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Do Pagamento com Sub-rogação

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DO PAGAMENTO COM SUB-
ROGAÇÃO

Sumário: 18.1 – Considerações introdutórias. 18.2 – Definição de


sub-rogação que provém do pagamento. 18.3 – Natureza jurídica.
18.4 – Espécies de sub-rogação. 18.5 – Sub-rogação legal. 18.5.1
Do credor que paga a dívida do devedor comum. 18.5.2 – Do
adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário,
bem como do terceiro que efetua o pagamento para não ser
privado do direito sobre o imóvel. 18.5.3 – Do terceiro
interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser
obrigado, no todo ou em parte. 18.6 – A sub-rogação
convencional. 18.7 – Efeitos da sub-rogação.

18.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A fiança é um contrato por via do qual uma pessoa se


compromete para com o credor de outra pessoa, a satisfazer uma
obrigação, caso o seu devedor não a cumpra. Esta definição está no
Código, art. 818 in verbis: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa
garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor,

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caso este não a cumpra”. É contrato de natureza unilateral e gratuito


que se desenrola, portanto, entre o fiador e o credor do afiançado. É
unilateral porque gera obrigação somente para o fiador e vantagem
para o credor; gratuito porque o fiador não aufere nenhum benefício.
É serviço de amigo, ato desinteressado.
Imaginemos um fiador pagar a dívida de seu afiançado. Para
evitar um enriquecimento sem causa do afiançado, a lei,
compulsoriamente (CC, art. 831), fornece ao fiador o direito de ficar
no lugar do credor para receber o que desembolsou, surgindo, assim,
a sub-rogação, ou seja, a dívida continua a subsistir em relação ao
devedor, que passa a ter por credor o próprio fiador. Por oportuno,
merece transcrição o teor do art. 80 do CPC, in verbis: “A sentença,
que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá
como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para
exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-
devedores a sua quota, na proporção que lhes tocar”. Houve,
portanto, uma troca de credores, ou a colocação de uma pessoa em
lugar de outra.
A palavra sub-rogação vem do latim sub-rogatio, de sub-
rogare e significa “substituir”, “passar para outrem”. Quando o
promitente-comprador de imóvel cede seus direitos a terceiro, opera-
se a sub-rogação em favor deste, que passa a substituí-lo na relação
jurídica, ou seja, o cessionário substitui o cedente. É o mesmo
fenômeno que ocorre quando uma pessoa casada aluga um prédio
para a moradia da família; havendo a separação judicial ocorre a sub-
rogação pessoal, deixando um dos cônjuges de ocupar sua posição na
relação jurídica e a locação prosseguirá, automaticamente com o
cônjuge que permanece no imóvel (art. 12163 da Lei nº 8.245/91 - Lei
do Inquilinato). Do mesmo modo, vendido o imóvel alugado no curso
do contrato, o adquirente se sub-roga nos direitos e obrigações do
locador (in RT 708/135).
163
Art. 12 da Lei 8.245/91 = “Em casos de separação de fato, separação
judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação
prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer
no imóvel”. Parágrafo único. “nas hipóteses previstas neste artigo, a sub-
rogação será comunicada por escrito ao locador...”.

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O nosso Código Civil trata da sub-rogação pessoal164, mas o


faz apenas como modalidade de pagamento, ou seja, a sub-rogação
que provém do pagamento. A cessão de crédito que já foi vista,
também é uma modalidade de sub-rogação de pessoa, mas não
provém de pagamento.
Como modalidade de pagamento, a sub-rogação visa tutelar
terceiro que venha a solver dívida alheia, como acontece, por
exemplo, quando um segurador paga indenização ao segurado que
não agiu com culpa em um abalroamento de veículos. Como em tais
situações responde sempre o culpado, e o segurador tem obrigação de
indenizar o seu segurado por força do contrato de seguro, opera-se
também a sub-rogação; o segurador passa a ocupar o lugar do
segurado, tendo ação regressiva contra o indigitado causador do dano
(Súmula nº 188 do STF). A propósito, o TJSP já decidiu que a
“seguradora que pagou indenização ao segurado tem ação regressiva
contra o causador do dano, devendo, porém, provar a culpa deste” (in
RT 466/99). Analise a seguinte ementa de certo acórdão: “Se a
seguradora pagou à segurada os prejuízos ocorridos, em razão de
perda total da mercadoria transportada, por força de contrato de
seguro, cabe-lhe, como sub-rogada, reaver o valor despendido do
transportador, porquanto este responde pelas mercadorias que lhe são
entregues, desde o recebimento até a entrega em seu destino” (in RT
685/153).

