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FACULDADE MAURÍCIO DE NASSAU

BACHAREL EM DIREITO

RICARDO PETRÔNIO NUNES BEZERRA FILHO

REFLEXÕES EPISTEMÓLOGICAS SOBRE O DIREITO E A PRÁTICA DA


PESQUISA JURÍDICA

CAMPINA GRANDE – PB

2021
RICARDO PETRÔNIO NUNES BEZERRA FILHO

REFLEXÕES EPISTEMÓLOGICAS SOBRE O DIREITO E A PRÁTICA DA


PESQUISA JURÍDICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Bacharelado em Direito do Centro
Universitário Uninassau-Campina Grande como
à exigência para obtenção do grau de Bacharel
em Direito.

Orientador (a): M.e Francis Oliveira Bezerra

CAMPINA GRANDE – PB

2021
REFLEXÕES EPISTEMÓLOGICAS SOBRE O DIREITO E A PRÁTICA DA
PESQUISA JURÍDICA

Esta monografia foi submetida ao curso de Direito da UNINASSAU – CAMPINA


GRANDE como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. A citação
de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que feita de acordo com
as normas da ética científica.

Monografia apresentada à Banca Examinadora:

___________________________________
M.e. Francis Oliveira Bezerra (Orientador)
Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU

___________________________________
Nadine Gualberto Agra
Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU

___________________________________
M.e. Valéria Patrícia Araújo Silva
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG

CAMPINA GRANDE – PB

2021
RESUMO

Este trabalho busca demonstrar a partir das discussões da Filosofia do Direito,


as razões que fundamentam a sua existência e natureza de trabalho, sobretudo
pensando na crise deontológica que rodeia sua prática, tendo como objetivo
resgatar os valores norteadores desta área de conhecimento. O objetivo desta
pesquisa é demonstrar que a crise do direito está associada a outras variáveis
possíveis, como sua tecnicalidade feita distante da análise cultural e ética. A
pesquisa tem como abordagem o método qualitativo, tendo como técnica de
pesquisa, a pesquisa bibliográfica. Sugere-se que a ciência do direito se desvia
do foco principal de justiça e verdade, quando os operadores do direito utilizam
sua pré-noções pessoais, em sentenças que demandam subjetividade e
alteridade. Fazendo surgir assim um personalismo jurídico, distante dos valores
coletivos.

Palavras chave: Direito. Filosofia. Ciência. Cultura. Ética.

ABSTRACT / RESUMEN

This work seeks to demonstrate from the discussions of the Philosophy of Law,
the reasons that underlie its existence and nature of work, especially thinking
about the deontological crisis that surrounds its practice, aiming to rescue the
values that guide this area of knowledge. The aim of this research is to
demonstrate that the crisis of law is associated with other possible variables, such
as its technicality made far from cultural and ethical analysis. The research has
as approach the qualitative method, having as research technique, the
bibliographic research. It is suggested that the science of law shifts from the main
focus of justice and truth, when the operators of the law use their personal pre-
tions, in sentences that require subjectivity and otherness. Thus giving rise to
legal personalism, far from collective values.

Keywords: Right. Philosophy. Science. Culture. Ethics.


SUMÁRIO

RESUMO/ ABSTRACT ...................................................................................... 4

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6

CAPÍTULO I - O Direito e a Filosofia .................................................................. 7

1.1 Antecipações epistemológicas ..................................................................... 7

1.2 Apriorismo Jurídico ....................................................................................... 8

1.3 Teoria tridimensional do direito: Fato, Valor e Norma .................................. 9

1.4 O Empirismo e o Direito ............................................................................. 10

CAPÍTULO II – Conteúdo do Direito ................................................................. 12

2.1 O Direito como objeto da justiça ................................................................. 12

2.2 O Direito, a ética e a moral ......................................................................... 14

2.3 Juízos analíticos e Juízos sintéticos ........................................................... 15

CAPÍTULO III - Conteúdo jurídico: axiologia do Direito versus neutralidade do


Direito .............................................................................................................. 16

3.1 O Direito e sua relação com a cultura ........................................................ 16

3.2 A Doutrina e os modelos jurídicos dogmáticos........................................... 17

3.3 O Positivismo e a Sociologia Jurídica ........................................................ 18

CAPÍTULO IV - Direito: Ensino e prática jurídica ............................................. 19

4.1 Crises dos modelos de conhecimento positivista ....................................... 19

4.2 Doutrinas dogmáticas ou éticas? ............................................................... 20

4.3 Jurisprudência jurídica: a solução para crise do Direito Moderno? ............ 22

CONCLUSÃO................................................................................................... 23

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 24
6

INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade, o Direito já se constituía como um mecanismo


necessário para regulação da vida em sociedade. A palavra direito, tem origem
do latim directus, que significa “em linha reta”, ou que segue regras ou ordens
preestabelecidas. (NORAT, 2014, p. 1176)
Para Dante Alighieri: “Direito é uma proporção real e pessoal de homem
para homem que, conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói.”
Ou seja, basta a destruição do direito para que toda a sociedade seja destruída.
(SILVA, 2018)
Com o passar dos anos, e o homem adquirindo capacidade de outras
explicações racionais, inicia-se também uma crise no Direito, que o torna escravo
do tecnicismo, e reduz sua grandeza a um conjunto de normas a serem
seguidas, que somente por existirem, tornam-se “justas”.
Por esse motivo, deve-se compreender como o Direito funciona em seus
fundamentos, observando desta forma as divergências entre sua origem e o que
conhecemos hoje. Para desse modo identificar as razões que nos trouxeram a
esta problemática. O que tornou o direito um conjunto de leis e normas a serem
seguidas distante dos valores sociais?
Vencidas as primeiras fases de estudos, encontraremos a solução para
resgatar a ciência do direito em sua essência e reestabelecer a grandeza da
ciência jurídica, como um esforço de compreensão para entender a ação e o
comportamento dos homens.
7

