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Foto: Cathopic
28 Agosto 2021
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28/08/2021 O debate sobre o "Deus que perdemos": uma opinião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Simplificando, do debate (ver o post anterior com uma síntese das diferentes posições
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intitulado O debate sobre "O Deus que perdemos": uma síntese) destaca-se a
concordância entre os participantes sobre as seguintes afirmações:
• “Deus” é uma palavra ainda muito confundida com a religião e mantém forte seu caráter
antropomórfico. Existe uma concordância substancial em aceitar a diferença entre o
pensamento filosófico e teológico do século XX e a filosofia e teologia do passado, que
pretendia não apenas demonstrar racionalmente a existência de Deus, mas definir sua
essência: "quem" ou "o que" é Deus? Em vez disso, no século XX perfila-se uma linha de
reflexão predominante que, retomando o tema central da “teologia negativa”, afirma
que tudo o que sabemos sobre Deus é que ele está além de nossos pensamentos; que,
portanto, não sabemos quem ou o que ele seja, mas o que ele não é.
Ainda que entre os participantes exista a confissão explícita de que muitos deles não leram
todos os quatro volumes sobre o tema publicados pela Gabrielli, os elementos de
contraste e de não compartilhamento e as objeções mais relevantes, em minha opinião,
que se dirigem a esses pesquisadores pós-teístas são:
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3. Quando nos dirigimos "para além de Deus e das religiões", criam-se as motivações a
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partir das quais já não faz sentido a oração humana individual ("o simples suspiro diante
da empreitada da vida") e se reduz ou desaparece a dimensão comunitária daqueles
que vivem como crentes por causa do desaparecimento, ou no mínimo, do
enfraquecimento da participação em uma visão e uma ação coletiva espiritualmente
inspirada.
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Não sou teólogo nem historiador das religiões e não tenho a pretensão de
responder às referidas questões, sérias e muito relevantes, mas me permito
observar:
A ciência pode e deve ser criticada. A ciência não é a 'verdade', mas é a melhor técnica
que os seres humanos desenvolveram até agora para compreender o que é o mundo
natural e como ele funciona.
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Mas as duas derivas opostas são deletérios: aquela de quem a ignora não só por
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ignorância, mas também por medo de ter que rever suas categorias mentais e porque não
quer mudanças por preguiça ou por interesses consolidados, e também é necessário evitar
a deriva oposta do cientista sabe-tudo e arrogante, convencido de que tem a verdade
absoluta em seu bolso.
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Além disso, graças às novas ciências cosmológicas, o homem moderno se libertou (ou está
se libertando) da antiga cosmovisão geocêntrica, estática, antropocêntrica e
androcêntrica. A nova visão cosmológica deu origem a uma imagem do mundo
completamente nova, radicalmente diferente daquela que forneceu o contexto para o
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Mais ainda: como é possível no debate sobre "teísmo ou pós-teísmo" ignorar os dados de
uma Terra velha, sujeita à lei do limite e da finitude? Essas verdades científicas são difíceis
de ignorar em contraste com uma imaginária teleologia tão difundida na teologia
acadêmica e no senso religioso comum? Uma imagem errada de Deus e um imaginário
futuro de salvação da Terra não só não leva à fé, mas induz à repulsa para com Deus.
A pesquisa pós-teísta é uma das tentativas de pesquisa que quer tirar espaço ao "crente-
crédulo", assume ao longo do tempo o desencanto do horizonte pós-moderno de tirar
espaço também aos sem-deus (a-teos) por causa de um "deus" que sobretudo a instituição
religiosa desenhou de maneira demasiadamente antropomórfica, e sugere a proposta de
um risco radical: o risco de uma fé que nasça "fora da religião" nas pegadas de Jesus "que
morreu como blasfemador, em estado de execração, fora da religião".
2. No que diz respeito à reabertura da “questão de Deus”, sigo a posição de Armido Rizzi
[3], que para mim é muito mais convincente. Rizzi [4] escreve:
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O crente comum acredita que evita as desgraças, a dor, a ânsia e o medo que assolam o
homem, colocando-se nas mãos de Deus Pai. Experimentei pessoalmente o profundo
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conforto que a fé religiosa pode proporcionar nos momentos difíceis da vida. Quando
acontece uma desgraça ou uma doença, pedir implorantes a ajuda do Pai Eterno, que a
todos ama como filhos, é de grande conforto e consolo. Em situações de grave perigo,
quando se acredita que não há outra saída, uma oração fervorosa ao Senhor oferece a
esperança de poder superar a situação. Em momentos cruciais, pedir a intervenção de
algum santo particularmente milagroso enche-nos de esperança e livra-nos da angústia. E
o que dizer do medo da morte?
Mas é realmente verdade que a oração, como vivida por um crente comum, nos torna
serenos e felizes?
Se quisermos ser objetivos, devemos admitir que, na vida cotidiana, percebe-se pouca
serenidade ou contentamento nos chamados fiéis. A angústia, a depressão e o desespero
atingem o crente e o não crente em igual medida. Com base em sua experiência com
milhares e milhares de pacientes terminais, Umberto Veronesi [5] afirmou que os crentes
têm muito mais medo da morte do que os não crentes.
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Por que isso acontece?
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Porque à oração de pedido, aquela mais comum, meio pelo qual se comunica com o Deus-
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pessoa, a resposta é o seu silêncio. Daí o contragolpe. E isso acontece porque a religião
humanizou Deus.
Por fim, sustenta-se que “se [Deus] não fosse vivente, (...) sentiríamos o movimento para
amar, respeitar, ajudar, favorecer, salvar os nossos semelhantes?”. Quando refletimos
sobre a relação entre fé e comunidade, seria bom que muitos crentes não esquecessem
o confronto entre o martírio do crente, convicto de que o sacrifício é a porta de entrada
para um mundo melhor, e o significado extremo e radical do gesto dos combatentes da
Resistência ao nazifascismo, que não acreditavam na ressurreição e que deram a vida,
ou seja, tudo, por uma comunidade livre e justa, sem esperança ou consolo, com coragem
lúcida, na solidão e consciência, sem esperar em nenhuma recompensa no além.
Referências
[1] Foi um sociólogo e escritor alemão (1944-2015).
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