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ECONOMIA

AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA

GRADUAÇÃO
2021.1
Sumário
Economia

PLANO DE ENSINO..................................................................................................................................................4

AULA 1- POR QUE ESTUDAR ECONOMIA EM UM CURSO DE DIREITO?....................................................................................11

AULA 2 - PRÉ-COMPRRENSÃO DO TEMA: A DUPLA FACE DA ECONOMIA................................................................................51

AULA 3 – OS MERCADOS DE FATORES DE PRODUÇÃO E DE BENS E SERVIÇOS..........................................................................76

AULA 4 - OS DEZ PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E A RACIONALIDADE ECONÔMICA. A SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL: A NATUREZA E


OS LIMITES DA ECONOMIA......................................................................................................................................95

AULA 5 - A MOEDA E NOÇÕES BÁSICAS DE POLÍTICA MONETÁRIA: O MONETARISMO E TEORIA MONETÁRIA MODERNA (TMM). O ESCAMBO;
MERCADORIAS-MOEDA; METALISMO; CUNHAGEM; PAPEL-MOEDA; MOEDA FIDUCIÁRIA (MOEDA SEM VALOR INTRÍNSECO); MOEDA
BANCÁRIA-CHEQUES; MOEDA ESCRITURAL; CARTÕES DE PLÁSTICO, AS CRIPTOMOEDAS E NOVOS MEIOS DE PAGAMENTO E TRANSFERÊNCIA
DE RECURSOS. A POLÍTICA MONETÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA..................................................................................134

AULA 6 – AS CRIPTOMOEDAS: O BITCOIN E A LIBRA......................................................................................................169

AULA 7- O SER ECONÔMICO E A ATIVIDADE EMPRESARIAL: O BALANÇO PATRIMONIAL E O RESULTADO DO EXERCÍCIO. VALOR DOS BENS
E SERVIÇOS. VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO E O PODER DE COMPRA: JUROS SIMPLES E JUROS COMPOSTOS. VALOR PRESENTE DO
FLUXO DE CAIXA................................................................................................................................................181

AULA 8- SOLUÇÃO DE EXERCÍCIOS: VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO E O PODER DE COMPRA: JUROS SIMPLES E JUROS COMPOSTOS. VALOR
PRESENTE DO FLUXO DE CAIXA..............................................................................................................................212

AULA 9- O MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO E O INVESTIMENTO EM VALOR (VALUE INVESTING): PENSANDO NO LONGO PRAZO.....215

AULA 10- AS FORÇAS DE MERCADO: A OFERTA E A DEMANDA. ELASTICIDADE E SUAS APLICAÇÕES............................................216

AULA 11- AS FORÇAS DE MERCADO: A OFERTA E A DEMANDA. ELASTICIDADE E SUAS APLICAÇÕES............................................223

AULA 12- A OFERTA, A DEMANDA E POLÍTICAS DO GOVERNO: O CUSTO DA TRIBUTAÇÃO E O PESO MORTO DOS TRIBUTOS. A CURVA
DE LAFER........................................................................................................................................................230
Sumário
Economia

AULA 15 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE MICROECONOMIA. A TEORIA DA ESCOLHA DO CONSUMIDOR: UTILIDADE E CURVAS DE


INDIFERENÇA; RESTRIÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E DECISÃO ÓTIMA DO CONSUMIDOR...............................................................239

AULA 16 BENS PÚBLICOS E RECURSOS COMUNS. A CONTRIBUIÇÃO DE PIGOU. OS TRIBUTOS PIGOUVIANOS.................................251

AULA 17 EXTERNALIDADES NEGATIVAS E O TEOREMA DE COASE......................................................................................277

AULA 18 A TEORIA DA EMPRESA: RECEITAS, CUSTOS, LUCROS E DECISÕES ÓTIMAS DA EMPRESA...............................................328

AULAS 19 E 20 ESTRUTURA E EQUILÍBRIO DE MERCADO: MERCADO COMPETITIVO, MONOPÓLIO E OLIGOPÓLIO, CONCORRÊNCIA


MONOPOLÍSTICA. EFEITOS DO MERCADO COMPETITIVO, DO MONOPÓLIO E DO OLIGOPÓLIO....................................................329

AULAS 21 E 22 APRESENTAÇÕES DE TRABALHOS EM SALA: TEMA DIA 1: O CONTROLE DE PREÇOS (PREÇOS MÁXIMOS E MÍNIMOS).
EXCEDENTE TOTAL E BEM ESTAR. EXCEDENTE DO CONSUMIDOR, DA EMPRESA E A EFICIÊNCIA DO MERCADO. TEMA DIA 2: O TEOREMA DO
BEM-ESTAR E A EFICIÊNCIA DE PARETO: O CRITÉRIO KALDOR-HICKS.................................................................................340

AULAS 23 INTRODUÇÃO À TEORIA DOS JOGOS............................................................................................................341

ANEXO I DA AULA 3.............................................................................................................................................342

ANEXO II DA AULA 3............................................................................................................................................344

ANEXO III DA AULA 3...........................................................................................................................................348


ECONOMIA

PLANO DE ENSINO

DISCIPLINA

ECONOMIA

DOCENTE

LEONARDO DE ANDRADE COSTA


CÓDIGO

GRDDIR002

PERÍODO

NATUREZA

OBRIGATÓRIA

CARGA HORÁRIA

60h

EMENTA

A economia em sua dupla face: (1) estudo da alocação dos recursos


escassos para produção, distribuição e consumo de bens e serviços nos
mercados e as funções dos governos no plano nacional e internacional;
e (2) análise do processo decisório humano racional. O fluxo circular
representativo da organização econômica clássica e da economia digital.

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ECONOMIA

A macroeconomia e a microeconomia: crescimento econômico e


distribuição de riqueza. Os dez princípios e a racionalidade econômica.  A
sustentabilidade multidimensional: a natureza e os limites da economia.

A moeda e noções básicas de política monetária: o monetarismo e


teoria monetária moderna  (TMM). O escambo; mercadorias-moeda;
metalismo; cunhagem; papel-moeda; moeda fiduciária (moeda sem valor
intrínseco); moeda bancária-cheques; moeda escritural; cartões de plástico
e as criptomoedas (o bitcoin e a Libra). O ser econômico e a atividade
empresarial: o balanço patrimonial e o resultado do exercício. Valor
dos bens e serviços. Valor do dinheiro no tempo e o poder de compra:
juros simples e juros compostos. Valor presente do fluxo de caixa. O
mercado de capitais brasileiro e o investimento em valor (value investing):
pensando no longo prazo. As finanças públicas: a fiscalidade e a política
extrafiscal. As forças de mercado: a oferta e a demanda. Elasticidade e
suas aplicações. A oferta, a demanda e políticas do governo. O custo da
tributação e o peso morto dos tributos. A curva de Lafer.

Conceitos fundamentais de microeconomia. A teoria das escolhas do


consumidor: utilidade e curvas de indiferença; restrições orçamentárias
e decisão ótima do consumidor. Bens públicos e recursos comuns.
Externalidades. A contribuição de Pigou: os tributos pigouvianos.
Externalidades negativas e o teorema de Coase. A teoria da empresa:
receitas, custos, lucros e decisões ótimas da empresa. Estrutura e equilíbrio
de mercado: mercado competitivo, monopólio e oligopólio, concorrência
monopolística. Efeitos do Mercado Competitivo e do Monopólio.
Efeitos do Mercado Competitivo e do Oligopólio. Excedente Total e Bem
Estar. Excedente do consumidor, da empresa e a eficiência do mercado. O
teorema do bem-estar e a eficiência de Pareto: o critério Kaldor-Hicks. A
utilização do instrumental analítico microeconômico para compreensão
do processo decisório não comercial. Introdução à Teoria dos Jogos.

OBJETIVOS

A disciplina tem como objetivo apresentar os conceitos elementares


de macroeconomia e de microeconomia para que o aluno possa entender
o ambiente econômico no qual as pessoas físicas e jurídicas interagem,
além de aprender o instrumental analítico básico do economista, a partir
de premissas e concepções distintas. Compreender o comportamento
de consumidores, das empresas, dos mercados e dos governos, no plano
nacional e internacional.

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ECONOMIA

Construir estratégias de gestão de problemas e de recursos frente


à concorrência do mercado, ao comportamento do consumidor e à
estruturação das instituições e regulação dos mercados. Apresentar
aspectos básicos da Teoria dos Jogos.

METODOLOGIA

A metodologia proposta é híbrida, na medida em que compreende


aulas expositivas e dialogadas, o estudo participativo de casos e a solução
de exercícios práticos. Os exercícios serão escolhidos de maneira a
exemplificar a utilização dos conceitos estudados no dia a dia profissional.

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ECONOMIA

Interpretar/aplicar as normas (princípios e regras) do


sistema jurídico nacional, observando a experiência
estrangeira comparada, quando couber, articulando o
conhecimento teórico com a resolução de problemas.
Demonstrar competência na leitura, compreensão e
elaboração de textos, atos e documentos jurídicos, de ca
áter negocial, processual ou normativo, bem como a
devida utilização das normas técnico-jurídicas.
Demonstrar capacidade para comunicar-se com precisão.
Dominar instrumentos da metodologia jurídica, sendo
capaz de compreender e aplicar conceitos, struturas e
racionalidades fundamentais ao exercício do Direito.
HABILIDADE Adquirir capacidade para desenvolver técnicas de
raciocínio e de argumentação jurídicos com objetivo de
propor soluções e decidir questões no âmbito do Direito.
Desenvolver a cultura do diálogo e o uso de meios
X
consensuais de solução de conflitos.
EXIGÊNCIA
MEC Compreender a hermenêutica e os métodos
interpretativos, com a necessária capacidade de pesquisa
e de utilização da legislação, da jurisprudência, da
doutrina e de outras fontes do Direito.
Ter competências para atuar em diferentes instâncias
RESOLUÇÃO extrajudiciais, administrativas ou judiciais, com a
Nº 5, 18 DE devida utilização de processos, atos e procedimentos.
DEZEMBRO Utilizar corretamente a terminologia e as categorias jurídicas.
DE 2018
Aceitar a diversidade e o pluralismo cultural.
Compreender o impacto da inteligência artificial e das
novas tecnologias na área jurídica.
Possuir o domínio de tecnologias e métodos para
permanente compreensão e aplicação do Direito.
Desenvolver a capacidade de trabalhar em grupos formados
por profissionais do Direito ou de caráter interdisciplinar.
Apreender conceitos deontológico-profissionais e desenvolver
perspectivas transversais sobre direitos humanos.
Outras: Dominar a racionalidade econômica como
X instrumento analítico adicional à solução de problemas
jurídicos

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ECONOMIA

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
AULA TEMA
Apresentação do Curso: Por que estudar economia em
um curso de Direito? Os casos (1) das drogas ilícitas;
(2) dos cigarros e bebidas alcóolicas e não alcóolicas;
1 (3) o controle dos preços de aluguéis de imóveis e
a proteção do consumidor; e (4) das alternativas
profissionais: o custo contábil vs. custo econômico
(custo de oportunidade).
Introdução à dupla face da economia: (1) estudo no
plano nacional e internacional dos mercados - de
fatores de produção, de bens e serviços e financeiro
2 (monetário e de capitais) - em sua interação com os
governos e organizações supranacionais; (2) análise do
modo como pessoas físicas e jurídicas realizam escolhas
(o processo decisório).
O fluxo circular representativo da organização
econômica clássica e da crescente economia digital
(multi-sided platforms - MSP). A macroeconomia
3
e a microeconomia: crescimento econômico
(produtividade e rendimentos marginais decrescentes)
e distribuição de riqueza.
Os dez princípios da economia e a racionalidade
4 econômica.  A sustentabilidade multidimensional: a
natureza e os limites da economia.
A moeda e noções básicas de política monetária: o
monetarismo e teoria monetária moderna (TMM). O
escambo; mercadorias-moeda; metalismo; cunhagem;
papel-moeda; moeda fiduciária (moeda sem valor
5
intrínseco); moeda bancária-cheques; moeda escritural;
cartões de plástico, criptomoedas e novos meios de
pagamento. A política monetária em tempos de
pandemia.
6 As criptomoedas: o bitcoin e a Libra.
O ser econômico e a atividade empresarial: o balanço
patrimonial e o resultado do exercício. Valor dos bens
7 e serviços. Valor do dinheiro no tempo e o poder
de compra: Juros simples e juros compostos. Valor
presente do fluxo de caixa.

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ECONOMIA

Solução de exercícios: Valor do dinheiro no tempo e


8 o poder de compra: juros simples e juros compostos.
Valor presente do fluxo de caixa.
O mercado de capitais brasileiro e o investimento em
9
valor (value investing): pensando no longo prazo
As forças de mercado: a oferta e a demanda. Elasticidade
10
e suas aplicações.
As forças de mercado: a oferta e a demanda. Elasticidade
11
e suas aplicações.
A oferta, a demanda e políticas do governo: o custo da
12
tributação e o peso morto dos tributos. A curva de Lafer.
13 PROVA P1
14 Revisão da P1
Conceitos fundamentais de microeconomia. A teoria da
15 escolha do consumidor: utilidade e curvas de indiferença;
restrições orçamentárias e decisão ótima do consumidor.
Bens públicos e recursos comuns. Externalidades. A
16
contribuição de Pigou: os tributos pigouvianos.
17 Externalidades negativas e o teorema de Coase.
A teoria da empresa: receitas, custos, lucros e decisões
18
ótimas da empresa.
Estrutura e equilíbrio de mercado: mercado competitivo,
19
monopólio e oligopólio, concorrência monopolística.
Efeitos do Mercado Competitivo, do Monopólio e do
20
Oligopólio.
Apresentação de trabalhos em sala: O controle de
preços (preços máximos e mínimos). Excedente Total e
21
Bem Estar. Excedente do consumidor, da empresa e a
eficiência do mercado.
Apresentação de trabalhos em sala: O teorema do bem-
22
estar e a eficiência de Pareto: o critério Kaldor-Hicks
A utilização do instrumental analítico microeconômico
23 para compreensão do processo decisório não econômico/
comercial. Introdução à Teoria dos Jogos.
CRITÉRIOS DE Avaliação 1 = Prova com consulta (5 pontos)
AVALIAÇÃO Avaliação 2 = Prova sem consulta (5 pontos)

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ECONOMIA

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Material didático da FGV Direito Rio.

KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin . Introdução à Economia. Campus.


2015, 3ª edição.

VARIAN, H. R. Microeconomia: Princípios Básicos. 7ª edição. Rio de


Janeiro: Campus, 2006.

VASCONCELLOS, Marco Antonio S.;  GARCIA,  Manuel Enriquez.


Fundamentos de economia. Saraiva, 2018 

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

PINDYCK, ROBERT S.; ROBINFIELD, DANIEL L. Microeconomia.


2010, 7ª Edição

TAPSCOTT, Don. The Digital Economy: Rethinking Promise and Peril


in the Age of Networked Intelligence. McGraw-Hill Education,
2014.

SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e sua


causa. [s.l.] : São Paulo : Nova Cultural, 1985.

SENNA, José Júlio Política Monetária - Ideias, Experiências e Evolução.


Editora FGV, 2010.

FIANI, R. Teoria dos jogos: com aplicações em economia, administração


e ciências sociais. [s.l.] : Rio de Janeiro : Campus, 2006

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ECONOMIA

AULA 1– POR QUE ESTUDAR ECONOMIA EM UM CURSO DE DIREITO?

No primeiro contato do estudante da graduação em direito com


esta disciplina é natural surgir um questionamento: por que estudar
economia em um curso de direito?

O direito tem como objetivo primordial disciplinar o comportamento


dos indivíduos para o convívio social, impondo deveres, constituindo e
regulando a criação de instituições públicas e privadas, atribuindo efeitos
a determinados acontecimentos (e.g. maioridade) e fixando sanções pelo
descumprimento das condutas exigíveis.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88)


estabelece a estrutura básica para o exercício da atividade econômica,
conforme salientam Ana Alice de Carli e Leonardo de Andrade Costa1:

A arquitetura constitucional brasileira estabelece


um modelo bipartido quanto à titularidade
primária da atividade econômica, do qual decorrem
o domínio público e o âmbito privado de atuação.
O campo de execução reservado ao Estado na
realização de atividade econômica em sentido
lato, que não se confunde com a função estatal
fiscalizadora e de regulação, é delimitado de forma
exaustiva (art. 21, XI, XII e XXIII, da CRFB/88), ao
passo que é livre o exercício de qualquer atividade
privada, independentemente de autorização de
órgãos públicos, ressalvados os casos previstos em
lei (artigo 170, CRFB/88).
A partir desse modelo dual de titularidade da
atividade econômica, surgem três regimes jurídicos
distintos: o estritamente público, o exclusivamente
privado e o misto ou compartilhado.
Essa pluralidade de disciplinas jurídicas decorre
da faculdade conferida ao poder público para
exercer algumas atividades econômicas de seu
domínio primário por meio de concessionárias, 1
CARLI Ana Alice De; COSTA, Leonardo
permissionárias ou autorizatárias, não obstante de Andrade. O estado regulador
brasileiro e o direito fundamental
o relevante interesse coletivo existente. ao saneamento básico. (No prelo).

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ECONOMIA

Nessa hipótese, o Estado presta o serviço de forma 2


Para Miguel Reale, as fontes do
direito são a lei, a jurisprudência, os
indireta, por meio de delegação a outra pessoa, de costumes e o ato negocial. Portanto,
de acordo com o jurista a doutrina
direito público ou privado, mantendo, no entanto, é apenas um instrumento de
a titularidade da atividade. complementação das fontes do direito.
REALE, Miguel. Lições Preliminares
de Direito. 27ª Edição. São Paulo:
Saraiva: 200,3. p.176-178.
A matéria prima do trabalho do jurista são as leis em sentido amplo, o 3
VARIAN, Hal R. Microeconomia:
que inclui a norma fundamental, que é a Constituição, a jurisprudência, uma abordagem moderna. 9ª
ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
os costumes e as fontes negociais2. p.1. “Por modelo entendemos
uma representação simplificada
da realidade. A ênfase aqui está na
O economista, por sua vez, a partir da concepção de modelos de palavra ‘simplificada’. Imagine como
seria inútil um mapa em escala 1:1.
fenômenos sociais que simplificam a realidade 3, dispõe de instrumental O mesmo é válido para um modelo
econômico que tente descrever todos
analítico adequado ao exame da eficiência 4 ou ineficiência das regras os aspectos da realidade. A importância
do modelo provém da eliminação dos
jurídicas propostas e/ou adotadas. Ainda, é capaz de indicar alternativas detalhes irrelevantes, o que permite
dotadas de estimativas de custos, financeiros ou não, inclusive com ao economista concentrar-se nas
características essenciais da realidade
estudos empíricos acerca das causas e consequências previsíveis em econômica que procura compreender”.

face da complexidade que envolve a análise do comportamento e 4


O conceito econômico de eficiência
será apresentado na aula 10.
escolhas humanas 5. 5
A doutrina utilitarista, de Jeremy
Bentham (1748-1832) e de John Stuart
Mill (1806-1876), consagrou o ser
Além de introduzir o estudo da economia em sua interligação com a econômico (homo economicus) como
maximizador de utilidade pessoal, o
disciplina jurídica, o exame de alguns casos permite iniciar o exame dos que servia como um critério para a
possíveis impactos das diferentes alternativas decisórias sobre a oferta e organização moral da sociedade. Nesses
termos, o comportamento humano seria
demanda de bens e serviços, assim como as flutuações dos preços diante sempre racional com o objetivo de extrair
o máximo de bem-estar pessoal. Por
da diversidade de comportamentos disponíveis, tanto para os indivíduos sua vez, o psicólogo Daniel Kahneman,
ganhador do prêmio Nobel em economia
como a sociedade de forma agregada. em 2002, demonstrou em seus estudos
que em situações envolvendo incertezas,
o julgamento humano normalmente
Nesse sentido, foram escolhidos 4 (quatro) exemplos, os quais têm explora princípios genéricos, que
sistematicamente contradizem propostas
como objetivo demonstrar a relevância do instrumental analítico e da da teoria da probabilidade. Assim,
nem sempre as pessoas são capazes
racionalidade econômica para o estudo do direito, especialmente no de analisar perfeitamente as situações
cujas consequências futuras são incertas.
que se refere às possíveis consequências, incentivos e desincentivos A partir dessas conclusões, os modelos
decorrentes das variadas escolhas possíveis por parte dos agentes econômicos têm sido adaptados, além
de criado um novo campo de estudo: a
econômicos e governos. economia comportamental (behavioral
economics). É a área da economia
que objetiva avaliar a influência da
impulsividade humana, que pode
prevalecer diante de certas circunstâncias.
1. CASO 1: AS DROGAS ILÍCITAS Saliente-se que Richard H. Thaler também
foi ganhador do prêmio Nobel de
economia, de 2017, “for his contributions
to behavioural economics”. Disponível
A partir da análise de trechos dos 3 (três) textos a seguir, avalie, sob em: https://www.nobelprize.org/prizes/
economic-sciences/2002/kahneman/
o ponto de vista econômico, os efeitos, estímulos e consequências do facts/. Acesso em 23.01.2020.
chamado “modelo bélico de política criminal” e de “confronto e da 6
Disponível em: http://www.
in.gov.br/materia/-/asset_publisher/
guerra” ao tráfico de drogas, em face da atual proposta veiculada pelo Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137357/
Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019, norma que aprovou a atual do1e-2019-04-11-decreto-n-9-761-
de-11-de-abril-de-2019-71137316.
Política Nacional sobre Drogas do Brasil (Pnad):6 Acesso em 07.12.2019.

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ECONOMIA

A. História do combate às drogas no Brasil7

“Em sintonia com o modelo internacional de


combate às drogas, capitaneado pelos Estados
Unidos, o Brasil desenvolve ações de combate e
punição para reprimir o tráfico.
Essa tendência, porém, vem desde os tempos
de colônia. As Ordenações Filipinas, de 1603,
já previam penas de confisco de bens e degredo
para a África para os que portassem, usassem
ou vendessem substâncias tóxicas. O país
continuou nessa linha com a adesão à Conferência
Internacional do Ópio, de 1912.
A visão de que as drogas seriam tanto um problema
de saúde quanto de segurança pública, desenvolvida
pelos tratados internacionais da primeira metade
do século passado, foi paulatinamente traduzida
para a legislação nacional. Até que, em 1940, o
Código Penal nacional confirmou a opção do
Brasil de não criminalizar o consumo. Segundo
Roberta Duboc Pedrinha, especialista em Direito
Penal e Sociologia Criminal, estabeleceu-se uma
“concepção sanitária do controle das drogas”,
pela qual a dependência é considerada doença e,
ao contrário dos traficantes, os usuários não eram
criminalizados, mas estavam submetidos a rigoroso
tratamento, com internação obrigatória.

Modelo bélico
Porém, Roberta Pedrinha conta que o golpe militar
de 1964 e a Lei de Segurança Nacional deslocaram
o foco do modelo sanitário para o modelo bélico
de política criminal, que equiparava os traficantes
aos inimigos internos do regime. Para a advogada,
não por acaso, a juventude associou o consumo
de drogas à luta pela liberdade. “Nesse contexto,
da Europa às Américas, a partir da década de 60,
a droga passou a ter uma conotação libertária,
associada às manifestações políticas democráticas, 7
Disponível em: https://www.senado.
gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/
aos movimentos contestatórios, à contracultura, dependencia-quimica/iniciativas-
especialmente as drogas psicodélicas, como do-governo-no-combate-as-drogas/
historia-do-combate-as-drogas-no-
maconha e LSD”, analisa. brasil.aspx. Acesso em 21.01.2020.

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ECONOMIA

Passeata estudantil
no Rio, em 1968:
a contracultura
da época também
associou consumo
de drogas à luta
pela liberdade.
Foto: Evandro
Teixeira /CPDOC JB

Em 1973, o Brasil aderiu ao Acordo Sul-


Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos
e, com base nele, baixou a Lei 6.368/1976, que
separou as figuras penais do traficante e do
usuário. Além disso, a lei fixou a necessidade do
laudo toxicológico para comprovar o uso.
Finalmente, a Constituição de 1988 determinou
que o tráfico de drogas é crime inafiançável e sem
anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei
8.072/90) proibiu o indulto e a liberdade provisória
e dobrou os prazos processuais, com o objetivo de
aumentar a duração da prisão provisória.
Já a Lei de Drogas (Lei 11.343/06) eliminou a
pena de prisão para o usuário e o dependente, ou
seja, para aquele que tem droga ou a planta para
consumo pessoal. A legislação também passou a
distinguir o traficante profissional do eventual,
que trafica pela necessidade de obter a droga para
consumo próprio e que passou a ter direito a uma
sensível redução de pena.
Já a criação da Força Nacional de Segurança e as
operações nas favelas do Rio de Janeiro, iniciadas em
2007 e apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da
implantação das unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença
do Estado a regiões antes entregues ao tráfico, não
apenas atendendo às críticas internacionais, como
também como preparação para a Copa do Mundo
de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
As discussões em torno das leis que tratam do
tráfico e dependência de drogas continuam a ser
feitas no Congresso, envolvendo ainda aspectos
como o aumento de impostos e o controle do
álcool e do cigarro”.

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ECONOMIA

B. Do #viDasnasfavelasimportam ao #nóspornós: A JUVENTUDE PERIFÉRICA


NO CENTRO DO DEBATE SOBRE POLÍTICA DE DROGAS8

“1. INTRODUÇÃO: PELA MIRA DO FUZIL


A guerra às drogas afeta diretamente o nosso dia a
dia. Para nós, significa escolas fechadas, mudança
na rotina, medo de sair de casa, preocupação
extrema com o nosso bem-estar e o da nossa
família. Em nome dessa guerra, o Estado justifica
uma série de violações de direitos contra nós,
jovens de favelas e periferias. Mas essa guerra
não é nossa. Não fomos nós que declaramos a
guerra às drogas. Não fomos nós que decidimos
que algumas drogas seriam consideradas legais e
outras, ilegais. Mas somos nós que morremos por
conta dela (Movimentos, 2017).
No Brasil, a política da guerra às drogas afeta
desproporcionalmente as regiões periféricas
dos centros urbanos. Não é novidade que
as favelas são vistas por parte da sociedade
brasileira como territórios da precariedade e da
carência, caóticos, violentos, que precisam ser
controlados e reprimidos. Nas últimas décadas,
a figura do “traficante”, diretamente associada
à imagem já estigmatizada das periferias, passou
a representar o inimigo número um do país no
imaginário popular, acentuando ainda mais o
caráter repressivo das políticas públicas que
chegam aos territórios favelados. É pela mira
do fuzil que o Estado brasileiro olha para as
favelas e periferias. E, no que se refere à política
de drogas, a estratégia prioritária adotada pelos
governos é a do confronto e a da guerra. As táticas
para combater o mercado ilegal de drogas são
bem conhecidas por todos: incursões policiais
frequentes, fazendo uso irrestrito de armamento
pesado, com o objetivo declarado de desmantelar
organizações criminosas e apreender substâncias
ilícitas. Colocados na linha de frente, os moradores
das periferias ficam expostos à violência cotidiana 8
Disponível em: http://repositorio.
derivada de operações “antidrogas” e de disputas ipea.gov.br/bitstream/11058/8886/1/
bapi_18_cap_12.pdf. Acesso em
territoriais pelo controle do mercado ilegal. 21.01.2020.

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ECONOMIA

Nesse contexto, seus direitos mais básicos são


sistematicamente violados: aulas são canceladas,
trabalhadores ficam com medo de sair de casa,
comércios e equipamentos públicos fecham as portas.
E, o que é pior: centenas de vidas, a maioria delas de
jovens negros, são perdidas. O coletivo Movimentos
nasce com o propósito de debater alternativas à atual
política da guerra às drogas a partir da perspectiva de
quem é mais afetado por ela: a juventude favelada
e periférica. Construído a partir de um modelo
institucional híbrido, o coletivo foi concebido por
jovens ativistas, comunicadores e artistas de diferentes
favelas da região metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ) com apoio do Centro de Estudos de Segurança
e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido
Mendes (Ucam). Desde sua criação, o Movimentos
persegue um objetivo duplo: por um lado, levar o
debate sobre política de drogas para dentro das favelas
e periferias brasileiras; por outro, trazer as vozes, os
rostos e os corpos favelados e periféricos para o centro
do debate que já está sendo feito em outros espaços.
O objetivo deste artigo é delinear a conjuntura que
está por trás da criação do Movimentos; a experiência
do coletivo na construção de novos entendimentos
sobre política de drogas a partir da perspectiva das
favelas e das periferias; e os princípios que acreditamos
que devem guiar a busca por políticas mais justas e
eficazes no combate ao racismo e às desigualdades que
alimentam a guerra às drogas.
2 GUERRA ÀS DROGAS, GUERRA ÀS FAVELAS
Nos últimos anos, o debate sobre política de drogas
no Brasil passou por importantes mudanças, ainda
que modestas. Dois movimentos destacam-se na
história recente do campo antiproibicionista: a
articulação entre líderes políticos e personalidades
mundiais capitaneada pelo ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, que culmina na criação da
Comissão Global sobre Política de Drogas e
no lançamento do documentário Quebrando o
Tabu, de 2011; e a mobilização de pacientes de
maconha medicinal e de seus familiares na luta pela
regulamentação do acesso à medicação adequada,
processo bem retratado no filme Ilegal, de 2014.

FGV DIREITO RIO 16


ECONOMIA

Sem dúvida, esses movimentos foram cruciais para


fazer avançar o debate e para dar fôlego a mudanças
na política de drogas. Em janeiro de 2015, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
retirou o canabidiol, princípio ativo da maconha,
da lista de substâncias proibidas, empecilho
crucial para a importação de medicamentos
derivados da cannabis. Em agosto do mesmo ano,
o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a
discutir a descriminalização do porte de drogas
para consumo próprio. Especialmente no que se
refere à maconha medicinal, importantes avanços
foram conquistados desde então, a começar
pela concessão de habeas corpus para que treze
famílias possam plantar e produzir o óleo de
cannabis para finalidades terapêuticas, e pela
permissão de registro, junto à Anvisa, do primeiro
medicamento à base de derivados da cannabis.
Mais recentemente, a Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) anunciou um plano de pesquisa para
a produção de cannabis para uso medicinal. No
entanto, a despeito desse cenário timidamente
animador, no que diz respeito à guerra às drogas
e a seus impactos na população pobre e periférica,
testemunhamos o retrocesso. Os últimos dados
divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança
Pública mostram que o Brasil atingiu a marca das
60 mil mortes em 2016. No país com o maior
número absoluto de homicídios no mundo, a
taxa mais alta de mortes violentas concentra-se na
faixa dos 21 anos (Cerqueira et al., 2017). Entre
2005 e 2015, a taxa de homicídios entre jovens
de 15 a 29 anos aumentou 17% – isso significa
que, nesse mesmo período, 318 mil jovens
foram assassinados no país (ibidem). Embora
não seja possível estimar quantas dessas mortes
estão relacionadas às drogas, sabemos que boa
parte delas é provocada pela violência causada
pelo combate militarizado ao “narcotráfico”.

FGV DIREITO RIO 17


ECONOMIA

Só que a guerra às drogas não atinge a


juventude de forma homogênea: hoje, no país,
os jovens negros têm mais chance de serem
assassinados do que os jovens não negros.
De cada cem pessoas que sofrem homicídio no
país, 71 delas são negras (Cerqueira et al., 2017).
E os dados mostram que, em vez de melhorar, essa
situação tem se agravado: na última década, a taxa
de homicídios da população negra aumentou 18%,
enquanto a mesma taxa entre as pessoas de outras
raças e etnias diminuiu 12% (ibidem). Os custos
da guerra às drogas recaem desproporcionalmente
sobre os jovens negros, a maioria do sexo masculino.
Olhar para o número de homicídios é apenas uma
forma de tentar entender o impacto da “guerra às
drogas” na sociedade. Quando consideramos as
taxas de encarceramento, o quadro de violência e
desigualdade permanece o mesmo. O Brasil tem
a terceira maior população carcerária do mundo,
sendo o crime de tráfico de drogas a causa mais
recorrente das prisões. Desde a nova Lei de Drogas
(Lei no 11.343, de 2006), o número de presos por
tráfico aumentou 339% (D’Agostino, 2015). Assim
como no caso dos homicídios, as pessoas negras são
impactadas em proporção maior do que o restante
da população: ainda que os negros representem
pouco mais de 53% da sociedade brasileira, 64%
das pessoas presas no país são negras (Brasil, 2016).
E onde a guerra às drogas é travada? Embora as
drogas circulem por toda a cidade, somente as
favelas e as periferias sentem os impactos violentos
do combate ao mercado ilícito dessas substâncias.
Dados recentes divulgados pela Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro mostram
que a maior parte das prisões em flagrante pelo
crime de tráfico de drogas acontece nas periferias
da região metropolitana (RM) (Haber, 2018). No
Complexo da Maré, conjunto de favelas localizado
na Zona Norte do Rio de Janeiro, 41 operações
policiais foram realizadas em 2017; em média, uma
operação a cada nove dias (Redes da Maré, 2017).

