pode nos
remeter a uma série de situações que pouco – ou quase nada –
têm a ver com arte.
Com relação à arte interativa, mesmo a utilização de um
computador não garante 100% de interação. Isso porque uma
obra é interativa quando a interação já está prescrita na poética
da obra. E quando não há prescrição, há interatividade? Sim, da
mesma maneira.
Para que uma obra seja de fato apreciada, é necessário um
olhar atento, sem o qual a experiência estética fica incompleta,
mas em alguns casos é preciso mais que um olhar atento.
A Figura 17, Os embaixadores, pintado por Hans Holbein, é
um exemplo muito interessante de que algumas obras demandam
mais que um olhar apurado para que a apreciação se concretize.

Figura 17 Os embaixadores (1533), de Hans Holbein.

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180 © Arte Educação e Cultura Digital

Os embaixadores (Figuras 17 e 18) é uma obra repleta de


objetos com valores simbólicos. Alguns desses objetos fazem re-
ferência ao quadrivium das artes liberais: aritmética, geometria,
astronomia e música, mas o objeto que mais chama a atenção é a
imagem de um crânio anamórfico que aparece entre as duas per-
sonagens.
A presença desse crânio divide a cena em duas composições
diferentes, e cada uma com seu ponto de vista diferente. Esse qua-
dro foi cuidadosamente colocado em uma vasta sala, de frente a
uma porta, e próxima da saída, cada uma das duas corresponden-
do a um dos dois pontos de vista, portanto a duas cenas.
Conforme a interpretação de Baltrusaitis (1996), a primeira
cena se desenvolve quando o espectador entra pela porta princi-
pal e se encontra, a certa distância, diante dos dois senhores que
aparecem ao fundo, como se fosse uma cena.
O espectador fica maravilhado pelo aspecto, pela suntuosi-
dade do aparato, pela realidade intensa da figuração. Há um único
ponto perturbador: o corpo estranho aos pés das personagens. O
visitante avança para ver o objeto de perto. O caráter físico e ma-
terial da visão é ainda maior quando se aproxima, mas o objeto
singular é ainda mais indecifrável.
Desconcertado, o visitante se retira pela porta da direita, a
única aberta; este é o segundo ato. Ao adentrar o salão vizinho,
ele se volta para olhar o quadro pela última vez, quando então
compreende tudo: o estreitamento visual faz desaparecer comple-
tamente a cena e aparece a figura escondida. No lugar do esplen-
dor humano, vê-se o crânio. As personagens e todos os apetrechos
científicos se esvaecem, e em seu lugar surge o signo do Fim. A
peça termina.
© U3 - Cultura Digital 181

Figura 18 Detalhe de os embaixadores (1533), de Hans Holbein.

O que um quadro, pintado em 1533, tem a ver com as ques-


tões estéticas que envolvem a arte interativa? Ora, porque para a
fruição dessa obra é necessária uma apreciação ativa. Se nós temos
experiências diferentes a partir da mesma obra, isso é porque nós
a experimentamos de modos diferentes. Portanto, dependendo
do grau de envolvimento do espectador, surgem diferentes obras.
Há incontáveis "Embaixadores" – um para cada tipo de ex-
periência. Talvez, menos radicalmente, a obra seja uma coisa e a
experiência seja outra: a experiência é externa à obra. Então, sem-
pre teremos diferentes experiências a partir da mesma obra: um
embaixador que é experimentado muitas vezes.
A experiência que dará conta de desvelar o crânio anamórfi-
co demanda um posicionamento específico; ou seja, se o observa-
dor não se posicionar no local exato, o crânio não será contempla-
do. Portanto, embora haja uma prescrição posicional, a interação
para por aí, pois mesmo uma apreciação ativa não caracteriza inte-
ratividade. Ela não ajuda a gerar um desenvolvimento – suas pro-
priedades visuais ou sonoras, sua composição textual ou como ela
se desdobra no tempo.
Considerando que todo tipo de arte convida para uma apre-
ciação ativa, somente algumas obras de arte são interativas. Para
Lopes (2010, p. 41),

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182 © Arte Educação e Cultura Digital

De acordo com a definição de interatividade, a ação dos usuários


não apenas moldam suas experiências com a obra – eles ajudam a
gerar o desenvolvimento da obra. Os apreciadores d'Os Embaixa-
dores, ao contrário, atuam de maneira ativa, sem afetar sua super-
fície física. Assim, usuários de obras interativas fazem algo mais do
que fazem espectadores tradicionais.

Lopes (2010) define obra de arte interativa a partir da se-


guinte fórmula:
• uma obra de arte é interativa apenas quando as ações
prescritas a seus usuários ajudarem a gerar seu desenvol-
vimento;
• uma obra de arte é interativa à medida que as ações dos
usuários ajudam a gerar seu desenvolvimento;
• um usuário interage com a obra de arte apenas quando
ele ou ela agem de modo que gere seu desenvolvimento
de uma maneira já prescrita.
Vemos, pois, que os artistas não se preocupam tanto com a
arte como um prazer ou como uma expressão interior, pois, agora,
as preocupações estéticas giram em torno de outras questões. Os
novos interesses repousam sobre um conjunto de condições que
favorece cada vez mais o diálogo homem/máquina. Um deles é o
ambiente interativo, em que o espectador passa de mero contem-
plador para coautor da obra.
Ao falar sobre arte interativa, referimo-nos a um tipo de pro-
dução que foi concebida especificamente para proporcionar diálo-
go com o usuário, ou seja, a obra só se revelará interativa a partir
da atuação e da intervenção do espectador. Em outras palavras, a
obra é interativa quando houver intercâmbio real de informação
entre os sistemas – humano e digital. Deve haver condições para
que "um elemento externo à máquina faça parte do processo me-
diante introdução de informação, e possa gerar nova informação
não contida no programa" (GIANNETE, 2010, p. 2).
© U3 - Cultura Digital 183

É uma forma de arte que envolve os espectadores de tal ma-


neira que "nem sempre se dão conta de que o que estão vivencian-
do é uma experiência estética" (MACHADO, 2007, p. 29).
Muitas obras interativas trazem sensores que reagem ao
movimento, ao calor e às alterações meteorológicas, fazendo o
programa responder. Com isso, como aponta Píer Luigi Capucci,
nesse tipo de obra, é sempre oferecida ao fruidor a possibilidade
de participação ativa. Há, pois, liberdade de intervenção:
[...] sem que lhe seja exigido medir os seus conhecimentos e con-
frontar-se com esquemas interpretativos consolidados oficiais e
exclusivos, que podem estar distantes das suas competências, que,
por isso, o deixam, dizendo novamente com Barthes, "só e des-
provido". Diante dessa obras, o fruidor é sempre competente, na
medida em que é sempre possível uma participação sua ao menos
no nível sensório-motor, de base, que pode, de alguma maneira,
construir um ponto de partida para novas explorações, aquisições
culturais, conhecimentos, e que torna esta arte uma ars maieutica
com instrumentos muito mais eficazes do que aqueles da arte tra-
dicional (CAPUCCI, 1997, p. 132).

Ao mesmo tempo que a interatividade permite que o espec-


tador se exprima livremente por meio de suas escolhas, de seus
gestos, de seu olhar etc., sem que sejam necessários esquemas
interpretativos, tal subjetividade não significa abertura total, uma
vez que o artista indicará qual percurso deverá ser seguido.
A obra sempre trará modos de participação, tipos diferentes
de participação. É evidente que, com essas novas possibilidades,
os paradigmas estéticos foram alterados, pois a obra de arte deixa
de ser acabada, estática. A arte, agora, incorpora uma visão dinâ-
mica, sistêmica, na qual a obra e aquele que interage com ela não
podem mais ser vistos separadamente.
Tais obras apresentam uma multiplicidade de organizações
passíveis de efetivação; passou, portanto, a ser exigida uma nova in-
teração, a fim de que a obra seja manipulada. O modo de participa-
ção, portanto, é de outra ordem: surge uma participação mediada
pelo corpo e pela mente (corporal-mental). Como o receptor foi in-
serido, algumas participações passaram a ser polissensoriais; em ou-
tras palavras, passaram a ser utilizados os cinco sentidos e a mente.

