Você está na página 1de 83

1

PMIP VI
TÉCNICAS PROJETIVAS GRÁFICAS

Professores:
Anete Maria Busin Fernandes
Claudinei Affonso
Elisabeth Costa Pinto Brandão
Renato Rochwerger

2º. Semestre
2021
2

SUMÁRIO

PARTE I – INTRODUÇÃO ÀS TÉCNICAS PROJETIVAS GRÁFICAS 3

O desenho como instrumento diagnóstico: reflexões a partir da Psicanálise 4

Frida Kahlo: louca paixão na relação com um objeto amoroso fugidio 13

As técnicas projetivas gráficas 27

PARTE II – SUBSÍDIOS PARA INTERPRETAÇÃO 35

A evolução do grafismo 34

A técnica da casa-árvore pessoa (HTP) de John Buck 41

Uso das cores 52

Interpretação do Desenho da Família 55

Teste de completamento de desenhos de Wartegg (WZT) 60

Wartegg (WZT) – roteiro para interpretação 68

PARTE III – INSTRUÇÕES PARA APLICAÇÃO 72

Recomendações gerais para a aplicação de técnicas gráficas 73

Aplicação do HTP 74

Aplicação do Desenho da Família (Louis Corman) 76

Aplicação do Desenho da Família (Violet Oaklander) 77

Aplicação do Procedimento de Desenho-Estória (Walter Trinca) 77

Aplicação do Wartegg 78

Termo de consentimento livre e esclarecido 79

PARTE IV – ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO 80


3

PARTE I
INTRODUÇÃO ÀS TÉCNICAS PROJETIVAS GRÁFICAS
4

O DESENHO COMO INSTRUMENTO DIAGNÓSTICO: REFLEXÕES A PARTIR DA PSICANÁLISE


AUDREY SETTON LOPES DE SOUZA
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - SP - Brasil
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

RESUMO
O objetivo deste trabalho é refletir sobre a importância dos elementos expressivos do desenho
para a elaboração do raciocínio clinico do profissional na interpretação das técnicas projetivas
gráficas. O desenho, assim como o sonho, se vale de elementos pictóricos para favorecer a
manifestação do inconsciente, apresentando-se como elementos aparentemente
insignificantes, e assim facilitadores no desarme da censura e engates para manifestação dos
desejos e conflitos inconscientes. Refletindo sobre esta articulação propomos uma aproximação
do desenho em seu processo de formação, no qual a folha em branco deve ser ocupada
utilizando-se o lápis como instrumento de expressão Os elementos expressivos revelam-se
excelentes dados para tal tipo de abordagem. Propomos considerar o desenho como uma forma
possível de diálogo com as crianças, introduzindo a ideia de que a produção gráfica da criança,
a exemplo da produção onírica, é antes de tudo resultado de um trabalho psíquico e de que
qualquer busca de sentido só será alcançada, se esta puder ser inserida em um diálogo e uma
certa postura de escuta.
Palavras-chave: Psicodiagnóstico; produção gráfica; produção onírica; desenho e linguagem.

ABSTRACT
THE DRAWING AS A PSYCHODIAGNOSIS INSTRUMENT: REFLECTIONS FROM PSYCHOANALYSIS VIEW

The purpose of this paper is to consider the importance of the drawing expressive elements for
the construction of the professional clinical reflections, in order to understand the graphic
projective tests. The drawing, same as a dream, has recourse to the pictorial elements, in order
to benefit the unconscious manifestation, using apparently insignificant elements, that
facilitates control desarmation and a link for the manifestation of the unconscious desires and
conflicts. Deliberating about this articulation we suggest an approximation of the drawing in its
formation process, in which, the white paper must be filled, using the pencil as an expression
instrument. The expressive elements are an excellent datum for this kind of approach. We
suggest considering the drawing as a possible way to dialogue with children, introducing the
idea o that the child’s graphic production, as like the dream production, is primarily a result of
5

psychological work and that any search for meaning will only be achieved if it could be inserted
into a dialogue and a certain posture of listening.
Key words: Psychodiagnostic; graphic and oniric production; drawing and language

INTRODUÇÃO
A psicanálise exerceu forte influência no desenvolvimento e construção dos métodos
projetivos e na compreensão do processo psicodiagnóstico, no entanto o ensino na área das
técnicas projetivas centra-se muitas vezes na aprendizagem das pautas de interpretação dos
instrumentos, correndo o risco de favorecer modelos atomísticos de interpretação, perdendo
de vista o objetivo de alcançar as operações mentais operadas pelo sujeito e que permitiriam ao
psicólogo alcançar o modo de funcionamento psíquico do paciente, objetivo principal de um
processo psicodiagnóstico pautado na psicanálise. Pesquisas sobre técnicas projetivas com
estudos de validação e de padronização são importantes para comprovar cientificamente as
qualidades psicométricas dos instrumentos, identificando características próprias de várias
patologias ou grupos clínicos, no entanto o uso clínico destes instrumentos exige uma
compreensão mais ampla que aquela alcançada pelas pesquisas de traços ou categorias,
exigindo do clínico considerar a produção projetiva como um todo e na singularidade de cada
sujeito. Acreditamos que o conhecimento clínico e teórico da psicanálise poderia contribuir para
o ensino de técnicas de avaliação da personalidade a partir de desenhos. No entanto análise das
produções projetivas gráficas, valiosa ferramenta dentro do processo psicodiagnóstico, quando
feita apenas baseada nos manuais de interpretação dos testes, sem utilizar o raciocínio clínico
do psicólogo que integra as informações obtidas e tendo como pano de fundo um conhecimento
teórico sobre o desenvolvimento e a personalidade, corre o risco de resultar em interpretações
estereotipadas, perdendo seu caráter de rica possibilidade de comunicação, que pode contribuir
para mapear as várias dimensões presentes na construção da subjetividade do paciente,
permitindo um melhor encaminhamento aos profissionais que trabalham no campo da infância.
Pretendo expor neste trabalho o vértice encontrado para integrar estes aspectos e manter a
confiança de que, como psicanalista, é possível contribuir para a formação de psicólogos que
utilizam o desenho no processo psicodiagnóstico da criança. Esta proposta pretende contribuir
para retirar a análise de desenhos do limbo no qual se encontram todas as técnicas de avaliação
psicológica, tratadas em algumas áreas acadêmicas como um conjunto de instrumentos que
retiram o sujeito de sua condição de indivíduo. Trata-se de lutar contra uma desconfiança gerada
pela vulgarização, por vezes, demasiado simplista, dos modos de investigação psicológica, que
correm o risco de catalogar a criança e ao mesmo tempo defender a utilização de desenhos
6

como forma de aproximação e conhecimento do sujeito. A perspectiva que propomos como


reflexão é considerar o desenho, não como um “teste”, mas como uma forma possível de
diálogo com as crianças, introduzindo a ideia de que a produção gráfica da criança, a exemplo
da produção onírica, é antes de tudo resultado de um trabalho psíquico e de que qualquer busca
de sentido só será alcançada, se este puder ser inserido em um diálogo e uma certa postura de
escuta. Este vértice encontra eco em autores como Sigal (2000) e Mannoni (1981).

Os testes são para mim apenas um meio e não um fim. Utilizo-os num diálogo, durante
o qual procuro apurar um sentido, um sentido, sem dúvida, em função de certo esquema
familiar. E é, pois, ao discurso do sujeito que vou prender-me sobretudo (Mannoni,
1981, p. 84).

Diagnosticar é, neste sentido, interpretar, construir hipóteses que nos permitam dar
conta do trabalho simbólico junto aos conflitos que se estruturam no caminho de
construção da subjetividade, assim como abordar as formações imaginárias que se
apresentam como armadilhas do desejo para a sua satisfação (Sigal, 2000, p. 30).

A área da investigação psicodiagnóstica está repleta de testes de personalidade que


utilizam o desenho como veículo de comunicação e que, na maior parte das vezes, são
acompanhados de pautas de interpretação dos conteúdos simbólicos associados às diferentes
partes dos desenhos (casa, árvore, pessoa ou família), tendendo a levar a uma postura de que é
possível decifrar um desenho. Ilusão e tentação da busca de um sentido imediato prescindindo
do diálogo. Diatkine (2007) alerta que os sentidos atribuídos às produções da criança provêm
do fato de que os afetos, em busca de representações ou ligações, se articulem a elementos da
trama do discurso do paciente, que podem ser percebidos como indícios que mobilizam o
psicanalista a construir um objeto de conhecimento. É a partir de sua elaboração interpretativa
que este indício pode ser transformado em signo e como tal um elemento de comunicação
emitido para que a criança o receba.

A criança, por sua vez, não emite, intencionalmente, nenhuma mensagem codificada e
o psicanalista não tem que lhe mostrar alusivamente que sabe decifrar enigmas... É no
transcurso que a criança descobre o que tem para dizer e que por isso pode entrar no
universo do discurso (Diatkine, 2007, p. 35)
A produção de imagens é uma forma de comunicação de afetos que, a partir daquele
que a produz, estimula aquele que as observa a entrar em contato com elas, como uma espécie
de linguagem. Como apreciador de uma arte, podemos simplesmente nos deixar levar por esta
7

linguagem, mas como psicanalistas, temos muitas vezes a função de acolher este código de
linguagem e comunicação e tentar encontrar um sentido. Assim como nos sonhos, temos
imagens que se apresentam, às vezes condensadas, distorcidas, aparentemente desconexas,
mas que podem, a partir de um determinado modelo de escuta, adquirir um sentido.
O sonho, o desenho ou o jogo apresentam-se ao psicanalista como uma espécie de
linguagem cifrada, a ser decifrada por uma certa postura de observação; o grande enigma está
em como desenvolver os processos de decifração. Há sempre o perigo de trabalhar com códigos
unívocos, onde cada símbolo corresponde a um outro, a ele relacionado diretamente, o que
resulta em interpretações estereotipadas e empobrecidas da mente humana, não alcançando
uma visão dinâmica do funcionamento da personalidade, além de desconsiderar o aspecto
transferencial de um diálogo do qual ambos participam e no qual os personagens da dupla
interagem modificando os personagens do desenho.
Tentaremos percorrer o caminho que a psicanálise nos oferece para pensar.
Comecemos com Freud: apesar de incluir no relato do caso Hans o conhecido desenho das
girafas (Freud 1909/1980) ele não trabalhou com desenhos, mas com as imagens dos sonhos.
Além disso, ele também produziu um belíssimo texto no qual a partir de algumas obras e textos
de Leonardo da Vinci (Freud, 1910/1980) tentou formular hipóteses sobre a personalidade do
artista. Freud é pródigo em exemplos de análise, de mitos, produções artísticas, etc.,
representando conflitos típicos de todos nós. Sobre os artistas e suas produções, Freud
(1908/1980) aponta que a criatividade tem como uma de suas fontes o brincar infantil. O poeta
criativo faz o mesmo que a criança ao brincar, cria um mundo de fantasia que é levado muito a
sério e no qual investe muita emoção, sem confundir realidade com fantasia e nisto resulta o
prazer destas experiências. São atividades levadas a sério, mas nas quais se desfruta de uma
liberdade para vivenciar as fantasias, um dos fatores que tornam tão fascinantes tanto os
escritores criativos quanto crianças ao brincar. Ler um livro, ver um filme ou observar uma
brincadeira ou desenho infantil satisfaz nosso anseio por vivenciar esta experiência de
exploração do mundo dos sentimentos e nos mostra como é possível brincar com as fantasias,
sem perder o contato com a realidade ou enlouquecer, muito pelo contrário, elas permitem
crescer e enriquecer-se com tais experiências. É sempre instigante acompanhar uma criança que
se permite desenhar com liberdade, pois nos leva com ela para um passeio no universo das
fantasias infantis. Todos nós mantemos dentro de nós um caminho para a exploração deste
universo: o caminho dos sonhos, a via régia para o inconsciente (Freud, 1900/1980). Ele afirma
que, todo sonho é uma realização disfarçada de um desejo sexual infantil reprimido; uma
formação do inconsciente que se utiliza predominantemente de imagens para expressar-se,
8

uma linguagem mais próxima do inconsciente em seu modo mais primário de funcionamento,
possível de surgir à mente durante o sono pela regressão funcional ocasionada pelo estado de
adormecimento. Esta condição, segundo Anzieu (1981) está presente, em parte, também nas
técnicas projetivas pela forma como são configurados os materiais projetivos e pelo tipo de
atividade proposta. Mas evitando uma perspectiva reducionista sobre as contribuições
freudianas devemos destacar que, em seus estudos, Freud destacou a importância do trabalho
de formação dos sonhos, no qual estão agindo concomitantemente, tanto a realização dos
desejos quanto a sua proibição, chamando a atenção para a produção onírica como um modo
de expressão de desejos, que só aparece predominantemente por imagens e enquanto
dormimos ou alucinamos. Outra forma de expressão deste mesmo sonho se revela quando
acordamos (elaboração secundária), além de outras possibilidades como esquecer o sonho,
quando este, apesar de possível de ser sonhado, torna-se inacessível para a vida desperta ou
ainda, os pesadelos que interrompem o sono, etc. O estudo do processo de sonhar permitiu a
Freud elaborar a sua primeira formulação sobre a constituição do aparelho psíquico (Freud,
1900/1980). Este grande preâmbulo pretende colocar em realce que, para além da mera
decifração dos conteúdos dos sonhos, é primordial ao psicanalista estar atento à compreensão
do processo de formação deste sonho e, assim, poder ter acesso ao sonhador e não ao
inconsciente. Esta é a perspectiva sob a qual sugerimos considerar o uso de desenhos no
processo psicodiagnóstico. Tomar o desenho final como resultado de um trabalho psíquico, que
se inicia com as instruções do teste que mobilizam as angústias do sujeito e que o resultado final
do desenho refletirá a forma como este sujeito lidou com estes conteúdos, de acordo com suas
capacidades egóicas. A um analista engajado e consciente de nada serve um manual de
interpretação dos sonhos, pois se é verdade que o sonho utiliza certo simbolismo para expressar
os desejos inconscientes, é também verdade que só a análise do sonhador permitirá
compreender, porque ele precisou sonhar este sonho, deste jeito. Assim deve-se considerar que
além do conteúdo simbólico do sonho, a forma imagética na qual ele se apresenta, temos a
forma como ele é lembrado e, nunca é demais ressaltar, temos as associações despertadas por
cada um dos elementos deste sonho e o mesmo vale para as produções gráficas. É intuito deste
trabalho, alertar para o cuidado que devemos ter quando nos aproximamos de uma técnica
projetiva gráfica e dos manuais de interpretação. Os manuais são úteis para orientar o psicólogo
a respeito dos principais aspectos simbólicos associados aos elementos destas produções
gráficas. Ao interpretar desenhos nos valemos dos significados dos símbolos derivados da
psicanálise, dos folclores, dos estudos dos sonhos, dos mitos e das fantasias. Estes símbolos
funcionam como engates a partir dos quais o inconsciente se vale para alcançar o caminho da
9

consciência e, disfarçadamente, encontrar uma forma de expressão. Devemos também estar


atentos aos mecanismos de deslocamento e condensação, além de uma vasta gama de
tratamentos possíveis dados a estes símbolos para a formação de um desenho final. O texto de
Freud “Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci” (1910/1980) pode ser útil para discutir os
“usos e abusos” das técnicas projetivas. Ele traz, por um lado, uma valiosa contribuição,
revelando como a psicanálise pode, valendo-se das produções gráficas e verbais do artista,
alcançar a compreensão da sua personalidade, mas também nos ajuda a ficar atentos para o
perigo de nos apegarmos a determinados conteúdos simbólicos no processo de construções de
nossas hipóteses. Neste texto, Freud mostra como as obras de Leonardo da Vinci retratam sua
relação conflituosa com sua mãe, enigmática e sedutora como a Mona Lisa, destacando não só
aspectos de conteúdo das obras de Leonardo, mas também a vagarosidade de sua produção, a
insatisfação com o resultado final, as modificações feitas nas obras até chegar a sua conclusão,
a repetição de um certo modelo de sorriso nas obras posteriores e a contigüidade entre esta
obra e uma outra (Sant’Ana com a Madonna e o menino) como exaltação da maternidade. Mas
a leitura deste texto também permite pensar sobre o que chamo de abusos, pois como mostra
Strachey (editor inglês da obra freudiana) em nota introdutória ao texto, Freud teria se apegado
a um conteúdo simbólico de um determinado pássaro, que erroneamente é confundido com um
símbolo mitológico egípcio para formular a teoria da mãe fálica, mostrando o perigo de nos
apegarmos a determinados elementos simbólicos no afã de corroborar nossas hipóteses.
Pesquisas são importantíssimas para identificar possibilidades simbólicas desencadeadas por
estímulos como a casa, a árvore, a pessoa, o telhado, a chaminé, os olhos, a boca, o cabelo, o
tronco, etc., usados como estímulos projetivos e na elaboração e validação das técnicas
projetivas. Precisamos destas pesquisas para estimular nossas produções de hipóteses, mas há
outra pesquisa a ser feita em cada produção individual que se nos apresenta: a verificação de
como esta pessoa específica valeu-se destes símbolos possíveis para produzir este desenho para
aquela pessoa que a está solicitando. Este trabalho deve ser feito para cada produção obtida
pelo psicólogo que está observando. É importante considerar toda produção gráfica como um
trabalho do inconsciente, um trabalho de inscrição do desejo em composição com a censura da
resistência que este desejo desperta e, a partir desta transação mútua, surge o desenho final.
As produções gráficas ainda trazem a vantagem de permitir que o observador acompanhe o que
se constrói diante dele e os movimentos da criança em relação aos resultados de suas produções
e à presença do observador. A interpretação deste processo dinâmico pode vir da resposta para
algumas questões. Como é tratada a folha de papel? Que relações a pessoa estabelece com a
folha como espaço e como a usa? Preocupa-se em ocupar a folha ou é uma pseudo-ocupação
10

de todas as folhas e lápis que estão a sua frente, sem poder realmente desenhar. Trata-se de
pura descarga de traços ou há uma elaboração no traçado? O contato com o psicólogo ao longo
dos encontros afeta de que maneira sua produção? Há uma visível preocupação em não deixar
espaços em branco, como se temessem o vazio, ou, ao contrário, restringem-se a um único
espaço da folha? Em que parte da folha se coloca? Quais partes da folha não pode ocupar? Há
alguma modificação ao longo do encontro conosco? Como muda seu desenho? Expande-se ou
restringe-se? Torna-se mais colorido ou cada vez mais sombrio? Comporta-se em relação a seu
desenho na folha como se o espaço disponível fosse muito menor do que aquele que a folha
parece oferecer, ocupando mínimas proporções da mesma, ou seu desenho parece transbordar
o espaço efetivo da folha? Ele se dá conta disso ou desconsidera? Qual elemento do desenho é
reduzido ou ampliado? Como trabalha este espaço? A folha parece dividida em duas partes
distintas (cima/baixo ou direita/esquerda)? O que há de invariante nestas características
formais? É possível detectar variações destas características ao longo da produção gráfica do
sujeito e como articulá-las ao tema do desenho ou ao traçado ou mesmo à relação com o
psicólogo. Como estão as cores, gradações de intensidade cromática? Com que partes do
desenho ele parece insatisfeito, como lida com esta insatisfação (apaga, retoca, reforça) e qual
é o resultado final deste trabalho de acertar este desenho? Queremos salientar que não se trata
de excluir toda referência aos conteúdos temáticos, mas integrá-los aos aspectos expressivos.
Há um ambiente-folha no qual o paciente vai através de seu lápis se colocar (Van Kolck, 1984) e
a forma como o sujeito a utiliza poderá revelar a forma como se coloca no mundo. Estas
questões visam investigar como é feita esta abordagem ao ambiente, usando o instrumento
(lápis) do qual dispõe. Hammer (1991) coloca que estes aspectos expressivos traduzem as
atitudes básicas do indivíduo em relação a si mesmo e ao ambiente assim como a forma como
lida com seus impulsos. Vários autores como Hammer (1991) e Rodulfo (1992) falam de uma
escritura que se revela por detrás de nossos traços no papel ou traços corporais. O que nos
fornece esta escritura no desenho são estes aspectos estruturais do desenho: tamanho; pressão
e qualidade da linha; posição na folha; precisão e grau de completude do desenho;
detalhamento; simetria; proporções; perspectiva; sombreamentos; reforços; correções e
retoques.
Grassano de Piccolo (1974) e Grassano (1977) apresentam trabalhos na área
diagnóstica, e tentam demonstrar como os principais mecanismos de defesa podem aparecer
nas produções gráficas. Grande parte das características levantadas pela autora se referem a
aspectos como: organização guestáltica do desenho (organização, coerência, harmonia),
perspectiva (como forma de expressão do tempo), preenchimento dos espaços na folha, limites
11

dos desenhos, tipo de traçado, distância, proximidade ou separação entre os personagens,


tamanho, reforçamentos, detalhamentos ou retoques; mostrando a riqueza do trabalho com
estes elementos expressivos do desenho. A autora também apresenta algumas características
do conteúdo dos desenhos, mas este é um excelente exemplo de um raciocínio clínico sobre as
características estruturais dos desenhos como reveladoras de um modo de se organizar frente
aos impulsos. Além disso, deve-se considerar, frente a uma criança, que está em um processo
de desenvolvimento e de construção de sua estrutura de personalidade, que o uso do desenho
como linguagem e expressão também passa por um processo de constituição. Do momento
inicial no qual apropria-se do instrumento lápis, que lhe permite o prazer da inscrição de um
traço ou uma marca à possibilidade de usar sua escrita como comunicação, de um lado uma
descarga motora de prazer do gesto e de outro a possibilidade de inscrição permanente
(Mèredieu, 1974; Teixeira, 1991). A posterior conquista do desenho de círculo que além da
façanha motora, também remete a conteúdos simbólicos ligados a este elemento. É possível
encontrar na literatura científica (Dolto, 1984; Rodulfo, 1992), referências que destacam o
elemento gráfico circular, como representativo do corpo materno e das primeiras concepções
sobre o próprio corpo e sua interioridade, além da noção de continente e contido, o que aponta
para a importância de tal representação no processo de individuação da criança. Porém é
importante ressaltar a necessidade de articular tais elementos às associações verbais obtidas.
Procuramos neste trabalho destacar a importância dos elementos expressivos na análise das
produções gráficas do sujeito e o cuidado na utilização dos aspectos simbólicos do desenho para
a elaboração do raciocínio clínico do profissional. A fundamentação psicanalítica permite pensar
a produção gráfica como resultado de um trabalho psíquico que, tal como o sonho, pode dar
acesso a aspectos importantes da personalidade do sujeito. Considerar os desenhos como um
todo, como destaca Silva (2008b), muito mais do que como mera somatória de sinais ou
características, contribui para valorizar a utilização das técnicas projetivas gráficas dentro do
processo psicodiagnóstico. Tal perspectiva não exclui a importância das pesquisas que
fundamentem cientificamente as pautas gerais de interpretação mas, como destacam Saur e
Pasian (2008), Silva (2008a) e Trinca (1999), a utilização clínica destes instrumentos exige uma
atenção ao preparo do clínico que as utiliza para permitir uma melhor significação e integração
dos dados obtidos.