FGV DIREITO RIO 18


ECONOMIA

Nesse mesmo ano, os confrontos armados


vitimaram 42 pessoas na Maré e deixaram mais
57 feridos; ao todo, foram 45 dias sem atividades
nos postos de saúde da região e 35 dias em que
as aulas foram suspensas. E o que aconteceu no
Complexo da Maré em 2017 não é a exceção,
mas a regra: dados similares foram coletados pelo
coletivo Papo Reto para a região do Complexo
do Alemão, também na Zona Norte.4 Nessa
mesma linha, estatísticas sistematizadas pelo
Observatório da Intervenção, do Cesec, mostram
que a recente intervenção decretada pelo governo
federal na área de segurança pública do estado
do Rio de Janeiro investe prioritariamente nas
operações policiais em favelas e periferias, com
recorde no número de mortes.5 Não à toa,
nos últimos anos, popularizou-se, nas redes
sociais, a hashtag #vidasnasfavelasimportam,
com o objetivo de dar visibilidade às violações
cometidas no contexto da militarização cotidiana
das periferias em nome do “combate às drogas”.
Tudo isso mostra que os impactos da guerra
às drogas recaem sobre a sociedade de maneira
seletiva e desigual. Embora as drogas sejam ilegais
para todos, escolhemos prender e matar os jovens
negros e moradores das favelas e das periferias
das nossas cidades. A raiz desse problema está
na própria forma como construímos nossas
políticas de drogas: apostando na repressão
ao varejo do tráfico e na violência contra a
população pobre, negra e periférica como forma
de lidar com o uso dessas substâncias. Por isso
mesmo, faz-se necessário aprofundar o debate
sobre as consequências da guerra às drogas nos
territórios periféricos e favelados. Mas, ainda
mais importante, é preciso abrir espaço para que
aqueles e aquelas que mais sofrem os impactos da
guerra às drogas tomem a frente no debate sobre 9
A íntegra do texto pode ser lida
mudanças nas políticas de drogas, tornando-se os em: http://repositorio.ipea.gov.br/
bitstream/11058/8886/1/bapi_18_
seus protagonistas” (...) 9. cap_12.pdf. Acesso em 21.01.2020.

FGV DIREITO RIO 19


ECONOMIA

C. Trechos do Anexo que acompanha o Decreto nº 9.761, de 11 de


abril de 2019, norma que aprovou a atual Política Nacional sobre
Drogas do Brasil (Pnad) 10

“ANEXO - Política Nacional sobre Drogas


1. INTRODUÇÃO
O uso de drogas na atualidade é uma preocupação
mundial. Entre 2000 e 2015, houve um crescimento
de 60% no número de mortes causadas diretamente
pelo uso de drogas [1], sendo este dado o recorte
de apenas uma das consequências do problema.
Tal condição extrapola as questões individuais e
se constitui como um grave problema de saúde
pública, com reflexos nos diversos segmentos
da sociedade. Os serviços de segurança pública,
educação, saúde, sistema de justiça, assistência
social, dentre outros, e os espaços familiares e
sociais são repetidamente afetados, direta ou
indiretamente, pelos reflexos e pelas consequências
do uso das drogas.
Independentemente das questões de gênero, idade,
espaço geográfico ou classe social, ainda que essas
especificidades tenham implicações distintas, o
uso de drogas se expandiu consideravelmente nos
últimos anos e exige reiteradas ações concretas
do Poder Público, por meio da elaboração de
estratégias efetivas para dar respostas neste
contexto. Tais ações necessitam ser realizadas
de forma articulada e cooperada, envolvendo
o governo e a sociedade civil, alcançando as
esferas de prevenção, tratamento, acolhimento,
recuperação, apoio e mútua ajuda, reinserção
social, ações de combate ao tráfico e ao crime
organizado, e ampliação da segurança pública.
A proposta de atenção a tal problemática requer,
necessariamente, o reconhecimento do contexto
de que nos últimos anos, em nível nacional e
internacional, é possível identificar o aumento
dos mercados de drogas ilícitas[2]e é necessário 10
Disponível em: http://www.
in.gov.br/materia/-/asset_publisher/
considerar todas as suas implicações quanto ao Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137357/
monitoramento de fronteiras, à segurança pública do1e-2019-04-11-decreto-n-9-761-
de-11-de-abril-de-2019-71137316.
e à repressão ao tráfico de drogas. Acesso em 07.12.2019.

FGV DIREITO RIO 20


ECONOMIA

Dentre as drogas ilícitas, a maconha, em nível


mundial, é a droga de maior consumo. No
Brasil, a maconha é a substância ilícita de maior
consumo entre a população. Em pesquisa nacional
de levantamento domiciliar, realizada no ano
de 2012, 6,8% da população adulta e 4,3% da
população adolescente declararam já ter feito
uso dessa substância, ao menos, uma vez na vida.
Já o uso de maconha, nos últimos 12 meses,
é de 2,5% na população adulta e 3,4% entre
adolescentes, sendo que, 62% deste público indica
a experimentação antes dos 18 anos. Ademais,
o uso de maconha, especialmente no público
adolescente, gera preocupação em decorrência
das consequências nocivas do seu uso crônico,
tais como maiores dificuldades de concentração,
aprendizagem e memória, sintomas de depressão
e ansiedade, diminuição da motivação, sintomas
psicóticos, esquizofrenia, entre outros prejuízos.
Com relação à cocaína foi identificado o uso, ao
menos uma vez na vida, por 3,8% entre adultos
e 2,3% entre adolescentes, e no que tange aos
últimos 12 meses, 1,7% da população adulta e
1,6% da população adolescente referem ter feito
uso. Destaca-se que a experimentação da cocaína,
em 62% das situações, ocorreu antes dos 18 anos.
O uso de crack, na vida, foi apontado por 1,3% dos
adultos e 0,8% dos adolescentes. O uso nos últimos
12 meses foi verificado em 0,7% da população
adulta e 0,1% dos adolescentes. É necessário
compreender a limitação de tal pesquisa, por ser
uma amostra domiciliar, que não considera a
população em situação de rua, sendo que tal grupo
possui suas especificidades, com uma tendência de
maior de consumo de tais substâncias.
(...)
É evidente com as informações trazidas em relação
ao consumo de drogas, lícitas e ilícitas e seu contexto
social, que há necessidade de atualizar a legislação
da política pública sobre drogas, considerada a
dinamicidade deste problema de ordem social,
econômica e principalmente de saúde pública.

FGV DIREITO RIO 21


ECONOMIA

2. PRESSUPOSTOS DA POLÍTICA NACIONAL


SOBRE DROGAS
2.1. Buscar incessantemente atingir o ideal de
construção de uma sociedade protegida do uso
de drogas lícitas e ilícitas e da dependência de tais
drogas.
2.2. A orientação central da Política Nacional
sobre Drogas considera aspectos legais,
culturais e científicos, especialmente, a posição
majoritariamente contrária da população brasileira
quanto às iniciativas de legalização de drogas.
2.3. Reconhecer as diferenças entre o usuário, o
dependente e o traficante de drogas e tratá-los de forma
diferenciada, considerada a natureza, a quantidade da
substância apreendida, o local e as condições em que
se desenvolveu a ação de apreensão, as circunstâncias
sociais e pessoais e a conduta e os antecedentes do
agente, considerados obrigatoriamente em conjunto
pelos agentes públicos incumbidos dessa tarefa, de
acordo com a legislação.
2.4. O plantio, o cultivo, a importação e a
exportação, não autorizados pela União, de plantas
de drogas ilícitas, tais como a cannabis, não serão
admitidos no território nacional.
2.5. Tratar sem discriminação as pessoas usuárias
ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas.
2.6. Conscientizar o usuário e a sociedade de
que o uso de drogas ilícitas financia atividades e
organizações criminosas, cuja principal fonte de
recursos financeiros é o narcotráfico.
2.7. Garantir o direito à assistência intersetorial,
interdisciplinar e transversal, a partir da visão holística
do ser humano, com tratamento, acolhimento,
acompanhamento e outros serviços, às pessoas com
problemas decorrentes do uso, do uso indevido ou da
dependência do álcool e de outras drogas.
2.8. As ações, os programas, os projetos, as
atividades de atenção, o cuidado, a assistência, a
prevenção, o tratamento, o acolhimento, o apoio,
a mútua ajuda, a reinserção social, os estudos, a
pesquisa, a avaliação, as formações e as capacitações
objetivarão que as pessoas mantenham-se
abstinentes em relação ao uso de drogas.

FGV DIREITO RIO 22


ECONOMIA

2.9. Buscar o equilíbrio entre as diversas diretrizes,


que compõem de forma intersistêmica a Política
Nacional sobre Drogas e a Política Nacional
sobre o Álcool, nas diversas esferas da federação,
classificadas, de forma não exaustiva, em:
a) ações de redução da demanda, incluídas as
ações de prevenção, promoção à saúde, cuidado,
tratamento, acolhimento, apoio, mútua ajuda e
reinserção social;
b) ações de gestão da política, incluídas as ações de
estudo, pesquisa, avaliação, formação e capacitação; e
c) ações de redução da oferta, incluídas as ações
de segurança pública, defesa, inteligência,
regulação de substâncias precursoras, de
substâncias controladas e de drogas lícitas,
repressão da produção não autorizada, de
combate ao tráfico de drogas, à lavagem de
dinheiro e crimes conexos, inclusive por meio
da recuperação de ativos que financiem ou
sejam resultados dessas atividades criminosas.
2.10. Buscar, de forma ampla, a cooperação
nacional e internacional, pública e privada, por
meio da participação de fóruns sobre o tabaco
e seus derivados, álcool e outras drogas e do
estreitamento das relações de colaboração técnica,
científica, tecnológica e financeira multilateral,
respeitada a soberania nacional.
2.11. Reconhecer a corrupção, a lavagem de
dinheiro e o crime organizado vinculado ao
narcotráfico como as principais vulnerabilidades a
serem alvo das ações de redução da oferta de drogas.
2.12. Reconhecer a necessidade de elaboração
de planos que permitam a realização de ações
coordenadas dos órgãos vinculados à redução
da oferta de drogas ilícitas, a fim de impedir a
utilização do território nacional para o cultivo,
a produção, a armazenagem, o trânsito e o
tráfico de tais drogas.
2.13. Reconhecer a necessidade de elaboração de planos
que permitam a realização de ações coordenadas dos
órgãos públicos e das organizações da sociedade civil
vinculados à redução da demanda por drogas.

FGV DIREITO RIO 23


ECONOMIA

2.14. Reconhecer a necessidade de promoção e


fomento dos fatores de proteção ao uso, ao uso
indevido e à dependência do álcool e de outras
drogas.
2.15. Reconhecer o vínculo familiar, a
espiritualidade, os esportes, entre outros, como
fatores de proteção ao uso, ao uso indevido e à
dependência do tabaco, do álcool e de outras
drogas, observada a laicidade do Estado.
2.16. Reconhecer a necessidade de desenvolvimento
de habilidades para a vida, como forma de proteção
ao uso, ao uso indevido e à dependência do álcool
e outras drogas.
2.17. Reconhecer a necessidade de conscientização
do indivíduo e da sociedade em relação aos fatores
de risco, com ações efetivas de mitigação desses
riscos, em nível individual e coletivo.
2.18. Reconhecer que a assistência, a prevenção, o
cuidado, o tratamento, o acolhimento, o apoio, a
mútua ajuda, a reinserção social e outros serviços
e ações na área do uso, do uso indevido e da
dependência de drogas lícitas e ilícitas precisam
alcançar a população brasileira, especialmente sua
parcela mais vulnerável.
2.19. Reconhecer que é necessário tratar as
causas e os fatores do uso, do uso indevido e da
dependência do álcool e de outras drogas, além de
promover assistência aos afetados pelos problemas
deles decorrentes.
2.20. Reconhecer a necessidade de tratar o
tabagismo, o uso de álcool e de outras drogas
também como um problema concernente à
infância, à adolescência e à juventude, de modo a
evitar o início do uso, além da assistência àqueles
em uso dessas substâncias.
2.21. Reconhecer a necessidade de novas formas
de abordagem e cuidados e do uso de tecnologias,
ferramentas, serviços e ações digitais inovadoras.
2.22. Reconhecer a necessidade de alcançar o
indivíduo e a sociedade, inclusive em formas e locais
hoje inalcançados e buscar novos meios de lhes
proporcionar informação, cuidado e assistência.

FGV DIREITO RIO 24


ECONOMIA

2.23. Reconhecer a importância do


desenvolvimento, do fomento e do apoio a serviços
e ações à distância, de modo a tornar a política
sobre drogas lícitas e ilícitas alcançável a todos,
inclusive com possibilidade de menor custo para
o Poder Público.
2.24. Reconhecer a necessidade de se fazer cumprir
as leis e as normas sobre drogas lícitas e ilícitas,
desenvolver novas ações e regulamentações,
especialmente aquelas relacionadas à proteção da
vida, da saúde, da criança, do adolescente e do
jovem, inclusive quanto à publicidade de drogas
lícitas e à fiscalização da sua venda, publicidade
e consumo.
....
2.26. Reconhecer a necessidade de impor restrições
de disponibilidade de drogas lícitas e ilícitas.
2.27. Reconhecer a necessidade de capacitação e
formação da rede relacionada à Política Nacional
sobre Drogas e da Política Nacional sobre o Álcool,
nos âmbitos público e privado.
2.28. Reconhecer a necessidade de estudos,
pesquisas e avaliações das ações, dos serviços, dos
programas e das atividades no âmbito da Política
Nacional sobre Drogas e da Política Nacional
sobre o Álcool, nos âmbitos público e privado.
2.29. Reconhecer a necessidade de manter
programas de monitoramento para detecção e
avaliação de novas drogas, sintéticas ou não, sua
composição, efeitos, danos e populações-alvo, a
fim de delinear ações de prevenção, tratamento e
repressão da oferta.
2.30. Buscar garantir, por meio do Conselho
Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério
da Justiça e Segurança Pública, o desenvolvimento
de estratégias de planejamento e avaliação das
políticas de educação, assistência social, saúde,
trabalho, esportes, habitação, cultura, trânsito
e segurança pública nos campos relacionados ao
tabaco e seus derivados, álcool e outras drogas, com
uso de estudos técnicos e outros conhecimentos
produzidos pela comunidade científica.

FGV DIREITO RIO 25


ECONOMIA

2.31. Fundamentar, no princípio da


responsabilidade compartilhada, a coordenação de
esforços entre os diversos segmentos do governo e
da sociedade e buscar a efetividade e a sinergia no
resultado das ações, no sentido de obter redução
da oferta e do consumo de drogas, do custo social
a eles relacionados e das consequências adversas
do uso e do tráfico de drogas ilícitas e do uso de
drogas lícitas.
....
2.36. Buscar assegurar à Pnad o caráter
de Política de Estado e garantir de forma
contínua, recursos orçamentários, humanos,
administrativos, científicos e de governança para
o desenvolvimento de suas ações.
2.37. Buscar a atuação conjunta e integrada entre
órgãos federais, estaduais, municipais e distritais.
(...)
3. OBJETIVOS DA POLÍTICA NACIONAL
SOBRE DROGAS
3.1. Conscientizar e proteger a sociedade brasileira
dos prejuízos sociais, econômicos e de saúde
pública representados pelo uso, pelo uso indevido
e pela dependência de drogas lícitas e ilícitas.
3.2. Conscientizar o usuário e a sociedade de que
o uso, o uso indevido e a dependência de drogas
ilícitas financia as organizações criminosas e suas
atividades, que têm o narcotráfico como principal
fonte de recursos financeiros.
3.3. Garantir o direito à assistência intersetorial,
interdisciplinar e transversal, a partir da visão
holística do ser humano, pela implementação e
pela manutenção da rede de assistência integrada,
pública e privada, com tratamento, acolhimento
em comunidade terapêutica, acompanhamento,
apoio, mútua ajuda e reinserção social, à pessoa
com problemas decorrentes do uso, do uso indevido
ou da dependência do álcool e de outras drogas
e a prevenção das mesmas a toda a população,
principalmente àquelas em maior vulnerabilidade.

FGV DIREITO RIO 26


ECONOMIA

3.4. Buscar equilíbrio entre as diversas frentes


que compõem de forma intersistêmica a Pnad,
nas esferas da federação, classificadas, de
forma não exaustiva, em políticas públicas de
redução da demanda (prevenção, promoção e
manutenção da abstinência, promoção à saúde,
cuidado, tratamento, acolhimento, apoio, mútua
ajuda, suporte social e redução dos riscos e danos
sociais e à saúde, reinserção social) e redução de
oferta (ações de segurança pública, de defesa,
de inteligência, de regulação de substâncias
precursoras, de substâncias controladas e de
drogas lícitas, além de repressão da produção
não autorizada, de combate ao tráfico de
drogas, à lavagem de dinheiro e crimes conexos,
inclusive por meio da recuperação de ativos
que financiem atividades do Poder Público
nas frentes de redução de oferta e redução de
demanda). (...)
6. REDUÇÃO DA OFERTA
6.1. Orientação Geral
6.1.1. A redução substancial dos crimes
relacionados ao tráfico de drogas ilícitas, ao uso
de tais substâncias e ao uso de drogas lícitas,
responsáveis pelo alto índice de violência no País,
deve proporcionar melhoria nas condições de
segurança das pessoas.
6.1.2. Ações contínuas de combate à corrupção,
à lavagem de dinheiro, ao crime organizado e
de gestão de ativos criminais vinculados ao
narcotráfico serão consideradas as principais
questões a serem alvo das ações de redução da
oferta.
6.1.3. Meios adequados serão assegurados
à promoção da saúde e à preservação das
condições de trabalho e da saúde física e
mental dos profissionais de segurança pública,
incluída a assistência jurídica, em especial pelo
Sistema Integrado de Educação e Valorização
Profissional - Sievap.

FGV DIREITO RIO 27


ECONOMIA

6.1.4. As ações contínuas de repressão serão


promovidas para redução da oferta das drogas
ilegais e seu uso, para erradicação e apreensão
permanentes de tais substâncias produzidas
no território nacional ou estrangeiro, para
bloqueio do ingresso das drogas oriundas do
exterior, destinadas ao consumo interno ou
ao mercado internacional, para identificação e
desmantelamento das organizações criminosas e
para gestão de ativos criminais apreendidos por
meio das ações de redução da oferta.
6.1.5. A coordenação, a promoção e a integração
das ações dos setores governamentais, responsáveis
pelas atividades de prevenção e repressão ao tráfico
de drogas ilícitas, nos níveis de governo, orientarão
a todos que possam apoiar, aprimorar e facilitar
este trabalho.
6.1.6. A execução da Pnad deve estimular e
promover a participação e o engajamento de
organizações não-governamentais e dos setores
organizados da sociedade, de forma harmônica
com as diretrizes governamentais.
6.1.7. As ações dos integrantes do Susp, do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras
do Ministério da Justiça e Segurança Pública,
do Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria
Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e
Segurança Pública, da Secretaria Especial da Receita
Federal do Ministério da Economia, da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária e dos demais
setores governamentais com responsabilidade na
redução da oferta devem receber irrestrito apoio
na execução de suas atividades.
6.1.8. É necessária a interação permanente entre os
órgãos do Sisnad, o Poder Judiciário e o Ministério
Público, por meio dos órgãos competentes, com
vistas a agilizar a implementação da tutela cautelar,
com o objetivo de evitar a deterioração dos bens
apreendidos.”.

FGV DIREITO RIO 28


ECONOMIA

Sob o ponto de vista econômico, quais são, ao seu ver, as características


relevantes do “mercado” de drogas ilícitas que afetam ou deveriam nortear
a política estatal a ser adotada? O Estado deveria atuar mais fortemente
no combate à oferta das drogas, na prevenção e tratamento do usuário
ou integrar a sua política de forma a conjugar ações sobre a procura e a
disponibilidade do produto, simultaneamente?

Questões preliminares relevantes:

i. Como você caracteriza a procura (“demanda”) pela droga ilícita?


Quais são os elementos relevantes para identificar como o usuário
reage às alterações do preço da droga? O usuário de droga ilícita
tende a alterar o seu hábito de consumo em razão de alterações
no preço da droga? Como regra geral, modifica o seu hábito
substancialmente ou de forma insignificante?

ii. Qual o efeito imediato da forte repressão estatal ao tráfico sobre


a oferta de drogas ilícitas no “mercado”? Qual o impacto sobre
a situação econômica dos traficantes que continuam a oferecer o
produto após forte intervenção estatal? Pode haver efeitos reflexos
sobre o comportamento do usuário após a forte repressão estatal?

iii. Qual é o provável efeito líquido sobre o “mercado” de drogas 11


O Estado pode financiar as despesas
públicas por meio: (1) da emissão de
ilícitas, considerando as alterações na “demanda” e na “oferta” do moeda, hipótese em que não assume
produto, se grande parte do esforço estatal se concentrar do lado da qualquer ônus ou comprometimento
de pagar qualquer encargo (e.g:
oferta do produto? juros), (2) da exploração do próprio
patrimônio estatal para auferir
renda, como, por exemplo, locando
iv. Seriam diferentes as mudanças no “mercado” causada por uma forte ou cedendo a título oneroso as
suas propriedades ou explorando a
política educacional e de sanção social aos usuários de drogas ilícitas? atividade econômica por intermédio
de empresas por ele controladas, (3)
contraindo empréstimos, voluntários
ou não, (4) exigindo o pagamento de
tributos, (5) cobrando multas, e etc. Na
CASO 2: DOS CIGARROS E BEBIDAS ALCÓOLICAS E NÃO ALCÓOLICAS aula 4 será mencionada a possiblidade
de a tributação ser apenas instrumento
de retirada de moeda de circulação.
A função precípua da tributação é arrecadar receita para financiar as 12
GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana
despesas públicas11. No entanto, os tributos também podem ser utilizados Cláudia. Finanças Públicas. Teoria
e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro:
para outros fins, além de abastecer os cofres públicos12. É a chamada Elsevier, 2008. p. 16. Apontam os
autores que “o governo pode se
extrafiscalidade. financiar ‘de graça’ – sem assumir
o ônus associado ao pagamento de
juros de sua dívida-, de duas formas.
Por meio da política extrafiscal, o Estado pode: (1) induzir o A primeira é emitindo moeda para
acompanhar a maior demanda por
comportamento das pessoas, estimulando ou desincentivando práticas esta, em termos reais. A segunda é
através da corrosão do valor real da
sociais, como o consumo de cigarros e bebidas alcóolicas; (2) redistribuir base monetária existente, o que lhe
renda e riqueza; e (2) regular a atividade econômica, oferecendo incentivos permite imprimir moeda, apenas
para conservar o valor real da moeda
ou desestímulos aos agentes econômicos. previamente impressa.”

FGV DIREITO RIO 29


ECONOMIA

O professor Reuven Avi-Yonah sintetiza a questão nos seguintes termos13:

To answer these puzzles, it is necessary to resurrect


a question that has not been considered recently in
the tax policy literature: What are taxes for? The
obvious answer is that taxes are needed to raise
revenue for necessary governmental functions,
such as the provision of public goods. And,
indeed, all taxes have to fulfill this function to be
effective; as the Russian government discovered
in the 1990’s [FN10] (following many others in
history), a government that cannot tax cannot
survive. And there is widespread ideological
agreement that this function is needed, even
while people vehemently disagree about what
functions of government are truly necessary, and
what size of government is required. [FN11] But
taxation also has two other functions, which
are more controversial, but which modern
states also widely employ. Taxation can have a
redistributive function, aimed at reducing the
unequal distribution of income and wealth that
results from the normal operation of a market-
based economy. This function of taxation has been
hotly debated over time, and different theories of
distributive justice can be used to affirm or deny
its legitimacy. What cannot be denied, however, is
that many developed nations in fact have sought to
use taxation for redistributive purposes, although
it also is debated how effective taxation was (or
can be) in redistribution. [FN12] Taxation also
has a regulatory component: It can be used to
steer private sector activity in the directions
desired by governments. This function is also
controversial, as shown by the debate around tax
expenditures. [FN13] But it is hard to deny that
taxation has been and still is used widely for this
purpose, as shown inter alia by the spread of the tax
expenditure budget around the world following its
introduction in the United States in the 1970’s 13
AVI-YONAH, Reuven S. The three
goals of Taxation. 60 Tax Law Review
[FN14]” (grifo nosso). 01, 2006.

FGV DIREITO RIO 30


ECONOMIA

No Brasil, a tributação tem sido amplamente utilizada com fins extrafiscais.

Esse é o caso, por exemplo do imposto sobre produtos industrializados


(IPI) de competência da União, o qual, segundo o inciso I do § 3º do
artigo 153 da CRFB/8814, deve ter a sua carga tributária graduada de
acordo com a essencialidade do produto.

Dessa forma, os bens supérfluos devem ser tributados mais pesadamente,


enquanto os bens essenciais devem ter incidência reduzida.

Ao lado de outras medidas15 - como a proibição do ato de fumar em locais


fechados, públicos e privados, impedindo, inclusive, a possibilidade da
existência de “fumódromos” (e.g. Lei nº 12.546/2011); a obrigatoriedade
de inclusão de imagens de alerta dos danos à saúde na embalagem;
proibição de estímulo ao consumo nos meios de comunicação de massa,
como TV, rádio, revistas, jornais e outdoors - o texto a seguir indica a 14
Dispõe o inciso IV e inciso I do §
3º, ambos do art. 153 da CRFB/88:
utilização do imposto (que é espécie de tributo) como meio apto a inibir “Compete à União instituir impostos
o consumo de cigarro16: sobre: I – (...); IV- produtos
industrializados; (...) § 1º (…) § 3º O
imposto previsto no inciso IV: I - será
seletivo, em função da essencialidade
Observatório da Política Nacional de Controle do produto; (...)”.
do Tabaco 15
Disponível em: https://exame.
Preços e Impostos. abril.com.br/brasil/com-reducao-de-
40-no-numero-de-fumantes-brasil-
Última modificação: 12/06/2019 | 10h58 alcanca-metas-da-oms/. Acesso em
21.01.2020. Com redução de 40% no
O  artigo 6º da Convenção-Quadro da OMS número de fumantes, Brasil alcança
para o Controle do Tabaco dispõe que as metas da OMS. Em 2006, 15,7% dos
brasileiros eram fumantes; em 2018,
“medidas relacionadas a preços e impostos são número caiu para 9,3%. “O Brasil se
tornou o segundo país do mundo a
meios eficazes e importantes para que diversos cumprir as medidas indicadas pela
segmentos da população, em particular os jovens, Organização Mundial de Saúde (OMS)
para a redução do fumo. A informação
reduzam o consumo de tabaco”. E nesse sentido, está no relatório da OMS divulgado
nesta sexta-feira, 26, e corrobora
os Estados Partes se comprometem a “aplicar aos a posição do país como referência
produtos do tabaco políticas tributárias e, quando mundial no combate ao tabagismo.
Na última década, o número de
aplicável, políticas de preços para contribuir com fumantes no país foi reduzido em 40%.
O relatório revela que dentre os 171
a consecução dos objetivos de saúde tendentes a países que aderiram às medidas globais
reduzir o consumo do tabaco1”. da OMS apenas o Brasil e a Turquia
implementaram as ações com sucesso.”
Para auxiliar as Partes na concretização de seus 16
Não é necessário que o aluno se
objetivos e obrigações nos termos do artigo preocupe nesse momento com os
cálculos apresentados na matéria
6º da Convenção-Quadro, foram aprovadas abaixo, tema que será objeto de
estudo após o 4º período, depois
pela Conferência das Partes em sua Sexta da disciplina Sistema Tributário
Sessão (COP6), realizada entre os dias 13 e 18 Nacional. Em suma, é importante
no momento apenas identificar
de outubro de 2014 em Moscou (Rússia), as a complexidade para o cálculo e
apuração dos tributos devidos.
“Diretrizes para Implementação do Artigo Disponível em: https://www.inca.gov.
6º da Convenção-Quadro da Organização br/observatorio-da-politica-nacional-
de-controle-do-tabaco/precos-e-
Mundial da Saúde para o Controle do Tabaco”. impostos. Acesso em 21.01.2020.

FGV DIREITO RIO 31


ECONOMIA

Tais diretrizes têm como base as melhores


evidências disponíveis, as melhores práticas e
experiências das Partes que executaram com
sucesso as medidas relacionadas a preços e impostos
para reduzir o consumo do tabaco. O documento
pode ser acessado, por meio dos links a seguir, em
diferentes idiomas:
• Versão em português: aqui
• Versão em inglês: aqui
• Versão em espanhol: aqui
Enquanto membro da CONICQ, o Ministério
da Fazenda, por intermédio da Secretaria da
Receita Federal, tem procurado alinhar a política
de preços e impostos aos objetivos de saúde
pública da Convenção-Quadro da OMS, elevando
sucessivamente os tributos incidentes sobre cigarros
(Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e
PIS/COFINS), o que tem gerado um aumento dos
preços desses produtos.
O histórico das informações referentes à legislação
aplicada à tributação de cigarros e as respectivas alíquotas
estão disponíveis na página da Receita Federal.
Em dezembro de 2011, a política nacional de preços
e impostos obteve um importante avanço com a
sanção da Lei 12.546, que altera a sistemática de
tributação do IPI e institui uma política de preços
mínimos para os cigarros.
Em 29 de janeiro de 2016, o Art.7º do Decreto
nº 8.656 alterou os Art. 5º e 7º do Decreto 7.555
de 19 de agosto de 2011, que regulamenta a Lei
12.546, definindo nova alíquota  ad valorem  para
os pacotes com 20 cigarros a partir de 1º de Maio
de 2016 (63,3%), e novo aumento após 1º de
dezembro de 2016 (66,7%). O decreto também
elevou o preço mínimo do pacote com 20 cigarros
para R$ 5,00 após 1º de maio de 2016.
O aumento dos impostos e preços dos cigarros é a
medida mais efetiva - especialmente entre jovens e
populações de camadas mais pobres - para reduzir
o consumo. Estudos indicam que um aumento de
preços na ordem 10% é capaz de reduzir o consumo
de produtos derivados do tabaco em cerca de 8%
em países de baixa e média renda, como o Brasil2,3.

FGV DIREITO RIO 32


ECONOMIA

As evidências científicas demonstram ainda que o


aumento dos preços contribui para estimular os
fumantes a deixarem de fumar, assim como para
inibir a iniciação de crianças e adolescentes4.
O aumento dos impostos também amplia a
arrecadação dos governos, que arcam com os ônus
econômicos e sociais decorrentes do tabagismo, como
programas de prevenção e tratamento de doenças,
aposentadorias precoces e pensões e danos ao meio
ambiente decorrentes do cultivo da folha de tabaco.

Novo sistema de tributação do IPI


A Lei 12.546 estabelece dois regimes de tributação:
geral e especial.
A regra geral de tributação do IPI estabelece que
o mesmo será calculado utilizando-se de uma
alíquota ad valorem de 300% aplicada sobre 15% do
preço de venda a varejo dos cigarros, resultando em
uma alíquota efetiva de 45% sobre o preço de venda17.
Caso o fabricante ou importador de cigarros opte
pelo regime especial de apuração e recolhimento do
IPI, o valor do imposto será obtido pelo somatório de
2 (duas) parcelas, sendo um ad valorem, calculada da
mesma forma que o regime geral, e outra específica.
Com base na marca atual mais vendida e a alíquota
do ICMS do Estado onde está sendo comercializada
em maior volume, calculamos a carga total de
impostos sob o regime especial resultando em uma
alíquota de 79% (Figura 1):
 

17
Regra Geral: alíquota de 300% =
300/100 =3; 15% = 15/100 = 0,15;
3*0,15 = 0,45 » 45% sobre o preço
Figura 1 – Cálculo da carga tributária total sobre cigarros de venda.

FGV DIREITO RIO 33


ECONOMIA

A evolução da carga tributária total sob o regime


especial (misto) desde a reforma do sistema de
tributação está ilustrada na Tabela 1. Neste
regime a carga tributária em 2017 variou de
69% a 83%, em função do preço da marca
comercializada. Quanto mais caro, menor a carga
tributária, como efeito da parcela específica do
cálculo do IPI.