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184 © Arte Educação e Cultura Digital

Observe a obra apresentada nas Figuras 19 e 20, de Daniel


Rozin. A obra é formada por um espelho circular composto por 650
peças de madeira cortadas em determinado ângulo.
Quando alguém fica em pé na frente da obra, sua imagem é
imediatamente refletida na superfície. Isso ocorre porque há espe-
lhos mecânicos com câmeras de vídeo, motores e computadores
de bordo que são ativados por um software de autoria do próprio
artista. A imagem é processada e fragmentada geometricamente,
aparentemente, pixel por pixel.

Figura 19 Peg Mirror (2007), de Daniel Rozin.

Figura 20 Detalhe de Peg Mirror (2007), de Daniel Rozin.


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Já David Rokeby presta uma homenagem a Marcel Duchamp


fazendo uma espécie de releitura movimentada do Nu descendo
uma escada nº 2, conforme você pode ver na Figura 21.

Figura 21 Nu descendo uma escada nº 02


(1912), de Marcel Duchamp.

Duchamp apresenta uma série de colisões no reino da ge-


ometria. O movimento de uma pessoa que desce a escada é um
movimento repetitivo, mecânico, semelhante ao movimento de
uma máquina.
O que Duchamp busca incessantemente é a redução do mo-
vimento a uma linha, uma forma que se move no espaço. E, à medi-
da que a forma se desloca, a linha que é atravessada é substituída
por outra linha – depois outra e mais outra. Nessa obra, Duchamp
desmembra o objeto, altera o tipo morfológico de seus órgãos in-
ternos e muda o seu sistema de funcionamento biológico.

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186 © Arte Educação e Cultura Digital

Veja agora a Figura 22, 15 momentos de Cheap Imitation, de


David Rokeby. Ela é uma videoinstalação criada para homenagear
Marcel Duchamp. Para conseguir o efeito desejado, ele fragmen-
tou Nu descendo uma escada em várias centenas de faces, com-
pondo, assim, o trabalho.

Figura 22 15 momentos de Cheap Imitation (2002), de David Rokeby.

A imagem multifacetada é projetada quase em tamanho na-


tural em uma parede da galeria. Cada face é interativa, emergindo
da escuridão somente quando há movimento em frente da face
que está na exata localização da pintura. Se não houver movimen-
to, a projeção fica toda escura. Pequenos gestos, como movimen-
tos de mãos, vão chamar um ou dois fragmentos à visibilidade. É
somente com o movimento completo do corpo cruzando o quadro
© U3 - Cultura Digital 187

que surge o trabalho por inteiro. Como resultado, o trabalho ex-


plorou a dinâmica do movimento de um nu no ato de descer uma
escada.
O computador acaba ampliando as possibilidades no proces-
so de criação, uma vez que amplia, também, as capacidades inte-
lectuais, em uma simulação de processos mentais.
Não se trata mais de sugerir significados, mas da interação
do receptor com a obra. Há interesse por uma forma de comuni-
cação em ruptura com o contexto mass-midiático e unidirecional,
uma tendência que procura a participação do espectador para a
elaboração da obra de arte, modificando, assim, o estatuto desta
e do autor.
Nos ambientes, é o corpo do espectador e não somente seu
olhar que se inscreve na obra. Na instalação, não é importante o
objeto artístico clássico, fechado em si mesmo, mas a confronta-
ção dramática do ambiente com o espectador. A noção de "arte
de participação", portanto, tem por objetivo encurtar a distância
entre criador e espectador. Na participação ativa, o espectador vê-
-se induzido à manipulação e à exploração do objeto artístico ou
de seu espaço.
A manifestação de uma imagem interativa dar-se-á a par-
tir do momento em que haja um conjunto de interações entre o
campo a ser explorado e as potenciais reações do receptor. Por
existirem tais interações, a imagem interativa impõe-se como uma
ferramenta de comunicação, uma vez que possibilita o armazena-
mento e a recuperação de várias informações.
Em uma imagem interativa, há variadas possibilidades de
interação, embora estas já estejam previamente inclusas no pro-
cesso poético-tecnológico que as viabilizam. Em outras palavras,
embora sejam abertas ao sujeito várias possibilidades de intera-
ção, na realidade, essas interações já haviam sido previamente
concebidas no procedimento que as viabilizaria. Logo, o elemento
condicionador da forma é o procedimento criativo.

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188 © Arte Educação e Cultura Digital

No caso específico do universo tecnológico, o programa,


que é o elemento organizador, é capaz de conter e produzir uma
quantidade infindável de interações, que, por sua vez, recodificam
as propostas idealizadas pelo artista. Cabe, pois, ao artista, fixar a
obra como possibilidades já previamente organizadas e delimita-
das – a serem atualizadas pelo receptor – ou circunscrever a obra
em um campo de novas possibilidades a ser explorado.
Quando há um jogo permutário, deixado sempre disponível
para se esgotar na multiplicidade de soluções, a imagem que de-
corre dessa permuta comporta-se como uma obra-mãe, a partir da
qual haverá atualizações. Esse tipo de ordem transpõe a unidade
do modelo criado em um dado acontecimento. É um programa-
-fonte que passa a apreender o real por meio de uma combinação
de possibilidades.
Nesse processo, por um lado, há a informática conduzindo à
concepção de matrizes possíveis de obras possíveis; por outro, há
a mediação com esse programa, que instaura a relação interativa
entre as proposições do autor e as vivências do receptor.
O ato fundamental da recepção da obra passou a ser a ope-
ração, e as escolhas minimizam o significado em proveito dos di-
lemas da ação. O receptor passa a ser muito mais construtor de
possíveis ações do que de possíveis significações.
Implícita nessa construção de ações, está a atualização da
obra, assim como a recuperação de determinados indícios deixa-
dos pelo artista, uma vez que a ação do receptor está vinculada
ao seu repertório. Repertório, na realidade, é um estoque de sím-
bolos conhecidos e utilizados pelo receptor, o qual determina sua
competência e sua performance em decifrar códigos e articular
significações por meio de operações de linguagens sobre lingua-
gens.
Toda imagem existe para que seja percebida por outra pes-
soa e, sabendo-se identificar para quem ela foi produzida, torna-
-se, por conseguinte, mais fácil apreendê-la. Conhecer o tipo de
© U3 - Cultura Digital 189

receptor para quem a imagem se propõe subentende a necessi-


dade de identificar a função para a qual ela foi criada, visto que
a intenção subjacente às mensagens se relaciona ao tipo de in-
formação que se quer comunicar, permitindo, consequentemente,
conhecer o seu modo de funcionamento.
É por meio do repertório comum entre o emissor e o re-
ceptor que se determina o modo como se processará a recepção,
já que as possíveis leituras se estabelecem em função do tipo de
mensagem e se concretizam a partir da interação entre esses dois
fatores da comunicação (emissor/receptor), mediada por meios e
linguagens e estabelecida pela própria obra como mensagem.
Essa decodificação se dá, todavia, em função da existência de
um código comum e da capacidade do receptor de transpor "crí-
tica" e "criativamente" os limites impostos pela obra. Em outras
palavras, ao atualizar a obra na sua realidade sensível, o receptor,
informado pouco a pouco, consegue apreender os modos de fun-
cionamento da imagem, preenchendo as estratégias de leitura e,
finalmente, assumindo o papel de recriador. Portanto, por meio de
um agir portador de seu próprio conhecimento, a cada passo, vai
descobrindo, reconhecendo e reconstruindo a poética do artista
na perspectiva de exercer um esforço de ação em transformá-lo.
As especificidades das novas tecnologias da informação re-
novam a noção de autor e de receptor, uma vez que dilatam sua
aptidão criativa pela possibilidade de amplificação das capacida-
des sensíveis e inteligíveis. Entretanto, deve-se levar em conta
que essas mesmas potencialidades do meio tecnológico não ne-
cessariamente asseguram o comum pressuposto de que o papel
do receptor possa confundir-se com o de autor. A condição instru-
mental que garante ao receptor agir como emissor não o põe, em
princípio, nem na posição de coautor nem na de recriador.
O que vemos, na realidade, é que o procedimento artístico
passou a ser deliberadamente construído na pretensão de uma
atenção mais acurada. Com isso, exige-se um receptor informado,