REFERÊNCIAS
Anzieu, D. (1978). Os Métodos Projetivos. (M. L. E. Silva, trad.). Rio de Janeiro: Campus. (Original
publicado em 1961).
12

Diatkine, R. (2007). As linguagens da criança e a psicanálise. Ide: Psicanálise e Cultura, 45, 35-
44.
Dolto, F. (1984). No jogo do desejo. (V. Ribeiro, trad.). Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Freud, S. (1900/1980). A psicologia dos processos oníricos. In: S. Freud, Edição standard
brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad.; vol.V; pp.361- 543). Rio de
Janeiro: Imago. (Original publicado em 1900).
Freud, S. (1908/1980). Escritores criativos e devaneio (1908). ). In: S. Freud, Edição standard
brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad.; vol.IX; pp. 147-160). Rio de
Janeiro: Imago. (Original publicado em 1910).
Freud, S. (1909/1980). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In: S. Freud, Edição
standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad.; vol. X; pp. 15-
154). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1909).
Freud, S. (1910/1980). Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância. (1910) In: S. Freud,
Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad.; vol. XI; pp.
53-124). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1910).
Grassano de Piccolo, E. (1974). Los tests gráficos. In: M.L.S. Ocampo e cols., Las técnicas
proyetivas y el proceso psicodiagnóstico. (Tomo II; pp 235-388). Buenos Aires: Nueva Visión.
Grassano, E. (1996). Indicadores psicopatológicos nas técnicas projetivas. (L. S. L. C. Tardivo,
trad.). São Paulo: Casa do Psicólogo. (Original publicado em 1977).
Hammer, E.F. (1991). Aplicações clínicas dos desenhos projetivos. (E. Nick, trad.) São Paulo: Casa
do Psicólogo. (Original publicado em 1980).
Mannoni (1981). A primeira entrevista em psicanálise. (R. C. Lacerda, trad.). Rio de Janeiro: Ed.
Campus Ltda. (Original publicado em 1965).
Mèredieu, F. (1974). O desenho infantil. São Paulo: Editora Cultrix. (Original publicado em 1974).
Rodulfo, M (1992). El ninõ del dibujo: Estudio psicanalítico del grafismo y sus funciones en la
construcción temprana del cuerpo. Buenos Aires: Paidós.
Saur A.M. & Pasian S.R. (2008). O desenho da figura humana na investigação da imagem
corporal: Alcances e limites. In: A. E. Villemor-Amaral & B. S. G.Werlang (Org.), Atualizações em
métodos projetivos para avaliação psicológica. (pp. 225-243). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Sigal, A.M. (2000). Considerações sobre o psicodiagnóstico: Provocando o inconsciente Revista
Psicanálise e Universidade, 12-13, 27-43.
Silva, M.C.V.M. (2008a). Técnicas projetivas gráficas e desenho infantil. In: A. E. Villemor-Amaral
& B. S. G. Werlang (Org.), Atualizações em métodos projetivos para avaliação psicológica. (pp.
13

195-203). São Paulo: Casa do Psicólogo. 215 O Desenho como Instrumento Diagnóstico:
Reflexões a Partir da Psicanálise
Silva, M.C.V.M. (2008b). A técnica da Casa – Árvore – Pessoa (HTP). In: A. E. VillemorAmaral &
B. S. G. Werlang (Org.), Atualizações em métodos projetivos para avaliação psicológica. (pp. 247-
265). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Teixeira, A.R.T. (Org). (1991). O mundo a gente traça. Salvador: Ed. Ágalma. Trinca, W (1999).
Psicanálise e expansão da consciência: Apontamentos para o novo milênio. São Paulo: Vetor.
Van Kolck, O.L. (1984). Testes projetivos gráficos no diagnóstico psicológico. São Paulo: EPU.

Recebido em 15/03/11 Revisto em 08/08/11 Aceito em 30/11/11

Frida Kahlo: louca paixão na relação com um objeto amoroso fugidio

Gina Khafif Levinzon1

Por acaso vi uma certa carta, num certo casaco, pertencente a um certo homem,
vinda de uma certa dama da distante e maldita Alemanha. Acho que deve ser a
dama que Willi Valentiner mandou para cá para se divertir e com propósitos
“científicos”, “artísticos” e “arqueológicos”... que me deixou zangada e, para lhe
dizer a verdade, enciumada..
Por que tenho que ser tão teimosa e obstinada, a ponto de não
compreender que as cartas, os problemas com as saias, as professoras de...inglês,
as modelos ciganas, as ajudantes de “boa vontade”, as discípulas interessadas na
“arte de pintar” e as mulheres plenipotenciárias, mandadas de lugares distantes,
são simplesmente piadas, e que, lá no fundo, você e eu nos amamos muito?
Mesmo que vivenciemos aventuras intermináveis, rachaduras nas portas,
“referências” a nossas mães e queixas internacionais, acaso não estamos sempre
sabendo que amamos um ao outro? Acho que o que está acontecendo é que sou
meio estúpida e uma tola, porque todas essas coisas aconteceram e se repetiram
nos sete anos que vivemos juntos. Toda esta raiva simplesmente me fez
compreender melhor que eu o amo mais do que a minha própria pele, e que,
embora você não me ame tanto assim, pelo menos me ama um pouquinho – Não
é? Se isto não for verdade, sempre terei a esperança de que possa ser, e isto me
basta...
Ame-me um pouco Eu adoro você
Frieda

Carta de Frida Kahlo a Diego Rivera – 23 de julho de 1935


(Zamora, 2006)

1
Doutora em Psicologia Clínica- USP; Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo; Professora do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica- USP.
14

Os sentimentos apaixonados são um tema universal e envolvente. Expressam o


que há de mais vivo no ser humano, e têm sido retratados das mais diversas formas, por
meio da arte, literatura, música. Na sala de análise, a referência constante aos estados de
paixão é associada a diversos significados e histórias pessoais.
De modo geral, a paixão e o amor são estados que movem as pessoas para o
estabelecimento de vínculos afetivos, e variam num extenso e dinâmico contínuo de
felicidade-infelicidade. Em alguns casos, o que chama a atenção é o estado perpétuo de
sofrimento e dor associado a uma relação amorosa à qual o indivíduo insiste em se
vincular. Perguntamo-nos por que não procurar um relacionamento mais satisfatório, por
que se manter em contínuo estado de decepção e frustração? A resposta a estas perguntas
não é simples, e certamente varia em cada caso. Podemos conjecturar, no entanto, que
essa fixidez na manutenção de relações amorosas provocadoras de imensa dor está
associada a falhas primitivas básicas no desenvolvimento emocional da pessoa,
verdadeiras feridas narcísicas difíceis de superar.
A vida e a obra de Frida Kahlo, retratadas de forma pungente em suas pinturas,
cartas e diário, nos permitem refletir sobre a patologia da relação amorosa. O
relacionamento com seu marido Diego Rivera era caracterizado por um extremo
apaixonamento, mas também decepção e desespero... A maioria de seus quadros retrata
o que sentia por ele, especialmente o lugar central que ele ocupava em sua mente (fig. 1,
2, 3, 4, 5), e que será objeto de reflexão no presente trabalho.

Fig. 1 – Frida e Diego Rivera Fig. 2 – O abraço amoroso entre o universo, a terra,
México, eu, Diego e o señor Xoltl
15

Fig. 3 – Diego em meus Fig. 4 – Diego e eu Fig. 5 – Pensando na morte


pensamentos

Frida e Diego: uma relação conturbada

Diego Rivera já era um pintor mexicano de renome, quando iniciou o


relacionamento amoroso com Frida Kahlo. Ela já o admirava, desde que o vira pintando
na Escola Preparatória Nacional onde havia estudado. Quando se casaram, Frida tinha 22
anos, e Diego mais que o dobro da idade dela. Ele já havia sido casado duas vezes, tinha
três filhas, e colecionava relacionamentos com inúmeras mulheres. Frida, por seu lado,
tinha terminado o namoro com Alejandro Gómez Arias, com quem estava por ocasião do
grave acidente que sofreu aos dezoito anos no choque de um bonde com um trem, e que
lhe deixou graves sequelas por toda a sua vida. Sua mãe, assim como muitos amigos,
tiveram dificuldade para aceitar inicialmente seu casamento com Rivera (“o casamento
de uma pomba com um elefante”), um homem gordo, muito maior e mais velho que ela.
16

Frida e Diego tinham pontos importantes em comum: o mexicanismo, o


amor pela arte, os ideais comunistas, o amor e o interesse pela vida. Por tê-la escolhido
entre tantas outras, Diego dava a Frida, no início, o sentimento de ser especial. Para
agradar-lhe, ela começou a se vestir com os costumes Tehuana, e enfeitava-se com fitas
coloridas nos cabelos e adereços indianos típicos do México. O relacionamento do casal,
no entanto, foi marcado pela infidelidade constante de Diego. Pouco após o casamento
ele passou a ter sucessivos casos extraconjugais, o que causava grande sofrimento em
Frida. Embora a valorizasse, Diego alternava comportamentos gentis e carinhosos com
arroubos cruéis e agressivos. Para Frida, mais do que imoral, ele era amoral. Logo ela
percebeu que ele era um conquistador incorrigível e um mentiroso compulsivo. Após
descobrir que Diego estava tendo um caso com Cristina, sua irmã mais nova, Frida se
separou brevemente dele e tomou uma overdose de barbitúricos (Grimberg, 2006). Seu
sofrimento pode ser visto nas linhas que escreveu:
“... Estou completamente só. Antes, costumava passar os dias chorando, de raiva
de mim mesma e de dor: agora, nem consigo mais chorar, pois percebi que era estúpido
e inútil... Nunca achei que ele fosse tudo para mim, e que, separada dele, eu fosse um
monte de lixo. Eu julgava estar ajudando-o a viver, tanto que me era possível, e que eu
era capaz de resolver sozinha qualquer situação da minha vida, sem nenhum tipo de
complicação. Mas agora percebo que não tenho nada além de qualquer outra moça,
decepcionada por ser abandonada por seu homem. Não valho nada; não sei fazer nada;
não consigo estar sozinha.” (Zamora, 2006, p. 66-67)
Os sentimentos de Diego por Frida pareciam se caracterizar pela ambiguidade.
Permaneceu casado a ela, e manteve ao mesmo tempo os inúmeros relacionamentos com
outras mulheres. Quando, nos últimos anos da vida de Frida ela permaneceu cerca de um
ano no hospital, ele chegou a se mudar para um quarto de lá, onde dormia às noites. Após
sua saída, no entanto, havia brigas terríveis e períodos de separação, Ele escreveu
posteriormente em sua autobiografia: “Quanto mais eu amava uma mulher, mais eu queria
machucá-la. Frida era a mais óbvia vítima desse traço repugnante.” (Herrera, 2002a)
Frida sofreu vários abortos, que frustraram seu grande desejo de ser mãe de um
filho de Diego. Além dos bebês perdidos, ela sentia que seu anseio de ter uma relação
amorosa segura com ele era abortado diante de cada mulher com quem ele se envolvia
amorosamente. O sentimento de estar aos pedaços pode ser visto de modo claro no seu
quadro Henry Ford Hospital (1932) (fig. 6), no qual se retrata nua, deitada numa cama
17

que parece estar flutuando no ar. Uma lágrima cai de seu olho, e sua mão está conectada
com seis imagens, que representam fragmentos de associações e sentimentos que pairam
em sua mente em seguida a um aborto. As fitas que ligam as figuras parecem cordões
umbilicais, com a função de mantê-la atada às suas diversas partes e de integrar seus
sentimentos dolorosos. A pintura desesperada de seu diário: “Eu sou a desintegração”
feita anos mais tarde, (fig. 7) confirma o sentimento de instabilidade psíquica e de falta
de coesão. Ela aparece como uma marionete sem vida, em cima de uma coluna clássica,
e partes dela vão caindo: um olho, uma cabeça... Frida desenhou essa pintura por ocasião
da amputação de seu pé, quase no final da vida, mas podemos concluir que sentimentos
dessa ordem já estavam presentes de forma mais contida desde cedo em sua vida, e que
procurava o olhar do outro para lhe dar sustentação.

Fig. 6 – Henry Ford Hospital

Fig. 7 – Eu sou a desintegração


18

A pintura representava para ela uma forma de expressar o que a afligia. Quando
ela estava em depressão ou infeliz, Diego a incentivava a pintar. Ele parecia compreender
que esta era a forma pela qual ela poderia transformar seus estados emocionais turbulentos
e reorganizá-los de forma criativa.
O quadro “Alguns golpes” (1935) (fig. 8) mostra a repercussão emocional que a infidelidade
de Diego provocava em Frida: uma mulher ensanguentada jaz numa cama, após ter sido
brutalmente esfaqueada por um homem, que segura ainda a faca. No alto do quadro, vemos
uma referência irônica a tanta violência: “unos cuantos piquetitos!” (alguns golpes!). Os
ferimentos expostos da mulher agonizante expressam de modo claro os danos emocionais
sentidos por Frida. Ela confidenciou a uma amiga que pintou este quadro porque ela mesma
chegou perto de ter sido “morta pela vida” (Herrera, 2002b). Quadros posteriores retrataram
sua imensa dor pelas feridas conjugais: “Memória” (1937) (fig.9), no qual está desenhada
chorando, sem as mãos, com um mastro perfurando seu corpo no lugar do coração, e com
um coração desproporcionalmente grande sangrando aos seus pés. Segundo Kettenmann
(2006), o tamanho do coração simboliza a intensidade da dor e a falta de mãos ilustra seus
sentimentos de incapacidade e desespero, presentes em grande parte de seus
autorretratos...

Fig. 8- Alguns Golpes Fig. 9- Memória


Numa entrevista, Frida falou a respeito do tema “Amor”:
“Amor é a base de toda a vida (...) Eu tenho mais medo de ser abandonada do que
de ser desapontada. Eu reagiria com dor e mágoa se eu descobrisse a traição de uma
pessoa que eu escolhi para amar. Em geral, escolho pessoas que considero superiores a
mim (...) Infelizmente, sou ciumenta, mas acho que isso é estúpido” (Campos, 2008,
p.101). Para Frida, a dor e a decepção com o marido eram duras de suportar, mas
19

preferíveis à separação, que a faria sentir-se como uma criança desamparada. Gostaria de
estar imune aos ciúmes, imaginando que assim nada poderia colocar em risco sua união.
Desesperada na busca de contato afetivo, Frida também teve várias relações
extraconjugais, com homens e mulheres. Ela escondia com muito cuidado os
relacionamentos com outros homens, em função dos ciúmes intensos de Diego. Ele
incentivava, no entanto, as manifestações de lesbianismo, que achava “saudáveis” e
“bonitas”. Apesar de todas as decepções e sofrimento com o marido, era a ele quem
dedicava o centro de seu amor. Para Frida, a separação era impensável. Ela preferia contar
com uma fatia pequena do amor de Diego a se sentir perdendo o pedaço de si mesma que
projetava nele.
Por iniciativa de Diego, o casal se divorciou em 1939. O sofrimento de Frida
parecia ter chegado a seu clímax, provocando enorme turbulência emocional, como se
pode ver no quadro “Autorretrato com cabelo cortado” (1940) (fig. 10). Como resposta
ao desespero que a rejeição do marido provocava nela, Frida cortou seus cabelos e se
vestiu de homem. Pedaços de cabelo são pintados por toda a tela, mostrando seu ódio, um
sentimento de fragmentação psíquica e de uma feminilidade despedaçada. No alto do
quadro, os dizeres: “Olha que se te quis foi por causa dos teus cabelos. Agora que estás
careca, já não te quero mais”. Num de seus quadros mais famosos, “As duas Fridas”
(1939) (fig.11). Frida recorre a seu duplo como forma de lidar com a dor: a Frida
Tehuana, sentada à esquerda, apresenta um coração intacto e segura em uma de suas mãos
o retrato de Diego menino. A outra Frida, européia, tem uma artéria sangrando e corre o
risco de esvair em sangue até a morte. As duas Fridas estão de mãos dadas e ligadas por
uma artéria. Representam o lado idealizado e imune à dor, na Frida Tehuana, e o lado que
sofre o desespero e o sentimento de morte psíquica, na Frida européia.
20

Fig. 10 - Auto-Retrato com o Cabelo Cortado Fig. 11- As Duas Fridas

Frida e Diego se casaram de novo um ano depois, mas a vida conjugal do casal
continuou conturbada: os casos extraconjugais eram frequentes, houve novas tentativas
de pedido de divórcio por parte de Diego e pensamentos de suicídio em Frida. Apesar da
turbulência, continuavam juntos num elo difícil de romper.
As dores físicas que a acompanharam por toda a sua vida desde o grave acidente
que teve quando estava em um bonde aos 18 anos recrudesciam com uma intensidade
atroz nos períodos em que ela estava separada do marido. Seu médico particular, Dr.
Eloesser, relacionou as inúmeras cirurgias a que ela se submeteu a esses períodos de
desolamento. Elas representavam um grito por atenção, e aliviavam seus sentimentos de
desconexão. Ao se sentir abandonada por Diego ou na sua ausência, as crises ocorriam.
Quando ele voltava a estar ao seu lado, ela se recuperava. Em seu Diário, Frida escreveu
tudo o que ele representava para ela: “princípio, construtor, minha criança, meu
namorado, pintor, amante, “meu marido”, minha mãe, meu pai, meu filho, = a mim,
Universo diversidade na unidade” (Fuentes & Lowe, 2005) (p.60). Ao mesmo tempo, há
um grande lamento: “DIEGO Estou só” (p. 79), ou ainda um momento de dura reflexão:
“Porque eu o chamo meu Diego? Ele nunca foi ou será meu. Ele pertence a ele mesmo.”
(p.61)