Tabela 1 – Evolução da carga tributária sobre cigarros Fonte: SRF/MF

  O Decreto nº 8.656 de 2016 definiu novos


aumentos de alíquotas para 2016 em seu Art.7º:

Preço mínimo de cigarros


A Lei 12.546 criou uma política de preços mínimos
para os cigarros, com vigência a partir de maio de
2012, quando o preço mínimo passa a ser de R$
3,00 (três reais), aumentando R$ 0,50 (cinqüenta
centavos de real) anualmente até atingir R$ 4,50
(quatro reais e cinqüenta centavos) em 2015.
O preço mínimo é válido em todo o território
nacional e qualquer cigarro vendido abaixo destes
valores será ilegal.
Após 1º de maio de 2016, o preço mínimo passa
a ser R$ 5,00 (cinco reais), através do Decreto nº
8.656/2016.

FGV DIREITO RIO 34


ECONOMIA

Mais informações sobre o novo sistema de


tributação dos cigarros e a política de preços
mínimos, consulte a página da  Secretaria da
Receita Federal.

Redução do acesso econômico ao cigarro


Para que a política de impostos seja efetiva no
controle do tabaco, deve ser adotada de forma a
reduzir a acessibilidade econômica ao cigarro.
Acessibilidade econômica refere-se ao preço do
produto em relação à renda, sendo medida pela
proporção do PIB anual per capita necessário
para comprar 100 maços de cigarros da marca
mais vendida. Quanto maiores são os índices,
menor é o acesso econômico aos cigarros e menor
o consumo.   Foi o que aconteceu no Brasil, em
especial a partir da nova medida tributária adotada
em 2011. O gráfico abaixo demonstra a evolução
do preço do cigarro da marca mais vendida
no Brasil desde o ano de 2000 e o índice de
acessibilidade com base na renda per capita para
compra de cigarros.

Gráfico 1 – Acessibilidade econômica ao cigarro - Elaborado pela SE-CONICQ

REFERÊNCIAS:
1 WHO Framework  Convention on Tobacco Control. GUIDELINES FOR IMPLEMENTATION OF ARTICLE 6 OF THE WHO FCTC. Price and tax measures to reduce the
demand for tobacco. http://www.who.int/fctc/treaty_instruments/Guidelines_article_6.pdf
2
World Bank, 1999. Curbing the epidemic: Governments and the economics of tobacco control. Serie: Development in Practice. Washington DC:  The World Bank.
3
Jha, P, Novotony, T.E., Feachem, R., 1998.  O papel dos governos no controle global do tabaco. Towards an optimal policy mix.  Edited by Iraj Abedian, Rowena
van der Merwe, Nick Wilkins, Prabhat Jha.  Applied Fiscal Research Center, University of Cape Town.           
4
Ranson M. K., Jha P., Chaloupka F. J., Nguyen S. N. Global and Regional Estimates of the Effectiveness and Cost-Effectiveness of Price Increases and Other Tobacco
Control Policies. Nicotine and Tobacco Research. 2002;4(3):311–19. 

FGV DIREITO RIO 35


ECONOMIA

Apesar de todas as indicações acima, no sentido da pertinência da


elevação da carga tributária, a complexidade do modelo (ver nota 16),
e o elevado ônus do tributo sobre os cigarros fabricados por agentes
econômicos que atuam legalmente no mercado, também estabelecem
outros incentivos e ocasionam distorções de difícil controle além da inibição
do consumo. Com efeito, o intrincado sistema de tributação conjugado
com a pesada incidência sobre os cigarros produzidos por sociedades
empresárias que atuam de acordo com o sistema jurídico incrementam as
vendas de produtos de qualidade inferior, cujos efeitos podem ser ainda
piores para a saúde do usuário. Nesse sentido, inúmeras são as notícias de
contrabando de cigarros – que é crime18 - e até mesmo de fabricação ilegal
no país, conforme se constata pela leitura dos trechos das notícias a seguir:

Moro cria grupo para estudar redução de tributos


sobre cigarro fabricado no País19
Objetivo é, baixando os preços, diminuir o
consumo do produto importado de baixa qualidade
ou contrabandeado
Estadão Conteúdo: postado em 26/03/2019
10:20 / atualizado em 26/03/2019 11:18
O ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sergio Moro, criou grupo de trabalho (GT) “para
avaliar a conveniência e oportunidade da redução
da tributação de cigarros fabricados no Brasil, e,
assim, diminuir o consumo de cigarros estrangeiros
de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à
saúde dele decorrentes”. A portaria com a decisão
está publicada no Diário Oficial da União (DOU)
desta terça-feira, 26.
Segundo o ato, representantes da Polícia Federal,
Secretaria Nacional do Consumidor e Assessoria
Especial de Assuntos Legislativos, órgãos do
Ministério da Justiça, irão integrar o grupo. Ainda
serão convidados a compor a equipe representantes
18
O artigo 334 do Código Penal, Decreto-
dos ministérios da Economia e da Saúde. “O GT Lei nº 2.848/1940, com a sua redação
poderá convidar pesquisadores e especialistas para conferida pela Lei nº 13.008/2014,
estabelece condutas relativas à prática
participarem ou assessorarem o grupo, quando do descaminho, enquanto o artigo 334-
A, prevê as condutas caracterizadas
necessários para o cumprimento de sua finalidade”, como contrabando.
cita a portaria. “O GT será provisoriamente 19
Disponível em: https://www.em.com.
br/app/noticia/nacional/2019/03/26/
presidido pelo representante da Polícia Federal e, interna_nacional,1041136/moro-cria-
depois de completo, pelo membro escolhido grupo-estudar-reducao-de-tributos-
sobre-cigarro-brasileiro.shtml. Acesso
pelo próprio grupo de trabalho», acrescenta. em 21.01.2020.

FGV DIREITO RIO 36


ECONOMIA

O grupo produzirá estudos sobre a tributação


de  cigarros  fabricados no Brasil e propostas de
melhorias à política fiscal e tributária do setor,
incluindo medidas para a redução do consumo
de cigarros estrangeiros de baixa qualidade e
contrabandeados, que, segundo a pasta, já ocupam
ilegalmente parte significativa do mercado
brasileiro, com danos à arrecadação tributária e à
saúde pública. Também faz parte do material a
ser elaborado proposta de alterações ou edição de
normas necessárias para a efetiva aplicação das ações
sugeridas. O relatório final dos trabalhos deverá ser
entregue ao ministro Moro no prazo de 90 dias.

Ministério evita responder sobre encontro com


indústria do cigarro20
Pasta deixou de informar sobre reuniões em resposta a
questionamento do PSOL sobre o que levou à criação
de um grupo que analisa uma redução de impostos

Apesar de ter tido audiências com representantes


da indústria de cigarro, o Ministério da Justiça
deixou de informar sobre esses encontros em
resposta a questionamento do PSOL sobre o que
levou a pasta a criar um grupo de trabalho que
analisa uma redução de imposto sobre cigarros.
A bancada da Câmara perguntou no início de
maio, por meio de requerimento de informação
parlamentar protocolado na Casa, se empresas
do setor ou entidades por elas fundadas ou
financiadas haviam sido recebidas pelo ministério.
Em seguida, o documento pedia datas e registros
dos momentos em que isso ocorreu.
A resposta foi apenas de que algumas das entidades
fazem parte do Conselho Nacional de Combate à
Pirataria, sediado na pasta.
Nos três primeiros meses do ano, no entanto, houve
ao menos três encontros com entidades ligadas ao
setor. Em janeiro, o ministro Sergio Moro recebeu
20
Disponível em: https://www.
representantes do ETCO e do Fórum Nacional otempo.com.br/politica/ministerio-
de Combate a Pirataria e Ilegalidade, entidades evita-responder-sobre-encontro-
com-industria-do-cigarro-1.2193463.
associadas a empresas. Acesso em 21.01.2020.

FGV DIREITO RIO 37


ECONOMIA

Na agenda oficial, porém, consta apenas encontro


com o deputado Efraim Filho, que é presidente
da frente parlamentar mista de combate ao
contrabando, sem descrição da pauta.
Já no dia 25 de fevereiro, o secretário nacional do
Consumidor, Luciano Timm, teve reunião com a
Souza Cruz e com a Japan Tobacco International
para falar sobre “visão propositiva para reduzir o
contrabando”, conforme informado em agenda.
Em 25 de março, dois dias antes da publicação
da portaria, o secretário-adjunto de Operações
Integradas do ministério, José Washington Luiz
Santos, também se reuniu com entidades do setor.
Questionado pela reportagem, o ministério
inicialmente negou que Moro tivesse tido
encontros com as instituições, confirmando apenas
a audiência da Secretaria Nacional do Consumidor.
Indagado novamente, confirmou a reunião ocorrida
em janeiro, dizendo que as entidades foram levadas
pelo deputado, mas não informou o motivo das
agendas não terem sido citadas na resposta ao PSOL.
Procuradas pela reportagem, entidades e empresas
confirmaram os encontros, mas negaram ter
influenciado na proposta de criação do grupo de
trabalho lançado por Moro no fim de março.
Segundo o ETCO, os encontros com o ministério
tiveram como tema a questão do contrabando e
combate ao crime organizado. Já a Souza Cruz
disse que “sempre dialoga com autoridades
públicas para apresentar o setor e sua relevância
para o país, como também para discutir caminhos
necessários ao combate do mercado ilegal”.
A Japan Tobacco informou que a reunião foi
solicitada pelas empresas “para levar proposta de
redução do contrabando por meio do envolvimento
dos Procons nos estados”. 
Em resposta ao requerimento enviado ao PSOL,
o ministério diz que a necessidade de criar o
grupo de trabalho decorreu “do grande volume de
apreensões de cigarro contrabandeados e vendidos
no Brasil, sendo importante avaliar os mecanismos
de tributação que, eventualmente, incentivam a
entrada e o consumo desses produtos ilegais”.

FGV DIREITO RIO 38


ECONOMIA

Segundo o ministério, a questão tributária foi


debatida na primeira reunião realizada neste ano
pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria,
que criou uma “comissão especial de cigarros”
-transformada dias depois em “comissão especial
do contrabando” a pedido de entidades.
“Estima-se que a maior parte do mercado de
cigarros no Brasil pertence ao mercado ilegal, sem
pagamento de tributos, de modo que a recente
evasão fiscal justifica preocupação dos órgãos de
fiscalização”, informou a pasta, que encaminhou
junto da resposta cópia de um estudo sobre o tema.
Chamado de “Uma alternativa de combate ao
contrabando a partir da estimativa da curva de
Laffer e da discussão sobre a política de preço
mínimo”, o documento prevê aumento de R$
7,5 bilhões no faturamento da indústria por meio
da eliminação do preço mínimo para os cigarros,
conforme a Folha de S.Paulo mostrou em maio. 
O ministério diz que, apesar de considerar o
estudo “interessante”, as conclusões do grupo
não devem ser baseadas apenas no aspecto
econômico e “levarão em conta as políticas
públicas de saúde e prevenção ao uso do tabaco.”

Mudança em imposto divide setor


Desde que o grupo foi criado, no entanto, a
medida tem dividido entidades na área de saúde e
representantes de indústrias do setor.
Para a ONG ACT (antiga Aliança de Controle
do Tabagismo), a redução na tributação vai na
contramão dos resultados alcançados pelo país.
O principal argumento é que, desde que o país
passou a aumentar os impostos sobre cigarros, em
2011, o índice de fumantes tem tido queda. Entre
2011 e 2018, passou de 14,8% para 9,3%, segundo
dados da pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde.
“No tocante à tributação, estudos nacionais e
internacionais e a própria experiência brasileira
mostram que o aumento de preços e impostos é
considerado a medida mais custo-efetiva para
prevenção e diminuição de consumo de cigarros, e
não sua redução”, informa.

FGV DIREITO RIO 39


ECONOMIA

Empresas se dividem
Em geral, a Souza Cruz diz apoiar a discussão sobre
uma possível revisão da tributação aplicada ao cigarro,
por considerar que o sistema em vigor “favorece a
comercialização de produtos ilegais no país”.
Mesma posição é compartilhada por entidades como o
ETCO, que tem a empresa como uma de suas associadas.
Para a entidade, a “revisão do modelo tributário não
necessariamente implica na redução das alíquotas de
tributação, podendo ser uma redistribuição da atual
carga tributária de forma a permitir que as marcas legais
possam competir com as marcas ilegais.”
Já a Philip Morris tem defendido que, embora seja
necessário reconhecer a necessidade de combate ao
mercado ilegal, esse mesmo combate “não deveria
passar por alternativas que possam resultar na
redução de tributos e de preços, aumentando o acesso
da população de baixa renda a um produto como o
cigarro. A JTI, por sua vez, diz que a mudança na
tributação é “uma das alternativas para combater
o mercado de cigarros ilegais no país, que está
associado ao crime organizado, à evasão de divisas e à
diminuição do número de empregos formais”.

Lobby paraguaio contra tributo de cigarro favorece


contrabando21
Estima-se que 70% da produção do país seja
vendida no Brasil ilegalmente. Fábio Zanini

Grupos criminosos montam fábricas clandestinas


de cigarros paraguaios no RS22
Um dos locais descobertos por policiais fica em
Montenegro, na Região Metropolitana, onde
paraguaios trabalhavam quase em regime de
escravidão, segundo delegado. Fábricas também
foram encontradas em outros estados.
Por Fábio Almeida*, RBS TV 21
Disponível em: https://www1.folha.
03/06/2019 05h38.  Atualizado há 7 meses uol.com.br/mercado/2019/12/lobby-
Para reduzir custos e diminuir os perigos de paraguaio-contra-tributo-de-cigarro-
favorece-contrabando.shtml. Acesso
perder cargas na fronteira e nas estradas com em 21.01.2020.

apreensões da polícia, grupos criminosos estão 22


Disponível em: https://g1.globo.
com/rs/rio-grande-do-sul/
investindo na instalação de fábricas em fazendas e noticia/2019/06/03/grupos-
sítios para produzir carteiras de cigarros como as criminosos-montam-fabricas-
clandestinas-de-cigarros-paraguaios-
paraguaias, mas ao lado dos centros consumidores. no-rs.ghtml. Acesso em 21.01.2020.

FGV DIREITO RIO 40


ECONOMIA

Durante três meses, a equipe da  RBS TV  se


infiltrou no submundo da fabricação dos cigarros
clandestinos e descobriu que marcas paraguaias,
populares nas ruas das grandes cidades, na verdade,
também são fabricadas em solo brasileiro. Foi o que
o programa Fantástico mostrou neste domingo (2).
Desde 2012, foram descobertas pelas polícias Civil
e Federal pelo menos 15 fábricas deste tipo no
Brasil. No Rio Grande do Sul, a última encontrada
foi em Montenegro, na Região Metropolitana de
Porto Alegre, em dezembro de 2018. (...)

Números do cigarro ilegal


O delegado da Polícia Civil Paulo Costa, que
descobriu a fábrica clandestina de cigarros em
Montenegro, ressalta que o impacto tributário no
Brasil sobre o cigarro - 80% do valor da carteira
- é a causa maior do sucesso do contrabando. E
favorece a fabricação de cigarros falsificados no
país, já que no Paraguai a carga tributária sobre
essa mercadoria é de 18%.
“O esquema permitiu à organização criminosa
a venda com carga tributária zero, o que torna
tudo muito lucrativo para eles. Há um consórcio
por trás desse crime, feito para evitar o risco do
crime de contrabando. Geram alta lucratividade
para o esquema criminoso. Eles se consorciaram e
concluíram que não precisam levar tabaco ao Paraguai
para fabricar cigarro com marca de lá. Fazem aqui
mesmo e não pagam a taxa tributária paraguaia, nem
a brasileira. Têm 0% de imposto pago.”
A polícia ainda investiga se as indústrias de cigarros
instaladas legalmente no Paraguai estão envolvidas
na montagem de fábricas clandestinas no Brasil ou
são vítimas de pirataria de marca.
Documentos fiscais paraguaios e selos daquele país,
aparentemente autênticos, foram encontrados em
fábricas no Brasil.
“Isso indica possível participação de empresários do
Paraguai nesse esquema de venda no varejo brasileiro.

FGV DIREITO RIO 41


ECONOMIA

Ao fazer isso, o empresário estaria escapando do


crime de contrabando, sendo enquadrado apenas
por sonegação e falsificação, mas não comete crime
federal (contrabando), cuja pena é bem maior”,
ressalta o delegado.
A escolha pelo Rio Grande do Sul se dá pela oferta
de matéria-prima - 80% da produção de tabaco
processado (pronto para fazer cigarro) no Brasil
acontece no estado, estima o delegado federal
Gustavo Schneider, lotado em Santa Cruz do Sul.
O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco,
na maior parte oriundo do território gaúcho.
“Parte desse tabaco é desviado para cigarro
clandestino, por empregados ou até pelos donos
das indústrias”, afirma Schneider.
Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de
Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras
(Idesf), estima que o cigarro clandestino no Brasil
movimenta de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões por
ano. “E desde que fabricantes transferiram indústrias
para o Brasil, o risco é menor e o lucro é maior.
Há uma estreita ligação entre as fábricas paraguaias
legais e as ilegais, que usam mão de obra paraguaia
em território brasileiro”, assegura. Barros ressalta
que vários crimes são cometidos na montagem de
uma fábrica clandestina de cigarros: sonegação,
escravidão, crimes sanitários (tanto nos locais de
trabalho, insalubres, quanto na montagem do
cigarro com produtos proibidos e/ou sem condições
sanitárias, incluindo insetos e fumo mofado). O
diretor do Idesf diz que a mão de obra paraguaia
tem sido exportada para a América Central e a
Europa, já que muitas das 60 indústrias tabaqueiras
do Paraguai faliram, deixando máquinas e pessoas
na ociosidade. Barros afirma que um “buraco”
fatura, em média, R$ 1,5 milhão por dia. No Brasil,
calcula que existam 30 fábricas desse tipo. Na última
sexta-feira (31), a Polícia Civil cumpriu mandado
de busca e apreensão na Botucaraí Tabacos. Foram
apreendidos R$ 40 mil sem procedência, três armas
(espingarda calibre 12, pistola e revólver) e um
segurança foi preso em flagrante, por porte ilegal
de arma. O inquérito vai investigar uso de insumos
para fabricação de cigarros ilegais. (...)

FGV DIREITO RIO 42


ECONOMIA

Números da pirataria
• 54% dos cigarros consumidos no Brasil em
2018 eram piratas.
• R$ 11,5 bilhões em impostos deixaram de
ser arrecadados no Brasil em decorrência da
pirataria de cigarros.
• 82% é a tributação sobre o cigarro no Brasil: 45%
de Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI), 11% de PIS/Cofins e 26% de Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS).
• 18% é a tributação sobre o cigarro no Paraguai.
• No Paraguai, um dos cigarros mais baratos custa
o equivalente a R$ 0,50, enquanto o mesmo
produto no Brasil sai por R$ 3.
• Conforme o Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial (Etco), a evasão fiscal gerada
pelo comércio clandestino de cigarros chegou a
R$ 11,5 bilhões no Brasil e a arrecadação com
cigarros legais foi de R$ 11,4 bilhões.

Até recentemente, o número de fumantes no Brasil, proporcionalmente


ao número total de habitantes, era substancialmente superior ao que se
verifica hoje. A redução foi ocasionada, em grande medida, pelas políticas
públicas voltadas para redução da demanda, especialmente norma
jurídicas restritivas para o usuário e limitadoras da propaganda, além
de políticas educacionais sobre os males do tabagismo, o que teve forte
influência sobre o comportamento social do fumante.

Por sua vez, como visto, a elevada carga tributária no país sobre o
cigarro elevou substancialmente o preço do produto, o que, aliado à
baixa tributação no Paraguai, incentivou o contrabando e até mesmo a
produção ilegal de cigarros no Brasil.

Sob o ponto de vista econômico, você considera pertinente a analogia


entre esse caso do cigarro e a situação das atuais drogas ilícitas? Quais
seriam as similitudes e as diferenças? Justifique a sua resposta.

E no caso do álcool, você considera que há diferenças relevantes em


relação aos casos do cigarro e das drogas ilícitas?

FGV DIREITO RIO 43


ECONOMIA

Já ouviu falar no caso das “tubaínas” que competem com as grandes


empresas do setor de refrigerantes? Os pequenos produtores alegam
desvantagem competitiva em razão do regime tributário no Polo Industrial
de Manaus (PIM)?23 24Seria mais um caso que comprova a necessidade da
análise econômica para o estudo das consequências práticas da aplicação
do direito tributário e propositura de possíveis alternativas? 23
Disponível em: https://www.huff-
postbrasil.com/entry/vai-ou-fica-o-
-que-dizem-as-tubainas-sobre-a-bol-
sa-refrigerante-da-coca-cola_br_5c3
CASO 3: O CONTROLE DOS PREÇOS DE ALUGUÉIS DE IMÓVEIS E A 34ebbe4b0aa31d4804125?guccounte
r=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93
PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_refer-
rer_sig=AQAAAEFmnKnOWHg5wZc-
-XPCe5p-cBRbZqxikDCRJh9IWf-
cAslUL9Yq_y7DGmlZ40e_OAiN-
A Constituição de 1988 estabeleceu a livre iniciativa, a livre concorrência TBo1Ol5KwsI55cIN9mfggNb40v_
e a defesa do consumidor como princípios da ordem econômica (art. 170, NqFmWl3cRARMtxPBXbHgua609I-
l4K2BLx5Q9hRGyRxkF5dF3jyUR-
caput e incisos IV e V da CRFB/88), além de conferir, também, pela GJH2Uwx6WPVSnKSB5lMNsIXfAu6.
Acesso em 22.01.2020.
primeira vez, status de direito fundamental ao direito consumeirista. 24
Disponível em: https://valor.globo.
com/brasil/noticia/2020/01/23/deci-
sao-sobre-incentivo-na-zfm-causa-in-
Assim, o constituinte consagrou a economia de mercado em um satisfacao-generalizada.ghtml. Acesso
sistema capitalista, mas tornou a defesa do consumidor cláusula pétrea em 23.01.2020.

- norma insuscetível de supressão – conforme previsto no inciso XXXII 25


Nos termos do art. 2° do CDC:
“Consumidor é toda pessoa física ou
do artigo 5º da CRFB/88, determinando, ainda, que o Estado tem que jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final”. O
promover, na forma da lei, a sua defesa. parágrafo único do mesmo dispositivo
do CDC equipara “a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que
Com a edição da  Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do indetermináveis, que haja intervindo
nas relações de consumo”.
Consumidor - CDC), criou-se no ordenamento jurídico brasileiro uma 26
As “falhas de mercado” são
política nacional para a relações de consumo, disciplinando as práticas a situações ou características que
ensejam disfuncionalidades que
serem adotadas nas relações entre fornecedores e consumidores25 de bens dificilmente podem ser solucionadas
ou corretamente resolvidas sem a
e serviços, estimulando maior equilíbrio e consciência relativamente às interveniência de terceiros, em geral o
obrigações e direitos de cada parte. Estado. Os economistas apontam como
falhas de mercado as externalidades,
a assimetria de informação, bens
públicos e monopólios. A matéria será
A premissa subjacente ao CDC é que o consumidor é a parte mais examinada com mais detalhes ao longo
vulnerável da relação jurídica, em razão da assimetria informacional do curso. Relativamente à “assimetria
de informações”, salientam Cooter e
existente e pelo poder econômico exercido pelos fornecedores, Ulen, “quando os vendedores sabem
mais a respeito de um produto do que
motivo da necessidade de maior proteção à parte mais frágil. Com os compradores, ou vice-versa, diz-se
que as informações estão distribuídas
efeito, os economistas indicam como exemplos de “falhas de mercado”26 assimetricamente no mercado”.
as disparidades de informações disponíveis entre os envolvidos em um COOTER, R.; ULEN, T. Direito &
economia. 5 ed. Trad. Luiz Marcos
negócio (assimetria informacional) assim como o exercício do poder Sander e Francisco Araújo da Costa.
Porto Alegre: Bookman, 2010., p. 64.
econômico27, o que ocasiona desequilíbrio na relação e, portanto, legitima 27
As hipóteses de mercados não
a intervenção estatal. concorrenciais, como o monopólio e
o oligopólio, serão examinadas nas
aulas 17 a 20.
A premissa é por vezes contestada diante da aplicação prática do CDC, 28
Disponível em: https://www.
em que casos de abusos são identificados, como descrito por Charles conteudojuridico.com.br/consulta/
Artigos/43581/abuso-do-direito-pelo-
Martins Muniz28: consumidor. Acesso em 22.01.2020.

FGV DIREITO RIO 44


ECONOMIA

Na prática, a operacionalização do CDC tem exigido


dos Juízes o cuidado de identificar, em cada caso,
se o consumidor é verdadeiramente vulnerável,
ou se não se encontra em litigância de má-fé. A
rotina processual tem encontrado consumidores
nada vulneráveis, que operam o CDC de forma
distorcida, objetivando o enriquecimento ilícito à
custa do prejuízo dos fornecedores.

Além dos casos de possíveis abusos ou litigância de má-fé, a lógica


que privilegia o consumidor é também contestada em suas premissas
e, ainda, em razão das possíveis consequências e incentivos associados.
Bruno Bodart, a partir de pesquisas empíricas, sustenta que o sistema
de proteção ao consumidor centralizado na legislação brasileira atual,
além de ser fator de concentração de mercado, que afasta a desejável livre
concorrência, não atende aos interesses dos consumidores mais pobres
em muitas circunstâncias29:

O Direito do Consumidor, especialmente no


Brasil, é um ambiente farto em regras disfuncionais,
o que se deve, em grande parte, ao fato de ser
dominado pela retórica sem análise empírica ou
raciocínio econômico, no que diz respeito a parte
substancial dos seus intérpretes e aplicadores. Uma
decisão de outubro de 2015 do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) pode ser tomada como exemplo.
Decidiu a Corte que a concessão de desconto para
pagamento em dinheiro ou cheque e a cobrança
de preço diferente a clientes com cartão de crédito
pelo mesmo produto ou serviço constitui prática
abusiva.2 O fundamento para a decisão foi o art.
39 do CDC, que qualifica como práticas abusivas
“exigir do consumidor vantagem manifestamente
excessiva” e “elevar sem justa causa o preço de
produtos ou serviços”. O acórdão, imbuído da BODART, Bruno Vinícius Da Rós.
29

Uma análise econômica do


legítima intenção de proteção do consumidor, Direito do Consumidor: como
leis consumeristas prejudicam
na realidade cria um benefício para alguns os mais pobres sem beneficiar
consumidores. Economic Analysis
consumidores cujos custos serão suportados of Law Review - ISSN 2178-0587. Vol
8, No 1 (2017): Economic Analysis of
por todos os outros. Afinal, se as operadoras de Law Review. Disponível em: https://
cartão de crédito cobram um percentual sobre a portalrevistas.ucb.br/index.php/
EALR/article/view/7523. Acesso em:
transação, é natural que ele seja embutido no preço. 22.01.2020.

FGV DIREITO RIO 45


ECONOMIA

Com a vedação ao repasse dessa taxa apenas aos


usuários de cartão de crédito, o efeito esperado,
naturalmente, é que todos os clientes sejam
onerados. Nesse cenário, os maiores prejudicados
certamente são os mais pobres: quatro em cada dez
brasileiros não têm conta bancária3, e, por isso,
têm dificuldade de acesso ao crédito. Ao retirar
o dinheiro debaixo do colchão para comprar o
produto desejado, esse brasileiro desfavorecido
terá também de desembolsar um valor para
custear o uso do cartão de crédito por outros
consumidores mais bem aquinhoados. A lei e o
Judiciário não fizeram sumir a conta – apenas
a repassaram para quem possui menos recursos
para reclamar por pagá-la.4 Assim como essa
medida, diversas outras regras que se propõem a
beneficiar ou proteger o consumidor produzem
uma conta oculta, em relação à qual pouca atenção
costuma ser despertada. Pior: algumas delas
sequer atingem o objetivo de realmente favorecer
os consumidores. Por vezes são inócuas, em
outros casos causam prejuízo aos consumidores e
noutras hipóteses beneficiam apenas uma parcela
de privilegiados, geralmente mais ricos. (...) Ao
experimentar maiores custos com o cumprimento
das determinações governamentais, o fornecedor
repassará, em alguma medida, aquele valor aos seus
clientes. Dessa maneira, apenas haverá “benefício
líquido” aos consumidores se, mesmo após o
pagamento de preços mais altos, a regra for capaz
de melhorar a situação deles como um todo.8 O
que ainda assim é problemático, já que alguns não
poderão arcar com os preços mais altos, enquanto
outros tantos que possam pagar prefeririam preços
reduzidos. Noutras palavras, ainda que se entenda
existente um “princípio de justiça” para que normas
jurídicas favoreçam consumidores em suas relações
com fornecedores, frequentemente o resultado de
sua aplicação será injusto com os consumidores
em geral, dado que vendedores adotarão medidas
compensatórias no mercado de consumo.

FGV DIREITO RIO 46


ECONOMIA

Não faz sentido ignorar os efeitos das leis, em


nome da justiça, quando esses efeitos promovem
a incidência de injustiça por si.9 O Direito do
Consumidor, desse modo, atua em um sensível
campo de tensão entre proteção legal e aumento
de preços aos consumidores. Partindo da premissa
de que regras obrigatórias pró-consumidor podem
ser benéficas à sociedade, é relevante identificar em
quais casos elas aproveitam apenas a um grupo ou
mesmo a ninguém, enquanto causam prejuízos a
muitos. Esse é o objeto do presente ensaio: avaliar
algumas técnicas de proteção ao consumidor
cuja aplicação gera problemas normalmente
desconsiderados e pensar em novas propostas para
o alcance de resultados que, indo além das boas
intenções, efetivamente aumentem o bem-estar da
sociedade em geral

Amanda Flávio de Oliveira, após ressaltar a controvérsia quanto


ao tema, indica no sentido da necessidade de regras protetivas, nos
seguintes termos: 30

Volta e meia retornam aos fóruns acadêmicos as


discussões acerca das resistências recíprocas entre
estudiosos do Direito do Consumidor e estudiosos
da Law & Economics. Da parte dos primeiros,
salvo exceções, é comum verificar as alegações
de que a Law & Economics seria necessariamente
contaminada por uma ideologia de livre mercado
em seu aspecto mais radical, assim como que ela
importaria uma submissão do Direito à Economia,
à Matemática ou à Estatística, com prejuízo da
dogmática e dos valores resguardados na lei.
Da parte dos segundos, alguns deles realmente
imbuídos de uma concepção de Estado mínimo,
questionam-se as bases da própria disciplina
consumerista desenvolvida no Brasil, pondo
em dúvida valores escolhidos pelo legislador e,
30
Disponível em: https://www.
em alguns casos, condenando o próprio sistema conjur.com.br/2017-jan-18/garantias-
protetivo, que considera um sujeito vulnerável consumo-law-economics-direito-
consumidor-nao-sao-incompativeis.
digno de maior proteção em suas relações jurídicas. Acesso em 22.01.2020.

FGV DIREITO RIO 47


ECONOMIA

Essas posturas demonstram desconhecimento de


parte a parte, com prejuízo ao desenvolvimento
da política consumerista nacional (o que, supõe-
se, seja o objetivo dos estudiosos desse campo)
e, ao fim e ao cabo, à própria solidez do mercado
nacional (o que, supõe-se, interessa aos estudiosos
de Law & Economics). (...) Ademais, sob o aspecto
econômico, a tutela do consumidor surge, de forma
geral, como um necessário subproduto do próprio
capitalismo, na medida em que são identificáveis
práticas predatórias no jogo de mercado e que
conduzem a distorções indesejáveis para a sua
própria subsistência ou para a manutenção do
melhor nível possível de competição (grifos da
autora). Países como os Estados Unidos optam
por enfrentar esses problemas prioritariamente
por meio de normas antitruste. Outros,
alinhando-se, sobretudo, ao desenvolvimento
dos direitos humanos, fazem-no de forma
dual, por meio de normas concorrenciais e
de normas consumeristas, como é o caso do
Brasil. Portanto, para além das razões de ordem
humanista que motivaram o reconhecimento de
direitos econômicos e sociais nas Constituições
contemporâneas, como é o caso brasileiro, a
disciplina consumerista apresenta-se como
um necessário instrumento de manutenção do
próprio sistema econômico.

Constata-se, portanto, distintas visões quanto ao tema, o que


demanda a avaliação da matéria diante de cada caso concreto.

