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• Conceitos em Genética
• Genética e Sociedade
• Na Sala de Aula
• Materiais Didáticos
• Resenha
• Um Gene
Índice
Conceitos em Genética
Mendel e seus abismos.................................................................................................................................................. 234
Mendel e depois de Mendel.......................................................................................................................................... 244
Genética e Sociedade
O Mendel que não era mendelista............................................................................................................................... 250
Experimentos com híbridos de outras espécies de plantas.............................................................................. 256
Antes de Mendel: Joseph Koelreuter e as pesquisas de hibridização de plantas.................................................... 266
O Mendel mítico sob um olhar crítico: o papel de Mendel na história da Genética.............................................. 272
Na Sala de Aula
Para ensinar genética mendeliana: ervilhas ou lóbulos de orelha?............................................................................ 286
Registros escritos do conhecimento mútuo entre Gregor Mendel e Charles Darwin:
uma proposta para trabalho em sala de aula com história contrafactual da ciência e didática invisível.......... 294
Materiais Didáticos
Que ervilha sou eu?....................................................................................................................................................... 310
Embaralhando Mendel e suas leis................................................................................................................................ 344
O Jardim de Mendel – material didático para uso de videntes e não-videntes
no processo ensino-aprendizagem da 1a Lei de Mendel...................................................................................... 366
Carteando com Mendel................................................................................................................................................. 372
Resenha
Programa de Áudio Mendel: O pai da genética, da Série Biografias: o passado explica o presente..................... 380
O Monge no Jardim, o gênio esquecido e redescoberto de Gregor Mendel, pai da Genética............................... 382
Quem foi que disse: sobre Mendel e a produção do conhecimento......................................................................... 384
Um Gene
O gene Stay-Green e a cor das sementes de Mendel................................................................................................... 386
O gene SBEI e a rugosidade das ervilhas de Mendel................................................................................................. 392
Mais sobre a natureza molecular dos fatores mendelianos....................................................................................... 398
Carta ao Leitor
O suplemento especial da Genética na Escola é um mergulho na História da Ciência e da Genéti-
ca em particular. Construído em homenagem aos 150 anos de publicação do artigo Versuche über
Planzen-hybriden (Experimentos com plantas híbridas), de Gregor Johann Mendel, traz perspec-
tivas variadas sobre o papel do famoso monge como fundador da Genética, compila dados obtidos
sobre as célebres ervilhas por outros pesquisadores e traz propostas de materiais didáticos sobre
esses experimentos seminais.
Ao receber os trabalhos que comporiam este suplemento, nós, editores, nos surpreendemos com
a vitalidade com que os trabalhos de Mendel são discutidos ainda hoje. O monge é amplamente
reconhecido por seu planejamento experimental primoroso, a inédita análise matemática dos re-
sultados e as relações que estabeleceu com os estudos de divisão celular. Contudo, historiadores
e geneticistas debatem ativamente se o pai da Genética propôs, de fato, um modelo de herança.
Divergem quanto ao real significado que atribuía a termos como “fatores”, “elementos celulares” ou
“caracteres”. Essa discussão, ausente dos livros escolares, é relevante para se compreender como se
construiu a Genética. Neste suplemento, o leitor tem à sua disposição o artigo original de Men-
del traduzido para o português (em parte já publicado no vol. 8, n. 1, em 2013) e trabalhos que
expõem esse debate, principalmente nas seções Conceitos e Genética e Sociedade. Convidamos
todos a conhecer esses pontos de vista e tirar suas próprias conclusões.
Além disso, os três artigos da seção Um Gene esclarecem aspectos moleculares dos genes que
Mendel sondou observando o fenótipo das ervilhas – uma ponte entre o passado e o presente.
Para completar, quatro propostas de materiais didáticos – uma delas destinada a deficientes visu-
ais – pretendem apresentar a alunos da escola básica os experimentos que inauguraram o conhe-
cimento moderno sobre herança biológica.
Boa leitura!
Mendel
e seus
abismos
CAVANDO O FOSSO
Entre a chegada de Gregor Johann Mendel,
filho de humildes camponeses, ao Mosteiro
de Brünn (Brno), da Ordem de Santo Agos-
tinho, em 1883, quando ele completara 21
anos, e o início de seu trabalho com as fa-
mosas ervilhas-de-cheiro da espécie Pisum
sativum (SALAMANCA, 2000), duas per-
guntas instigam pesquisadores e historia-
dores da ciência, quais sejam: (a) Como ele
formulou a pergunta e (b) como ele delineou
o seu experimento (HARTL; OREL, 1992;
WEISS, 2002; DEGUSTA, 2003.
Tudo indica que o abade Cyrill Napp (1792-
1867), chefe hierárquico do Mosteiro de
3) Napp promovia vários encontros cien- investigação científica, pois é através dele
tíficos e alguns cursos de formação. Em que se manifesta a criatividade do cientis-
um deles, ministrado por Franz Diebl ta ao conceber a estratégia metodológica
(1770–1859) e frequentado por Men- para responder a pergunta. Qual foi, então,
del, o renomado cientista ressaltou, o delineamento experimental de Mendel?
dentre outras coisas, a importância do É importante ressaltar um aspecto muito
pareamento de plantas com diferentes importante deste delineamento, qual seja:
caracteres para criar variedades produti- a concepção de que algumas leis do mun-
vas; que a ervilha e o feijão eram espécies do natural, incluído os sistemas biológicos,
propícias para investigação sobre heran- podiam ser expressas por relações mate-
ça; e que a contribuição de disciplinas máticas e que os números presentes nestas
irmãs poderia ajudar na resolução do relações, representando unidades discretas,
grande mistério que era a herança. não se misturam como os fluidos. Assim, a
escolha da ervilha de cheiro Pisum sativum
É importante que se diga, ainda, que Napp
adveio dos ensinamentos de Diebl, dos seus
custeou os estudos de Mendel na Univer-
estudos na Universidade de Viena e da ex-
sidade de Viena, incentivou também que
periência prévia de vários agricultores no
participasse das sociedades científicas e de
trato com as ervilheiras.
cursos de formação e, além disso, financiou
a construção de uma estufa para proteger as A ervilha cresce rápido, possui flores com-
ervilhas de insetos polinizadores que pu- pletas (com os dois sexos) e já estavam
dessem interferir no trabalho experimental disponíveis nas mãos dos agricultores, na
de Mendel (KLEIN; KLEIN, 2013). forma de variedades, com traços transmis-
síveis e facilmente discerníveis aos olhos
Por sua parte, Mendel transitava entre os
do observador. Com isso em mente, Men-
agricultores da região e conhecia bem os
del focou o seu trabalho em sete caracte-
estudos que tentavam desvendar os segre-
res transmissíveis dos quais ele estudou
dos que envolviam a herança de certos ca-
dois a dois, de cada vez, com muito rigor
racteres expressos por diferentes espécies
e atenção, registrando e quantificando to-
de plantas, incluindo as ervilhas. Através da
das as suas observações. Outro diferencial
literatura especializada e dos cursos de for-
do delineamento experimental de Mendel
mação, incluindo sua passagem pela Uni-
foi a sistemática investigativa, analisando
versidade de Viena (1851-1852), onde ele
os caracteres estudados por mais de uma
participou de cursos de física experimental,
geração (F1, F2, F3). A maioria dos inves-
com Christian Doppler (1803-1853); ana-
tigadores, que o precedera interrompia o
tomia e fisiologia vegetal, com Franz Unger
experimento na primeira geração (F1) ou
(1800-1870); morfologia e sistemática de
continuava por mais de uma geração, mas
plantas, com Eduard Fenzl (1808-1879);
não quantificava os resultados, pois não via
cálculo, análise combinatória e uso das tá-
razão para se usar números em questões de
buas de logaritmo e trigonometria, com
biologia. Além deste diferencial, Mendel foi
Franz Moth (1802-1879) e Andreas von
cuidadoso no controle de algumas variáveis
Ettingshausen (1796-1878), entre outros,
como o clima e a presença de insetos poli-
ele aprendeu que a herança manifestada nas
nizadores que pudessem colocar em dúvida
plantas e nos animais dependia de uma lei
os seus experimentos, razão pela qual ele
fisiológica e, como uma necessidade meto-
solicitou a construção de uma estufa no jar-
dológica de seu trabalho, planejou cuidado-
dim do Mosteiro.
samente todos os experimentos, incluindo a
fertilização artificial cruzada para a produ- Nesta perspectiva, Mendel formulou uma
ção de híbridos entre diferentes variedades hipótese, planejou os experimentos, quan-
de ervilhas (MONAGHAN; CORCOS, tificou e interpretou os resultados e chegou
1983; KLEIN; KLEIN, 2013). a uma conclusão geral, utilizando relações
matemáticas que, mais tarde, os autores de-
Além da pergunta, o delineamento experi-
nominariam de “Leis de Mendel”.
mental é, também, importante em qualquer
À luz da história, uma audácia a mais de característica, por exemplo, ervilheiras que
Mendel: postular a hipótese de que aqui- davam sementes lisas e ervilheiras que da-
lo que não era possível mostrar concreta- vam sementes rugosas, era toda ela compos-
mente, estava em dose dupla, segregava na ta de ervilheiras de sementes lisas (100%
formação dos gametas, e voltava a se juntar, da prole). Contudo, no cruzamento desta
após a fecundação, como unidades discre- prole, a característica sementes rugosas re-
tas que não se misturavam como os fluidos aparecia na proporção de apenas um quarto
(CANGUILHEM, 1977; SOLHA; SIL- das plantas da prole (25%). A explicação de
VA, 2004). Mendel para o fenômeno contava com o au-
xilio dos seus “fatores”, como é bem conheci-
Mais que isso, as observações de Mendel
do pela representação realizada no esquema
mostravam que a primeira geração do cru-
apresentado na Figura 1.
zamento entre linhagens puras para uma
Figura 1.
Representação gráfica
dos fenótipos obtidos nos
experimentos de Mendel e seus
respectivos genótipos como
Na observação do esquema da Figura 1 fica divíduos nas proporções 2Aa, 1AA e 1aa,
interpretado pelo seu modelo
de herança. evidente uma incoerência entre as propor- ou seja, três classes. Contudo, observamos
ções dos tipos observadas (ervilheira que apenas dois tipos, “semente lisa” (AA + Aa)
dão sementes lisas e ervilheiras que dão e “semente rugosa” (AA). Como é possível
sementes rugosas) e aquelas dadas pelos explicar isto?
“fatores” supostos pelo modelo mendeliano
Dois conceitos novos são necessários para
de herança. Primeiro, o tipo “semente ru-
adequar a expectativa teórica (aquela dos
gosa” desaparece na F1 (primeira geração).
“fatores” do modelo) com a observação con-
Em segundo lugar, quando do cruzamento
creta (aquela dos tipos de ervilheiras obser-
dos indivíduos com os “fatores” Aa da pri-
vadas). Primeiro, é necessário assumir que
meira geração e que se apresentam como
existem “fatores” dominantes e “fatores” re-
sendo do tipo “semente lisa”, esperamos in-
2000; CHARLESWORTH, 2001). Seus ção deliberada dos seus dados para adequá-
resultados, no entanto, não puderam ser re- -los a sua expectativa teórica, isso só poderia
produzidos com o mesmo sucesso em rela- ser feito na precedência de uma teoria ou
ção a outras plantas, o que levou, o próprio seja, o modelo mendeliano de herança já de-
Mendel, a duvidar da generalização de seus veria estar pronto na cabeça do seu propo-
resultados como modelo explicativo para a nente antes mesmo que ele conferisse os re-
herança biológica. sultados. Realmente alguma coisa inaugural
estava florescendo naquele jardim. Portanto,
Os resultados dos experimentos de Mendel
entende-se o porquê de Mendel ser reconhe-
trouxeram dúvidas, também, para alguns
cido como pai-fundador da Genética.
autores, embora por outros motivos, pois
desviam muito pouco em relação ao espe-
rado, do ponto de vista da análise estatís- UMA PONTE
tica (MONAGHAN; CORCOS, 1985; A despeito de todos os abismos, passados e
EDWARDS, 1986; PIEGORSCH, 1990; presentes, sob responsabilidade de Mendel,
NOVITSKI, 1995, 2004a, 2004b). Diante seus experimentos, e especialmente seu mo-
deste fato, alguns autores especularam que delo de herança, o grande legado desta histó-
resultados “tão bons” só poderiam ter origem ria são as pontes lançadas, desde o passado,
com a manipulação dos dados. Ronald Fisher atravessando o presente, em direção ao fu-
(1890-1962), que analisou cuidadosamente turo. Mendel, segundo Canguilhem (1977),
todos os resultados de Mendel, sugeriu, de um filósofo francês da Biologia:
maneira irônica, que Mendel deveria ter tido Não se trata de um precursor. Precursor
um ajudante muito zeloso que poderia ter é, sem dúvida, aquele que corre à frente
modificado os dados, sem autorização, para de todos os seus contemporâneos, mas é,
agradar o mestre (FISHER, 1966). Theodo- também, aquele que para num percurso
sius Dobzhansky (1900-1975), geneticista em que outros, depois dele, correrão até o
ucraniano que fez sua carreira nos Estados final. Ora, Mendel correu toda a corrida.
Unidos, de forma menos severa, concede que
poucos cientistas não cometem enganos ou Basta dizer que a genética moderna foi inau-
acidentes no seu trabalho experimental. As- gurada ali, na construção dos fatores heredi-
sim, segundo ele, Mendel poderia ter descar- tários, o resto é DNA.
tado de seus resultados aqueles cruzamentos
que mostrassem evidências de contaminação. REFERÊNCIAS
Assim, como resultado final, os dados teriam ARCANJO, F. G.; SILVA, E. P. A hipótese da-
ficado muito melhores do que o que seria rwiniana da pangênese. Genética na Escola, v.
esperado do procedimento experimental re- 10, n. 2, p. 102-109, 2015.
alizado (DOBZHANSKY, 1967). Sewall BISHOP, B. E. Mendel’s opposition to Evolution
Wright (1889-1988), outro dos fundado- and to Darwin. Journal of Heredity, v. 87, p.
res da teoria sintética da evolução, afirma, 205-213, 1996.
de maneira semelhante à de Dobzhansky, CANGUILHEM, G. Ideologia e Racionalidade
que se os cruzamentos com resultado ambí- nas Ciências da Vida. São Paulo: Edições 70,
guos ou que dependessem de interpretação 1977.
mais subjetiva tivessem sido eliminados nas
CHARLESWORTH, B. From Monastery to
contagens, o que levaria a uma tendência de the laboratory. Nature, v. 409, p. 981-982,
aproximação dos dados aos resultados teó- 2001.
ricos esperados sem, no entanto, configurar
nenhum tipo de manipulação deliberada DEGUSTA, D. More digging in Mendel’s gar-
den. Evolutionary Anthropology, v. 12, p. 1,
(WRIGHT, 1966).
2003.
A despeito das dúvidas quanto aos resulta- DOBZHANSKY, T. Looking Back at Mendel’s
dos dos experimentos mendelianos, o que Discovery. Science, v. 156, p. 1588-1589,
impressiona é a observação de que, mesmo 1967.
que Mendel tivesse cometido uma manipula-
MONAGHAN, F.V.; CORCOS, A.F. Chi-square WEISS, K. Goings on in Mendel’s garden. Evo-
and Mendel’s experiments: where’s the bias? lutionary Anthropology, v. 11, p. 40-44, 2002.
Journal of Heredity, v. 76, p. 307-309, 1985. WRIGHT, S. Mendel’s ratios. In: STERN, C.;
MONAGHAN, F.V.; CORCOS, A.F. Mendel, SHERWOOD, E.R. The Origin of Genetics:
the empiricist. Journal of Heredity, v. 76, p. 49- A Mendel Source Book. S. Francisco: W.H.
54, 1985. Freeman & Company, 1996. p. 173-175.