CAPÍTULO I
O Direito e a Filosofia

1.1 Antecipações epistemológicas


O jurista e filósofo Javier Hervada evidência que Direito é uma ciência
prática e que ciência prática é sinônimo de arte; e no caso do Direito sinônimo
de conexão entre prudência e justiça (CORDEIRO, 2019).
Neste entendimento podemos deduzir que :
Arte é, em sentido estrito, recta ratio factibilium (reta razão no fazer); e,
em sentido amplo, um ordenamento racional das operações do homem
sobre certa matéria, para adaptá-la de melhor forma com o fim de
cumprir determinada utilidade ... (SCHERER, 2018, pp. 31-32)
A prudência é uma virtude que faz com que através do conhecimento,
consigamos praticar o que convém na vida social. Dessa forma, o Direito é a
relação entre o desejo de dar a cada um o que é seu, somado com a virtude da
prudência, ou seja, de saber como e o que praticar na vida social. Destarte, o
justo é a matéria da ciência do Direito. Ou seja, se há justiça, há o cumprimento
do direito e se há injustiça, há a lesão do Direito.
Já sobre a filosofia, é preciso saber que esta palavra foi usada a primeira
vez pelo filósofo e matemático Pitágoras. Advém da junção entre as palavras
grega “philo”, que significa amor fraterno, e “sophia”, que significa sabedoria, ou
seja, no sentido literal, filosofia significa amor pela sabedoria.
O jurista Miguel Reale explica o que é filosofia da seguinte maneira:
“Vê-se, pois, que a Filosofia representa perene esforço de sondagem
nas raízes dos problemas. É uma ciência cujos cultores somente se
consideraram satisfeitos se lhes fosse facultado atingir, com certeza e
universalidade, todos os princípios ou razões últimas explicativas da
realidade, em uma plena interpretação da experiência humana; mas,
nas vicissitudes do tempo, tal paixão pela verdade sempre se renova;
surgem teorias, sistemas, posições pessoais, perspectivas diversas,
em um dinamismo que nos é conatural e próprio, de maneira que a
universalidade dos problemas não pode contar com resultados ou
soluções todos universalmente válidos. Poder-se-ia dizer, porém, que
é em nossa procura total da verdade que se manifesta a verdade total.”
(REALE, 2002, pp. 750)
O papel da Filosofia é explicar a realidade das coisas, como realmente
elas são. Portanto, concluímos que a Filosofia do Direito é responsável por
explicar a realidade do Direito, em sua mais alta profundidade.
Com o passar dos séculos, o direito evoluiu-se até o status de ciência que
conhecemos hoje, que se utiliza, “enquanto tem por objeto normas que,
8

apreciadas em sua estrutura, são objetos ideais, embora não possam ser
consideradas meras entidades lógicas.” (REALE, 2002, pp. 750).
Além disso, o direito forma-se com base em uma experiência axiológica,
utilizando-se da intuição para elaboração e verificação racional. Por isso, que
acredita-se na importância da discussão desse trabalho, é emergenciar a
necessidade do entendimento do direito como reflexo dos valores da sociedade,
cabendo ao jurista, entender mais dos valores sociais e dos traços da dinâmica
da cultura na sociedade.

1.2 Apriorismo Jurídico


Há de se pensar as mudanças do Direito, como campo de ação e
conhecimento. Antes, o direito estava baseado em valores que se expressavam
na oralidade. Com o desenvolvimento da cultura judaico-cristã, no ocidente, a
necessidade de “regrar” os valores e comportamentos das pessoas, mas aqui
destacando o vício direto como um campo de conhecimento que se pretende
neutro e justo, mas arraigado a valores religiosos, essa tendência de “escrever”,
“normatizar”, “legislar” sobre o fato e o comportamento concreto passa a ser um
elemento de organização social, política, e do próprio direito por assim dizer. A
tradição era o elo de ligação desse trabalho.
Com o advento do capitalismo, e sua vertente cada vez mais racional, o
‘elo’ deixa de ser a tradição para ser o valor ‘racional’, que normatize, assim, de
maneira inequívoca o comportamento e as vontades dos homens.
Porém, existe mudanças a partir dessa lógica. No que diz-se respeito
sobre o uso do direito para análise de fenômenos jurídicos, o estrutural do
passado não relaciona-se com o direito da mesma maneira, pois, o caráter
subjetivo do direito, faz com que ele seja uma categoria de análise de
instrumento jurídico sob os costumes, e não apenas um instrumento de uso de
força. Isso faz mudar a concepção de Direito.
Com o desenvolvimento do modelo de sociedade capitalista, a valorização
a liberdade e livre manifestação de pensamento, a natureza de relações livres,
mas contratuais, sob égide do Estado, passa a vigorar como exemplo do Direito
como campo autônomo sob a ótica de um Direito Moderno.
9

1.3 Teoria tridimensional do direito: Fato, Valor e Norma

A proposta dessa tridimensionalidade do direito é adotada por Reale


(2001), como uma resposta ao normativismo formalista e dogmático tinha.
Por normativismo entende-se que é a já conhecida corrente de
pensamento criada por Hans Kelsen: o positivismo jurídico; que observa o direito
como uma questão de aplicação pura e simples da lei positiva.
O aspecto normativo, o aspecto fático e o aspecto axiológico passam a
ser considerados como eixos do trabalho relacionado ao Direito.