A tenacidade da ligação com um objeto amoroso frustrante


21

De que natureza era a força motivadora que impelia Frida em direção a Diego,
apesar de tanto sofrimento? Por que insistir numa relação geradora de contínua decepção
e insegurança? Entre os casos extraconjugais que manteve, houve pessoas seriamente
interessadas nela, com quem estabeleceu um contato mais íntimo. Por que então escolher
indubitavelmente Diego?
Frida parecia buscar nele desesperadamente algo que lhe era imprescindível, e que
ela constantemente sentia lhe escapar, próprio do relacionamento fusional do bebê com a
mãe. Para Freud (1940[1938]1975) a relação da criança muito pequena com a mãe
estabelece para toda a vida o primeiro e mais forte objeto amoroso e é o protótipo de todas
as relações amorosas posteriores. Freud (1914/1975) ressalta ainda que o indivíduo tem
originalmente dois objetos sexuais: ele próprio e a mãe, e isso se manifesta na escolha
objetal que ele faz.
Bollas (1992) se refere ao primeiro objeto materno como um objeto
transformacional, o qual é identificado pelo bebê como o processo da alteração da
experiência do self. Esta identificação surge de um modo de relação simbiótico, por meio
do qual a mãe ajuda a integrar o ser do bebê, do ponto de vista instintivo, cognitivo,
afetivo, ambiental. Certas formas de procura de objeto na vida adulta visam encontrar
esse processo de transformação dos primeiros tempos de vida, experimentado no contato
com a mãe. Podemos imaginar que Frida buscava em Diego estas qualidades
transformadoras de si mesma, e o que se repetia inexoravelmente era o fracasso desta
procura.
A história da infância de Frida nos permite fazer conjecturas a esse respeito. Ela
era a quarta filha do casal Matilde Calderon, mestiça católica devota, e Guilhermo Kahlo,
fotógrafo, nascido na Alemanha. Segundo Matilde, não foi um casamento feliz. O terceiro
filho, único menino, faleceu pouco depois de seu nascimento. Matilde ainda estava em
processo de luto quando nasceu Frida, em seguida a este filho falecido, e onze meses
depois dava à luz Cristina, sua última filha. Há evidências de que Matilde sofreu de
depressão pós-parto por ocasião do nascimento de Frida. Esta última foi entregue para ser
amamentada por uma ama de leite, que foi despedida por abusar do álcool. Uma segunda
ama de leite se encarregou da alimentação do bebê.
As falhas na relação primitiva de Frida com sua mãe são retratadas de forma
dramática em duas de suas obras: no quadro “Meu nascimento” (fig. 14) sua mãe está
morta, o rosto coberto com um lençol, dando à luz o bebê Frida com uma feição que
22

parece estar contorcida por um grande esforço. No alto está o quadro da Virgem dos
Lamentos, chorando. Em “Minha ama e eu” (fig. 15), a artista retrata a imagem que lhe
ficou gravada sobre sua relação de amamentação: o rosto da ama está coberto por uma
máscara de ferro, sem que esta olhe para o bebê que está amamentando. Não há contato
entre a boca do bebê e o mamilo da ama. Há uma gota de leite que escorre. O olhar de
Frida parece perdido no seu esforço por sobrevivência...
Os quadros sugerem que houve uma falha na função da materna como “escudo
protetor”, ocasionando o que Masud Khan (1974) considerou como “trauma cumulativo”.
O luto mal elaborado da mãe pelo filho morto e sua depressão nas etapas iniciais
primordiais do desenvolvimento da criança, o nascimento precoce da irmã, funcionaram
para Frida como traumas cumulativos, aos quais se somaram outros que foram
amplificando estas fendas primordiais.
O pai de Frida, Guilherme Kahlo, teve uma profunda influência em sua vida e no
desenvolvimento de suas aptidões artísticas. Era fotógrafo, epiléptico, e compartilhava
com ela seu hobby, a pintura. Sua presença em sua vida possibilitou-lhe introjetar um
objeto bom, acolhedor, um interlocutor que era buscado nas telas e nas tintas com que
expressava seus sentimentos. Sua presença em sua vida possibilitou-lhe introjetar um
objeto bom, acolhedor, um interlocutor que era buscado nas telas e nas tintas com que
expressava seus sentimentos. Para Herrera, (2002a) a doença crônica do pai ensinou a
Frida que a fraqueza traz a atenção das outras pessoas. Muitas vezes em sua vida ela
recorreu às manifestações de doença e fragilidade para conservar Diego perto dela...
Os quadros de Frida nos permitem supor que Frida não se sentiu olhada de fato no
contato com a mãe, o que resultou em um sentimento permanente de carência e vazio.
Como afirma Winnicott (1971/1975), quando o cuidado à criança é suficientemente bom,
o bebê vê a si mesmo ao olhar para a mãe. Isso significa que ela lhe dá a ilusão de que ele
é o centro do mundo, e com isso o ajuda a construir um sentimento de valor e as bases
principais de seu self. Assim, o apaixonamento da mãe pelo bebê, que já se inicia na
gravidez com a preocupação materna primária (Winnicott, 1956/1988), é primordial para
o seu bom desenvolvimento psíquico. O estado de depressão materna, como parece ter
ocorrido na história inicial de Frida, impede com que esse processo se desenvolva de
forma adequada.
Encontramos na relação de Frida com Diego elementos semelhantes aos que ela
retratou em seus quadros sobre a inadequação materna. Ela buscava com desespero o
23

olhar dele, mas ele lhe escapava constantemente, como uma sereia encantadora, mas
fugidia (Levinzon, 2009). Numa compulsão inconsciente à repetição, havia uma busca
incessante de contato com o objeto amoroso, tentando mudar uma história primordial
vivida de forma dramática. Em suas lembranças de Frida, Ella Wolfe contou: “Quando
eu estava sozinha com ela, ela me dizia o quanto era triste a sua vida com Diego. Ela
nunca se acostumou com os casos dele. A cada vez havia uma nova ferida, e ela continuou
sofrendo até o dia em que ela morreu. Diego nunca se importou. Ele disse que fazer sexo
era como urinar. Ele não podia entender porque as pessoas tomavam isso tão seriamente.
Mas ele tinha ciúmes de Frida- um duplo padrão, ‘el gran macho.’ ” (Herrera, 2002a, p.
366) Podemos imaginar que havia tanto em Frida quanto em Diego o desejo inconsciente
de reparar os relacionamentos patogênicos do passado e, como salienta Kernberg (1995),
a tentação de repeti-los em termos de suas necessidades agressivas e vingativas
insatisfeitas. Segundo este autor, cada parceiro tende a induzir no outro características do
antigo objeto edípico ou pré-edípico com quem ele teve conflitos...
Ao descrever relações amorosas que se caracterizam pela constante repetição de
aproximação seguida de rejeição, Defontaine (1995) ressalta que elas reproduzem
ligações objetais solidamente ancoradas no negativo. O que se repete é a patologia da
ligação primária. O sujeito não renuncia à relação, por mais dolorosa que seja, procurando
dominar a situação traumática original: é preciso conservá-la, unicamente com o
propósito de destruí-la. A “patologia do elo amoroso” tem na sua origem uma ferida
narcísica decorrente das experiências de perda e rejeição que não puderam ser elaboradas.
A manutenção de uma relação amorosa com um objeto inacessível pode ser
compreendida ao considerarmos as idéias de Green (1974), que afirma que o que
prevalece é o medo de que o desaparecimento do objeto deixe a pessoa diante do horror
do vazio, e que não haja sua substituição por um bom objeto disponível. Diante da
depressão da mãe, o bebê introjeta uma figura materna distante, quase inanimada. Embora
viva, ela é sentida como morta e mantida como tal, o que vai influenciar decisivamente
seu investimento libidinal objetal e narcisista (Green, 1980/1988). O sujeito se apega a
esta imagem internalizada da mãe morta de tal forma, que resiste em substituí-la por
qualquer outro objeto. É melhor tê-la presente, morta, do que correr o risco de perdê-la e
se deparar com o vazio aterrador. As palavras de Frida são significativas: “Eu amava meu
pai porque ele era muito bom para mim, porque ele me ajudava. Eu amava minha mãe
porque eu a via sofrendo muito... Eu o vi morto; eu não quis vê-la morta” (Campos, 2008,
24

p.85). Podemos pensar que a escolha amorosa de Frida representava uma forma de
permitir com que a imagem dessa mãe, identificada em Diego, permanecesse viva,
embalsamada...

Os autorretratos como espelho privilegiado do self


Ao analisar uma série de testes psicológicos aos quais Frida foi submetida, Harris
(2008) mostrou que as deficiências no seu auto-conceito e na integração de seu self
estavam ancoradas num conflito central que envolvia o medo de ser abandonada. Este
temor, decorrente de uma deprivação na infância, era intensificado pelas traições crônicas
de Diego e contribuiu de forma significativa para a deterioração de sua saúde. Frida se
viu às voltas com essas dificuldades por décadas, recorrendo a “novos tratamentos”,
cirurgias ou casos amorosos que não tinham real importância. Sua auto-estima estava
baseada no amor de Diego por ela, o que podia ser descrito como uma forma de
narcisismo patológico. Para Harris, apesar da riqueza do mundo interno de Frida,
predominava nela um grande sentimento de incompletude, dependência do outro, e um
sentimento agudo de desconfiança nos outros.
Sua dependência afetiva de Diego, acima de qualquer coisa, pode ser vista na
poesia escrita no seu diário, pouco antes de sua morte, em 1953, quando o seu pé direito
havia sido amputado:
“Se pelo menos, eu tivesse suas carícias perto de mim como o ar toca a terra- a
realidade de sua pessoa, me tornaria mais alegre, me aliviaria do sentimento que
me enche de cinza. Nada dentro de mim seria tão profundo, tão final. Mas, como
eu posso explicar a ele minha necessidade de ternura! Minha solidão de anos.
Minha estrutura desarmônica, inadaptada. Creio que seria melhor ir-me, ir-me e
não fugir. Que tudo passe em um instante. Oxalá.” (Fuentes &Lowe, 2005, p. 136)
Podemos dizer que a pintura, especialmente os autorretratos, tiveram para Frida
um papel primordial na tarefa de criar um espaço de continência e de expressão de seus
sentimentos. Os autorretratos tiveram sua origem no período seguinte ao acidente que
sofreu aos 18 anos, e que a deixou imobilizada por mais de três meses. Nesta ocasião foi
fixado um espelho no dossel da cama, e ela passou a pintar a si mesma como uma forma,
segundo suas palavras, “de vencer o tédio”. A longa coleção que veio a seguir em sua
vida mostrou que eles tinham a função de serem espelhos de seu mundo interno. Na
25

maioria deles ela expressou seus sentimentos de dor, angústia e decepção. Por vezes os
temas da morte e do suicídio eram sugeridos em suas pinturas. Frida criava um olhar para
si própria, que tinha a função de auto-sustentação e reconhecimento de si mesma. Ela era
a pessoa observada, e ao mesmo tempo aquela que olhava atentamente, e por longos
períodos de tempo. Desta forma, ela criava um duplo imaginário, que parecia ter funções
corretivas para a depressão e para a integração de seu self. Assim como o bebê olha para
a mãe e espera ver nela primordialmente o seu próprio reflexo, Frida era, por meio de
seus autorretratos, mãe de si mesma, seu próprio objeto amoroso...
Suas palavras falam por si sós: “Pinto-me porque estou sempre tão só, porque eu
sou o tema que conheço melhor...” (Herrera, 2002a)

RESUMO

Os sentimentos apaixonados são expressão de cor e vitalidade do ser humano.


Alguns estados de apaixonamento, no entanto, caracterizam-se por se manter de forma
obstinada, apesar da grande intensidade de dor e frustração que provocam.
A relação amorosa de Frida Kahlo com seu marido Diego Rivera nos dá uma
amostra deste tipo de relação e é tomada como base para conjecturas sobre as raízes
inconscientes que levam uma pessoa a insistir numa ligação turbulenta e dolorosa. A
análise da vida, obra e escritos da pintora sugerem que o amor por si mesma dependia do
amor de Diego por ela. A paixão amorosa, que originalmente tinha a função de
proporcionar uma situação similar ao encontro fusional primitivo com a mãe, tornava-se
uma repetição infindável da decepção dessa expectativa.
A pintura, e especialmente os autorretratos, proporcionaram a Frida Kahlo um
espelho próprio que lhe permitia expressar o estado de seu mundo interno e de suas
emoções.

SUMÁRIO

Este trabalho levanta considerações sobre a dinâmica psíquica presente nas


escolhas amorosas que se caracterizam por estados de frustração e turbulência e que se
mantêm de forma tenaz utilizando como modelo a paixão arrebatadora da pintora Frida
Kahlo por seu marido Diego Rivera.
26

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bollas, C. – (1992) A sombra do objeto; psicanálise do conhecido não-pensado. Rio de Janeiro, Imago.
Campos, O. (2008) - My memory of Frida. In: Grimberg, S. , Frida Kahlo: song of herself. (p. 33- 53).
London-NY: Merrell.
Defontaine, J. (1995) – Les turbulences de la passion ou la relation d’objet paradoxale. Bull. Société
Psychanalytique de Paris, v.38, p. 123-38.
Freud, S. - (1975) Sobre o Narcisismo: uma introdução. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud v.14. Rio de Janeiro, Imago, (trabalho original publicado
em 1914).
________- (1975) Esboço de psicanálise. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, v.23. Rio de Janeiro, Imago, (trabalho original publicado em 1940
[1938]).
Fuentes, C. & Lowe S. M. (orgs) (2005) The diary of Frida Kahlo: an intimate self-portrait. NY, Harry
N. Abrams.
Green, A. – (1974) L’analyste, la symbolisation et l’absence dans le cadre analytique. Nouvelle Revue de
Psychanalyse, n.10, p. 247.
________- (1988) A mãe morta. In: Narcisismo de Vida, Narcisismo de Morte. p.247-282. São Paulo,
Escuta, (trabalho original publicado em 1980).
Grimberg, S. – (2006) Frida Kahlo. North Dighton, World Publications Group.
Harris, J. B. – (2008) Psychological assessment of Frida Kahlo. In: Grimberg, S. , Frida Kahlo: song of
herself (p. 33- 53). London-NY: Merrell.
Herrera, H. – (2002a) Frida, a biography of Frida Kahlo. NY, Perennial Library.
_________ - (2002b) Frida Kahlo: the paintings. NY, Perennial.
Kettenmann, A. – (2006) Kahlo. Köln, Taschen.
Kernberg, O. F. – (1995) Psicopatologia das relações amorosas. Porto Alegre, Artes Médicas.
Levinzon, G. K. – (2009) Frida Kahlo: a pintura como processo de busca de si mesmo. Rev. Brasileira de
Psicanálise, vol. 43, n° 2, p. 49-60.
Khan, M. – (1974) Psicanálise: teoria, técnica e casos clínicos. RJ, Francisco Alves (Trabalho original
publicado em 1963).
Winnicott, D. W. - (1988) Preocupação materna primária - In: Winnicott, D. W. - Textos selecionados: da
pediatria à psicanálise. p. 491-498. Rio de Janeiro, Francisco Alves. (Trabalho original publicado em
1956).
_______________ - (1975) O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago. (Trabalho original publicado
em1971).
Zamora, M. (comp.) - (2006) Cartas apaixonadas de Frida Kahlo RJ, José Olympio.
27

TÉCNICAS PROJETIVAS GRÁFICAS2


A utilidade dos desenhos na prática clínica é amplamente reconhecida. Inúmeras são as
obras publicadas que destacam o valor da produção gráfica tanto na investigação da
personalidade quanto na prática terapêutica, como defendem, entre outros, os Gestalt-
terapeutas Violet Oaklander(1980) e John Stevens (1976); nunca é demais lembrar a posição da
renomada psiquiatra jungueana Nise da Silveira, para quem o mero fato de desenhar é, em si,
terapêutico.

Particularmente no campo do psicodiagnóstico, as técnicas projetivas gráficas têm-se


mostrado de grande utilidade para profissionais de diversas áreas. Os desenhos fornecem dados
menos suscetíveis as várias distorções e restrições que afetam a comunicação verbal. Sua
"linguagem" é bem mais independente dos fatores conscientes que induzem ao erro na
comunicação oral ou escrita, pois o que a linguagem dos desenhos transmite nem sempre é
reconhecido pelo sujeito, e por isso escapa da vigilância da mente. Porém, se por um lado essa
linguagem indireta reflete a personalidade de modo mais fidedigno, ela também é bem mais
difícil de compreender.

Nas palavras de Kinget (1952, xii),

seu valor diagnóstico depende estritamente da capacidade do clínico em


traduzir sua linguagem específica em termos comuns; e essa habilidade
depende principalmente do volume de informações objetivas disponíveis.

Nesse mesmo sentido, Levy (1991)destaca que a quantidade de informações que podem
ser obtidas dos desenhos de uma pessoa depende da “massa aperceptiva” do psicólogo, ou seja,
da sua compreensão, experiência e conjunto de habilidades. Isso na verdade se aplica a todas
as técnicas projetivas – situações de observação controlada, nas quais se estimula
comportamentos verbais e não-verbais do indivíduo por meio de instruções e materiais
ambíguos que lhe permitam compreender a situação a seu modo e responder com os recursos
que costuma usar.
Ocampo (1994) recomenda que o processo de investigação clínica comece pelas
técnicas projetivas gráficas, a menos que o paciente apresente dificuldades de cunho não
psicológico para a realização dos desenhos. Isso se justifica porque de modo geral as técnicas
gráficas provocam menos ansiedade, pois a tarefa é simples e familiar para a maioria dos

2
Adaptado de capítulo de Maria Cecilia de Vilhena Moraes publicado em Villemor-Amaral, A. E.;
Werlang, B. S. G. (orgs). Atualizações em métodos projetivos para avaliação psicológica. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2008.
28

sujeitos. Além disso, sua realização é de baixo custo e exige pouco tempo, e de modo geral
aborda aspectos menos sentidos como próprios, o que favorece que o paciente trabalhe mais
aliviado. O caráter não ameaçador desses instrumentos pode, assim, modificar as fantasias com
que o paciente chegou ao exame psicológico e contribuir para uma maior disposição em
estabelecer um bom rapport com o psicólogo.
A autora sugere começar pelas técnicas menos “fechadas”, como o desenho livre, e aos
poucos propor técnicas mais direcionadas, como o HTP. Recomenda ainda que os diferentes
instrumentos gráficos sejam aplicados sucessivamente, a fim de que o conjunto da produção
possa ser considerado como um todo e seja possível acompanhar o desempenho do sujeito ao
longo da sessão, identificando se há uma tendência à organização crescente ou à desorganização
progressiva. Segundo Hammer (1991), a análise da sequência de execução de cada desenho
específico ou da qualidade global dos desenhos em relação aos que os antecedem ou sucedem
permite analisar os aspectos estruturais do conflito e da defesa.
Outra vantagem das técnicas projetivas gráficas é que as tentativas de controle
intelectual e consciente sobre a produção ficam mais evidentes (por exemplo, desenhos de
figuras excessivamente esquemáticas ou estereotipadas) e o aplicador sempre pode solicitar
que o indivíduo faça outro desenho. As técnicas gráficas também detectam com maior precisão
os níveis mais profundos de integração e dissociação da personalidade, da qual refletem
aspectos mais estáveis e mais difíceis de ser modificados (Grassano, 1994).
Os clínicos que de fato conseguem usar desenhos para gerar impressões
diagnósticas e orientações terapêuticas usufruem de uma sólida vantagem
por dispor de uma janela adicional aberta para o mundo interno singular do
cliente. Compreender como usar os desenhos no contexto das avaliações
diagnósticas oferece várias oportunidades de cuidar de áreas problemáticas
que de outra forma não seriam abordadas nos exames verbais de praxe,
podendo ser de grande valor para o planejamento do tratamento futuro.
(OLSTER & CRONE, 2004, p. 22-23).
No contexto da investigação clínica, é importante incluir técnicas de outros tipos na
bateria, pois a patologia muito intensa nos desenhos pode aparecer de modo mais moderado
na produção do indivíduo frente a estímulos de outra natureza. De qualquer forma, o bom
desempenho nas técnicas gráficas sugere bom prognóstico (Ocampo, 1994; Grassano, 1994).

Alguns questionamentos
Um questionamento comum feito a esse tipo de instrumento é a da possível
interferência da habilidade artística na produção do indivíduo. Como afirma Levy (1991), o
treinamento artístico não disfarça os aspectos caracterológicos; combina-se com eles. Basta
29

observar o estilo pessoal revelado na obra de grandes artistas: a intensidade das cores das telas
de Vincent Van Gogh, um artista atormentado pela força de seus sentimentos; o olhar quase
fotográfico de Edgar Degas, que jamais convidava as pessoas ao seu atelier, exceto as modelos
e os marchands; a frieza dos ambientes retratados por René Magritte, que jamais contou à sua
esposa que, aos 14 anos, vira o corpo de sua mãe suicida ser retirado do rio; as representações
de mulheres de Pablo Picasso, em oposição às de Amedeo Modigliani. As obras dos grandes
mestres não contradizem a hipótese projetiva. Pelo contrário, oferecem farto material para o
exercício das habilidades necessárias ao psicólogo clínico que pretende trabalhar com a
interpretação de desenhos.

Outra crítica frequente são os dados inconclusivos comuns nos estudos de validação das
técnicas projetivas gráficas. Levy declara que as tentativas de avaliação da validade e da
fidedignidade desses instrumentos sem dúvida é bem-vinda. Entretanto, é necessário que as
técnicas utilizadas sejam adequadas “à matéria” de que se trata: “de outra forma, o índice de
validade pode se referir não àquilo que está sendo investigado, mas, ao contrário, à ingenuidade
ou à superficialidade da técnica de validação”(Levy, 1991, p. 64).