Mendel
e depois de Mendel
Os estudos com cruzamentos experimen- rante sua permanência em Viena ele tomou
tais de ervilhas não eram uma novidade conhecimento dos estudos citológicos de-
na época. Outros autores como John Goss senvolvidos na época por intermédio de seu
e Alexander Seton já haviam se dedicado professor de Fisiologia Vegetal Franz Unger
a eles. Porém, tanto a metodologia como (1800-1870). Hunger estava a par do tra-
os resultados obtidos por eles foram dife- balho desenvolvido por Karl Nägeli (1817-
rentes dos de Mendel (ZIRKLE, 1951, p. 1891) e Mathias Schleiden (1804-1881)
50; STUBBE, 1972, p. 109). Apesar disso, sobre as células. Durante esse período,
aparentemente, a comunidade científica não Mendel estudou Matemática e Estatística
percebeu tal importância, embora o artigo com Christian Doppler e Andreas Freiherr
de Mendel (1866) tenha sido citado em von Ettinghausen (1796-1878), disciplinas
diversos livros e artigos sobre hibridação em que teve excelente desempenho. Tam-
no período anterior a 1900 (SANDLER; bém atuou como demonstrador no Institu-
SANDLER, 1986, p. 755). to de Física em Viena o que o familiarizou
com o enfoque experimental adotado na
Conforme alguns historiadores da ciên-
Física, que não fazia parte da formação da
cia, somente algumas décadas depois da
maioria de seus colegas naturalistas (OLBY,
publicação do artigo de Mendel, no início
1966, p. 113). A tradução do artigo de
do século XX, época em que começou a se
Mendel para a língua inglesa
desenvolver a Genética moderna, seu tra- Em 1856, ele iniciou seus experimentos feita por C. T. Druery foi
balho foi “redescoberto” por Hugo de Vries com ervilhas no monastério de Brno e os publicada inicialmente em
(1848-1933), Carl Eric Correns (1864- concluiu em 1863. Porém, somente dois 1901 no Journal of the Royal
1933) e Erich von Tschermak-Seysenegg anos depois (1865) apresentou seus resul- Horticultural Society. Em 1902,
ela foi reproduzida no livro
(1871-1932). Vários pesquisadores como tados à Sociedade de História Natural de
Mendel’s principles of heredity:
Wilhelm Ludwig Johannsen (1857-1927), Brno, publicando-os em alemão no ano se- a defence, de Bateson, com
Correns, De Vries e William Bateson guinte (1866). algumas modificações. Essa
(1861-1926), procuraram averiguar a vali- última versão, reproduzida na
dade dos princípios de Mendel em outros O ARTIGO SOBRE segunda edição de Mendel’s
principles of heredity de
organismos obtendo resultados próximos PLANTAS HÍBRIDAS Bateson (1913), é a utilizada
aos de Mendel. Foi Bateson quem intro- Ao iniciar seu artigo, Mendel comentou so- neste artigo.
duziu a versão inglesa do artigo de Mendel, bre o resultado das investigações feitas por
originalmente publicado em alemão, para outros hibridistas que também haviam sido
os povos de língua inglesa. mencionados por Darwin, como Kölreuter,
O objetivo deste artigo é colocar em dis- Gärtner e Wichura e da busca até então in-
cussão as contribuições de Mendel presen- frutífera por uma lei que governasse a for-
tes em sua publicação de 1866, em que ele mação de híbridos. Embora soubesse que,
tratou dos padrões que regem a formação para atingir esse objetivo, seria necessário
de híbridos em ervilhas do gênero Pisum e estudar diferentes ordens de vegetais, res-
comentar brevemente sobre seus desdobra- tringiu-se ao estudo de ervilhas do gênero
mentos. Porém, antes disso, consideramos Pisum.
importante oferecer algumas informações Mendel não escolheu o material experimen-
sobre a formação de Mendel. tal de modo aleatório. Ele procurava plantas
cujo cultivo fosse fácil e que pudessem se
A FORMAÇÃO DE MENDEL desenvolver em um curto período de tem-
Filho de camponeses, Mendel obteve sua po, o que se aplicava às ervilhas. Baseou-se
formação inicial e posterior em Filosofia na também em outros critérios. Em primeiro
região que corresponde atualmente à atual lugar, as características que diferenciassem
Segundo Mendel, a maioria
República Checa. Em 1843 foi admitido as ervilhas deviam ser constantes, ou seja, as pertencia à espécie Pisum
como noviço no Monastério de St Thomas, linhagens deviam ser puras, sem variabili- sativum, enquanto outras
em Brno. No período compreendido entre dade significativa. Nesse sentido, ele testou, pertenciam às espécies
1851 e 1853 estudou na Universidade de durante dois anos, a constância de caracte- independentes, como Pisum
quadratum, Pisum saccharatum
Viena. É importante mencionar que du- rísticas de 34 variedades de ervilhas do gê- e Pisum umbellatum (MARTINS,
2002, p. 30).
detectar quantas das plantas da geração F2 produziam uma parte de descendentes hí-
eram puras ou híbridas, chegando à conclu- bridos e uma parte de plantas cuja descen-
são de que a distribuição de características dência era constante. Supôs que nos casos
em F2 obedecia à seguinte proporção: de descendência constante isso só poderia
ocorrer se o pólen e o óvulo tivessem o mes-
AB, Ab, aB e ab – formas puras: 1
mo “caráter”. Ele comentou:
ABb, aBb, AaB, Aab – formas híbridas
“Devemos, portanto, considerar como
para um dos caracteres: 2
certo que fatores exatamente iguais de- O termo que Mendel utilizava
AaBb – formas híbridas para os dois ca- vem também estar atuando na produção e que comumente é traduzido
racteres: 4 das formas constantes nas plantas híbri- por “fator” era a palavra alemã
das. Como as várias formas constantes “Anlage”, que significa aptidão,
Ele representou o resultado pela fórmula: capacidade, potencialidade.
são produzidas em uma planta, ou mes-
AB + Ab + aB + ab + 2ABb + 2aBb (MARTINS, 2002, p. 34).
mo em uma flor de uma planta, parece
+ 2AaB + 2Aab + 4AaBb lógica a conclusão de que nos ovários dos
Mendel indicou que o resultado era exata- híbridos são formados tantos tipos dife-
mente o que se esperaria combinando as rentes de células de óvulos, e nas anteras
expressões: tantos tipos diferentes de células de pó-
len, quantas são as formas possíveis de
A + 2Aa + a
combinação; e que essas células do óvulo
B + 2Bb + b e pólen concordam em sua composição
interna com as das formas separadas”
ou seja, apareciam todas as combinações
(MENDEL 1866/BATESON, 1913
possíveis, nas proporções esperadas (MEN-
p. 356-357). Se multiplicarmos a primeira
DEL 1866/BATESON, 1913, p. 353).
dessas expressões pela segunda,
Algo semelhante ocorreu na série de ex- Para explicar os resultados obtidos, Men-
obteremos a expressão acima,
perimentos com três caracteres distintos del supôs que era possível que fossem for- com uma diferença: aparecerão
(MENDEL 1866/BATESON,1913, p. mados todos os tipos de óvulo e de pólen termos A², B², a², b² com A, B,
354-5), ou seja, ocorria o que passou a ser em números iguais. Em seguida, para testar a e b – ou, se quisermos, AA,
chamado, mais tarde, de segregação inde- tal hipótese, realizou a fertilização artificial BB, aa e bb – como na notação
que utilizamos atualmente (ver
pendente de fatores. de híbridos com pólen de plantas puras e MARTINS, 2002, p. 33).
fertilização de plantas puras com pólen de
A partir dos cruzamentos efetuados, con-
híbridos, prevendo as proporções que deve-
cluiu que era possível obter todas as dife-
riam resultar em cada cruzamento. Por fim,
rentes combinações dos caracteres dos pro-
concluiu:
genitores. Embora houvesse mencionado a
necessidade de procurar as leis que gover- “Experimentalmente, portanto, foi con-
navam a formação e desenvolvimento dos firmada a teoria de que os híbridos de
híbridos no início desse artigo, em nenhum ervilha formam células de óvulos e de
instante Mendel numerou ou identificou pólen que, em sua constituição, represen-
suas “leis”. A identificação das “leis de Men- tam em números iguais todas as formas
del” foi um trabalho feito posteriormente, constantes que resultam da combinação
no início do século XX. dos caracteres unidos na fertilização”.
(Mendel 1866/Bateson, 1913, p. 361)
EXPLICAÇÃO DOS Após finalizar os experimentos com ervi-
RESULTADOS lhas, estudou a produção de híbridos em
EM TERMOS CITOLÓGICOS outros vegetais como os resultantes do cru-
zamento de Phaseolus nanus com Phaseolus
Além de descrever os padrões encontrados
vulgaris, por exemplo. Porém, em alguns
nos resultados dos cruzamentos, Mendel
casos encontrou resultados mais complexos
procurou explicar o que ocorria nas células
que demandavam explicação diferente das
germinativas dos híbridos. Ele havia obser-
aplicadas às ervilhas (veja MATIOLI; EG-
vado que os híbridos, por autofecundação,
GER, nesta edição).
O
Mendel
que
não
era
mendelista
Figura 1.
Sir Francis Galton, durante os
Outra descoberta de Galton refere-se à lei pais com medidas superiores (em valor) anos 1850. (Fonte: Wikimedia
commons. Domínio público).
da regressão para a mediocridade. Galton, à média da população teriam filhos com
verificou, através da comparação de me- medidas menores que a média dos pais,
didas entre pais e filhos, que existia uma enquanto pais com medidas inferiores que
tendência intrínseca para que as medidas a média da população teriam filhos com
de uma geração “retornassem” à média medidas superiores que a média dos pais
da geração anterior. Em outras palavras, (Figura 2).
Figura 2.
Lei da regressão para a
mediocridade de Galton. A Os pesquisadores que seguiram pesqui- chermak e Correns. A partir do cruzamen-
linha azul representa os valores sando na mesma linha que Galton ficaram to entre variedades de plantas, as leis de
que os filhos deveriam ter se
conhecidos como “biometricistas”, exata- Mendel que se referiam a fatores hereditá-
possuíssem a mesma média de
um caráter que os pais. A linha mente por adotarem a postura de medir rios de natureza particulada, pareciam ser
verde representa a linha que características biológicas. gerais (Figura 3). Começou nesse momen-
passa mais proximamente dos to aquilo que se configurou como a grande
valores reais. Enquanto os biometricistas desenvolviam a
disputa científica pela hereditariedade que
sua teoria para a hereditariedade, ocorreu,
durou quase duas décadas no começo do
em 1900, a redescoberta das leis de Men-
século XX.
del, feita por três pesquisadores, Vries, Ts-
Figura 3.
Herança particulada tal como
abstraída por Mendel. Ainda não
havia os termos “homozigoto” Aqueles que defendiam a generalidade das as leis da hereditariedade sob a perspectiva
e “heterozigoto”, mas Mendel leis de Mendel, relativas a partículas ou fa- biométrica tinham uma noção da evolução
representava uma só letra para tores hereditários que determinavam a quali- biológica mais próxima da de Charles Da-
os homozigotos. Atualmente dade de caracteres biológicos ficaram conhe- rwin, que enfatizou bastante em sua obra
as plantas parentais seriam
representadas por “AA” e “aa”. cidos como “mendelistas”. Os que estudavam que a seleção natural agia sobre diferenças
Figura 4.
Interpretação de Nilsson-Ehle
para a gradação de cores
obtidas na segunda geração
de um cruzamento entre
linhagens de trigo com cores de
espigas diferentes. Ele propôs
a contribuição de três pares de
fatores mendelianos com efeito
aditivo, em que cada fator que
viesse da linhagem vermelho
escura adicionava um pouco de
intensidade de cor vermelha à
espiga.
Figura 5.
Experimento de cruzamento
entre espécies de Phaseolus
(feijão) realizado por Mendel
mostrando o resultado referente
à coloração da semente,
baseado na descrição no
texto aqui traduzido. Mendel
considerou a intervenção “Entretanto, mesmo esses resultados enig- gundo aspecto é a grande humildade na sua
de dois pares de fatores máticos provavelmente podem ser ex- postura com relação aos resultados. Mendel
independentes para explicar plicados pela mesma lei que rege Pisum não passa por cima de qualquer detalhe, nem
esse resultado segundo sua
hipótese.
se supusermos que a cor das flores e das “varre para debaixo do tapete” os fatos que
sementes de Ph. multiflorus é uma com- não se apresentam como consistentes com as
binação de duas ou mais cores completa- suas ideias. Boa leitura!
mente independentes, assim como aconte-
ce com os demais caracteres das plantas”. REFERÊNCIAS
A tradução do artigo de Mendel para o Por- FISHER, R.A. The correlation between relati-
tuguês, que foi publicada em uma edição ves on the supposition of Mendelian inheri-
anterior da Genética na Escola (v.8, n.1, p. tance. Philosophical Transactions of the Royal
Society of Edinburgh, v. 52, p. 399-433, 1918.
88-103, 2013), não incluiu o trecho corres-
pondente a essas possibilidades, mas nós o MENDEL, G. Versuche über Plflanzen-hybri-
traduzimos para o português e aqui publi- den. Verhandlungen des naturforschenden Ve-
camos, a partir da mesma versão em inglês reines in Brünn, v.4, p. 3–47, 1866 (fac símile
disponível em http://www.esp.org/founda-
proporcionada por William Bateson, mas
tions/genetics/classical/gm-65-f.pdf )
também revisada em contraste com o origi-
nal em alemão. BRAVAIS, A. Analyse Mathematique sur les
Probabilites des Erreurs de Situation d’un
A leitura desse trecho não tão famoso como Point,” Memoires par divers Savan, v. 9, p.
o trecho anterior vale a pena por dois aspec- 255-332, 1846]
tos, além do seu já mencionado vislumbre
PROVINE, W. The Origins of Theoretical Popu-
das leis da genética quantitativa. Assim como lation Genetics. University of Chicago Press.
no trecho anterior, Mendel é bastante cuida- 1971.
doso e minucioso em suas observações. O se-
Experimentos com
híbridos de outras
espécies de plantas*
* A primeira parte da tradução do artigo de Gregor Mendel foi publicada pela revista Genética na Escola v.8, n.1, p.88-103, 2013.
Artigo original:
MENDEL, GREGOR Versuche über Plflanzenhybriden. Verhandlungendes naturforschenden
Vereines in Brünn, Bd. IV für das Jahr 1865, Abhandlungen, 3–47. Apresentado nas reuniões de 08 de
fevereiro e 08 de março de 1865 da Sociedade de História Natural de Brünn.
http://www.mendelweb.org/MWGerText.html
A cor verde, a forma inflada da vagem e o Ph. nanus apareceram logo na primeira gera-
caule longo foram, como em Pisum, caracte- ção de híbridos em uma única planta bastan-
res dominantes. te fértil, mas as trinta outras plantas desen-
volveram cores de várias gradações, desde o
Outro experimento com duas espécies bas-
vermelho púrpura ao violeta pálido. As cores
tante diferentes de Phaseolus teve somente
apresentadas pelos revestimentos das semen-
um resultado parcial. Phaseolus nanus L. ser-
tes não foram menos variadas que as cores
viu como semente parental [planta materna],
das flores. Nenhuma dessas plantas poderia
uma espécie perfeitamente constante, com
ser classificada como completamente fértil,
flores brancas em cachos curtos, e sementes
sendo que muitas sequer produziram fru-
pequenas, e brancas em vagens retilíneas in-
tos. Outras plantas desenvolveram sementes
fladas e lisas. Como pólen parental [planta
somente a partir das últimas flores e assim
paterna] foi usado Ph. multiflorus W., com
mesmo não maturaram. Somente se obteve
tronco alto e trepador, flores rubras dispostas
sementes bem desenvolvidas de 15 dessas
em longos cachos, vagens ásperas em forma
plantas. A maior propensão para a infertili-
de lua crescente e grandes sementes de cor
dade foi observada nos cachos que possuíam
pêssego avermelhado com manchas negras.
preponderantemente flores vermelhas, pois
Os híbridos foram mais semelhantes com o de 16 dessas plantas, somente 4 sementes
pólen parental [planta paterna], mas as flo- maduras foram obtidas. Três das sementes
res apareceram menos intensamente colori- apresentavam um padrão de desenho seme-
das. Sua fertilidade era muito limitada; das lhante àquele de Ph. multiflorus, mas com
17 plantas, das quais, no total, desenvolve- uma cor de fundo mais ou menos pálida. A
ram muitas centenas de flores, foram obtidas quarta planta produziu apenas uma única
apenas 49 sementes. Estas eram de tama- semente de cor marrom uniforme. As plan-
nho médio, tinham coloração semelhante à tas com flores preponderantemente violeta
de Ph. Multiflorus, inclusive a cor de fundo produziram sementes de coloração castanho
não era muito distinta. No ano seguinte, 44 escuro ou completamente negras.
plantas foram cultivadas a partir destas se-
O experimento continuou por mais duas
mentes, das quais apenas 31 chegaram à fase
gerações sob circunstâncias igualmente
de floração. Os caracteres de Ph. nanus, que
desfavoráveis, já que, mesmo entre os des-
estiveram completamente latentes nos híbri-
cendentes de plantas bastante férteis havia
dos, reapareceram em várias combinações; as
plantas menos férteis ou até mesmo com-
suas proporções, no entanto, com relação às
pletamente estéreis. Não apareceram outras
plantas dominantes eram, como esperado,
cores de flores ou de sementes além daque-
necessariamente muito flutuantes, devido
las previamente citadas. As características
ao pequeno número de plantas analisadas.
que tinham comportamento recessivo na
Certos caracteres, como o tamanho do caule
primeira geração permaneceram assim, sem
e a forma de cápsula, mostravam proporções
exceção. Daquelas plantas que possuíam flo-
de quase exatamente 1: 3, como no caso de
res violetas e sementes marrons ou negras,
Pisum.
algumas delas não variaram quanto a esses
Os resultados desses experimentos podem aspectos nas próximas gerações; a maioria,
ser insignificantes com relação à determina- no entanto, produziu descendência idêntica
ção das proporções das várias características, a elas enquanto algumas produziram flores
mas, por outro lado, revelaram um fenôme- e tegumento branco. As plantas com flores
no notável na mudança das cores das flores e vermelhas permaneceram tão pouco férteis
das sementes nos híbridos. Em Pisum, sabe- que nada pode ser dito com certeza a respei-
-se que as cores das flores e das sementes se to de seu desenvolvimento daí por diante.
mantém inalteradas na primeira e nas demais
Apesar dos diversos problemas que as ob-
gerações e que os híbridos adotam uma das
servações tiveram de enfrentar, parece que os
cores das plantas parentais. No experimento
experimentos com a produção de híbridos,
que estamos considerando isso é diferente. A
com relação à forma das plantas, seguem as
coloração branca das flores e das sementes de
to incompleto que acabamos de descrever. gidos pela quilha, constituem uma notável
Seria, no entanto, muito proveitoso seguir exceção. Também aqui surgiram numero-
observando o desenvolvimento das cores nos sas variedades em condições muito diversas
híbridos em experimentos similares, pois ocorridas durante os mais de 1000 anos de
é provável que, dessa forma, poderíamos cultivo. Em condições de vida estáveis, en-
aprender o significado da variedade extraor- tretanto, estas permaneceriam autônomas e
dinária na coloração de nossas flores orna- independentes, como se crescessem na natu-
mentais. reza.