“O simples fato de existirem várias acepções da palavra Direito já devia


ter suscitado uma pergunta, que, todavia, só recentemente veio a ser
formulada, isto é: esses significados fundamentais que, através do
tempo, têm sido atribuídos a uma mesma palavra, já não revelam que
há aspectos ou elementos complementares na experiência jurídica?
Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito
veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos,
discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto
normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um
aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e
histórica) e um aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça).”
(REALE, 2001, pp. 60)

Dessa forma, o autor refuta de uma só vez a teoria positivista de Hans


Kelsen, demonstrando que é impossível o Direito ser pura norma, a ideia dos
Marxistas e dos economistas do direito, que pregam que o Direito é só fato, e
também os ideias do adeptos ao direito natural, que propagam que o Direito é
só valor.
Torna-se importante entender que o Positivismo ultrapassou várias fases
diferentes, e nem sempre trouxe prejuízos para sociedade, pelo contrário. O
positivismo jurídico é expressão da exegese francesa (racionalismo), onde o
direito era utilizado para atender interesses particulares de lideres que possuem
influência na época.
Diante disso, o positivismo surge como uma solução para determinar por
escrito as leis da sociedade e trazes segurança para o povo, sem distinguir
posições.
Na realidade, o Direito é união destes três aspectos, de forma inseparável,
no qual um fato, tem sobre si um valor, gerando assim uma norma.
10

Mas para que o Direito possa operar é necessário a ocorrência de um


fenômeno ou fato jurídico. E a partir de então, dar-se um valor a este fato
ocorrido, julgando se tal fato é bom ou ruim. Por fim, nasce a norma jurídica, que
possui uma consequência medida através do valor imposto ao fato.
Esse argumento mostra como a Filosofia é necessária e merece ser mais
discutida na formação do operador do direto. A teoria tridimensional é a forma
mais complexa e próxima da “verdade’ que existe. O direito jamais pode ser
analisado apenas como uma norma, como afirmam os positivistas. Para o
surgimento de uma norma, é necessário a existência de um fato anterior, pois se
assim não fosse, sequer pensaria-se na criação de um instituto normativo.
No entanto, tais afirmações levantam uma questão. O que é responsável
por entender o roubo, o homicídio e outros crimes como errados? O valor dado
pela sociedade. Valor este que caminha de mãos dadas com questões religiosas,
morais e tradicionais de um povo, de um tempo. Sendo essas questões
merecedoras de maior atenção, do que simplesmente o rigor e a aplicação da
norma. Sobretudo, da força das instituições em tentar fazer essa análise de
maneira objetiva, se valendo ao valor de ‘neutralidade’ que por ventura venha
existir.
Outrossim, ao Direito não cabe uma análise tão rasa quanto fazem os
jurinaturalistas. Ao analisar o Direito apenas com o aspecto de valor, põe-se um
limite às estruturas institucionais que o direito possui. A realidade é que existem
regras normatizadas em uma sociedade, que visam o bem comum de todos, não
sendo possível analisar o Direito como simples valor, mas como resultado de
questões tradicionais.

1.4 O Empirismo e o Direito

Todo tipo de conhecimento, emana de algum lugar. E sempre que


buscamos entender a causa de um problema, é necessário buscar a origem das
ramificações que possuem relação direta com o que investigamos.
Por esse motivo, é importante entender de onde vem o conhecimento,
pois, é através do conhecimento e da experiência, que tanto o Direito, quanto as
outras ciências, avançam para alargar o campo de conhecimento humano.
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É desta forma que no campo epistemológico podemos entender como se


forma as correntes de pensamento humanas. Em particular, A Filosofia do Direito
leva o empirismo, o racionalismo e o criticismo como essas variáveis.
O termo empirismo considera todas aquelas correntes de pensamento
que sustentam ser a origem única ou fundamental do conhecimento dada pela
experiência.
Ou seja, o empirismo afirma que todo conhecimento adquirido, advém da
experiência. No entanto, não de qualquer experiência, mas da experiência
sensorial., quanto racional. Existe aqui uma relação de consciência x experiência
de maneira interdependentes. Essa é uma concepção Aristotélica.
O pensamento tradicional de Aristóteles foi sofrendo mudanças. Diante do
pensamento empirista original, surgiram algumas ramificações ao longo dos
anos, que se restringiu em “três tendências basilares”: o empirismo integral, o
empirismo moderado e o empirismo científico. Miguel Reale explica-os da
seguinte forma:
“a) — empirismo integral, que reduz todos os conhecimentos,inclusive
os matemáticos, à fonte empírica, àquilo que é produto de contacto
direto e imediato cora a experiência (posição de Hume, de Stuart Mill e
de alguns positivistas contemporâneos). Quando a redução é feita à
mera experiência sensível, temos o sensismo ou sensualismo;
b) — empirismo moderado ou genético-psicológico, que explica a
origem temporal dos conhecimentos a partir da experiência, mas não
reduz a ela a validez do conhecimento mesmo, o qual pode ser não-
empiricamente válido, como no caso dos juízos analíticos, os quais,
como já dito, são aqueles cujo predicado está contido no sujeito e que,
assim sendo, são a priori, como no exemplo: — "Todos os corpos são
extensos". A simples idéia de "corpo" já implica a de extensão, por
identidade (posição de Locke);
c) — empirismo científico, que só admite como válido o conhecimento
oriundo da experiência ou verificado experimentalmente, atribuindo
aos juízos analíticos significações de ordem formal enquadradas no
domínio dos enunciados lógicos, em essencial conexão com a
linguagem peculiar a cada tipo de ciência. Esta é outra tendência
destacada no neopositivismo, que está longe de alcançar a almejada
"unanimidade científica". (REALE, 2002, pp. 91)