18.2 DEFINIÇÃO DE SUB-ROGAÇÃO QUE


PROVÉM DO PAGAMENTO
No pagamento realizado por terceiro, por exemplo, onde um
fiador efetua o pagamento por não ter o afiançado cumprido com sua
obrigação, opera-se a sub-rogação pessoal, continuando a subsistir a
dívida para o devedor, pois o objetivo do instituto é o de tutelar
aquele que solveu a dívida alheia. Haverá, pois, a substituição do

164
Há a sub-rogação real, que é a substituição de coisas, ou seja, uma coisa é
substituída por outra; a sub-rogação pessoal é a substituição de uma pessoa por
outra.

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credor, pela pessoa que pagou em lugar do devedor, continuando a


obrigação a subsistir para o devedor. Se o avalista, por exemplo,
pagar títulos em operação de alienação fiduciária, por força de lei ele
se sub-roga em todos os direitos, ações, privilégios e garantias, em
relação à dívida, contra o devedor principal.
Clóvis Beviláqua define a sub-rogação como “a transferência
dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação, ou
emprestou o necessário para solvê-la”.165 Por essa definição, tem-se
que, os direitos que tinha o credor passam para aquele que, em lugar
do devedor, efetuou o pagamento, continuando o vínculo
obrigacional entre devedor e aquele que substituiu o credor.

18.3 NATUREZA JURÍDICA

Os doutrinadores divergem no que concerne à natureza


jurídica da sub-rogação, entendendo uns tratar-se de uma cessão de
crédito; outros, de um instituto autônomo.
Na cessão de crédito, embora haja verdadeira substituição de
pessoas, como acontece na sub-rogação, a transferência se dá antes
da liquidação da dívida, ocasião em que o cessionário166 passa a ser o
sucessor, por ato entre vivos, do cedente. Na sub-rogação a
substituição de pessoa se dá depois de efetuado o pagamento da
obrigação, quando um terceiro paga a dívida vencida no lugar do
devedor, ficando, por isso, com os direitos do credor, a quem pagou.
Confira-se pelo aresto seguinte: “Não pode o fiador cobrar do
afiançado dívida de que é co-responsável, mas ainda não pagou. A
sub-rogação opera-se só após o pagamento” (in RT 553/183).
Existem, ainda, outras características distintivas entre esses
dois institutos que fazem com que um não se confunda com o outro;
basta, para isso comparar a sub-rogação com a cessão de crédito,
analisadas no capítulo 11.
165
Ob. cit., vol. IV, p. 116.
166
Cessionário = aquele que recebe, adquire, passa a ser o sucessor, por ato entre
vivos, do cedente (aquele que transfere o direito para o cessionário).

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O entendimento de ser um ato misto (um pouco de pagamento


e um pouco de cessão de crédito), também não tem razão de ser,
visto que no pagamento há a extinção da dívida, o que não ocorre na
sub-rogação.
A corrente aceita pela maioria, tende a considerar a sub-
rogação como uma verdadeira ficção jurídica, um instituto autônomo
através do qual o crédito, com o pagamento, extingue-se em face do
credor satisfeito, não do devedor, havendo apenas uma mudança
subjetiva do sujeito ativo na relação obrigacional.

18.4 ESPÉCIES DE SUB-ROGAÇÃO

Uma decisão: “Execução contra avalista. Pagamento total da


dívida, custas processuais e honorários advocatícios. Possibilidade de
cobrar do emitente, ante a sub-rogação legal, o montante
desembolsado” (in RT 642/197).
Portanto, tendo o avalista pago o débito, objeto de execução,
sub-roga-se no direito de cobrar do emitente da nota promissória, isto
por força do art. 32 da Lei Uniforme de Genebra, que estabelece: “Se
o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes
da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado e contra os
obrigados para com esta, em virtude da letra”. Trata-se, pois, da sub-
rogação legal, aquela que se opera por força de lei, independente do
consentimento do devedor e da declaração expressa do credor.
Quando a sub-rogação provém de uma convenção, de um acordo
firmado pelo devedor e um terceiro, ela não é legal, mas sim
convencional.
Há duas espécies de sub-rogação: 1) a que resulta da lei,
operando de pleno direito, automaticamente; 2) a que resulta da
vontade das partes, tendo como fonte, o contrato entre o terceiro e o
credor ou entre o terceiro e o devedor. A primeira é conhecida como
sub-rogação legal e a segunda, como sub-rogação convencional. “É
legal e não convencional a sub-rogação da seguradora nos direitos e
ações de seu segurado uma vez que aquela efetue o pagamento da