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190 © Arte Educação e Cultura Digital

uma vez que apenas a observação da forma já não é mais possível


para entender a obra. Recuperar o conceito de tradução é a pre-
missa que nos conduz à recepção como um processo de leitura
criativa, de uma leitura como movimento hermenêutico em que o
tradutor escolhe e é escolhido.
O grau de domínio que o leitor tem dos códigos determinará
sua consciência de linguagem, ou seja, o modo como as estraté-
gias de recepção serão atualizadas. Mas, para isso tudo acontecer,
é essencial que haja educação progressiva, porque, do contrário,
a participação do espectador resumir-se-á a uma série de tentati-
vas. Ele se transformará em uma máquina de clicar sem razão nem
consciência do gesto, como observam Couchot e Hillaire (2003).
As artes do virtual propõem não somente uma participação
na construção do sentido da obra, como também uma coprodução
da obra, ou seja, o espectador é chamado a intervir diretamente
na atualização (a materialização, a exibição, a edição, o desenrolar
efetivo aqui e agora) de uma sequência de signos ou de aconte-
cimentos. É uma obra, por excelência, aberta, e cada atualização
revela aspectos novos, faz emergir formas absolutamente impre-
visíveis. O evento da criação não se encontra mais limitado ao mo-
mento da concepção ou da idealização da obra: o dispositivo virtu-
al propõe uma máquina de fazer surgir eventos. Mas tal abertura
dá-se, especialmente, devido às possibilidades físicas de imersões
ativas de um dado explorador e, materialmente, nas outras obras
da rede. Para Lévy (1999, p. 147):
O grau dessa abertura é evidentemente variável de acordo com os
casos; ora, quanto mais a obra explorar as possibilidades oferecidas
pela interação, pela interconexão e pelos dispositivos de criação co-
letiva, mais será típica da cibercultura [...] e menos será uma "obra"
no sentido clássico do termo.

A universalidade de uma obra da cibercultura ocorre por co-


nexão com outras obras e por sua copresença, por sua presença
material, "e não mais necessariamente pela significação válida ou
conservada em todas as partes" (LÉVY, 1999, p. 147).
© U3 - Cultura Digital 191

Pesquisas utilizando sistemas interativos, telemática, inte-


ligência artificial, realidade virtual, vida artificial e robótica, por
exemplo, acabam abrindo terreno para experiências complexas
dentro de ambientes virtuais interativos. Trata-se, pois, de am-
bientes que têm a capacidade de se auto-organizarem, tomando
como base a capacidade adaptativa de redes neurais artificiais que
evoluem em suas respostas, o que não era possível até então.
São avanços científicos, tecnológicos e interativos que se so-
mam a tecnologias imersivas. Essa união permite-nos mergulhar
em ambientes virtuais de alto apelo estético para o corpo, pois são
tecnologias que se constituem em sistemas complexos capazes de
propiciar a exploração de uma arte comportamental, com respos-
tas em tempo real para o participante da experiência artística, em
situações que mesclam o real e o virtual tecnológico. Toda arte
interativa é regida por computadores que, na qualidade de tecno-
logia numérica, abrem acesso a dados guardados nas memórias
invisíveis de redes de silício.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) O que é Cultura Digital?
2) Explique como ocorreu o desenvolvimento da internet.
3) O que é Net art?
4) O que é arte interativa?
5) O que é ciberespaço?

9. E-REFERÊNCIAS
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EAD
Arte-educação e Cultura
Digital

4
1. OBJETIVOS
• Discutir os problemas da exclusão digital.
• Verificar os problemas que envolvem os tecnófobos e os
tecnófilos e a subutilização do computador em Arte-edu-
cação.
• Produzir sentido e compreensão da mensagem.

2. CONTEÚDOS
• Os problemas da exclusão digital.
• Tecnófobos e tecnófilos e a subutilização do computador.
• Complexidade semiótica.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
198 © Arte Educação e Cultura Digital

1) Estamos nos aproximando do final do presente material.


Lembre-se de que é esse o momento em que você terá
uma visão geral sobre o que estudou. Antes de começar
esta unidade, retome os principais pontos analisados até
agora.
2) A fim de acompanhar com mais eficácia os conteúdos que
serão estudados nesta unidade, indicamos as seguintes
obras: A sociedade digital: o impacto da tecnologia na
sociedade, na cultura, na educação e nas organizações
e O labirinto das hipermídias: arquitetura e navegação
na ciberespaço. Veja as referências completas no tópico
Referências Bibliográficas.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Dadas as dificuldades e privações pelas quais passa uma par-
cela significativa da população brasileira, é comum que questões
sociais mal resolvidas se transformem em verdadeiros entraves ao
desenvolvimento educacional de alguns indivíduos. Não obstante,
o que poderia ser um empecilho para o crescimento intelectual do
homem se torna um estimulante, e muitos conseguem superar os
estorvos financeiros que, a princípio, eram vistos como barreiras
intransponíveis.
De acordo com Freire (1983, p. 109):
Desta forma, o próprio dos homens é estar, como consciência de
si e do mundo, em relação de enfrentamento com sua realidade
em que, historicamente, se dão as "situações-limites". E deste en-
frentamento com a realidade para a superação dos obstáculos só
pode ser feito historicamente, como historicamente se objetivam
as "situações-limites".

Amadeu da Silveira (2003) relata que um dos fundadores do


Fórum de Davos, Klaus Schwab, tem escrito sobre a importância da
extensão da cidadania a partir das novas tecnologias. Para ele, "o
próprio presidente do Banco Central brasileiro ficou sensibilizado,
em Davos, com a necessidade de utilizar intensivamente as tecno-
logias da informação nas escolas" (SILVEIRA, 2003, p. 32).
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 199

Vemos que o processo digital, além de essencial para a cida-


dania, tornou-se irreversível. Aparentemente, nenhuma fronteira
oferece resistência à sua expansão. Mas, para acompanhar seu de-
senvolvimento e, a partir daí, implementar um projeto de inclusão
social com a inclusão digital, é essencial que haja investimento.
No Brasil, embora as tecnologias digitais estejam mais acessí-
veis, ainda estamos longe de promover uma revolução na socieda-
de e, especialmente, na educação a partir dos meios digitais. Nos
Estados Unidos, por exemplo, para diminuir a razão entre compu-
tador e aluno, que era, em 1991, de um computador para cada 25
alunos, para um computador para cada dois ou três alunos, era
necessário investir, anualmente, 4 bilhões de dólares – dinheiro
que, aparentemente, ainda não temos disponível.

5. O PROBLEMA DA EXCLUSÃO DIGITAL


É evidente que a cultura proveniente dos meios digitais faz
parte de um processo sem volta; no entanto, não devemos ali-
mentar a ilusão de que o espantoso tecnofuturo prometido pelos
defensores das super-rodovias da informação e pelos barões da
ciberindústria só se aplica àqueles que possuem telefone e que
tenham poder de compra.
Se levarmos em consideração que apenas 10% da população
mundial tem acesso a telefone e que para muitas pessoas ter um
telefone em casa ainda é artigo de luxo, é contraditório que uma
grande quantidade de dinheiro seja sistematicamente investida
em programas de comunicação global. Duas realidades parecem
colidir: a realidade do planeta e seus habitantes e a realidade do
mundo virtual com sua infraestrutura comunicacional habitada
por consumidores/usuários. Sabemos que uma parte expressiva
da população mundial é totalmente invisível, aparecendo só em
momentos de catástrofe natural, guerra ou revolução; que a gran-
de maioria das pessoas não possui telefone; não tem poder de

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200 © Arte Educação e Cultura Digital

compra e que, portanto, não alcançará o status de usuários/con-


sumidores
Essa não é uma visão apocalíptica; é "apenas" uma consta-
tação! Com as privações econômicas aparentemente superadas, o
indivíduo ainda precisa superar outro entrave que está ligado à sua
formação: a superação da exclusão digital.

