Você está na página 1de 3

Luís de Camões, Os Lusíadas

(Reflexões do Poeta)
Rúben Inocêncio
Janeiro 2021

Como é caraterístico de uma epopeia, traz até nós uma narrativa poética que enaltecem um
herói mítico e quase super-humano. Os Lusíadas não é exceção, aqui existe um enaltecer de um
povo que transcende as barreiras físicas e mentais.

No entanto, a glorificação e o espírito épico não são todos os tópicos de grande importância que
Luís de Camões aborda. Existe um outro tópico de importância muito elevada e que é alvo de
estudo nos dias de hoje por historiadores e literários, estamos a falar das Reflexões do Poeta.

Num cenário de gradual decadência do império, Camões vê-se obrigado a fazer algumas
reflexões, quer sejam sobre o estado da sua nação, alguma opinião pessoal sobre a viagem, ou
até mesmo uma reflexão sobre o sentido da vida (ponto de vista mais filosófico). Neste tópico
fala-se então das reflexões sobre a pátria que “mergulhada numa austera apagada e vil tristeza”
perde a sua imponência.

1. Recursos Expressivos

Dado que nos referimos uma faceta da obra relacionada com reflexões, estão inerentes juízos
de valor, ou seja, irão ser feitos julgamentos pessoais. É necessário então perceber quais os
diferentes registos utilizados nas opiniões de Camões, assim veremos alguns recursos presentes
nas passagens referentes às reflexões:

a. Adjetivação – Sequência de adjetivos utilizados para expressar opinião sobre um


determinado aspeto: “Grandes e gravíssimos perigos”;
b. Aliteração – Repetição de sons consonânticos semelhantes para reforçar o sentido e
acelerar o ritmo: “Tanto enlevas a leve fantasia”;
c. Anáfora – Repetição de uma ou mais palavras no início de frases, intensificando a ideia
a expressar: “Este rende munidas fortalezas/(…) Este a mais nobre faz fazer vilezas, / (…)
Este corrompe virginais purezas”;
d. Apóstrofe – Interpelação1 de pessoas ou coisas personificadas, com frequente utilização
do vocativo: “Vós, Portugueses, poucos quanto fortes, / (…) Vós, que, à custa de vossas
várias mortes”;
e. Enumeração – Exposição sucessiva de elementos da mesma classe gramatical com
determinada lógica: “Que morte, que perigos, que tormentas (…)”;
f. Interrogações retóricas – Apresentação de uma pergunta a fim de conferir maior
destaque à questão: “Que famas lhe prometerás? Que histórias?”.
Reflexões do Poeta, Lusíadas | Rúben Inocêncio

2. Momentos de Reflexão do Poeta

Como já referido, as reflexões não estão presentes em todo o momento, existindo alguns
momentos ao longo dos cantos da obra em que estas são mais evidentes. A seguir listam-se aos
principais momentos de reflexão assim como os seus assuntos:

Canto I
Chegada da armada portuguesa a Mombaça, após algumas peripécias e confrontos em
Moçambique, comandadas pelo Deus Baco.
Existe uma reflexão sobre a fragilidade da vida humana. Aqui, Camões reflete sobre a forma
como a vida humana é algo tão efêmero2 e tão passageiro, de uma forma inevitável o destino
que todos assombra é a morte. Esta reflexão vem do simples facto de os portugueses passarem
imensos perigos que aparecem de forma inesperada.

Canto III
Durante a narração da História de Portugal aquando do episódio de Inês de Castro e da paixão
entre D. Fernando e Leonor Teles.
Camões é fiel a si mesmo neste momento de reflexão: o amor tudo domina. Durante a narração
destes episódios românticos e trágicos, o autor relembra o poder do amor (reforçando o que
escreve em outros poemas) como um sentimento que é transversal a todo o ser humano e torna
qualquer um capaz de tudo. O amor é capaz de dominar e de trazer imensas felicidades, mas
também as maiores angústias.

Canto IV
Na partida da armada portuguesa das praias portuguesas para a sua viagem – As Despedidas de
Belém
Tal como o nome do episódio indica, aqui fazem-se despedidas entre familiares, amigos,
amados… A ambição humana e a insensata procura por poder e fama levam os mais
gananciosos a causar imensas amarguras em quem os ama e fica para trás sem saber se alguma
vez irão voltar a ver quem mais amam.

Canto V
Final da narração da História de Portugal ao Rei de Melinde por parte de Vasco da Gama
Neste contexto existe talvez das mais importantes reflexões da obra: o desprezo da arte pelos
seus contemporâneos. Aqui o sujeito poético faz uma enorme crítica à sociedade portuguesa
em geral por menosprezar a importância dos poetas e artistas das mais variadas áreas para a
preservação da cultura e transmissão de valores entre gerações, por exemplo os valores
gloriosos do povo português.

Canto VII
A armada portuguesa encontra-se em Calecut
Neste capítulo as reflexões dão-se em duas vertentes: crítica às nações contemporâneas de
Portugal por não seguirem o exemplo de português de espalhar a fé; e novamente, o
desinteresse generalizado dos portugueses nas suas obras e no mérito que Camões tem. Neste
quase término da viagem dos portugueses, Camões, faz uma reflexão sobre a forma como os
portugueses alcançaram grandes objetivos e expandiram a fé por todo o mundo, ao contrário
de outras potências.

2
Reflexões do Poeta, Lusíadas | Rúben Inocêncio

Canto VIII
Sequestro de Vasco da Gama na cidade de Calecut por traidores
Esta é das reflexões mais intemporais que são apresentadas na obra, Camões reflete sobre a
corrupção do ser humano. Após ser sequestrado, bastou simplesmente um pagamento
monetário para devolver a liberdade de Vasco da Gama, evidenciando a forma como o
ouro/dinheiro corrompe facilmente todos os Homens e ainda a forma como o dinheiro chega
para comprar uma alma.

Canto IX
Episódio mitológico na Ilha dos Amores, onde Tétis explica a Vasco da Gama o significado da ilha
Existe neste episódio, quase uma enumeração dos requisitos para alcançar a fama e glória. Luís
de Camões utiliza os navegadores portugueses como exemplo para todos aqueles que desejam
alcançar a glória eterna, os aspetos a dominar são: controlo do ócio3, abstenção da ambição e
da ganância, busca constante pela igualdade entre seres de uma forma justa e luta contra os
sarracenos4.

Canto X
Chegada a Portugal da Armada de Vasco da Gama no regresso a casa
Camões reforça a mensagem que pretende mudar a mentalidade dos portugueses, a falta de
reconhecimento pátrio. O autor vai até mais longe e dirige-se ao monarca, pedindo um
incentivo e exemplo. Por fim, lamenta num tom desinspirado pela decadência moral iminente
da sua nação.

3. Glossário

(1)Interpelar – Citar algo ou alguém, interromper.

(2)Efémero – De curta duração. Breve. Passageiro. Transitório.

(3)Ócio – Folga. Preguiça. Mandriice. Repouso.

(4)”sarracenos” – Árabe, Mouro.

Você também pode gostar