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dívida pela qual era ou podia ser obrigada, no todo ou em parte (art.
985, III, novo, art. 346) do CC)” - (in RT 541/260).
Clóvis Beviláqua, focalizando essas duas espécies, comenta: a
legal, é a que a lei “estabelece, mas permite que a vontade das partes
a dispense; e a convencional, que as partes concordam em criar”.167

18.5 SUB-ROGAÇÃO LEGAL

Três são os casos de sub-rogação legal previstos pelo Código


Civil segundo a dicção textual do seu artigo 346:
“A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
I – do credor que paga a dívida do devedor;
II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a
credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva
o pagamento para não ser privado de direito sobre
imóvel;
III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela
qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte”.

18.5.1 Do credor que paga a dívida do devedor comum

Este é o caso do devedor que possui mais de um credor, um


deles com direito de receber antes do outro. Assim, suponhamos “A”
e “B”, credores de “C”, sendo “A” portador de crédito preferencial.
“B” é, portanto, credor quirografário168, ou seja, “B” receberá depois
de “A”, se sobrar crédito. Para que “B” não fique prejudicado, caso
“A” pretenda cobrar, a lei permite que “B” pague ao credor
preferente “A”, sub-rogando-se em seus direitos e passando a ser
credor preferencial.
167
Ob. cit., vol. IV, p. 116.
168
Quirografário = uma significação oposta a preferencial. Sem qualquer direito
de preferência.

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18.5.2 Do adquirente do imóvel hipotecado, que paga


ao credor hipotecário169, bem como do terceiro
que efetiva o pagamento para não ser privado
do direito sobre o imóvel

“A” adquire um imóvel sobre o qual pesa mais de uma


hipoteca. Um dos credores hipotecários, em seguida, procura
executar a hipoteca, obrigando “A” a pagar a dívida do devedor
hipotecário. “A”, neste caso, se sub-roga nos direitos do credor
hipotecário, ficando garantido contra os outros credores
hipotecários, que poderão executar a hipoteca. Veja a conclusão
oferecida pelo Prof. Antônio Chaves: “Se o segundo credor
hipotecário vier a executar o seu crédito, defrontará o adquirente não
simplesmente com o titular de uma propriedade gravada de ônus real
hipotecário, mas, igualmente, como um credor com preferência sobre
o crédito do segundo credor exeqüente, que só terá direito ao
remanescente do valor depois de pago o próprio adquirente na
proporção do crédito que ficou sub-rogado”.170
Analisando essa situação, o Prof. Sílvio Rodrigues explica: “A
hipótese, em rigor, só se compreende quando o prédio está onerado
por mais de uma hipoteca e o adquirente, resgatando a primeira,
adquire preferência sobre os outros credores hipotecários e vale-se de
sua posição para dificultar, ou mesmo impedir, a execução que estes
desejam promover”.171
Washington de Barros Monteiro também observa: “O
dispositivo aplica-se, porém, àqueles casos em que o preço pago pelo
adquirente não basta para saldar as dívidas contraídas com todos os
credores por hipotecas inscritas. Aqueles que não fossem atendidos
poderiam, portanto, excutir172 o imóvel hipotecado. Levado à praça e

169
Credor hipotecário = um de seus direitos é o de preferência, pelo qual deve ser pago
o valor de seu crédito, com o preço de sua venda, antes de qualquer outro credor.
170
Tratado de Direito Civil, vol. 2, tomo 1, RT, S. Paulo, 1.984. p. 254.
171
Dir. Civil, Parte Geral das Obrigações, vol. 2, Saraiva, S.Paulo, 2.002, p. 181.
172
Excutir = executar judicialmente os bens de um devedor principal.