Tecnófobos, tecnófilos e a subutilização dos computadores


Umberto Eco, em seu livro Apocalípticos e integrados (1990),
chama de "integrados" aqueles que defendem a cultura de massa
– são os sujeitos encarregados de produzir para a massa –, e de
"apocalípticos" aqueles que a atacam – que não veem nada de
nobre produzido sob os auspícios da indústria cultural.
Ora, essa distinção surge a partir da cultura de massa. Ago-
ra, devido à cultura digital, surgem outros dois tipos, uns porque
aderiram às tecnologias digitais, e outros porque as rejeitam ter-
minantemente. Temos, pois, os tecnófobos e os tecnólogos.
O computador na educação é visto por muitos como uma
ferramenta indispensável no processo educacional. O uso do pro-
grama Logo, por exemplo, cujo intuito é fazer com que o aluno
seja o criador de programas, em vez de mero usuário, é tido como
revolucionário. Gardner (1994) aponta algumas vantagens relacio-
nadas à programação de computadores feita pelos alunos, pois,
para ele, estaria desenvolvendo inteligências variadas: a inteligên-
cia lógico-matemática, entre outras.
Para Gardner (1994), então, a inteligência lógico-matemáti-
ca parece central porque a programação depende do desenvol-
vimento de procedimentos rigorosos para resolver um problema
ou atingir uma meta em um número finito de etapas. Escrever o
programa requer que as etapas sejam claras, precisas e organiza-
das em uma ordem estritamente lógica. Um indivíduo com fortes
capacidades espaciais poderia ser iniciado por alguma forma de
computação gráfica – e ele poderia, também, ser auxiliado na ta-
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 201

refa de programação por meio do uso de um diagrama de fluxo ou


de algum outro diagrama espacial.
Portanto, o uso do computador na Educação é visto por mui-
tos como uma ferramenta indispensável no processo educacional.
Gardner (1994) aponta certas vantagens referentes ao uso do com-
putador, assim como os defensores do emprego do método tam-
bém o fazem, citando algumas estatísticas – como, por exemplo:
90% dos eleitores norte-americanos estão convencidos de que as
escolas que possuem computadores oferecem uma melhor educa-
ção; 60% são favoráveis a um imposto para acelerar a introdução
da informática nas escolas.
Contardo Calligaris (1998) ressalta que a grande maioria dos
norte-americanos acredita que a competência em informática e
tecnologia é decisiva para os estudantes do próximo século. Ela
aparece em terceiro lugar, logo após ler, escrever, fazer contas e os
bons hábitos de trabalho.
O psicanalista ainda salienta que hoje em dia assistimos à
constatação de que os computadores são indiscriminadamente
bons para crianças. Logo, quanto mais cedo as crianças forem ex-
postas à magia da tela, tanto melhor – assim parece pensarem pais
e educadores de hoje.
Após um período de entusiasmo com o método Logo de Sey-
mour Papert (programa de computador que permite às crianças
se tornarem verdadeiras programadoras) e com o construtivismo,
Calligaris chega à conclusão de que essa ideia, de que é melhor e
mais eficiente aprender colaborando na construção do saber do
que incorporando noções já constituídas, despertou uma preo-
cupação iminente: as repentinas simpatias construtivistas encon-
traram o mais tétrico pessimismo antitecnológico, classicamen-
te europeu. Os psicanalistas previam que as crianças, se fossem
educadas por esses instrumentos infernais (os computadores), em
breve se tornariam psicóticas.

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202 © Arte Educação e Cultura Digital

Calligaris (1988) observa, no entanto, que nem o computa-


dor nem o construtivismo fizeram milagres. Ainda chama a aten-
ção para o fato de que crianças até sete anos não devem ser entre-
gues às virtudes educativas dos computadores. O tempo de uso do
computador para a criança deve ser controlado. Uma hora por dia
parece razoável, por motivos tanto físicos (vista, posição) quanto
educativos. É absurdo pensar que qualquer estupidez computado-
rizada seja necessariamente melhor do que um bom programa de
TV; esse é um delírio hiperconstrutivista, para o qual uma idiotice
criada seria melhor do que qualquer coisa ensinada ou mais passi-
vamente contemplada.
Para alguns teóricos, como por exemplo, o professor Valde-
mar Setzer (titular do Departamento de Ciência da Computação
do Instituto de Matemática e Estatística da USP), o computador só
deve ser utilizado a partir dos 17 anos, pois o pensamento abstra-
to, forçado pelo uso do computador, prejudica os jovens até 16, 17
anos. Isso ocorre, em sua opinião, porque os jovens são forçados a
usar uma linguagem e um tipo de pensamento que são totalmente
inadequados para sua faixa etária, por ainda não terem maturida-
de intelectual.
Na realidade, ainda não existem pesquisas científica que
comprovem os benefícios do uso do computador como ferramen-
ta didática ou de lazer na infância. Em qualquer situação, o com-
putador força um raciocínio matemático restrito, lógico-simbólico.
E, para isso, é essencial que o jovem tenha uma maturidade muito
grande para se controlar.
Fora essas questões, que de fato são muito importantes, sa-
bemos que há pessoas que ainda não se sentem à vontade diante
de meios digitais. Falar sobre esse assunto requer que levemos em
consideração que, efetivamente, há pessoas que sentem verdadei-
ro pavor quando se veem na iminência de lidar com a informação
tecnológica. Esse medo é chamado tecnofobia.
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 203

Isso é muito interessante, uma vez que estamos lidando com


algo que seguramente simplifica nossas vidas, possibilitando mais
funcionalidade a ela. Esse, pois, é o lado mais, digamos, eviden-
te da questão. Essa mesma tecnologia, no entanto, também pode
transformar nossas vidas em um verdadeiro pesadelo, uma vez
que é cada vez mais difícil assimilar as inúmeras possibilidades que
as tecnologias podem proporcionar.
Brosnan (1998), citando Donald Norman, apresenta-nos um
exemplo emblemático para ilustrar essa questão. Ele fala do esfor-
ço necessário para dominar um simples instrumento, tão presente
em nosso dia a dia: o relógio. Um relógio digital, tendo muito mais
funções do que um tradicional relógio analógico é, exatamente
por isso mesmo, muito mais complicado para acertar a hora.
Como as novas tecnologias continuam a proliferar, cresce o
número de indivíduos com medo delas. Esse medo vai da evitação
da tecnologia a palpitações e suores, quando tecnófobos pensam
na possibilidade de se fazer uso de um computador, por exemplo.
O número de pessoas nessas condições chega a atingir um terço
da população mundial.
É comum ouvirmos que apenas os indivíduos mais velhos
são afetados por esse problema, que os jovens estão livres desse
tipo de preocupação. Mas isso não é verdade. Embora a tecnofo-
bia seja um fenômeno recente, inúmeras pesquisas sugerem que
as coisas estão piorando, de acordo com Brosnan.
O termo "tecnofobia" é usado para descrever indivíduos
que resistem ao uso do computador. Não se trata de uma "fobia"
no sentido clássico, porque não envolve um medo incontrolado,
como no caso da agorafobia, por exemplo.
Mas afinal, quais são os sintomas imediatos para podemos
classificar um indivíduo como tecnófobo? A princípio, conforme
Brosnan, quando há a junção de ansiedade e uma postura especí-
fica em relação ao computador.

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204 © Arte Educação e Cultura Digital

Alguns indivíduos não chegam a ser "fóbicos" – não chegam


a ter reações fisiológicas: náusea, vertigem, pressão alta –, porém,
sempre que possível, evitam o contato com o computador.
As características mais comuns entre tecnófobos são:
• resistência para falar ou mesmo pensar sobre computa-
dores;
• medo ou ansiedade em relação ao computador;
• pensamentos hostis e agressivos sobre os computadores.
Isso preocupa, haja vista que essas pessoas correm o risco de
ficar fora da revolução digital. Portanto, podemos chegar à conclu-
são de que por trás de um tecnófobo há componentes comporta-
mentais, emocionais e atitudinais com relação à tecnofobia.
Um sintoma que vale a pena ser destacado é a ansiedade,
por ser um sintoma dos tempos modernos. Mas há um estado de
ansiedade que está intimamente ligado ao computador. A ansie-
dade gerada a partir do computador é um estado cuja fonte de
estímulo ameaçador é o próprio computador.
Comumente associamos a tecnofobia a pessoas que não ti-
veram contato com computadores em sua infância. Contudo, essa
ideia já não se sustenta, uma vez que entre crianças com acesso a
computadores o nível de ansiedade é muito alto, porque a ansie-
dade está intimamente ligada às novas tecnologias. Em alguns ca-
sos, a fonte do estímulo ameaçador é exatamente o computador.
Para Brosnan, a ansiedade causada pelo computador é um
componente da tecnofobia. O estado de ansiedade computacional
é causado devido ao medo da interação com o computador, mes-
mo que este não represente nenhuma ameaça imediata. Então,
por que a mera possibilidade de ter que lidar com um computador
gera um sentimento de ansiedade? Brosnan explica que esse sen-
timento ocorre devido à possibilidade, mesmo que muito remota,
de perda de controle, por causa medo de uma avaliação e devido
simplesmente à não familiaridade com a linguagem utilizada pelo
computadores.
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 205