Nos procedimentos de avaliação tradicionais, as variáveis costumam ser isoladas; isso é


impossível no caso das técnicas projetivas gráficas, nas quais o produto final é resultado de
inúmeras variáveis: percepção, processamento de informações, memória, recursos intelectuais,
tônus muscular, só para citar algumas, e, obviamente, a própria história do indivíduo. Além
disso, mesmo que sejam observadas diferenças estatisticamente significativas entre grupos, isso
em nada contribui para o diagnóstico específico (Heidgerd, 1991).

A atenção dos pesquisadores dedicada principalmente ao conteúdo dos desenhos quase


sempre envolve uma variedade de material tão grande – uma vez que o objetivo é
principalmente obter dados sobre o indivíduo em sua singularidade – que o tratamento
qualitativo é o único adequado, mesmo seguindo regras estritas de avaliação. Porém, um critério
interno que permite testar o conteúdo dos desenhos é o modo como são executados, pois suas
características são extremamente consistentes (Hammer, 1991).
A natureza idiográfica das técnicas projetivas gráficas e a interpretação de variáveis
interrelacionadas que só têm sentido na configuração própria de cada caso tornam esses
instrumentos pouco adequados para estudos de validação estritamente psicométricos, dada a
excessiva simplificação envolvida nesse tipo de estudos. Por outro lado, como apontam G.
Meyer e colaboradores (2001), os coeficientes de validade próprios da psicometria podem levar
a subestimar a validade real dos instrumentos pesquisados. Seguindo esse raciocínio, é possível
30

questionar a validação quantitativa dos instrumentos conduzida em situações de pesquisa


desvinculadas das situações em que os instrumentos são usados na prática; de modo geralo
contexto de pesquisa, sem consequências para o sujeito ou qualquer motivo de interesse
pessoal mais profundo,é bem menos ameaçador do que a situação real em que os instrumentos
são aplicados. Nesse sentido, González Rey, cita Lincoln e Guba (1985):

O simples conhecimento, por parte do sujeito, de que está envolvido em um


estudo é suficiente para alterar, de forma significativa e certamente em um
nível desconhecido, sua resposta diante do pesquisador. (González Rey, 2002,
pág. 78)

A única forma de contornar essa dificuldade é ater-se às especificidades da produção de


cada indivíduo com o objetivo de captar o padrão que lhe é peculiar. A produção do indivíduo
deve ser avaliada qualitativamente, considerando o máximo possível de informações, inclusive
de outras fontes. Nesse sentido, trata-se mais de uma pesquisa qualitativa a partir da resposta
do indivíduo a estímulos ambíguos - ou seja, que dêem margem a diferentes interpretações - do
que um “teste” no sentido estrito do termo. Não se está testando ou medindo nada: está-se
investigando. E nesse processo, está-se construindo conhecimento. A produção do indivíduo
pode apresentar “sinais” de determinados conflitos ou patologias. Mas, como aponta Anzieu
(1986), para identificá-los e interpretá-los adequadamente, é necessário que o clínico tenha
profundo conhecimento dos processos psicológicos por eles indicados.

Seja qual for a técnica aplicada, idiográfica ou normativa, é fundamentalter sempre em


mente que ela não passa de uma ferramenta. Como apontam Meyer e colaboradores (2001, p.
153):

Os testes não pensam por si nem se comunicam diretamente com os


pacientes. Como um estetoscópio, um aparelho para medir pressão ou uma
tomografia, o teste psicológico é um instrumento obtuso, e seu valor não
pode ser dissociado da sofisticação do clínico que levanta inferências a partir
dele.

Inferências plausíveis só poderão ser levantadas a partir da análise integrada de vários


aspectos e de diferentes fontes de informação, e dependerão, basicamente, da habilidade de
quem usa o instrumento. Por melhor que seja a ferramenta, inevitavelmente levará a resultados
questionáveis se manipulada por mãos pouco habilidosas.

Porém, conforme declara Trinca (1999), embora desde há muito se venha discutindo a
avaliação das técnicas projetivas, pouca atenção foi dedicada às qualidades da mente e ao
preparo do clínico que as utiliza.

A formação do profissional
31

Alguns autores que teceram considerações sobre a questão da formação profissional do


psicólogo que pretende trabalhar com os aspectos projetivos da expressão gráfica merecem ser
comentados. Anzieu (1986) sugere:

O melhor tipo preparatório do treino para o analista de desenhos podem ser


cursos de pluralismo de William James, nos símbolos linguísticos
multidimensionais de James Joyce, nas interpretações de sonhos de Freud,
nas explorações do simbolismo por Stekel e Jung e uma psicanálise pessoal!
(p. 63)

Augras (1980) vai além, destacando que o psicólogo, embora deva recorrer sempre que
possível às informações da interpretação “clássica”, não deve aceitar nenhum sistema como
dogma, e sim extrair, de cada um, o que pode ser mais interessante para o caso específico que
tenha em mãos. Para trabalhar com o sentido simbólico dos desenhos, o profissional deve
obviamente aceitar os sistemas de psicologia profunda, e também ter uma base filosófica sólida
e um bom conhecimento do material fornecido pelos “sistemas intuitivos” (folclore, mitos
religião). Em síntese, resume a autora: “quem quiser dedicar-se à interpretação dos conteúdos
simbólicos deve ser, antes de tudo, eclético”. (p. 255)

No mesmo sentido, Trinca (1999) enfatiza o papel dos atributos pessoais do profissional,
uma vez que para compreender a dinâmica emocional inconsciente de outra pessoa é necessário
usar a própria sensibilidade e intuição. Para o autor, o requisito fundamental para essa prática
é a mobilidade psíquica do clínico, uma atitude sem preconceitos de se deixar levar no
relacionamento com o examinando que permitirá o aparecimento espontâneo das significações.
A análise da dimensão simbólica da produção do sujeito exige que o profissional tenha
aprendido a usar canais de comunicação que permitam alcançar a subjetividade e que melhor
se adaptem às peculiaridades de cada examinando, e a compreender a linguagem pré-verbal e
não-verbal expressa no comportamento observável. Acima de tudo, não se pode perder de vista
a compreensão psicológica global do indivíduo e a subordinação do processo diagnóstico ao
pensamento clínico.

Sob a perspectiva da formação do profissional, essas colocações evidenciam a necessidade


de uma densidade pessoal e de um repertório de conhecimentos e experiências diversificadas
que o mero aprendizado de regras de interpretação e de receitas do tipo “isto quer dizer aquilo”
jamais poderá oferecer; mostram, também, a importância da aberturado profissional a uma
forma de conhecimento a meio caminho entre ciência e arte que vai muito além dos limites
estritos da ciência clássica.

Além da qualificação do profissional, nunca é demais enfatizar a importância do contexto


em que os desenhos são obtidos. Para que o profissional possa utilizar de modo adequado seus
32

atributos pessoais para a análise profunda da produção do indivíduo é fundamental um setting


que possibilite a relação psicólogo-examinando direta e que favoreça a disposição do indivíduo
a se dar a conhecer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ANZIEU, Didier. Os métodos projetivos. Tradução de Maria Lucia do Eirado Silva. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Campus, 1986.
2. AUGRAS, Monique. A dimensão simbólica: o simbolismo nos testes psicológicos. 3ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1980.
3. GONZÁLEZ REY, L. F. Pesquisa qualitativa em Psicologia:caminhos e desafios. Tradução de
Marcel Aristides Ferrada Silva. São Paulo, PioneiraThomson Learning, 2002.
4. GRASSANO, Elsa. Defesas nos testes gráficos. Em OCAMPO, Maria Luisa Siquier e colaboradores.
O processo diagnóstico e as técnicas projetivas. Tradução de Miriam Felzenszwalb. São Paulo:
Martins Fontes, 1994.
5. HAMMER, Emmanuel. Aplicações clínicas dos desenhos projetivos. Tradução de Eva Nick. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
6. HEIDGERD, Everett. Pesquisas das técnicas gráficas. Em HAMMER, Emmanuel. Aplicações clínicas
dos desenhos projetivos. Tradução de Eva Nick. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
7. KINGET, Marian G. The Drawing-Completion Test: a projective technique for the investigation of
the personality. New York, Grun & Stratton, Inc. 1952.
8. LEVY, Sidney. Desenho projetivo da figura humana. Em HAMMER, Emmanuel. Aplicações clínicas
dos desenhos projetivos. Tradução de Eva Nick. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
9. MEYER, Gregory; FINN, Stephen E.; EYDE, Lorraine; KAY, Gary; MORELAND, Kevin.; DIES, Robert;
EISMAN, Elena; KUBISZYN, Tom e REED, Geoffrey. Psychological Testing and Psychological
Assessment, Em American Psychologist.Vol. 56, Nº 2, February, 2001 American Psychological
Association
10. OAKLANDER, Violet. Descobrindo Crianças: abordagem gestáltica com crianças e adolescentes.
George Schlesinger. 11ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1980.
11. OCAMPO, Maria Luisa Siquier e colaboradores. O processo diagnóstico e as técnicas projetivas.
Tradução de Miriam Felzenszwalb. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
12. OSTER, Gerald D.; CRONE, Patricia G. Using Drawings in Assessment and Therapy. 2nd ed. New
York: Brunner-Routledge, 2004.
13. STEVENS, John O. - Tornar-se presente: experimentos de crescimento em gestalt-terapia.
Tradução de Maria Julia Kovacs e George Schlesinger. São Paulo: Summus Editorial, 1976.
14. SILVA, M. C. V. M. As técnicas gráficas. Em Villemor-Amaral, A. E.; Werlang, B. S. G.
(orgs). Atualizações em métodos projetivos para avaliação psicológica. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2008.
15. TRINCA, Walter. Psicanálise e expansão da consciência: apontamentos para o novo milênio. São
Paulo: Vetor, 1999.
33

PARTE II
SUBSÍDIOS PARA INTERPRETAÇÃO
34

A EVOLUÇÃO DO GRAFISMO
É unânime entre os autores que se dedicaram ao estudo da evolução do grafismo a
constatação do prazer que a criança pequena sente ao desenhar, rabiscar, pintar. Quando
observamos uma criança envolvida desse tipo de atividade, fica evidente a participação de todo
seu corpo nessa forma de expressão: deita-se sobre a folha de papel, sorri, faz caretas, mexe os
pés, eventualmente agira as mãos ou olha para cima, pensativa. O que acontece, ao longo do
caminho do desenvolvimento, que faz com que a maioria dos adultos abandone esse modo de
expressão?
Comecemos pelo princípio. A expressão gráfica tem sua origem no gesto. Trata-se, na
verdade, do registro de um gesto e sua origem é casual. A partir do momento em que a criança
percebe que um gesto deixa uma marca, seja na areia onde apoiou a mão, na janela embaçada
do carro, onde passou o dedo, na papinha que derrubou sobre a mesa, inicia-se um período de
intenso intercâmbio entre a repetição do gesto e a experimentação de novas possibilidades de
registro. A criança começa, então, a repetir e experimentar outros gestos para observar a marca
que produzem. Não se pode, neste ponto, falar em desenho. A criança não tem a intenção de
representar algo do mundo, mas apenas observar os efeitos provocados por seus movimentos.
Aos poucos ela passa a utilizar instrumentos que diferenciam e ampliam essas possibilidades de
registro – o lápis, o giz de cera, a tinta – para desespero das mães que se deparam com a falta
de limites dessa experimentação: o traço inicia-se no papel, continua sobre a mesa, estende-se
pelas paredes… Nas palavras de Derdyk,

tal como o instrumento é o prolongamento da mão, o mundo é o


prolongamento do corpo. A relação física e sensorial que a criança
estabelece com o desenho possibilita a experiência de novas
realidades. (DERDYK, 2008, p. 60)

Aos poucos, a criança vai se dando conta dos limites do papel, das relações figura-fundo,
parte-todo. Segundo Derdyk, “o prazer motor aos poucos alia-se ao prazer visual” (idem,
ibidem).
O crescente desenvolvimento motor permite o comando do movimento. A mão não
mais guia o movimento dos olhos – os olhos passam a comandar o movimento da mão. A criança
experimenta traços longos, curtos, movimentos amplos, contínuos, descontínuos… Observa
seus registros, modifica-os, combina-os. E um dia, olhando para algo que produziu no papel,
associa-o a algo que vê ou conhece. Percebe, então, que pode representar, através de sua
produção, as coisas de si, as coisas do mundo. Este é o ponto a partir do qual passa
35

do domínio da sensação direta ao mundo das relações, o objeto


ganha importância e a criança passa a estabelecer analogias e
correspondências. A memória desempenha um papel importante,
permitindo a evocação de sensações ausentes. A memória se torna
um arsenal vivo de repertórios vividos. (idem, p. 126)

E o desenho se transforma em instrumento de conhecimento: a criança passa a


desenhar o que sabe do objeto e não o que vê dele; mas a percepção foi a base da
representação, da criação do conceito e o intercâmbio entre conceito e percepção permanece.
À medida que vai descobrindo novos detalhes nas coisas do mundo, incorpora-os à
representação. Memória, percepção, conceituação, num processo criativo que gera um
conhecimento assimilado pelo corpo em sua totalidade.

a criança não esquece nada, assimila tudo o que vê e vive. O desejo de


conhecer impulsiona a assimilação e a retenção das informações do corpo,
confirmando a existência de uma memória corporal. A memória também
propicia um ato criativo. Ela não é somente restauração e repetição. A
memória resgata, lá no fundo da gaveta, reminiscências que se tornam novos
repertórios para novas associações. Estas configuram outros mapeamentos,
projetando idéias, transportando imagens e sensações. A memória é aliada
da imaginação. A memória retém dados, fatos, signos, gráficos, que nasceram
de um presente, de uma atenção, de uma observação. São cartas na mão para
serem lançadas: existem em potencial. A memória gera um espaço vivencial
interpenetrando nas frestas do imaginário. (idem, p. 127)

Ao chegar ao jardim da infância, a maioria das crianças já dispõe de um repertório


relativamente amplo para desenhar numerosos objetos, experimentam muito e usam cores
fartamente, demonstrando grande confiança em seus próprios meios de expressão, apontam
Lowenfeld e Brittain (1977).
Por volta dos 6 a 7 anos, inicia-se o processo de alfabetização. A expressão livre e mágica
da primeira infância começa a ser domesticada: é preciso escrever da esquerda para a direita,
de cima para baixo. As aulas de arte muitas vezes resumem-se à cópia ou pintura de desenhos
já feitos. É preciso pintar dentro das linhas, isto está certo, isto está errado, isto está bonito, isto
está feio. Mais consciente de si, a criança assume uma postura crítica em relação a sua produção.
Aos 9-10 anos de idade está muito atenta aos detalhes e procura realizar desenhos
realistas. Como aponta Betty Edwards, a sensação de que seus desenhos já não estão “certos”
torna-se cada vez mais presente.
Aos 11-12 anos, reluta em mostrar o que faz, acha seus desenhos feios. Seus professores
lhe dizem que é preciso olhar melhor, mas ela não sabe bem “o quê” deveria olhar. Para a
maioria das pessoas, nesta fase encerra-se a vivência com o desenho. Quando solicitadas a
desenhar, anos depois, nada restará do prazer inicial que esta atividade proporcionava, e o que
36

registrarão no papel será o repertório de símbolos gráficos que se cristalizou na pré-


adolescência.
Betty Edwards (1979, p. 74) ilustra com muita propriedade o que se passa nesta fase e
que acaba por determinar o encerramento das atividades artísticas gráficas:
digamos que uma criança de 10 anos queira desenhar um cubo,
talvez um pedaço de madeira tridimensional. Desejando que o
desenho se pareça ‘real’, ela procura desenhar o cubo de um ponto
de vista que mostre duas ou três faces – não apenas a vista frontal
de um único plano, que não revelaria a verdadeira forma de um
cubo. Para isso, a criança precisa desenhar a forma com ângulos
agudos, exatamente como aparecem – ou seja, exatamente como a
imagem que incide sobre a retina do olho que percebe. Estas formas
não são quadradas. Na verdade, a criança deve eliminar o
conhecimento de que o cubo é quadrado e desenhas as formas que
são ‘estranhas’. O cubo desenhado parecerá um cubo apenas se for
constituído por ângulos agudos. Dito de outra forma, a criança
precisa desenhar um cubo que não seja quadrado para desenhar um
cubo quadrado. Ela deve aceitar este paradoxo, este processo
ilógico, que entra em conflito com o conhecimento verbal e
conceitual. Se o conhecimento verbal da forma real do cubo se
impuser à percepção puramente visual do estudante, o resultado
será um desenho ‘incorreto’.

Assim, após uma sucessão de desenhos “incorretos” – do ponto de vista da criança que
desejava uma produção realista – ela passa a acreditar que simplesmente não sabe desenhar.
Está estabelecido um critério de valor que discrimina os bons desenhos dos maus desenhos. E
ela conclui que só sabe fazer os maus.

Considerando o exposto acima, podemos considerar a incapacidade de desenhar como


um predomínio do conceito, desvinculado da experiência imediata, sobre o dado sensorial. Na
medida que o que vemos entra em conflito com o que sabemos – e este último aspecto é o que
se impõe – o dado perceptivo é descartado.
37

Segundo Ortega y Gasset (mencionado por Derdyk, 2008, p. 82),


sem conceito não saberíamos bem onde começa e onde termina uma coisa;
com impressões, as coisas são fugazes, fugidias, deslizam de nossas mãos e
não as possuímos. O conceito, interligando umas com as outras, acaba por
fixá-las e aprisioná-las. Diz Platão que as impressões se nos escapam se não
as amarrarmos com a razão, como, segundo a lenda, as estátuas de Demétrius
fugiam à noite se não estivessem atadas. Jamais nos proporcionará o conceito
o que nos fornece a impressão: a carne das coisas. Mas isso não obedece a
nenhuma insuficiência do conceito e sim a que o conceito não pretende
desempenhar este papel. Jamais nos dará a impressão o que nos dá o
conceito – a forma, o sentido físico e moral das coisas. Se devolvermos à
palavra percepção seu valor etimológico – alusivo a acolher, apresar – o
conceito será o verdadeiro instrumento ou órgão de apresamento das coisas.

Caberia perguntar, apenas, se a tentativa de nos apossarmos das coisas e aprisioná-las


através de conceitos desvinculados das impressões não nos levaria justamente a perdê-las.