Até o momento, com certeza não se sabe É mais do que provável que, no que se diz res-
muito mais além do fato de que a cor das flo- peito à variabilidade das plantas cultivadas,
res na maioria das plantas ornamentais é um existe um fator que tem recebido pouca aten-
caráter extremamente variável. Tem sido fre- ção até então. Várias experiências nos forçam
quentemente comentado que a estabilidade a concluir que nossas plantas cultivadas, com
das espécies seria fortemente perturbada ou poucas exceções, são membros de distintas
até mesmo sobrepujada pelo cultivo, conse- séries híbridas, cujo desenvolvimento, com
quentemente consideram-se as formas cul- o passar do tempo, foi modificado e atrasa-
tivadas como resultado aleatório desprovido do através de frequentes cruzamentos entre
de regras; a coloração de plantas ornamentais os membros. Não se pode ignorar o fato de
é na verdade frequentemente citada como que as plantas são cultivadas em grande nú-
um exemplo de enorme instabilidade. Entre- mero e de forma conjunta, proporcionando
tanto, não é compreensível porque a simples uma oportunidade favorável para a fertili-
transferência para o solo do jardim resultaria zação cruzada entre as espécies e variedades
em uma revolução tão radical e persistente presentes. Essa possibilidade é apoiada pelo
no organismo vegetal. Ninguém ira seria- fato de que são encontrados sempre alguns
mente argumentar que, no campo aberto, o poucos exemplares dentre a enorme gama de
desenvolvimento das plantas é regido por leis variedades, que permanecem com as carac-
diferentes daquelas que existem no canteiro terísticas constantes, se a influência externa
do jardim. Aqui, como lá, as alterações típi- for cuidadosamente excluída. Estas formas
cas devem ocorrer se as condições vitais para se desenvolvem precisamente como aqueles
uma espécie são alteradas, e a espécie possuir membros de uma série híbrida composta.
a capacidade de adaptar-se às novas condi- Mesmo quanto ao caráter mais sensível entre
ções. Admite-se que, através do cultivo e o todos, o da cor, não se pode deixar de per-
trabalho humano, se favorece o surgimento ceber que as diferentes formas apresentam
de novas variedades, que, sob circunstâncias tendências distintas para a variação. Entre
naturais, teriam sido perdidas; mas nada as plantas que surgem de uma fertilização
justifica a premissa de que a tendência para espontânea frequentemente há aquelas cujos
a formação de variedades é tão extraordina- descendentes variam amplamente na cons-
riamente aumentada que a espécie rapida- tituição e no arranjo das cores, enquanto
mente perde toda autonomia e estabilidade, há outras que apresentam apenas desvios
e que sua descendência apresente uma série discretos e, dentre um número maior de
interminável de formas extremamente variá- exemplos algumas plantas que transmitem a
veis. Se a mudança nas condições do vegetal coloração de suas flores diretamente e sem
fosse a única causa da variabilidade, poder- alterações para os seus descendentes. As es-
-se-ia esperar que aquelas plantas cultivadas pécies cultivadas de Dianthus fornecem um
que crescem há séculos sob condições quase exemplo instrutivo. Um exemplar de flores
idênticas conseguiriam atingir constância e brancas de Dianthus caryophyllus, originário
autonomia novamente. Isso, sabe-se muito de uma planta de flores igualmente brancas,
bem, não é o caso, já que é precisamente sob permaneceu, durante o período de floração,
tais circunstâncias que não somente as for- isolado em uma estufa; as numerosas semen-
mas mais variadas, mas também as formas tes obtidas a partir dessa planta produziram
mais variáveis são encontradas. Somente as somente plantas com flores brancas. Um
Leguminosae, tais como Pisum, Phaseolus e resultado semelhante foi obtido a partir de
Lens, cujos órgãos de fertilização são prote- uma planta com flores vermelhas de brilho
violeta e uma com flores brancas listradas de -se tanto a um dos tipos parentais, que po-
vermelho. Muitas outras plantas, que foram dem se tornar, às vezes, indistinguíveis deles.
isoladas de forma semelhante, produziram De suas sementes geralmente germinam vá-
descendentes com colorações e desenhos va- rias formas que diferem do tipo normal se a
riados. fecundação foi feita pelo seu próprio pólen.
Como regra, a maioria dos indivíduos obti-
Quem estuda a variedade de coloração que
dos por fertilização mantém a forma híbrida,
resulta da fertilização de um mesmo tipo de
alguns poucos se assemelham à planta que
cruzamento entre plantas ornamentais, não
recebeu o pólen [materna] e um ou outro se
poderá negar que aqui também o desenvolvi-
assemelha com a planta que forneceu o pólen
mento segue uma lei especifica que, possivel-
[paterna]. Isso, entretanto, não acontece com
mente se expressa através da combinação de
todos os híbridos. Algumas vezes parte da
vários caracteres de cor independentes.
prole aproxima-se de um dos estoques origi-
nais, e outra parte aproxima-se do outro; ou
então a prole inteira se assemelha à planta hí-
brida e assim permanece através das gerações.
Os híbridos das variedades comportam-se
como os híbridos das espécies, mas possuem
maior variabilidade de formas e uma tendên-
cia mais pronunciada para reverterem-se aos
tipos originais.
No que se refere à forma dos híbridos e ao
seu desenvolvimento mais comum, a concor-
dância com as observações feitas com Pisum
é inegável. A situação é diferente com os
casos excepcionais citados. Gärtner admite
que a determinação exata da forma da pro-
le implica grande dificuldade, pois depende
da subjetividade do observador. Entretanto,
outro fator pode contribuir para tornar os
resultados flutuantes e incertos, mesmo sob
observação das mais cuidadosas e diferen-
ciadas. Para os experimentos, na maioria das
vezes, foram utilizadas plantas classificadas
como boas, diferenciadas por um grande
número de caracteres. Além dos caracteres
conspícuos e bem definidos, naqueles em que
a semelhança é uma questão de grau, deve-se
levar em conta que aquilo que é às vezes di-
fícil para se definir com palavras é suficiente,
como todo especialista em plantas sabe, para
atribuir às formas uma aparência peculiar.
Quando se aceita que o desenvolvimento dos
NOTAS CONCLUSIVAS híbridos segue as leis válidas para Pisum, a
Não deixa de ser interessante comparar as série em cada experimento separado deveria
observações feitas com Pisum com os resulta- conter muitíssimas formas, pois o número de
dos obtidos por duas autoridades nesse ramo termos, como se sabe, aumenta com o cubo
do conhecimento, Kölreuter e Gärtner. De do número de caracteres diferenciadores.
acordo com a opinião compartilhada de am- Com um número relativamente pequeno de
bos, os híbridos, em sua aparência externa, plantas experimentais os resultados podem
ora possuem uma aparência intermediária ser somente aproximadamente corretos, e
entre as espécies originais, ora assemelham- em casos isolados, podem flutuar considera-
velmente. Se, por exemplo, os dois estoques Nós nos deparamos com uma diferença es-
originais diferem quanto a sete caracteres e sencial naqueles híbridos cuja prole perma-
foram produzidas 100 a 200 plantas híbri- nece constante e que se reproduzem como
das a partir deste cruzamento para deter- verdadeiras espécies puras. Segundo Gär-
minar o grau de semelhança física da prole, tner, a esta classe pertencem os híbridos
podemos facilmente verificar o quão incerta extremamente férteis de Aquilegia atropur-
a determinação pode se tornar, uma vez que, purea canadensis, Lavatera pseudolbia thurin-
para 7 caracteres diferenciadores a série de giaca, Geum urbano-rivale, alguns híbridos
combinações possíveis contém 16.384 indi- de Dianthus; e, de acordo com Wichura, os
víduos classificados com 2.187 combinações híbridos da família do salgueiro. Para a his-
diferentes. O grau de semelhança com uma tória evolutiva das plantas esta circunstância
ou outra planta parental poderia variar subs- é de especial importância, uma vez que os
tancialmente, dependendo do acaso com que híbridos constantes adquirem o estado de
esta ou aquela forma final aparecer mais fre- novos tipos distintos. A exatidão dos fatos
quentemente diante do observador. Se, além é garantida por observadores eminentes, e
disso, aparecerem entre os caracteres diferen- não pode ser posta em dúvida. Gärtner teve
ciadores, alguns de herança dominante, que a oportunidade de acompanhar Dianthus
são transmitidos quase ou completamente armeria deltoides até a décima geração, uma
inalterados para os híbridos, esperamos en- vez que esta planta se propagou espontanea-
contrar na prole uma proporção maior de mente no seu jardim. * Em Pisum, não há dúvida
plantas semelhantes àquela planta mãe do de que, para a formação do
Com Pisum foi demonstrado experimental-
estoque original que contiver o maior núme- novo embrião, deve haver
mente que os híbridos formam ovos e pólens
ro de características dominantes. Na experi- uma união perfeita entre os
de tipos diferentes, residindo neles a razão elementos de ambas as células
ência descrita com Pisum, na qual havia três
da variabilidade da sua descendência. Simi- reprodutivas. Como poderíamos
tipos de caracteres diferentes, todos os carac-
larmente, em outros híbridos, cujos descen- explicar de outra forma que,
teres dominantes pertenciam ao progenitor dentre os descendentes dos
dentes se comportam de forma semelhante,
paterno. Embora na prole houvesse repre- híbridos, ambos os tipos
podemos assumir uma causa parecida; para originais reaparecem em
sentantes semelhantes a ambos os estoques
aqueles que, por outro lado, permanecem igual número e com todas
originais, o tipo da planta paterna sobrepu-
constantes, parece justificável supor que as as suas peculiaridades? Se a
jou tanto, que dentre 64 plantas da primeira influência da célula-ovo [óvulo]
suas células reprodutivas são todas iguais
geração, 54 eram idênticas à paterna ou so- sobre a célula do pólen fosse
correspondendo à célula híbrida original.
mente se diferenciavam quanto a uma única apenas externa, se somente
Na opinião de fisiologistas de renome, nas desempenhasse o papel
das características. Com isso se vê o quão le-
Fanerógamas unem-se, para o propósito da nutritivo, então o resultado
viano pode ser inferir a natureza interna dos
reprodução, uma célula de pólen e uma de das fertilizações artificiais não
híbridos baseando-se nas suas semelhanças poderia ser outro senão que
ovo [óvulo], para formar uma única célula*,
externas. os híbridos desenvolvidos
que é capaz, por assimilação de nutrientes, deveriam assemelhar-se
Gärtner menciona que, nos casos em que o e formação de novas células, tornar-se um única e exatamente com o
desenvolvimento foi regular dentre a prole organismo independente. Este desenvolvi- pai fornecedor do pólen,
dos híbridos, não houve plantas idênticas mento segue uma lei constante, que se baseia ou pelo menos, lhe ser
bastante próximo. Nada
aos dois estoques originais, e que apenas uns sobre a composição material e a disposição
disto foi comprovado pelos
poucos indivíduos se assemelhavam a eles. dos elementos que na célula alcançam uma experimentos até agora. Uma
Com uma série de desenvolvimento muito união vivificante. Se as células reprodutivas prova contundente da união
maior, isso não poderia ser de outra forma. são iguais entre si e correspondem ao ovo completa dos conteúdos de
Para sete caracteres diferenciadores, por [óvulo] da planta mãe, o desenvolvimento ambas as células é a experiência
sempre compartilhada, de que
exemplo, ocorrem, entre os mais de 16.000 do novo indivíduo irá seguir a mesma lei que a forma do híbrido é igual,
indivíduos - proles dos híbridos – somente 2 rege a planta mãe. Se houver a possibilidade independentemente da planta
plantas idênticas às plantas do estoque origi- de um ovo [óvulo] se unir com uma célula original fornecer pólen ou ovo
nal. Por conseguinte, é praticamente impos- de pólen dissimilar, devemos então esperar [óvulo].
sível que estas apareçam entre um pequeno uma complementação entre esses elementos
número de plantas experimentais; com algu- distintos. A célula resultante torna-se a base
ma probabilidade, no entanto, podemos con- do organismo híbrido, cujo desenvolvimen-
tar com o aparecimento de algumas formas to segue necessariamente um esquema dife-
semelhantes. rente daquele de cada uma das duas plantas
no terceiro ano do experimento disponíveis to; com o segundo, a seleção teve de ser feita
para a seleção representando as 32 formas de forma aleatória, apenas. Destas últimas
possíveis para cruzamentos posteriores; com apenas uma porção das flores foram cruza-
o segundo experimento, A/B, resultaram 73 das com o pólen A, as outras foram deixadas
plantas que pareciam idênticas à planta pa- para fertilizarem-se consigo mesmas. Den-
terna, mas que em sua composição interna, tre as 5 plantas que foram selecionados em
no entanto, devem ter sido tão variadas como ambos os experimentos para a fertilização,
as formas resultantes do experimento ante- houve concordância com a planta paterna
rior. Uma seleção controlada foi, portanto, durante no cultivo do próximo ano, da ma-
somente possível com o primeiro experimen- neira mostrada abaixo:
3 plantas -- -- em 4 caracteres
-- -- 2 plantas em 3 caracteres
-- -- 2 plantas em 2 caracteres
-- -- 1 planta em 1 caráter
Antes de Mendel:
Joseph Koelreuter
e as pesquisas de
hibridização de plantas
A
utilizado no sentido empregado
contribuição de Gregor Mendel (1822-
por Mendel e seus antecessores e
contemporâneos, incluindo tanto 1884) para os estudos da hereditarieda-
cruzamento de espécies como de é bastante conhecida. No entanto, ainda
de variedades pouco diferentes que o tema já tenha sido muito discutido
(MARTINS, 1997, p. 3-3). No entre historiadores da Genética, é menos di-
século anterior, Carl von Linné
(1707-1778), por exemplo, fundida a inserção de Mendel na tradição de Divisão administrativa
considerava que qualquer planta trabalhos de hibridização de plantas, reali- independente desde o século
que apresentasse caracteres zados nos séculos XVIII e XIX. XIV, a Moravia passou a ser
intermediários entre aqueles governada como um domínio
de duas outras espécies bem Conhecer esse contexto é o caminho para da coroa do Império Austríaco
conhecidas, seria um híbrido, uma desconstruir a imagem historicamente equi- em 1804, passando ao Império
nova espécie (OLBY, 1985, p. 3). Austro-húngaro em 1867.
vocada a respeito de Mendel como uma fi- Em 1918 foi incorporada à
gura isolada, seja científica, seja geografica- Tchecoslováquia, tornada
mente (OLBY, 1985); (GLIBOFF, 2015). República Checa, em 1993.
O mosteiro Agostiniano de St. Thomas em Embora tenha deixado de ser uma
Pronuncia-se “Bruno”, em unidade de território em reforma
que Mendel desenvolveu seus experimentos
checo, embora a cidade também administrativa do governo
seja referida em outras línguas, não ficava em um recôndito desconhecido da comunista em 1949, ainda é
como “Brünn”, em alemão Europa Central, mas na cidade histórica de reconhecida como uma região
(Wikipedia). Foi na vizinhança Brno – desde o século XI, um centro políti- específica na República Checa,
de Brno que se travou a Batalha co importante da Moravia. Por outro lado, cujos habitantes reconhecem sua
de Austerlitz em 1805. Devido identidade Moravia.
a sua posição geográfica e o trabalho de Mendel deve ser considerado
política estratégica, em 1809, dentro dos padrões da ciência de sua época.
foi escolhida pelo imperador Ele se inseria na comunidade botânica bas-
francês Napoleão Bonaparte para tante ativa da Moravia dos anos 1850 (RO-
pouso de suas tropas em meio
BERTS, 1929); (GLIBOFF, 1999).
à campanha contra Moscou,
passagem descrita no romance
Guerra e Paz, de Leon Tolstoi.
Koelreuter contrapunha essas ganhou o prêmio (OLBY, 1985, p. 4). Pos- fora dos grãos (Sachs [1875], 1906, pp.
ideias de Wilhelm Friedrich teriormente, novas e mais detalhadas evi- 410-411). Considerando que o óleo desem-
Gleichen Russworm (1717-
1783), cujas observações
dências experimentais foram fornecidas pelo penhava o papel fertilizante, usou as noções
microscópicas levaram-no a botânico alemão Joseph Gottlieb Koelreuter da química de sua época. Recusou a ideia de
considerar que os grãos de (1733-1806). que os grãos de pólen, eles próprios, alcan-
pólen eram correspondentes aos çassem o ovário. Então afirmou:
espermatozoides dos animais e
penetram nos óvulos promovendo
OS EXPERIMENTOS DE “Tanto as sementes masculinas quanto
modificações sucessivas até que HIBRIDIZAÇÃO DE PLANTAS a umidade feminina do estigma são de
se transformam em embriões
(SACHS [1875], p. 404; 411, DE KOELREUTER natureza oleosa, então, quando entram
1906). A reprodução sexuada de plantas dividiu os em contato ocasiona-se uma união ínti-
botânicos em diferentes tipos de investiga- ma entre as duas e se forma uma subs-
Mais tarde, contudo, novos
ção. Uns procuravam estabelecer se o pólen tância que, se a fertilização ocorrer, deve
experimentos fizeram-no recuar ser absorvida pelo estigma e transportada
da ideia de que a umidade era necessário à formação das sementes, con-
firmando a existência da reprodução sexua- através do estilete até os assim chamados
do estigma fosse o princípio
feminino (SACHS [1875], pp. da; outros, tomando-a por certa, dedicavam- óvulos ou germes não fertilizados”. (Koel-
411-412, 1906). -se a estabelecer o modo pelo qual o pólen reuter, 1761, apud Sachs [1875], 1906,
fecundava o óvulo. Neste segundo grupo, p. 411)
A descoberta do tubo polínico,
em 1823, foi o passo mais estavam os estudos de Joseph Gottlieb Ko- Ou seja, para ele a fertilização ocorria no es-
importante para eliminar as elreuter. tigma e a substância mista ali produzida, dos
dúvidas sobre a fertilização sexual
Eliminar as dúvidas sobre a fertilização se- óleos femininos e masculinos, era condu-
das plantas superiores (MORTON,
1981, p. 394). xual nas flores demandava, entre outros zida aos ovários onde produziam os embri-
aspectos, estabelecer como seria o contato ões na semente.
material entre o elemento feminino e o mas- Note-se que, assumindo a fertilização como
culino. Naquela época, o tubo polínico a produção de uma substância nova a par-
não era conhecido. Koelreuter concentrou- tir da mistura dos líquidos masculino e fe-
Pré-formação é a teoria de -se em determinar a quantidade de pólen minino, Koelreuter estava se opondo a uma
que um organismo, em certo
que é requerida para a fertilização de um teoria de reprodução difundida na época, a
sentido, está pré-formado desde
sua origem, precisando apenas ovário e comparou-a com o número de grãos pré-formação, seja ovista, seja animalcu-
desenvolver-se. Epigênese, de pólen de uma flor particular. Descobriu lista, e se colocando favorável à epigênese.
ao contrário, é a ideia de que o que o número necessário de grãos de pólen
organismo emerge gradualmente Koelreuter não duvidava da possibilidade
para que a fertilização ocorresse era bem
no processo embriológico. da produção de híbridos, mas considerava
menor do que aquele disponível numa flor.
que a natureza possuía modos de evitá-los.