Já no Racionalismo, entende-se que o conhecimento é gerado através da


razão, de forma preponderante, mas não exclusiva. Nesta corrente de
pensamento, os fatos também são válidos, mas prevalece a razão.
Para os racionalistas, algumas ideias são inatas, ou seja, já nascemos
com elas, além disso, o papel da mente para os racionalistas é muito mais ativo
do que sustentam os empiristas.
12

Nesta nova corrente, acredita-se que a mente não só organiza e


armazena informações, mas também atribui significados que essas informações
não teriam de outra maneira.
Além disso, os racionalistas entendem que existe conhecimento sobre o
mundo que não pode resultar somente da experiência, mas advém da dedução
lógica, da análise e da argumentação.
Acerca das doutrinas do direito que tomaram a forma de racionalistas, há
uma em especial que se destaca pelos inúmeros e célebres autores que trataram
dela com maestria: o Direito Natural.
Sobre o Direito Natural:
“Quanto a característica de imutabilidade do Direito natural, citamos
Miguel Reale, em referência a Aristóteles, assim: “Dizia Aristóteles que,
ao lado do Direito que muda da Grécia para a Pérsia, existe o Direito
Natural, que por toda parte apresenta a mesma força, não dependendo
das opiniões ou dos decretos dos homens, sempre igual, assim como
o fogo por toda a parte queima igualmente. É o Direito ligado à natureza
do homem, como expressão de suas inclinações racionais, de maneira
que a lei determina e manifesta o que a reta razão concebe como belo
e bom. Onde quer que haja vida em comum, aí encontraremos certos
princípios que não são contingentes e variáveis, mas que, ao contrário,
apresentam caráter de legitimidade porque não nascem de arbítrio e
de convenção, que podem ser indiferentes ou nocivos, mas sim da
natureza e da reta razão” (REALE, 1957, p. 110).

CAPÍTULO II
Conteúdo do Direito

2.1 O Direito como objeto da justiça

Este capítulo pretende discorrer sobre o pensamento de “justiça”, de São


Tomás de Aquino. Muitos pensadores trataram o Direito como objeto da Justiça.
Dentre estes, um merece maior destaque: Santo Tomás de Aquino⁹, pois foi o
primeiro a interpretá-lo desta maneira. Este filósofo, responsável pela fundação
da Filosofia Tomista, entende o Direito como um objeto da Justiça, uma ciência
utilizada para fazer valer o justo, aliando a fé e a razão.
Mas para apresentar o seu pensamento, Santo Tomás rebate alguns
pensadores e suas ideias sobre a justiça. Primeiro, rebate a ideia de que a justiça
é um hábito pelo qual praticamos atos justos e pelo qual fazemos e queremos
13

coisas justas. Para ele, “(...) a vontade designa uma potência ou também um ato.
Logo, é inconveniente dizer que a justiça é a vontade.” (AQUINO, 1936).
Segundo este autor, a justiça não pode confundir-se com a vontade, pois
a justiça é reta e a vontade não. Terceiro, a justiça também não pode ser
considerada como a vontade perpétua, pois todo perpétuo é constante, sendo
raso introduzir o perpétuo a justiça.
Dessa forma, verifica-se que os elementos de tradição, fé em vez da
razão, podem atrapalhar a ideia de Justiça. E sobre isso esclarece-se

“A referida definição da justiça é conveniente se for entendida como


deve. Pois, sendo toda virtude um hábito, que é o princípio dos atos
bons, necessariamente a virtude há de ser definida por um ato bom,
cujo objeto é a matéria própria dela. Ora, a matéria própria da justiça
são os atos relativos a outrem, como a seguir se dirá. Por onde, o ato
de justiça é determinado relativamente à sua matéria própria e ao seu
objeto, quando se diz: dar a cada um, o que lhe pertence; porque, como
Isidoro diz, chama-se justo aquele que observa a justiça. Mas, para um
ato, relativo a uma determinada matéria, ser virtuoso; é necessário que
seja voluntário, estável e firme. Pois, como diz o Filósofo, o ato de
virtude exige, primeiro, que o sujeito o pratique cientemente; segundo,
com eleição, e para um fim devido; terceiro, que seja imutável. Ora, a
primeira dessas condições está inclusa na segunda, pois, o que
fazemos por ignorância é involuntário, segundo Aristóteles. Por onde,
na definição da justiça, enuncia-se primeiro à vontade, para mostrar
que o ato de justiça deve ser voluntário. Acrescentasse, porém, a
constância e a perpetuidade para designar a estabilidade do ato.
Portanto, a referida definição da justiça é completa, sendo tomado o
ato pelo hábito, mas, que é especificado por aquele; pois, o hábito
implica relação com o ato. E quem quisesse reduzir essa definição à
sua forma devida, poderia dizer: a justiça é um hábito pelo qual, com
vontade constante e perpétua, atribuímos a cada um o que lhe
pertence. Definição quase idêntica à do Filósofo, quando diz: a justiça
é um hábito que nos faz agir escolhendo o que é justo.” (AQUINO,
1936, pp. 2100)

Ou seja, a justiça é um hábito pelo qual, com vontade constante e


perpétua, atribuímos a cada um o que lhe pertence. Desta maneira, Santo
Tomás, utiliza-se dos pensamentos dos filósofos e os dá sentido lógico e real.
Indo mais além, Santo Tomás, observa a Justiça como uma virtude, pois,
segundo ele, a virtude torna bom o ato humano, e esta é uma característica
primordial da justiça, portanto, reconhece de forma evidente a justiça como uma
virtude.
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2.2 O Direito, a ética e a moral