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arrematado por terceiro, ficaria o adquirente privado de sua


propriedade. Ressalva-lhe então a lei, nessa eventualidade, direito ao
reembolso do preço que havia pago aos credores hipotecários,
podendo apresentar-se como sub-rogado deles no concurso que se
instaure sobre o produto da arrematação”.173
Há, ainda, a situação de um terceiro efetivar o pagamento
para não ser privado de direito sobre o imóvel. Existindo pessoas que
tenham algum direito sobre o imóvel, e, para não perdê-lo, pagam a
dívida do proprietário, sub-rogando-se nos direitos do credor. É o
que ocorre com o promitente comprador que paga a dívida sobre o
imóvel existente e não liquidada pelo promitente vendedor, sub-
rogando nos direitos do credor. Sílvio Rodrigues explica ser rara essa
situação, “porque na prática ninguém adquire imóvel sem se munir
das certidões negativas de ônus reais e, desse modo, se houver
hipoteca, o negócio de compra e venda só se efetua se o preço ou
parte dele se destinar ao resgate da dívida assim garantida”.174

18.5.3 Do terceiro interessado, que paga a dívida pela


qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em
parte
O inciso III do artigo 346 do Código Civil, ao se referir ao
“terceiro interessado”, usa esta expressão, em relação à pessoa que é
obrigada a pagar a dívida por força de uma responsabilidade
assumida, solidária, indivisível ou subsidiária. Um devedor qualquer,
que não está obrigado ao pagamento, não é terceiro interessado com
direito a solver com sub-rogação. “Se os administradores do imóvel
locado efetuam o pagamento de débito de aluguéis do locatário, -
decidiu o tribunal - agem na qualidade de terceiros não interessados, o
que lhes dá direito ao reembolso das importâncias despendidas, na
forma do art. 930 (novo, art. 304), parágrafo único, do CC, não se
operando a sub-rogação legal prevista no art. 985 (novo, art. 346),

173
Ob. e vol. cits., p. 282.
174
Ob. E vol. cits., p. 181.

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III, do referido Código, que existe para melhor proteção e tutela do


direito próprio, e não de outro direito” (in RT 613/156).
Carvalho Santos, comentando o inciso III do art. 985 (novo,
art. 346), preleciona: “Do terceiro interessado, que paga dívida pela
qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. A sub-rogação
nesta última hipótese prevista no artigo supra, tem a sua explicação
natural: é meio que a lei fornece a quem se vê obrigado a pagar a
dívida de outrem para reaver o que desembolsou, evitando o
enriquecimento sem causa do devedor. Três são os requisitos
essenciais para que se verifique essa espécie de sub-rogação: a) o
pagamento; b) a qualidade de coobrigado da parte de quem paga; c) o
interesse de quem paga para extinguir a obrigação”.175
O instituto da sub-rogação legal tratado aqui tem por fim
tutelar apenas o terceiro interessado que é ou pode ser obrigado a
pagar dívida alheia, como já demonstramos em relação ao avalista ou
ao fiador. Analisemos, ainda, a situação prevista pelo artigo 259 do
Código Civil e seu respectivo parágrafo:

“Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação


não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda.
Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-
roga-se no direito do credor em relação aos outros
coobrigados”.

Devido à impossibilidade de dividir a prestação de obrigação


indivisível, um dos coobrigados paga a dívida em sua integridade; não
podendo o solvente arcar sozinho com o peso da responsabilidade
que era de todos, a lei lhe dá o direito de regresso da parte que
competia aos outros, com o fim de restabelecer a igualdade entre os
coobrigados, fazendo surgir a regra do parágrafo único supra. Como
é a própria lei que o diz, a sub-rogação opera-se de pleno direito
como se repousasse no fundo uma idéia de convenção tácita ditada
pela eqüidade. Mas, na realidade, o solvente é terceiro a pagar a
dívida alheia em relação à parte que competia aos outros. Esta

175
Ob. cit., vol. XIII, p. 77.

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situação, assim como acontece em relação ao artigo 9l3 (novo, art.