Entre outras flores estudadas, no caso Hi-
Dedicou-se a descobrir quais eram esses
Koelreuter concluiu, com os biscus venetianus, contou 4.863 grãos de pó-
mecanismos ocultos (OLBY, 1985, p. 10).
resultados de seus experimentos, len e considerou apenas entre 50 e 60 grãos
que se os pólens da própria Para isso, procurou obter plantas híbridas e
como suficientes para promover mais de 30
espécie e de outra espécie passou a examinar a fertilidade das mesmas.
sementes férteis no ovário. Também estudou
chegam simultaneamente a Conseguiu o primeiro intento com plantas
um estigma, apenas o primeiro as formas pelas quais o pólen das anteras
de tabaco, no outono de 1760.
o fecunda, explicando por chega aos estigmas, incluindo a ação do ven-
essa razão por que os híbridos to e dos insetos. Descreveu os resultados obtidos em um pe-
artificiais não são encontrados na queno livro publicado no ano seguinte, Vor-
natureza. De suas observações microscópicas do grão
läufige Nachricht von einigen, das Geschlecht
de pólen, afirmou que era composto de duas
der Pflanzen betreffenden Versuchen (Notícia
cascas distintas, sendo, a externa, elástica
preliminar de experimentos e observações
e dotada de espinhas e rugosidades e, a in-
sobre alguns aspectos do sexo das plantas),
Plantas híbridas foram terna, de projeções cônicas que explodiam
relatando nada menos que 65 experimen-
obtidas antes de 1719 pelo e liberavam o conteúdo. Supôs então que
correspondente de Linné, tos de hibridização e investigações sobre
esse conteúdo era um “tecido celular” e que
Thomas Fairchild (?1667-1729), o mecanismo de polinização e fertilização.
a substância fertilizante era o óleo formado
a partir de duas espécies de Entre 1761 e 1766, publicou novos artigos
cravo, Dianthus caryophyllus e D. no seu interior de onde extravasava por fi-
em que a soma de experimentos realizados
barbatus (OLBY, , p. 18, 1985). nas passagens da casca e aderia ao lado de
subiu para 500 hibridizações de diferentes
plantas, envolvendo 138 espécies. Além dis- entre as duas espécies originais. Por sua vez,
so, examinou a forma, cor e o tamanho de do cruzamento desses primeiros híbridos
grãos de pólen de 1.000 espécies diferentes com uma das espécies originais nasceram
de plantas (OLBY, 1985, p. 5). Esses núme- plantas (híbridos F2) bem diferentes entre
ros contribuem para ilustrar como a investi- si, que se pareciam mais com uma, ou com
gação realizada por ele era um exemplo de outra das espécies originais do que com os
Em 1763, ele descreveu um
que o método experimental guiava estudos híbridos dos quais eram originários. número considerável de híbridos
sobre o funcionamento dos organismos vi- dos gêneros Nicotiana, Kedmia,
Mais tarde, e em contraste a Mendel que
vos no século XVIII (PRESTES, 2007); Dianthus, Matthiola, Hyoscyamus
procurava explicar esse contraste entre as e outras plantas.
(MELI, 2011, p. 269).
duas gerações em termos citológicos e esta-
O primeiro híbrido foi obtido ao colocar o tísticos, Koelreuter adotou uma perspectiva
pólen de Nicotiana paniculata no estigma de teológica e fez analogias alquímicas. Naque-
N. rustica, produzindo uma planta perfeita. la época já havia conhecimento de que da
Contudo, ao caírem as flores não geraram reação entre um ácido e um álcali formava-
frutos nem sementes, diferentemente das -se um sal – que não é nem ácido nem al-
plantas originais que produziam cerca de calino, mas neutro, ou seja, um interme-
50.000 sementes – contrastando-se a ferti- diário, como ocorria na planta híbrida F1.
lidade das espécies puras com a esterilidade Ele também estendia a analogia alquímica
do híbrido. Percebeu então que as formas para explicar a variabilidade e combinações
híbridas, além de estéreis, eram intermedi- possíveis das gerações subsequentes. Por
árias entre as formas parentais. outro lado, a uniformidade e aparência in-
termediária do híbrido F1 eram evidências
Koelreuter multiplicou então suas observa-
da perfeição do ato de criação divina que só
ções e experimentos de hibridização. Exa-
era quebrada pela intervenção humana ao
minou os grãos de pólen das flores da planta
provocar essas combinações híbridas não
híbrida ao microscópio percebendo que os
naturais. Dessa forma, considerava ainda
mesmos estavam encolhidos, praticamente
que seus experimentos não refutavam a Koelreuter promoveu ainda
sem fluídos materiais em seu interior, não
doutrina da fixidez das espécies. experimentos de híbridos até
passando de cascas vazias. Os grãos de pó-
a quinta geração, assim como
len estavam, portanto, claramente estéreis. Em alguns casos, Koelreuter ainda encon- experimentos de reversão de
Então, investigou se o mesmo ocorria com trou que os híbridos F2 eram comumente híbridos à forma original, pelo
os ovários. Para isso, polinizou ovários de de três tipos: os que se pareciam com as es- uso repetido de seu próprio
plantas híbridas com o pólen das espécies pécies avós, os que se pareciam com os pais pólen. Ele considerava que
apenas plantas próximas, e
originais (retro-cruzamento, como chama- F1 e os parecidos com as espécies avôs. Em mesmo assim, nem sempre, eram
do hoje). O resultado mostrou a fertilidade termos gerais, pode-se dizer que Koelreuter capazes de reprodução sexual.
dos ovários e a formação de novas plantas reconheceu, em termos qualitativos, as três
(hoje, híbridos F1). Novamente, testou a classes de segregação que, mais tarde, Men-
fertilidade dessa geração, promovendo a del encontrou na proporção 1:2:1 (OLBY,
autopolinização. Com tal procedimento, 1985, p. 14).
obteve nova geração de plantas (hoje, hí-
Koelreuter submeteu seus resultados expe-
bridos F2).
rimentais à análise de Linné. Mas nem o na-
Com esses estudos, pela primeira vez na turalista sueco, nem seus discípulos e a es-
história da Biologia, segundo Robert Olby, cola de sistematas do final do século XVIII
“descrições confiáveis e acuradas de pro- encamparam suas descobertas sobre os
dução de híbridos e seus descendentes são híbridos na literatura que produziram. Foi
disponibilizadas” (OLBY, 1985, p. 11). Ko- apenas posteriormente que os estudos de
Os trabalhos de Camerarius
elreuter ainda comparou o forte contraste Koelreuter, assim como os de Camerarius, e Koelreuter ficaram mais
entre as duas gerações híbridas obtidas: as acabaram reconhecidos como os que mais conhecidos quando reunidos
plantas obtidas pelo cruzamento de duas subsidiaram as leis gerais da reprodução se- pelo professor de Botânica em
espécies distintas (híbridos F1) eram muito xuada de plantas e da função sexual das flo- Praga, Johann Christian Mikan
(1769-1844) no livro R. J.
semelhantes entre si, manifestando na maio- res, contribuindo para o estabelecimento da Camerarius Opuscula Botanici
ria de seus caracteres aspecto intermediário existência desse tipo de reprodução vegetal. Argumenti, de 1797 (SACHS
[1875], p. 385, 1906).
O Mendel mítico
sob um olhar crítico:
o papel de Mendel
na história da Genética
Charbel N. El-Hani
Por Bateson, William - Mendel’s Principles of Heredity: A Defence, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4491025
GENÉTICA E SOCIEDADE
como uma solução para as dificuldades tra- que Mendel está tratando dos mesmos ele-
zidas pela expressão “caráter unitário” ("unit- mentos. Mas isso não resolve a questão, antes
-character”), que confundia o caráter com o a pressupõe.
potencial para exibir o caráter. Não conside-
Vejamos como o argumento de Mendel
ro crível que uma solução de tal modo de-
prossegue:
pendente de avanços da citologia e da cito-
genética, que tiveram lugar após o tempo de We must therefore regard it as certain
Mendel, pudesse ter ocorrido a ele. that exactly similar factors [Factoren]
Em português: “Devemos
portanto tomar como certo que must be at work also in the production
Uma lição interessante sobre como lidar com
fatores [Factoren] exatamente of the constant forms in the hybrid plants
documentos históricos aparece nesse caso,
similares também devem estar (Mendel 1866/1996, p. 20, grifo nos-
operando na produção das a qual vale a pena destacar aqui: problemas
so).*
formas constantes nas plantas importantes podem resultar das traduções
híbridas” (grifo nosso). que usamos, o que mostra a importância de Em princípio, o uso do termo ‘fator’ parece
examinar os originais. favorecer a leitura em termos de ‘potencial’.
Mas até que ponto isso decorre de estarmos
Para defender a interpretação que oferece
já acostumados a pensar que Mendel, ao es-
para o significado de “Merkmale”, Falk cita a
crever ‘fator’, estaria referindo-se ao que hoje
seguinte passagem de uma tradução inglesa
chamamos ‘genes’? Se nos ativermos à frase
do texto de Mendel:
citada acima, não fica realmente claro se os
In our experience we find everywhere fatores em questão são caracteres ou poten-
confirmation that constant progeny can ciais para exibir caracteres.
be formed only when germinal cells and
Ao ponderar sobre esse problema, imaginei
fertilizing pollen are alike, both endowed
que ajudaria examinar se Mendel usava os
with the potential for creating identi-
termos “Factoren” e “Anlage” com um mes-
cal individuals (Mendel 1866, p. 24, as
mo significado ao longo de todo o texto e se
quoted in Falk, 1986, pp. 135-136, gri-
esse significado poderia ser melhor reconci-
Em português: “Na nossa fo nosso).*
liado com uma leitura relativa ao caráter ou
experiência encontramos em
todo lugar confirmação de que Contudo, se examinamos a primeira tradu- a algum potencial responsável pela herança
progênie constante pode ser ção para o inglês, feita por Bateson, eis o que do caráter. Infelizmente, essas duas palavras
formada apenas quando células encontramos: aparecem somente uma vez em todo o artigo.
germinativas e pólen fertilizante O termo “Merkmale”, contudo, aparece 140
são similares, ambos dotados do So far as experience goes, we find it in ev-
vezes. Perguntei-me, então, se seria consis-
potencial para criar indivíduos ery case confirmed that constant progeny
idênticos” (grifo nosso). tente ler esse termo em todas as suas ocor-
can only be formed when the egg cells and
rências como se fizesse referência ao “caráter
the fertilizing pollen are of like character,
fenotípico” em si mesmo. Minha conclusão
so that both are provided with the mate-
foi a de que, na maioria dos casos, esta era
rial for creating quite similar individuals
uma leitura consistente. Isso foi decisivo para
(Mendel 1866/1996, p. 20, grifo nos-
que eu me convencesse de que Mendel cons-
Em português: “Até onde vai a so).*
experiência, vemos em todos os trói seu argumento, em todo o artigo, com
casos confirmado que progênie No original alemão, o termo é ‘Anlage’, tra- referência aos caracteres, ao fenótipo, sen-
constante só pode ser formada duzido como ‘potencial’ no texto usado por do difícil aceitar a interpretação de Falk de
quando células-ovo e pólen Falk, e como “material” na tradução de Bate- que ele estaria referindo-se a marcadores de
fertilizante são do mesmo caráter, son. Ambas as traduções podem ser admi- unidades hereditárias que carregariam ou se-
de modo que ambos são dotados
do material para criar indivíduos
tidas, de modo que não podemos resolver a riam o potencial para os caracteres. Simples-
bastante similares” (grifo nosso). situação apelando para algum possível erro mente pareceu excessivo interpretar os argu-
de tradução. O problema é que, nesse caso, mentos de Mendel como se apontassem para
a opção pela tradução “potencial” tem conse- unidades ou elementos hereditários a partir
quências importantes, porque sugere a ideia da ocorrência tão limitada de termos como
de elementos hereditários. Contudo, não há “Factoren”, “Anlage”, ou mesmo “Elemente”
razão para necessariamente optar por tal tra- (que ocorre dez vezes no texto), que podem
dução, salvo se já estivermos convencidos de ter vários significados.
Vale a pena perguntar-se, ainda, por que para os homozigotos dominantes ou reces-
Mendel não teria construído seu argumento sivos, mas somente a e A. Assim, ele parece
de modo mais explicito em termos de ele- representar os caracteres presentes em cada
mentos ou partículas hereditárias se esta era indivíduo, não pares de ‘fatores’ subjacentes
uma ideia com a qual estava lidando. Afinal, aos caracteres. Considere-se, por exemplo, a
todos os cientistas que estavam estudando seguinte passagem:
hereditariedade, na segunda metade do sé-
If A be taken as denoting one of the two
culo XIX, eram bem mais explícitos a este
constant characters, for instance the dom-
respeito, como mostram as gêmulas da teoria
inant, a, the recessive, and Aa the hybrid
da pangênese de Darwin, ou os determinan-
form in which both are conjoined, the ex-
tes de Weismann, ou os pangenes de Hugo
pression
de Vries. Claro, podemos considerar que
Mendel, como eu mesmo argumentei, não A + 2Aa + a
fazia parte da mesma comunidade. Contudo, shows the terms in the series for the prog-
sua formação em Física fornecia-lhe as bases eny of the hybrids of two differentiating
para postular a existência de partículas que characters (Mendel 1866/1996, pp. 13-
pudessem explicar seus resultados. Ainda 14).* Em português: “Se A for
assim, este é um argumento que não apare- entendido como denotando um
No entanto, como acontece com muitos dos dois caracteres constantes,
ce de modo explícito em seu texto, no qual por exemplo, o dominante, a, o
não temos mais do que um ou outro termo aspectos do trabalho de Mendel, há con-
recessivo, e Aa, a forma híbrida
sugestivo, ao qual lançamos significados que trovérsia em torno do que podemos derivar em que ambos estão combinados,
não estão aparentes, ao querermos ler neles dos símbolos por ele empregados. Alguns a expressão
– possivelmente – mais do que eles querem autores argumentam que o tratamento ma- A + 2Aa + a
dizer. Sem dúvida, há trechos no artigo que temático exposto por Mendel sugere que mostra os termos na série para a
parecem sugestivos de uma referência a ele- ele estaria pensando em termos de pares de progênie dos híbridos dos dois
caracteres, empregando, digamos, A em vez caracteres diferenciadores”.
mentos nos gametas que seriam potenciais
para os traços herdados, mas em nenhuma de AA apenas porque, em análise combina-
passagem parece inteiramente claro que é tória, cada elemento é representado somente
desses elementos nos gametas que Mendel uma vez, com exceção dos casos em que se
está tratando. lida com permutações. Contudo, mesmo que
o tratamento matemático seja feito conside-
Outro argumento a favor da ideia de que rando os pares AA e aa, isso não significa
Mendel estaria pensando em elementos he- necessariamente que Mendel estivesse traba-
reditários subjacentes aos caracteres poderia lhando com a ideia de fatores não observá-
basear-se em seu uso dos termos ‘dominan- veis, em vez de caracteres observáveis. Em português: “Daqui em
te’ e ‘recessivo’ (sempre como adjetivos, não diante nesse artigo aqueles
como substantivos correspondentes). Con- Poderíamos seguir apontando trechos ou caracteres que são transmitidos
tudo, é bem claro no texto original que ele aspectos particulares do argumento que inteiros, ou quase sem mudança
usa esses termos para referir-se aos próprios apoiam uma interpretação do texto de Men- na hibridização, e portanto
del que não apela à ideia de elementos here- constituem em si mesmos
caracteres. Por exemplo: os caracteres do híbrido, são
ditários não observáveis. Parece-me, contu-
Henceforth in this paper those charac- denominados os dominantes e,
do, que a melhor maneira de chegar a uma aqueles que se tornam latentes
ters which are transmitted entire, or al- conclusão a esse respeito é evitar um foco no processo, os recessivos”.
most unchanged in the hybridization, apenas sobre passagens isoladas do texto. Em
and therefore in themselves constitute vez disso, é mais proveitoso interpretar todo
the characters of the hybrid, are termed o texto como um único argumento e inferir,
the dominant, and those which become então, se ele é compreensível pensando em
latent in the process recessive (Mendel termos apenas de caracteres fenotípicos, ou
1866/1996, p. 7).* se sua compreensão demanda um papel cen-
É interessante notar um aspecto do texto de tral para a ideia de fatores ou elementos he-
Mendel que sugere a ausência da ideia de fa- reditários. É a partir de uma inferência dessa
tores presentes em formas variantes (domi- natureza, sobretudo, que alcancei a conclu-
nantes e recessivas); adotando uma notação são de que podemos entender o argumento
de Nägeli, ele não usava o símbolo aa e AA sem maiores dificuldades se pensarmos que
tal respeito na comunidade cientifica da épo- que fica obscurecida é a compreensão da his-
ca. Outro dos redescobridores, Carl Correns, tória e da natureza da ciência. A complexa
afirmou não entender por que de Vries havia história da construção da síntese evolutiva
assumido a dominância como regra geral, mostra claramente que Darwin jamais po-
após encontrar tantas características de ervi- deria ter antecipado o pensamento evolutivo
lhas e de outras plantas nas quais a dominân- em quase um século.
cia não é válida.