Nesse sentido, alguns questionamentos facilitam a percepção da


complexidade do problema e permitem iniciar a análise da contraposição
entre ganhos e perdas inerentes às escolhas eventualmente adotadas
(chamados de trade-offs pelos economistas 31). Com efeito, a maioria
das decisões que envolvem múltiplos interesses contrapostos e de Conforme constata Messere,
31

relativamente à política tributária,


elevado grau de complexidade, apresentam um conjunto de alternativas “tax policy is about trade-offs, not
truths”. MESSERE, Ken. Half Century
decisórias possíveis, havendo, invariavelmente, aspectos positivos e of Changes in Taxation. 53 Bulletin
for International Fiscal Documentation
negativos a serem sopesados em cada opção disponível. 340. 1999. p. 343-344.

FGV DIREITO RIO 48


ECONOMIA

Qual o modelo jurídico adequado para disciplinar a relação entre


fornecedores e consumidores? Deve-se adotar maior peso à proteção
do consumidor, haja vista a sua vulnerabilidade? Considerando a
possibilidade de repasse aos preços, dos custos da regulação protetiva
aos consumidores, quais deveriam ser os cuidados a serem adotados
pelo legislador? Esse repasse dos custos adicionais aos preços sempre
ocorrerá? Em quaisquer circunstâncias? O direito possui instrumental
analítico necessário à análise e propostas de solução adequadas para
essas questões? Além dessas indagações, imagine a seguinte situação:
considerando os elevados valores dos alugueis em determinado
município turístico, as autoridades locais decidem impor um valor
máximo para alugueis de imóveis (um teto), de acordo com as
características de cada bem.

Suponha que o preço tabelado seja inferior àquele que seria solicitado
pelos proprietários dos imóveis em um mercado livre. Nessa hipótese,
provavelmente haveria mais pessoas desejando alugar imóveis ao preço
máximo (teto) do que aqueles disponíveis. Quem seriam os prováveis
locatários? 32

CASO 4: DAS ALTERNATIVAS PROFISSIONAIS: O CUSTO CONTÁBIL VS.


CUSTO ECONÔMICO (CUSTO DE OPORTUNIDADE)

Imagine a seguinte situação hipotética: Dr. Marcio Fictício era um


médico anestesista, que trabalhava desde 1990 no hospital da polícia
militar, além de realizar trabalhos para um grupo de cirurgiões,
privadamente. A média mensal de sua remuneração, somando o
salário como servidor e as anestesias privadas giravam em torno de R$
23.000 mil reais ao mês. Além da remuneração pelo trabalho médico,
também recebia aluguel de uma casa, no valor de R$ 10.000 mil reais
ao mês. Auferia também renda de juros e dividendos decorrentes de
aplicações no mercado financeiro, no montante de R$ 3.000 mil reais
em média, ao mês.

9 9 Não obstante a boa remuneração o médico não estava feliz com


sua atividade profissional. Após a saída da locatária, decidiu
largar a atividade como anestesista e montar um restaurante no
seu imóvel anteriormente alugado, investindo, ainda, o total do 32
VARIAN, Hal R. Microeconomia:
uma abordagem moderna. 9ª ed. –
capital aplicado no mercado financeiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. p.13.

FGV DIREITO RIO 49


ECONOMIA

99 No final do primeiro ano como empresário, a contabilidade apontava:


1) Receita Bruta total das vendas do restaurante:.......R$ 1.800.000
2) Custos Totais:
a) Custo da Comida............................... R$ 1.140.000
b) Salários e encargos trabalhistas............ R$ 240.000
c) Água, luz, gás, telefone etc.................. R$ 60.000
d) Tributos e custos de contabilidade...... R$ 60.000
e) Total dos Custos no ano..................... R$ 1.500.000
3) Lucro = Receita Total – Custos Totais =........ R$ 300.000 lucro/ano

O contador estava feliz com o resultado positivo (um lucro contábil de


R$ 300.000) já no primeiro ano de atividade. Você concorda ou discorda
do contador?

Sabe qual é o conceito de “custo de oportunidade”33? Como medir


felicidade adequadamente?

Por fim, após o estudo desses 4 (quatro) casos, responda: por que
estudar economia em um curso de direito?

33
O conceito econômico de custo e de
lucro é distinto do conceito contábil. O
lucro contábil é a receita total menos
custos explícitos. O lucro econômico é
a receita total diminuída de todos os
custos de oportunidade da produção
dos bens e serviços vendidos. Sob o
ponto de vista econômico, a receita
total deve cobrir todos os custos de
oportunidade, explícitos e implícitos,
os quais incluem o lucro normal da
economia. Os lucros econômicos
extraordinários superam o lucro
normal obtido em um ambiente de
concorrência, no qual nenhum agente
exerce poder de mercado, matéria a ser
examinada ao longo do curso.

FGV DIREITO RIO 50


ECONOMIA

AULA 2 – PRÉ-COMPRRENSÃO DO TEMA: A DUPLA FACE DA ECONOMIA

Quarta-feira, 20/03/2013, às 12:39,  por  Sérgio


Nogueira34
Você sabe qual é a origem da palavra economia?
VOCÊ SABE...
... qual é o sentido original da palavra economia? (...)
O elemento “eco” vem do grego  oikos  e
significa “casa, lar, domicílio, meio ambiente”. Na
sua origem, portanto, economia é a arte de bem
administrar a casa. Hoje é a ciência que trata da
produção, distribuição e consumo de bens. É a
administração do sistema produtivo de um país ou
região, ou seja, da “casa” em que vivemos.
Daí a ecologia que é o estudo (=logia) das relações
entre os seres vivos e o meio (=eco) em que vivem.
Não devemos confundir com “eco” de
ecocardiografia e de ecoencefalograma. Nessas
palavras, o elemento “eco” vem do grego echos e
significa “som, eco”.

O estudo da economia se projeta em dois âmbitos indissociáveis: um


de natureza material e outro de cunho procedimental – que diz respeito
ao método ou modo de fazer algo. 34
Disponível em: http://g1.globo.com/
educacao/blog/dicas-de-portugues/
post/voce-sabe-qual-e-a-origem-da-
Economia, sob o ponto de vista material, é a ciência que tem como palavra-economia.html. Acesso em
06.12.2019.
objeto de observação - e preocupação - a produção, a distribuição e o 35
Importante salientar a distinção
consumo de bens e serviços para satisfazer as necessidades básicas e os entre os desejos humanos e
desejos das pessoas e da sociedade como um todo35. as necessidades básicas para
sobrevivência. Os desejos humanos
são fortemente influenciados pela
propaganda e o marketing, os quais
Nesse aspecto substantivo, a análise econômica tradicional36 procura também criam demanda e conformam
responder a uma pergunta central: o status social do indivíduo. Na atual
economia digital, as plataformas
que utilizam a internet se apropriam
de dados pessoais coletados para
Como atingir o máximo de oferta de bens e serviços, obtenção de lucro. A virtualização
utilizando os fatores de produção disponíveis e a deslocalização geográfica da
atividade econômica, associada
(trabalho, terra, capital, capacidade de empreender com a captura e venda de dados
pessoais, permitem não apenas a sua
e tecnologia) para atender as necessidades básicas monetização, mas também a utilização
das informações obtidas para previsão
e aos desejos dos seres humanos racionais, os do comportamento individual. Esse
quais são infinitamente superiores à capacidade aspecto do tema será retomado na
próxima aula.
instalada de produção, considerando o estágio 36
Os limites que a natureza impõe à
tecnológico em dado momento do tempo? economia serão introduzidos na Aula 4.

FGV DIREITO RIO 51


ECONOMIA

A indagação nesses termos parte de quatro premissas que se interligam,


37
Para a microeconomia a soma dos
sem ordem de precedência. comportamentos individuais explica
os movimentos da sociedade como um
todo. Apenas recentemente por meio
A primeira, no sentido de que o objetivo de maximizar a produção da chamada “teoria dos jogos” tem sido
construído modelos envolvendo coalizões
decorre de uma correlação positiva entre renda/riqueza e bem-estar supra-individuais. A matéria será
examinada especialmente na Aula 23.
individual. O segundo postulado é que o ser humano é racional, 38
MILL, John Stuart. Princípios
razão pela qual atua para maximizar sua utilidade e bem-estar. A de economia política: com
algumas aplicações à filosofia
terceira premissa subjacente à mencionada questão central diz social; introdução de W.J.Aschley;
apresentação Raul Ekerman;
respeito à escassez, a qual pode considerada em termos absolutos ou tradução de Luiz João Baraúna.
relativos. A quarta premissa concerne à influência que a tecnologia São Paulo: Abril Cultural, 1983
(Os economistas). p.61/62. “Em
exerce sobre o modelo de produção, distribuição e consumo de bens primeiro lugar, mesmo no que
se chama produção de objetos
e serviços, estabelecendo limites à capacidade produtiva em dado materiais, importa lembrar que o
que é produzido não é a matéria
momento do tempo. que os compõe. Nem mesmo todo o
trabalho de todos os seres humanos
do mundo seria capaz de produzir
uma única partícula de matéria.
Fazer tecido inglês não é outra coisa
PREMISSA 1: A MAXIMIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E A RELAÇÃO ENTRE senão dispor de forma peculiar, as
partículas da lã; cultivar trigo não
RENDA E BEM-ESTAR é outra coisa senão colocar porção
de matéria, denominada semente,
em um local que ela possa coletar
e combinar partículas da matéria
A primeira premissa subjacente à questão acima sugerida é no sentido da terra e do ar, para formar nova
de que o objetivo de maximizar a produção decorre da correspondência combinação denominada planta.
Ainda que não tenhamos condições
positiva entre renda e o bem-estar individual e, por conseguinte, social, de criar matéria, podemos fazer
com que ela assuma propriedades,
tendo em vista ser resultado da agregação das partes37. em virtude das quais transforma de
inútil em útil para nós”.
39
O termo “utilidade” foi indicado
Assim, quanto maior a produção, renda e riqueza maior será o bem- por Jeremy Bentham (1748-1832)
como uma medida aproximada da
estar pessoal e coletivo. sensação de dor e de prazer, o que
seria o móvel da ação humana. A
doutrina utilitarista, de Bentham
Para a teoria econômica, o trabalho produtivo cria utilidade38, a qual e de John Stuart Mill (1806-1876),
consagrou o ser econômico (homo
também é, ao mesmo tempo, a medida do bem-estar39. economicus) como maximizador
de utilidade pessoal. Mas qual o
parâmetro para medir a utilidade?
Considerando a dificuldade de aferir
A atividade produtiva nesses termos compreende tanto o trabalho que e comparar a utilidade entre as
pessoas, que possuem percepções
cria um objeto material palpável, apto de ser fisicamente transferido, distintas, utiliza-se uma escala de
como a prestação de serviço que cria benefício imaterial ou que acresce valor alternativa, que é o dinheiro
ou unidade monetária (a moeda),
valor a um bem. matéria a ser introduzida nas Aulas
5 e 6. Dessa vinculação da medição
da utilidade à moeda decorrem
algumas consequências. O mais
A riqueza proveniente do trabalho produtivo viabiliza o consumo importante é que as pessoas podem
ter preferências distintas em relação
das utilidades dos bens produzidos e dos serviços prestados, e não ao próprio dinheiro, que é utilizado
propriamente os objetos ou os serviços em si40. como parâmetro para medição da
utilidade. As consequências desse
aspecto serão relevantes para o
estudo das diferentes concepções
O bem-estar usufruído é quantificado de acordo com a utilidade e critérios de eficiência, a ser
introduzido na Aula 9 e aprofundado
desfrutada. na Aula 22.

FGV DIREITO RIO 52


ECONOMIA

Nesses termos, duas conclusões podem ser extraídas até o momento: 40


MILL, John Stuart. Princípios
a) os indivíduos intencionam aumentar a produção, suas rendas e de economia política: com
algumas aplicações à filosofia
riquezas para maximizar o seu bem-estar, reflexo do racionalismo social; introdução de W.J.Aschley;
apresentação Raul Ekerman; tradução
utilitário, característico do comportamento individual maximizador; e de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril
b) a regulação estatal41, no que for pertinente, deve ser direcionada ao Cultural, 1983 (Os economistas). p.62.
“O que produzimos, ou desejamos
aumento da produção e ao crescimento da economia. produzir, é sempre, como diz com razão
o Sr. Say, uma utilidade. O trabalho
não cria objetos, mas utilidades.
Tampouco consumimos ou destruímos
O bem-estar, de acordo com essa concepção, é função da capacidade de os objetos como tais; a matéria que
os compõe permanece, mais ou
combinar e utilizar de forma eficiente os fatores de produção (trabalho, menos alterada na forma; o que foi
capital físico e financeiro, empreendedorismo e tecnologia), objetivando- realmente consumido são apenas as
qualidades em virtude das quais esses
se alcançar a mais alta taxa de produtividade total de fatores (TPTF). objetos foram adequados ao fim para
o qual foram aplicados. É, portanto,
Afinal, se é possível atingir maior produção com a mesma quantidade pertinente a questão colocada pelo Sr.
Say e por outros: visto que, quando
de capital e trabalho, com o mínimo de desperdício possível, o volume se diz que produzimos objetos, só
produzido por pessoa (produção per capita) aumenta, elevando-se o produzimos utilidades, por que não
considerar produtivo todo trabalho
conforto material de toda a sociedade. A eficiência do processo produtivo, que produza utilidade? Por que recusar
esse título ao cirurgião que conserta
portanto, é objetivo crucial para o economista. um membro, ao juiz e ao legislador que
proporcionam segurança, e atribuí-lo
a um lapidador que corta o diamante
Apesar da mencionada correlação positiva entre renda/riqueza e o e lhe dá polimento? Por que negá-lo
ao instrutor do qual aprendo uma
bem-estar, esta correspondência não é necessariamente linear e infinita. arte – pelo qual posso ganhar meu
pão – e atribuí-lo ao confeiteiro que
Isto é, pesquisas empíricas sugerem que a utilidade não cresce na mesma faz bombons em função de um prazer
momentâneo de um paladar?”.
proporção a partir de determinado nível de renda, além de existir um 41
O termo “regulação” tem sido
limite, a partir do qual o seu aumento não gera acréscimo de bem-estar. utilizado em diversos sentidos. Em
sentido amplo, designa as diferentes
Estudos do ano de 2010 da Princeton University’s Woodrow Wilson formas de influência do Estado sobre
School42 e outro mais recentemente elaborado com base em ampla ações privadas ou sociais, ao passo
que em seu sentido restrito se refere
pesquisa realizadas pela Gallup World Poll, e publicado na revista Nature ao conjunto específico de comandos
que obrigam e são aplicados por uma
Human Behaviour,43 indicam no sentido de que a partir da renda familiar agência estatal dotada de autonomia
para disciplina de determinada
de US$ 75 mil dólares ao ano, aproximadamente, não há mais aumento atividade econômica. BALDWIN,
proporcional de bem-estar quando a renda cresce, havendo, ainda, um Robert, CAVE, Martin e LODGE, Martin.
Understanding Regulation:
limite para o acréscimo de satisfação. Theory, Strategy, and Practice.
Oxford University Press Inc., New York,
2012, p.2/3.

Além disso, controvérsia também existe quanto ao grau de influência, 42


Disponível em: http://content.
time.com/time/magazine/
sobre o bem-estar individual, do grau de desigualdade na sociedade em article/0,9171,2019628,00.html.
Acesso em 24.01.2020.
que se vive. Há estudos empíricos sugerindo que países que apresentam
43
“Income is known to be associated
grandes desigualdades entre ricos e pobres têm mais chance de apresentar with happiness1, but debates
persist about the exact nature of this
problemas sociais mais agudos do que em sociedades mais igualitárias (de relationship2,3. Does happiness rise
saúde, homicídios, etc.)44. indefinitely with income, or is there
a point at which higher incomes no
longer lead to greater well-being? We
examine this question using data from
Assim sendo, inicialmente sem levar em consideração outras restrições the Gallup World Poll, a representative
sample of over 1.7 million individuals
e limitações ao crescimento45, parece não bastar o aumento do “bolo”, worldwide. Controlling for
devendo-se levar em consideração, também, como serão repartidas as demographic factors, we use spline
regression models to statistically
“fatias do bolo” para o alcance do bem-estar individual, e coletivo. identify points of ‘income satiation’.

FGV DIREITO RIO 53


ECONOMIA

No entanto, não há consenso quanto à necessidade e adequação de Globally, we find that satiation occurs
at $95,000 for life evaluation and
interveniência estatal nesse sentido. Tampouco há unanimidade $60,000 to $75,000 for emotional well-
em relação aos mecanismos e instrumentos adequados para reduzir as being. However, there is substantial
variation across world regions, with
diferenças existentes, e bem assim qual seria o grau de interferência satiation occurring later in wealthier
regions. We also find that in certain
pertinente para tornar o sistema econômico mais inclusivo. Sobre o tema, parts of the world, incomes beyond
satiation are associated with lower
aponta Thomas Philippon46: life evaluations. These findings on
income and happiness have practical
and theoretical significance at the
The big debates in economics are about growth and individual, institutional and national
levels. They point to a degree of
inequality. As economists, we seek to understand happiness adaptation 4,5 and that
money influences happiness through
how and why countries grow and how they divide the fulfilment of both needs and
increasing material desires”. JEBB
income among their citzens. In other words, we are Andrew T., TAY, Louis, DIENER, Ed &
OISHI, Shigehiro. Happiness, income
concerned with two fundamental issues. The first satiation and turning points
issue is how to make the pie as large as possible. around the world. Published: 08
January 2018. Disponível em: https://
The second issue is how to divide the pie. www.nature.com/articles/s41562-
017-0277-0. Acesso em 25.01.2020.
Economists study those choices because they 44
WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate.
want to understand the factors that foster growth The Spirit Level: why equality is
better for everyone. Penguin Books,
and the factors that influence the distribution of 2010. O estudo limita-se aos países mais
ricos, nos quais a discrepância entre o
income among individuals. At least since Adam Produto Nacional Bruto (PNB) per capta
é baixa. Entretanto, apesar da menor
Smith, we have understood that one of those disponibilidade de dados, segundo
factors is competition. os autores “está claro que grandes
desigualdades de renda apresentam
resultados muito semelhantes entre
os países mais ricos e os mais pobres.
Adam Smith (1723 – 1790) é considerado o pai da economia clássica. A diferença é que, nos países menos
desenvolvidos, é necessário levar
Após publicar a obra “A Riqueza das Nações”,47 um dos textos fundantes em conta as diferenças no PNB per
capta antes de analisar os efeitos da
do liberalismo econômico48, tornou-se precursor da economia moderna49. desigualdade, Embora a disponibilidade
Considerando a “natural” atuação das leis da oferta e da demanda, Smith de dados que podem ser comparados
em nível internacional seja menor para a
defende que o Estado deve realizar apenas funções que visem à proteção da maioria dos países em desenvolvimento,
os dados disponíveis em relação à saúde
propriedade privada, do livre comércio e da segurança, realizando ações e às taxas de homicídio indicam que a
desigualdade produz efeitos parecidos
positivas apenas em três áreas: a defesa da sociedade contra os inimigos em qualquer lugar. Em todos os lugares
em que existem dados disponíveis para
externos, a proteção dos indivíduos contra as ofensas mútuas e a realização outros resultados, e em que esses dados
de obras públicas que não possam ser realizadas pela iniciativa privada50. foram incluídos por pesquisadores
em seus estudos, a conclusão tende a
Smith aponta no sentido da autocorreção em mercados competitivos, ser a mesma”. Vide prefácio à edição
brasileira do mesmo livro: WILKINSON,
em razão das variações dos preços livres, os quais equilibram a oferta Richard; PICKETT, Kate. O Nível. Por
que uma sociedade mais igualitária
e a demanda (“a mão invisível do mercado”)51. Indica, ainda, que a é melhor para todos. Tradução
Marilene Tombini. Rio de Janeiro:
riqueza das nações decorre do aumento da produtividade da mão de Civilização Brasileira, 2015, p.15/17.
obra, ou seja, da capacidade do trabalhador aumentar a produção de 45
Há limites ao crescimento econômico
decorrentes de diversas causas, como,
bens ao longo de determinado período de tempo. A partir da divisão do o estágio tecnológico, a capacidade
trabalho e expansão dos mercados (para ganhar maior escala) as nações de empreender e organizar o sistema
produtivo bem como aproveitar as
poderiam enriquecer. Assim, quanto maior o tamanho do mercado e mais potencialidades locais (as vantagens
comparativas - de extrair o máximo
sofisticada a especialização na execução das tarefas (maior eficiência), das características do local onde
atua, como os recursos naturais, do
maior seria a produtividade e riqueza das nações52. clima, de aspectos culturais), etc.

FGV DIREITO RIO 54


ECONOMIA

Ainda no contexto da economia clássica, também se destaca a obra de O meio ambiente natural (a natureza)
David Ricardo (1772- 1823)53, o qual impulsionou o estudo da teoria do também impõe limites ao crescimento
econômico, matéria a ser explorada na
valor trabalho incorporado54, a teoria da renda fundiária e a teoria das Aula 4, como já destacado (nota 36).

vantagens comparativas55. Ricardo também tratou de aspectos de política 46


PHILIPPON, Thomas. The Great
Reversal. How America gave
monetária no artigo “O preço do ouro: uma prova da depreciação do up on free markets. Cambridge,
Massachussetts: Thre Belknap of Harvard
papel moeda”, no periódico Morning Chronicle. A partir de uma visão University Press, 2019. p. 13.p. 13.
quantitativista, justificava a inflação da época ao descontrole das emissões 47
A obra foi publicada pela primeira vez
em março de 1776, em Londres. Uma
de moeda, em contraposição à tese então dominante, segundo a qual o segunda edição foi lançada em fevereiro
de 1778, seguida por três edições antes
problema se devia ao aumento dos preços dos cereais56. da morte de Smith: em 1784, 1786
e 1780. SMITH, Adams. A riqueza
das nações, volumes 1 e 2; tradução
Os neoclássicos57, a partir dos fundamentos do livre mercado Alexandre Amaral Rodrigues, Eunice
Ostrensky - 3ª e 4ª ed e. São Paulo:
formulados pelos economistas clássicos, incluíram novas concepções, Editora WMF Martins Fontes, 2016.

como a mencionada maximização da utilidade do consumidor e do 48


O Liberalismo, em suas diversas
projeções, defende a liberdade e a
lucro do produtor, a teoria da escolha racional (a ser introduzida intervenção mínima do Estado, seja
nas relações econômicas (liberalismo
quando do exame da segunda premissa) e a análise marginal, que estuda econômico), seja na vida pessoal
(liberalismo político ou social).
como os indivíduos decidem para maximizar seu bem-estar (escolha
49
A história do pensamento econômico
racional pela melhor opção disponível). é usualmente subdividida em três
períodos: pré-moderno, moderno e
contemporâneo. O pensamento clássico
Merece destaque a contribuição do austríaco Ludwig von Mises (1881- inicia a fase moderna e sistemática do
estudo econômico, e tem como marco a
1973)58 para a criação da chamada escola austríaca, tendo como seu obra “A Riqueza das Nações” do filósofo e
economista escocês Adam Smith. O período
principal sucessor Friedrich August von Hayek (1899-1992), laureado da Revolução Francesa (1789-1799)
marcou o fim da idade moderna e início da
com prêmio Nobel de Economia em 1974. Mises, defensor intransigente contemporaneidade. Essas classificações
são apenas ilustrativas, em especial se o
das liberdades individuais e do livre mercado, “desafiou as experiências parâmetro analítico for o Século XXI.
totalitárias do comunismo soviético, do fascismo e do nazismo, assim 50
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e
democracia. Tradução. Marco Aurélio
como o crescente intervencionismo estatal dos regimes democráticos”59. Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 1992.
Os seguintes trechos são esclarecedores do posicionamento de Mises em 51
Como regra geral, a tendência é no
defesa do livre mercado60: sentido do preço de equilíbrio, situação
que iguala a oferta e a demanda nos
mercados. Se há excesso de demanda
de determinado bem, por exemplo, o
Diz uma frase famosa, muito citada ‘O melhor preço sobre, atraindo novos agentes
econômicos para produzir no setor
governo é o que menos governa’. Esta não me específico que se torna mais atraente.
Com novos produtores, haverá maior
parece uma caracterização adequada das funções oferta para atender a demanda e o preço
de um bom governo. Compete a ele fazer entrará em equilíbrio novamente. Por
outro lado, se há excesso de oferta, alguns
todas as coisas para as quais necessário e para produtores deixarão o mercado, motivo
pelo qual o mercado tenderá novamente
as quais foi instituído. Tem dever de proteger ao preço de equilíbrio. Essa questão no
mercado em concorrência perfeita será
as pessoas dentro do país contra as investidas retomada nas Aulas 10 a 12.

violenta e fraudulentas de bandidos, bem como 52


Em período anterior, os fisiocratas,
grupo de economistas franceses do
defender o país contra os inimigos externos. século XVIII desenvolveram a teoria
econômica no sentido de que a riqueza
São essas funções do governo num sistema das nações era derivada unicamente
livre, no sistema de economia de mercado. No do valor de “terras agrícolas” ou do
“desenvolvimento da terra” e que
socialismo, obviamente, o governo é totalitário, produtos agrícolas deveriam ter preços
elevados (já que para eles a agricultura
nada escapando à sua esfera e sua jurisdição. tinha um valor muito grande).

FGV DIREITO RIO 55


ECONOMIA

Mas na economia de mercado, a principal


incumbência do governo é proteger o
funcionamento harmônico dessa economia contra
a fraude ou a violência originada dentro ou fora
do país. Os que discordam dessa definição das
funções do governo poderão dizer: ‘Este homem
abomina o governo’. Nada poderia estar mais longe
da verdade. Se digo que a gasolina é um líquido
de grande serventia, útil para muitos propósitos,
mas que, apesar disso, não a beberia, por não me
parecer esse o uso próprio para o produto, não me
53
David Ricardo, em conjunto com
converto por isso num inimigo da gasolina, Digo Adam Smith, Thomas Malthus (1776-
1834), Jean-Baptiste Say (1768-
apenas que ela é muito útil para determinados 1832) e John Stuart Mill (1806-1873)
fins, mas inadequada para outros. Se digo que é constituem os principais autores da
escola clássica da economia política.
dever do governo prender assassinos e demais Sem considerar os impactos dos
avanços tecnológicos na agricultura,
criminosos, mas que não é seu dever abrir estradas Malthus indicou que enquanto a
população crescia em progressão
ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer geométrica, a produção de alimentos
crescia progressão aritmética. Por sua
que odeie o governo apenas por afirmar que ele vez, Say popularizou a chamada “lei de
está qualificado para fazer determinadas coisas, Say”, segundo a qual “a oferta cria a sua
própria demanda”. Já Stuart Mill, além
mas não o está para outras. Já se disse que nas de consolidar os trabalhos dos clássicos,
incorporou elementos institucionais
condições atuais, não temos mais uma economia em sua análise. MILL, John Stuart.
Princípios de economia política:
de livre mercado. O que temos nas condições com algumas aplicações à filosofia
social; introdução de W.J.Aschley;
presentes é algo a que se dá o nome de ‘economia apresentação Raul Ekerman; tradução
mista’. E como provas da efetividade dessa nossa de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril
Cultural, 1983 (Os economistas).
‘economia mista’, apontam-se muitas empresas de 54
Matéria a ser introduzida na Aula 7.
que o governo é proprietário e gestor. A economia 55
Matéria a ser examinada na Aula 23.
é mista, diz-se, porque, em muitos países, A questão monetária da economia
56

será examinada nas Aulas 5 e 6.


determinadas instituições – como companhias de 57
Os principais nomes da escola
telefone e telégrafo, as estradas de ferro – são de neoclássica são Leon Walras (1834-1910),
Alfred Marshall (1842-1924), Willian
posse do governo e administradas por ele. Não Jevons (1834-1882), John Hicks (1904-
1989) e George Stigler (1911-1991).
há dúvidas de que algumas dessas instituições são
58
Mises nasceu na cidade de Lviv, na
geridas pelo governo. época, território do Império Austro-
Húngaro. Estudou e obteve o doutorado
(...) em Direito na Universidade de Viena,
Que é intervencionismo? onde lecionou entre 1913 e 1934. Entre
1934 e 1940 foi professor em Genebra até
O intervencionismo significa que o governo não a sua fuga para os Estados Unidos. Na New
York University (NYU), lecionou de 1945 a
se restringe à atividade de preservação da ordem, 1969. MISES, Ludwig von. As seis lições.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges
ou – como se costumava dizer cem anos atrás – -9ª ed. revista- São Pulo: LVM, 2018.
da ‘produção da segurança’. O intervencionismo 59
MISES, Ludwig von. As seis lições.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges -9ª
revela um governo desejoso de fazer mais. ed. revista- São Pulo: LVM, 2018, p.2/3.
Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado. 60
Idem. p.81/82 e 84/85.

FGV DIREITO RIO 56


ECONOMIA

Alguém que discorde, afirmando que o governo


deveria intervir nos negócios, poderá ouvir, com
muita frequência, a seguinte resposta: ‘Mas o
governo sempre interfere, necessariamente. Se
há policiais nas ruas, o governo está interferindo.
Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou
quando evita que alguém furte um automóvel’.
Mas quando falamos de intervencionismo, e
definimos o significado do termo, referimo-nos
à interferência governamental no mercado. (Que
o governo e a polícia se encarreguem de proteger
os cidadãos, e entre eles os homens de negócio, e,
evidentemente, seus empregados, contra ataques de
bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente
uma expectativa normal e necessária, algo por
esperar de qualquer governo. Essa proteção não
constitui uma intervenção, pois a única função
legítima do governo é, precisamente, produzir
segurança). Quando falamos de intervencionismo,
referimo-nos ao desejo que experimenta o governo
de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O
intervencionismo significa que o governo não
somente fracassa em proteger o funcionamento
harmonioso da economia de mercado, como
também interfere em vários fenômenos de mercado:
interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas
de juros e nos lucros.

Portanto, o liberalismo econômico, a partir da garantia da propriedade


privada dos meios de produção e da prevalência da segurança61, estimula
a concorrência, a eficiência produtiva e a intervenção estatal mínima.
Concentra a sua atenção, portanto, no lado do crescimento do “bolo”.

É, sem dúvida, um sistema extremamente eficiente para criação de


riqueza, fundamentado na inovação, competição e liberdade.

Nesse contexto, merece realce a fase inicial do capitalismo com a


Primeira Revolução Industrial (1760-1830), primeiramente na Inglaterra,
o que conferiu um novo perfil à anterior economia eminente agrícola e
extrativista. As mudanças foram de diversas ordens, com a aristocracia Segurança aqui inclui também a
61

segurança jurídica, de cumprimento


rural perdendo força diante do novo sistema de produção nas fábricas e dos contratos e negócios privados.

deslocamento de parte da população rural para as indústrias capitalistas 62


MISES, Ludwig von. As seis lições.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges
em áreas urbanas, conforme salienta Mises62: -9ª ed. revista- São Pulo: LVM, 2018, p. 44.