Como vimos, podemos considerar a estagnação da experiência artística gráfica como


decorrente do predomínio do processamento de dados próprio do hemisfério esquerdo sobre o
do direito: o uso do conceito como aquele que dá a forma e o valor moral em detrimento da
“carne” oferecida pela impressão fugidia. A percepção aprisionante é limitada pelo conceito se
estiver separada das impressões sensoriais de que dispomos. Qual é o resultado disso? Podemos
imaginá-lo a partir das palavras de Edith Derdyk – mas podemos senti-lo com maior intensidade
se nos voltarmos a nosso próprio cotidiano, à nossa experiência:

Gente grande é diferente. É produto acabado, conhece seus limites, cresce


dentro de uma roupa que se torna cada vez mais apertada. A vida sedentária
lhe dá ares envelhecidos. O passado é memória acumulada: fatos inegáveis.
O futuro é um rio de margens feitas. O presente são representações de
afirmações. O A emoção cotidiana tudo engrandece, colorindo ilusoriamente
algo que o tempo se encarrega de encobrir. A cada ano que passa, tem a
impressão de que a Terra gira mais rápido, desafiadoramente. O tempo é
cercado pelo cotidiano. A imensidão do céu já não o afeta tanto fisicamente,
nem existencialmente. As luzes da cidade constroem um cenário atemporal.
O que não a espera?
...
A intensidade presente é uma lembrança que habita a nossa infância, quando
os dias eram tão compridos e densos, quando o tempo e o espaço carregavam
uma sensação de amplidão. A todo instante surgiam pequenas grandes
fronteiras a serem ultrapassadas, gerando uma noção do porvir: o caminho
ali adiante, os pássaros no alto do muro, o botão do elevador ali em cima, o
objeto sedutor daquela estante… A criança está integralmente em tudo o que
faz. (idem, p. 82-83)
38

Não se trata, portanto, de uma simples questão de desenhar ou não. Isto é apenas o
reflexo de uma postura que acaba por distanciar o homem do mundo que o cerca, pelo uso de
conceitos que não mais o vinculam às impressões sensoriais, que poderiam alimentá-los e
dinamizá-los.
Lowenfeld e Brittain (1977) apontam o fracasso de nosso sistema educacional pelo tipo
de indivíduo que ele forma e valoriza: o que é capaz de regurgitar fragmentos de informações
através da ênfase nas habilidades avaliadas pelos testes de inteligência, em detrimento de
outras tantas faculdades intelectuais humanas, principalmente as associadas aos sentidos.
Estar capacitado a reunir determinadas letras na sequência adequada para
que se leia coelho não constitui uma compreensão do que seja um coelho.
Para conhecer realmente um coelho, a criança deve poder tocá-lo, sentir o
contato de sua pele, observar como mexe o focinho, alimentá-lo e aprender
seus hábitos. É a interação dos símbolos, do eu e do ambiente que fornece os
elementos necessários aos processos intelectuais abstratos. (LOWENFELD
&BRITTAIN, 1977, p. 16)

Os autores ainda ressaltam que


não queremos dar a impressão de que a humanidade é salva pelo mero
desenvolvimento de um bom programa de criação artística… mas os valores
significativos num programa de arte são os mesmos que podem ser básicos
para o desenvolvimento de uma nova imagem, uma nova filosofia e mesmo
de uma estrutura inteiramente nova do nosso sistema educacional. (idem, p.
15)

Da mesma forma, Edith Derdyk não poupa críticas a este sistema:


É patente o empobrecimento da expressão gráfica quando a criança passa
pelo processo de alfabetização, principalmente quando não há um respaldo
que dê garantias para a continuidade da experimentação gráfica. Estes fatos
nos levam a refletir sobre o funcionamento de nosso sistema educacional. A
escola é o agente e transmissor cultural. A necessidade de organizar o
conhecimento, para poder comunicá-lo, muitas vezes torna o próprio
conhecimento compartimentado, classificatório e redutor. A escola porta-voz
de uma visão de mundo, pode sub-liminarmente aprisionar a capacidade de
uma criança perceber e compreender o mundo por si mesma: este lhe é dado,
apresentado e assinado.(DERDYK, 2008, p. 82-83)

De fato, não se pode considerar o sistema educacional à parte do sistema social ao qual
serve e sustenta. Ele representa as expectativas do grupo e forma indivíduos conforme se
espera. A compartimentalização do conhecimento, a desvinculação entre vivência e
representação abstrata, entre o que se sabe e o que se vive, não são privilégio de nossas escolas,
caracterizando, sim, toda uma visão de mundo própria da civilização ocidental.
39

PEQUENA CRONOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO DO DESENHO

Início da expressão gráfica


Determinado pelo momento em que a criança percebe a relação entre o gesto e a persistência
da marca. Não se pode falar em desenho, pois não existe a intenção de representar alguma
coisa.
Etapa da garatuja (aproximadamente entre 1 – 3 anos)
Nesta fase a criança apresenta um interesse crescente pelas linhas que traça e tenta reproduzi-
las. Ainda não há a intenção representativa. Formas fechadas podem aparecer pela
superposição de linhas.
Entre 1 ½ e 2 anos, a criança:
▪ faz traços horizontais, verticais, círculos rudimentares;
▪ associa a linha horizontal à escrita do adulto;
▪ não controla o ponto de partida nem de chegada da linha, embora consiga frear o
movimento, o que possibilita a realização de traços curtos;
▪ começa a “compor” formas com 2 ou mais traços;
▪ controla a velocidade do movimento.
A partir de 2 anos, aproximadamente:
• olho passa a comandar o movimento da mão, o que dá à criança maior controle sobre o
traçado;
▪ a criança é capaz de recomeçar deliberadamente a partir de pontos escolhidos de
traçados já feitos;
▪ consegue opor traços contínuos e descontínuos, amplos e curtos ou repeti-los, ou ainda
opor traços lineares a circulares;
▪ as formas criadas tornam-se progressivamente mais complexas.
Esses progressos se devem ao maior controle motor e à crescente integração das atividades
visuais e corporais.
Intenção representativa – (a partir de 3-4 anos)
Se dá a partir do momento em que a criança reconhece semelhanças entre a marca e um objeto.
Num primeiro momento este reconhecimento é posterior às realização do traçado, mas a partir
de então, ao perceber que pode representar as coisas do mundo, a criança passa a ter a intenção
de representá-las graficamente. Nesse momento ela começa a desenhar. Devido ao intenso
intercâmbio percepção-marca-conceito, o desenho passa a ser um instrumento de
conhecimento.
40

Realismo intelectual – (4 a 12 anos)


Progressivamente os desenhos se tornam mais detalhados, os conceitos se enriquecem. Cada
vez mais a criança desenha o que sabe a respeito do objeto e conhece cada vez mais o objeto
por desenhá-lo. Por volta dos 10 anos já faz reproduções esquemáticas e desenvolve o “tipo”:
desenho típico que se repete com pequenas variações. É o precursor da assinatura.
Realismo visual –
Superação do paradoxo entre o conhecimento e a percepção visual.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
▪ 4 –5 anos: amplo uso dos desenhos para contar histórias e expressar sentimentos.
▪ 5 a 6 anos: início dos desenhos de paisagens (associados à própria ampliação dos horizontes
da criança). Identificação do “chão” com a borda inferior do papel e o “céu” com a borda
superior.
▪ 9-11 anos: intensa busca de realismo na expressão gráfica, principalmente pelo acréscimo
de detalhes. Paralelamente aumenta a crítica quanto à própria realização. Temas
diferenciados de acordo com a idade:
 meninos: carros, carros de corrida, cenas de guerra com torpedos, mísseis, armas,
foguetes; super-heróis, letras compactas, imagens estranhas ou bizarras.
 meninas: flores em vasos, paisagens com montanhas e cachoeiras refletidas em lagos,
meninas com olhos grandes, cílios compridos, cabelos elaborados, cinturas finas, pés
pequenos e mãos para trás.
▪ 10-12 anos: conflito entre percepção e conceito. Estagnação do desenho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. DERDYK, E. Formas de pensar o desenho – desenvolvimento do grafismo infantil. São


Paulo: Scipione, 2008.
2. EDWARDS, Betty. Drawing with the Right Side of the Brain.New York: Penguin Group,
1979.
3. LOWENFELD, V.; BRITTAIN, W.L. O Desenvolvimento da Capacidade Criadora.São Paulo:
Mestre Jou, 1977.
41

A TÉCNICA DA CASA-ÁRVORE PESSOA (HTP) DE JOHN BUCK3

O HTP propõe o desenho de temas simples, conhecidos da grande maioria das


pessoas, por meio dos quais podem ser explorados diferentes níveis de projeção da
personalidade, abordando aspectos mais arcaicos por meio do desenho da árvore e
aspectos menos arcaicos por meio do desenho da pessoa; o desenho da casa fica em algum
ponto entre esses dois extremos. Desenhos específicos e familiares à maioria das pessoas
oferecem, para o clínico, uma referência para a comparação da produção de um indivíduo em
particular com a das pessoas de mesma idade e status socioeconômico equivalente,
constituindo, assim, uma âncora para a interpretação.
Na forma original, proposta por Buck, o HTP envolve três desenhos produzidos com lápis
nº 2 e material verbal obtido no inquérito. Com o acréscimo sugerido por Hammer (1991) – o
HTP cromático – o clínico dispõe de um conjunto de pelo menos seis desenhos, além do material
verbal associado, contando, portanto, com uma amostra maior de comportamentos
observados em circunstâncias distintas. Para o autor, a fase cromática não constitui apenas uma
complementação da fase acromática. Ela representa um conjunto de condições em que o sujeito
perde parte do controle defensivo: o inquérito que a antecede, além de esclarecer aspectos do
desenho, força a identificação do sujeito com o que produziu e mobiliza mais claramente os
conflitos subjacentes; o uso da cor acentua a participação dos aspectos emocionais; o material
– giz de cera – impede o controle mais refinado de que o sujeito dispõe quando desenha com o
lápis nº 2; a impossibilidade de apagar o que considera erros no desenho, tendo apenas a
oportunidade de escondê-los, coloca o sujeito em uma situação mais vulnerável. Essa
configuração induz, no examinando, um nível de frustração diferente daquele proposto pela
fase acromática e expõe um nível mais profundo de sua personalidade, revelando de forma mais
evidente os conflitos, as defesas e os recursos psicológicos do indivíduo.
Este capítulo aborda as origens do HTP e os acréscimos feitos ao instrumento
com o passar do tempo. Com o objetivo de apresentar diferentes abordagens à análise
do material produzido, são apresentados: o simbolismo dos temas Casa, Árvore e
Pessoa, que fundamentam a tradicional interpretação do conteúdo; o simbolismo do
espaço, que fundamenta a interpretação da folha em que se desenha como

3
Adaptado de capítulo de Maria Cecilia de Vilhena Moraes publicado em Villemor-Amaral, A. E.;
Werlang, B. S. G. (orgs). Atualizações em métodos projetivos para avaliação psicológica. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2008.
42

representação do espaço vivencial do indivíduo; por fim, é descrita sucintamente a


identificação dos tipos de defesa e de organização da personalidade, desenvolvida por
Elsa Grassano (1994,1996), como exemplo de análise integrada de vários aspectos
associadas a um referencial teórico específico, no caso, os conceitos de Melanie Klein.
Em seguida são apresentados alguns estudos que usam o HTP, o desenho da
figura humana ou o desenho livre para a identificação de variáveis complexas, estudos
de caso da vida real e avaliação de intervenções.
O capítulo é encerrado com algumas considerações sobre pontos levantados
durante o capítulo sobre o uso e a interpretação de desenhos.

ORIGENS E FUNDAMENTOS TEÓRICOS


A técnica projetiva da Casa-Árvore-Pessoa (HTP), de John Buck (1948), consiste na
sistematização de vários procedimentos envolvendo a expressão gráfica que, a partir das
décadas de 1920 e 1930, foram impulsionados pela substituição da expressão verbal pelo
desenho livre como instrumental para associações livres no tratamento de crianças (Anzieu,
1986).
Já no final de 1926, Florence Goodenough desenvolvia, nos Estados Unidos, o teste da
figura humana (DFH) para avaliação do desenvolvimento intelectual de crianças. Karen
Machover, identificando o potencial para o estudo da personalidade da técnica de Goodenough,
cria o Desenho de uma pessoa (DAP, Draw a Person), uma técnica puramente projetiva.
Em 1928, partindo de uma base exclusivamente intuitiva, o suíço Emil Jucker utilizava o
desenho da árvore para identificar possíveis dificuldades dos clientes que o procuravam em
busca de orientação educacional e vocacional. A escolha da árvore como tema, segundo Jucker,
baseou-se no estudo da história da cultura e dos mitos, nos quais a árvore tem simbolismo
privilegiado (Van Kolck, 1984; Hammer, 1991). Em 1934, Schliebe, na Alemanha, com o objetivo
de investigar os afetos, solicitava vários desenhos de árvores, nesta sequência: uma árvore
qualquer, depois gelada, alegre, pedindo ajuda, sofrendo e, por fim, morta. Discípulo de Jucker,
Karl Koch criou o Teste da Árvore a partir de estudos experimentais com desenhos desse tema
em situações de hipnose, reflexões fenomenológicas sobre os possíveis significados de cada
traço da produção gráfica e aplicação de tratamento estatístico ao material coletado(Van Kolck,
1984; Hammer, 1991). Posteriormente, Renée Stora, na França, adaptou e modificou a técnica,
tornando-a mais dirigida (Anzieu, 1980), mas seu trabalho teve pouca repercussão no
Brasil.
43

John Buck (1948) sistematizou os dados das técnicas desenvolvidas por Koch e
Machover e acrescentou o desenho da casa. Posteriormente, Emmanuel Hammer
introduziu o HTP cromático no procedimento, visando investigar a personalidade em um nível
mais profundo do que o possibilitado pela produção acromática(Hammer, 1991).
A tarefa de desenhar os três temaspode ser considerada como um tipo de teste
situacional no qual o sujeito enfrenta não só o problema de desenhar o tema indicado, como
também com o de orientar-se, adaptar-se e comportar-se numa situação específica. Para isso,
ele mostrará um comportamento verbal, expressivo e motor. Esses comportamentos, assim
como o próprio desenho, fornecem os dados para a análise psicológica (Levy, 1991).

Princípios de interpretação
A produção pode ser analisada sob três perspectivas: adaptativa, expressiva e projetiva
(Van Kolck, 1984). A diferenciação em três perspectivas é puramente didática, uma vez que os
três aspectos são inseparáveis. Da mesma forma, os vários desenhos devem ser analisados em
conjunto, procurando-se padrões característicos da produção do sujeito.
A perspectiva adaptativa avalia a adequação do sujeito à tarefa, considerando a
qualidade da produção tanto em termos formais de correspondência ao grupo etário e
sociocultural ao qual o indivíduo pertence, quanto à compatibilidade entre o que foi solicitado
e o que foi produzido. De modo geral, os problemas de adaptação se devem a recursos
intelectuais insuficientes, problemas orgânicos, patologias mais graves ou problemas
emocionais intensos.
A perspectiva expressiva analisa o estilo próprio do sujeito. Como destaca Hammer
(1991), nossos músculos não mentem; a análise volta-se para a expressão psicomotora do
indivíduo, levando em conta também os comportamentos não-verbais apresentados durante a
realização da tarefa.Considerando que a folha em branco representa o ambiente delimitado
imposto ao sujeito (Van Kolck, 1984), o modo como o indivíduo o utiliza revelará sua orientação
geral em relação ao mundo e a si próprio. Os aspectos expressivos revelam características
estáveis do indivíduo, como as atitudes básicas em relação a si e ao ambiente, o grau de energia
de que dispõe e como a investe, o controle na expressão dos impulsos e os recursos cognitivos
potenciais e efetivamente usados para dar conta das tarefas propostas (Hammer, 1991).
A perspectiva projetiva concentra-se no modo como o tema é tratado e avalia a
atribuição de qualidades às situações e objetos representados, o que permite identificar áreas
de conflito mais significativas (Van Kolck, 1984). Aqui a atenção se volta para as diferentes partes
representadas e a análise se fundamenta no aspecto simbólico dos elementos analisados.

Aspectos adaptativos do desenho


44

A análise dos aspectos adaptativosoferece menor dificuldade em termos de interpretação,


exigindo, entretanto, conhecimentos sobre a evolução do grafismo. O nível de adaptação
do indivíduo é avaliado de acordo com:
Adaptação gráfica
Verifica se o desenho está de acordo com a evolução geral do grafismo, ou seja, se é
compatível com a idade do indivíduo em termos de presença e organização dos detalhes e
do desenho como um todo, controle do lápis, qualidade da produção.
A produção de acordo com o esperado indica bom controle motor, nível intelectual
satisfatório, capacidade de adaptação às demandas do ambiente.
A produção acima esperadopode se dever a treinamento especifico (aulas de desenho),
facilidade em desenhar, presença de bons recursos intelectuais.
A produção abaixo do esperado: revela desajuste, que pode ser decorrente de:
- recursos intelectuais limitados: a produção caracterize-se pela homogeneidade; todos
os desenhos são pobres, indicando que o indivíduo possui um repertório restrito de
respostas. Pouca presença de detalhes ou organização inadequada. Tendência à
estereotipia.
- aspectos afetivo-emocionais: nesses casos, a produção é heterogênea. Os desenhos
apresentam qualidade satisfatória, mas eventualmente um dos desenhos ou uma de suas
partes tem sua qualidade comprometida pela dificuldade em controlar a ansiedade. A queda
na qualidade da produção pode ocorrer apenas no primeiro desenho, o que indicaria uma
ansiedade frente à nova situação, com posterior controle e capacidade de adaptação. Pode
ocorrer em apenas um dos desenhos realizados ou em uma área determinada, indicando
conflitos específicos em relação aos significados simbólicos associados ao tema do desenho,
quando então o controle sobre a ansiedade deixa de ser satisfatório. Outra possibilidade é
apresentar uma boa produção inicial que decai progressivamente, à medida que o teste
avança. Isso indicaria uma capacidade de adaptação superficial, frágil, que não resiste ao
aumento da ansiedade.
- perturbações da motricidade: caracteriza-se por linhas trêmulas, dificuldade com os
ângulos (tendência a desenhá-los arredondados ou muito abertos) e no controle das linhas
(interrompendo-as antes de uma interseção ou ultrapassando o ponto em que deveriam
parar). Observar o modo como o indivíduo segura o lápis e se a lateralidade está ou não
definida.
Os instrumentos projetivos gráficos levantam a hipótese de problemas de psicomotricidade,
que devem ser investigados por técnicas especialmente elaboradas para essa finalidade,
45

como o Teste Geostático Viso-Motor de LaurettaBender, entre outros. Alcoolismo, uso de


drogas, determinados medicamentos, também podem prejudicar o controle motor e,
consequentemente, a qualidade do grafismo.

Adaptação temática
Verificar, de acordo com o tema do desenho proposto pelo aplicador, se a produção está
de acordo como as instruções e se pode ser considerada:
Convencional: indica que o indivíduo captou o consenso social, é capz de ver e entender o
mundo com os outros, tem capacidade de adaptação.
Original: o indivíduo é capaz de captar o consenso, mas possui mais recursos criativos,
permitindo-se uma abordagem mais pessoal.
Fantasista: há uma ligação entre a produção do indivíduo e o que foi solicitado, mas esta ligação
não é direta. Indica uso da fantasia como fuga da realidade e fonte de gratificação. O tema pode
dar indícios de áreas bastante valorizadas pelo individuo ou de intensa mobilização, caso seja
muito frequente ou, em caso contrário, áreas em relação às quais deseja distância, não quer
entrar e, contato.
Bizarra: não há ligação entre o que o sujeito desenhou e o que foi solicitado, ou ela é muito
remota. A produção em desacordo com as instruções pode ser decorrente de:
- não entendimento das instruções ou estereotipia devido a limitações dos recursos
intelectuais ou baixo nível cultural.
- tema associado a conflito, com consequente modificação para evitar o contato, ou
seja, presença de defesas atuantes.
- tema modificado como forma de crítica à situação e ao aplicador (ironia, cinismo).
- tema modificado por ruptura das defesas, quando o próprio contato com a realidade
fica comprometido.
Aspectos simbólicos da tríade Casa-Árvore-Pessoa
A experiência tem demonstrado que os temas: árvore, casa e pessoa são os preferidos
pelas crianças quando são solicitados desenhos livres. Em pesquisa realizada na Inglaterra,
Griffiths, citado por Hammer (1991), constatou que a figura humana é objeto mais desenhado
espontaneamente pelas crianças pequenas, seguida da casa e depois da árvore.
O HTP parte do pressuposto de que existe, no homem, uma tendência a ver o mundo de
modo antropomórfico. Assim, ele tende a atribuir a sua visão a outros habitantes do mundo, o
que permite identificar-se com eles e não apenas com seus pares humanos. Nesse sentido, a
46

casa, a árvore e a pessoa desenhadas no HTP não deixam de ser representações da imagem que
o indivíduo tem de si.
A Casa suscita associações à vida familiar e doméstica, tanto para crianças quanto para
adultos. O clima geral (ou atmosfera) do desenho é bastante indicativo de como o indivíduo
sente o seu ambiente. Segundo Hammer (1991), a casa representa mais frequentemente o
autorretrato com elementos de fantasia, ego, contato com a realidade, acessibilidade e também
a percepção da situação doméstica. Para a avaliação da integridade do ego, especial atenção
deve ser dada à solidez das paredes; o grau de uso da fantasia e da ideação pode ser indicado
pela proporção entre a área do corpo da casa e a do telhado. As aberturas para o mundo,
representadas pelas portas e janelas, são boas indicações da disponibilidade do indivíduo para
a interação social. Os elementos acessórios, como chaminés, jardineiras, grades de proteção,
também devem ser considerados em seus aspectos simbólicos, procurando-se compreender a
que servem e identificar os conflitos ou necessidades que podem ter motivado sua inclusão. Por
ser o primeiro da série, muitas vezes o desenho da casa apresenta poucos detalhes ou tamanho
pequeno, ou é desenhado no canto superior esquerdo da folha. Essas produções podem indicar
uma atitude de cautela decorrente da falta de referências quanto ao que virá em seguida. Caso
essas características apareçam somente nesse primeiro desenho da casa, a importância da
produção no quadro geral será menor, devendo-se enfatizar a própria atitude do indivíduo
frente a uma situação sobre a qual não tem controle.
A Árvore, por sua condição mais básica, natural e vegetativa, favorece a projeção de
sentimentos mais profundos da personalidade e do self em um nível mais primitivo. Como a
relação entre o indivíduo e a árvore não é tão evidente, esse desenho favorece também a
atribuição de sentimentos mais profundos, negativos ou perturbadores com menos exigência
de manobras defensivas do ego (Hammer, 1991). A Árvore tem alto valor simbólico e o emprego
universal de seu simbolismo foi constatado por autores de diferentes áreas como Carl Gustav
Jung (1991), Joseph Campbell (1990), Sir James G. Frazer(1986), apenas para citar alguns. Nossa
identificação com a árvore pode ser observada pelo uso metafórico de seu ciclo anual como
representação das fases da vida – observamos na árvore nosso próprio processo de crescimento,
reprodução e morte, e também a possibilidade de recuperação. Jung considera a árvore como
um motivo presente em sonhos, mitos e lendas de várias culturas, podendo assumir diferentes
significados: evolução, crescimento físico ou amadurecimento psicológico. Além disso, esse
tema está intimamente relacionado com o simbolismo da cruz, uma forma esquematizada de
árvore. Desenhar uma cruz é representar a si mesmo; a árvore é simbolismo do homem
enquanto ser vertical e representa o crescimento e a evolução, graças à proeminência do eixo
47

vertical em sua estrutura, em oposição ao simbolismo dos animais, mais associado à vida
instintiva. Expressões como “me senti podado” ou “ele resgatou suas raízes” ou a primeira frase
da obra Ricardo III de William Shakespeare, “o inverno da nossa desesperança” (também título
de uma obra de John Steinbeck) remetem à nossa identificação com a árvore e o ciclo das
estações. Para a avaliação da integridade do ego, especial atenção deve ser dada à solidez do
tronco; o grau de uso da fantasia e da ideação pode ser indicado pela proporção entre tronco e
copa. As diferentes possibilidades de interagir com o mundo são indicadas pelas ramificações
dos galhos. Elementos acessórios, como flores, frutos, nós na superfície do tronco, também
devem ser considerados em seus aspectos simbólicos, procurando-se compreender a que
servem e identificar os conflitos ou necessidades que podem ter motivado sua inclusão.
O desenho da Pessoa nitidamente tem características de “humanidade” com as quais o
indivíduo prontamente se identifica. Geralmente o desenho da pessoa gera protestos e
reclamações por parte de sujeitos adultos. Não se pode negar que se trata de um desenho mais
difícil de fazer do que o de uma casa ou de uma árvore. Há mais detalhes, as dificuldades com
as proporções ficam mais evidentes. Porém, é preciso considerar que, como o desenho da
pessoa mobiliza conflitos mais próximos da consciência, é natural que a ansiedade aumente,
assim como as manobras defensivas para contorná-la. Por esses motivos, o desenho da pessoa
tende a ter uma qualidade inferior à dos dois desenhos anteriores.
O desenho da pessoa é determinado por fatores psicodinâmicos nucleares resultantes
do conceito de imagem corporal - a imagem física em sua estrutura, e em grande parte
inconsciente, do tipo de pessoa que se é que cada um de nós leva em seu aparelho psíquico.
Essa imagem se baseia em parte nas convenções, em parte nas sensações e estrutura somática,
e em parte na transposição simbólica das atitudes em características somáticas. É construída a
partir de todas as imagens, sensações e emoções pelos quais o corpo passa ao longo da vida,
constituindo o estrato inconsciente das representações corporais (Schilder, 1981). Por esse
motivo,esse desenho manifesta mais prontamente a visão de si mesmo mais próxima da
consciência e a relação com o ambiente. Para a avaliação da integridade do ego, especial
atenção deve ser dada à integridade do corpo, à delimitação clara dos seus limites em relação
ao ambiente que o circunda; o grau de valorização dos processos ideacionais em oposição aos
emocionais pode ser identificado pela proporção entre cabeça e tronco. As diferentes
possibilidades de interagir com o mundo são indicadas pelas mãos e braços; a disponibilidade
para entrar em contato com conteúdos internos ou externos é expressa pelo tamanho e
qualidade dos olhos, entre outros. Elementos acessórios, como bolsas, cintos ou anéis, também
48

devem ser considerados em seus aspectos simbólicos, procurando-se compreender a que


servem e identificar os conflitos ou necessidades que podem ter motivado sua inclusão.