As origens do mito de que Darwin poderia
ter feito tal antecipação, caso conhecesse e
O QUE TERIA ACONTECIDO aceitasse as ideias de Mendel, podem ser tra-
SE DARWIN ACEITASSE çadas até o influente livro de William Bate-
A TEORIA DE MENDEL? son Mendel’s principles of heredity: A defense
(1902) em que podemos ler:
Outro mito comum – inclusive entre cien-
tistas – é o de que se Darwin tivesse conhe- Had Mendel’s work come into the hands
cido e aceitado a teoria de Mendel, teria se of Darwin, it is not too much to say that
engajado num trabalho teórico mais amplo, the history of the development of evolu-
que poderia ter ‘adiantado’ a história do pen- tionary philosophy would have been very
samento evolutivo em quase um século. Ou different from that which we have wit-
Em português: “Caso o
seja, o próprio Darwin poderia ter dado lar- nessed (Bateson 1902, p. 39).* trabalho de Mendel tivesse
gos passos na direção da síntese evolutiva de Numa edição posterior, encontramos a mes- chegado às mãos de Darwin,
meados do século XX. ma afirmação (p. 31) e, além dela, outro ar- não é exagero dizer que a
história do desenvolvimento
Esta é mais uma ideia insustentável, que ig- gumento similar: da filosofia evolutiva teria sido
nora uma série de aspectos históricos, alguns I rest easy in the certainty that had Men- muito diferente daquela que nós
deles relativamente óbvios. Primeiro, que testemunhamos”.
del’s paper come into his [Darwin’s]
Darwin teve conhecimento dos estudos de hands, those passages [about the views of
Mendel, o que muitos não sabem. Isso mos- evolutionary progress through blending]
tra que a questão central é se Darwin teria would have been immediately revised
ou não aceitado as ideias de Mendel. Um se- (Bateson 1909, p. 19).* Em português: “Eu fico
gundo aspecto, que é ignorado nessa ideia de tranquilo com a certeza de
que Darwin poderia ter dado um salto histó- Como não deveria causar espanto, a melhor que se o artigo de Mendel
maneira de interpretar essas passagens de tivesse chegado a suas mãos
rico até a síntese evolutiva, é que ele tinha sua [de Darwin], aquelas passagens
própria teoria da herança, a qual exibia uma Bateson é situá-las em seu contexto histó- [sobre as visões do progresso
série de desacordos com as ideias de Mendel rico. Essas afirmações devem ser entendidas evolutivo através da mistura]
sobre hibridização. A teoria da pangênese é no contexto das controvérsias entre Bateson teriam sido imediatamente
e os biometristas, seguidores de Galton, que revisadas”.
perdida de vista e isso leva a uma série de ila-
ções injustificadas sobre a falta de uma teoria insistiam no papel das variações contínuas
da hereditariedade como uma falha na teo- na evolução, em contraste com a ênfase de
rização de Darwin sobre evolução. Note-se Bateson sobre as variações descontínuas.
que, mesmo que a pangênese não tenha se Como os biometristas arregimentavam
mostrado aceitável para os contemporâneos Darwin para seu lado do debate, Bateson
de Darwin, esta é uma situação muito dis- estava tentando, com os argumentos cita-
tinta da suposição de que ele nunca teria lo- dos acima, trazer Darwin para o seu lado,
grado construir uma teoria sobre a herança. a partir de uma leitura comum antes de a
Além disso, ignora-se nesse relato mítico que herança poligênica ter sido proposta, isto
várias das ideias evolutivas que fizeram parte é, a de que o trabalho de Mendel apoiava a
da teoria sintética não se encontram nos ori- importância das variações descontínuas no
ginais de Darwin, a exemplo do papel cen- processo evolutivo.
tral da especiação geográfica e do isolamento O contexto desses debates mostra que o
reprodutivo. Ou seja, mesmo que Darwin fato de que nós, retrospectivamente, vemos
tivesse aceito a explicação de Mendel, não te- mendelismo e darwinismo como teorias
ria necessariamente avançado na direção da complementares é, em si mesmo, uma con-
síntese evolutiva. Nesse contexto, o Mendel sequência da própria síntese evolutiva. Nem
mítico encontra-se com o Darwin mítico. O Darwin, nem os primeiros geneticistas ou os
MENDEL COMO EXEMPLO somente com Pisum que ele fez experimen-
tos, mas também com outras plantas, como
DE UMA VISÃO IDEALIZADA Hieracium ou Phaseolus, que não replicaram
DOS GRANDES CIENTISTAS seus resultados obtidos com as ervilhas. Não
O exame da literatura histórica, lado a lado há dúvida de que Mendel foi um experimen-
com o trabalho original de Mendel, mostra tador habilidoso: é aos métodos que desen-
que a interpretação dos estudos deste cien- volveu para investigar os padrões obtidos em
tista e de sua contribuição para a ciência é cruzamentos que podemos atribuir seu im-
bastante polêmica. Nas salas de aula de Ci- pacto sobre a Genética nascente. Contudo,
ências, bem como no entendimento da maio- a descrição de seu trabalho científico exagera
ria dos profissionais que se dedicam à Gené- suas habilidades a ponto de obscurecer que,
tica, estas polêmicas estão ausentes. Trata-se como qualquer cientista, ele enfrentou difi-
de um caso de uma dificuldade mais geral no culdades e fez escolhas pouco produtivas no
uso da história da ciência na educação cien- planejamento de seus estudos.A narrativa
tífica, que é o predomínio de uma visão ide- dominante reveste-se de tons moralizantes
alizada dos grandes cientistas, que distorce a que se mostram problemáticos: defrontamo-
maneira como a ciência se desenvolve como -nos com a imagem paradigmática de um
uma atividade social. Como no caso de ou- cientista dedicado a um paciente e meticu-
tros desenvolvimentos científicos, como a loso trabalho quantitativo de contar ervilhas
teoria da seleção natural ou a mecânica clás- por muitas gerações, ao longo de muitos
sica, uma grande realização é explicada como anos, apenas para ser ignorado por seus con-
se fosse o trabalho de um único estudioso, temporâneos, que não teriam sido capazes
e não o produto de toda uma comunidade de apreciar a significância de seu trabalho.
científica. A redescoberta de Mendel torna-se, então, a
estória épica de um homem que ganhou re-
Como um sintoma de um problema mais
conhecimento após ter sido quase esquecido.
geral, a imagem mítica de Mendel tem con-
sequências importantes, até mesmo por ser No entanto, isso é feito à custa de distor-
uma das referências históricas mais comuns ções na descrição de seus experimentos. Por
no ensino de Ciências. Ela obscurece a pro- exemplo, é comum encontrarmos a afirma-
dução do conhecimento sobre a heredita- ção de que seus resultados experimentais
riedade na segunda metade do século XIX teriam mostrado que os sete pares de carac-
como um processo social. Em vez da história teres investigados eram herdados indepen-
complexa que levou à emergência da Gené- dentemente, apoiando, assim, a lei da segre-
tica na virada do século XIX para o século gação independente. Mas, Mendel relata, em
XX, temos somente a visão inadequada de seu artigo de 1866, cruzamentos diíbridos
que uma ciência poderia ter um fundador e triíbridos envolvendo apenas três dos sete
único. Somente uma figura fantástica, atem- caracteres. Quanto aos outros caracteres, ele
poral, dotada de uma suposta genialidade apenas comenta que realizou também cruza-
que o levaria a estar ‘à frente de seu tempo’, mentos nos quais estiveram envolvidos, ten-
poderia cumprir o papel que lhe é reservado do obtido aproximadamente os mesmos re-
nesse mito de origem. Deve-se notar, ainda, sultados. Esses resultados não são, contudo,
que há um claro tom moral nas descrições apresentados. O termo ‘aproximadamente’ é
de Mendel como um tipo ideal de cientista, chave nesse argumento porque, como bem se
imbuído de virtudes monásticas. O mito do sabe, segregação independente não ocorre se
monge trabalhando em isolamento dentro de os genes associados aos traços localizam-se
um mosteiro traz consigo a imagem de um no mesmo cromossomo (a não ser que este-
cientista exemplar, em busca apenas da ver- jam em loci muito distantes) e, como foi esta-
dade, e não de fama ou riqueza. Atributos de belecido um século depois, vários dos carac-
Mendel como sua capacidade de escolher o teres estudados por Mendel estão associados
organismo correto para estudar são destaca- a genes localizados nos mesmos cromosso-
dos, como meio de salientar sua genialidade, mos. Em particular, o relato dos resultados
enquanto se negligencia o fato de que não foi de experimentos de cruzamento diíbridos
Para ensinar
genética
mendeliana:
ervilhas ou
lóbulos de
orelha?
genes funcionam ao nível molecular e sur- Nos livros didáticos, diferentes exemplos são
giram as primeiras aplicações práticas des- utilizados, mas alguns são recorrentes: as
ses conhecimentos, com o desenvolvimento próprias ervilhas de Mendel, a cor dos olhos
de tecnologias baseadas na manipulação de e forma das asas das moscas das frutas, for-
DNA em diversas áreas, como na produção ma e cor de abóboras, os chifres em bovinos e
de organismos transgênicos, no desenvolvi- também várias características humanas como
mento de testes diagnósticos para doenças, o lóbulo da orelha ou a capacidade de enrolar
produção de fármacos, na identificação de a língua, o albinismo, entre outras. Em ge-
indivíduos e até mesmo na determinação de ral, o professor dispõe de tempo limitado e
paternidade. A prevalência dessas aplicações apenas alguns exemplos são desenvolvidos.
no nosso cotidiano é mais uma justificativa A escolha de um ou outro conjunto de expli-
para que as Leis de Mendel, ponto de partida cações e exercícios poderá ter consequências
de todo esse conhecimento, sejam ensinadas diversas e importantes (Figura 1). Ao esco-
na escola. lher os exemplos históricos como as caracte-
rísticas das ervilhas estudadas por Mendel,
A NECESSIDADE DE ou os mutantes de cor de olho de Drosophila,
CONTEXTUALIZAR o professor terá oportunidade de abordar
Em consonância com os documentos ofi- aspectos da história e desenvolvimento das
ciais curriculares e com as concepções mais descobertas científicas. Além disso, esses
contemporâneas de educação, os professores exemplos são conceitualmente corretos, ou
de Genética buscam contextualizar o ensino seja, abordam características com o exato pa-
desses conteúdos. A partir daí, surge a ques- drão de herança mendeliana, que é o que se
tão: Que exemplos usar? pretende ensinar.
Figura 1.
Vantagens e riscos de diferentes
de exemplos comumente
utilizados no ensino das Leis de
Mendel.
No entanto, o apelo histórico e a exatidão nos presentes nos oito livros aprovados no
científica não auxiliam na superação do dis- PLND de 2012 e disponíveis nas escolas.
tanciamento da realidade do aluno. Por mais A verificação desses caracteres no Banco de
bem estruturados que sejam os exemplos, Dados OMIM (Online Mendelian Inheritan-
muitas vezes ervilhas e moscas não desper- ce in Man, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
tarão interesse, o que pode ser um problema. omim), da Biblioteca Nacional de Medicina
Dois tipos de questões que surgem em sala dos EUA que tem por objetivo disponibili-
de aula representam bem essa situação: “Para zar informações atualizadas para a comuni-
que eu preciso saber de cor de olho de mos- dade científica na área biomédica, permitiu
ca?” “E a cor do olho da gente?” detectar que características como as citadas
acima não são exemplos exatos de herança
Para superar esse desinteresse e aproximar
mendeliana simples, monogênica; trata-se,
os exemplos do cotidiano dos alunos, uma
de fato, de herança poligênica ou multifa-
possibilidade é tratar das características de
torial, e que são imprecisamente utilizadas
animais domésticos que tenham padrões de
como exemplos de padrões da primeira e se-
herança desejados. Outra possibilidade é
gunda lei de Mendel.
abordar características humanas, pois assim
o próprio indivíduo, seus colegas e familiares Analisamos as descrições dos livros didáti-
passariam a ser “amostras observáveis”. Essa cos para cada uma destas características e as
última possibilidade costuma gerar um en- classificamos em categorias: erros conceitu-
volvimento muito maior dos estudantes, mas ais, imprecisão (situação em que o autor des-
o professor tem de estar ciente dos proble- creve um padrão de herança e utiliza no livro
mas que podem surgir quando são usadas um exemplo que não corresponde a ele), des-
características humanas. crição de acordo com a referência e situações
em que o autor não descreve o caráter. Os
CONTEXTUALIZAÇÃO principais resultados dessa análise estão des-
NOS LIVROS DE GENÉTICA tacados na Figura 2.
A cor dos olhos, a inserção do lóbulo da ore- Nos casos de imprecisão em relação à descri-
lha, a cor da pele e a capacidade de enrolar ção, poucos autores fazem menção ao fato de
a língua são exemplos de caracteres huma- estar trabalhando desta forma devido à sim-
Figura 2.
Como são descritas algumas
características humanas nos
livros didáticos do PNLD 2012.
No canto superior esquerdo
a percentagem de livros com
imprecisões, erros conceituais,
que descrevem corretamente ou
que simplesmente não tratam
de cada caráter.
plificação. É claro que a transposição didática terística devem ter sempre filhos com lóbulo
realizada pelo professor e que leva geralmen- de orelha preso, o que não é exato. Para sa-
te à simplificação é necessária para a abor- ber mais sobre a inadequação do exemplo do
dagem do tema na Educação Básica, mas no lóbulo da orelha ou outros caracteres huma-
caso desses exemplos, pode criar situações nos, sugere-se consultar “Mitos de Genética
que favorecem o surgimento de concepções Humana” em http://udel.edu/~mcdonald/
errôneas. Cabe ao professor ficar atento a es- mythearlobe.html.
ses exemplos, pois eles não estão totalmente
Usar exemplos simplificados cria a necessi-
errados, mas geram lacunas de informações
dade de aprofundamento e explicações adi-
que podem ser erroneamente interpretadas
cionais que justifiquem as constatações que
pelos alunos.
os estudantes farão em suas próprias famí-
O uso desses exemplos pode implicar em er- lias, e que podem estar em desacordo com o
ros conceituais e também ter consequências padrão que foi inicialmente apresentado.
diretas na vida dos alunos, podendo gerar
problemas associados a questões de familia- COMO EVITAR
ridade, grau de parentesco, entre outros (há A ARMADILHA DA
casos, por exemplo, de alunos que descon- SIMPLIFICAÇÃO EXCESSIVA
fiam de sua filiação por conta da análise do
padrão de herança de certas características Uma possibilidade de superar os problemas
em suas famílias). Pode também levar ao associados com o uso de exemplos simpli-
descrédito na informação científica como um ficados é fazer uma abordagem em duas
todo, se o aluno perceber que há inadequa- etapas. Primeiramente as características são
ção do que ele observa em sua família com tratadas como sendo de herança simples e,
as previsões decorrentes das informações num segundo momento, elas são retoma-
simplificadas. Um bom exemplo é a ideia de das, com a apresentação do padrão de he-
que o lóbulo de orelha preso é recessivo; se rança mais complexo e correto (Figura 3).
isso é verdadeiro, então pais com essa carac- A característica cor dos olhos, por exemplo,
Figura 3.
Sugestão de abordagem de
exemplos de características
humanas, primeiramente
apresentando-as como
herança mendeliana simples
e depois avançando para os
padrões complexos de herança
(simplificação).
pode ser apresentada inicialmente como -se satisfeito com o argumento simplificado
monogênica (alelo para cor azul recessivo e e acabar não aderindo à segunda parte da
para cor castanha, dominante). Posterior- abordagem.
mente, a existência de uma gama maior de
Na perspectiva de trabalhar com caracteres
colorações deverá ser apresentada e o pro-
humanos herdados, é possível identificar
fessor poderá discutir com a turma sobre a
primeiro características unicamente mo-
determinação poligênica dessa característi-
nogênicas, descontínuas, numa perspectiva
ca. Do mesmo modo, a capacidade de en-
histórica e científica, mas ao mesmo tempo
rolar a língua pode ser apresentada como
contextualizada em exemplos próximos da
autossômica, dominante para depois o pa-
realidade do aluno (Figura 4). Em seguida
drão de herança multifatorial ser discutido.
desenvolver os caracteres humanos comple-
Além de motivar os alunos por tratar-se de
xos herdados dentro de suas especificações
características que eles próprios possuem,
conceituais. Cabe destacar que para traba-
essa abordagem permite tratar dos padrões
lhar deste modo, o professor precisa estar
mendelianos simples e dos padrões mais
atualizado e utilizar referenciais confiáveis.
complexos, ampliando os estudos.