Os tecnófobos simplesmente não acreditam na possibilida-


de de explorar e representar o mundo a partir de meios digitais.
A utilização de qualquer outro meio implicaria a iminência de re-
formulações expressivas na maneira de trabalhar com os alunos,
ou seja, implicaria a necessidade de adquirir novos conhecimentos
pedagógicos, além de novos modelos de organização.
Para Sancho (2001), os tecnófobos não acreditam na possibi-
lidade de explorar e representar o mundo, abrindo mão das aulas
expositivas, do quadro negro e dos livros didáticos. Acreditamos
que, de modo geral, não se deve classificar os arte-educadores
como tecnófobos.
Heise e Grandgenett (1991) acreditam que o cerne do pro-
blema está na subutilização do computador nas aulas de Arte. De
acordo com as autoras, os arte-educadores ainda não aceitaram
o computador como um meio, pois falta-lhes vocabulário e habi-
lidades básicas para usá-lo de modo efetivo. Dessa forma, alguns
profissionais simplesmente rejeitam os meios eletrônicos por te-
merem colocar a forma no lugar do conteúdo, além de acredita-
rem que haverá perda do espiritual na Arte. Logo, é evidente que a
atitude do professor é fundamental à implementação da tecnolo-
gia na Arte-educação e, a partir daí, superar o entrave da exclusão
digital. Por outro lado, ver uma classe em silêncio quase absoluto,
cujo único som que pode ser ouvido é o dos ruídos que saem dos
teclados dos computadores, ninguém fazendo perguntas ao pro-
fessor, pois todos estão absortos diante da tela do computador.
Essa cena, para a maioria das pessoas, pode ser entendida
como um exemplo positivo, mas, para Diane C. Gregory (1996),
a cena é motivo de preocupação, pois, além de ser uma maneira
limitada de utilizar o computador, poder ser prejudicial ao proces-
so de aprendizagem dos alunos, pois, como já apontamos, crian-
ças com acesso a computadores têm um nível de ansiedade muito
alto.

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206 © Arte Educação e Cultura Digital

Devemos erradicar a ideia de que o computador funciona


como um rodamoinho, transportando tudo para um ambiente sem
som, cor, vida e significado. De acordo com Gregory (1996, p. 51),
Vamos substituí-lo por um ambiente de aprendizado mais criativo,
espiritual e cooperativo, que usa as novas tecnologias como um ca-
talisador para experimentar e aprender sobre nosso mundo, e não
para fugir dele.

Temos consciência de que a mera presença de um compu-


tador por si só não garante mudanças significativas no ensino da
Arte, sobretudo se o arte-educador não estiver motivado e com-
prometido, condições fundamentais para unir tecnologia e Arte-
-educação.
Certamente não encontraremos as respostas dentro das má-
quinas, mas dentro de nós mesmos (aliás, como sempre foi), pois
as tecnologias emergentes, como o computador, são formadas de
circuitos, plásticos, fios, e microchips; "essas novas tecnologias não
são inteligentes, estéticas, ou seres espirituais. Ninguém pode achar
as respostas dentro de uma máquina" (GREGORY, 1996, p. 54).
Portanto, o papel do professor será, entre outras coisas, o
de ajudar os alunos a refletir criticamente sobre sua escrita e seu
modo de produzir imagens, além de ajudá-los a criar seu próprio
currículo à medida que exploram a rede. O papel do aluno, por sua
vez, será o de tomar para si a responsabilidade pelo seu próprio
aprendizado, pela criação de imagens e de outras incumbências
em termos de significado, com menos ênfase nas qualidades for-
mais e habilidades técnicas.
É preciso criar ambientes de aprendizagem nos quais os alu-
nos sejam estimulados a tirar vantagem dos meios digitais. A inter-
net, por exemplo, pode ajudar os alunos a explorar, a fazer críticas
e análise de obras de arte que estão expostas em vários museus e
galerias pelo mundo todo.
Logo, a Tecnologia Computacional pode servir como ferra-
menta para pesquisa e instrução em História da Arte, apreciação
artística e estética. A internet também pode proporcionar um
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 207

ambiente de desafios, acomodar estilos individuais cognitivos de


aprendizados, além de proporcionar alternativas para interesses
e estilos de aprendizagem diferenciados. Mas, para isso, é preciso
ser ativo no processo de aprendizagem, ser capaz de criar novas
possibilidades, tanto criativas quanto expressivas.
Os alunos, consequentemente, se tornarão participantes ati-
vos, explorando novas áreas de aprendizado. Procurar meios que
propiciem novas alternativas para a prática do processo educativo
parece ser o grande desafio de nosso tempo.
Uma proposta muito interessante foi a proposta desenvolvi-
da por Alison Colman, professor da Universidade de Ohio, envol-
vendo questões referentes à net.art e net.pedagogia.
Colman chegou à conclusão de que muitos arte-educadores
privilegiavam aulas que dessem subsídios aos alunos para futu-
ramente disputar uma vaga no mercado de trabalho, como, por
exemplo, aprender computação gráfica. O aprendizado dos alunos
girava em torno de questões pragmáticas. O resultado disso é que,
conforme Colman (2004, p. 61), essa
combinação deixava pouco tempo no currículo para que os arte-
-educadores pudessem convidar os alunos a explorar criticamente
as tecnologias digitais e introduzi-los a artistas que examinassem as
implicações culturais e políticas de seu uso.

Colman defende que o arte-educador, ao se propor ensinar


sobre mídia digital, deve ter muito claro em sua mente que seu
papel não é formar para o mercado de trabalho. Sua proposta,
portanto, é investigar estratégias pedagógicas que encorajem os
alunos a pensar criticamente sobre o uso da internet; guiá-los na
análise de obras de Internet Art; e, finalmente, proporcionar uma
nova perspectiva acerca da internet como um meio de expressão
artística. Acompanhemos o exemplo a seguir a partir da orienta-
ção do próprio Colman.
Como os estudantes tinham familiaridade com a internet,
Colman deu algumas noções básicas sobre criação de páginas. Em

Claretiano - Centro Universitário


208 © Arte Educação e Cultura Digital

seguida, pediu que os alunos criassem uma net.art. A intenção era


fazer com que as obras fugissem dos website comerciais ou das
homepages pessoais. Ele buscava projetos que explorassem alter-
nativas aos web designs convencionais, tais como hyperlinks, nave-
gação intuitiva, imagens ilustrando ou explicando textos etc. Com
essa atividade, Colman conseguiu desmistificar a net.art, pois os
estudantes conseguiram superar a desorientação inicial, tornan-
do-se inteiramente confortáveis para analisá-la e criticá-la.
A etapa final do projeto de Colman foi explicar as diferen-
ças entre websites, obras de arte mais "convencionais" e net.art.
O papel do educador é depurar (ou melhor, decodificar) as novas
informações e devolvê-las ao educando de modo que atenda às
suas ansiedades emergentes. Em outras palavras, é papel do edu-
cador criar um ambiente de interação onde os educandos possam
expressar-se.
Para tanto, a ideia de que a escola simplesmente prepara
o candidato, por meio de fases sucessivas, a uma etapa superior,
deve ser terminantemente superada. Cada ciclo merece ser apro-
veitado – não como um preparo para a posteridade, mas como um
período completo em si mesmo e que, por isso mesmo, tem muito
a oferecer.