Aspectos simbólicos do uso do espaço


Considerando que a folha em branco representa o ambiente delimitado imposto
ao sujeito, a análise do modo como o indivíduo o utiliza revela sua orientação geral em
relação ao mundo e a si próprio, ou seja, o seu espaço existencial. O simbolismo do espaço
apresentado por Max Pulver fundamenta várias interpretações do uso do papel, como é o caso
do HTP, ou de outras superfícies, como a tampa da caixa do teste da Aldeia, de Arthus (Anzieu,
1986; Augras 1980).
Segundo Pulver, em seus estudos para fundamentar a análise psicológica da escrita, o
simbolismo espacial precede o simbolismo verbal, e a expressão gráfica, como a artística, revela
sistemas anímicos de organização do mundo. Nas palavras de Augras: “o espaço aparece como
um sistema de linhas convergentes cujo ponto de encontro é o homem” (1980, p. 244).
Para Pulver, esse espaço, que está dentro de cada pessoa, “fornece uma ordem
primordial que é simbólica, isto é, intuitiva e ainda não intelectual” (Pulver, 1953, mencionado
em Augras, 1980).
O autor usa um esquema em cruz para representar o espaço, no qual integra a dimensão
temporal (direção) à dimensão espacial. No eixo horizontal da cruz, o lado esquerdo está
associado à origem, ao começo de tudo e, por extensão, ao passado, à introversão é à Mãe; o
lado direito, por sua vez, associa-se à evolução, à extroversão e, por extensão, à realização no
ambiente, ao futuro, ao Pai. No eixo vertical, há uma linha intermediária (que corresponde à
pauta, na escrita) que representa a realidade externa perceptível, onde tudo pode acontecer;
esse plano equivale à esfera empírica do ego – o que em termos concretos equivaleria ao espaço
que percebemos da superfície de apoio dos nossos pés a até um pouco acima do plano visual
horizontal. Acima, a área consciente, envolve as “funções superiores”, associadas aos processos
de pensamento, imaginação ou, segundo a denominação do autor, da Intelectualidade – basta
observar como tendemos a olhar para cima quando nos esforçamos em concentrar a atenção
nos nossos pensamentos. Abaixo encontra-se a área do não-visível, da materialidade, do
inconsciente.
O simbolismo do espaço permeia várias formas em que configuramos objetos e
experiências da nossa vida diária. Por exemplo, ao dizermos “José está no mundo da lua” ou
“Você precisa dar asas à imaginação”, referimo-nos aos processos ideacionais, entendidos como
“acima”,assim como a concepção habitual de céu; por outro lado, dizemos que “É preciso
mergulhar nos conteúdos do inconsciente”, aquilo que está abaixo, oculto sob a terra firme em
49

que pisamos, assim como a concepção habitual de inferno. Entendemos também que nossos
sentimentos vêem “de baixo”, e precisam ser controlados pela cabeça: “me subiu uma raiva e
perdi a cabeça”. Também as metas a alcançar são representadas como escaladas no eixo
vertical: “ele quer subir na vida”, “ela tem metas muito altas”, “ele é uma alpinista social”.
O eixo horizontal indica progressão e a dimensão temporal, o que pode ser constatado
em expressões como “ele parece que não avança, não sai do lugar” (permanecer no ponto de
origem, à esquerda) ou em “não coloque os bois à frente do carro” (a ação precipitada, para a
direita)ou ainda em “é preciso enxergar mais longe” (ter uma visão do futuro).
Esse simbolismo, apresentado aqui de modo extremamente conciso, aplica-se
também aos três temas do HTP, o que permite compará-los: uma área inferior, de base,
que constitui o apoio do objeto na realidade prática, representada mais claramente
pelos pés da figura humana e pelas raízes da árvore ou área de apoio da árvore e da casa
sobre o solo; uma área intermediária, de estrutura sólida, que assegura a sustentação
do objeto e que representa características mais estáveis do objeto (paredes da casa,
corpo da pessoa, tronco da árvore); uma área superior, menos estável, mais móvel ou
fluida (telhado da casa, copa da árvore, cabeça e feições da figura humana).
Considerando o simbolismo do espaço proposto por Pulver, essas três áreas
corresponderiam, respectivamente, à (1) área corporal, do inconsciente, da matéria; (2)
a área do ego, que assegura a integridade do indivíduo, e de suas relações tanto com as
pulsões como com as demandas do ambiente, do qual se diferencia; (3) a área dos
processos de ideação, do pensamento, da imaginação. Nos desenhos, a harmonia dessas
três áreas, sua articulação e proporções adequadas indicam uma personalidade
integrada que faz pleno uso de seus recursos internos. Mais preocupantes são as
produções em que justamente a parte “estrutural” dos desenhos se mostra
comprometida (paredes em ruínas ou a ponto de desabar, delimitação incerta ou
irregular do corpo da pessoa ou do tronco da árvore). Os aspectos de integridade e
harmonia são particularmente importantes na análise das defesas desenvolvida por
Grassano (1994, 1996), abordada a seguir.

Uso das defesas nas técnicas gráficas


Elsa Grassano de Piccolo, apoiada na teoria kleiniana, propõe indicadores para o
diagnóstico das defesas com base no desenvolvimento evolutivo dos processos defensivos
50

identificados na produção gráfica: dos mecanismos esquizóides para os mecanismos maníacos


e obsessivos da etapa depressiva para a emergência de mecanismos neuróticos e mais
avançados. O fracasso na primeira ou na segunda etapas permitirá o diagnóstico do tipo de
organização neurótica, psicótica ou psicopática da personalidade.
A autora destaca que não basta somente rotular as defesas; é necessário compreender
o processo dinâmico de que fazem parte, o que envolve identificar a modalidade defensiva, por
que o ego optou por ela, com que finalidade optou por ela, a que nível evolutivo corresponde a
modalidade defensiva e que características tem essa configuração defensiva (plasticidade,
rigidez etc). A partir dos indicadores levantados, Grassano caracteriza as produções neuróticas,
psicóticas e psicopáticas.
A análise concentra-se na integração do aparato psíquico e no desenvolvimento de
funções de discriminação, por um lado, e no desenvolvimento de funções simbolizantes
(pensamento lógico-abstrato, reparação e sublimação), por outro.
Para avaliar o grau de integração do aparato psíquico e desenvolvimento de funções de
discriminação, volta a atenção para a percepção da realidade, indicada pelo tratamento que
recebe a folha como representante simbólico do espaço externo, ou seja, como o sujeito
“povoa” esse espaço, e para as características da estruturação intrapsíquica, reveladas pelas
características estruturais de cada objeto obtido (qualidades harmônicas ou desarticuladas;
objetos completos, incompletos, parciais/reais, imaginários, bizarros). São observadas a
preservação da gestalt, a qualidade das figuras, o grau de diferenciação das figuras, o tipo de
movimento (expansivo ou impedido ou coartado); noções de perspectiva, inserção adequada
das partes; também a localização e o tamanho são considerados representações da localização
do próprio ego com relação ao mundo externo em termos de segurança, insegurança,
megalomania.
Para a avaliação do desenvolvimento de funções simbolizantes, Grassano considera que
a produção gráfica revelará as ansiedades ou preocupações mobilizadas no indivíduo frente à
reparação e o estado de seus objetos internos e seu ego (inteiros, quebrados, parcializados, etc).
Como sublimação e reparação estão indissoluvelmente unidas, o grau de desenvolvimento da
capacidade sublimatória se expressaria graficamente na disposição, atitude e modalidade com
que o indivíduo enfrenta a tarefa projetiva e no aspecto inteiro, sólido, harmonioso (reparado)
ou, ao contrário, destruído do objeto gráfico.
As produções neuróticas caracterizam-se pela preservação da Gestalt, da delimitação e
das qualidades centrais que caracterizam os objetos na realidade. Os elementos patológicos se
51

manifestam em pequenas áreas e se expressam por ênfase exagerada, omissão ou zonas


confusas que não comprometem a organização da totalidade.
As produções psicóticas caracterizam-se pela fragmentação e a dispersão de elementos.
A produção tem uma aparência geral confusa. A desorganização é observada também nos
objetos gráficos individuais, cujas características se afastam das observadas na realidade; os
desenhos têm uma aparência estranha e parcial. Os mecanismos de splitting e identificação
projetiva excessivos provocam a desorganização do ego e do objeto e vivências de esvaziamento
e despersonalização.
Nas produções psicopáticas,a identificação projetiva indutora excessiva leva à
paralisação e à anulação da capacidade de discriminação do objeto externo. O “mau” é
depositado no objeto externo, mas ao contrário do que ocorre com da identificação projetiva
psicótica, o ego mantém o controle do projetado para evitar a reintrojeção e para levar o objeto
a assumir ativamente as características projetadas. Geralmente há produção de objetos
grandes, expressão de necessidade de difundir a imagem corporal, o corpo, no continente
objeto externo. A ênfase é colocada na musculatura de braços, pernas e tórax – exacerbação de
mecanismos de ação e necessidade de instrumentar o aparato motor como expulsivo-expansivo
de controle do objeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANZIEU, Didier. Os métodos projetivos. Tradução de Maria Lucia do Eirado Silva. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Campus, 1986.
2. AUGRAS, Monique. A dimensão simbólica: o simbolismo nos testes psicológicos. 3ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1980.
3. BUCK, John N. H-T-P: casa-árvore-pessoa, técnica projetiva de desenho: manual e guia de
interpretação. Tradução de Renato Cury Tardivo; revisão de Iraí Cristina Boccato Alves. 1ª ed.
São Paulo: Vetor, 2003.
4. CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Atena,
1990.
5. FRAZER, Sir James G. O ramo de ouro. Edição de texto de Mary Douglas. Resumido e ilustrado
por Sabine MacCormack. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Círculo do Livro, 1986, por
cortesia de Zahar Editores.
6. GRASSANO, Elsa. Indicadores psicopatológicos nas técnicas projetivas. Tradução de Leila Salomão
L. P. Cury Tardivo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
7. _____________. Defesas nos testes gráficos. Em OCAMPO, Maria Luisa Siquier e colaboradores.
O processo diagnóstico e as técnicas projetivas. Tradução de Miriam Felzenszwalb. São Paulo:
Martins Fontes, 1994.
8. HAMMER, Emmanuel. Aplicações clínicas dos desenhos projetivos. Tradução de Eva Nick. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
9. JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos.Tradução de Maria Lúcia Pinho. 17ª ed. Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1991.
52

10. OCAMPO, Maria Luisa Siquier e colaboradores. O processo diagnóstico e as técnicas projetivas.
Tradução de Miriam Felzenszwalb. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
11. SCHILDER, Paul. A imagem do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1981.
12. SILVA, M. C. V. M. A técnica da Casa-Árvore-Pessoa (HTP) de John Buck. Em Villemor-Amaral,
A. E.; Werlang, B. S. G. (orgs). Atualizações em métodos projetivos para avaliação
psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
13. VAN KOLCK, Odette Lourenção. Testes projetivos gráficos no diagnóstico psicológico. São Paulo:
EPU, 1984.

USO DAS CORES4


A fase cromática do HTP envolve um novo conjunto de desenhos, após a criança ter desenhado
com lápis preto. Como destaca Van Kolck, uma consulta à fundamentação teórica das diferentes
técnicas projetivas mostra consenso quanto à relação entre cor e afetividade (por exemplo,
Método de Rorschach, Pirâmides Coloridas de Pfister).

Abordagem à tarefa e uso das cores


Algumas crianças abordam a tarefa com a mesma ansiedade hesitante observada em seus
padrões de comportamento habituais. As linhas são fracas e inseguras, e as cores escolhidas
restringem-se a preto, marrom e azul – cores mais seguras. Isso revela constrição da
personalidade e insegurança interpessoal: a criança não ousa se expressar com tons vermelhos,
laranjas e amarelos mais intensos. Esse modo de usar a cor coloca essas crianças em um dos
extremos do continuum de personalidade, no qual prevalece a cautela excessiva na troca de
prazer ou dor com os outros.
Crianças psicologicamente mais saudáveis, ao contrário, mergulham mais profundamente na
tarefa cromática, empregam com segurança as cores mais quentes, aplicam uma pressão mais
firme e segura no giz de cera e, dessa forma, refletem sua maior segurança no território
emocional representado pelas cores.
No extremo oposto do continuum, após a faixa intermediária mais saudável, estão os sujeitos
que aplicam uma pressão quase brutal (muitas vezes tão forte que chega a quebrar o giz de
cera), com presença de um choque desarmônico de cores quentes.Labilidade excessiva,
emoções turbulentas e necessidades internas perturbadoras em uma configuração carregada
de tensão caracterizam o estado psicológico das pessoas desse grupo.
Dados normativos

4
Adaptado de HAMMER, E. Advances in projective drawing interpretation. Springfield, IL (USA):Charles C.
Thomas Publisher Ltd., 1997. pp. 219-220.
53

Do ponto de vista normativo, considera-se na média o uso de 3 a 5 cores no desenho da Casa,


de 2 ou 3 cores no desenho da Árvore e de 3 a 5 cores no desenho da Pessoa.
O uso inibido da cor, abaixo da média, é apresentado por pessoas incapazes de estabelecer
relações interpessoais afetuosas e compartilhadas com espontaneidade. As pessoas mais
“emocionalmente retraídas” tendem a usar o giz de cera como se fosse um lápis, sem de fato
colorir, e de modo geral de uma só cor (marrom ou preto).
Um uso de cor mais expansivo, acima da faixa média, principalmente se associado a um emprego
pouco convencional das cores, costuma aparecer com maior frequência entre pessoas que têm
dificuldade de controlar os impulsos emocionais. Um sujeito psicótico indicou controle
inadequado e ruptura com a realidade convencional ao usar uma cor diferente para cada uma
das oito janelas do seu desenho da Casa.

Interpretação de cores específicas


Quanto a cores específicas e estados emocionais a que costumam estar associadas, nossa
experiência tem indicado que o uso exagerado ou inadequado de uma cor (por exemplo,tronco
roxo na Árvore, rosto verde na Pessoa, laranja na chaminé da Casa) tende a corroborar as
interpretações sugeridas a seguir.
PRETO: única cor acromática em uma caixa de 8 giz de cera, costuma ser usada por crianças
emocionalmente retraídas ou esquivas e jovens severamente obsessivo-compulsivos ou
altamente intelectualizados.
MARROM: escolha cromática menos frequente seguinte, indica personalidade deprimida ou
eventualmente crianças com estruturação anal (pontual, parcimoniosa, retentiva).
VERDE: cor da grama, das árvores e, por extensão, da natureza. Se muito enfatizada, indica
necessidade de tranquilidade e segurança; se moderadamente enfatizado, indica presença de
sentimentos de tranquilidade e segurança.
AMARELO: hostilidade, negativismo (particularmente se o desenho todo for feito apenas em
amarelo, como se dissesse “Está bem, eu faço o que você está pedindo [desenhar], mas quero
ver se você consegue enxergar o que eu fiz”; amarelo também é a cor preferida aos 2 anos de
idade, a fase do negativismo).VERMELHO: se moderadamente enfatizado, sugere afeto caloroso
e compartilhado; se muito enfatizado, revela áreas de conflito “quentes”. Um exemplo foi uma
criança, encrencada porque mostrou o pênis na escola, que pintou os genitais da Pessoa de
vermelho intenso e pesado; outra, obesa, coloriu todo o estômago da Pessoa com essa cor.
LARANJA: cor perturbadora quando usada em um contexto inadequado, como no desenho de
um jovem borderline esquizofrênico que a empregou no tronco da Árvore, sugerindo seu
sentimento de despersonalização marginal e irrealidade.
54

AZUL: de ênfase moderada a muito intensa, reflete sentimentos de autocontrole relativamente


tranquilos a incerteza acentuada e necessidade de controle excessivo de si, como observado no
azul pesado usado nos desenhos de um adolescente que acabara de ser detido por agressão.
ROXO: uma cor “real”, associada a coroações, reis e rainhas, de acordo com dados empíricos é
utilizada em excesso em desenhos projetivos por sujeitos arrogantes, paranoides ou maníacos.
55

INTERPRETAÇÃO DO DESENHO DA FAMÍLIA


O desenho da família é interpretado de acordo com 3 planos:
I. PLANO GRÁFICO:
Amplitude
- linhas traçadas com movimentos amplos, que ocupam boa parte da página: expansão
vital e fácil extraversão das tendências.
- linhas traçadas com movimentos restritos: inibição da expansão vital e forte tendência
ao ensimesmamento.
Pressão
- traço forte: fortes pulsões, audácia, manifestação violenta ou liberação instintiva.
- traço fraco: pulsões fracas, timidez, suavidade ou inibição dos instintos.
Ritmo
- tendência à repetição de traços (no mesmo personagem ou entre personagens): significa
que o sujeito não usa integralmente sua imaginação, permanecendo sob o domínio do
"regrado". Em casos de estereotipia acentuada, pode-se pensar em neurose ou estrutura
de caráter obsessivo.
- ausência de repetição: indica liberdade e uso da imaginação.
Setor da página
- setor inferior: corresponde aos instintos primordiais de conservação da vida. Preferida por
deprimidos, neuróticos astênicos, indivíduos que se sentem castrados.
- setor superior: expansão imaginativa, região dos sonhadores e idealistas.
- setor da esquerda: passado, preferido por sujeitos voltados para sua infância.
- setor da direita: futuro.
Nota: como ocorre com os demais dados analisados, a interpretação do uso do espaço deve
ter suas hipóteses corroboradas por outros dados. Lembrar que as zonas em branco não
representam espaços vazios e sim zonas de interdição que merecem interpretação. Sujeitos
que limitam seu desenho à metade esquerda da folha retrocederam por fechar as portas
do futuro.
56

Direção do desenho
- da esquerda para a direita: movimento construtivo natural.
- da direita para a esquerda:
Nota: verificar se o sujeito é canhoto.