Desta forma, não é necessária a desconstru-
Na execução dessa proposta é essencial que o ção de conceitos, mas exige, fundamental-
professor se mantenha atento para duas situ- mente, o empenho em identificar exemplos
ações indesejadas: a) o aluno pode construir corretos para cada padrão de herança e, ao
uma concepção equivocada de que os pa- mesmo tempo, que garantam a contextuali-
drões mendelianos de herança não existam, zação necessária para estimular e sustentar
pelo fato de que houve a ‘desconstrução’ das o processo de aprendizagem em Genética no
explicações simples; b) o aluno pode sentir- ensino médio.
Figura 4.
Abordagem que respeita
a sequência histórica e a
necessidade de exemplos
conceitualmente corretos.
Registros escritos do
conhecimento mútuo
entre Gregor Mendel
e Charles Darwin:
uma proposta
para trabalho
em sala de aula
com história
contrafactual da ciência
e didática invisível
da cidade onde Mendel viveu. Os estudantes ativo dos alunos frente a temas polêmicos.
devem decidir sobre a suposta autenticidade Nossos resultados indicam ser esse um cami-
da carta, baseando-se em elementos de his- nho bastante interessante para desenvolver
tória da ciência. A proposta é inspirada no diversos temas em sala de aula. Com a pre-
trabalho do dramaturgo brasileiro Augusto sente proposta, pretendemos contribuir para
Boal (1931-2009), ancorada no conjunto de a História Contrafactual da Ciência aplicada
estratégias conhecidas como “Teatro Invisí- ao ensino da ciência, explorando possibili-
vel”, um dos desdobramentos da experiência dades alternativas para as discussões sobre
de seu “Teatro do Oprimido”. as relações entre os trabalhos de Darwin e
Mendel. Com isso, pretende-se que sejam
Inspirado na pedagogia de Paulo Freire
pensadas novas possibilidades para o arranjo
(1929-1997), Boal preconizava a ação como
curricular da Biologia na educação básica e
forma de transformação, baseada na partici-
superior, e que não se deixe a evolução como
pação das camadas sociais excluídas da vida
a última parte a abordar na Biologia, ao mes-
cultural das cidades. Além do acesso das
mo tempo em que se propõe uma discussão
classes populares, Boal criava situações nas
epistemológica sobre o estatuto da verdade
quais a plateia ganhava voz ativa na encena-
em ciência.
ção e dela participava ativamente, discutindo
questões da realidade social e política do mo- A partir desse pressuposto, a carta descrita
mento. acima poderia ser utilizada como desencade-
ador de uma atividade que tivesse por objeti-
Quando essas encenações foram proibidas
vo discutir sua autenticidade. Utilizando os
nos teatros, no período ditatorial argentino
argumentos favoráveis e contrários listados
da década de 1970, as montagens passaram
na página seguinte (300), o professor poderia
a ser feitas sem cenário, substituído pelo
propor um desafio aos alunos (individual-
próprio local onde a ação estava ambientada.
mente ou divididos em grupo) de pesquisa-
Assim, encenações do cotidiano passaram a
rem e sistematizarem evidências de que Da-
ser realizadas em vagões de trem e pontos de
rwin não conhecia os trabalhos de Mendel,
ônibus, a partir de roteiro pré-estabelecido,
o que reforçaria o entendimento originário
fazendo com que atores e espectadores tives-
dos trabalhos de Bateson, ou, contrariamen-
sem igual participação, a partir de discussões
te, buscariam evidências de que os trabalhos
sobre o custo e a qualidade do serviço de
eram conhecidos mutuamente, o que traria
transporte público, por exemplo, visando a
uma nova perspectiva a essa questão.
transformação da realidade:
Mais do que chegar a uma conclusão defi-
“Essas transformações podem ser busca-
nitiva sobre a autenticidade, espera-se com
das também em ações ensaiadas, realiza-
essa atividade que os alunos sejam capazes
das teatralmente, como teatro que é, mas
de discutir aspectos relacionados à verossi-
de forma não revelada, ao público ocasio-
milhança do documento (é possível que ele
nal de transeuntes, não conscientes de sua
tenha existido?), ao estatuto do conhecimen-
condição de espectadores. (...) Atores e es-
to científico e seu caráter temporário, ao mé-
pectadores encontram-se no mesmo nível
todo científico, à pesquisa em fontes históri-
de diálogo e de poder, não existe antago-
cas, dentre outros.
nismo entre sala e a cena, existe sobrepo-
sição. Esse é o Teatro Invisível.” [BOAL, O caráter “invisível” da proposta, está no
2013(1977)]. fato de que a discussão da autenticidade ou
não da carta é apenas o pretexto para o de-
Para levar esse princípio para a sala de aula,
senvolvimento de habilidades mais amplas.
situações verossímeis e com forte apelo emo-
Em outras palavras, não tem um fim em si
cional são apresentadas aos alunos, criando
mesmo. Nesse sentido, o professor deve ter
as condições necessárias para provocar rea-
clareza desses objetivos educacionais que
ções de posicionamento pessoal e coletivo.
extrapolam o objeto visível, ou seja, a carta,
Temos desenvolvido diversas situações a par-
para aspectos mais amplos do processo ensi-
tir dessa proposta, denominando-as “Didáti-
no-aprendizagem.
ca Invisível”, estimulando o posicionamento
baseada em análise combinatória para expli- poderia explicar os resultados, como, de fato,
car a razão de parecer impossível reverter às confirmou-se com o conhecido trabalho do
espécies iniciais após várias gerações depois sueco Nils Herman Nilsson-Ehle (1873-
da hibridização, mencionando as combina- 1949). Trabalhando em Lund, em 1909, ele
ções matemáticas necessárias, que aponta- demonstrou que a “mera hipótese”, como a
riam para números enormes, mesmo con- havia chamado Mendel, era mesmo válida,
siderando sete pares de caracteres (ou seja, fundando o estudo da herança quantitativa
em experimentos de heptahibridismo). Seria (ou poligênica).
isso que tornaria altamente improvável (mas
Mendel encerra seu trabalho concordando
não impossível) encontrar, na descendência,
com Gärtner, que teria se oposto aos na-
indivíduos idênticos às formas parentais. Ele
turalistas que acreditavam que as espécies
afirma:
não são estáveis e “admitem sua contínua
Freire-Maia adotou “evolução”
Se admitirmos que, nessas experiências, evolução” [Fortbildung], acreditando que como tradução de “Fortildung”
o desenvolvimento das formas tenha a transformação [Umwandlung] de uma e “transformação” para
ocorrido de forma semelhante ao de Pi- espécie em outra é apenas aparente, pois ele “Umwandlung”
sum, todo o processo de transformação obtivera, “prova indubitável de que existem
[Umwandlungsprocess] encontrará limites fixos para as espécies, além dos quais
uma explicação simples. O híbrido forma não se pode variar” (Mendel, 1866, apud
tantos tipos de óvulos quantas são as pos- Freire-Maia, 1995, p.96). Mesmo uma bio-
síveis combinações constantes dos caracte- grafia muito favorável à ideia da compatibili-
res nele reunidos, e uma dessas combina- dade Darwin-Mendel acaba por concluir, ao
ções é sempre igual à dos grãos de pólen considerar esse trecho, que “podemos inferir
fertilizadores. (MENDEL, 1866, apud que Mendel era algo cético em relação à teo-
FREIRE-MAIA, 1995, p.95) ria da evolução, apresentada não muito antes
por Darwin.” [ILTIS, 1965(1932), p. 160].
No mesmo trabalho de 1866, Mendel re-
lata os resultados com espécies de feijão:
Phaseolus vulgaris, P. nanus, e P. multiflorus.
Neste caso, porém, os híbridos não tinham
a mesma fertilidade daqueles de ervilhas e
os experimentos não obtiveram o mesmo
sucesso. Mesmo assim, ele escreveu que no
cruzamento de P. nanus x P. vulgaris obte-
ve “resultados perfeitamente concordantes”,
uma vez que “as relações numéricas com que
as diferentes formas apareceram nas várias
gerações foram iguais às de Pisum” (Mendel,
1866, apud Freire-Maia, 1995, p.82). No
caso do cruzamento de P. nanus, com flores
brancas, com P. multiflorus, com flores viole-
ta, os resultados apontaram, já na primeira
geração, híbridos com flores que variavam do
branco até o violeta, em uma gradação pro-
gressiva. Como “entre 31 plantas apenas uma
se apresentou com o caráter recessivo da cor
branca”, esses resultados “talvez possam, no
entanto, ser explicados pela lei válida para
Pisum”, escreveu Mendel. Bastaria conside-
rar, escreveu ele, que a cor seja, na verdade,
a combinação de “duas ou mais cores, com-
pletamente independentes”. Assim, mesmo
diante de resultados diversos, Mendel acre-
ditava que a matemática era o alfabeto que
Ao enviar seu trabalho, Mendel contava os “Variation...” outros autores com resultados
planos de expandir os experimentos e rea- semelhantes. No entanto, se fosse univer-
lizar testes com outras plantas dos gêneros salmente válida, aplicar-se-ia igualmente a
Hieracium, Cirsium e Geum, pertencentes a espécies selvagens. Esse era o argumento de
famílias botânicas distintas da família da er- Darwin em seu livro de 1859, o que deve
vilha. Pediu a opinião desse cientista, famoso ter tido algum papel importante na escolha
à época sobre o uso de outras plantas. Nägeli daquele grupo de espécies para o prossegui-
conhecia bem o gênero Hieracium, que con- mento das pesquisas de Mendel. Se a mesma
tava com diversas espécies facilmente distin- regra das ervilhas fosse encontrada em es-
guíveis, mas adiantava, em carta datada 25 de pécies selvagens, não mais haveria qualquer
fevereiro de 1867: dúvida dos limites intransponíveis entre as
espécies, domésticas ou naturais.
“com essas formas serão encontrados re-
sultados notavelmente diversos (em rela- Seis semanas depois de receber a nada esti-
ção aos caracteres hereditários). A mim mulante resposta de Nägeli, Mendel respon-
me parece especialmente valiosa a ferti- dia-lhe apontando, de maneira muito respei-
lização de híbridos em Hieracium, pois tosa, mas muito segura, duas discordâncias.
esta será a espécie cujas formas intermedi- A primeira delas focalizava a constância da
árias serão logo bem conhecidas.”. [NÄE- progênie das variedades puras. Ele lhe asse-
GELI, 1867, apud ILTIS, 1965(1932), gurava que a certeza dessa constância deri-
p. 192]. vava de seis anos de observação cuidadosa,
entre 1859 e 1865, com dois anos de auto-
Mendel havia lido o livro de Darwin de
cruzamentos e outros quatro anos com po-
1859, o qual, em seu capítulo II, sobre a
linizações cruzadas. A segunda discordância
Variação na Natureza, cita diversos gêneros
ia direto ao ponto da importância do trata-
de plantas polimórficas, especificamente o
mento numérico. Ele respondia que o rigor
gênero Hieracium, algo que deve ter tido al-
matemático era necessário e demonstrava
guma influência na escolha daquele material.
que ele “tinha mesmo adentrado o domínio
É sabido que Näegeli tinha trabalhado por
racional”. Era uma longa carta, a qual perma-
quatro anos com Hieracium, tendo inclusive
neceu sem resposta. Em novembro de 1867,
A carta teria a data de 31 de solicitado a Darwin, em uma longa carta no
Mendel insiste, encaminhando nova carta,
março de 1867, mas não foi início de 1867, sementes das plantas bri-
encontrada nos arquivos de na qual, no entanto, evita qualquer menção
tânicas, oferecendo em troca as amostras de
Darwin, embora haja diversas à sua teoria das ervilhas e ao tratamento
plantas alemãs e alpinas (provavelmente as
referências a ela. matemático e racional dos resultados. Ele
mesmas enviadas também a Mendel).
se concentra nas dificuldades que enfrenta
Da carta de Darwin a Näegeli se conhece com a parte experimental com as espécies de
apenas um rascunho, escrito no verso de ou- Hieracium.
tra, datada de 8 de abril, na qual ele agradece
De fato, a inflorescência dessa nova planta
a longa dissertação sobre Hieracium, que é
é extremamente difícil de manipular, mas
comentada com Joseph Hooker. A opinião
a reprodução ocorre tão facilmente que é
de Darwin sobre o trabalho do botânico suí-
considerada uma verdadeira praga. Mendel
ço é inequívoca, no sentido de que os estudos
acreditava ser um bom material de estudo,
com plantas polimórficas, citando esse gêne-
pois era rústica, fácil de germinar, de cresci-
ro, são todos importantes para elucidar os
mento rápido e com alta prolificidade, além
“princípios da Variabilidade” (Carta de Da-
de apresentar numerosas espécies na natu-
rwin a Hooker, de 8/vii/1869). Assim, fica
reza, com descendência constante. De fato,
claro que Mendel estava sintonizado com os
essa era uma das críticas implícitas de Nä-
mais famosos cientistas da época, em termos
geli à escolha de Mendel em relação às ervi-
das expectativas e do material experimental
lhas, pois espécies domesticadas, cultivadas
considerado válido.
em condições constantes, não mantinham
A “regra de Pisum”, com a qual o próprio descendência constante, ou seja, não eram
Darwin se defrontara, de fato, não era pro- linhagens “puras”. E aí precisamente residia
priamente uma novidade. Darwin relata, no a recomendação de utilizar Hieracium: era
Que ervilha
sou eu?
Luiza Diniz Ferreira Borges1, Isaura Beatriz Borges Silva1, Marina Cristina Tomasini1,
Dayane Dotto de Moraes1, Priscila Costa Freitas1, Luna Nascimento Vargas1,
Anna Clara Rios Moço1, Ana Maria Bonetti2
1
Graduanda em Biotecnologia, Laboratório de Genética, Instituto de Genética e Bioquímica,
Universidade Federal de Uberlândia, Campus Umuarama, Uberlândia, MG.
2
Laboratório de Genética, Instituto de Genética e Bioquímica, Universidade Federal de Uberlândia,
Campus Umuarama, Uberlândia, MG.
Figura 1.
Carta “alelos” apresenta os
fenótipos que compõem
as plantas de ervilha e os
- Carta “Fenótipos” – A carta “Fenótipos” “Que ervilha sou eu?”. Ela pode ser usada respectivos alelos.
contém todas as combinações de caracte- para auxiliar a descoberta de qual o fenóti-
rísticas fenotípicas apresentadas nas Cartas po apresentado pelo grupo adversário.
Figura 2.
Carta “fenótipos”.
- Carta “Que ervilha sou eu?” – Cada referentes aos resultados de cruzamentos,
carta contém uma imagem com três ca- que permitem a descoberta pelos jogado-
racterísticas fenotípicas de uma planta de res do grupo oponente, dos fenótipos e o
ervilha cujo genótipo deverá ser descober- genótipo da planta em questão. Um mo-
to pelo grupo oponente. O respectivo ge- delo deste tipo de carta está apresentado
nótipo também está apresentado na car- na Figura 3. As demais cartas dica estão
ta. Além disto, são apresentadas 3 dicas, apresentadas no anexo 2.
Figura 3.
Modelo de carta “Que ervilha
sou eu?”
Figura 4.
Carta “Resolução” referente
às dicas contidas na carta da
figura 1.
Figura 5.
Carta “rascunho”.
Gregor Johann Mendel (1822-1884) foi um monge agostiniano, botânico e meteorologista austríaco. Durante
sua vida, ele chegou a lecionar Literatura Alemã, Latina e Grega, Matemática, Filosofia, Física, História Natural
e Ciências Naturais. Ele dedicou-se principalmente ao estudo do cruzamento de diferentes espécies, como
feijões, chicória, bocas-de-dragão, plantas frutíferas, abelhas, camundongos e ervilhas.
Os principais estudos de Mendel foram com “ervilhas-de-cheiro” que ele cultivou nos jardins de seu monasté-
rio, ao longo de cerca de sete anos. Ele estudou a variação no aspecto das plantas e a herança de caracterís-
ticas únicas e contrastantes. Para cada um de seus cruzamentos, ele contou e anotou o aspecto dos genitores
e de suas proles. Seu conhecimento de Matemática permitiu que ele analisasse matematicamente seus dados
e chegasse à hipótese de que as características das plantas eram devidas à existência de um par de unidades
elementares de hereditariedade, atualmente conhecidas como alelos.
Mendel publicou dois grandes trabalhos: “Ensaios com Plantas Híbridas” (Versuche über Planzenhybriden) e
“Hierácias obtidas pela fecundação artificial”. Em 1865, ele formulou e apresentou à Sociedade de História
Natural de Brno as leis da hereditariedade. Hoje essas leis são conhecidas como Leis de Mendel e regem a
transmissão dos caracteres hereditários.
Gregor Mendel morreu de uma doença renal crônica, em 6 de janeiro de 1884, sem que tivesse, em vida, seus
estudos reconhecidos. Suas descobertas permaneceram esquecidas por mais ou menos 35 anos. Por volta
de 1900, Hugo De Vries, Karl Corens e Erich Von Tschermak redescobriram independentemente as leis da
transmissão dos caracteres hereditários enunciadas por Mendel anos atrás. Os três pesquisadores deram-lhe
o crédito pelas leis, dando seu nome às leis fundamentais da Genética.
Para seus trabalhos sobre hereditariedade, Mendel usou “ervilhas-de-cheiro”, Pisum sativum. A ervilha é uma
planta herbácea leguminosa que pertence ao mesmo grupo do feijão e da soja. Na reprodução, surgem vagens
contendo sementes, as ervilhas. A utilização desse organismo para sua pesquisa foi boa, porque o cultivo e a
reprodução das ervilhas são fáceis, seu ciclo reprodutivo é curto e ela produz muitas sementes. Além disso,
existem muitas variedades disponíveis de ervilhas, com características de fácil comparação. Por exemplo, a
variedade que produz sementes amarelas pode ser comparada com a que produz sementes verdes, e assim
por diante.