Complexidade semiótica
O fato de usar um editor de textos, de elaborar uma planilha
no Excel, montar apresentações no PowerPoint ou mesmo aces-
sar a internet já é suficiente para alimentar em algumas pessoas a
sensação de fazer parte do mundo digital. À primeira vista, essas
competências, embora necessárias, não garantem nossa participa-
ção na cultura digital.
Em relação ao arte-educador, mas não só a ele, antes de co-
meçar a lecionar, ele deveria ser capaz de acessar informações dis-
poníveis por meios tecnológicos; desenvolver projetos utilizando
softwares disponíveis; avaliar como o computador, o CD-ROM e
outros podem ser utilizados como ferramentas nas aulas de Arte.
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 209

Enfim, para entender as mudanças sociais e culturais, o ar-


te-educador precisa ter o conhecimento do funcionamento dos
meios, porque uma coisa é fato: não importa como o conhecimen-
to em informática é adquirido, ele servirá em qualquer situação.
Logo, mesmo que a intenção de um estudante de Arte não seja
tornar-se um artista, o treinamento técnico que receberá nas aulas
de Arte, ao utilizar o computador como uma ferramenta criativa,
poderá ser aplicado com desenvoltura por toda a vida, inclusive
no trabalho.
O método Logo, por exemplo, cujo intuito foi desenvolver
o raciocínio lógico-matemático dos alunos, transformando-os em
"verdadeiros programadores", proporciona uma gama de conhe-
cimentos em informática que certamente poderá ser utilizada em
qualquer área do conhecimento.
A utilização de qualquer meio tecnológico deve ser feita com
propósitos muito bem definidos, e não como um mero brinquedo.
Especificamente falando de Arte-educação, a grande chance de
não mais perdermos o bonde da História da Arte é participando,
pesquisando, mudando programas – juntamente com os alunos –,
para descobrir novas possibilidades de educação artística a partir
da informática.
Capturar imagens de obras de arte de sites da internet fa-
cilita o trabalho do professor, além de não promover gastos adi-
cionais. Também é muito interessante trabalhar com filmes edita-
dos. Como na internet há uma variedade de vídeos, basta utilizar o
programa DownLoader para baixar e armazenar os vídeos em um
computador pessoal. É um processo muito simples: basta fornecer
a URL (Uniform Resouce Locator), o Localizador Uniforme de Re-
cursos, que nada mais é que o endereço de um recurso que esteja
disponível em rede, e baixar o material que quiser. Em seguida,
utilizar o VirtualDub, um software para editar e, se necessário, le-
gendar o filme baixado.

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210 © Arte Educação e Cultura Digital

Portanto, trabalhar com imagens, textos e vídeos parece


ser uma combinação poderosa para que os alunos não só vejam a
obra em questão, mas também a variedade sociocultural na qual
ela esteve inserida. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
por exemplo, no capítulo que aborda o Histórico do Ensino de Arte
no Brasil e suas Perspectivas, fala sobre a tentativa – fins dos anos
1960 e década de 1970 – de aproximação entre as manifestações
artísticas ocorridas fora do espaço escolar e as que se ensinavam
dentro dele: é a época dos festivais da canção e das novas experi-
ências teatrais, quando as escolas promovem festivais de música e
teatro, com grande mobilização dos estudantes (1998).
Com a chamada convergência das mídias, é possível, além de
discutir sobre a importância política, social e cultural dos festivais,
mostrar artistas da época, como Gilberto Gil cantando Domingo no
Parque, Caetano Veloso cantando Alegria, alegria no III Festival de
MPB da TV Record, conforme as Figuras 1 e 2.
Dessa maneira, os estudantes poderiam "reviver" o clima que
envolvia um festival da canção. Com isso, a utilização daquilo que
Santaella define como mensagens semioticamente diversificadas
não geraria redundância, mas, sim, uma "cooperação intercódigos,
interlinguagens, tanto na formação da mensagem quanto no efeito
de compreensão a ser produzido no receptor" (2003, p. 46).

Figura 1 Caetano Veloso canta no Festival da Record em


1967.
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Figura 2 Festival da Record em 1967.

Vejamos uma outra possibilidade. Observe a Figura 3.


A Figura 3 mostra o momento em que o primeiro avião se
choca a uma das torres gêmeas do World Trade Center. Certamen-
te, a imagem é sublime – sublime porque a cena foi tão terrível
que não temos palavras suficientes para descrever a cena. Mas,
muito mais impactante e significativo do que ver somente as fotos
estampadas nas primeiras páginas dos jornais, e muito mais do
que ler a descrição do ocorrido, é ver a imagem em movimento.
Portanto, a máxima segundo a qual uma imagem diz mais do que
mil palavras – pelo menos nesse caso específico – é verdadeira,
desde que a imagem esteja em movimento! O ato de recepção
dessas imagens estimularia uma riqueza de sentidos percepti-
vos assim como uma profusão de efeitos psicofísicos e cognitivos
(SANTAELLA, 2003).

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212 © Arte Educação e Cultura Digital

Figura 3 Ataque às torres gêmeas do World Trade Center.

Acreditamos que uma alternativa seria montar apresenta-


ções no PowerPoint que assumissem a mesma complexidade se-
miótica que a televisão, com tudo acontecendo ao mesmo tempo:
som, imagem e verbo que podem assumir papéis diversificados e
multifacetados ao mesmo tempo, além do ritmo dos cortes, jun-
ções, aproximações e distanciamentos. Esses são seguramente os
aspectos mais característicos dessa mídia.
Um exercício interessante é procurar vários textos com de-
terminadas palavras chaves que sejam comuns aos textos.
A seguir, veja um exercício de criação mediática: metatexto
e texto.

Metatexto e texto––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O objetivo foi procurarnainternet por textos q'contivessem o maior número
possível d'palavraschaves q', ao mesmo tempo, fossem comuns aos textos dos
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palestrantes sobra corporalidade. Por exemplo, fazenduma busca com a pala-


vrachave arte telemática, selecionei três textos; a partir daí procurei também hí-
brido, hibridismo, hibridização, interconexão, interatividade – palavrascha-
ves d'texto d'Lúcia Leão; monitoramento, telecomunicação, tecnologia –
palavraschaves d'texto d'Yara Guasque; máscara, rosto, vídeo, videocriatu-
ra – palavraschaves d'texto d'Otávio Donasci, eassim, sucessivamente, com
as palavras-chave d'cada texto. Comohá uminfinidade d'textos contenduma
determinada palavra-chave, o critério foi selecionar aqueles q'mais se aproxima-
riam d'ideia central d'cada palestrante, em seguida recortei (utilizando o loca-
lizar = Ctrl+L) o trecho d'textonda palavrestavinseride fui colando seguindo o
critéralfabético (arte telemática, hibridização, interatividade, interconexão, más-
cara, monitoramento, telecomunicação, tecnologia, vídeo, videocriatura etc.). À
medida q'as palavrasiamaparecendo, foram sendo destacadas enegrito.
O dispositivutilizado foio Google. De inícioptei por recortar os três primeiros
textos logo d'primeira página, mas como nem sempreas palavras estavam in-
seridas no mesmo contexto, resolvi realizar uma pesquisatéa página d'nº 18,
isso quando possível. Comas palavras artetelemática, por exemplo, optei por
colocá-las entraspas para reduzir o número d'possibilidades, pois poderia cor-
rer o risco d'encontra-las inseridas, separadamente, em contextos totalmente
distintos. Já com videocriatura não foi possível fazer a separação, uma vez que
vídeo e criatura podem nos remeter a universos totalmente alheios ao conceito
elaborado por Otávio Donasci.
Não houve preocupação com o aspecto lógico para a criação do texto, no entan-
to, o resultado final apresentou uma boa sequência lógica. Interessante, embora
de certo modo previsível, pois os textos dos palestrantes giraram em torno do
mesmo tema: a corporalidade, que, por sua vez, ajudou a discutir aspectos da
cultura digital.
A conclusão a que chegamos é a seguinte: embora possamos trabalhar com tex-
tos distintos, é possível gerarmos metatextos com uma sequência lógica (mesmo
que não seja essa a ideia inicial), porque todos os textos, apesar de escritos por
pessoas diferentes, foram produzidos a partir d'umideia central: as novas tecno-
logias; logo, as novas ideias estão circulando, basta q'as capturemos.
Uma outrideia foi suprimir aúltimoua primeira vogal d'algumas palavras, juntar
palavras – dependendo da melhor sonoridade – criando, assim, umaeconomia
d'espaços sem, no entanto, alterar a comunicaçãoeo sentido geral da frase.
É possível, pois, q'o sentido não surjimediatamente, mas à medida q'a leitu-
ravance, o significado surge naturalmente. Por exemplo: palavrestavinserida
trata-se da junção de três palavras, q'formam uma só, mas q'mantêm significa-
ções independentes; ou seja, é possível atribuirmos um sentido comum aos ele-
mentos separadamente: um sentido à palavra, à estava e à inserida, surgindo,
assim, a seguinte ideia: a palavra estava inserida. Podemos dizer que se trata
d'um exercício q'se aproxima do método de James Joyce, sendo q'a diferença
é que utilizamos, diferentemente doscritor Irlandês – em sua grande maioria –
palavras em português.
Arte Telemática utilizas telecomunicações para criar obras d'arte. Exem-
plo: usuários d'internet influindo no crescimento d'uma planta. Ou, no campo
d'ança, duas bailarinas em palcos diferentes unidas em tempo real através de
transmissões projetadas. A rede passa, pois, a ser umeio importante q'além
d'conservar identidades múltiplas, em vias d'dissolução, faz circular imagens
q'testemunham o estado d'coisas – paradoxo d'telemática numundo tecnoló-