283) do Código Civil, está em perfeita sintonia com o princípio do
artigo 346, III, do CC, tese defendida por Clóvis Beviláqua e
contradita por C. Mendonça. Este entende que o devedor não é
terceiro interessado no pagamento, porque a dívida é contraída por
ele próprio; é também obrigado. Estamos com Clóvis Beviláqua por
entendermos que o co-devedor interessado no pagamento da dívida
comum e, pagando-a, paga a sua e a parte alheia, tornando-se terceiro
em relação aos seus consortes.
O referido artigo 283 do CC: “O devedor que satisfez a
dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores
a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o
houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-
devedores”. Trata-se da solidariedade passiva que tem o princípio da
obrigação indivisível: todos os devedores respondem pela dívida
inteira, obtendo o devedor que paga a dívida, o regresso contra os
que nada pagaram.
A essa altura, indaga-se: O segurador que, ao pagar a
indenização ao segurado, não o faz como terceiro, e sim como
devedor, em decorrência do contrato de seguro, sub-roga-se de pleno
direito nos direitos do segurado?
A relação que nasce do contrato de seguro, por sua natureza,
não faz operar a sub-rogação legal quando ocorre o sinistro. O
segurador paga ao segurado apenas o prêmio prometido. O nosso
direito admite expressamente a sub-rogação de pleno direito nos
casos de seguro marítimo (Cód. Comercial, art. 728), mas não no
seguro terrestre. Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal estendeu a solução aos contratos de seguros em geral
(Súmula176 nº 188), in verbis: “O segurador tem ação regressiva
contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite
previsto no contrato de seguro. Para esse efeito não se distingue entre

176
A súmula dos Tribunais, inclusive do STF, não tem efeito vinculante. Assim,
ainda que o Supremo Tribunal tenha pacificado um entendimento, nenhum juiz é
obrigado a seguir a orientação, podendo dela discordar.

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Do Pagamento com Sub-rogação

o seguro marítimo e o terrestre”.177


Tratando-se de jurisprudência dominante no STF, apesar do
contrato de seguro não coadunar, por sua natureza, com a sub-
rogação legal, nem existir lei expressa que autorize a sub-rogação em
relação ao seguro de natureza terrestre, enquanto o Tribunal Maior
não modificar seu entendimento, admitir-se-á a sub-rogação de pleno
direito no seguro em geral, seja qual for a sua espécie.
Contudo, nos Tribunais de Justiça dos Estados as divergências
continuam. Parte do TJMG, por exemplo, vem decidindo pela
impossibilidade da sub-rogação legal para os seguros terrestres.
Transcrevo o voto do Des. Horta Pereira: “Aquele douto voto,
adotando os impressionantes argumentos do eminente Lopes da Costa
(“Jurisprudência Mineira”, vol. VII/108), de Baudry et Barde (“Delle
Obligazioni”, vol. II, nº 1.560, pág. 685) e de Gonçalves de Oliveira
(RF, vol. 157/59), me convenceram de que realmente salvo para os
seguros marítimos, não têm as seguradoras a sub-rogação legal nos
possíveis direitos do segurado contra terceiros, sob pena de se
transformar o negócio de seguros em ‘um negócio da China’,
segundo a pitoresca expressão de Lopes da Costa” (in RT 440/207).
Portanto, quando o terceiro interessado paga a dívida ocorre a
sub-rogação legal, aquela que se opera por força de lei, como é o
caso do fiador, ou do avalista, que paga a dívida do afiançado ou do
avalizado (in RT 668/107)178; são igualmente interessados os
adquirentes de imóveis alugados ou emprestados, sub-rogando-se nos
direitos e obrigações do antigo vendedor. “Vendido o imóvel no
curso do contrato, o adquirente se sub-roga nos direitos e obrigações
do locador, entre os quais o de rever o aluguel” (in RT 708/135).
“Quando novos adquirentes compram o imóvel dado em comodato,
nele se sub-rogam, podendo, daí, promover ação de reintegração de
posse” (in RT 715/215).

177
Recurso extraordinário nº 68.120, rel. Min. Bilac Pinto, DJU de 13.11.70, p.
573.
178
RT 668/107: “Pagando a dívida cambial, fica o avalista simultâneo legalmente
sub-rogado no crédito (arts. 913 e 985, III, do CC)”.

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18.6 A SUB-ROGAÇÃO CONVENCIONAL


Diz-se convencional, a sub-rogação que decorre da vontade
das partes, resultado do acordo com um dos interessados.
A lei prevê duas hipóteses desta espécie de sub-rogação,
consoante mostra o art. 347 do CC, in verbis:

“A sub-rogação é convencional:
I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e
expressamente lhe transfere todos os seus direitos;
II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a
quantia precisa para solver a dívida, sob a condição
expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos
do credor satisfeito”.
Ambas as espécies devem ser expressas como indica o art.
348: “Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o
disposto quanto à cessão do crédito”. Portanto, o que está no inciso
I é uma espécie de cessão de direito, analisada no capítulo 11, deste
livro.