Mendel estava interessado em descobrir como as características das ervilhas eram herdadas de uma geração
para outra e para isso ele investigou a herança de sete características da espécie de ervilhas que escolheu:
cor da semente da ervilha, forma da semente da ervilha, cor da vagem, forma da vagem, cor da flor, altura
da planta e posição do broto da planta. Para cada uma dessas sete características, ele usou duas linhagens
puras que apresentavam aspectos distintos e contrastantes, ou seja, para cada característica, ele estudou
dois fenótipos contrastantes. Todas as linhagens usadas por ele eram linhagens puras, ou seja, para o fenó-
tipo em questão, todos os descendentes produzidos pelos cruzamentos entre os membros dessa linhagem
eram idênticos. Por exemplo, na linhagem de vagens verdes, toda a prole de qualquer cruzamento era de
vagens verdes.
Para a enunciação das leis da hereditariedade, Mendel realizou uma série de cruzamentos com ervilhas du-
rante gerações sucessivas e, mediante a observação do predomínio de uma característica por vez, por exem-
plo, no cruzamento entre plantas com sementes verdes e plantas com sementes amarelas, ele observava que
a cor de semente amarela predominava na prole. Formulou a primeira lei, chamada lei do monoibridismo,
segundo a qual existe nos híbridos uma característica dominante e uma recessiva. Cada caráter é condicio-
nado por um par de fatores (alelos), que se separam na formação dos gametas.
Depois Mendel fez cruzamentos em que havia dois tipos de características, por exemplo: a cor e a forma
das vagens. Baseado na premissa segundo a qual a herança de uma característica era independente da
herança da outra característica, enunciou sua segunda lei, chamada lei da recombinação ou da segregação
independente, pela qual, num cruzamento em que estejam envolvidos dois ou mais caracteres, os fatores
que determinam cada um deles se separam de forma independente durante a formação dos gametas e se
recombinam, ao acaso, para formar todas as recombinações possíveis.
Carta Resolução 2
Carta Resolução 6
Carta Resolução 8
Carta Resolução 9
Carta Resolução 10
Carta Resolução 13
Carta Resolução 14
Carta Resolução 15
Carta Resolução 16
Carta Resolução 17
Carta Resolução 18
Carta Resolução 19
Carta Resolução 20
Embaralhando
Mendel
e suas leis
E
" mbaralhando Mendel e suas leis" é um jogo
facilitador da aprendizagem das leis de Mendel,
voltado aos alunos do ensino médio. No desenvolvimento
da atividade, importantes conceitos de Genética
são abordados, tais como segregação independente,
formação de gametas, fecundação, genótipo, fenótipo e
transmissão de características genéticas. Pretende-se por
meio desse jogo desenvolver uma atividade participativa,
dinâmica e integradora, que mistura conteúdo didático,
competitividade e atenção.
Figura 1.
Meiose em uma célula
diploide: o esquema representa
como a segregação na meiose e
a distribuição dos cromossomos
diferentes formam a proporção
gamética apresentada por
Mendel. A célula com genótipo
VvRr duplica os cromossomos,
que são emparelhados e
se divide. Dependendo da
segregação na meiose I, células
com diferentes genótipos são
Na segunda lei, Mendel propõe que os fato- jogador deve observar em suas cartas quais formadas. Na segunda divisão
res para duas ou mais características segre- as correlações possíveis entre os gametas da meiose, as cromátides irmãs
gam-se independentemente, combinando-se (VR, vR, Vr, vr) e os genótipos (verde/rugo- dos homólogos vão para células
diferentes reduzindo o número
ao acaso nos gametas. Diferentes gametas sa, verde/lisa, amarela/rugosa, amarela/lisa)
de cromossomos e finalizando a
encontram-se na fecundação. Dessa forma, o que poderão formar uma trinca (Figura 2). formação dos gametas.
Figura 2.
Quadro de Punnett Para explorar o conhecimento dos alunos em a borda amarela e com textura rugosa. As
representando os genótipos relação às leis de Mendel, ao final do jogo, os cartas para o fenótipo verde foram confec-
e fenótipos descritos por
Mendel e representados
alunos podem discutir quais seriam as car- cionadas da mesma forma com exceção da
pelas cartas do baralho. As tas necessárias para completarem seu jogo, cor amarela que foi alterada para verde. As
cartas em azul representam assim como o ganhador poderá apresentar cartas coringas e parentais são confecciona-
os gametas masculinos, as suas cartas e discutir a respeito de cada trin- das do mesmo tamanho das demais, mas as
cartas rosas representam os ca explicando a 1ª e a 2ª lei de Mendel para cartas coringa apresentam curiosidades ou
gametas femininos; e as cartas
amarelas e verdes, os genótipos os demais colegas. Para relembrar os concei- conceitos de Genética importantes para a
resultantes da junção dos tos abordados, os alunos podem recorrer ao compreensão das leis de Mendel. As cartas
gametas (fecundação). glossário. de gametas possuem os alelos para formação
dos genótipos, e foram confeccionadas em
MATERIAL azul para masculino e rosa para feminino.
• 2 baralhos completos; Depois de impressas, as cartas podem ser re-
• Impressora, de preferência colorida; cortadas e coladas sobre as cartas comuns de
um baralho ou mesmo plastificadas. Todas
• Cola em bastão; as cartas necessárias para montagem do jogo
• 1 dado estão disponíveis no Anexo I.
Quadro 1.
Gametas Genótipos Fenótipos Genótipos, fenótipos e gametas
VR VR VVRR Amarela / Lisa demonstrados por Mendel e
utilizados como modelos para
VR Vr VVRr Amarela / Lisa o jogo.
Femininos ♀
Figura 3.
Exemplo de 4 trincas formadas
por cartas que representam: gametas, fecundação e a transmissão de metodologia de ensino não habitual, porém
gameta masculino, gameta características genéticas. Além disso, a pre- eficaz para a melhor compreensão de con-
feminino e a progênie sença de cartas com conceitos e curiosidades teúdos de difícil assimilação. Além disso,
correspondente. incrementam o jogo enriquecendo o conhe- atividades que permitem a participação dos
cimento abordado. alunos e a interação entre eles, são importan-
tes para a vida em sociedade, que ultrapassa
Vale ressaltar que a difusão e a prática dos
o ambiente de sala de aula.
jogos didáticos devem ser encaradas como
Quadro 2.
Regras detalhadas do jogo.
Essa ficha poderá ser impressa
e distribuída aos participantes
para facilitar a compreensão do
jogo.
GLOSSÁRIO
Cartas
Curingas
O Jardim de Mendel –
material didático para
uso de videntes
e não-videntes
no processo
ensino-aprendizagem
da 1a Lei de Mendel
Figura 1.
Figura 2.
Figura 3.
Embora o jogo possa ser confeccionado em res hereditários, genes, alelos) para se ganhar
qualquer tamanho, há de se buscar uma em praticidade e estética. Estas dimensões,
proporção adequada entre as dimensões do apresentadas na Tabela 1, servem como refe-
tabuleiro, dos furos, das hastes cilíndricas rência para a construção do “Jardim de Men-
(ervilheiras) e das argolinhas coloridas (fato- del”, seja ele estudante ou professor.
Tabela 1.
Peças Dimensões Dimensões das peças utilizadas
para a construção do Jardim de
Tabuleiro de Xadrez 40 cm x 40 cm Mendel
Jardim de Mendel 40 cm x 20 cm
Carteando
com Mendel
Universidade Federal do Vale do São Francisco, Campus de Ciências Agrárias, Petrolina, PE.
2
ATIVIDADES ANTERIORES
AO JOGO
Preparando o material didático
Para o jogo são necessárias 17 cartas cujos
modelos estão disponíveis no Anexo A. Su-
gere-se sua impressão em papel sulfite A4 e
posterior colagem em cartolina, para que as
cartas adquiram rigidez. Além disso, para
evitar que os jogadores reconheçam as cartas
por transparência, recomenda-se a impressão
e colagem da Carta Verso (Anexo A) atrás de
cada uma das 17 cartas do baralho. Estas de-
vem apresentar o mesmo tamanho e os ver-
sos uniformes, de forma a não permitir sua
identificação sem que se veja seu conteúdo.
As 17 cartas do baralho formam quatro po para reforçar a definição dos termos do-
grupos temáticos, cada um composto por minante e recessivo.
quatro cartas: (1) Mendel e seus estudos
Cartas do 3º Grupo
com a ervilha; (2) Conceitos básicos para o
(1ª Lei de Mendel):
entendimento das Leis de Mendel; (3) Pri-
meira Lei de Mendel; (4) Segunda Lei de a) Apresentar o tema a ser abordado nes-
Mendel. Uma carta que não faz parte dos se novo grupo de cartas (CARTA 9),
agrupamentos retrata a figura de Mendel enunciando em seguida a 1ª Lei de Men-
(CARTA 17). del (CARTA 10);
Apresentando as cartas b) Destacar informações sobre a formação
aos estudantes dos gametas a partir dos parentais e a
formação da geração F1, atentando para
Recomenda-se que o jogo seja utilizado
os genótipos, fenótipos e as respectivas
como atividade complementar para a fixação
frequências (CARTA 11);
de conceitos teóricos previamente trabalha-
dos em sala de aula. Antes do início do jogo, c) Explorar o processo de autofecundação
é necessário que o professor apresente aos da geração F1, os gametas e a descen-
estudantes cada carta do baralho, atendo-se, dência gerada e sua frequência fenotípica
nesse momento, a revisar conceitos envolvi- (3:1), conforme ilustrado no quadrado
dos nessa temática, conforme roteiro pro- de Punnett (CARTA 12).
posto abaixo: Cartas do 4º Grupo
Cartas do 1º Grupo (2ª Lei de Mendel):
(Mendel e seus estudos com a ervilha): a) Destacar que, com esse grupo de car-
a) Revisar com os estudantes aspectos as- tas, serão tratados aspectos da 2ª Lei de
sociados à contextualização da época, do Mendel (CARTA 13) e seu enunciado
cenário científico (CARTA 1) e do local (CARTA 14). Enfatizar a formação dos
(CARTA 2), onde Mendel realizou seus gametas haploides a partir dos parentais
experimentos; e os genótipos, fenótipos e respectivas
frequências esperadas na geração F1
b) Destacar as sete características domi-
(CARTA 15).
nantes (CARTA 3) e recessivas (CAR-
TA 4) com seus respectivos fenótipos: b) Explorar o processo de autofecundação
forma e cor da semente, cor das flores, dos indivíduos da F1, a formação de seus
forma e cor da vagem, posição das flores gametas e a descendência gerada, ilus-
e altura das plantas. tradas no quadrado de Punnett, enfati-
zando a proporção fenotípica esperada
Para essa seção, sugere-se ao professor a lei-
(9:3:3:1) (CARTA 16).
tura prévia do artigo de Gregor Mendel so-
bre a hibridização de ervilhas, disponível em O tempo necessário para a apresentação das
português (MENDES, 2013). cartas é variável e depende do nível de com-
preensão do tema pelos estudantes, minis-
Cartas do 2º Grupo
trado previamente em aula teórica.
(Conceitos básicos para o entendimento
das Leis de Mendel):
O JOGO
a) Explorar os conceitos de fenótipo e ge- a - São necessários quatro participantes. O
nótipo (CARTA 5), células diploides e objetivo é reunir quatro cartas de um
gametas (haploides) (CARTA 6), hete- mesmo agrupamento temático. Para o
rozigótico e homozigóticos dominante início do jogo, as cartas devem ser em-
e recessivo (CARTA 7), cromossomos baralhadas e distribuídas a cada parti-
homólogos e alelos (CARTA 8). cipante, que deve segurar suas cartas de
Nesse momento, o professor também pode forma que seu conteúdo não possa ser
utilizar as CARTAS 3 e 4 do primeiro gru- visto pelos demais jogadores.
b - Aquele que receber cinco cartas começa e - Outras partidas podem ser realizadas
a partida, selecionando uma carta inde- até que os alunos mostrem ter compre-
sejada e passando-a para seu colega da endido as informações e os conceitos
direita. esquematizados nas cartas. Cabe ao do-
cente orientar o número de partidas a
c - O mesmo procedimento deve ser segui-
serem realizadas, considerando que para
do pelo jogador que receber a carta, com
cada uma são gastos de 5 a 10 minutos.
a ressalva de que, para passar a carta que
contém a figura de Mendel, deve neces- Para a verificação da aprendizagem dos con-
sariamente aguardar uma rodada. As- ceitos explorados nessa atividade, sugere-se
sim, ao receber a carta com a figura de ao professor desafiar os alunos a resolverem
Mendel, o jogador não pode direcioná-la exercícios teóricos de cálculo de frequências
imediatamente para seu colega da direi- fenotípicas e genotípicas em cruzamentos
ta, devendo selecionar outra carta e, ape- controlados. Essas questões podem ser cria-
nas quando receber novamente uma car- das e propostas pelo professor ou então sele-
ta, pode passar aquela contendo a figura cionadas entre as disponíveis em livros didá-
de Mendel ao jogador seguinte. ticos de Biologia para o Ensino Médio.
d - O participante que conseguir reunir
primeiro as quatro cartas de um mesmo REFERÊNCIAS
agrupamento temático identifica-se, co- MENDES, R. V. Experimento de hibrida-
locando-as sobre a mesa. Os demais jo- ção de plantas - o artigo de Gregor Mendel.
gadores conferem as cartas e o declaram Genética na Escola, v. 8, n.1, p. 86-103, 2013.
ou não vencedor.
AS CARTAS
Eduardo Galembeck
Ficha Técnica:
Redação: Dilermando Pesci Galves dos Santos
Revisão de Conteúdo: Helika Amemiya Chikuchi
Roteiro: Luciana Fonseca e Marina Gama
Locução: Glauce Leal
Assistência de Produção: Carolina Inácio
Trilha Sonora: Weber Pereira Marely e Lucas Lima
Trabalhos técnicos: Rafael Bembibre
Supervisão Técnica: Álvaro Bufarah
Coordenação de Mídias Audiovisuais: Eduardo Paiva
Coordenação Geral: Eduardo Galembeck
Disponibilidade:
A Biografia de Mendel está disponível gratuitamente na Biblioteca Digital de Ciências (BDC)
no endereço:
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-5M
Distribuído sob a licença Creative Commons, podendo ser usado e editado livremente sem
fins comercias.
O Monge no Jardim,
o gênio esquecido
e redescoberto de
Gregor Mendel,
pai da Genética
Eduardo Bessa
Curso de Ciências Naturais, Universidade de Brasília, Planaltina, DF.
P assados 150 anos e com todo o progresso que a genética experimentou, é fácil
glorificar os personagens dessa história muito além do devido. A biografia
de Robin Marantz Henig inverte essa lógica e recria a imagem de Mendel como
um cientista dedicado, curioso e inovador, mas não como o gênio à frente de seu
tempo como usualmente é apresentado.
O gene Stay-Green
e a cor das sementes
de Mendel
Figura 1.
A estrutura do fotossistema. A
fotossíntese é uma complexa
série de reações que convertem
energia luminosa em energia
química dentro do cloroplasto.
Algumas destas etapas ocorrem
nos fotossistemas, localizados nas
membranas dos tilacóides; outras
etapas ocorrem no estroma
(fluido entre os tilacóides).
A imagem representa um
fotossistema e seus componentes:
o Complexo Coletor de Luz (LHC)
e o Complexo do Centro de
Reação (CCR). Os fótons incidem
sobre pigmentos do LHC (como
a clorofila b), sendo esta energia
sequencialmente transmitida
até alcançar um par especial de
clorofilas a localizado no CCR.
A energia do fóton promove a
transferência do elétron (e-) da
clorofila a (Chl a) do CCR para
o aceptor primário de elétrons
(APE). Adaptado de REECE et
al., 2015.
Figura 2.
A relação do gene stay-green
com a cor da semente. A via
Esta regulação mediada por SGR poderia Outros pesquisadores sugerem que a proteí- de catabolismo das clorofilas
ocorrer em diversos níveis: na síntese pro- na SGR poderia atuar facilitando a desmon- a e b envolve uma série de
teica (de NYC1, PaO e/ou clorofilase), na tagem do Complexo Coletor de Luz II (LH- passos, mediados por diversas
enzimas (NYC1, clorofilase,
estabilidade destas proteínas, em suas ativi- CII) (figura 1), liberando a clorofila b para a
Mg-dequelatase, feoforbídeo
dades enzimáticas e/ou na acessibilidade aos entrada na via de degradação da clorofila a a-oxigenase etc). O gene stay-
pigmentos (Figura 2). (AUBRY et al., 2008). green codifica uma proteína
que, de alguma forma, favorece
a degradação dos pigmentos de
clorofila. Alguns pesquisadores
acreditam que ele regule
positivamente as enzimas desta
via; outros sugerem que ela
auxilie na desmontagem do
Complexo Coletor de Luz (LHCII
- light harvesting complex II),
permitindo assim que a clorofila
b entre na via de degradação.
Em sementes yy a proteína SGR
não é funcional, de tal forma
que o processo de catabolismo
do pigmento não ocorre,
levando assim à manutenção da
coloração verde.
O gene SBEI e a
rugosidade das
ervilhas de Mendel
Figura 1.
Grão de amido na célula vegetal.