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214 © Arte Educação e Cultura Digital

gico q'funciona a grande velocidade e com enormes disparidades socioeconô-


micas. Eis o mundo, olhe rápido antes quelescape, antes quele se dissolva em
fórmulas desconhecidas e códigos obscuros.
As experiências artísticas utilizando-se d'redes já datam d'algum tempo. Antes
do computador, os artistas criaram a arte postal, nos anos 1960. Depois dis-
so, com os avanços no campo dos satélites e das transmissões eletromagné-
ticas, aliados com um desejo d'realização instantânea, começam as primeiras
experiências artísticas utilizando-se d'factos eletroeletrônicos com'á televisão
d'varredura lenta (slow scan TV), o telefone, o fax, e as redes d'computadores
q'd'iníceram estabelecidas somente pareventos determinados e logo a seguir,
desfeitas. D'associação das telecomunicações com a informática, surge o termo
Telemática, quinda hoje é utilizado para determinar trabalhos criados nas redes
d'computadores com'á Internet.
A telemática produzida para a Internetem como principal característica ser
constituída d'trabalhos especialmente produzidos para rede ou q', ao menos,
utilizam a Internet como parte integrante d'obra ou eventartístico. A princípio
ñ'se possuinduma definição ou vocabulário muito definidos.
A Internet é também um lugar d'Hibridismo e d'Nomadismo. A ambiência co-
municacional promovida pelas redes e serviços telemáticos tem na suessên-
cia a dimensão d'híbrido, o q'lhe dá uma naturezinovadora. Esta dimensão
d'hibridismo tem várias facetas que têm em comum a experiência d'oscilação.
A rede e serviços telemáticos são em si mesmos híbridos enquanto linguagem
porq'acolhem simultaneamentescrita, imagem, som, vídeo unidos pelestru-
tura d'laço (link) e d'interatividade, que faz com que se designe como hiper-
media. Estes novos mediapresentam umestrutura triádica, ou seja, estética,
tecnológica e social. A vida social é um construto que tem a sua gênese e me-
tamorfose nas tecnologias d'informação e d'comunicação, são essas tecno-
logias que geram novas dinâmicas fazendo surgir o que usualmente se designa
d'tecnocultura que geruma novecologia cognitiva marcada pelo hibridismo e
pela globalização.
Interatividade, em contrapartida, se resumem diversas formas criativas d'se
trabalhar usando várias maneiras d'interação emumapresentação, onde o
emissor consiga transmitir a mensagem para o receptor. Para se desenvolver
qualquer tipo d'interatividadé necessário utilizar-se d'tecnologias avançadas,
através disto, há a possibilidade d'umaior controle d'receptor pelemissor, pro-
porcionando um conhecimento maior do mesmo, fazendo com q'a interativida-
de seja benéfica, por exemplo, a umempresa e para com seus clientes.
Ao se trabalhar cominteração e interatividade na construção d'um site é ne-
cessário a prioristudar o tipo d'empresa e o produto com a qual ela trabalha.
Estudando todos os detalhes possíveis, trabalhar com vários meios d'se deixar
um sitinterativo, a variabilidade vai depender do produto e o trabalho que se
aplicará no site, sempre focando o públicoalvo d'empresa.
Existem vários meios de se trabalhar com interação e interatividade, o desen-
volvimento d'mesmira depender d'resultado q'se pretendobter, podendassim
planejar e colocar em prática uminteratividadeficaz. Interatividade na Weben-
globa vários assuntos, várias coisas q'relaciona a ligação homemaquina. Todo
meio d'comunicação em um site, onde relacionessa ligação é uminterativi-
dade.
Todos os profissionais q'desenvolvum site (webmaster e webdesigner) neces-
sitam conhecer um pouco de Webmarketing, justamente para que, no projeto
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 215

desse site, seja incluso alguminteratividade, sendo ela construtiva. A interati-


vidade tem vários meios d'dar retorno, tanto comercial, comem facilitar meios
d'comunicação interna d'umempresa. Muitosites promovem sorteios, promo-
ções através d'uminteratividade.
Netart, webart, Internetart, mídiart, earte técnica, e tecnologia são nomes
d'muitos d'novos campos d'exploração d'pesquisadores eartistindependen-
tes d'todo Brasil. Utilizar a tecnologia comuma forma d'expressão e ques-
tionamento crítico não é novidade. O q'muda n'artetecnologia é autilização
d'novosuportes artísticos, bem diferentes dosutilizados em pinturescultura.
O surgimentea diferenciação d'arte e tecnologia no Brasil foram influenciados
por tendências n'exterior. Atualmente, diversas universidades pesquisam temas
relacionados àrte e tecnologie cibercultura. Há menos d'cincanos, a artecno-
logia passoua fazer parte d'Bienal d'São Paulo. Em 2004, diversos artistas
renomados participam do evento q'atrai cada vez mais público.
Durante séculos, aurbanização brasileirocorreuem pontisolados, como ver-
dadeirilhas, tornando-se generalizada somentea partir d'século 20. Pode-se
dizer q'Salvador comandoua primeira redurbana do país, mantendo sua pri-
maziaté meados do século 18, quanda capital da colônia se transfere para a
cidade do Rio de Janeiro. As relações entreo litoral eointerior eram frágeis neste
período. O povoamenteas riquezas geradas pelagriculturea mineração ensaia-
ram os primeiros passos rumao processo d'urbanização.
Em fins do século 19, o Brasil assistao crescimento d'fenômeno d'urbanização
d'território. São Paulo, líder na produção cafeeira, inicia a formação d'uma
rede d'cidades, envolvendestados d'Rio d'e Janeire d'Minas Gerais. A partir
d'década d'70, ocorra difusão generalizadas modernizações, tanto no cam-
po como na cidade. A construçãoexpansão d'estradas d'rodagem ea criação
d'umoderno sistema d'telecomunicações possibilitaramaior fluidez no terri-
tório, além d'permitir aunificação d'mercadem escala nacional.
Cresceo consumo d'bens materiais eimateriais, comeducaçãoe saúde, trans-
formandoas funções urbanas. A redurbana torna-se mais complexa, pois tanto o
campo comoa cidade respondem às novas condições d'realização d'economia
contemporânea. Natual fase, aurbanização do território tem múltiplimplica-
ções, tais como o ritmo d'crescimento mais lento das cidades milionárias e,
concomitantaessa tendência, o crescimento das cidades locais e das cidades
médias. Em 1980, o país contava com 142 cidades comais de 100 mil habitantes
e, em 1991, eram 187. A participação da população brasileira cresce também
nessas cidades médias, elevando-se de 13,7% em 1970 para 16,7% em 1991.
A densidadeconômica do território levà crescentespecialização das cidades,
que têm um papel cada vez mais ativo no país.
A ideia básica da videocriaturera criar um híbrido, umespécie de cyborg, meta-
de gente e metade máquina, comumonitor d'TV colocado, por meio d'armações
d'plástico tubular (tubo pvc) moldadoa quente, em cima d'um ator escondido
sob mantos pretos. Cada tela d'monitor, ligada por cabos aum gravador d'vídeo,
nos mostravaimagem d'um rosto recitando monólogos ou dialogandoao vivo
com o públicou com outras videocriaturas. A proposta d'Donascié simples e
precisa. Trata-se d'ampliar os recursos expressivos d'ator comaincorporação
da linguagem dos meios audiovisuais. Quando o personagemorre, por exemplo,
seu rosto vai aos poucos saindo d'foco; quandelestásbravejando contrao pú-
blico, sua boca vaentrando num big close-up, através d'uma zoom-in, atécupar
todoo rosto-tela. Ao mesmo tempo, o vídeo ganha a dimensão cênica do teatro,