18.7 EFEITOS DA SUB-ROGAÇÃO

Suponhamos que “A” adquira um veículo pelo sistema de


alienação fiduciária, e “B” seja o avalista. A financeira (fiduciante ou
credora fiduciária) é a proprietária única e exclusiva do automóvel.
Esta propriedade só será transferida automaticamente para o
fiduciário “A” com o pagamento total do débito. Existe, pois, uma
propriedade resolúvel, como declara expressamente o artigo 1.361 do
CC. Enquanto o devedor “A” estiver cumprindo com as suas
obrigações, terá ele a posse direta do veículo na condição de
depositário; se deixar de pagar as prestações, a credora fiduciária terá
dois caminhos distintos: 1) constituir o devedor “A” em mora, para
depois mover a ação de busca e apreensão; 2) acionar o avalista “B” e
convidá-lo a pagar a dívida do avalizado, sob pena de execução.

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Do Pagamento com Sub-rogação

Suponhamos que o fiduciante escolha o segundo caminho, e o


avalista “B” pague apenas as prestações vencidas. O artigo 1.368 do
CC dispõe: “O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se
sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária”.
Mas “B” ainda não pagou a totalidade da dívida. Indaga-se:
ocorreu a sub-rogação de pleno direito?
A lei não faz nenhuma restrição. Considerando que o instituto
da sub-rogação tem por fim tutelar aquele que vem solver dívida
alheia, interpretar-se-á a lei a favor deste.
Com a sub-rogação, o novo credor investir-se-á do direito do
credor primitivo por força do art. 349 do Código Civil, que assim diz:

“A sub-rogação transfere ao novo credor todos os


direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em
relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.

Esta norma indica o efeito maior da sub-rogação, que é a


transferência de direitos, ações, privilégios e garantias e, assim, o
novo titular se investirá de titularidade para usar de todos os meios à
disposição do credor primitivo. Ora, se a financeira podia postular a
busca e apreensão do veículo, o novo credor sub-rogado, será
também legitimado ativo, para mover idêntica ação (in RT 432/170,
475/165). É que, onde não há norma restritiva, a sub-rogação possui
a plenitude que lhe confere o artigo supra. Mesmo não tendo o novo
credor pago a totalidade da dívida, poderá ele, no exercício do poder
da sub-rogação, acionar o devedor da maneira que entender, a fim de
efetivar a satisfação do seu crédito.
Após a posse direta do veículo, seguir-se-ão os trâmites legais
previstos pelo art. 1.364 do CC, podendo, no final, o novo credor
vender o bem, visto que o credor fiduciário estará proibido de ficar
com a coisa se a dívida não foi paga no vencimento (CC, art. 1.365).
Entretanto, tratando-se de sub-rogação legal, segundo a
hipótese trazida à colação, o sub-rogado (“B”) só poderá reclamar o
que tiver desembolsado para desobrigar o devedor, como diz o art.
350 do Código Civil, in verbis:

273
Direito das Obrigações

“Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá


exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma
que tiver desembolsado para desobrigar o devedor”.

Tal situação é diferente da sub-rogação convencional, pois


depende da vontade das partes, podendo estas limitarem os direitos
do sub-rogado, consoante ensinamento de Clóvis Beviláqua.179 É que
a sub-rogação legal foi instituída para assegurar o recurso do sub-
rogado, apenas, permitindo-lhe o reembolso do que pagou e nada
mais.
Não devemos nos esquecer, conforme a hipótese, de que o
credor originário ou a financeira recebeu parte do seu crédito e,
segundo disposição prevista no art. 351 do Código Civil, terá a
preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante.
Transcrevo o artigo citado para maior conhecimento:

“O credor originário, só em parte reembolsado, terá


preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante,
se os bens do devedor não chegarem, para saldar
inteiramente o que a um e outro dever”.

Exemplificando: Suponhamos que o crédito inicial da


financeira seja de R$ 50.000,00 e que o devedor já tenha pago R$
10.000,00 quando o avalista paga mais R$ 10.000,00. Vendido o
bem, resultam R$ 32.000,00; o credor originário (financeira) receberá
R$ 30.000,00 e o sub-rogado ficará com o remanescente R$
2.000,00, ressalvado seu direito de exigir do devedor os outros R$
8.000,00.
Portanto, na sub-rogação parcial, a preferência é do credor
primitivo, embora existam muitas críticas visando à igualdade dos
direitos do sub-rogante e do sub-rogado.