Como vimos anteriormente, o Direito é o objeto da justiça. É através desta


ciência que a justiça deve ser cumprida. Portanto, resta-nos saber qual a fonte
determinante para considerar algo justo ou injusto.
Paramos um pouco para analisar um dos maiores dilemas discursivos da
Filosofia Jurídica: a diferença entre Direito e Moral. Visando a busca pela
verdade e o entendimento de questionamentos que são prejudicados até hoje
por não se saber bem a diferença entre esses dois termos, acredita-se que para
o trabalho do operador de direito, ele é essencial.
Pela teoria do mínimo ético. Esta teoria sustenta que o direito é o mínimo
de moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Ou seja,
o direito está contido dentro da moral, fazendo-nos interpretar que tudo que é do
Direito é Moral, mas nem tudo que Moral é do Direito.
“Comecemos por observar que fora da Moral existe o "imoral", mas
existe também que é apenas "amoral", ou indiferente à Moral. Uma
regra de trânsito, como, por exemplo, aquela que exige que os veículos
obedeçam à mão direita, é uma norma jurídica. Se amanhã, o
legislador, obedecendo a imperativos técnicos, optar pela mão
esquerda, poderá essa decisão influir no campo moral? Evidentemente
que não.
Há um artigo no Código de Processo Civil, segundo o qual o réu, citado
para a ação, deve oferecer a sua contrariedade no prazo de 15 dias. E
por que não de 10, de 20, ou de 30? Se assim fosse, porém, influiria
isso na vida moral? Também não. Outro preceito do Código Civil
estabelece que os contratos eivados de erro, dolo ou coação, só
podem ser anulados dentro do prazo de 4 anos. Por que não no prazo
de 5 anos ou de 3 anos e meio? São razões puramente técnicas, de
utilidade social, que resolvem muitos problemas de caráter jurídico.
Não é exato, portanto, dizer que tudo o que se passa no mundo jurídico
seja ditado por motivos de ordem moral.” (REALE, 2001, PÁGINA 39)
Ora, após essa explanação, é evidente que defender a teoria de que o
Direito é ditado somente por normas morais é errôneo, pois, dentro das ciências
jurídicas existem muitas regras que não são ditadas conforme a moral, mas sim
visando somente a técnica.
Assim, concluímos que a Moral é um campo mais amplo que o Direito.
Moral é cumprida de forma espontânea, já o Direito é cumprido de forma
coercitiva, haja vista as sanções aplicadas para os que descumprirem.
“A Moral, para realizar-se autenticamente, deve contar com a adesão
dos obrigados. Quem pratica um ato, consciente da sua moralidade, já
aderiu ao mandamento a que obedece. Se respeito o meu pai, pratico
um ato na plena convicção da sua intrínseca valia, coincidindo o ditame
de minha consciência com o conteúdo da regra moral. Acontecerá o
15

mesmo com o Direito? Haverá, sempre, uma adequação entre a minha


maneira de pensar e agir e o fim que, em abstrato, a regra jurídica
prescreve? No plano da Moral, já o dissemos, essa coincidência é
essencial, mas o mesmo não ocorre no mundo jurídico.” (REALE, 2001,
p 41)

2.3 Juízos analíticos e Juízos sintéticos

Immanuel Kant em seus diversos estudos, diferenciou de forma concreta


o Juízo Analítico do Juízo Sintético, relacionando-os com a forma de observar o
pensamento jurídico.
Para Kant o Juízo consiste na conexão de dois conceitos, dos quais um
(A) sempre cumpre a função de sujeito, e o outro (B), a de predicado. Ou seja, a
junção do sujeito com o predicado é capaz de gerar um juízo (PORFÍRIO, 2020).
Por juízos analíticos, entende-se que são juízos em que o predicado (B)
pode estar contido no sujeito (A) e, por isso, ser extraído por pura análise. Isso
significa que o predicado nada mais faz do que explicar ou explicitar o sujeito.
Um exemplo muito utilizado para explicar esse juízo analítico é a afirmação que
todo triângulo tem três lados.
Já os juízos sintéticos, são aqueles em que o predicado não está contido
no sujeito, mas relaciona-se a ele por uma síntese. Esta, porém, é sempre
particular ou empírica, não sendo universal e necessária, portanto, não serve
para a ciência. Por exemplo, se alguém diz que o carro que está parado na
esquina é azul, subtende-se que em algum momento alguém realizou a pintura
do carro. Ou seja, difere totalmente do juízo analítico, em que a informação já
está contida no sujeito.
Kant ainda revela que o juízo analítico é a priori, ou seja, antes do fato. Já
o juízo sintético, Kant revela que ele pode ser a posteriori, mas também, pode
ser a priori.
E esses dois trabalhos analíticos muito comuns no trabalho do operador
do Direito. Muito embora, percebamos, que pelo rigor da técnica, alguns dados
conclusivos só se deem a partir da dedução.
Para Kant, no juízo sintético a posteriori, é feito uma síntese após a
experiência, diferente do analítico, que a análise já está formada antes da
16

experiência. São essas observações que a gente pode compreender muitas


vezes no dia a dia do ofício do jurista. De forma que se acredita, por este
trabalho, essas discussões serem mais aprofundadas na formação e na atuação
do operador do direito e dos legisladores.