II. PLANO DAS ESTRUTURAS FORMAIS


Sensorial
realização imprecisa do desenho, cujos detalhes se acham ligados uns aos outros por
dinamismos vivos: sujeito espontâneo, vital, que se percebe dentro do grupo familiar.
Sensível ao movimento, ao ambiente e ao calor dos laços.
Racional
realização precisa, elementos desenhados com rigor, frequentemente com simetria,
isolados, imóveis e sem ligação com os demais, predomínio de retas e ângulos:
espontaneidade inibida, pelo menos em parte, por censuras. Nota: Lembrar que a partir
dos 8 ou 9 anos de idade, a espontaneidade da criança tende a desaparecer, devido às
exigências da adaptação escolar.
III. PLANO DO CONTEÚDO
De acordo com o autor, o aspecto criador do desenho de uma família tende a acentuar,
particularmente, a defesa por valorização e desvalorização. Este critério norteia a
interpretação dos conflitos observados. Seguem abaixo algumas diretrizes para a análise de
conteúdo.
Valorização do personagem
Indicada por:
• Desenhado em primeiro lugar, porque a criança pensa nele ou porque lhe dá mais
atenção.
• Quase sempre ocupa o primeiro lugar à esquerda da página, visto que normalmente
é a partir desse ponto que o desenho é elaborado.
• É maior que os demais desenhos, guardando as proporções.
• É executado com maior cuidado (detalhes, acabamento).
• Mais detalhado (enfeites na roupa, acessórios, complementos, etc.)
• Sua posição ao lado de um poderoso (por exemplo, a criança ao lado de um dos pais
-- o preferido ou temido -- ou talvez pegando sua mão).
• Na posição central (no sentido figurado do termo), e os olhares convergem para ele.
• Em destaque também nas respostas do inquérito.
• Frequentemente é uma personificação do autor do desenho, seja porque a criança
declare abertamente seu desejo de identificar-se com ele, seja porque a intervenção
de defesas a impeça de declarar isso, mas outros indícios evidenciam esse desejo.
57

Desvalorização do personagem

Indicada por:
• Negação: supressão simples do personagem. Eventualmente ocorre que falte o próprio
sujeito. Deve-se pensar na possibilidade de lhe desagradar seu sexo ou idade,
desejando ser outro. É necessário descobrir com quem se identificou a criança, sob
cujos traços estaria representada.
• Escotomização: omissão de uma parte do personagem (braços ou mãos, detalhes do
rosto).
• Tamanho menor que os demais
• Colocado por último, frequentemente na beira da página, como se a princípio não
pretendesse colocá-lo na página.
• Feito com menos cuidado ou menos detalhes que os demais.
• Sem nome, enquanto os outros têm.
• Muito raramente é identificado com o sujeito.
Relação à distância

A dificuldade que o sujeito encontra para estabelecer boas relações com os outros membros
da família pode evidenciar-se no desenho por uma efetiva separação. Aquele que o
representa encontra-se longe de um personagem valorizado ou de todos os personagens.
Eventualmente a separação é indicada por traços que dividem as diferentes partes do
desenho.

Símbolos animais

Não é rara a presença de animais em desenhos de crianças. Deve-se pensar na possibilidade


de representarem tendências que o sujeito não assume abertamente ou de representarem
o próprio sujeito, caso ele tenha sido omitido. Podem representar ainda, irmãos ou irmãs
que a criança deseje colocar em um plano inferior ao do resto da família.
Nota: Como a simbolização animal permite à criança expressar livremente suas tendências,
muitas vezes pedimos que o sujeito desenhe "uma família de animais", principalmente em
situações nas quais foi observada intensa inibição frente ao teste.
58

CONFLITOS DA ALMA INFANTIL

Rivalidade fraterna

Reações manifestamente agressivas: é rara a expressão dos conflitos fraternos


explicitamente através de lutas, maus tratos ou temas dramáticos. É comum que se
expressem mais livremente no inquérito.

Reações agressivas indiretas: Mais frequente. A censura do ego, que impede a expressão
declarada da agressividade, obriga essa tendência a manifestar-se de forma indireta.
• Eliminação do rival: É o grau mais intenso dessa desvalorização. Equivale a uma
negação da existência do rival. Outro procedimento é colocar-se com a idade que tinha
antes de o irmão nascer (regressão).
• Desenho de uma só criança: Como no caso anterior, indica imaturidade, já que a
criança não é capaz de aceitar as inevitáveis frustrações de viver em uma família com
mais irmãos, adotando então o mecanismo da negação, que simplesmente afasta o
que o molesta.
• Desenho sem criança: Identifica-se com um dos pais, frequentemente com o do mesmo
sexo. Indica egoísmo e imaturidade.
• Desvalorização do rival: A rivalidade fraterna se expressa de forma mais moderada, em
função do princípio da realidade e da constituição de um superego, depreciando o
rival, mas aceitando sua existência.
• Reações agressivas assumidas por um animal: Trata-se de uma simbolização, modo
primitivo de pensamento que substitui o pensamento racional quando existe
regressão.
Reações depressivas:
• Eliminação de si mesmo: É raro que essa eliminação seja completa.
• Desvalorização de si mesmo
Reações regressivas e a identificação com um bebê

Ocorre com certa frequência (35 em 100 casos), em todas as faixas de idade (6 a 15 anos).

Conflitos edípicos

Na amostra do autor, a maioria das crianças desenha os personagens vestidos e não mais
nus. O contrário, de um modo geral, é indício de imaturidade ou mesmo deficiência
intelectual.

De modo geral, pode-se dizer que o apego à mãe é conservador e regressivo, já que ela
simboliza proteção, segurança, amor e alimentação, em qualquer idade. Mesmo adulto, em
situações adversas, a tendência é voltar para a mãe. Já o apego ao pai é progressivo, na
medida em que o pai representa, na família, o elemento dinâmico que obriga a avançar,
progredir.
59

Situação edipiana:
• Valorização x desvalorização do genitor do mesmo sexo
• Valorização x desvalorização do genitor do sexo oposto
• Figura de identificação
• Atitude frente ao casal
• Eliminação do genitor do mesmo sexo
• Agressividade contra o genitor do mesmo sexo
• Agressividade simbolizada por um animal
• Defesas
 isolamento: desenho de barreiras que separam os personagens
 relação à distância: presença de espaços vazios, relação
distanciada
 inibição: personagens rígidos, isolados uns dos outros, ordem
hierárquica
 formação reativa: sentimentos contrários aos sentimentos
originais ou situação ambivalente.

Auto-imagem

• Valorização x desvalorização de si mesmo


• Ordem em que é desenhado
• Figura de identificação (atributos positivos ou negativos)
• Omissão
• Proximidade ou afastamento dos demais personagens
• Nível da figura
• Qualidade da representação de si
• Tamanho
60

TESTE DE COMPLETAMENTO DE DESENHOS DE WARTEGG (WZT)


ROTEIRO PARA INTERPRETAÇÃO

I. ASPECTOS GERAIS
A. Aspectos Formais
1. Uso do espaço
amplo: indica abundância vivencial; a pessoa está aberta às impressões sensoriais, quase se
deixando subjugar por elas. Demonstra interesse, atividade e entusiasmo.
restrito: pode indicar estreiteza, escassez de sentimentos e de fantasia, pouco estímulo,
inatividade. Entretanto, se o desenho for bem elaborado e com sensibilidade ao estímulo,
pode indicar capacidade de concentração e objetividade.
2. Localização
O uso dos quadrantes deve ser interpretado com cautela, já que os estímulos estão
localizados em quadrantes específicos. Se o sujeito se atém ao quadrante do estímulo, a
interpretação deve ser a de uso restrito do espaço. Porém, se houver tendência sistemática
a usar hemicampos específicos, a interpretação é a habitual:
lado esquerdo:indivíduo mais passivo, contemplativo, sentimental.
lado direito: indivíduo mais voltado para atividade, futuro, realização.
metade inferior: indivíduo prático, mais voltado para a realidade concreta.
metade superior: tendência a sonhar, fantasiar, idealizar.
3. Expansões
Estão associadas à atitude frente às limitações impostas pelo ambiente externo, que
correspondem aos limites físicos do próprio campo. É interessante verificar em quais campos,
especificamente, as expansões ocorrem.
ausência: indivíduo adaptado, que não se ressente das limitações impostas pelo meio.
natural: o sujeito interrompe o desenho ao atingir o limite do campo. Indica ressentimento
frente às limitações impostas pelo meio, com tendência à acomodação.
gráfica: implica na presença de limites restritivos que o indivíduo deseja romper. Traduz-se,
graficamente, pela continuação da linha além dos limites do campo.
dinâmica: o indivíduo, apesar de interromper o desenho ao atingir o limite do campo, dá a
impressão de movimento, como se o desenho continuasse para além do limite. Indica
capacidade de lidar criativamente com as limitações impostas pelo meio e de adaptar-se
adequadamente.
4. Flexibilidade do traçado
61

Consiste na exploração adequada do lápis, como instrumento.


modulação da pressão de acordo com o tema do desenho: indica sensibilidade, flexibilidade.
Ex: traçado mais leve ao desenhar uma borboleta, mais pesado ao desenhar um martelo.
homogeneidade da pressão: indica rigidez, certa insensibilidade.
Nota: crianças tendem a ter um traçado mais homogêneo. Esta interpretação, portanto, não
é aplicável a elas.
5. Pressão do lápis
Está relacionada ao grau de energia disponível para o contato com o ambiente, tanto em
termos de atividade quanto de receptividade. Em outras palavras, indica o grau de
disponibilidade do indivíduo para trocas efetivas com o meio.
muito suave: hesitação, insegurança, retraimento.
suave: sensibilidade, comunicabilidade.
forte: tendência à atuação, eventualmente agressividade.
muito forte:insegurança, rigidez, tensão.
6. Sombreado
leve, enriquece o desenho:sensibilidade
pesado: indica presença de ansiedade
7. Tratamento do desenho
desenhos soltos, feitos com facilidade: espontaneidade.
desenhos tensos, contidos: controle intelectual, tensão.
reforço do contorno do desenho:controle intelectual mais acentuado.
8. Tipo de linha predominante
linhas curvas: predomínio da sensibilidade e emocionalidade.
linhas retas:predomínio de uma abordagem mais racional, intelectualizada.
equilíbrio entre retas e curvas: equilíbrio entre aspectos racionais e afetivos. O indivíduo usa
os dois tipos de recursos.
B. Variedade de Conteúdos
A variedade de conteúdos dos desenhos indica a amplitude de interesses do indivíduo. Os
temas mais frequentes evidenciam as áreas de maior interesse para o indivíduo. (Vide Kinget,
M.)
62

II. INTERPRETAÇÃO CAMPO A CAMPO


A interpretação campo a campo deverá levar em conta os seguintes aspectos:
A. Sensibilidade ao estímulo
Cada estímulo possui qualidades objetivas (vide Kinget, M.) e de Gestalt que podem ser
enfatizadas ou ignoradas pelo sujeito. A análise do desenho, nesse sentido, consiste em
verificar a quais dessas características o sujeito foi sensível, demonstrando afinidade, e a
quais foi insensível, demonstrando ausência de afinidade.
B. Sequência
Espera-se que o sujeito exerça sua liberdade de escolha, começando por desenhar nos
campos que lhe pareçam mais fáceis. A aderência à sequência proposta pode indicar rigidez
ou falta de iniciativa. A realização exatamente no sentido oposto ao apresentado pode indicar
espírito de oposição ou negativismo. Em ambos os casos, as interpretações deverão ser
confirmadas por outras evidências.
Nos casos de sequências mais livres, cabe verificar se o campo foi preferido, ou seja,
desenhado antes de seu lugar na sequência original, ou preterido, ou seja, desenhado depois
de seu lugar na sequência original. Tais dados revelarão a maior ou menor disponibilidade do
indivíduo para entrar em contato com a área específica de cada campo, assim como a maior
ou menor mobilização dos conteúdos associados a eles.
Exemplo: Considera-se o campo 4 quando desenhado em 1º, 2º ou 3º lugar como preferido.
Por outro lado, se for desenhado em 5º, 6º, 7º ou 8º lugar, será considerado como preterido.
C. Conteúdo
O que o sujeito desenhou e seu título trarão evidências adicionais sobre a atitude do sujeito
em relação à área mobilizada pelo campo.
D. Outras possibilidades
Desenhos que o sujeito pensou em fazer mas que acabou não realizando, indicam
possibilidades latentes ou potenciais que ainda não encontraram formas de expressão, mas
que podem vir a se desenvolver.
E. Agrado ou desagrado - facilidade ou dificuldade
Indicam atitudes mais conscientes do indivíduo em relação às áreas mobilizadas por cada
campo.
63

CAMPO 1
EU
Qualidades formais redondo, pequeno, central
Simbolismo início, centro, momento, abandono
Área mobilizada encontro consigo mesmo, centralização
Hipótese autoconfiança, desenraizamento
Sensibilidade
redondo
Estímulo orgânico, portanto associado a aspectos mais afetivos e emocionais. A
sensibilidade se traduz pelos desenhos de representações da natureza, de caráter
animado, indicando responsividade afetiva, estrutura emocional.
A insensibilidade, evidenciada por desenhos de objetos manufaturados ou técnicos,
revela uma atitude mais racional, intelectualizada. "masculina".
pequeno
Ênfase na pequenez, através de um desenho pequeno, pode indicar baixo
autoconceito ou um certo detalhismo.
A insensibilidade a este aspecto pode indicar que o indivíduo está mais voltado para
aspectos essenciais em detrimento das trivialidades, se as demais características
tiverem sido adequadamente percebidas.
central
Colocar o ponto como centro do desenho significa que o indivíduo assume seu centro,
sua individualidade. A multiplicação de pontos implica-se num "apagar-se", diluir-se
em meio aos demais.
Sequência
1º lugar Confiança em si, capacidade de atenção e concentração, consciência de
suas possibilidades e limitações.
preterido Labilidade, indivíduo desenraizado de si mesmo, dificuldade em se colocar,
sem muita consciência de suas possibilidades e limitações. Desenhado em
7º ou 8º lugar, indica imaturidade.
Conteúdos mais frequentes
Pode servir como ponto de partida de representações centrífugas (raios) ou centrípetas
(alvo), ou ainda círculos concêntricos ou interseção de diagonais. Essas seriam
representações tipicamente "masculinas". Representações "femininas", indicando
caráter mais emocional, seriam flor, pingos de chuva, nariz de animal ou de bichinho de
pelúcia.
64

CAMPO 2
AFETIVIDADE E CONTATO
Qualidades formais curvo, pontas arredondadas, fora do centro
Simbolismo germe vital, emoção, excitação que revitaliza ou ameaça a vida,
adaptação
Área mobilizada fantasias do indivíduo e sua sensibilidade, grau de empatia com os
demais, afetividade
Hipótese excitável - apático; afetuoso - frio; aberto - fechado - bloqueado
Sensibilidade
curvilíneo, leve
Estímulo orgânico, esperando-se, portanto, representações de natureza animada. Tais
desenhos indicam responsividade emocional, possibilidades de contatos afetivos
significativos. A localização sugere leveza e fantasia, o que é captado por respostas
atmosféricas ou de caráter mais contemplativo.
Desenhos de objetos manufaturados ou técnicos (vaso, garrafa) ou de caráter abstrato
(riscos, rabiscos, letras) captam menos o aspecto sugerido, indicando menor
envolvimento emocional, contato mais frio ou superficial.
Sequência
preferido
Desejo de manter um contato intenso com os outros, possibilidade de manter contatos
afetivos.
preterido
Receio de enfrentar a própria afetividade
Conteúdos mais frequentes
O estímulo pode ser usado para representar a sobrancelha de uma pessoa, pássaro,
verme, serpente, linha do ombro, mecha de cabelo, nariz, montanha, fumaça, nuvens.
65

CAMPO 3
CRESCIMENTO DO EU
Qualidades formais estímulos retos, equidistantes, crescimento regular, perifericamente
localizados
Simbolismo intensificação, prosperidade, exagero (hybris), ampliação, profundeza.
Área mobilizada constância, ambição, aspirações, metas e objetivos do sujeito
Hipótese ajustado - desajustado; ambicioso - depressivo; constante -
inconstante, amplo - restrito
Sensibilidade
reto, ascendente, regular, equidistante
Estímulo técnico, sugerindo representações de objetos manufaturados ou abstrações
(gráficos, histogramas). É importante captar a noção de crescimento, ascensão, progressão.
A presença de elementos orgânicos associados aos técnicos sugere a capacidade de se
entusiasmar. O modo como a continuação do desenho se desenvolve pode indicar
disciplina, método, constância (escada), oscilação ou certa inconstância de propósitos
(altos e baixos, mudanças de direção) ou imediatismo (ascensão imediata). Representações
em perspectiva não são consideradas como sensíveis ao crescimento (postes, árvores,
prédios, etc.).
Sequência
preferido
Indivíduo ambicioso, esforçado, persistente.
preterido
Sentimentos de menos-valia, certa tendência depressiva, infantilismo, labilidade
(ausência de um sentido definido).
Conteúdos mais frequentes
Escada, gráfico, árvores ou postes alinhados, circo, prédios.
66

CAMPO 4
ANGÚSTIA E CRIATIVIDADE
Qualidades formais quadrado, preto, no campo superior direito
Simbolismo ameaça, escuridão, noite, sonho, medo, culpa, morte.
Área mobilizada como o indivíduo lida com seus sentimentos de angústia,
ansiedade e disfóricos, de um modo geral; possibilidade de
utilização de recursos criativos.
Hipótese consciente - inconsciente; consolidado - ameaçado; sóbrio -
fantástico
Sensibilidade
retilíneo, escuro, pesado
Estímulo técnico, sugerindo representações de objetos manufaturados ou abstrações.
São consideradas sensíveis ao estímulo as respostas que mantêm o quadrado e a
noção de peso. São índices de criatividade as representações que atenuam o peso,
sem negá-lo (soquete de luz). São consideradas respostas insensíveis ao estímulo
respostas que transformam o quadrado em redondo (olhos, sol) ou em algo leve
(cristal de neve). Linhas livres e soltas indicam labilidade e superficialidade das
emoções.
Sequência
preferido
Necessidade de apoio, falta de auto-sustentação, invasão da fantasia sem sustentação
do ego (principalmente em respostas orgânicas).
preterido
Autocontrole, adaptação, indivíduo mais consciente; inibição da criatividade e
repressão; dificuldade em entrar em contato com seus conteúdos internos, suas
próprias angústias.
Nota: As diferentes interpretações estão associadas à sensibilidade/insensibilidade ao
estímulo.
Conteúdos mais frequentes
Chaminé, túnel, pipa, janela, xadrez.
67

CAMPO 5
VITALIDADE
Qualidades formais reto, linhas antagônicas, perifericamente localizado
Simbolismo oposição como resistência, afirmação.
Área mobilizada força para transpor obstáculos, lidar com situações de frustração;
controle sobre o impulso, formas de canalização e expressão.
Hipótese força vital - fraqueza; ativo - passivo; decidido - indeciso;
controlado - impulsivo
Sensibilidade
reto, em oposição, orientado
Estímulo técnico, sugerindo representações de objetos manufaturados ou abstrações.
Também deve ser levada em conta, de alguma forma, a noção de antagonismo e
oposição de forças. Respostas que ignorem esses aspectos indicam passividade,
repressão dos impulsos ou outra forma de controle acentuado sobre os mesmos. São
consideradas sensíveis ao estímulo respostas de instrumentos, armas, veículos, etc.
Especial atenção à integração das duas linhas do estímulo entre si (índice de integração
impulso-controle).
Sequência
preferido
Vitalidade, capacidade de tomar decisões, impulsividade, oposição.
preterido
Falta de vitalidade, passividade, indecisão, autocontrole ou repressão dos impulsos.
Nota: As diferentes interpretações estão associadas à sensibilidade/insensibilidade ao
estímulo.
Conteúdos mais frequentes
O campo 5 é particularmente rico para a exploração do desenho, uma vez que configura
a relação dinâmica entre impulso e controle. A linha que parte do campo esquerdo
representa o impulso, a força vital, enquanto a linha que se interpõe representa o
obstáculo ou o controle sobre sua expressão. O conteúdo do desenho frequentemente
indica o modo pelo qual o conteúdo se expressa. Elementos agressivos que lançam o
impulso para cima e para a direita revelam sua expressão no ambiente, e o grau de êxito
em sua canalização. Se a "descarga" é orientada para a esquerda e para baixo, pode
indicar introversão ou auto-agressividade. O impulso pode se manifestar de modo mais
atenuado (sorvete), canalizado para alguma atividade ou meta (lápis, livros, pincel), ou
de modo mais direto (espada, faca, fuzil). Há representações que indicam o bloqueio do
impulso (a área posterior à linha de "obstáculo" não é explorada).
68