179
Ob. cit., vol. IV, p. 118.

274
Do Pagamento com Sub-rogação

JURISPRUDÊNCIA

1. “Nota promissória - Execução contra o avalista. Pagamento


total da dívida, custas processuais e honorários advocatícios.
Possibilidade de cobrar do emitente, ante a sub-rogação legal, o
montante desembolsado” – RT 642/197.
2. “Quando novos adquirentes compram o imóvel dado em
comodato, nele se sub-rogam, podendo, daí, promover ação
reintegratória de posse” – RT 715/214.
3. “Vendido o imóvel no curso do contrato, o adquirente se sub-
roga nos direitos e obrigações do locador, entre os quais o de rever o
aluguel” – RT 708/135.
4. “Admitindo a recorrente a condição de ex-mulher do
primitivo locatário, de quem se separou consensualmente, permanecendo
no imóvel, operou-se a sub-rogação da locação ajustada pelo marido, em
conseqüência do art. 12 da atual lei do inquilinato, tal como acontecia no
art. 13 da revogada Lei 6.649/79, assumindo o recorrente a condição de
locatária” – RT 699/118. No mesmo sentido: RT 671/176, 666/133,
658/134.
5. “Pagando a dívida cambial, fica o avalista simultânea e
legalmente sub-rogado no crédito (arts. 9l3 e 985, III, do CC), podendo
a cada um dos demais avalistas simultâneos cobrar a respectiva cota em
processo de execução por título extrajudicial (art. 567, III, do CPC)” –
RT 668/107. No mesmo sentido: RT 607/187.
6. “O contrato de arrendamento rural celebrado com o
usufrutuário, sem participação do nu-proprietário, prorroga-se
ocorrendo a morte daquele, sub-rogando-se o adquirente da
propriedade plena nos direitos e obrigações dele decorrentes,
independentemente de cláusula expressa e registro” – RT 663/135.
7. “Tratando-se de avais em branco e superpostos, e, portanto,
simultâneos, e não sucessivos, aquele que paga a dívida cambial fica sub-
rogado no crédito (CC, art. 985, III), podendo cada um dos demais
avalistas simultâneos cobrar a respectiva cota, em processo de execução
por título extrajudicial” – RT 656/104.
8. “Inexistindo prova do pagamento da indenização ao segurado,

275
Direito das Obrigações

não há falar em sub-rogação de direitos pela seguradora” – RT 652/100.


9. “Se a seguradora pagou à segurada os prejuízos ocorridos,
em razão de perda total da mercadoria transportada, por força de
contrato de seguro, cabe-lhe, como sub-rogada, reaver o valor
dispendido do transportador, porquanto este responde pelas
mercadorias que lhe são entregues, desde o recebimento até a entrega
em seu destino” – RT 685/153. No mesmo sentido: RT 789/205, 620/119.
10. “Contratada a locação por compromissário comprador do
imóvel devidamente imitido na posse, na hipótese de resilição bilateral
do compromisso de compra e venda ocorre a sub-rogação legal do ajuste
locatício, assumindo o compromissário vendedor a qualidade de locador,
devendo respeitar o ajuste ainda que não registrado, até que pela ação
de despejo cabível promova a retomada do imóvel” – RT 622/139.
11. “Se os administradores do imóvel locado efetuam o
pagamento de débito de aluguéis do locatário, agem na qualidade de
terceiros não interessados, o que lhes dá direito ao reembolso das
importâncias despendidas, na forma do art. 930, parágrafo único do CC,
não se operando a sub-rogação legal prevista no art. 985, III, do
referido Código, que existe para melhor proteção e tutela do direito
próprio, e não de outro direito” – RT 613/156.
12. “Tendo o exeqüente, através de composição extrajudicial,
recebido o crédito judicial, o cessionário, nos termos do art. 986 (novo,
art. 347) do CC, sub-roga-se em todos os direitos resultantes da
execução, tomando, assim, nela a posição de exeqüente” – RT 568/104.
13. “Tendo a companhia seguradora efetuado o pagamento
concernente aos danos sofridos ao seu segurado, sub-roga-se nos direitos
deste contra o terceiro causador do sinistro” – RT 578/191.
14. “A sub-rogação prevista no n. III do art. 985 (novo, art. 346)
do CC opera-se apenas quando o terceiro que paga seja interessado na
extinção da dívida, por ser ou poder ser por ela responsável” – RT
575/234.
15. “A seguradora, sub-rogando-se nos direitos do segurado,
com o pagamento do seguro, adquire todos os privilégios do anterior
credor, inclusive o de demandar em seu domicílio, conforme dispõe o
art. 100, parágrafo único, do CPC” – RT 565/129.