CAPÍTULO III
Conteúdo jurídico: axiologia do Direito versus neutralidade do Direito

3.1 O Direito e sua relação com a cultura

Antes de tudo, é necessário compreendermos o que significa o termo


cultura, para só depois adentrarmos na forma como o direito relaciona-se com
ela. Em se tratando das decisões sobre o comportamento humano, temos que
entender que por ser valorativa, é necessário saber diferenciar o que é natural,
do que é cultural.
Sobre Cultura, Geertz afirma que é a própria condição de existência dos
seres humanos, produto das ações por um processo contínuo, através do qual,
os indivíduos dão sentido à suas ações. Ela ocorre na mediação das relações
dos indivíduos entre si, na produção de sentidos e significados.
Mas o que afinal seria essa realidade cultural? Mas o que afinal seria essa
realidade cultural? “Para o culturalista Tylor é aquele todo complexo que inclui
o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes, e qualquer
outro hábito e capacidade adquirida do homem” (DUTRA, 2020)
É notório que não vivemos no mundo de maneira homogênea. Cada
sociedade possui os seus valores, e, portanto, sua cultura e realidades próprias.
Na atualidade, alguns estudiosos abriram nossos olhos para um tema de
grande importância: o multiculturalismo. Trata-se de uma sociedade multicultural
que em um mesmo território, consegue abarcar várias culturas, de povos
diferentes.
Ocorre que a relação que existe entre esses grupos pode acontecer por
dois vieses: tolerância ou rejeição. Tudo dependerá da historicidade da
17

sociedade local, do modo como a cultura preponderante do território se impõe


sobre as outras.
Um forte exemplo de uma sociedade multiculturalista é o Brasil. A
misoginia de raças e povos nesse país, demonstra como vive-se em uma
sociedade com diversos povos e culturas.
A cultura é socialmente construída, e como tal, fruto do comportamento e
ideias dos homens. Inclusive, assim sendo, o direito que tem uma ligação direta
com a cultura e deve se restringir a regulamentar pontos que lidem diretamente
a realidade dos homens.
Um filósofo que bem representa este entendimento é Savigny,
representante da Escola Histórica do Direito. Ele expõe que o Direito nasce do
povo, estando embutido na consciência popular, ou seja, na cultura.

3.2 A Doutrina e os modelos jurídicos dogmáticos

O Positivismo, como corrente de pensamento, foi capaz de promover essa


ideia de argumento científico e a racionalidade positivista, com efeito dogmático.
O que cria essa normatização do comportamento humano, entre agir e pensar,
como uma forma única, sendo o pensamento o elemento de consciência e razão
imperativa.
Diferentemente, a dimensão a zetética busca lançar perguntas, baseada
em um olhar investigativo, o pensamento dogmático parte de premissas já
estabelecidas, ou seja, possui um ponto de partida e além do mais é
inquestionável. O que frequentemente acaba “engessando” o olhar do operador
do direito sobre o fato jurídico, sobre a cultura, sobre o Direito e sua filosofia.
Muitos autores se opõem a Doutrina como fonte do Direito, por entender
que por maior que seja a dignidade de um pensador com alto grau de
intelectualidade, este jamais terá força suficiente para revelar uma norma jurídica
positiva que deva ser cumprida pelos juízes ou pelas partes. Estes pensadores
acreditam que sempre existe possibilidade de contrapor-se a qualquer
argumento doutrinário.
Reale, afirma que realmente a doutrina não pode ser considerada uma
fonte do direito, mas não pelos fatos narrados anteriormente e sim pela doutrina
18

não se desenvolver em uma “estrutura de poder”, requisito indispensável para o


conceito de fonte.
Mesmo a doutrina não sendo uma fonte do Direito, ela tem um valor
insubstituível para experiência jurídica e o motivo é simples. A doutrina jurídica
se desenvolve a partir das normas vigentes, ou seja, da positivação do direito.
Sabendo disso, e sabendo, também que o dogma é aquilo que é posto por
alguma autoridade, fica evidente que o direito é uma ciência dogmática. Porém,
a exigência de só se apegar ao valor das normas, torna o Direito passível de ser
deslocado da realidade, muito além do que se pretende legislar.
A Doutrina ou o dogma, possuem participação direta no direito, é através
da historicidade das normas, bem como o motivo de sua existência, que
conseguimos identificar o significado das leis.

3.3 O Positivismo e a Sociologia Jurídica

O positivismo é uma corrente filosófica fundada pelo pensador Auguste


Comte no ano de 1840, que dominou toda a cultura europeia até o início da
segunda guerra mundial.
De acordo com Comte, o único conhecimento que pode ser considerado
válido, seria o conhecimento científico. Para ele, o conhecimento filosófico,
religioso, metafísico, entre outros, não possuem pressupostos suficientes para
serem considerados importantes. Por meio desse pensamento, Auguste Comte
idealiza a fundação da sociologia, utilizando-se do pensamento positivista para
estudar a sociedade. Ele acreditava que a ciência era a salvação da
humanidade.
Ocorre que esse pensamento causou diversos males à sociedade, mas
principalmente ao direito. Através dessa corrente de pensamento, o direito foi
reduzido ao “cumprimento de um dever”, ignorando toda a estrutura de
experiência jurídica, no entanto, não podemos condenar a importância da
sociologia para a sociedade.
Ocorre que neste ínterim, a Sociologia Jurídica surge para expor como os
homens comportam-se na realidade e quando deparam-se diante de normas e
estruturas de ações sociais. Ou seja, de um lado existe a Ciência do Direito nos
mostrando como os homens devem se comportar, normativa, do outro, a
19

Sociologia Jurídica demonstrando como realmente os homens se comportam,


descritiva. São duas perspectivas diferentes para estudarem o mesmo objeto: a
experiência humana
A Sociologia Jurídica, apesar de surgir do seio do positivismo, tem um
valor inestimável para experiência jurídica, pois demonstra como a sociedade
lida com as normas. Dessa forma, é importante que a Ciência do Direito observe
a Sociologia Jurídica e a Filosofia do Direito, observando como a sociedade se
comporta diante das normas.
“É claro que os estudos sociológico-jurídicos são da máxima
importância para o legislador e o jurista, pois é indispensável saber
como os homens estão agindo para se estabelecer como devem agir:
a norma jurídica deve surgir embebida de compreensão do fato social,
se se quer que ela tenha eficácia.” (REALE, 2001, pp. 310)