CAMPO 6
CONTROLE RACIONAL, INTEGRAÇÃO, REALIZAÇÃO
Qualidades formais reto, em ângulo reto, desigual, descentrado
Simbolismo oposição como separação, articulação.
Área mobilizada como o indivíduo utiliza seu potencial criativo, seu senso de
improvisação.; grau de esforço em busca da realização.
Hipótese integrado - desintegrado; racional - ingênuo; concentrado - difuso
Sensibilidade
retilíneo, separado
Estímulo técnico, mobilizando aspectos mais intelectuais. A disposição das linhas
representa um desafio: tornar o fragmentado em inteiro. A sensibilidade ao estímulo
revela-se primeiro por seu caráter técnico e também pela integração das duas linhas
em uma mesma representação.
Sequência
preferido
Atitude racional e formal; o indivíduo avalia-se pelo que produz.; atitude objetiva
(desenho sensível ao estímulo) ou de "fachada" (desenho insensível ao estímulo).
preterido
Atitude subjetiva, envolvimento (desenho insensível ao estímulo); indivíduo que não
necessita de reforço social (desenho sensível ao estímulo).
Conteúdos mais frequentes
Os conteúdos mais frequentes e que melhor representam as qualidades do estímulo são
representações de veículos, casas, livros, caixas, cubos, que integram as duas linhas. É
particularmente interessante interpretar o campo 6 em conjunto com o campo 3
(articulação entre aspirações e ação efetiva para atingi-las).
69

CAMPO 7
SENSUALIDADE E SEXUALIDADE
Qualidades formais pontilhado, semicircular, periférico.
Simbolismo pressentimento, aperfeiçoamento.
Área mobilizada sensibilidade, dedicação, gosto, tato; características afetivo-
emocionais, explorando aspectos da sensibilidade e sexualidade.
Hipótese sensível - rude; delicado - grosseiro
Sensibilidade
curvilíneo, delicado
Estímulo orgânico, sendo esperadas as representações da natureza. São consideradas
sensíveis as representações que mantêm a suavidade e sutileza do estímulo (flor,
borboleta) ou ainda as que sugerem radiação, comunicação (raios de sol, da lua). Tais
representações sugerem sinceridade, abertura espontânea, sensibilidade, psique
impressionável (positiva ou negativamente). As representações insensíveis aos
estímulos são aquelas que permanecem intelectualmente destacadas, mantendo uma
certa atitude de apreciação estética (ornamentos, flores estilizadas), ou ainda as que
neutralizam o estímulo (bola, roda, união dos pontos do estímulo). Tais respostas
indicam uma defesa em relação aos sentimentos, desvios da emoção ou emotividade
camuflada.
Sequência
preferido
Desejo de envolvimento erótico; desejo de envolvimento específico; capacidade de se
entregar,; distanciamento da realidade prática, atitudes místicas.
preterido
Deve ser interpretado com cautela, já que é muito frequente a realização do campo 7
em 8º lugar. O conteúdo do desenho poderá indicar se se trata de indivíduo mais
objetivo e realista ou rude, duro. Pode revelar também imaturidade e repressão da
sexualidade.
Conteúdos mais frequentes
Círculo pontilhado, flor, fruta, pegadas, colar, anel, base do seio, contorno de animal,
nariz, sol.
70

CAMPO 8
PROTEÇÃO E AFILIAÇÃO
Qualidades formais curvo, na parte superior, grande
Simbolismo ligação, recolhimento, harmonia.
Área mobilizada base afetiva, equilíbrio; grau de empatia com os demais,
relacionamento interpessoal, no sentido de proteger e ser
protegido, partilhar normas e valores com o grupo social.
Hipótese relacionável - endurecido; harmonioso - desarmonioso;
amadurecido - infantil.
Sensibilidade
curvilíneo, envolvente, protetor
Estímulo orgânico, sendo esperadas as representações da natureza. São sensíveis
também as representações de objetos nos quais a noção de proteção esteja, de
alguma forma, sugerida.
Sequência
preferido
Capacidade de ser leal, de se comprometer; equilíbrio, ajustamento de valores,
dependência.
preterido (desenhado em 7º ou 8º lugar em sequência não-rígida)
Evasão, ambivalência; evita comprometer-se; negação da dependência.
Conteúdos mais frequentes
guarda-chuva; sol, montanha, lua, rosto, arco-íris, chapéu, frutas.
71

RELAÇÃO ESTÍMULO-DESENHO
ESTÍMULOS TÉCNICOS: 3, 4, 5, 6
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Atitude pouco realista, pouco prática; Características masculinas da personalidade;
tendências emocionais ou estéticas predomínio das funções conscientes;
predominantes; feminilidade. objetividade.
ESTÍMULOS COMPLEXOS: 3, 5, 6, 7
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Insipidez intelectual; falta de dinamismo, Capacidade organizadora e construtiva;
atividade reduzida. inteligência analitico-sintética; atenção
penetrante, engenhosidade, eficiência.
ESTÍMULOS RETOS: 3, 5, 6
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Predomínio do inconsciente, controle Predomínio das funções intelectuais, firmeza,
defeituoso, inconsistência. caráter sério.
ESTÍMULOS ORIENTADOS: 3, 5
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Fraca auto-afirmação.; reserva, placidez, Forte impulso vital; auto-segurança; ímpeto.
inibição.
ESTÍMULOS SOLTOS: 1, 2
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Constrangimento, inibição, rigidez. Vivacidade, espontaneidade, flexibilidade.
ESTÍMULOS ESTÁTICOS: 4
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Sensibilidade muito refinada, instabilidade. Consistência, afinidade com a realidade
concreta.
ESTÍMULOS AMPLOS: 8
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Sinal de problemas (desajustamento) Franqueza, calor, doçura, acomodação fácil.
ESTÍMULOS DINÂMICOS: 5
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Quietude, despretensão; fuga aos conflitos. Vivacidade, audácia; ambição, competição.
ESTÍMULOS ORGÂNICOS: 1, 2, 7, 8
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Deficiência emocional; retraimento da vida Características "femininas": sensibilidade,
afetiva, inibição. adaptabilidade; predomínio dos impulsos
viscero-emocionais.
ESTÍMULOS SIMPLES: 1, 2, 4, 8
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Tendência à complicação, à tensão, à Atitude natural, descansada; espontaneidade..
insegurança.
ESTÍMULOS CURVOS
2, 7, 8
INSENSIBILIDADE AFINIDADE
Rigidez, austeridade, superintelectualização. Suavidade, flexibilidade, afetividade,
integração à vida.
72

PARTE III
INSTRUÇÕES PARA APLICAÇÃO
73

RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA A APLICAÇÃO DE TÉCNICAS GRÁFICAS

1. O ambiente da aplicação deverá ter boa iluminação e ser reservado, sem a


presença ou a interferência de outras pessoas. Particularmente no caso de crianças, isso
deverá ficar claro para a mãe ou acompanhante.
2. O ambiente da aplicação não deverá ter quadros, fotos ou imagens que sirvam
de modelo para o examinando.
3. A aplicação deverá ser feita em um momento do dia em que o examinando
esteja descansado e sem interesses concorrentes.
4. A superfície em que o examinando desenhará deverá ser perfeitamente lisa,
sem qualquer irregularidade.
5. A superfície em que o examinando desenhará deverá ser ampla o suficiente para
comportar o material de aplicação e para permitir que o examinando desenhe de modo
confortável.
6. Sempre leve material a mais para evitar imprevistos: pelo menos dois lápis nº 2
e apontador; 10 a 15 folhas de papel sulfite.
7. É fundamental fazer uma pequena entrevista em dia anterior à aplicação para
coletar dados de identificação do examinando, constelação familiar, rotina e momento
de vida do examinando. No caso de crianças, a entrevista deverá ser feita com a mãe.
8. Como se trata de uma situação de aprendizado, e não de uma demanda no
contexto clínico, é importante:
o deixar claro que não haverá feedback, a menos que existam evidências
de problemas que mereçam uma investigação mais aprofundada.
o assegurar que o sigilo será mantido. O nome do participante será
substituído por um nome fictício.
o solicitar que o examinando ou o responsável assine duas vias do Termo
de Consentimento Esclarecido (página 6). Uma via ficará com o colaborador ou
responsável e outra será entregue ao professor da disciplina para arquivamento
em local seguro.
74

HTP
1. HTP: FASE ACROMÁTICA

Material: lápis nº 2
papel sulfite
borracha
Ponha uma folha de papel sulfite, na horizontal, em frente ao examinando e diga: “Faça o
desenho de uma casa.”
Depois de terminado o desenho, guarde o desenho da casa, ponha outra folha de papel sulfite,
na vertical, em frente ao examinando e diga: “Faça o desenho de uma árvore.” Depois de
terminado o desenho, guarde o desenho da árvore, ponha outra folha de papel sulfite, na
vertical, em frente ao examinando e diga: “Faça o desenho de uma pessoa.”
2. HTP: INQUÉRITO
Ponha os três desenhos sobre a mesa e peça ao examinado que fale um pouco de cada um,
estimulando-o com perguntas gerais:
Fale um pouco dessa pessoa. Quem ela poderia ser, o que ela está fazendo ou sentindo...
Fale um pouco dessa árvore. Que árvore é essa, onde ela está...
Fale um pouco dessa casa. Que casa é essa, onde ela fica...
Após o examinando comentar todos os desenhos, complemente com estas perguntas, se julgar
necessário:
Pessoa:
Sexo, idade, se é alguém real ou imaginário.
Onde a pessoa está?
O que ela está fazendo?
O que ela está sentindo?
Qual parte do corpo essa pessoa mais gosta?
Qual parte do corpo essa pessoa menos gosta?
Do que essa pessoa mais precisa?
Como está o tempo no desenho?
Árvore:
Que tipo de árvore é?
Que idade ela tem?
Onde a árvore está?
Ela está sozinha ou existem outras por perto?
A árvore está viva ou morta?
Se estiver morta, o que provocou sua morte?
Se estiver viva, alguma parte está morta? O que provocou?
Do que essa árvore mais precisa?
Como está o tempo no desenho?
Casa:
Que casa é essa? Pensou na casa de alguém?
Do que ela é feita? Onde fica?
Alguém mora nessa casa? Quem?
Ela está sozinha ou existem outras Por perto?
Do que essa casa mais precisa?
Como está o tempo no desenho?
75

3. HTP: FASE CROMÁTICA


Material: papel sulfite
giz de cera – 10 cores (recolha o lápis nº 2 e a borracha)
Ponha sobre a mesa uma folha de papel sulfite, na horizontal, e diga: “Faça o desenho de uma
casa.”
Quando o examinando terminar, guarde o desenho da casa.
Ponha sobre a mesa uma folha de papel sulfite, na vertical, e diga: “Faça o desenho de uma
árvore.”
Quando o examinando terminar, guarde o desenho da árvore.
Ponha sobre a mesa uma folha de papel sulfite, na vertical, e diga: “Faça o desenho de uma
pessoa.”

Ponha os três desenhos sobre a mesa e peça ao examinando que fale um pouco sobre cada um
deles.

Casos especiais:
1. Se o sujeito fizer uma árvore do tipo bananeira, pinheiro ou coqueiro nas duas fases, peça
uma “árvore convencional” ou “comum”.
2. Se o sujeito fizer a pessoa do mesmo sexo nas duas fases, peça que desenhe uma pessoa do
outro sexo.
3. Se o sujeito fizer apenas o rosto ou busto da pessoa nas duas fases, peça que desenhe uma
pessoa inteira.

Obs: deixe que o sujeito desenhe com o material que preferir. Caso ocorram os casos 2. e 3.,
peça um único desenho que atenda a ambas as exigências (uma pessoa inteira, do sexo não
desenhado).
76

TESTE DO DESENHO DA FAMÍLIA

Autor: Louis Corman


População a que se destina: crianças a partir de 5 anos, adolescentes.
Material: lápis nº 2, papel sulfite
Obs: Embora normalmente se use lápis nº 2, o autor assinala que resultados interessantes
podem ser obtidos com lápis de cor.

Instruções: Pede-se ao sujeito que desenhe uma família de sua invenção. O autor acredita que
esta ordem favoreça a liberdade de projeção, permitindo melhor exploração da personalidade
profunda. Uma vez executado o desenho, procede-se ao seguinte inquérito:
1. Onde estão essas pessoas?
2. O que elas estão fazendo aí?
3. Diga-me o nome das pessoas, começando pela primeira que você desenhou.
4. Diga-me o sexo, a idade e o papel na família de cada personagem.
5. Qual é a melhor pessoa nessa família? Por quê?
6. Qual é a pior pessoa nessa família? Por quê?
7. Qual é a pessoa mais feliz? Por quê?
8. Qual é a pessoa menos feliz? Por quê?
9. Quem você prefere nessa família?
10.Uma das crianças se comportou mal. Qual? Que castigo teria?
11.A família vai passear numa festa bonita. Não podem ir todos. Quem fica?
12.Se você fizesse parte dessa família, quem você seria? Por quê?
13.Que outra pessoa você gostaria de ser?
14.Você gostou do seu desenho?
15.Você mudaria alguma coisa nele? O quê?

Obs: É indispensável ter conhecimento da constituição real da família do examinando. Durante


a execução do desenho, observe como ele o elabora: pausas na execução, por onde começa,
tempo empregado para cada personagem, tentativas de correção. É muito importante anotar a
ordem em que os personagens são desenhados.

Caso o sujeito desenhe uma família muito diferente da sua, pode-se repetir o procedimento
solicitando que desenhe a própria família.
77

TESTE DO DESENHO DA FAMÍLIA – Violet Oaklander

Material: lápis nº 2
papel sulfite
borracha
material para colorir (giz de cera, lápis de cor, canetas hidrográficas)

Ponha uma folha de papel sulfite, na horizontal, em frente ao examinando e diga: “Desenhe sua
família para mim. Mas em lugar de desenhar as pessoas, desenhe algo que as represente: um
objeto, animal, planta, o que você quiser.”

Depois de terminado o desenho, diga:


Agora me fale de cada um deles, explicando quem é cada pessoa, o que a representa e por que
você desenhou isso para representá-la.

DESENHO-HISTÓRIA – Walter Trinca

Material: lápis nº 2
papel sulfite
borracha
material para colorir (giz de cera, lápis de cor, canetas hidrográficas)

Ofereça uma folha de papel sulfite na horizontal e diga: “Faça um desenho para mim.” Depois
de terminado o desenho, diga: “Agora conte uma história sobre este desenho.” Faça inquérito
se necessário, para completar a história ou esclarecer algum ponto obscuro. Repita este
procedimento por mais 4 vezes, até ter um total de 5 desenhos com 5 histórias.
78

TESTE DE COMPLETAMENTO DE DESENHOS DE WARTEGG (WZT)

Material:
lápis preto nº 2
borracha
folha de respostas

Instruções:
Forneça a folha de respostas ao examinando. Nas aplicações coletivas, tenha em mãos
uma folha de respostas para mostrar o que for necessário. Diga:
Aqui há 8 quadrados, cada um com linhas ou sinais; eles são como desenhos que foram
começados mas não foram terminados. Você deve completar os desenhos da melhor maneira
que puder, desenhando o que quiser, sem se preocupar com a qualidade artística do seu desenho.
Nesta prova não há desenhos certos ou errados, feios ou bonitos. Desenhe na ordem que quiser
e anote a sequência no quadradinho vazio acima de cada desenho (mostre), à medida que for
desenhando. Você pode usar o lápis e a borracha à vontade.
Uma vez terminados os desenhos, peça ao examinando que dê um título a cada um deles, e que
anote, também, qual o desenho de que mais gostou, de qual gostou menos, qual foi o mais fácil
de fazer e qual foi o mais difícil. Peça, ainda, que anote outras ideias que pensou em desenhar,
mas não desenhou, e em quais quadrados. Esclareça para o examinando que, nessa etapa, ele
não usará os números da sequência em que desenhou, e sim os números impressos acima de
cada quadrado (mostre). Nas aplicações coletivas, essas instruções são dadas com a explicação
inicial da tarefa.
Caso especial: se o examinando desenhar 4 ou mais desenhos abstratos, dê para ele outra folha
de respostas, quando ele terminar a etapa descrita acima, e peça que faça desenhos figurativos.
Se julgar necessário, esclareça que não se trata de um problema com os desenhos que ele fez,
e sim que a interpretação fica mais rica com desenhos figurativos.

Procedimento complementar opcional


Obs: este procedimento opcional não faz parte da aplicação padronizada do WZT.
Quando o examinando concluir todas as tarefas da aplicação, peça que responda, escrevendo
no verso da folha de respostas, às seguintes perguntas: Se você fosse um animal e não uma
pessoa, qual animal você acha que seria? Por quê?
79

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ________________________________, RG__________________, declaro, por meio deste


termo, que concordei com as condições da aplicação das técnicas
___________________________________________________________________________
para treinamento dos alunos abaixo assinados no uso desses instrumentos.
Estou ciente de que essa atividade faz parte do programa da disciplina Processos e Métodos do
Exame Psicológico VI do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fui informado de que a análise dos dados
coletados nas aplicações serão supervisionadas pelo(a) Prof(a). __________________________,
a quem poderei contatar a qualquer momento que julgar necessário através do telefone
_________________.
Declaro que a participação é voluntária, sem implicar em incentivo financeiro, tendo como
finalidade exclusiva a colaboração para o aprendizado dos alunos. Tenho ciência dos objetivos
estritamente acadêmicos da atividade e fui esclarecido de que a participação na atividade é
anônima e de que as informações coletadas terão a confidencialidade preservada. Fui também
informado de que minha participação ou do menor pelo qual sou responsável poderá ser
interrompida a qualquer momento, sem qualquer prejuízo.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado, poderei contatar o professor
responsável.
Os alunos me ofereceram uma cópia assinada deste Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

_______________________________________
Local e data
Participante ou responsável
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura
Alunos envolvidos
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura

Professor responsável
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura
CRP:
80

PARTE IV
ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO
81

ROTEIRO PARA O RELATÓRIO DO HTP

Observação: este roteiro é apenas uma diretriz bem ampla sobre os


principais aspectos a serem considerados na interpretação do HTP. Apenas
relembra algumas possíveis interpretações. Nada substitui a apreensão
global dos desenhos. Lembre-se de que cada aspecto analisado só terá
sentido se associado a todos os outros elementos do desenho. Assim, a
divisão em tópicos é artificial e de nada serve se não conduzir a uma visão
global da produção do sujeito.

I. DADOS INFORMATIVOS
Nome do colaborador(a): somente as iniciais
Idade:
Gênero:
Escolaridade:
Profissão:
Estado civil:
Constelação familiar:

II. DADOS DE ENTREVISTA

III. DADOS DE OBSERVAÇÃO


Descrever a atitude geral do sujeito frente à tarefa a cada um dos desenhos
e fases da aplicação. Levantar hipóteses a partir dos comportamentos
observados.
82

IV. INTERPRETAÇÃO DO PROTOCOLO


A. ASPECTOS ADAPTATIVOS
Considerar a adaptação gráfica (qualidade do desenho em relação à idade
e nível sociocultural) e temática (produção convencional, original,
fantasista e bizarra). Comparar as diferenças entre as fases cromática e
acromática e levantar hipóteses referentes aos recursos intelectuais,
contato com a realidade e possíveis áreas de conflito.
B. ASPECTOS EXPRESSIVOS
Comparar a produção entre as fases cromáticas e acromáticas.
C. ASPECTOS PROJETIVOS
Comparar a produção entre as fases cromática e acromática.
Complementar a interpretação com os dados de inquérito e dados de
observação.
DESENHO DA CASA – significado geral: “eu social”; relações familiares e
interpessoais;
DESENHO DA ÁRVORE – “eu inconsciente”; possibilidades latentes do
indivíduo, seu retrato “mais íntimo”.
DESENHO DA PESSOA – “eu consciente”; autoimagem real ou ideal;
conflitos conscientes. Comparar também figura masculina com figura
feminina.
V. DADOS DO INQUÉRITO
Descreva os dados colhidos no inquérito dos desenhos da casa, árvore e
pessoa.
VI. INTERPRETAÇÃO DAS CORES
Analisar: uso da cor; quantidade de cores usadas; cores quentes e frias.
VII. SÍNTESE
83

Considere alguns dos tópicos a seguir, aprecie esta relação de maneira


flexível sem a necessidade de obedecer todos os itens à risca. Ao elaborar
a síntese pense nos:
Aspectos intelectuais (organização dos desenhos; riqueza de detalhes;
qualidade gráfica; movimento);
Contato com a realidade (adaptação temática);
Autoimagem (pessoa; tamanho dos desenhos; dados de inquérito);
Relação com o ambiente (casa; pessoa; árvore; aspectos expressivos;
localização; pressão do lápis)
Necessidades (dados do inquérito; partes do desenho exageradas);
Conflitos (áreas onde há dificuldades ou modificações da qualidade da
produção);
Ansiedade (áreas do desenho em que há dificuldade maior pressão no
traçado);
Defesas (pessoa – olhos; tronco – estrangulamento; dados de inquérito;
omissão de partes essenciais; análise da sequência);
Superego (pessoa – cintura, pescoço; árvore – tronco);
Elaboração dos conflitos (cabeça; telhado; copa; terminação dos galhos;
pessoa; omissões; resistências; negação; análise da sequência; localização);
Perspectivas (organização dos desenhos; controle da ansiedade;
elaboração dos conflitos; comparação desenho acromático x cromático).

Você também pode gostar