FGV DIREITO RIO 57


ECONOMIA

Oitenta anos depois (do início da revolução 63


Com base na “sinistra” descrição de
industrial), após a expansão do capitalismo da Alexis de Tocqueville (1805-1859), sobre
sua viajem pela Inglaterra no Século XIX,
Inglaterra para a Europa Continental, mais uma José Jobson de Andrade Arruda, indica:
“nada mais lúgubre, nada mais desu-
vez verificou-se a reação da aristocracia rural contra mano. Eis o novo habitat do proletaria-
o novo sistema de produção. Na Alemanha, os do nascente. A fase idílica do trabalho
no campo, da dualidade camponesa,
aristocratas prussianos – tendo perdido muitos havia passado. O ritmo inesperado e
impetuoso da expansão urbana não fora
trabalhadores para as indústrias capitalistas, que acompanhado por adequados serviços
ofereciam melhor remuneração – cunharam a urbanos. A produção e o transporte
de alimentos certamente declinou em
expressão para designar o problema: ‘fuga do campo’ muitas grandes cidades até o advento
das estradas de ferro. A emergência do
– Landflucht. Discutiu-se, então, no parlamento sistema fabril revoluciona completa-
mente as estruturas de produção que
alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra permaneciam na sua retaguarda: a
aquele mal – e tratava-se indiscutivelmente de um manufatura se transforma e constan-
temente em fábrica, o artesanato m
mal, do ponto de vista da aristocracia rural. manufatura e, finalmente, os resquícios
do artesanato e do trabalho doméstico
transformam-se, rapidamente, em an-
Dessa forma, de acordo com Mises, diante das melhores remunerações tros de miséria onde campeia livremente
a exploração capitalista. Esta tendência
oferecidas pelas indústrias, as condições de vida melhoraram com o foi o que Marx designou ‘a generalização
da lei fabril’ para toda produção social”
comércio capitalista. Nesse sentido, considerando a ampla difusão (...) A vida nas fábricas era odiosa. A
disciplina intolerável. (...) Na medida
de informações acerca de péssimas condições de vida e de baixíssima em que a mecanização nivela por baixo
remuneração dos trabalhadores à época63, sustenta o austríaco que “os a habilidade necessária dos trabalhado-
res, tornava-se possível incorporar, com
primeiros historiadores do capitalismo falsearam – é difícil usar uma facilidade, trabalho feminino e infantil.
Isto significava baixar o custo de remu-
palavra mais branda – a história”64. neração do trabalho”. ARRUDA, José
Jobson de Andrade. Revolução Industrial
e Capitalismo. São Paulo: Brasiliense,
Em contraponto aos economistas neoclássicos, em diversos aspectos, 1984, p.74/76. A aludida descrição de
Tocqueville está disponível em: https://
a partir da percepção que a sociedade se transformava quando se www.dhr.history.vt.edu/modules/eu/
mod01_nature/evidence_detail_05.
alterava o modo de produção, Karl Marx (1818 -1883) subdivide a html. Acesso em 29.01.2020.
história em 5 (cinco) fases consecutivas: modo de produção primitivo; 64
MISES, Ludwig von. As seis lições. Tra-
modo de produção  escravista; modo de produção  asiático; modo de dução de Maria Luiza X. de A. Borges -9ª
ed. revista- São Pulo: LVM, 2018, p. 42/44.
produção feudal e o modo de produção capitalista65. 65
Disponível em: https://me-
dium.com/paiol/o-pensamento-
-sociol%C3%B3gico-de-karl-marx-parte-
Na fase capitalista, com a nobreza e a aristocracia rural perdendo o -ii-df89b0ba3fca. Acesso em 27.01.2020.
protagonismo, surge, para Marx, duas classes com interesses antagônicos: 66
O manifesto comunista escrito por
Karl Marx em conjunto com Friedrich
a burguesia e o proletariado. É a ideia de luta de classes. No manifesto Engels (1820-1895) foi editado em
comunista,66 salienta que embora os trabalhadores produzam a maior 1948. Segundo Eric Hobsbawm “nunca
houve uma [revolução] que se tivesse
parte da riqueza, são excluídos da maior parte dos benefícios dessa espalhado tão rápida e amplamente,
alastrando-se como fogo na palha
produção, que fica nas mãos da minoria burguesa (decorrência da mais por sobre fronteiras, países e mesmo
oceanos” (HOBSBAWN, Eric. A era do
valia expropriada)67. Nesse sentido, propõe uma sociedade igualitária, capital: 1848-1875, 1996, p. 28).
com o “fim do trabalho infantil” (divulgado como muito comum à época, 67
Em seu livro O Capital (Crítica a
“principalmente nas fábricas”68), razão pela qual defende que a propriedade Economia Política), Marx afirma “Que
o trabalhador, com o aumento da força
dos meios de produção deveria ser do Estado. Segundo a tese marxista, a produtiva de seu trabalho, produza em 1
hora, digamos, 10 vezes mais mercado-
dinâmica de acumulação do capital privado redundaria na “autodestruição” rias do que antes, e, consequentemente,
e “apocalipse” do próprio capitalismo, pois a sua inerente instabilidade e precise de 10 vezes menos tempo de tra-
balho para cada artigo, não o impede em
excessiva concentração de riqueza (e poder) nas mãos de poucos burgueses absoluto de trabalhar as mesmas 12 ho-
ras de antes, tampouco de produzir, nes-
conduziria à revolução popular, para dar origem ao sistema comunista. sas 12 horas, 1.200 artigos em vez de 120.

FGV DIREITO RIO 58


ECONOMIA

Ainda que a maior parte dos países ocidentais nunca tenham aderido à Mais ainda, sua jornada de trabalho
pode ser prolongada, ao mesmo tem-
tese da propriedade pública dos meios de produção, e também não tenha po, de modo que ele passe a produzir
1.400 artigos em 14 horas etc. Por essa
ainda ocorrido o mencionado “apocalipse”69 do capitalismo, alguns fatos razão, em economistas do calibre de
ocorridos no final do Século XIX e início do Século XX colocaram em MacCulloch, Ure, Senior e tutti quanti,
podemos ler, numa página, que o tra-
xeque a tese do não intervencionismo estatal na ordem econômica e social balhador tem uma dívida de gratidão
ao capital pelo desenvolvimento das
como propugnado pelo liberalismo econômico. Sobre o tema, assevera forças produtivas, pois este reduz o
tempo de trabalho necessário, e, na
Luiz Emygdio70 que o Estado passou a intervir no funcionamento dos página seguinte, que ele tem de dar
mercados – e na iniciativa privada - especialmente pelas seguintes razões: provas dessa gratidão trabalhando,
doravante, 15 horas em vez de 10. O
desenvolvimento da força produtiva
do trabalho no interior da produção
a) grandes oscilações porque passavam as economias capitalista visa encurtar a parte da
jornada de trabalho que o trabalha-
(...); b) crises provocadas pelo desemprego que dor tem de trabalhar para si mesmo
ocorria em larga escala nas etapas de depressão, precisamente para prolongar a parte
da jornada de trabalho durante a qual
gerando grandes tensões sociais; c) efeitos cada vez ele pode trabalhar gratuitamente para
o capitalista”. (grifo não existente no
mais intensos das descobertas científicas e de suas original) Disponível em: http://www.
gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-
aplicações; e d) dos efeitos originados da Revolução -colecoes/marx-e-engels/o-capital-
Industrial com o surgimento de empresas fabris de -livro-1.pdf/at_download/file. Acesso
em 29.01.2020. p.492.
grande porte, com o consequente agravamento 68
Disponível em: Disponível em:
das condições materiais dos trabalhadores. https://medium.com/paiol/o-pensa-
mento-sociol%C3%B3gico-de-karl-
-marx-parte-ii-df89b0ba3fca. Acesso
em 27.01.2020. Acesso em 27.01.2020.
Ainda, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) exigiu grande esforço 69
Em sentido diverso à tese marxista,
dos governos, inclusive na atividade produtiva, o que foi ainda mais Joseph A. Schumpeter (1883-1950),
em seu livro Capitalismo, Socialismo
agudo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). e Democracia (1942) sustenta que “O
processo de destruição criadora”, é o
fato essencial do capitalismo, tendo
Antes mesmo da Segunda Guerra, a crise de 1929, conhecida como como seu protagonista central o em-
presário inovador. “Este processo de
a grande depressão71, já havia marcado substancial enfraquecimento da destruição criadora é básico para se
entender o capitalismo. É dele que se
tese do liberalismo econômico naquele momento, tendo como principais constitui o capitalismo e a ele deve
se adaptar toda a empresa capitalista
causas a especulação financeira e a superprodução, o que culminou com para sobreviver.” (Capítulo 7). Dispo-
a quebra da bolsa nos Estados Unidos72. nível em: http://uenf.br/cch/lesce/
files/2013/08/Texto-3.pdf. Acesso em
29.01.2020.

Surge então, no início do século XX, com grande força, o 70


ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manu-
al de Direito Financeiro e Direito
keynesianismo, o qual compreende um conjunto de teorias e propostas Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro:
Editora Renovar, 2001, p. 5-6.
formuladas pelo economista britânico John Maynard Keynes (1883- 71
Segundo o Fundo Monetário Interna-
1946) e seus seguidores. De acordo com a tese keynesiana, ainda que cional (FMI), a grande crise econômica
e financeira ocorrida entre os anos de
dentro dos parâmetros do mercado livre capitalista, há necessidade de 2007 e 2010 foi a mais grave desde
a depressão de 1929. Box 1.1 (page
uma intervenção do Estado na economia, com o objetivo principal 11-14). IMF. April 24, 2009. Retrieved
de garantir nível de emprego elevado e manter o controle da inflação. September 17, 2013. “World Econo-
mic Outlook — April 2009: Crisis and
Nesse sentido, considerando os agudos prejuízos sociais ocasionados Recovery”. “The global economy is
experiencing its deepest downturn in
pelas grandes oscilações econômicas, que deixam a maior parcela 50 years. Many observers have argued
that this downturn has all the features
da população desprotegida, justifica-se a intervenção contracíclica of a global recession”. Disponível em:
para aumentar a produção, com estímulos fiscais – gastos públicos – http://www.imf.org/external/pubs/ft/
weo/2009/01/pdf/text.pdf. Acesso em
para estimular a demanda quando ocorrem momentos de depressão. 29.01.2020.

FGV DIREITO RIO 59


ECONOMIA

Nos termos do pensamento keynesiano o nível de emprego em uma


economia tem como um dos seus principais fatores de impulsão o nível de
produção nacional, o que é determinado pela demanda agregada. Assim,
inverte a chamada lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria
demanda (vide nota 53)

Analisando as finanças funcionais, contraposta à tese do laissez-faire,


por meio da utilização dos impostos alfandegários com fins extrafiscais
em períodos remotos, Aliomar Baleeiro73 pontua:

Os progressos das ciências econômicas, sobretudo


depois do impulso que lhes imprimiu a teoria geral
de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta,
por sua vez, revolucionou a concepção da atividade
financeira, segundo os preceitos dos financistas
clássicos. Ao invés das ‘finanças neutras’ da
tradição, com seu código de omissão e parcimônia
tão ao gosto das opiniões individualistas, entendem
hoje alguns que maiores benefícios a coletividade
colhera de ‘finanças funcionais’, isto é, a atividade
financeira orientada no sentido de influir sobre a
conjuntura econômica. Destarte, o setor público – ‘a
economia pública’ não se encolhe numa vizinhança
pacífica e tímida junto às lindes da economia
privada. A benefício desta é que deve invadi-la,
para modificá-la, como elemento compensador
nos desequilíbrios cíclicos. Em verdade, a despeito
das novidades terminológicas, a ´Política Fiscal´ é
apenas nova aplicação dos instrumentos financeiros
para fins ´extrafiscais´. A Política Fiscal, no campo
econômico, era bem conhecida dos clássicos para o
protecionismo por meio de impostos alfandegários.
Alguns advogam para fins “sócio-políticos”, como
preferia dizer Seligman referindo-se às tendências
de reforma social pelo tributo, defendidas por
Wagner. Hoje a política anticíclica de modificação
da conjuntura e da estrutura atrai as atenções em
finanças extrafiscais.

De acordo com Keynes, em diversas circunstâncias, os mercados não são Disponível em: https://www.britan-
72

nica.com/event/stock-market-crash-
capazes de se autocorrigirem, razão pela qual sustenta ser imprescindível uma -of-1929. Acesso em 27.01.2020.

política governamental ativa de gastos públicos para estímulo do fluxo real 73


BALEEIRO, Alimoar. Uma introdu-
ção à ciência das finanças. 16ª. ed.
e monetário da economia – designada como princípio da demanda efetiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 30-31.

FGV DIREITO RIO 60


ECONOMIA

Além do problema dos ciclos econômicos e das guerras, a discussão 74


O livro é fruto de quinze anos de pes-
acerca da desigualdade sempre foi objeto de muita controvérsia, o que quisa (1998-2013) dedicadas à dinâmi-
ca histórica das rendas e patrimônios,
coloca em evidência o debate sobre a necessidade – ou não – da intervenção contendo dados “históricos e compa-
rativos mais extensos que os de todas
estatal também na ordem social, além da ordem econômica, visando as pesquisas anteriores – abrangendo
uma economia inclusiva. Nos últimos anos, muitos trabalhos têm sido três séculos e mais de vinte países”.
Conclui no sentido de que o “cresci-
produzidos sobre as causas e efeitos da desigualdade, indicando substancial mento econômico moderno e a difusão
do conhecimento tornaram possível
concentração de renda e riqueza em grande parte do mundo. Destaca-se evitar o apocalipse marxista, mas não
modificaram as estruturas profundas
nesse sentido a obra de Thomas Piketty, intitulada “O Capital no Século do capital e da desigualdade – ou pelo
XXI”74. Com efeito, saliente-se que o prêmio Nobel de economia do menos não tanto quanto se imaginava
nas décadas otimistas pós-Segunda
ano de 2019 foi dividido entre Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Guerra Mundial. Quando as taxas de re-
muneração do capital ultrapassa a taxa
Kremer pelos trabalhos e pesquisas voltadas para o combate à pobreza75. de crescimento da produção e da ren-
da, como ocorreu no século XIX e parece
provável que volte a ocorrer no século
Sobre a questão da desigualdade, a partir dos dados coletados na XXI, o capitalismo produz automatica-
mente desigualdades insustentáveis,
economia dos Estados Unidos e da Europa, aponta Thomas Philippon76: arbitrárias, que ameaçam de maneira
radical os valores de meritocracia sobre
os quais se fundam nossas sociedades
In addition to a slowdown in growth, inequality democráticas”. PIKETTY, Thomas. O Ca-
pital no Século XXI. Tradução Monica
has risen over the past forty years. Broadly Baumgarten de Bolle. – I. ed- Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 9.
speaking, income inequality can grow between 75
“Despite recent dramatic
middle class and the poor, or between the rich improvements, one of humanity’s
and the middle class. Or both, as it turns out, most urgent issues is the reduction of
global poverty, in all its forms. More
but not always at the same time. In the 1970s than 700 million people still subsist
on extremely low incomes. Every year,
and 1980s, we observe mostly an increase in around five million children under the
age of five still die of diseases that
inequality between the middle class and the poor. could often have been prevented or
This inequality goes hand in hand with the wage cured with inexpensive treatments.
Half of the world’s children still leave
gap between college graduates and those without school without basic literacy and
numeracy skills. This year’s Laureates
post-secondary degrees, a factor known college have introduced a new approach to
premium. (…) Inequality and growth are best obtaining reliable answers about the
best ways to fight global poverty. In
discussed together, for various reasons. First, and brief, it involves dividing this issue
into smaller, more manageable,
most obviously, we want to know if everyone questions – for example, the most
effective interventions for improving
benefits from growth. When growth is slow and educational outcomes or child
inequality is rising, it is possible for the standard health. They have shown that these
smaller, more precise, questions are
of living of the lower middle class to stagnate or often best answered via carefully
designed experiments among the
even decline in real terms. This has happened in people who are most affected. In
the US in recent years. Table 1.2 shows that the the mid-1990s, Michael Kremer
and his colleagues demonstrated
real income of workers without much education how powerful this approach can
be, using field experiments to test
has barely improved over the past forty years, For a range of interventions that could
improve school results in western
some, it has decreased. But the most important Kenya. Abhijit Banerjee and Esther
reason to analyze growth and inequality together Duflo, often with Michael Kremer,
soon performed similar studies of
is that they are not independent and unrelated other issues and in other countries.
Their experimental research methods
phenomena. They interact, sometimes feeding on now entirely dominate development
each other, sometimes canceling each other out. economics. The Laureates’ research
findings – and those of the researchers
Growth can reduce inequality, inequality can be following in their footsteps –
have dramatically improved our
necessary for growth, or inequality can hinder it. ability to fight poverty in practice.

FGV DIREITO RIO 61


ECONOMIA

The debate on growth versus inequality hinges on


the idea of incentives. When economists talk about
incentives, they mean a motivation for material
(monetary) gains. People work hard because they
expect that their efforts (their investment) will
increase their income. For the economic system
to work, there needs to be a connection between
(ex-ante) effort and (ex-post) income. Does that
mean that some degree of inequality is necessary?
Does that mean that more inequality always
creates better incentive? The answers are probably
yes and no, but the link between incentives and
inequality can be subtle. The children’s story of
Goldilocks can figure in the theory of incentives.
Money needs to be hard to get, but not too hard.
If money is too easy to get, people become lazy. If
you earn a lot without working hard, you may not
bother to try harder. But if money is too hard to
get, people become discouraged. If we apply this
idea to workers within a firm, we see that it justifies
performance-based compensation. And as long as
performance varies across workers, this will lead to
inequality. But it does not necessarily justify high
degrees of inequality. Even if we take for granted
that people work for money, this does not mean
that more money always means more effort. What
matters is the correct balance of incentives. But
how do we know that a given degree of inequality
is justified? How do we know that is not excessive? As a direct result of one of their
The answer, of course, is that we can never know studies, more than five million Indian
children have benefitted from effective
for sure. Understanding incentives in a modern programmes of remedial tutoring in
schools. Another example is the heavy
economic system is quite complicates. The is subsidies for preventive healthcare
that have been introduced in many
however, one critical factor that can give us some countries. These are just two examples
confidence, and that factor is competition. (grifos of how this new research has already
helped to alleviate global poverty.
inexistentes no original). It also has great potential to further
improve the lives of the worst-off
people around the world. Disponível
em: https://www.nobelprize.org/
Portanto, Thomas Philippon identifica forte influência das diferenças prizes/economic-sciences/2019/press-
salariais, em razão do grau de escolaridade (college premium), para a release/. Acesso em 29.01.2020.
PHILIPPON, Thomas. The Great
elevação do nível de desigualdade na economia americana, e compreende
76

Reversal. How America gave


ser necessário tratar do crescimento econômico em conjunto com o up on free markets. Cambridge,
Massachussetts: Thre Belknap of
estudo da concentração de renda e riqueza. Harvard University Press, 2019. p. 13.

FGV DIREITO RIO 62


ECONOMIA

O primeiro estudo de grande relevância direcionado à análise da


distribuição de renda e o crescimento econômico foi realizado por
Simon Kuznets (1901-1985), vencedor do prêmio Nobel em economia
em 197177. Em seu artigo seminal sobre o tema em 1955, formulou
a famosa «curva de Kuznets», que procura correlacionar a ‘desigualdade
de renda’ ao ‘crescimento do produto’ de uma economia. De acordo com
a tese, quando os países se industrializam, inicialmente a renda média
cresce e a desigualdade aumenta, mas, depois, a desigualdade diminui
conjuntamente com o acréscimo da riqueza (pode ser representada por
uma curva em “U” invertida). Nesse sentido aponta estudo do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA):78

Em um sistema de produção simples, com apenas os


setores agrícola e industrial, Kuznets observou que
quando a economia iniciava seu processo de expansão,
a partir de um nível inicial de desenvolvimento, existia
uma intensa migração da mão de obra mais habilidosa
de setores menos dinâmicos − tradicionais e com baixo
retorno − para setores mais dinâmicos, com alto retorno,
gerando uma crescente desigualdade na distribuição de
renda entre os indivíduos. Após a economia alcançar
um determinado patamar, haveria um processo gradual
de homogeneização na produtividade dessa mão de
obra, resultando em uma redução da desigualdade
de renda na medida em que a economia continuava
crescendo. Desta maneira, em estágios iniciais da
formação econômica de uma sociedade, a relação
entre desigualdade e crescimento de renda é positiva,
e torna-se negativa a partir de um ponto crítico de
maturidade deste processo de formação, configurando
o que ficou conhecido na literatura como a hipótese
77
Disponível em: https://www.
do “U” invertido, ou simplesmente a hipótese de nobelprize.org/prizes/economic-
Kuznets. Na época em que a teoria foi divulgada, esse sciences/1971/ceremony-speech/.
Acesso em 29.01.2020.
aumento presente da desigualdade e a promessa de 78
LINHARES, Fabricio; FERREIRA;
sua redução futura causaram muita apreensão entre os Roberto Tatiwa; IRFF, Guilherme Diniz
e MACEDO, Cecília Maria Bortolassi. A
governantes, principalmente por passar a ideia de que hipótese de Kuznets e mudanças
os mais pobres tendem a perder no curto prazo com o na relação entre desigualdade e
crescimento de renda no Brasil.
desenvolvimento. Disponível em: http://repositorio.
ipea.gov.br/bitstream/11058/3333/4/
PPE_v42_n03_Hip%C3%B3tese.pdf.
A hipótese de Kuznets tem sido amplamente questionada recentemente, Acesso em 28.01.2020.
MILANOVIC, Branko. Global
em razão de sua incapacidade de explicar a desigualdade crescente nos
79

Inequality: a new approach for


Estados Unidos e outros países ricos no final do século XX e início do the age of globalization. Cambrige,
Massachussetts: The Belknap Press of
século XXI, conforme aponta Branko Milanovic79: Harvard University Press, 2016, p.4.

FGV DIREITO RIO 63


ECONOMIA

The Kuznets hypothesis has recently been found


wanting because of its inability to explain a new
phenomenon in the United States and other
rich countries: income inequality, which had
been decreasing through much of the twentieth
century, has recently been on an upswing. This is
difficult to reconcile with the Kuznets hypothesis
as originally defined: the increase of inequality in
the rich world should not have happened.
To explain this recent upswing in inequality, as
well as shifts in inequality in the past, going back
to the period before the Industrial Revolution, I
introduce the concept of Kuznet waves or cycles.
Kuznets waves can not only satisfactorily explain
the most recent spell of increasing inequality but
also be used to predict inequality´s futures course
in rich countries like United States or in middle-
income countries like China and Brazil.

Relativamente ao Brasil, conforme revela estudo intitulado “Qual foi o


impacto da crise na pobreza e na distribuição de renda?”, publicado pelo
FGV Social - Centro de Políticas Sociais80, a pobreza e a desigualdade,
que vinham caindo substancialmente desde 1994, até 2014, iniciaram
80
Disponível em: https://portal.fgv.br/
uma rota ascendente até o segundo trimestre de 2018: en/news/study-reveals-rising-poverty-
and-inequality-brazil-over-last-four-
years. Acesso em 29.01.2020.
Entre o final de 2014 e junho deste ano, o coeficiente 81
Coeficiente de Gini, também
de Gini81  aumentou 50% a mais em comparação chamado índice de Gini ou razão de
Gini, é uma medida de desigualdade:
com a tendência decrescente observada em 2001, “O Índice de Gini, criado pelo
quando a  desigualdade no Brasil  estava caindo, matemático italiano Conrado Gini,
é um instrumento para medir o
marcando quase quatro anos consecutivos um grau de concentração de renda em
determinado grupo. Ele aponta
aumento constante da desigualdade de renda.  A a diferença entre os rendimentos
última vez que isso aconteceu foi durante a queda dos mais pobres e dos mais ricos.
Numericamente, varia de zero a um
do Plano Cruzado, entre 1986 e 1989, que ainda (alguns apresentam de zero a cem).
O valor zero representa a situação de
detém o recorde de maior taxa de desigualdade no igualdade, ou seja, todos têm a mesma
Brasil, de acordo com  Marcelo Neri  , diretor da renda. O valor um (ou cem) está no
extremo oposto, isto é, uma só pessoa
FGV Social e coordenador da pesquisa.  A nova detém toda a riqueza. Na prática, o
Índice de Gini costuma comparar os
Pesquisa Contínua por Amostra de Domicílios 20% mais pobres com os 20% mais
ricos. No Relatório de Desenvolvimento
Contínua no Brasil (PNAD Contínua) revelou Humano 2004, elaborado pelo Pnud,
uma  renda per capita média em queda entre o Brasil aparece com Índice de 0,591,
quase no final da lista de 127 países.
os trabalhadores empregados, entre o pico no Apenas sete nações apresentam
maior concentração de renda”.
final de 2014 e meados de 2016, quando a taxa Disponível em: http://www.ipea.gov.
retornou aos mesmos níveis de 2012. Desde br/desafios/index.php?option=com_
content&id=2048:catid=28. Acesso
então, 40% dessa perda média foi recuperada. em 29.01.2020.

FGV DIREITO RIO 64


ECONOMIA

O bem-estar social, por sua vez, caiu 10,6% entre


2014 e meados de 2016, quase voltando aos níveis
de 2012 mais uma vez. Ao contrário da renda per
capita média, no entanto, as taxas de bem-estar
permaneceram estáveis ​​desde então. Isso significa
que não houve recuperação - nem mesmo a menor
recuperação - quando se trata do bem-estar geral
do país. A razão por trás dessa aparente contradição
é que o progresso na renda média foi compensado
pela crescente desigualdade.
A pesquisa da PNAD revelou uma queda de 7% na
renda em 2015. A nova PNAD contínua revelou
uma queda na renda individual do trabalho, se
espalhando além dos trabalhadores empregados. A
renda média caiu 3,44% entre 2015 e 2018. Essa
desaceleração afetou particularmente  homens
e mulheres jovens  (-20,1% entre os 15 e 19
anos e -13,94% entre os 20 e 24 anos), pessoas
com ensino médio incompleto ( -11,65%), chefes
de família  (-10,38%) e residentes das
regiões Norte (-6,08%) e Nordeste (-6,43%).
A desigualdade ajuda a cavar um buraco mais
profundo para a recessão , uma vez que os cidadãos
pobres consomem uma fatia maior de sua renda. O
aumento da pobreza foi impulsionado pela forte
recessão, que, por sua vez, também é alimentada
por uma maior desigualdade.  Enquanto todo
mundo está lutando com uma renda mais baixa,
esse problema é o maior entre os mais pobres. O
desemprego é a única razão por trás da menor
renda dos brasileiros.
A taxa de pobreza voltou ao mesmo nível de
2011, apagando praticamente todos os resultados
positivos alcançados ao longo da década.  A
crescente desigualdade se traduz em um retorno
ainda maior - a desigualdade não havia aumentado
consecutivamente  há mais de três anos no Brasil
desde 1989. O  desempenho social piorado  do
Brasil também explica a economia avassaladora .
A FGV Social tem uma longa tradição de
previsão de tendências em indicadores sociais.

FGV DIREITO RIO 65


ECONOMIA

O centro é conhecido por sua eficiência no 82


Thomas Philippon (vide notas de
processamento de microdados públicos. Foi a rodapé 45 e 75) circunscreve sua análise
sobre a desigualdade nos Estados
primeira equipe a identificar a queda nas taxas Unidos em comparação com a Europa,
suas possíveis causas e estratificações.
de pobreza após o Plano Real. O centro também Conclui no sentido da fragilidade do
livre mercado, e que este deve ser
previu a recuperação da pobreza após o primeiro protegido dos próprios capitalistas.
ano do governo Lula e quedas subsequentes.  Por Aponta no sentido de que o crescimento
da desigualdade americana decorre
fim, a FGV Social também revelou que o Brasil de vários fatores, como as diferenças
salariais dependendo do grau de
alcançou as metas de redução da pobreza dos escolaridade, e, em especial, a queda
de competitividade em alguns setores
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da da economia. Vários setores são
ONU antes do prazo. dominados por um pequeno grupo
de grandes empresas, com baixíssima
entrada de novos concorrentes, como
é o caso, por exemplo, das “estrelas
da economia da internet”: Google,
Amazon, Facebook, Apple e Microsoft.
Essa concentração tem sido negativa
para consumidores, que tem que
pagar preços excessivos, tendo em
vista o grande poder de mercado de
gigantes empresariais que exercem
forte lobby político para redução da
regulação e garantia de barreiras
à entrada de novos competidores.
PHILIPPON, Thomas. The Great
Reversal. How America gave
up on free markets. Cambridge,
Massachussetts: Thre Belknap of
Harvard University Press, 2019.
83
MILANOVIC, Branko. Global
Inequality: a new approach for
the age of globalization. Cambrige,
Massachussetts: The Belknap Press
of Harvard University Press, 2016,
Para além da análise quanto ao grau de desigualdade no plano p.12/18.
interno de um país, entre pobres, classe média, ricos e/ou super-ricos, 84
Kate Pickett e Richard Wilkinson
ressalvam aspectos importantes
ou a comparação entre dois países82, importante ressaltar a contribuição do estudo realizado em relação aos
de Branko Milanovic ao exame da questão sob a perspectiva global. países em desenvolvimento, em
especial em razão dos efeitos que o
Milanovic compara o grau de concentração de renda e riqueza mundial, status social exerce em uma sociedade
cujas necessidades básicas já foram
em conjunto com a perspectiva exlcusivamente interna de uma nação, o supridas. Nesse sentido, apontam:
que requer grande esforço de compilação de dados83. “Before leaving this topic, we should
emphasize that although inequality
also matters in developing countries,
it may do so for different mix of
Além do parâmetro de comparação (nacional ou global), e, também, reasons. In the rich countries, it is now
the symbolic importance of wealth
aqueles relacionados à dificuldade de se identificar e aplicar os corretos and possessions that matters. What
incentivos para fomentar a produção e o crescimento em um ambiente purchases say about status and identity
is often more important than the goods
de competição, visando aumento de bem-estar, conforme já salientado, themselves. Put crudely, second-rate
goods are assumed to reflect second-
há estudos sugerindo que níveis elevados de desigualdade impactam rate people. Possessions ate markers
of status everywhere, but in poorer
negativamente tanto pobres como ricos84. Richard Wilkinson e  Kate societies, where necessities ate a much
Pickett indicam que a expectativa de vida, doenças mentais e violência larger part of consumption, the reasons
why more equal societies do better
não são determinados pela riqueza de uma sociedade, mas sim pela may have less to do with status issues
and more to do with fewer people
desigualdade, a qual impacta decisivamente o grau de confiança e bem- being denied access to food, clean
estar social. Apontam ser nocivo a todos os abismos sócio econômicos, water and shelter. It is only among
very richest countries that health and
atingindo, inclusive, os mais abastados85: wellbeing are no longer related do

FGV DIREITO RIO 66


ECONOMIA

As pessoas às vezes ficam perplexas diante do fato


de que problemas tão diferentes entre si, como
a violência, as doenças mentais e a obesidade,
podem ser afetados apenas pela dimensão da
desigualdade de renda entre ricos e pobres. A
explicação é que são problemas que sabemos serem
afetados pelo status social. Ainda que a violência,
os problemas de saúde, a obesidade e as doenças
mentais sejam problemas também encontrados no
topo da sociedade, todos são muito mais comuns
quanto mais baixa for a classe social. O que as
evidências mostram é, portanto, muito simples: os
problemas que todos sabem estarem relacionados
a um status social baixo pioram com o aumento
das diferenças nesse status. Isso não surpreende.
Surpreendente é o que mostraremos no Capítulo
13: que, em vez de provocar efeitos restritos aos
pobres, a desigualdade afeta a grande maioria
da população. Isso acontece porque ela torna a
hierarquia e o status social – além da insegurança
em relação ao status social – forças maiores em
toda a sociedade. A visão ingênua da desigualdade
é a de que ela só importa quando causa pobreza
ou é considerada muito injusta, Mas a verdade
é que temos reações psicológicas arraigadas aos
graus de desigualdade social. Nossa tendência Gross National Income per person. In
poorer countries it is still essential to
de relacionar a riqueza externa ao valor interior raise living standards and it is most
important among the poorest. In those
permite que a desigualdade altere, influencie nossa societies a more equal distribution of
resources will mean fewer people will
percepção social. Ela invoca reações psicológicas be living in shanty towns, with dirty
profundas – sensações de domínio e subordinação, water and food insecurity, or trying
to scrape a living from inadequate
superioridade e inferioridade – e afeta o modo land-holdings”. WILKINSON, Richard;
PICKETT, Kate. The Spirit Level: why
como vemos e tratamos uns aos outros. equality is better for everyone.
Penguin Books, 2010.
85
WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate.
Christopher Snowdon86 rejeita as conclusões de Wilkinson e Pickett, O Nível. Por que uma sociedade
acerca dos efeitos da desigualdade, mas reconhece a pobreza como raiz mais igualitária é melhor para
todos. Tradução Marilene Tombini.
dos males sociais87: Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2015, p.15/17.
86
SNOWDON, Christopher. The Spirit
Snowdon acknowledges that poverty is the root of Level Delusion. Democracy Institute/
Little Dice; Edição: New, 2010.
all manner of social ills, but he stresses that it is
87
Disponível em: https://www.holyrood.
important to separate poverty from inequality. com/inside-politics/view,interview-
‘People get a bit confused between poverty and spirit-level-delusion-author-christopher-
snowdon-on-separating-po_9559.htm.
inequality,’ Snowdon told Holyrood. Acesso em 01.02.2020.

FGV DIREITO RIO 67


ECONOMIA

‘My book is a very specific rebuttal to a book


called The Spirit Level, which came out in 2009
and caused quite a splash at the time. (…)
‘The difference in life expectancy between rich
people and poor people is a real thing; the poor do
worse on nearly everything that you can think of,
that is well established and there is no two ways
about it’. ‘But they were making a different claim
which was about inequality, with the essential
claim that if the UK reduced its level of income
level inequality to about the level of Sweden, then
we would see a dramatic decline in the murder
rate, the mortality rate, and so on’. (…)
Snowdon’s ideas are completely at odds with the
prevailing left-wing consensus in the Scottish
Parliament. His first book, Velvet Glove, Iron
Fist, railed against the anti-smoking movement
which saw smoking banned throughout the UK in
the middle part of the last decade.
The smoking ban is still held up as one of the
greatest early achievements of the fledgling
Scottish Parliament, but for Snowdon, it was
just another manifestation of the ‘nanny state’ he
proudly professes to despise.