CAPÍTULO IV
Direito: Ensino e prática jurídica

4.1 Crises dos modelos de conhecimento positivista

Como já se observou nos tópicos anteriores, o positivismo no Direito,


rendeu sérios problemas em diversas áreas da sociedade. Utilizar-se de um
método científico como único meio de conhecimento, é negar a existência de
tudo que existe e não pode ser explicado por métodos científicos.
Como já dito anteriormente, é papel do legislador e operador do Direito
contemporâneo lidar com interpretação e discussão sobre o plano cultural, da
vivência das pessoas, aproximando-as, comparando-as, relativizando-as.
O relativismo cultural compreende que não existe um Direito Natural
transcendente, anterior ao positivismo jurídico e superior a ela. Tudo é fruto de
uma construção social, a partir de um contexto e de certas relações de poder.
Da mesma forma, precisamos enxergar a ciência jurídica. O Positivismo
Jurídico se contrapõe totalmente aos outros tipos de conhecimento, tem como
ponto principal tornar a ciência do direito auto suficiente, independente de outras
ciências.
As normas precisam ser criadas para atender a necessidade de um grupo.
A partir do momento que almeja-se tornar o direito uma ciência exata, embasada
20

em uma método totalmente científico e técnico, ocorre uma certa disruptura entre
o direito e a realidade, para caber tudo numa “norma técnica”. É a partir daí que
os juristas passam a ver o direito como um simples conjunto de normas a serem
seguidas, sem dimensionarem a natureza concreta da vida e comportamento
dos homens. Mas tratando apenas como um “tipo ideal”.
Mas essa é só a base do problema maior. Vamos analisar que a
sociedade existe diante de diferentes relações sociais e diferentes problemas
que o judiciário em regra, deve “resolver”. Ora, é evidente que o direito jamais
conseguirá antecipadamente legislar todo problema que a sociedade apresente.
Dessa forma, o direito positivado nunca abarcará todos os problemas, devendo
o jurista ter em seu intelecto a percepção de contexto social.
O filósofo Hans Kelsen é responsável pelo que conhecemos como Teoria
Pura do Direito. Através desta teoria, Kelsen propôs o surgimento de um novo
positivismo, que separava de uma vez por todas o Direito da Ciência do Direto.
Segundo ele, enquanto a Ciência do Direito é pura e transparente,
descritiva de fatos sociais, o Direito é atingido por valores morais e pela política.
Diante disso, o Cientista do direito é capaz de determinar por qual caminho as
normas jurídicas devem ir. Já os operadores do direito, como os juízes, tomavam
decisão baseadas em sua própria vontade, sem obedecer o preceito da
abstração.
Dessa forma, a Teoria Pura, exposta por Hans Kelsen pretendia separar
a decisão da prescrição, ou seja, o ser e o dever ser.

4.2 Doutrinas dogmáticas ou éticas?

Sobre esse tema, dois pensadores de renome travaram uma rica


discussão, demonstrando os “dois lados da moeda” e ambos expondo uma
solução para suas críticas.
O primeiro a levantar sua crítica foi o jurista e sociólogo austríaco Eugen
Ehrlich. Nascido na cidade de Czernowitz, Áustria, no ano de 1862. Ehrlich
dedicou-se por toda vida às ciências jurídicas, exercendo o papel de professor
por muitos anos.
Ao escrever seu livro Fundamentos da sociologia, Ehrlich desenvolve uma
crítica à ciência do direito, propondo a sociologia do direito como uma ciência
21

integrada à sociologia. O seu principal intuito era centralizar toda a importância


do desenvolvimento do direito à própria sociedade, afirmando que a
fundamentalidade do direito não está no ato de legislar, não está na
jurisprudência, nem mesmo na aplicação do direito, mas sim, na sociedade em
si.
O segundo pensador foi Hans Kelsen. Nascido no ano de 1881 na cidade
de Praga, Kelsen dedicou-se às ciências jurídicas e a filosofia e tornou-se
extremamente respeitado pelos seus estudos.
Em suma, Ehrlich criticava a dogmática jurídica. Ele notou que os
professores das faculdades de direito da Europa, tinha como papel científico,
interpretar e descrever de maneira sistemática o direito positivo vigente, ou seja,
a ciência do direito estava resumida ao estudo das normas legisladas pelo
próprio estado.
E é o que percebe-se que normalmente acontece nos dias atuais. Pois, é
observável como as faculdades de direito formam alunos para decorar normas e
descobrir, assim, o que é certo ou errado. Logicamente o que dita o que é certo
e o que é errado é o rigor normativo e técnico da função de legislar.
É muito importante perceber aqui a fragilidade do campo. É necessário
entender o fundamento dos fatos e fenômenos para interpretar se uma norma é
justa ou injusta. Ora, por acaso é possível construir uma casa pelo telhado?
Óbvio que não. Primeiro criasse toda a estrutura da residência, para só depois
construir-se o telhado. Da mesma forma deve ser com a criação de uma norma.
É de extrema importância que entenda-se o que baseia essa norma e por qual
motivo ela existe.
Ehrlich entendeu isso. Tanto é que na obra que estamos decorrendo, ele
deixa evidente que esse estado das coisas é atrasado e insatisfatório.
Hans Kelsen não concordava com tais pensamentos, afirmando em seus
escritos:
“A oposição fundamental, que ameaça dividir a ciência do direito, no
que tange ao objeto e ao método, em duas tendências diferentes,
desde a sua fundação, resulta da dupla perspectiva a qual se acredita
poder submeter o fenômeno jurídico. Pode-se considerar o direito
como norma , isto é, como uma forma determinada do dever-ser, como
regra de dever-ser específica e, em consequência, constituir a ciência
do direito como uma ciência normativa e dedutiva do valor, como a
ética ou a lógica. Mas se tenta também compreender o direito como
uma parte da realidade social, como fato ou processo cuja regularidade
é compreendida indutivamente e explicada causalmente. O direito é
22