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216 © Arte Educação e Cultura Digital

libera-se da fatalidade bidimensional e pode relacionar-se fisicamente coma pla-


teia. Em síntese, o videoteatro faz umespécie d'"costura" eletrônica d'vários
recursosimbólicos, crianduma linguagem híbrida, q'unas formas mais antigas
d'expressão da humanidadeas mais recentes. 
Vários protótipos d'videocriaturas foram experimentados. O mais antigo,
q'correspondeà descrição feitacima, é também o mais conhecido. Existem va-
riantes, entretanto. O videofantoche, q'utilizumonitor d'apenas cinco polega-
das, imita perfeitamentum bonequinho d'teatrinfantil q'se manipula comos de-
dos, com a diferença q'elevas possibilidades fisionômicas do fantochaoinfinito.
Uma videocriaturenorme, q'utilizumonitor d'24 polegadas em cima d'dois
atores, foi mostradaem 1984 no Videobrasil. Nesse mesmo festival, Donasci
mostrou também a mais importantinovação d'seu projeto: a tomadaemissão
simultâneas do rosto da criatura, condição fundamental para permitir aimprovi-
saçãoeo diálogo direto coma plateia.
As últimas invenções d'Donasci são as chamadas performances multimídia,
q'possibilitam ao videoteatravançar ainda mais um passo. Aideia dessas per-
formances é simples, mas oefeito final é poderoso. Por exemplo: na performan-
ce apresentada por ocasião da 20ª Bienal Internacional de São Paulo, vê-sum
ator contracenandao vivo comimagem d'uma mulher projetada num telão. Co-
messe telão foi confeccionado num tecido bastantelástico, a atriz q' forneceai-
magem projetada pôde, ela própria, colocar-se atrás da telae modelá-la com seu
corpo, sem ser vista pelo público. Aimpressão q'tem o público é queimagem
da mulher, projetada no telão, se torna vivae tridimensional, permitindo ao ator
"real" abraçá-leaté mesmo fazer amor com ela no palco. O mesmo processo foi-
tilizado também por Donasci, mas com ainda maior radicalidade, n'encenação
da peça d'Marcelo Paiva, em 1989.
A cada novexperiência, Donasci destilao seu processeavança na direção da
síntese do teatro com as novas tecnologias. No Videobrasil de 1992, ele dá mais
um passo nesse sentido: os rostos agora tridimensionais flutuam como velas no
espaço soprado por ventiladores montados junto com projetores em torres q'se
movimentam em cena, sobrevoandas cabeças dos espectadores, chocando-se
com a plateia, simulando q'os engolem.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Assim, em maior ou menor grau, devemos utilizar o compu-
tador cada vez mais como veículo de produção de sentido. Mas
essa prática seria suficiente para estreitar os laços entre a Arte-
-educação e a emergente cultura digital? Acreditamos que ainda
não seja suficiente. É necessário que aprendamos a usar o compu-
tador de maneira mais otimizada.
Para Sullivan-Trainor (1995, p. 27),
Aprender a interagir com um computador e uma rede é a base do
aprendizado de uma nova linguagem multimídia, da mesma forma
que aprender a construir sentenças é a base do aprendizado de
uma língua estrangeira. E como acontece com outros idiomas, o
entendimento da nova linguagem multimídia virá acompanhada da
percepção da cultura multimídia.
© U4 - Arte-Educação e Cultura Digital 217

Sullivan-Trainor fez essa observação há cerca de 15 anos!


Obviamente que houve avanços significativos no desenvolvimento
e na implementação de tecnologias digitais voltadas à educação.
A internet, à primeira vista, parece ser a alternativa mais imediata,
embora seu acesso requeira investimento financeiro, treinamento,
habilidade e entendimento de como ela funciona. Mas isso ainda
não é o cerne da questão digital. O problema principal é que não
há comprometimento e atitudes positivas com relação à tecnolo-
gia, pois isso contribuiria de maneira efetiva para a incorporação
das tecnologias digitais em sala de aula.
Um bom exemplo de mudança de postura seria tentar reu-
nir informações básicas acerca da informação digital: que ela só
é possível por meio de bits, a partícula subjacente à computação
digital; que, ao longo dos últimos 25 anos, expandimos bastante
nosso vocabulário binário, nele incluindo muito mais do que ape-
nas números; que temos sido capazes de digitalizar diferentes ti-
pos de informação, como áudio e vídeo, reduzindo-os, também,
a uns e zeros (NEGROPONTE, 1995). Julgamos serem não apenas
informações, mas conhecimentos essenciais para aqueles que se
preocupam com as questões tecnológicas e que pretendem trazê-
-las para dentro do universo da Arte-educação.
Enfim, saber utilizar novas ferramentas ainda não é suficien-
te! É preciso mais! É necessário, também, apropriar-se de maneira
efetiva de uma série de novos conceitos. Entre eles, podemos citar
hipermídia, que designa uma escritura complexa, com diferentes
blocos de informações interconectados; trabalhos hipermidiáticos,
que possibilitam realizar trabalhos com uma quantidade enorme
de informações vinculadas, criando uma rede multidimensional
de dados (LEÃO, 2001); há, ainda, arquitetura orgânica, ciberes-
paço, hipertextos. Especificamente no campo da Arte, conceitos
como arte-telemática, poesia digital, cibridismo, por exemplo, são
conceitos que deveriam ser incorporados ao repertório do arte-
-educador. É tempo de trabalhar simultaneamente vocabulário,
conceitos e estruturas que ajudarão a dar sentido àquilo que apa-
rentemente é.
É necessária, portanto, a apropriação efetiva de uma série de
novos conceitos ligados à cultura digital. Entre eles, podemos citar:

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218 © Arte Educação e Cultura Digital

• hipermídia: trata-se de um tipo de escritura complexa,


com diferentes blocos de informações interconectados.
• atividades hipermidiáticas: possibilitam realizar traba-
lhos com uma quantidade enorme de informações vincu-
ladas, criando uma rede "multidimensional" de dados.
Especificamente no campo da Arte, temos:
• cibridismo: junção de ciber e híbrido – trata-se de um
conceito de instalação interativa que remete a projetos
que habitam, de maneira simultânea, o ciberespaço e um
mundo físico. Portanto, é um projeto que existirá no mun-
do real e no mundo virtual, contanto que essa existência
seja simultânea. Conforme Lucia Leão (2001), o primeiro
a utilizar o termo "sistema cíbrido" foi Peter Anders, em
1999. O pesquisador buscava evidenciar a capacidade de
habitar dois mundos ou sistemas concomitantes.
Com relação ao cibridismo, Gisele Beiguelman (2012), em
seu texto Admirável mundo cíbrido, defende a ideia de que a po-
pularização dos dispositivos de comunicação sem fio, com possibi-
lidades de conexão com a internet, indica que o corpo humano se
transformou em um conjunto de extensões ligadas a dois mundos,
simultaneamente: interconexão de redes e sistemas on e off-line.
Ou seja, ao mesmo tempo que os corpos são diluídos em uma
massa descarnada, feita de informação, essa mesma massa de da-
dos duplica sua existência como telepresença e presença física.

6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) O que você entende por tecnófobos?

2) De acordo com o texto, o que são usuários/consumidores?

3) Por que há subutilização do computador em Arte-educação?


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4) O que é criação mediática?

5) O que é uma rede multidimensional de dados?

7. E-REFERÊNCIAS

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Figura 2 Festival da Record em 1967. Disponível em: <http://www.youtube.com/
watch?v=Gz8UZZ-r-q0>. Acesso em: 7 set. 2010.
Figura 3 Ataque às torres gêmeas do World Trade Center. Disponível em: <http://4.
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Sites pesquisados
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