Pelo exposto, constata-se que a primeira premissa subjacente à questão


econômica central acima indicada, no sentido da correlação positiva entre
produção e bem-estar, deve ser compreendida dentro desse contexto mais
amplo e complexo.

Ainda, o senso comum e alguns estudos indicam no sentido de que


não basta aumentar o “bolo”, há que se levar em consideração, em alguma
medida, como serão repartidas as “fatias do bolo” para o alcance do bem-
estar individual e coletivo.

Assim, as duas questões devem ser examinadas em conjunto, conforme


adverte Thomas Philippon88.

No entanto essa abordagem conjunta eleva substancialmente o grau 88


PHILIPPON, Thomas. The Great
Reversal. How America gave
de complexidade da matéria, pois evidencia-se o inevitável trade-off entre up on free markets. Cambridge,
Massachussetts: Thre Belknap of
eficiência econômica e liberdade de um lado e, de outro, a equidade/ Harvard University Press, 2019.
igualdade material, assim entendida como o tratamento desigual na “Inequality and growth are best
discussed together, for various
medida das diferenças, para o alcance de uma sociedade mais igualitária. reasons.” p. 13 (vide nota 71 acima)

FGV DIREITO RIO 68


ECONOMIA

Conforme será visto abaixo, quando do exame da quarta premissa


(vinculada ao estágio tecnológico), os incentivos à inovação e, por
conseguinte, ao progresso tecnológico, são fortemente influenciados
pela competição por maior eficiência, e consequente aumento da taxa de
produtividade dos fatores de produção, o que se contrapõe ao interesse da
maximização da equidade/igualdade material.

PREMISSA 2: A RACIONALIDADE HUMANA

A segunda premissa, que foi proposta inicialmente pelos economistas


neoclássicos, é que o ser humano é racional, no sentido de que quer
o melhor para si, razão pela qual atua para maximizar sua utilidade e
bem-estar. Essa premissa também deve ser encarada com cuidado, pois
não significa que somos sempre racionais nesses termos, em relação a
tudo. No entanto, a premissa indica que as pessoas, e como decorrência
a sociedade como um todo, respondem a incentivos ou desestímulos,
haja vista a possibilidade de aumentar ou reduzir a satisfação em razão da
alteração do comportamento (pessoal e coletivo).

Há situações em que a escolha racional é afastada, como ocorre, por


exemplo, em situações de incerteza, assim considerada quando o risco
não é calculável.89 Conforme já destacado (vide nota de rodapé 4), o
psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel em economia
em 200290, demonstrou que em situações envolvendo incertezas,
o  julgamento  humano normalmente explora princípios genéricos, que
sistematicamente contradizem propostas da teoria da probabilidade. Sobre
o conceito de racionalidade em sentido comum e para os economistas em
particular, ensina Kahneman91:
89
POSNER, Richard A. Economic
Na linguagem do dia a dia, chamamos as pessoas de analysis of law / Richard A. Posner,
Judge, U.S. Court of Appeals for the
razoáveis se podemos argumentar com elas, e suas Seventh Circuit, Senior Lecturer,
University of Chicago Law School. —
crenças estão de um modo geral sintonizadas com Ninth Edition. 2014, p. 3.
a realidade e se suas preferências estão alinhadas 90
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e
Devagar. Duas formas de pensar,
com seus interesses e valores. A palavra racional tradução Cássio de Arantes Leite, 1ª
transmite a imagem de maior deliberação, mais ed. -Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
Apêndice A: Julgamento sob Incerteza:
cálculo, menos entusiasmo, mas na linguagem heurística e vieses. p.524/539.

comum uma pessoa racional é certamente razoável. 91


KAHNEMAN, Daniel. Rápido e
Devagar. Duas formas de pensar,
Para os economistas e teóricos da decisão, o adjetivo tradução Cássio de Arantes Leite, 1ª
ed. -Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
possui um significado completamente diferente. p.513/514.

FGV DIREITO RIO 69


ECONOMIA

O único teste de racionalidade não é se as crenças


e preferências de uma pessoa são razoáveis, mas
se elas são consistentes. Uma pessoa racional pode
acreditar em um fantasma na medida em que
todas suas outras crenças forem consistentes com a
existência de fantasmas. Uma pessoa racional pode
preferir ser odiada a ser amada, contanto que suas
preferências sejam consistentes. Racionalidade é
coerência lógica – seja ela razoável ou não. (...)
A definição de racionalidade como coerência
é impossivelmente restritiva; ela pede adesão a
regras de lógica que uma mente finita não é capaz
de implementar. Pessoas razoáveis não podem ser
racionais segundo essa definição, mas elas não
devem ser rotuladas como irracionais por essa
razão. Irracional é uma palavra forte, que conota
impulsividade, emotividade e uma resistência
obstinada ao argumento razoável. Eu costumo me
encolher todo quando dizem que meu trabalho
com Amos demonstra que as escolhas humanas
são irracionais, quando na verdade nossa pesquisa
apenas mostrou que Humanos não são bem
descritos pelo modelo de agente racional. Embora
Humanos não seja irracionais, eles com frequência
necessitam de ajuda para fazer julgamentos mais
precisos e tomar decisões melhores, e em alguns
casos as políticas públicas e as instituições podem
fornecer essa ajuda.

Ainda, nem sempre as pessoas são capazes de analisar perfeitamente


as situações que demandam atividades mentais laboriosas, que exigem
conhecimento de lógica e estatística, ou quando as consequências futuras
são incertas e dependem de cálculos probabilísticos e das expectativas.

São também apontadas como hipóteses de falhas na premissa das


escolhas racionais individuais: a) a indeterminação, quando há múltiplas
alternativas, entre equivalentes, (“equi-optimal alternatives”) e b) a
irracionalidade, mais grave na hipótese de “failure to recognize the failure 92
ELSTER, Jon. When Rationality
fails. In: COOK, Karen Schweers; LEVI,
of rational choice theory to yield unique prescriptions or predictions” Margaret (Editors). The Limits of
Rationality. The Universtiy of Chicago
(hyperrationality)92. Press. 1990, p. 21.

FGV DIREITO RIO 70


ECONOMIA

Considerando, no entanto, a “vontade humana de ser racional”,


enquanto as alternativas à teoria das escolhas racionais não a suplantarem,
ela “permanecerá privilegiada, tendo em vista, em especial, a sua
simplicidade e o poder da premissa da maximização”.93

PREMISSA 3: A ESCASSEZ RELATIVA

A terceira premissa subjacente à mencionada questão central da


economia contemporânea diz respeito à escassez relativa. Com efeito, a
gestão da escassez é um dos problemas fundamentais do estudo econômico,
haja vista que a tecnologia e a produtividade dos fatores de produção são
estáveis em dado momento do tempo (ver premissa 4).

Os recursos são escassos (naturais, econômicos, financeiros, etc.) na


medida em que são contrapostos aos infinitos desejos de consumo das
pessoas, que superam em grande medida as necessidades vitais. Essa lei
da escassez relativa torna as escolhas inevitáveis94, o que faz surgir os
denominados trade-offs (ato de escolher uma coisa em detrimento de
outra, um “perde-e-ganha”).

Como consequência da escassez relativa, e tendo em vista a premissa da


racionalidade ao decidir entre alternativas disponíveis para maximização
da utilidade, a economia desenvolveu-se substancialmente ao longo
do tempo como a ciência das escolhas (economics: the study of choice).
É o campo da economia em interface com a estatística e a psicologia
matemática, tendo em vista o complexo processo cognitivo humano para
decidir. É o que qualifico como a segunda face da disciplina: o método
e instrumental analítico da economia em seu aspecto procedimental.

Sobre o tema interessante a análise a seguir95:


93
Idem, p. 47.
Economics is the scientific study of how people 94
Há exceção quando o acesso ao bem
and institutions make decisions about producing demandado é livre, e a disponibilidade
superior à demanda, como é o caso do
and consuming goods and services and how they ar, ainda que haja custo para mantê-lo
face the problem of scarcity. It is essentially a limpo. POSNER, Richard A. Economic
analysis of law / Richard A. Posner,
study of the ways in which human kind provides Judge, U.S. Court of Appeals for the
Seventh Circuit, Senior Lecturer,
for its well-being. Economists are concerned with University of Chicago Law School. —
Ninth Edition. 2014, p. 3.
the ways in which people apply their knowledge,
95
Disponível em: http://www.
skills and efforts to the gifts of nature in order economicsdiscussion.net/economics-2/
to satisfy their material wants. Economics limits economics-is-the-science-of-choice-
with-diagram/25116. Acesso em
itself to the study of material aspects of life. 24.01.2020.

FGV DIREITO RIO 71


ECONOMIA

The starting point of any economic analysis is


the existence of human wants. Human wants
are unlimited, but human capacity to satisfy the
wants is limited. This is the ‘economic problem’
– unlimited wants, very limited means. And we
cannot overcome this problem completely. All we
can do is to make the most of what we have, by
exercising our choice. In other words we seek to
overcome the problem of scarcity by exercising
our choice. We economise, make a careful use
of our resources (means) or cut our unnecessary
expenditure. The choice problem has to be faced
by an individual or by a family firm or even by a
government. A household has to decide what to
buy with limited income in order to satisfy the
needs of its members. A business firm having
limited resources, has to decide what to do to
produce and how much of each commodity to
produce. A government has to decide whether to
build schools, roads or hospitals with its limited
revenue All these activities are competing for
the limited revenue it can raise by taxation Extra
houses power plants, stadiums and new roads – all
are claiming a share of the limited land available.
In these and many other instances, the government
has to face the task of making the most of the
nation’s resources. The Science of Choice: Thus,
it is quite clear that economics is really concerned
with the problem of choice — the decisions forced
upon us by smallness of our resources compared to
our unlimited wants (Fig.1). So economics is the
science of choice.

FGV DIREITO RIO 72


ECONOMIA

A economia como ciência da decisão será examinada ao longo do


curso e, finalmente, na aula 23, momento em que serão introduzidas as
características essenciais da Teoria dos Jogos.

Pelo exposto até o momento surge uma indagação: a análise econômica


assume que o homem é um maximizador racional egoístico, em um
mundo onde os recursos são limitados relativamente aos seus desejos e
necessidades? É o ser humano um agente desprovido de altruísmo?

Sobre o tema Gary Becker (Nobel 1993), em seu Nobel Lecture em 9


de Dezembro de 1992, ensina96:

Unlike Marxian analysis, the economic approach


I refer to does not assume that individuals are
motivated solely by selfishness or gain. It is a
method of analysis, not an assumption about
particular motivations. Along with others, I
have tried to pry economists away from narrow
assumptions about self interest. Behavior is driven
by a much richer set of values and preferences. (…)
The analysis assumes that individuals maximize
welfare as they conceive it, whether they be
selfish, altruistic, loyal, spiteful, or masochistic.
Their behavior is forward-looking, and it is also
consistent over time. In particular, they try as best
they can to anticipate the uncertain consequences of
their actions. Forward-looking behavior, however,
may still be rooted in the past, for the past can exert
a long shadow on attitudes and values.
(…)
Actions are constrained by income, time,
imperfect memory and calculating capacities,
and other limited resources, and also by the
available opportunities in the economy and
elsewhere. These opportunities are largely
determined by the private and collective actions of
other individuals and organizations.
(…)
Utility maximization is of no relevance in
a Utopia where everyone’s needs are fully
satisfied, but the constant flow of time makes 96
BECKER, Gary S.. Prize Lecture: The
Economic Way of Looking at Life.
such a Utopia impossible. These are some of Disponível em: http://www.nobelprize.
the issues analyzed in Becker [1965], and Linder org/nobel_prizes/economic-sciences/
laureates/1992/becker-lecture.html.
[1970]. (grifos inexistentes no original). Acesso em 05.02.2020.

FGV DIREITO RIO 73


ECONOMIA

PREMISSA 4: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA

A quarta premissa concerne à influência que a tecnologia exerce


sobre o modelo de produção, distribuição e consumo de bens e serviços,
estabelecendo limites à capacidade produtiva em dado momento do
tempo. A inovação que decorre “naturalmente” da livre concorrência
é a base do desenvolvimento e pujança da economia de mercado e do
capitalismo. Nesse sentido apontam Jeff Dyer, Hal Gregersen e Clayton
M. Christensen97:

Inovação é o sangue vital que corre nas veias de


nossa economia global e uma prioridade estratégica
para praticamente todos os CEOs deste mundo.
Uma pesquisa recente da IBM com 1.500 CEOs
identificou a criatividade como ‘a competência de
liderança’ número 1 do futuro.

A competição/concorrência é considerada essencial ao estímulo da


criatividade e da inovação necessária ao avanço tecnológico desde Adams
Smith. Conforme já explicitado, o aumento da taxa de produtividade total
de fatores (TPTF), que enseja maior produção com a mesma quantidade
de capital e trabalho, com o mínimo de desperdício possível, incrementa
o volume produzido por pessoa (produção per capita), elevando-se o
conforto material de toda a sociedade.

Nesses termos, a eficiência do processo produtivo é pedra angular para


o aumento do padrão de vida das pessoas.

Alguns economistas, como Daniel Galvêas, alertam para os efeitos


negativos de longo prazo caso o ambiente institucional seja desfavorável
à concorrência, atribuindo-se peso excessivo aos objetivos de redução de
desigualdades98:

Parece trivial que a alocação mais eficiente de recursos


gera desigualdade, acreditando-se que na economia
sempre há os perdedores e os ganhadores. Há, porém 97
DYER, Jeff, GREGERSEN, Hal e
CHRISTENSEN, Clayton M. DNA
entrelinhas numa sociedade extremamente produtiva, do Inovador. Dominando as 5
que é o chamado “progresso técnico” ou avanço habilidades dos inovadores de
ruptura. Tradução Esníder Pizzo e
tecnológico. A eficiência máxima tem o cenário mais Mario Fernandes. Rio de Janeiro: Alta
Books, 2019. p.7.
propício para o avanço tecnológico devido ao paralelo
98
Disponível em: https://medium.
de concorrência ótima, isto é, o avanço tecnológico com/@dangalveas/os-10-
é consequência tanto da competição entre as princ%C3%ADpios-da-economia-
revisados-e-comentados-179c252ab33.
firmas quanto de um bom ambiente institucional. Acesso em 01.01.2020.

FGV DIREITO RIO 74


ECONOMIA

O avanço tecnológico barateia custos,


potencializando o uso dos recursos e produzindo
mais com menos, o que torna os preços dos bens
e serviços mais acessíveis à grande massa. Portanto
o cenário de maior crescimento econômico é o
que cria um ambiente institucional favorável
para a competição onde ela é eficiente e não o da
equidade maximizada. Em uma equidade máxima
os agentes econômicos têm incentivos reduzidos
para competirem entre si e, portanto, acabam por
minimizar o avanço tecnológico, tendo em vista
que o progresso é uma combinação de boas regras
e competição. Logo, no longo prazo, incentiva-se o
coletivo a ser menos produtivo, o que torna todos
mais pobres. (grifo não existentes no original).

Assim, bom ambiente institucional que favoreça a competição, com


normas adequadas à segurança jurídica e atração de investidores são
essenciais ao desenvolvimento econômico.

Pelo exposto até o momento, constata-se que o economista tem


como objeto de estudo, além da análise do processo decisório humano,
a dinâmica da oferta e da demanda nos mercados, objetivando a melhor
alocação dos recursos escassos, o que suscita a interação entre os agentes
econômicos racionais maximizadores de utilidade com os governos e as
organizações multilaterais, tanto no plano nacional como internacional.
Nesses termos, algumas indagações se apresentam como essenciais à
compreensão do tema:

1. Você concorda que a economia possui dupla face? Por que?

2. A racionalidade maximizadora do bem estar é sinônimo de egoísmo?

3. Diante da atual realidade, para a correta compreensão do sistema


econômico, é possível desconsiderar o grau de desigualdade no
plano interno de um país e entre nações?

4. É adequada a política econômica voltada exclusivamente à redução


das desigualdades?

5. É adequada a política econômica direcionada somente para o


aumento da produção e riqueza?

FGV DIREITO RIO 75


ECONOMIA

AULA 3 – OS MERCADOS DE FATORES DE PRODUÇÃO E DE BENS


E SERVIÇOS

O termo mercado designa o processo por meio do qual os interessados


em comprar algo encontram aqueles interessados em vender.

Em uma economia simplificada, sem governo ou sistema financeiro, e


sem relações com outros países, as pessoas naturais e jurídicas, incluindo
as famílias, os empresários individuais e as sociedades empresárias,
interagem em dois mercados distintos, denominados (a) mercado de
fatores de produção (input markets) e (b) mercado de bens e serviços
(output markets).

Nesses mercados são negociados e firmados os contratos, pagos e


recebidos os respectivos preços, para satisfazer ofertantes e demandantes.
A determinação do preço e da quantidade de equilíbrio99 depende, entre
outras variáveis, da renda e gosto dos consumidores, dos bens alternativos,
além das características do mercado considerado, relativamente ao
grau de competitividade. Isto é, se há muitos ofertantes concorrendo
livremente ou se há elevada concentração e poder de influência na
fixação de preços.

1. O FLUXO CIRCULAR REPRESENTATIVO DA ORGANIZAÇÃO


ECONÔMICA CLÁSSICA E DA CRESCENTE ECONOMIA DIGITAL: a
interação dos agentes econômicos no mercado de fatores de produção
e de bens e serviços 100

A interação nos mercados de fatores de produção e de bens e


serviços, ainda sem considerar a existência do governo (tributando e
gastando), do sistema financeiro nacional e das relações em âmbito 99
O equilíbrio refere-se à situação na
qual a demanda e oferta se encontram
internacional, pode ser visualizada por meio de um gráfico, o qual e harmonizam a um preço específico.
introduz a ideia da dinâmica acima descrita, em escala simples, a qual 100
Este tópico é uma reprodução de
parte do texto publicado em COSTA,
será abaixo explicada. Leonardo de Andrade. Uma introdução
à análise econômica do direito
tributário. In. Direito e Economia
- Diálogos. Coordenação. PINHEIRO
Armando Castelar, PORTO Antônio J.
Maristrello, SAMPAIO, Patrícia Regina
Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2019, p. 378-407.

FGV DIREITO RIO 76


ECONOMIA

Figura 1: A interação nos Mercados de Fatores de Produção e de Bens e


Serviços101

Mercado de
Remuneração Fatores de Preço pago
Produção

Oferta de fatores Aquisição de fatores


Pessoas, Empresários
Famílias, e Sociedades
Empresários Empresárias
e Sociedades
Bens e serviços Oferta

Paga o preço
Mercado de
Bens e Receita ou faturamento
Serviços

No mercado de fatores de produção são oferecidos e procurados os


elementos necessários à realização da atividade econômica produtiva,
como a terra, o capital, o trabalho, o empreendedorismo, a tecnologia,
etc. Cada fator de produção possui uma remuneração: o aluguel (terra),
juro (capital), royalty (tecnologia), salário (trabalho), dividendo e lucro
(capacidade empresarial). Nesse mercado, após decidir (a) o quanto devem
produzir e ofertar, (b) o que produzir e oferecer e (c) como produzir e
disponibilizar os bens e serviços, os empresários individuais e as sociedades
empresárias adquirem os “inputs” necessários à organização da atividade
e pagam aos fornecedores. A procura por fatores produtivos é chamada
de demanda derivada, tendo em vista que “a demanda por insumos (mão-
de-obra, capital) está condicionada (ou deriva) pela procura pelo produto
final da empresa no mercado de bens e serviços”102.

No mercado de bens e serviços, por sua vez, os empreendedores,


101
Elaboração própria. Ao contrário do
produtores e comerciantes ofertam e os consumidores demandam, de que se encontra nos textos básicos de
acordo com a utilidade atribuída a cada bem (pelas chamadas curvas de economia em que se apresenta o fluxo
circular da renda ou riqueza, onde são
indiferença), das respectivas restrições orçamentárias e outras características separados de um lado as pessoas e
as famílias e de outro as empresas,
de bens substitutos e complementares, além das expectativas quanto às na figura acima foi considerado
futuras alterações nos preços, matéria a ser examinada nas Aulas 9 a 13. que os empresários e as sociedades
empresárias também podem ser
titulares dos fatores de produção e
proprietários de bens, e, portanto,
Esse fluxo circular da renda pode ser medido quantitativamente, para ofertantes, ao mesmo tempo em que
são também demandantes no mercado
avaliação do desempenho da economia, contabilizando-se, por exemplo, de bens e serviços produzidos por
o produto nacional bruto (PNB). O PNB é o valor de todos os bens e terceiros.

serviços finais, medidos a preços de mercado, produzidos no país em VASCONCELLOS, Marco Antonio; GARCIA,
102

Manuel E. Fundamentos de Economia.


certo período de tempo. 2ª Ed. Saraiva, 2006. p.35.

FGV DIREITO RIO 77


ECONOMIA

Com a introdução do poder público, do setor financeiro e das


relações internacionais (o “resto do mundo”) o modelo fica mais
realista. Conforme será apresentado abaixo, também fica mais
complexo o gráfico que representa a interação nos mercados de fatores
de produção e de bens e serviços, sendo possível identificar quais são
os pontos dentro do fluxo circular da renda ou riqueza que podem
ser objeto de incidência jurídica de tributos. Nesse cenário surgem
também o mercado monetário, de crédito, de capitais e cambial – para
troca de moedas.

Com a economia aberta, em razão da introdução dos outros países,


incluem-se as importações e as exportações, podendo-se calcular
a renda líquida do exterior (resultado da diferença entre a renda
recebida do exterior e a renda enviada ao exterior). Ao mesmo tempo,
com a introdução do setor público em seus diversos níveis de governo
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é possível calcular os
impostos e subsídios governamentais. Dessa forma, torna-se possível
contabilizar, além do produto nacional bruto (PNB), o produto
interno bruto (PIB) 103, matéria a ser examinada no próximo tópico.

Nesse contexto, saliente-se que várias são as fontes que financiam


as despesas públicas, realizadas com o objetivo de atender as demandas
coletivas incorporadas como dever jurídico do Estado (as chamadas
“necessidades públicas”). Além da emissão de moeda 104 e de títulos
da dívida pública, o poder público também explora o seu patrimônio
(receitas originárias) e impõe multas pecuniárias que abastecem os
cofres públicos 105.

Os tributos 106 se destacam nesse cenário como uma das principais


fontes de financiamento do Estado moderno, sem prejuízo de suas
funções extrafiscais. 103
Para exame dos efeitos da pandemia
na economia brasileiro no ano de 2020,
sugere-se a leitura da matéria disponível
Na figura abaixo, pode-se visualizar a maior complexidade da em https://g1.globo.com/google/amp/
economia/noticia/2020/12/12/como-
interação nos mercados com a inclusão do poder público, tributando a-pandemia-baguncou-a-economia-
brasileira-em-2020.ghtml. Acesso em
e realizando despesas, além do sistema financeiro nacional e das 14.12.2020.
possíveis ligações com o exterior. O gráfico inclui o fluxo financeiro Matéria a ser examinada na Aula 5.
104

e o fluxo físico. Matéria a ser examinada na disciplina


105

Finanças Públicas do 3º período.


106
O Sistema Tributário Nacional é
disciplina obrigatória do 4º período.

FGV DIREITO RIO 78


ECONOMIA

Figura 2: A interação nos Mercados de Fatores de Produção e de Bens e


Serviços107

Saliente-se que no Século XXI essa dinâmica é extremamente complexa,


pois os mercados compreendem também o ambiente virtual, tanto na
rede mundial de computadores como nas redes privadas, por meio das
quais se desenvolve a chamada internet das coisas (internet of things). 107
Elaboração própria. Nessa Figura 2, que
Essa nova realidade, além de ocasionar novos desafios para relação entre expressa os pontos possíveis de tributação
no fluxo circular da renda ou riqueza,
fornecedores e consumidores108, também amplia as possibilidades de são separados de um lado as pessoas e
as famílias e de outro as empresas, ao
erosão da base tributária  e o  desvio de lucros  para jurisdições de baixa contrário da Figura 1.
tributação, matéria tratada no Final Report109 do Action 1 do chamado 108
SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro;
COSTA, Leonardo de Andrade. O
Plano de Ação BEPS (Base Erosion and Profit Shifting Action Plan), geopricing na era da economia digital: A
editado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento personalização da oferta em face do código
de defesa do consumidor. In. 30 Anos do
Económico (OCDE). Código de Defesa do Consumidor:
conquistas e desafios na atualidade
– organização: Ana Alice de Carli/Carla
Appollinario de Castro. Rio de Janeiro:
Com efeito, na atual economia digital, as plataformas que utilizam a Ágora21. 2020, pp.231-282.
internet se apropriam de dados pessoais coletados para obtenção de lucro. Disponível em http://www.keepeek.
109

com/Digital-Asset-Management/oecd/
A virtualização e a deslocalização geográfica da atividade econômica, taxation/addressing-the-tax-challenges-
associada com a captura e venda de dados pessoais, permitem não apenas of-the-digital-economy-action-1-2015-
final-report_9789264241046-en#page1.
a sua monetização, mas também a utilização das informações obtidas para Acesso em 04/10/2018. No Anexo I (ao final do
material) há pequeno resumo sobre o BEPS.
previsão do comportamento individual e a sua indução, conforme revela
Disponível em: < https://www.uvm.
110

estudo das Universidades de Vermont e Adelaide, publicado pela revista edu/uvmnews/news/study-facebook-


and-twitter-your-privacy-risk-even-if-
Nature Human Behavior110. you-dont-have-account >. Acesso em
07.02.2019.
Disponível em: https://valor.globo.
111
Sobre o tema, considerando a pressão social nos últimos anos acerca com/empresas/noticia/2020/01/15/
da captura de dados pessoais para exploração econômica, foi noticiado google-vai-banir-metodos-de-
rastreio-mais-invasivos.ghtml. Acesso
pela mídia111: em 24.01.2020.

FGV DIREITO RIO 79


ECONOMIA

O Google emitiu um sinal de morte para os


rastreadores de internet mais invasivos, ontem,
ao anunciar que seu navegador Chrome vai
eliminar gradualmente os “cookies” que rastreiam
os usuários entre um site e outro, e cujo uso
impulsiona a publicidade digital há 25 anos.
Depois de medidas semelhantes adotadas por
Apple, Microsoft e Mozilla, o Google informou que
também pretende tornar “obsoletos” os chamados
“cookies” de terceiros, que seguem os usuários
enquanto eles transitam entre os sites, às vezes
rastreando-os durante meses. (...) Lukasz Olejnik,
pesquisador associado no Centro de Tecnologia
e Assuntos Globais da Universidade de Oxford,
disse que o fim desses “cookies” vai restringir
profundamente a capacidade das empresas de
extrair dados “privados e sensíveis” dos usuários
da internet. Os sites ainda serão capazes de rastrear
as pessoas com “cookies próprios” apenas dentro
do próprio endereço de internet. Mas terceiros
não poderão mais instalar seus “cookies” para
traçar perfis dos usuários enquanto eles visitam
vários sites. A mudança chega quando o órgão de
proteção de dados da Irlanda investiga o sistema
conhecida como “compradores autorizados”,
que permite o leilão de publicidade em tempo
real. Após reclamações do navegador Brave, o
órgão fiscalizador estuda se o mercado on-line do
Google explora informações pessoais sensíveis dos
usuários de internet. Ao tornar o consentimento do
usuário um fator mais importante na transferência
de dados pessoais na web, as mudanças podem
ajudar empresas de conteúdo digital e companhias
mídia, cujas vendas de anúncios sofreram porque
seus leitores podem ser rastreados e alcançados
pelos anunciantes enquanto navegam em outros
sites. Embora o mercado publicitário esteja
se preparando para o desaparecimento dos
“cookies” de terceiros, a eliminação gradual será
perturbadora, atingindo o conceito de internet
aberta à publicidade on-line que dominou o
mercado desde a invenção dos “cookies”, em 1994.

FGV DIREITO RIO 80


ECONOMIA

Isso vai exigir mudanças em toda a cadeia de


abastecimento da publicidade digital. O Google
está se preparando há algum tempo para reforçar
suas regras de privacidade e pretende eliminar os
“cookies” de terceiros em dois anos. Em agosto, a
empresa lançou uma área de teste para desenvolver
ferramentas que contornem a necessidade dos
cookies. No mês passado, foram anunciadas outras
mudanças no Chrome para limitar o uso de certos
tipos de “cookies” de terceiros.

Nesse contexto de “capitalismo de vigilância”, expressão cunhada por


Shoshana Zuboff,112 as empresas controlam o trafego de dados podem
induzir, indevidamente, a aquisição de bens e serviços, o apoio político
ou o voto em uma eleição113.

As novas tecnologias do mundo digital e a internet propiciaram a


aceleração exponencial do processo de mudanças nas relações interpessoais,
coletivas e dos modelos de negócios, tanto os tradicionais - a exemplo da
agricultura, da indústria, do comércio - como também a criação de novas
plataformas de negócios digitais (bilaterais ou multilaterais). A internet,
além de meio de interconexão tornou-se um repositório multilateral do
conteúdo de conhecimento humano, o que será ainda mais potencializado
com a internet das coisas.

Consumidores de informações e tecnologia tornaram-se, ao mesmo


tempo, produtores e usuários colaborativos.

2. A MACROECONOMIA E A MICROECONOMIA: CRESCIMENTO ECONÔMICO


E DISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA

A microeconomia, ou teoria da formação do preço, estuda como os 112


ZUBOFF, Shoshana. The Age of
consumidores e empresas interagem. Portanto, não se ocupa apenas do Surveillance Capitalism: The Fight for
a Human Future at the New Frontier of
exame da economia da empresa, pois objetiva esclarecer como os preços Power (English Edition). Hardcover  –
são determinados pela interação dos agentes econômicos nos mercados, January 15, 2019.
“Cambridge Analytica, a political data
levando-se em consideração, ao mesmo tempo, o lado da oferta e da
113

firm hired by President Trump’s 2016


demanda, de fatores de produção e de bens e serviços. A microeconomia election campaign, gained access to
information on 50 million Facebook users
será objeto de estudo específico nas Aulas 10 a 23. as a way to identify the personalities
of American voters and influence their
behavior”. Disponível em: https://www.
A macroeconomia, por sua vez, estuda os dados agregados de um país, nytimes.com/2018/03/19/technology/
facebook-cambridge-analytica-
um grupo de países ou todo o mundo. explained.html. Acesso em 27.01.2020.

FGV DIREITO RIO 81


ECONOMIA

Está dentro do campo da macroeconomia, por exemplo, o exame do nível geral


de preços, incluindo-se nesse aspecto o estudo da deflação e da inflação. A deflação
significa redução contínua dos preços na economia. Se ocorre por um período
prolongado pode indicar um perigoso processo recessivo ou mesmo uma depressão
econômica. Afinal, se os preços caem substancialmente, de forma contínua, as
pessoas passam a poupar, adiando o consumo, em razão da expectativa de que o
seu dinheiro valerá mais no futuro. Esse comportamento alimenta e estimula nova
queda de preços, desacelerando ainda mais a atividade econômica.

A inflação, por outro lado, designa a situação na qual os preços sobem


de forma contínua e disseminada por todos os setores da economia,
refletindo a perda do poder de compra da moeda do país.

Verifique como foi a evolução dos preços do sanduiche Big Mac, de


2000 até 2020114:

PREÇO CORRENTE DO PREÇO CORRENTE DO


ANO ANO
BIG MAC BIG MAC
2000 R$ 2,95 2011 R$ 9,50
2001 R$ 3,60 2012 R$ 10,25
2002 R$ 3,60 2013 R$ 12,00
2003 R$ 4,55 2014 R$ 13,00
2004 R$ 5,39 2015 R$ 13,50
2005 R$ 5,91 2016 R$ 13,50
2006 R$ 6,40 2017 R$ 16,50
2007 R$ 6,40 2018 R$ 16,50
2008 R$ 7,50 2019 R$ 16,90
2009 R$ 8,03 2020 R$ 19,90
2010 R$ 8,71 2021 ?