aqui uma regra do ser de determinada conduta humana; a ciência do


direito, uma ciência da realidade que trabalha segundo o modelo das
ciências da natureza. [...] uma ciência que se empenha em procurar
tais regras ‘sociais’, as regras da vida jurídica ou as regras do direito,
é designada como ciência social, ou caso se queira, sociologia. [...] É
preciso ter clareza quanto ao fato de que uma sociologia do direito é
essencialmente diversa, em objeto e método, de uma ciência do direito.
[...] Não se pode, naturalmente, falar de uma luta entre as duas
disciplinas, no sentido de que, de um ponto de vista geral do
conhecimento científico, somente uma ou outra seja legítima e
possível.” (KONZEN; BORDINI, 2019, p. 303)
Ou seja, Para Kelsen a sociologia deveria estudar os fatos da vida social,
enquanto a ciência do direito deveria se dedicar apenas ao estudo das normas,
deixando de lado qualquer outra ciência. Ele concentra sua crítica a Ehrlich em
cinco pontos: confusão entre o ser e dever-ser, terminologia conceitual,
delimitação das fronteiras da disciplina, concepção pluralista do direito e
confusão entre direito e sociedade (KONZEN; BORDINI, pp. 303)

4.3 Jurisprudência jurídica: a solução para crise do Direito Moderno?

Como já observamos em todo este trabalho, o direito positivado não


consegue garantir a segurança jurídica de toda a sociedade, pois é impossível a
norma positivada alcança todas as relações sociais.
Diante disso concluímos duas informações importantes: a primeira é que
o direito positivado não consegue alcançar todos os problemas que a sociedade
leva até o judiciário, e a segunda que a função do direito é resolver problemas.
Para pensarmos na resolução dessas noções, nasce a questão sobre
Jurisprudência. Por esse conceito entende-se como sendo interpretação dos
tribunais acerca de assuntos diversos. Como a legislação não consegue
abranger todos os casos concretos, é através da jurisprudência que os juízes
aplicam o direito na realidade.
“Os juízes são chamados a aplicar o Direito aos casos concretos, a
dirimir conflitos que surgem entre indivíduos e grupos; para aplicar o
Direito, o juiz deve, evidentemente, realizar um trabalho prévio de
interpretação das normas jurídicas, que nem sempre são suscetíveis
de uma única apreensão intelectual. Enquanto que as leis físico-
matemáticas têm um rigor e uma estrutura que não dão lugar a
interpretações conflitantes, as leis jurídicas, ao contrário, são
momentos de vida que se integram na experiência humana e que, a
todo instante, exigem um esforço de superamento de entendimentos
contrastantes, para que possam ser aplicadas em consonância com as
exigências da sociedade em determinado momento e lugar.” (REALE,
2002, pp. 167)
23

A importância deste instituto está na utilização de diversos dispositivos


para chegar a uma decisão que preze pela justiça. Como bem sabemos, a
jurisprudência se forma através de várias decisões e não só de uma, e por isso
torna-se tão importante.
Em resumo, utiliza-se da interpretação de vários juristas sobre temas
semelhantes, em que utiliza-se não só da lei positivada, mas também de vários
dispositivos além destes escritos, utiliza-se aspectos históricos, doutrinários,
sociológicos, entre muitos outros.
Portanto, esta é a solução mais prudente para esta fase jurídica na qual
vivemos, no qual a norma positivada tem mais valor e importância do que os
conceitos fundamentais da ciência do direito. O que acaba levando a efeito a
formação do operador do Direito como um “técnico”, e não mergulhado na sua
figura também de jurisfilósofo.
É necessário valorizar o direito como ele é verdadeiramente, sendo
criminoso reduzi-lo a uma compilação de leis escritas que muitas vezes sequer
atingem seus verdadeiros objetivos. A jurisprudência, portanto, é a solução para
esses problemas.

CONCLUSÃO

Destarte, nota-se que a ciência do direito é totalmente interligada as


relações sociais e a cultura de cada povo. É possível identificar através das
pesquisas que esta ciência sempre foi objeto de grandes debates, devido a sua
importância para sociedade e que nos últimos tempos tem sido reduzida a um
conjunto de normas e “mandamentos”.
Além do mais, foi esclarecido de uma vez por todas os conceitos de
Direito, Justiça e Filosofia, pontos fundamentais neste estudo acadêmico.
Com este trabalho entendeu-se a maneira como o direito vem sendo mal
interpretado e os males que isso pode causar a sociedade, sendo possível
observar a fragilidade de um judiciário fundamentado em normas técnicas.
Além disso, conhecemos algumas correntes de pensamentos
responsáveis por fazer o direito “enveredar” pelo campo do tecnicismo, expondo
24

seus autores e demonstrando o posicionamento de sociólogos, juristas e


filósofos.
Outrossim, conhecemos um excelente artifício que o direito proporciona,
capaz de solucionar boa parte dos problemas apresentados: a jurisprudência.
Instrumento que se utiliza de diversas fontes de conhecimentos, fugindo da
individualidade das normas.
Logo, espera-se que o leitor deste trabalho compreenda a necessidade
de buscar conhecer o direito em sua real complexidade, entendendo seu papel
regulatório das relações sociais e entendendo que a corrupção dessa ciência,
causa a corrupção de toda a sociedade.

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