276
Do Pagamento com Sub-rogação

16. “Não pode o fiador cobrar do afiançado dívida de que é co-


responsável mas ainda não pagou. A sub-rogação opera-se só após o
pagamento” – RT 553/183.
17. “O locatário que se afasta do lar, nele deixando a esposa ou
companheira, submete-se ao despejo por falta de pagamento, pois
continua responsável pelo imóvel, aluguéis e encargos, até a efetiva
entrega do imóvel locado, se aquela não manifestou, perante o locador,
vontade de exercer o direito de sub-rogação previsto no parágrafo único
do art. 12 da Lei 8.245/91. A Lei do Inquilinato vigente veio a exigir a
formalidade do aviso da sub-rogação por escrito, mormente não se
tratando de contrato verbal, porque implica a alteração do sujeito
passivo das obrigações decorrentes da locação, inclusive direito de o
locador exigir novo fiador ou garantias, não se podendo dar
interpretação literal contrária à expressa disposição legal” – RT
764/375.
18. “É improcedente a ação de cobrança ajuizada contra o
fiador, se o bem dado em garantia já foi liberado, impossibilitando,
assim, a sub-rogação” – RT 763/374.
19. “O proprietário de imóvel abrangido por parque criado pelo
poder público tem interesse processual em mover ação de indenização
contra a Administração, pois, em tese, faz jus a integral indenização da
área atingida, e não apenas em relação à mata a ser preservada. Além
disso, os adquirentes de imóveis já ocupados pelo poder público também
têm direito à indenização, pois sub-rogam-se nos direitos e ações dos
alienantes. Os adquirentes só não farão jus a indenização se essa já tiver
sido paga aos proprietários anteriores” – RT 761/202.
20. “Ao herdeiro necessário que se diz lesado por não ter sido
citado em ação de despejo por falta de pagamento proposta contra o
espólio de seu genitor, não cabe invocar as regras do art. 47 do CPC,
uma vez que a sub-rogação legal visa a preservar o grupo familiar e não
a individualidade de cada herdeiro, conforme aplicação dos arts. 46, I,
do CPC e 2.º da Lei 8.245/91” – RT 736/285.
21. “Se o credor originário tinha título executório contra os
devedores solidários, uma vez satisfeito o crédito por um deles, este se
sub-roga nos direitos daquele e, por via de conseqüência, ostenta o
mesmo direito, ainda mais quando amparado pela prova do pagamento
integral” – RT 734/353.

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Direito das Obrigações

22. “Separado de fato o casal, e tendo o marido, em cujo nome


se celebrara o contrato locatício, deixado o imóvel, a permanência da
mulher implica automaticamente na sua sub-rogação como inquilina” –
RT 726/338.
23. “A comunicação da sub-rogação ao locador, só produzirá
efeitos em relação a este se for realizada por escrito (parágrafo único do
art. 12 da Lei 8.245/91)” – RT 724/377.
24. “Se o locatário foi cientificado, ainda que pela citação em
execução, da substituição do credor locador pela administradora do
imóvel locado, não pode o devedor negar-se ao pagamento dos aluguéis
sob a alegação de que a sub-rogação não lhe fora, antes, comunicada” –
RT 791/270.
25. “Não deve ser admitida como necessária, em qualquer
hipótese de sub-rogação, a denunciação da lide, uma vez que o art. 70,
III, do CPC deixa claro que a obrigação é de indenizar o prejuízo do
que perder a demanda, ou seja, de ressarcir; e, por mais parecido que
seja, isso não se confunde cm a obrigação principal, como a de pagar,
por exemplo” – RT 787/307.
26. “Nos casos de desapropriação indireta, inexistindo o
pagamento de justa indenização, não há falar em transferência do imóvel
ao domínio público, podendo o expropriado aliená-lo, cabendo ao
adquirente a sub-rogação nos respectivos direitos e ações decorrentes do
apossamento administrativo” – RT 780/194.

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