Os preços podem ter aumentado em razão de inúmeros fatores, inclusive 114


Fontes: (1) 2000 a 2010: “Big Mac
a combinação de diversos elementos, especialmente o repasse de custos mais currencies”, The Economist e Banco Central
do Brasil: https://img.fae.edu/galeria/
elevados (e.g. os insumos necessários à produção), os quais podem ser impactados getImage/1/9592001050638378.
pdf; (2) 2011, 2012 e 2013:
pela taxa de câmbio, em decorrência do aumento da margem de lucro ou em https://www.economist.com/
função dos efeitos da desvalorização da moeda, isto é, reflexo da inflação. node/21569171?page=2; (3) 2014
e 2015: https://epocanegocios.
globo.com/Informacao/Resultados/
noticia/2013/07/indice-big-
Antes de pensar sobre as razões possíveis ou mais prováveis no caso mac-mostra-que-real-continua-
do Big Mac, importante verificar as diferentes análises comparativas sobrevalorizado.html; (4) 2016 a 2020:
https://www.dicionariofinanceiro.com/
relativamente à evolução dos preços. big-mac-index/

FGV DIREITO RIO 82


ECONOMIA

A primeira possibilidade é o cálculo do aumento do preço de cada ano


em relação ao ano de 2000, isto é, congela-se o parâmetro analítico - o
primeiro ano da série. Por sua vez, também é possível analisar a variação
de cada ano em relação ao ano anterior, sendo variável o ano que serve de
base para a comparação.

Calcule as variações percentuais dos preços do Big Mac, preenchendo as colunas


(3) e (5), indicando a conta realizada nas colunas (4) e (6), respectivamente:

(5)
(3)
O ANO
(1) (2) 2000 É O (4) (6)
ANTERIOR É
ANO BASE
O ANO BASE
PREÇO COMO COMO
QUAL % DE QUAL % DE
ANO CORRENTE CALCULOU A CALCULOU A
VARIAÇÃO? VARIAÇÃO?
DO BIG MAC COLUNA (3)? COLUNA (5)?
2000 R$ 2,95 ----- ------
2001 R$ 3,60
2002 R$ 3,60
2003 R$ 4,55
2004 R$ 5,39
2005 R$ 5,91
2006 R$ 6,40
2007 R$ 6,40
2008 R$ 7,50
2009 R$ 8,03
2010 R$ 8,71
2011 R$ 9,50
2012 R$ 10,25
2013 R$ 12,00
2014 R$ 13,00
2015 R$ 13,50
2016 R$ 13,50
2017 R$ 16,50
2018 R$ 16,50
2019 R$ 16,90
2020 R$ 19,90

FGV DIREITO RIO 83


ECONOMIA

Qual o percentual total de variação de preço do Big Mac entre o


ano de 2000 e 2020? Se a inflação do período for superior, qual seria
o indicativo preliminar? E se a inflação foi menor, qual seria a impres-
são inicial? 115

Os índices de inflação são usados para medir a variação dos preços e


o impacto no custo de vida da população. Existem vários índices para
medir a inflação, cada um com escopo próprio de acordo com uma
cesta de produtos (como arroz, feijão, tomate, sabonete e celular, por
exemplo). Essa cesta varia conforme o índice (IPCA, INPC, IGP-M).
A cada índice aplica-se uma metodologia própria, e a medição é feita
por diversos órgãos especializados, como o IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), a FGV (Fundação Getulio Vargas) e a Fipe
(Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). O Índice de Preço ao
Consumidor Amplo (IPCA) é o índice de inflação oficial do país utilizado
como parâmetro para a política de  metas de inflação 116. É calculado
pelo IBGE entre o 1º ao 30º dia de cada mês e reflete o custo de vida
para famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos, nas principais
regiões metropolitanas do país. Compõe a cesta do índice os gastos
com alimentação, habitação, transportes, comunicação, vestuário, saúde
e cuidados pessoais 117.

Verifique os diversos índices contendo um sistema de atualização de


valores no endereço a seguir118: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDA-
DAO/publico/corrigirPorIndice.do?method=corrigirPorIndice

Comparando a inflação do período e o preço atual do Big Mac, qual a


sua impressão em relação aos resultados alcançados? Possíveis aumentos
de custos, como o alface, tomate, carne, aluguéis, impostos, energia
elétrica, alterariam as suas conclusões? 115
No Anexo II a esta aula (ao final do
material) constam os resultados, a partir
do preço de R$ 2,95, para todos os índices
Além do nível geral de preços e a inflação ou deflação, estão também disponíveis.

dentro do âmbito de estudo da macroeconomia a formação e a flutuação Disponível em: https://www.ibge.


116

gov.br/indicadores#ipca. Acesso em
do produto interno bruto (PIB), o volume de investimentos e a poupança 05.02.2020.

como um todo. O histórico do índice está disponível em:


117

http://www.portaldefinancas.com/
ipca_ibge.htm. Acesso em 05.02.2020.

O estudo do desenvolvimento econômico também faz parte da Disponível em: https://www3.


118

bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/
macroeconomia, preocupando-se com a melhoria do padrão de vida da exibirFormCorrecaoValores.do?method=e
xibirFormCorrecaoValores&aba=1. Acesso
sociedade ao longo do tempo. em 05.02.2020.

FGV DIREITO RIO 84


ECONOMIA

Os objetivos da política macroeconômica são:

a) crescimento econômico;

b) alcance e manutenção de elevado nível de emprego da população


economicamente ativa;

c) a estabilidade de preços, procurando evitar a inflação ou a deflação;

d) atingir uma distribuição de renda socialmente justa.

O governo utiliza-se de diversos instrumentos para atingir esses


objetivos, destacando-se:

a) a política fiscal, que envolve tanto o lado das despesas públicas


como das receitas públicas, incluindo a política tributária, por meio
da qual os tributos podem ser aumentados ou reduzidos;

b) a política monetária, que diz respeito à atuação do governo na


emissão e controle da quantidade de moeda em circulação, além da
emissão, colocação e retirada de títulos públicos no mercado;

c) a política cambial e comercial; e

d) de rendas, por meio da qual o governo interfere diretamente nos


salários, aluguéis, podendo-se valer do controle e até congelamento
de preços.

A macroeconomia não tem como objeto um setor econômico específico,


mas sim o conjunto das atividades exercidas em um país. A economia
internacional, por sua vez, ocupa-se da análise das relações econômicas
entre residentes e não residentes.

O PIB mede o conjunto de todos os bens e serviços finais produzidos


no território de um país, um estado ou um município, durante certo
período de tempo. Assim, o PIB não representa a riqueza acumulada,
apenas o que foi acrescido no período examinado, geralmente um ano.
Os países calculam o seu PIB com base em suas respectivas moedas, razão
pela qual qualquer comparação da produção de determinado período
entre nações requer ajustes.

FGV DIREITO RIO 85


ECONOMIA

O cálculo do PIB é realizado a preços de mercado, independentemente


se os fatores de produção são de propriedade de residentes ou não-
residentes. Duas questões merecem cuidado em relação a esse aspecto.
O primeiro relacionado à distinção entre o produto interno bruto
(PIB) e o produto nacional bruto (PNB). O segundo cuidado refere-
se à distinção entre a valoração do produto a “preço de mercado” ou a
“custo de fator de produção”.

Os bens e serviços finais produzidos no território do Brasil, por


exemplo, incluem alguns fatores de produção que não pertencem aos
residentes no país. Por outro lado, há fatores de produção pertencentes
às empresas com atuação internacional que estão localizados no
exterior. Nesses termos, ensinam, Marco Antonio Vasconcellos e
Manuel E. Garcia 119:

O produto interno bruto (PIB) é o somatório


de todos os bens e serviços finais produzidos
dentro do território nacional num dado período,
valorizados a preços de mercado, sem levar em
consideração se os fatores de produção são de
propriedade de residentes ou não-residentes.
Entretanto, para produzir o PIB, utilizamos
fatores de produção que pertencem a não-
residentes, cuja remuneração é remetida a seus
proprietários no exterior, na forma de juros, lucros
e royalties. Os juros representam o pagamento
pela utilização do capital monetário externo; as
remessas de lucros são a remuneração pelo capital
físico de propriedade de empresas estrangeiras
instaladas no país; e os royalties representam o
pagamento pela tecnologia estrangeira. Também
existem residentes que possuem fatores de
produção fora do país e recebem, portanto, renda
do exterior (extração de petróleo pela Petrobrás,
grandes construtoras brasileiras no exterior etc.).
Somando ao PIB a renda recebida do exterior
e subtraindo a renda enviada ao exterior, tem-
se o produto nacional bruto (PNB), que é a
renda que efetivamente pertence ao país. Tem-se
então: PNB = PIB +Renda recebida do exterior
– Renda enviada ao exterior. A diferença entre
a renda recebida e a renda enviada ao exterior 119
VASCONCELLOS, Marco Antonio; GARCIA,
Manuel E. Fundamentos de Economia.
é chamada de renda líquida do exterior (RLE). 2ª Ed. Saraiva, 2006. p.109.

FGV DIREITO RIO 86


ECONOMIA

Tem-se então: PNB = PIB +RLE. No Brasil,


como a renda enviada supera a renda recebida,
a diferença é chamada renda líquida enviada ao
exterior. Então, o PIB é maior que o PNB, o que
significa que utilizamos mais os serviços de fatores
de produção estrangeiros do que o contrário”

Após o cálculo do PIB diversas análises podem ser realizadas,


devendo-se ter cuidado com os ajustes prévios necessários para garantir
a correta comparabilidade, em razão, por exemplo, da variação do poder
de compra da moeda ao longo do tempo no país (em decorrência da
inflação), diferenças entre o poder de compra entre países, além das
diferenças cambiais entre as diversas moedas, na hipótese de comparações
internacionais.

Apesar de cada país possuir seus próprios institutos e metodologias


de análise, o cálculo do PIB está padronizado pelo Manual de Contas
Nacionais (System of National Accounts), de 1993, atualizado em 2008
(2008 SNA). O Manual foi elaborado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), o Banco Mundial, a Comissão das Comunidades
Europeias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)120:

The System of National Accounts, 2008 (2008


SNA) is a statistical framework that provides
a comprehensive, consistent and flexible set of
macroeconomic accounts for policymaking, analysis
and research purposes. It has been produced and is
released under the auspices of the United Nations,
the European Commission, the Organisation for
Economic Co-operation and Development, the
International Monetary Fund and the World Bank
Group. It represents an update, mandated by the
United Nations Statistical Commission in 2003,
of the System of National Accounts, 1993, which
was produced under the joint responsibility of the
same five organizations. Like earlier editions, the
2008 SNA reflects the evolving needs of its users,
new developments in the economic environment 120
Disponível em: https://unstats.
un.org/unsd/nationalaccount/docs/
and advances in methodological research. SNA2008.pdf. Acesso em 07.02.2019.

FGV DIREITO RIO 87


ECONOMIA

No Brasil, o PIB é calculado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE)121.

Cálculo do PIB
Para o cálculo do PIB, são utilizados diversos
dados; alguns produzidos pelo IBGE, outros
provenientes de fontes externas. Essas são algumas
das peças que compõem o quebra-cabeça do PIB:
Balanço de Pagamentos (Banco Central)
Declaração de Informações Econômico-Fiscais
da Pessoa Jurídica - DIPJ (Secretaria da Receita
Federal)
Índice de Preços ao Produtor Amplo - IPA (FGV)
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
- IPCA (IBGE)
Produção Agrícola Municipal - PAM - (IBGE)
Pesquisa Anual de Comércio - PAC (IBGE)
Pesquisa Anual de Serviços - PAS (IBGE)
Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF (IBGE)
Pesquisa Industrial Anual - Empresa - PIA-
Empresa (IBGE)
Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física -
PIM-PF (IBGE)
Pesquisa Mensal de Comércio - PMC (IBGE)
Pesquisa Mensal de Serviços - PMS (IBGE)

O PIB pode ser calculado de três diferentes formas, sendo que o


resultado será o mesmo122.

Saliente-se que “PIB  per capita  (divisão do PIB pelo número de


habitantes)” não revela qual é a distribuição do produto dentro da
sociedade, se há grande concentração nas mãos de poucas pessoas ou não.
No entanto, é um indicador de comportamento da produção, o qual
permite medir a média que seria atribuída a cada pessoa caso o produto
121

fosse distribuído igualitariamente. Nesses termos, o aumento do PIB de 122


Para exame das 3 (três) formas de
um país em determinado período não significa, necessariamente, que cálculo vide Anexo III disponível ao final do
material didático.
houve redução da pobreza ou da desigualdade. Os frutos do crescimento
123
GONÇALVES, Antonio Porto. Questões e
do PIB, entre os períodos examinados, podem ter sido apropriados políticas da macroeconomia. In. Direito
e Economia - Diálogos. Coordenação.
desproporcionalmente pelas classes mais ricas, mantendo-se as camadas PINHEIRO Armando Castelar, PORTO
mais pobres da população na mesma situação. Sobre o tema ensina Antônio J. Maristrello, SAMPAIO, Patrícia
Regina Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora
Antonio Carlos Porto Gonçalves123: FGV, 2019, p. 51-83.

FGV DIREITO RIO 88


ECONOMIA

Para o estudo da Macroeconomia foram


desenvolvidas várias estatísticas. Uma muito
importante é o chamado PIB – Produto Interno
Bruto -, o qual é a soma dos valores dos bens e
serviços produzidos dentro do país (daí o adjetivo
“Interno” na expressão PIB) durante certo período
de tempo (digamos, um ano calendário, ou 12 meses
consecutivos, ou um trimestre). Na estimativa do
PIB não se desconta o desgaste dos equipamentos
usados na produção (daí o adjetivo “Bruto”).124
Como o PIB é uma soma de valores, é influenciado
pelo aumento dos preços. Logo, para comparar os
PIBs de, digamos, 2016 e 2017, é preciso considerar
a variação dos preços entre estes anos. Feita a
correção pela inflação, obtêm-se os chamados PIBs
reais (sem correções as estimativas são chamadas de
PIBs nominais). Pode-se então comparar e dizer,
por exemplo, que o PIB real brasileiro aumentou
1%, de 2016 para 2017. A FGV começou a estimar
o nosso PIB em 1949; em meados da década de 80
passou a tarefa para o IBGE.
Como medida da produção, o PIB é criticado por
não incluir algumas atividades como, por exemplo,
a produção dentro dos domicílios para o consumo
direto das famílias. Mas o PIB é uma soma dos
valores da produção de muitos setores (uma
amostra ampla). Logo, devido à correlação entre
os setores, o PIB é um bom indicador de como
vai a economia em geral, mesmo as atividades não
incluídas na amostra.
Há também críticas ao PIB por ser um indicador
insuficiente do bem estar, da felicidade da
população. O PIB não considera a riqueza
relativa entre as pessoas nem o tipo de produção
(por exemplo, produção de armas de fogo versus
de serviços educacionais e de saúde). Outros 124
Na verdade, para evitar dupla contagem
indicadores são então usados, como o IDH – na estimativa do PIB, são considerados os
valores adicionados na produção dos bens
Índice de Desenvolvimento Humano. Este índice e serviços. Assim, se um produtor comprar
mercadorias no valor de R$10 000,00, as
considera o nível educacional e a expectativa de quais se “incorporam” a seus produtos,
vida (saúde) da população, além do PIB per capita. vendidos por R$15 000,00, sua contribuição
para o PIB será de R$5 000,00 (= R$15
A Tabela 1 mostra o IDH dos países desenvolvidos. 000,00 – R$10 000,00).

FGV DIREITO RIO 89


ECONOMIA

Tabela 1
Os 25 países com os maiores IDHs (em 2015)

Obs: Complementando a tabela: maior IDH da


América Latina, Chile = 0,847; IDH do Brasil =
0,754; IDH da China = 0,738; IDH da Índia = 0,624
Fonte: UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME. Disponível em: <http://hdr.undp.
org/en/composite/HDI>

O Brasil costuma ficar entre as posições 70 e 80 no


“ranking” mundial de IDH. Mas este “ranking”,
supostamente de bem-estar e de felicidade, tem
sido criticado; alguns países de elevado IDH tem
alta incidência de alcoolismo e suicídio entre seus
habitantes. (Medir felicidade apenas com dados
externos às pessoas, como educação, saúde e
produto per capita, é uma tarefa difícil!)
Enfim, o PIB real e a sua evolução são indicadores
do comportamento da produção; não medem a
felicidade.

FGV DIREITO RIO 90


ECONOMIA

O PIB nominal  é calculado a preços correntes, ou seja, considera


os valores do período analisado, em que o produto foi produzido
e comercializado. É resultado da multiplicação dos preços pelas
quantidades produzidas a cada período. Assim, por exemplo, o PIB de
2019 é o somatório dos preços de cada bem e serviços produzido pela
quantidade correspondente. Matematicamente, podemos representar da
seguinte forma o PIB de 2019, utilizando-se o símbolo Σ como notação
de somatório (ou notação sigma), onde p é representa o preço, pt o preços
total dos produtos produzidos, q a quantidade e qt a quantidade total.
Suponha um país que somente produza banana e automóveis:

PIB 2019 = Σpbanana2019*qbanana2019 + Σpautomóveis2019*qautomóveis2019 → PIB 2019 = Σpt2019 * q2019

Os anos anteriores e subsequentes são apurados na mesma forma:


PIB 2020= Σpt2020 * q2020

A simples comparação do valor do PIB nominal dos diferentes


anos, considerando a quantidade produzida e o preço correntes, isto
é, aquele do ano em que produzido, não elimina os efeitos da inflação,
inviabilizando uma análise pertinente. Em suma, considerando que
a inflação representa a desvalorização da moeda, correspondente à
perda do poder de compra do consumidor, a comparação entre o PIB
de dois períodos distintos deve ser realizada com cuidado, haja vista a
necessidade de comparabilidade intertemporal.

Dessa forma é necessário medir o PIB a preços constantes, e não


apenas correntes, de um dado ano qualquer escolhido, chamado de
ano-base. Os preços são fixados em um ano-base, como se a inflação
relativamente ao passado fosse “zerada”, para permitir a comparação em
relação aos anos futuros.

O PIB real exclui os efeitos da inflação, sendo calculado a preços constantes.

Assim, faz-se necessário escolher um ano-base e um deflator, para ajuste


e eliminação dos efeitos inflacionários ocorridos durante o período. No
ano base, o PIB real é igual ao PIB nominal. Uma vez calculado o PIB
real para o intervalo temporal desejado, é possível comparar as variações
nas quantidades produzidas dos bens e serviços, sem que as alterações
de seus preços de mercado ao longo do tempo influenciem a análise. A
fórmula a seguir indica como calcular o PIB real, a partir do PIB nominal
e após a escolha de um índice que expresse a inflação do período:

FGV DIREITO RIO 91


ECONOMIA

PIB real = PIB nominal


Índice geral de preços

O numerado (o PIB nominal) contém inflação do período. Ao dividirmos


pelo índice de preços retira-se o efeito da inflação, sendo possível, portanto,
comparar as quantidades produzidas entre anos distintos.

Pelo exposto, constata-se que a análise da variação do PIB exige o uso


de um deflator, ou seja, um índice utilizado para descontar o aumento
dos preços, isolando o crescimento real das riquezas produzidas.

Por fim, saliente-se que para comparação da produção entre países


distintos não basta converter os PIB´s dos países para uma mesma moeda.
Além da conversão do PIB expresso na moeda nacional (no caso do Brasil
o Real) pela taxa de câmbio (preço da moeda estrangeira em relação à
moeda nacional), é necessário levar em consideração que países mais
pobres geralmente têm nível de preços mais baixos. É mais caro viver em
um país rico do que em um país pobre, pois o nível de preços tende a ser
menor, independentemente da taxa de câmbio. Por exemplo, dez dólares
podem comprar mais bens e serviços no Brasil do que na Noruega. Nesse
sentido, é necessário considerar a chamada metodologia da Paridade do
Poder de Compra (PPC) - purchasing power parity (PPP). A taxa do PPP
equaliza o poder de compra entre países distintos125.

O crescimento econômico e distribuição de riqueza

Segundo Thomas Philippon, a economia pode crescer pela expansão


da força de trabalho ou pela elevação do produto por trabalhador, o que
depende da inovação tecnológica e competição126:

An economy can grow in exactly two ways:


its labor force can expand, or its output per
worker can increase. From the Roman Empire 125
A revista inglesa The Economist criou
o chamado Big Mac index em 1986,
to the Industrial Revolution, population growth objetivando criar uma comparação do
preço do sanduiche entre diversos países,
was slow and productivity growth was nil. o que exige-se levar em consideração os
diferentes poderes de compra em cada país.
The Industrial Revolution earned its name by Disponível em: https://www.economist.
unleashing unprecedent productivity growth. com/news/2020/01/15/the-big-mac-
index. Acesso em 09.02.2020.
The First Industrial Revolution began in 126
PHILIPPON, Thomas. The Great Reversal.
Britain in the eighteen century and moved the How America gave up on free markets.
Cambridge, Massachussetts: Thre Belknap of
economy from agriculture toward manufacturing. Harvard University Press, 2019. p. 13.

FGV DIREITO RIO 92


ECONOMIA

It involved new machines (the spinning jenny),


new energy sources (coal, steam), and new division
of labor in large plants. As countries become
richer the agriculture became more productive,
population also grew. Thus, after 1700, population
growth and productivity growth both contributes
to overall economic growth. Which rate of growth
we consider: overall or per capita? There is no
simple answer; it depends on the issue at hand.
If we are interested in measuring the global clout
of a country – its gross domestic product (GDP),
for example – then overall growth is what matters.
(…) If we are interested in happiness and standards
of living, however, then per-capita growth is what
matters. Per-capita growth is also usually the right
way to analyze the consequences of economic
policies and regulation. (…) There is a debate
among economists regarding the causes of the
decline in the growth rate. Much of the debate has
focused on three factors: employment, education
and technological innovation. (…) Bottom line:
when fewer people work, growth slows down.
(…) Slower improvements in education have also
contributed to the decline in overall growth since
education makes workers more productive. But
the major contributor to the long-term growth
is thecnology – and that contribution is slowing
down. When we say that technological progress
has slowed, we are simply saying that, on average,
business are not as good as they used to be at
reducing the unit cost of production or at coming
up with higher quality products. To assess the rate
of technological progress, economists construct
total factor productivity (TFP) growth, wich
measures the extent to which we can do more with
less (or with the same). In other words, it measures
how we can expand output for given levels of
capital and labor inputs. Economic theory shows
that that this kind of technological progress is the
only sustainable source of growth in the long run.
The slowdown in TFP growth started in 2000
and is now widespread among rich countries.

FGV DIREITO RIO 93


ECONOMIA

The Great Recession of 2008-2009 has probably


reinforced this negative trend, but it has not created
it. Robert Gordon, an economist at Northwestern
University, argues that the remarkable growth in
productivity from 1870 to 1970 is unlikely to
repeat itself. The benefits of the Second Industrial
Revolution, associated with electricity and the
internal combustion engine, were deep and wide.
In his view, computers and communication
technologies are simply less important.

Os economistas neoclássicos e os seus seguidores analisam o crescimento


econômico em razão da combinação do capital, mão de obra e progresso
técnico, tendo como pressuposto a substituibilidade/ substitubilidade
entre os recursos naturais e capital manufaturado.

Considerando o exposto, responda: partindo-se do pressuposto da


perfeita substituição dos recursos naturais pelo capital, há limites ao
crescimento econômico?

Esse tema será objeto de exame na próxima aula.

FGV DIREITO RIO 94


ECONOMIA

AULA 4 – OS DEZ PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E A RACIONALIDADE


ECONÔMICA. A SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL: A NATUREZA
E OS LIMITES DA ECONOMIA.

1. OS DEZ PRINCÍPIOS DA ECONOMIA

O professor Gregory Mankiw, da Harvard University, em seu famoso


livro intitulado Introdução À Economia127, indica 10 (dez) princípios da
economia e os classifica em três tipos ou grupos:

A. Princípios ligados às decisões dos indivíduos;

B. Princípios concernentes à interação entre as pessoas; e

C. Princípios que comandam o funcionamento da economia como


um todo.

Cada tipo ou grupo busca responder a uma pergunta, as quais podem


ser apresentadas nos seguintes termos:

a. Como as pessoas decidem?

b. Como as pessoas interagem?

c. Como funciona a economia?

Os princípios são os seguintes, segmentados de acordo com o seu tipo


ou grupo:

a. Como as pessoas decidem?

1 — As pessoas enfrentam trade-offs;

2 — O custo de algo é o que você desiste para obtê-lo;

3 — Pessoas racionais pensam na margem;


127
MANKIW, N. Gregory. Introdução à
economia. São Paulo: Cengage Learning,
4 — Pessoas reagem a incentivos. 2009.

FGV DIREITO RIO 95


ECONOMIA

b. Como as pessoas interagem?

5 — A interação pelo comércio pode ser bom para todos os


participantes;

6 — Os mercados geralmente são uma boa maneira de organizar a


atividade econômica;

7 — Às vezes os governos podem melhorar os resultados dos mercados.

c. Como a Economia funciona?

8 — O padrão de vida de um país depende da sua capacidade de


produzir bens e serviços;

9 — Os preços sobem quando o governo emite moeda demais;

10 — A sociedade enfrenta um trade-offs de curto prazo entre


inflação e desemprego

Alguns desses princípios já foram introduzidos nas Aulas 1 e 2 (trade-offs,


racionalidade humana, incentivos, o funcionamento dos mercados etc.),
outros apenas tangenciados (desemprego, custo de oportunidade, etc.) e alguns
somente serão examinados com maior detalhe posteriormente, como é o caso
da relação entre emissão de moeda e inflação, matéria objeto da Aula 5.

Um bom resumo dos mencionados princípios é apresentado por


Daniel Galvêas:128

1 — As Pessoas Enfrentam tradeoffs


Tradeoff representa o que abrimos mão para alcançar
um determinado objetivo, trata-se, portanto,
das escolhas que fazemos e o que abdicamos
para seguir tal caminho. Exemplo: A sociedade
enfrenta um  tradeoff  entre  eficiência  e  equidade:
no máximo de eficiência, não teremos o máximo
de equidade e vice-versa.
Não há muito o que comentar sobre o conceito
de tradeoff, mas compreendê-lo nos ajuda a
potencializar nossas escolhas. Quanto ao tradeoff
supracitado, escolhi-o pois a forma como ele é Disponível em: https://medium.com/@
128

colocado nos diversos debates da sociedade nos leva dangalveas/os-10-princ%C3%ADpios-


da-economia-revisados-e-comentados-
a conclusões lógicas incompletas e equivocadas. 179c252ab33. Acesso em 01.01.2020.

FGV DIREITO RIO 96


ECONOMIA

Parece trivial que a alocação mais eficiente de recursos


gera desigualdade, acreditando-se que na economia
sempre há os perdedores e os ganhadores. Há,
porém entrelinhas numa sociedade extremamente
produtiva, que é o chamado “progresso técnico”
ou avanço tecnológico. A eficiência máxima tem
o cenário mais propício para o avanço tecnológico
devido ao paralelo de concorrência ótima, isto
é, o avanço tecnológico é consequência tanto da
competição entre as firmas quanto de um bom
ambiente institucional. O avanço tecnológico
barateia custos, potencializando o uso dos recursos
e produzindo mais com menos, o que torna os
preços dos bens e serviços mais acessíveis à grande
massa. Portanto o cenário de maior crescimento
econômico é o que cria um ambiente institucional
favorável para a competição onde ela é eficiente e
não o da equidade maximizada. Em uma equidade
máxima os agentes econômicos têm incentivos
reduzidos para competirem entre si e, portanto,
acabam por minimizar o avanço tecnológico,
tendo em vista que o progresso é uma combinação
de boas regras e competição. Logo, no longo prazo,
incentiva-se o coletivo a ser menos produtivo, o
que torna todos mais pobres.

2 — O Custo de Algo é o que você desiste para


obtê-lo
O conceito enraizado nesse princípio está
intimamente ligado aos  tradeoffs  que passamos,
todavia aqui matematizamos esses  tradeoffs  nos
chamados  Custos de Oportunidade. Estes são
traduzidos numa equação bem simples:

Benefício financeiro da minha escolha


(-)
Benefício da escolha financeira ótima para a minha
situação.
______________________________________
Custo de Oportunidade
(considere como ótimo aquilo que maximiza seus
ganhos)

FGV DIREITO RIO 97


ECONOMIA

Um conceito corriqueiro para os que visam


maximizar seus ganhos financeiros. Mas o
grande inimigo do Custo de Oportunidade
se chama “Informação” — na verdade a falta
dela. Se você não se informa sobre os diversos
fenômenos que nos cercam, jamais irá alcançar os
potenciais pontos ótimos das suas preferências,
seja nos investimentos do seu dinheiro ou do
seu recurso mais precioso, o tempo, o Custo
de Oportunidade é uma excelente ferramenta
para medir a maneira como estamos e como
gostaríamos de estar.

3 — Pessoas racionais pensam na margem


Estamos falando principalmente de um
conceito chamado  utilidade marginal, que é o
quanto nós ficamos mais satisfeitos conforme
vamos consumindo mais e mais. A ideia é bem
simples, a satisfação total que tenho em comer
somente um sorvete é menor que a que eu tenho
em comer 20 sorvetes, porém o saldo (prazer -
gasto) que eu tenho é maior no meu primeiro
sorvete do que no vigésimo. Ou seja, eu estou
disposto a pagar mais pelo primeiro sorvete do
que pelo vigésimo.
Pensar à margem é uma ótima maneira
de potencializar nossos ganhos: o quanto
ganhamos por ficarmos uma hora a mais no
trabalho, o quanto ganhamos estudando mais
um ano, o quanto ganhamos ficando mais uma
hora na festa e por aí vai. Não falo só de ganhos
financeiros, mas também num aspecto mais
abstrato de coisas que não podem ser mensuradas
em moeda, ou pelo menos coisas que cada
indivíduo tem a sua própria régua para medir.
Um aspecto importante desse problema é que a
própria análise desse custo adicional pode não
compensar o tempo investido, portanto temos
que ser sapientes quanto às nossas análises e
principalmente nossos planos.

FGV DIREITO RIO 98


ECONOMIA

4 — Pessoas reagem a incentivos


Nós estamos sempre comparando os custos e os
benefícios das decisões que tomamos. Acredite,
fazemos isso intuitivamente, mesmo que erremos
nos nossos cálculos, nós sempre acreditamos
que estamos tomando a melhor decisão em uma
determinada situação. Somos, então, incentivados
a tomar aquela decisão que julgamos ótima. Se os
benefícios e/ou os custos de uma decisão mudam,
somos incentivados a nos adequar aos novos
cenários. Um exemplo bem interessante é o quando
acordamos numa segunda-feira de manhã para
trabalhar; caso decidamos ficar em casa dormindo,
estamos explicitamente preferindo o descanso às
consequências de não aparecer no trabalho.
Comecemos do ponto de que existem incentivos
explícitos, como leis e contratos; e incentivos
implícitos, como códigos morais individuais.
Considerando o ápice da racionalidade ou um
intermediário entre esse e a ausência absoluta
de raciocínio, entendemos o que leva as pessoas
a agirem como agem; alguém que trai foi
individualmente incentivado a tal (não julgo aqui
códigos morais), seja pela fragilidade do momento,
superestimação da situação, ausência de empatia
ou um “erro de cálculo”, o indivíduo analisou os
custos e benefícios de trair, mesmo que de forma
incompleta e imperfeita, e optou por fazê-lo.
Em um outro plano, políticos, pelo poder que
lhes é concedido, têm grandes incentivos a serem
corruptos, isto é, a favorecem interesses próprios
transferindo seus custos para terceiros. Lembre-
se que o papel e a caneta usados para assinarem
uma lei ou regulamentação não têm senso crítico
e nem códigos morais, portanto o sucesso da
medida depende essencialmente da boa índole e
do conhecimento técnico do burocrata (ou da sua
equipe). E como nosso sistema têm ene falhas em
seus mecanismos, conforme Marcur Olson relata
em  The Logic of Collective Action, os políticos
cedem aos grupos de pressão para beneficiarem a si
próprios e não há muitas formas de contornarmos
essa situação, principalmente no curto prazo.

FGV DIREITO RIO 99


ECONOMIA

(É importante adicionar que todas as políticas


públicas são imbuídas de  tradeoffs  e  custos de
oportunidade  que em sua maior parte não são
observados pelos políticos, o que ocasiona nesse
cenário lamentável no qual vivemos. Ganhos
marginais dificilmente são ponderados.)