Esta estrutura de reserva
Durante o desenvolvimento da semente (Fi- O GENE SBEI E SEUS ALELOS energética é também conhecida
gura 2), diversas moléculas presentes nas como amiloplasto, sendo rica
No ano de 1990, Battacharyya e colabora-
células contribuem para criar uma pressão em dois polímeros de glicose:
dores clonaram o gene SBEI, associado aos a amilose e a amilopectina.
osmótica, levando a um acúmulo de água nos
fenótipos liso/rugoso (lócus r, do inglês ru- A enzima responsável pela
tecidos da semente. Entre estas moléculas
gosus, rugoso; WHITE, 1917). Eles iden- ramificação característica da
podemos citar a sucrose. amilopectina é a starch branching
tificaram dois alelos (R e r) (Figura 3), que
Posteriormente, no processo natural de ama- enzyme I (SBEI). Os hexágonos
apresentam uma alta expressão nas primei-
representam o monômero - a
durecimento da semente, grande parte da ras etapas do desenvolvimento da semente molécula de glicose.
água inicialmente acumulada é perdida (Fi- que declina nas fases tardias. O alelo R gera
gura 2), resultando em uma estrutura ma- um RNA mensageiro de ~3.500 nucleotíde-
dura e seca. Este baixo conteúdo hídrico da os, cuja tradução resulta na proteína SBEI,
semente madura é uma característica essen- de 922 resíduos de aminoácido (aa) (~105
cial que a torna viável por longos períodos de KDa), responsável por adicionar ramifica-
tempo mesmo em condições adversas, assim ções (ligações α-1,6) às cadeias de glicose,
como ocorre em esporos e pólen. gerando amilopectina. Sucrose (também conhecida
como sacarose) é um
dissacarídeo formado por
glicose e frutose.
Por outro lado, o RNA mensageiro corres- é incapaz de exercer atividade enzimática. A
pondente ao alelo r apresenta ~4.300 nu- sequência de DNA que está inserida no alelo
cleotídeos e menor abundância. Ele possui mutante possui alta semelhança à família de
Transposon Ac/Ds, (do uma inserção de DNA de 800 pares de bases transposons Ac/Ds, do milho, descoberta
inglês - Activator/Dissociation situada em um éxon na porção 3’ do gene. por Barbara McClintock na década de 1940.
Transposable Element). Esta mutação é responsável pela perda de 61 Portanto, postula-se que, durante a evolução
Transposons, também
conhecidos como elementos aa na extremidade carboxi-terminal. Apesar um elemento transponível dessa família te-
transponíveis, são entidades da proteína resultante ainda possuir 861 aa nha se inserido acidentalmente em tal gene,
genéticas capazes de fazer (~93% do tamanho da versão funcional), ela convertendo o alelo R no mutante r.
novas cópias de si mesmas e
integrá-las em outras partes do
genoma. “Ac/Ds” foi uma das
primeiras classes de transposons
descobertas.
Figura 2.
Alterações de volume durante
a formação da semente.
Durante o processo natural de
desenvolvimento da semente,
a pressão osmótica dentro das
células vegetais, gerada por
moléculas como a sucrose, leva
a um acúmulo de água nos
tecidos e consequente aumento
do volume. Posteriormente, em
etapas finais do amadurecimento
da semente, ocorre a
desidratação, cuja perda de
água promove o efeito oposto -
redução do volume dos tecidos.
Uma vez que as sementes rr
possuem mais sucrose, elas centração maior de sucrose (glicose + fru-
acumulam comparativamente
GENÓTIPOS E FENÓTIPOS
tose) nas sementes de genótipo rr em com-
mais água (devido à elevada A incapacidade da enzima codificada pelo
pressão osmótica). Na etapa paração às de genótipo RR e Rr (Figura 4).
alelo r em adicionar cadeias laterais (rami-
de desidratação, a semente Isto se deve a um fato simples: a síntese de
ficações) aos polímeros de glicose impossi-
perde água e reduz muito de amilose e amilopectina, que são polímeros de
volume. A casca (representada bilita a produção de amilopectina. Há pelo
glicose, utiliza esta molécula de açúcar. Con-
pela linha externa verde) não menos duas consequências derivadas disto.
encolhe. Consequentemente,
tudo, a produção de amilopectina demanda
ao acompanhar a redução de Primeiro, sem a produção de amilopectina, muito mais glicose (devido ao seu tamanho e
volume dos tecidos internos (linha que é um dos principais componentes dos ramificações). Portanto, nas sementes de ge-
laranja), ocorre o enrugamento. grãos de amido, sementes de genótipo rr nótipo rr, a grande quantidade de glicose não
Note as linhas paralelas possuem grãos menores e profundamente polimerizada em amilopectina é convertida
descontínuas: a maior expansão
fissurados. Segundo, observa-se uma con- em sucrose.
inicial de volume pelas sementes
rr pode ser acompanhada.
Figura 3.
Diferença molecular entre o alelo
R e r. O retângulo azul superior
representa o alelo R, que codifica
uma versão funcional da enzima
I de ramificação do amido (SBEI).
O estudo de Battacharyya e
colaboradores (1990) evidenciou
Durante o amadurecimento de sementes te menos água durante a desidratação, há que um elemento de transposição
rr, acontece o curioso fenômeno de enruga- apenas uma leve redução do volume interno da classe Ac/Ds se integrou
na porção 3’ do gene da SBEI,
mento, devido a uma conjunção de fatores da semente. Portanto, a casca da semente gerando assim o alelo r, cujo
(Figura 2). Lembre-se de que durante o de- retrai-se apenas um pouco, conferindo um produto não é funcional. O RNA
senvolvimento normal da semente, a sucrose aspecto liso à superfície da mesma. mensageiro (linha sinuosa com
no interior da célula contribui na geração de a cauda poli-A) e a proteína
(barra cinza) são apresentados
uma pressão osmótica que promove um acú- CONCLUSÕES logo abaixo dos respectivos
mulo inicial de água nos tecidos e esta pres- O gene SBEI é pleiotrópico, afetando não alelos. A imagem é uma versão
são é proporcional ao número de moléculas apenas a composição final de carboidratos simplificada, sem a descrição de
no interior da célula. Portanto, uma vez que (que resulta em alterações na pressão osmó-
éxons e íntrons. A linha vermelha
células rr possuem uma quantidade maior tracejada evidencia uma perda
tica e no aspecto da superfície da semente), de 61 aminoácidos na porção
de sucrose, a pressão osmótica é maior, pro- mas também de outras biomoléculas tais carboxi-terminal da proteína
movendo um acúmulo proporcionalmente como lipídeos e proteínas (BATTACHA- codificada pelo alelo r. Triângulo:
maior de água e grande aumento do volume RYYA et al., 1990). Adicionalmente, outras região regulatória (promotor - P).
das células e dos tecidos. N: amino-terminal. C: carboxi-
análises evidenciaram que sementes RR de- terminal.
Por conseguinte, durante a etapa de desidra- senvolvidas em um meio de cultura hiperos-
tação, as sementes rr têm grande conteúdo mótico, apresentam alterações na composi-
de água a perder, levando-as a uma drástica ção de legumina, expressando o fenótipo rr. Legumina – componente
redução do volume celular e dos tecidos, sen- das sementes de muitas
Desta forma, o estudo do gene SBEI pode- leguminosas; caseína vegetal.
do diminuído o conteúdo interno da semen- rá fornecer uma maior compreensão sobre
te. Neste processo a casca da semente não so- a relação entre pressão osmótica, desenvol-
fre redução de suas dimensões e, por não ser vimento e composição diferencial de biomo-
elástica, ocorre o enrugamento. Uma vez que léculas nas sementes, tanto de ervilha como
sementes RR acumularam comparativamen- em sementes de outras espécies.
Figura 4.
Relação dos genótipos RR, Rr
e rr com o acúmulo de sucrose
na semente. O alelo R codifica REFERÊNCIAS ding Starch-Branching Enzyme. Cell, v. 60, p.
a versão funcional da enzima 115-122, 1990.
BATTACHARYYA, M. K.; SMITH, A. M.;
SBEI. Portanto, sementes RR WHITE, O. E. Studies of Inheritance in Pisum.
ELLIS, T. H. N.; HEDLEY, C.; MAR-
e Rr são capazes de sintetizar
TIN, C. The Wrinkled-Seed Character Proceedings of Amercian Philosophical Society,
a amilopectina. Uma vez que
a enzima codificada pelo alelo of Pea Described by Mendel Is Cause by a v. 56, p. 487-588, 1917.
r não é funcional, sementes rr Transposon-Like Insertion in a Gene Enco-
não produzem amilopectina,
consequentemente deixando uma
grande quantidade de glicose
disponível. Estas moléculas são
então convertidas em sucrose
(glicose + frutose). E1: enzima
envolvida na biossíntese de
amilose; E2: enzima envolvida na
biossíntese de sucrose.
Mais sobre a
natureza molecular
dos fatores
mendelianos
Figura 1.
Os sete caracteres estudados No entanto, a real função e identidade do mentadas estavam associadas a flores roxas
por Mendel. As naturezas gene associado a este caráter ficou envolta enquanto que as sementes claras ou despig-
moleculares de cinco
em mistério até 1980, quando ficou claro que mentadas estavam associadas a flores bran-
características (cor da flor,
posição das flores, cor da vagem, ele estava relacionado com o nível de regu- cas. A relação entre esses fenótipos era um
comprimento do caule e forma lação da giberelina bioativa GA1. Após uma claro indício de pleiotropismo de um único
da vagem) são apresentadas no análise molecular detalhada desse lócus (se- gene que estaria localizado no lócus A, mas
texto. A forma e cor da semente quenciamento aliado a estudos funcionais) não se sabe ao certo se Mendel notou isto.
são descritos nos artigos das
foi identificado o gene GA3ox codificador da
páginas 392 e 386 deste número Não só em ervilheiras, mas em vários ve-
da Genética na Escola. enzima Giberilina 3-oxidase (anteriormen-
getais, os compostos de antocianina são os
te denominada 3β-hidroxilase, responsável
responsáveis por conferir pigmentação ver-
por converter o precursor inativo GA20 em
melha, roxa ou azul às flores. Dessa forma,
GA1), essencial para a síntese de giberelinas.
iniciou-se uma busca na região cromossômi-
Clonagem: uma série de Após a clonagem e sequenciamento desse ca correspondente ao lócus A por genes rela-
procedimentos de Biologia gene, foi possível identificar e caracterizar al- cionados à via de antocianina (ELLIS et al.
Molecular que resulta na guns mutantes (le-1, le-2, le-3). Esses mutan- 2011; REID; ROSS, 2011).
obtenção de uma sequência
tes são deficientes na produção da enzima e
genética (por exemplo, um Apesar desta estratégia não ter sido bem su-
gene) isolado e inserido dentro apresentam níveis de giberelina 10 vezes me-
cedida, os pesquisadores encontraram outro
de um vetor (por exemplo, um nores do que o verificado nas plantas LeLe
plasmídio).
gene (ainda no lócus A) que poderia estar in-
selvagens. Essa diferença foi especialmente
diretamente associado à biossíntese de anto-
evidenciada nas partes aéreas das plantas.
cianina - o gene bHLH (basic helix-loop-helix
Devido à deficiência de produção da GA transcription factor).
3-oxidase nas plantas lele, elas apresentam
bHLH é um gene codificador de um fator de
comprimento do caule menor do que as
transcrição, um tipo de proteína que regula a
plantas selvagens (LeLe) e que as heterozi-
expressão de diversos outros genes. Portanto,
gotas (Lele). É importante ressaltar que essa
seria possível que bHLH estivesse regulando
diferença de tamanho entre os caules desses
indiretamente os genes da via de biossíntese
dois genótipos se deve à diferença no com-
de antocianinas.
primento da região dos internodos, não ao
número de nós (ELLIS et al. 2011; REID; Posteriormente bHLH foi sequenciado e a
ROSS, 2011). confirmação de seu envolvimento na colora-
ção das flores veio por meio de experimentos
2. COR DAS FLORES nos quais flores brancas foram revertidas em
pigmentadas quando bombardeadas com o
Mendel observou a existência de uma asso-
alelo bHLH selvagem. Portanto, o lócus A
ciação entre o revestimento da semente (tec-
está associado à ação de uma proteína de pa-
nicamente denominada testa) e a coloração
pel regulador da transcrição gênica (ELLIS
das flores de ervilheiras. Mais especificamen-
et al. 2011; REID; ROSS, 2011).
te, ele notou que sementes com testas pig-
Tabela 1.
Descrição dos sete caracteres
estudados por Mendel (Baseado
em REID; ROSS, 2011).
I. II. III. IV. V. VI. VII.
Característica Fenótipo Fenótipo Símbolo O gene já é Genes Função gênica/
dominante recessivo do lócus conhecido? candidatos Processo biológico
Estrutura do cloroplasto
Cor da vagem Verde Amarelo GP Não LCD1 (?)
na parede da vagem
Formação de esclerênquima
Forma da vagem Inflada Murcha V (?) Não Não há
nas vagens
Fator de transcrição
Cor da flor Roxa Branca A bHLH - (regulação de genes da via
de biossíntese de antocianina)
Cor do
Amarela Verde I Stay-green - Degradação da clorofila
cotilédone
Em ervilhas existem alguns lócus que são Pv eram as mais comumente encontradas na
capazes de conferir este fenótipo fasciolado, época de Mendel.
sendo que os lócus Fa e Fas são os dois prin-
Dos sete caracteres estudados por ele, esse é
cipais candidatos. Estudos com A. thaliana
o que foi descrito com a menor riqueza de
têm ajudado a identificar genes candidatos
detalhes, o que dificulta a determinação de
para esses lócus. Dentre eles se destacam
genes candidatos para explicar tal caráter. No
o gene CLAVATA 3 (CLV3), codificador
entanto, uma análise dos aspectos fisiológi-
de pequenos peptídeos secretados e o gene
cos durante o desenvolvimento das vagens
CLAVATA 1 (CLV1), codificador de uma
pode vir elucidar essa questão (ELLIS et al.
proteína transmembrânica receptora destes
2011; REID; ROSS, 2011).
peptídeos, localizada no meristema apical.
Estas interações transmitem um sinal que CONSIDERAÇÕES FINAIS
mantém a população de células meristemáti- Em 1866 o trabalho de Mendel foi publica-
cas sob controle. Falhas na sinalização CLV do lançando os fundamentos da hereditarie-
promovem um acúmulo de células meriste- dade. Ao longo do século XX, um esforço
máticas, como visto nos fenótipos fasciola- conjunto e articulado entre diferentes áreas
dos de clv1 e clv3. Curiosamente, buscas em - evidências históricas, estudos fisiológicos,
Medicago sp. por regiões sintênicas a Fa e a análises bioquímicas e mais recentemente
Homólogo: que possui Fas identificaram sequências homólogas a dados moleculares - têm permitido identifi-
uma origem evolutiva CLV1, o que reforça a possibilidade de ter
comum. Portanto, sequências car e caracterizar alguns dos genes respon-
sido esse o gene indiretamente estudado por sáveis pelos caracteres originalmente estuda-
homólogas são sequências
de DNA que possuem um Mendel (ELLIS, et al. 2011). dos por ele.
ancestral comum, resultando
em uma conservação parcial da 5. FORMA DAS VAGENS No momento, o quebra-cabeça está par-
sequência nucleotídica entre cialmente resolvido. As funções celulares/
espécies diferentes. Os fenótipos inflado ou murcho das vagens
bioquímicas exatas de alguns destes genes
se devem à presença ou à ausência de uma
já foram determinadas. Porém, ainda restam
camada de revestimento de esclerênquima,
três caracteres cujas naturezas moleculares
respectivamente. Esse revestimento permite
precisam ser entendidas. Estas informações
a manutenção da estrutura da parede das va-
irão não apenas enriquecer os detalhes da in-
gens infladas enquanto que sua ausência leva
crível história traçada por Mendel, mas tam-
a vagem a se retrair em volta das sementes,
bém permitirão estabelecer novas relações
resultando em um aspecto murcho. Ao me-
genótipo-fenótipo com potencial impacto na
nos dois lócus podem estar associados a esta
agricultura.
característica: o lócus P e o lócus V (localiza-
dos em cromossomos distintos).
REFERÊNCIAS
Tanto as vagens ppVV quanto PPvv pos- DAVIDSON, S. E.; ELLIOTT, R. C.;
suem faixas reduzidas de esclerênquima, ao HELLIWELL, C. A.; POOLE, A. T.;
passo que plantas duplo-mutantes ppvv não REID, J. B. The pea gene NA encodes ent-
apresentam esta camada de esclerênquima. -kaurenoic acid oxidase. Plant Physiology, v.
Todos esses genótipos geram o fenótipo 131, p. 335-344, 2003.
murcho, em maior ou menor intensidade ELLIS, N. T. H.; HOFER, J.M.I., TIMMER-
(ELLIS et al. 2011; REID; ROSS, 2011). MAN-VAUGHAN, G. M.; COYNE, C. J.;
HELLENS, ROGER P. Mendel, 150 years
A partir das descrições de Mendel não é pos-
on. Trends in Plant Science. v. 16, n. 11, p.
sível afirmar com exatidão qual foi a varian-
590-596, 2011.
te estudada por ele em seus experimentos
(ppVV ou PPvv). No entanto, é assumido REID, J. B.; ROSS J. J. Mendel’s Genes: Toward
que ele analisou a variação do lócus V, pois o a Full Molecular Characterization Genetics,
v. 189, n.1, p. 3–10, 2011.
fenótipo do mutante em relação a este lócus
se encaixa de forma mais adequada em suas WHITE, O. E. Studies of Inheritance in Pisum.
descrições. Outra evidência nesse sentido re- Proceedings of Amercian Philosophical Society,
side no fato de que sementes com o genótipo v. 56, p. 487-588, 1917.