5 — O comércio pode ser bom para todos


O comércio não é como uma competição esportiva,
na qual existe o ganhador e os perdedores. De fato,
todos ganham, uns em menor proporção, outros
em maior. Concorrentes são competidores de
um mesmo mercado, tanto quanto são parceiros.
Pessoas competem entre si, mas são parceiras
devido às suas especialidades.
A primeira ideia sobre como o Mercado
promove bem-estar econômico está na ideia da
especialização: eu posso construir a minha própria
casa, mas o custo de oportunidade para tal será
imenso, levando em consideração que eu não
tenho conhecimento nenhum sobre construção
civil, mas existem pessoas especializadas que
conseguem fazer a mesma tarefa com uma
eficiência grosseiramente maior que a minha. Da
mesma maneira, eu posso oferecer à essa mesma
pessoa que construiu minha casa os serviços dos
quais sou especializado.
As evidências empíricas têm mostrado que
mais mercado é melhor que menos mercado,
mas instituições de boa qualidade também têm
papel importante para frear mercados onde suas
falhas pioram o resultado da livre concorrência.
O Mercado coopera quando é necessário, mas
sempre incentiva todos a competirem entre si, o
que por sua vez leva as pessoas a se especializarem
mais. As consequências de uma mão-de-obra
especializada é a racionamento de recursos
naturais, melhores salários, crescimento real
da economia e, consequentemente, melhora do
padrão de vida e bem-estar da sociedade.

FGV DIREITO RIO 100


ECONOMIA

6 — Os mercados geralmente são uma boa


maneira de organizar a atividade econômica
A União Soviética colapsou em detrimento do
planejamento central da Economia, o governo da
URSS determinava o que seria produzido, em que
quantidade e quem produziria. Acreditava-se que
o Estado deveria ser o único provedor do bem-
estar econômico.
Todavia, a Economia de Mercado provou-se mais
eficiente, estável e duradoura, as decisões centrais
são substituídas pela interação entre milhares,
milhões e até bilhões de agentes econômicos
(pessoas e empresas), o que gera a maximização
do bem-estar econômico de uma sociedade,
conforme elaborado inicialmente por Adam
Smith e depois confirmado por outros teóricos.
A mão invisível do Mercado, que nada mais é do
que as interações de gostos e preferências entre
produtores e consumidores leva-nos a pontos
ótimos da Economia em geral.
Adam Smith foi um gênio incomparável, não só pela
excelência de seus estudos com tão poucos recursos
e tecnologias para analisar, mas principalmente por
iniciar uma corrente acadêmica da qual os cientistas
sociais unem rigor matemático, instrumentos
estatísticos e conhecimento filosófico para explicar
diversos fenômenos sociais.
Ludwig von Mises, ao analisar os métodos
soviéticos de controle de produção, constatou que
para calcular a alocação de recursos (o que produzir
e consumir) em 1 ano da URSS, seriam necessários
30.000 anos de cálculos para estimar tal alocação.
É claro que à época, a Tecnologia de Informação
não era tão avançada quanto hoje. Neoclássicos,
seguindo os estudos de Léon Walras constataram
matematicamente que a alocação via mercado,
satisfeitas algumas hipóteses, é eficiente e que, caso
fosse possível um planejador central observar todas
as preferências dos indivíduos, alocaria os recursos
da mesma forma. Entretanto, tal benevolência é
deve ser observada com um determinado grau de
ceticismo, conforme citado no 4º princípio.

FGV DIREITO RIO 101


ECONOMIA

As consequências sociais do mercado são tais que,


com meu trabalho, eu beneficio todo o meu contexto
social e econômico e, na verdade, a soma de todos
os esforços individuais gera o que chamamos de
prosperidade econômica (ou a falta dela).

7 — Às vezes os governos podem melhorar os


resultados dos mercados
A mão invisível do Mercado precisa de instituições
que a proteja. Os mercados só são eficientes
quando os direitos à propriedade são garantidos.
Outro motivo pelo qual precisamos do governo são
chamados Falhas de Mercado. Tais falhas tocam os
pontos onde a alocação via exclusiva dos agentes
econômicos não levam a maximização do bem-
estar econômico. As Falhas de Mercado podem ter
diversas origens como a externalidade, o poder de
mercado, a informação, os custos de transação, etc.
A  externalidade  é aquilo que não é precificado
numa atividade produtiva, por exemplo a poluição
do ar, em consequência da atividade de uma
usina, a concentração de calor em um local, que
é consequência da produção de energia solar, os
benefícios sociais de uma boa educação dos jovens
e etc. Faz-se necessário a presença do governo
para minimizar essas externalidades negativas e
maximizar externalidades positivas.
O  poder de mercado  é a influência indevida que
um grande produtor exerce nos preços dos bens
e serviços que oferece. É o que justifica a criação
de leis e regulamentações para setores sensíveis da
economia (principalmente para o consumidor),
tais quais geração e distribuição de energia, setor
de telefonia, etc.
A  informação  está ligada aos diferentes níveis
informacionais que os agentes possuem. O
exemplo mais emblemático é feito no  Market
for Lemons  (1970)  do  George Akerlof, em que
o autor discute a venda de carros usados, donde
os vendedores acabam por vender carros ruins a
preços mais altos para os consumidores que têm
pouca informação.

FGV DIREITO RIO 102


ECONOMIA

Os  custos de transação  entram como falha de


mercado pois a existência desses faz com que o
equilíbrio de mercado seja ineficiente no sentido
de Pareto (sub-ótimo). Quem nos trouxe essa ideia
foi Ronald Coase.
Representei a ideia de Mankiw às minhas palavras,
mas creio a ideia geral acima seja simples de ser
assimilada.
Falhas de Mercado são inerentes ao próprio
processo de evolução de alguns mercados e,
numa ótica estritamente utilitarista, é possível
constatar a forma como governos melhoram o
bem-estar agregado, mitigando as mais diversas
falhas de mercado através de regulamentações e
investimentos onde não há atratividade para o
setor privado. O argumento estaria totalmente
correto, se o agente público não tivesse
consciência individual. Todos nós agimos em
benefício próprio o tempo inteiro e, salvo em
casos específicos, não há mal algum nisso — o
problema é que no caso do agente público isso é
gravíssimo pois afeta variáveis como pobreza, bem-
estar, crescimento econômico e, no corriqueiro
economês, a alocação ótima dos recursos. Daí,
existem falhas de mercado, mas também temos
que nos atentar às falhas de governo.
O estado do século XXI assumiu a postura de
regulador da atividade econômica, porém não há
maneiras eficientes de “regular” os reguladores,
conforme indica Kennet Arrow, prêmio
Nobel de 1972, na Teoria da Escolha Pública.
Ainda nos trabalhos de Arrow, os mecanismos
governamentais são desenhados de tal forma que é
possível induzir um resultado específico, conforme
as escolhas públicas são dispostas. E isso nos leva
a, no mínimo, duvidar das “boas intenções” dos
políticos e governantes, isto é, prejudicam o
resultado social em detrimento próprio, inclusive
afetando o bom andamento de mercados que não
possuem falha alguma à luz da teoria econômica.

FGV DIREITO RIO 103


ECONOMIA

8 — O padrão de vida de um país depende da


sua capacidade de produzir Bens e Serviços
O tópico desse princípio é a  produtividade.
Uma economia só se desenvolve, quando a
produtividade média aumenta. Ou seja, a renda per
capita de um país é proporcional à produtividade
média desse. E a única maneira de aumentar a
produtividade média de um país é através do
progresso técnico e, para isso, são necessários a
qualificação da mão-de-obra, as ferramentas que
potencializem a produção (capital) e a tecnologia
no sentido estrito da palavra.
Pode parecer tentador atribuir os avanços salariais
somente aos sindicatos e políticas públicas, mas a
qualidade de vida do trabalhador está ligado em
essência à capacidade de todos de produzir bens e
serviços no menor tempo possível.

Isso é evidenciado com dados históricos.


Economia não é simplesmente circulação
de moeda. Na tabela ao lado, retirada da 7ª
edição do livro Macroeconomia do próprio
Mankiw, podemos ver a forte correlação entre
produtividade do trabalho e crescimento dos
salários reais. Não existe mágica ou alquimia, a
produção precede o consumo e para consumir
mais, deve-se produzir mais.

FGV DIREITO RIO 104


ECONOMIA

9 — Os preços sobem quando o governo emite


moeda demais
A inflação é o que chamamos de aumento
generalizado dos preços. Ela ocorre quando há um
descompasso entre os fluxos Monetário e Real da
Economia. Um crescimento do PIB de 2% deve
ser acompanhado de um aumento de 2% na
quantidade total de moeda em circulação, para
que os preços reais se mantenham constante.
Em termos gerais, a inflação ocorre quando o
governo produz mais moedas do que o necessário
e isso provoca uma desvalorização do dinheiro.
Comentarei sob uma perspectiva neoclássica da
teoria monetária; entretanto, há uma  discussão
interessante, iniciada por  John Cochrane,  sobre
os efeitos da expansão monetária, (quantitative
easing) promovida no pós-crise de 2008, donde
o banco central americano baixou a taxa de juros
para níveis próximos de zero, sendo que não
observamos efeitos esperados pela teoria vigente
— que é menor juros implica em mais dinheiro em
circulação e mais dinheiro em circulação,  ceteris
paribus, significa mais inflação.
Exemplificarei esse aumento de forma simples:
(Para fins didáticos, consideremos que tudo o que
se pode ser produzido no mundo são maçãs)
A economia X que produz 1000 maçãs/ano tem
1000 moedas de prata circulando. Portanto, temos
a relação (1000 maçãs)/(1000 moedas) , ou seja, 1
maçã custa 1 moeda de prata.
Então, dotado de boas intenções, o governo
coloca mais 1000 moedas de prata em circulação,
agora temos as mesmas 1000 maçãs/ano e 2000
moedas. A proporção fica em 1000/2000, e com
certa defasagem, o preço de uma maçã caminhará
para 2 moedas, privilegiando quem recebeu este
novo montante de moeda primeiro e prejudicando
quem os receberá por último, até que o efeito
inflacionário esteja completo. Famílias de baixa
renda comumente estão na ponta final desse
processo. Não importa quantas moedas o governo
coloque em circulação, se a produtividade não
aumenta, não haverá melhora de bem-estar.

FGV DIREITO RIO 105


ECONOMIA

Inflação é uma forma de imposto, pois o governo


é o primeiro a colocar as mãos nessa quantidade
entrante de moedas na economia (efeito Patinkin),
além de ser o culpado pela própria inflação. O
“amigo dos pobres”, quando diz que vai combater
a inflação é tanto trágico quanto cômico, pois o
governo é o próprio motor inflacionário, conforme
Milton Friedman, que caracteriza todo processo
inflacionário como exclusivamente monetário.

10 — A sociedade enfrenta um tradeoff de curto


prazo entre Inflação e Desemprego
Quando o governo aumenta a quantidade de
moeda na economia, um dos resultados é a
inflação. O outro, pelo menos ao curto prazo é
um menor nível de desemprego. O que representa
esse tradeoff é a Curva de Phillips.
Esta relação se dá com maior rigor no curto prazo.
Já no longo prazo, os efeitos positivos da inflação
sobre o desemprego vão se diluindo até não terem
mais efeitos.
Além das Expectativas Racionais explicarem boa
parte do porquê desse efeito perder força no longo
prazo, explicarei o raciocínio do porquê esse ideia
é prejudicial à economia :
1, inflação gera instabilidade macroeconômica,
essa gera insegurança para investir, que culmina em
baixos investimentos, baixo número de empregos
gerados e assim por diante, dado pelo fluxograma:

Inflação > Instabilidade econômica >


Insegurança para Investir >Baixos Investimentos
> Menos postos de trabalho > Mais desemprego.

Fazendo com que esse processo seja insustentável


no longo prazo. No melhor cenário, baixo
crescimento; no pior, uma pesada recessão.

2, para chegar ao ponto mínimo de desemprego, deve-


se quebrar a principal barreira do emprego, o salário
mínimo, pois os mais vulneráveis às consequências
nefastas do desemprego são os menos qualificados.

FGV DIREITO RIO 106


ECONOMIA

Para se ter uma ideia de como o salário mínimo


afeta de forma grotesca os índices de desemprego,
peguemos o caso do Mc Donald’s, no qual alguns
Estados norte-americanos pleiteavam, com grande
chance de aprovação, o aumento do salário
mínimo para US$ 15,00 por hora trabalhada; em
alguns lugares o salário mínimo é de US$ 8,00. Em
resposta a esse novo cenário político-econômico,
o restaurante de fast-food começou a investir em
restaurantes autônomos, no qual todo o sistema do
edifício é robotizado e funciona de forma 50% mais
rápido e livre das falhas humanas no processo. De
forma grosseira, o Mc Donald’s, para sobreviver à
concorrência e oscilações do Mercado, viu ser mais
viável robotizar sua estrutura de custos e poderá
demitir milhares de funcionários.
Ou seja, se o objetivo é gerar postos de emprego
no longo prazo, temos pelo menos duas maneiras
muito mais eficientes de fazer isso do que recorrer
à inflação.
Espero ter ajudado-os a entender um pouco
mais sobre a ótica econômica e sobre como
as coisas funcionam para nós, meros mortais.
Caso tenha ficado alguma dúvida sobre o que
seriam boas instituições e um bom ambiente
institucional, recomendo a leitura do  Por quê
as Nações Fracassam  do  Daron Acemoglu  e
do Instituições, Mudança Institucional e Desempenho
Econômico do Douglas North.

2. A SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL: A NATUREZA E OS


LIMITES DA ECONOMIA

A sustentabilidade é princípio inerente a diversas áreas do conhecimento,


e possui múltiplas dimensões.

Sob o ponto de vista jurídico, Juarez Freitas suscita a existência da


sustentabilidade multidimensional poliédrica, que se projeta no plano
da ética, do campo social, político e econômico, e não apenas na seara 129
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade.
Direito ao Futuro. Editora Fórum. 1. Ed. 1.
ambiental129: Reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p.20.

FGV DIREITO RIO 107


ECONOMIA

O direito fundamental à sustentabilidade 130


COSTA, Leonardo de Andrade. A
sustentabilidade ambiental na produção
multidimensional irradia efeitos para todas as econômica de bens e serviços como
províncias do Direito, não apenas para o Direito requisito progressivo à concessão de
incentivos e benefícios fiscais no Brasil.
Ambiental, de sorte que o próprio sistema In: FLORES, Nilton Cesar (organizador).
A Sustentabilidade Ambiental em
jurídico como que se converte em Direito da suas Múltiplas Faces. São Paulo: Editora
Sustentabilidade. Millennium, 2012.
131
HAWKING, Stephen W. and MLDINOW,
Leonard. The Grand Design. Bantan
Em estudo sobre o impacto do princípio da sustentabilidade ambiental Books. New York. 2010. p.6: “Quantum
theories can be formulated in many
sobre a concessão de incentivos e benefícios fiscais, pontua Leonardo de different ways, but what is probably the
most intuitive description was given
Andrade Costa130: by Richard (Dick) Feynman, a colorful
character who worked at the California
Institute of Thechnology and played the
A existência e as condições de vida no futuro bongo drums at a strip joint down the road.
According to Feynman, a system has not
dependem da combinação de múltiplos fatores, just one history but every possible history”.
os quais podem ser compreendidos de forma 132
Do grego γη- (ge-, “a terra”) e λογος
(logos, “palavra”, “razão”), a geologia é a
mais adequada se forem segmentados em ciência que estuda a Terra, sua composição,
dois grupos distintos. O primeiro conjunto estrutura, propriedades físicas, história
e os processos que lhe dão forma. De
compreende as variáveis sobre as quais o homem forma diversa, a geoengenharia se inclui
no segundo grupo sugerido acima, tendo
não tem ingerência no que tange à constituição em vista a ação humana requerida à
e condições de possibilidades131, eventos que sua consecução, o que inclui estudos e
programas sobre os diversos métodos de
devem ser examinados no campo da geologia132, da intervenção em larga escala no sistema
climático do planeta, com a finalidade de
astrofísica133 e da teologia. Por sua vez, no segundo moderar o aquecimento global, o que tem
sido objeto de muita discussão e dissenso
grupo destacam-se os elementos que sofrem na comunidade científica. Nesse sentido,
influência direta ou indireta da ação humana, vide a matéria intitulada Ambientalistas
pedem que ONU congele projetos de
também denominada de ação antrópica134, o que geoengenharia. In: <http://mpnuma.
ba.gov.br>.Acesso em 26.12.2011.
pode ocorrer em diversos graus – causando, por 133
A astrofísica se ocupa da Física do
exemplo, maior ou menor interferência no Meio Universo, o que inclui o estudo de suas
Ambiente -, de forma racional135 - ou não - e de propriedades físicas, como a luminosidade,
densidade, temperatura, composição
modo intencional ou involuntário. Nesse último química dos objetos astronômicos como as
estrelas, as galáxias e o meio interestelar.
grupo merecem destaque os prováveis impactos As pesquisas astronômicas procuram
estabelecer a relação e interação entre
causados pelo homem sobre as mudanças climáticas esses objetos, o que envolve o estudo da
e bem assim as inquestionáveis perdas impostas à Física teórica e experimentos práticos. Até
o advento da física moderna, era senso
biodiversidade, haja vista a rápida deterioração das comum que o conhecimento poderia ser
obtido pela observação direta dos diversos
propriedades produtivas e utilidades dos recursos eventos por meio dos sentidos humanos.
naturais136 (água, solo, vegetais, minerais e etc.) Com o avanço da física moderna (física
quântica) percebeu-se a complexidade
necessários à sua sobrevivência e à qualidade subjacente ao que podemos observar
e bem assim as limitações da mente
de vida na Terra, o que tem consequências no humana que processa nossos sentidos para
a compreensão de como a realidade se
curto, médio e longo prazo. Esses efeitos têm sido constitui. Nesse sentido, explica Stephen
potencializados, em especial, pelo crescimento Hawking e Leonard Mlodinow: “Until
the advent of modern physics it was
vertiginoso da população137, o modelo de generally thought that all knowledge of
the world could be obtained through direct
produção econômico adotado e o consumismo observation, that things are what they
exacerbado aliado ao processo de migração e de seem, as perceived through our senses.
But the spectacular success of modern
concentração nas áreas urbanas, o que incrementa physics, which is based upon concepts
such as Feynman´s that clash every-day
o grau de vulnerabilidade coletiva às catástrofes. experience, has shown that is not the case.

FGV DIREITO RIO 108


ECONOMIA

Deve-se destacar, ainda, que a segmentação The naïve view of reality therefore is not
compatible with modern physics. To deal
proposta, entre a ação antrópica e as variáveis with such paradoxes we shall adopt an
approach that we call model-dependent
sobre as quais o homem não influencia, apenas realism. It is based on the idea that our
brains interpret the input from our sensory
facilita a compreensão inicial da complexidade do organs by making a model of the world”.
HAWKING, Stephen W. and MLODINOW,
problema, tendo em vista que no atual momento Leonard. Op cit. p.7.
da história e o correspondente estágio de 134
Segundo o Dicionário Hoausis antrópico
é “adjetivo: 1. relativo ou pertencente ao
desenvolvimento científico - e de (in)compreensão homem ou ao seu período de existência
das questões metafísicas – nem sempre é possível na Terra 2. relativo à ação do homem 2.1
relativo às modificações provocadas pelo
simular com 100% (cem por cento) de certeza, homem no meio ambiente.”

quanto aos resultados obtidos, a exclusão da O uso da razão por si só, conforme
135

será demonstrado, é insuficiente


presença e da influência humana sobre os eventos para garantir resultados passíveis de
reprodução e manutenção no longo
que ocorrem na Terra, ainda que o fenômeno prazo, tendo em vista que a utilização de
critérios e premissas equivocadas, ainda
específico objeto do estudo seja designado como que encontrem justificativas racionais
a fundamentar a ação no curto prazo,
essencialmente natural. Em suma, eleva o grau implicam, invariavelmente, resultados
insustentáveis se ampliado o escopo
de complexidade da matéria na atualidade a temporal da análise. Assim, por exemplo,
a política pública adotada com o objetivo
dificuldade de se estimar com precisão a correlação de garantir desenvolvimento econômico
entre a ação humana e os denominados eventos combinado com redistribuição de renda
e riqueza (pressuposto para a inclusão
naturais, tais como as mudanças climáticas, haja social), apesar de desejável por todos,
pode não ser sustentável em um horizonte
vista a mútua interferência que produz efeitos mais amplo de tempo, dependendo das
ambições que envolvem as múltiplas
recíprocos de difícil ou impossível dissociação. escolhas a serem realizadas, razão pela
qual o padrão de consumo (local, regional e
Com efeito, a relevância da queima de global) e o modelo de produção econômica
de bens e serviços devem estar em sintonia
combustíveis fósseis e da destruição das florestas com as possibilidades físicas do nosso
para as mudanças climáticas são apontadas pela planeta e não apenas em consonância com
os desejos individuais e coletivos.
National Aeronautics and Space Administration 136
Sob o ponto de vista ambiental relativo à
(NASA) 138, agência que cuida da Administração recuperação de áreas degradadas, o Decreto
Federal 97.632/89, o qual dispõe sobre a
Nacional da Aeronáutica e do Espaço dos regulamentação do artigo 2°, inciso VIII, da
Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, define
Estados Unidos: o conceito de degradação, para os efeitos
do referido ato, como sendo “processos
resultantes de danos ao meio ambiente,
pelos quais se perdem ou se reduzem
What has scientists concerned now is that algumas de suas propriedades, tais como a
qualidade produtiva dos recursos naturais”.
over the past 250 years, humans have 137
O manifesto comunista escrito por Karl
been artificially raising the concentration Marx em  conjunto com Friedrich  Engels
(1820-1895) foi editado em 1948.
of greenhouse gases in the atmosphere Segundo Eric Hobsbawm “nunca houve uma
[revolução] que se tivesse espalhado tão
at an ever-increasing rate, mostly by rápida e amplamente, alastrando-se como
burning fossil fuels, but also from cutting fogo na palha por sobre fronteiras, países e
mesmo oceanos” (HOBSBAWN, Eric. A era
down carbon-absorbing forests. Since the do capital: 1848-1875, 1996, p. 28).
No sítio da NASA (sigla em inglês
Industrial Revolution began in about 1750,
138

de National Aeronautics and Space


carbon dioxide levels have increased nearly Administration; Administração
Nacional da Aeronáutica e do Espaço)
38 percent as of 2009 and methane levels advoga-se a interconexão entre as
ações humanas e o denominado
have increased 148 percent. (grifo não aquecimento global nos seguintes termos:
“Throughout its long history, Earth has
existente no original) warmed and cooled time and again.

FGV DIREITO RIO 109


ECONOMIA

Saliente-se, entretanto, que as questões climáticas


não podem ser examinadas de forma isolada
do atual processo de perda de biodiversidade
e de recursos naturais, o qual possui potencial
destrutivo equivalente. Nesse sentido aponta o
brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias, que ocupa
importante cargo internacional como secretário-
executivo da Convenção sobre Diversidade
Biológica das Nações Unidas (CDB)139:
Climate has changed when the planet
Na área do clima, a ficha da sociedade já caiu. received more or less sunlight due to
subtle shifts in its orbit, as the atmosphere
Na biodiversidade, a rota em que estamos or surface changed, or when the Sun’s
energy varied. But in the past century,
levará a desastres ambientais enormes, mas another force has started to influence
é mais difícil de a população enxergar. A Earth’s climate: humanity. (…) What is
Global Warming? Global warming is the
crise climática se manifesta com um grande unusually rapid increase in Earth’s average
surface temperature over the past century
furacão ou uma grande tragédia como os primarily due to the greenhouse gases
released by people burning fossil fuels.
deslizamentos de terra. Na biodiversidade, é (…) How does this warming compare
to previous changes in Earth’s climate?
mais silenciosa. How can we be certain that human-
released greenhouse gases are causing
the warming? How much more will the
Nesse contexto, há muito dissenso quanto à Earth warm? How will Earth respond?
Answering these questions is perhaps the
melhor estratégia para compatibilizar a necessidade most significant scientific challenge of our
time.” Sítio: http://earthobservatory.nasa.
de adoção de um modelo ambientalmente gov/Features/GlobalWarming/. Acesso em
19.12.2011.
sustentável140 de produção de bens e serviços de 139
Jornal Valor, do dia 23 de janeiro de 2012,
um lado e o imperativo, também incontornável, p. A-2, em matéria intitulada: “Perda de
recursos naturais é ‘vertiginosa’, alerta Dias.”
de atender a demanda por rápido desenvolvimento 140
Para os efeitos do presente artigo
econômico para suprir a crescente população o conceito de sustentabilidade
ambiental incorpora o imperativo
mundial de outro, razão pela qual a discussão do desenvolvimento econômico e a
dessas questões pressupõe o reexame conjunto do geração de empregos com a proteção
do meio ambiente. Nesse sentido, a
padrão de consumo local, regional e global. Em sustentabilidade ambiental é usualmente
definida como o modelo “que atende
síntese, as estratégias e políticas a serem adotadas às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as
devem considerar ao mesmo tempo tanto o lado gerações futuras atenderem às suas
próprias necessidades”. In Comissão
da oferta como o da demanda por bens e serviços Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Nosso futuro
em todo o espaço de atuação humana. comum. São Paulo: Ed. Fundação Getúlio
Vargas, 1988.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. O
O principal autor a tratar do tema da natureza como limite da
141

decrescimento: entropia, ecologia,


economia foi um romeno matemático e estatístico de formação, Nicholas economia. Apresentação e organização
Jaques Grinevald, Ivo Rens; tradução, Maria
Georgescu-Roegen (1906-1994)141. José Periloo Isaa. São Paulo: Editora Sesc,
2012 e CECHIN,  Andrei. A natureza como
limite da economia. São Paulo: SENAC, 2010.

O texto a seguir de José Eli Da Veiga e Andrei Domingues Cechin Disponível em: http://www.scielo.br/
142

pdf/rep/v30n3/a05v30n3.pdf. Acesso
sintetiza o pensamento e relevância do trabalho de Georgescu-roegen142. em 02.02.2020.

FGV DIREITO RIO 110


ECONOMIA

Revista de Economia Política, vol 30, nº 3 (119),


pp 438‑454, julho‑setembro/2010

A economia ecológica e evolucionária de


georgescu-roegen.

Andrei Domingues Cechin*143


José Eli Da Veiga

The ecological and evolutionary economics


of Georgescu‑Roegen. The main argument
of this paper is that Georgescu‑Roegen’s
contributions represent a major disruption with
economics’ pre‑analytic vision. He rejected at
the same time both the closed and circular view
of the economy and the mechanic analogies that
oriented economics in the past century. Even
though his influence has been felt mainly in the
field of ecological economics, his epistemological
contributions represent a major challenge to
equilibrium thinking. Nowadays, treating
economic systems as complex and evolutionary
systems is becoming not only acceptable, but
also a trend in the way political economy is
made. We defend that Georgescu‑Roegen’s
disruption represents a scientific revolution in
economics, in the sense attributed by Kuhn.
Keywords: Georgescu‑Roegen; ecological
economics; evolutionary economics;
sustainability; paradigm.
JEL Classification: q51; q57; A12; B52.

INTRODUÇÃO

Multiplicaram‑se nos últimos tempos os sinais


de que se aproxima a reabilitação de um dos 143
*Economista. Mestre em Ciência
Ambiental pelo Programa de Pós
mais geniais pensadores do século passado, Graduação em Ciência Ambiental da
Nicholas Georgescu‑ Roegen (1906‑1994). Universidade de São Paulo, com apoio da
Fapesp. E‑mail: andrei@usp.br; Professor
Recentemente num artigo sobre o controle do titular do Departamento de Economia da
Faculdade de Economia, Administração
uso de energia, Martin Wolf (2007), colunista do e Contabilidade da Universidade de
São Paulo. Pesquisador associado do
Financial Times afirmou o seguinte: “A economia “Capability & Sustainability Centre” da
neoclássica analisava o crescimento econômico Universidade de Cambridge, com apoio da
Fapesp. E‑mail: zeeli@usp.br. Submetido:
em capital, mão de obra e progresso técnico. Julho 2008; Aprovado: Novembro 2008.

FGV DIREITO RIO 111


ECONOMIA

Mas hoje creio que seria mais esclarecedor conceber


os principais propulsores da economia como energia
e ideias. Instituições e incentivos dão a estrutura
básica por meio da qual o desenvolvimento e a
aplicação de conhecimento útil transforma a luz
solar fossilizada da qual dependemos na corrente
de bens e serviços que apreciamos”. A maior
contribuição de Georgescu‑Roegen foi mostrar que
a ocorrência de mudanças qualitativas na economia
não é nenhuma questão periférica. Mesmo num
nível físico básico, há sempre algum tipo de
mudança qualitativa, qual seja, a transformação
de energia “útil” em energia “inútil”. O sistema
produtivo o que faz? Transforma recursos naturais
em produtos que a sociedade valoriza. Mas não
é só. Essa transformação produz necessariamente
algum tipo de resíduo, que não entra de novo no
sistema produtivo. Se a economia pega recursos de
qualidade de uma fonte natural e despeja resíduos
sem qualidade para a economia de volta para a
natureza, então não é possível tratar a economia
como um ciclo fechado e isolado da natureza.
O romeno Georgescu‑Roegen, matemático e
estatístico de formação, se iniciou em Economia
com Joseph Schumpeter no período que passou
em Harvard de 1934‑36. Nesse período foi
membro de um grupo de estudos que reunia
economistas como Wassily Leontief, Oskar
Lange, Fritz Machlup, Nicholas Kaldor, e Paul
Sweezy, além do próprio Schumpeter (Beard &
Lozada, 1999; Dragan & Demetrescu, 1986;
Maneschi & Zamagni, 1997). Enquanto estava
em Harvard, escreveu quatro artigos importantes
para a teoria do consumidor e para a teoria da
produção. O artigo “The Pure theory of consumer
Behaviour” de 1936 foi considerado um clássico
por Paul Samuelson, ao escrever, em 1966, o
prefácio do livro‑coletânea de Georgescu‑Roegen,
Analytical Economics O prefácio de Samuelson
tinha ainda a seguinte observação sobre o autor:

FGV DIREITO RIO 112


ECONOMIA

“Mesmo sendo um especialista na Matemática,


ele é imune aos charmes sedutores desse
instrumento, sabendo usá‑lo de maneira objetiva
e pé no chão”.144 O chamou de “professor dos
professores”, e de “economista dos economistas”.
No final do prefácio desafiou qualquer economista
informado a permanecer complacente depois de
refletir sobre a introdução do livro.
Curiosamente, o mesmo Samuelson que elogiou
Georgescu-Roegen foi também quem o baniu da
comunidade dos economistas dez anos mais tarde
na décima edição do livro‑texto Economics.
Em poucas linhas professores e estudantes
de Economia foram advertidos que ele não
podia mais ser aceito porque se embrenhara
pela obscura Ecologia, uma disciplina que os
economistas ainda hoje acham tão estranha e
suspeita quanto à quiromancia. Georgescu-
Roegen já havia tentado reformular a teoria
do consumidor com base em pressupostos de
comportamento mais realistas do que a noção
de homem econômico agindo mecanicamente.
Mas foi sua crítica à representação convencional
do processo produtivo que gerou o anátema com
essa comunidade. A saída da metáfora Mecânica
passa pelo abandono da visão da economia
isolada da natureza, e pela adoção da visão da
economia como parte de um ecossistema vivo e
atuante. Até o final da década de 1960, entre as
diferentes escolas de pensamento econômico, não
se questionou essa visão da economia isolada da
natureza. Uma crítica profunda ao mecanicismo
e à concepção do processo econômico como
sendo circular e isolado da natureza só seria
feita por alguém da profissão com os trabalhos
de Georgescu‑Roegen. Por isso, o principal
objetivo deste artigo é mostrar como suas
contribuições representam uma ruptura com o
paradigma dominante na Economia. Tradução dos autores deste artigo.
144

FGV DIREITO RIO 113


ECONOMIA

O PARADIGMA

Fechado e circular

É no livro‑texto que o aprendiz forma uma visão


do que é a economia, de quais são seus problemas
típicos, e de como representá‑la visualmente. São
os diagramas e equações que permitem uma visão
do que é considerado realmente importante. O
melhor exemplo da visão do sistema econômico
é o modelo visual que explica em termos gerais a
organização da economia, chamado de diagrama
do fluxo circular. Tal diagrama ilustra a relação
fundamental entre a produção e o consumo,
e pretende mostrar como circulam produtos,
insumos e dinheiro entre empresas e famílias.
A visão que se tem do sistema econômico é a de um
sistema fechado e circular. Fechado, pois não entra
nada de novo e também não sai nada. E circular,
pois pretende mostrar como circulam o dinheiro e
os bens na economia. Trata‑se de um dos exemplos
compartilhados por todos que se iniciam na
profissão. Para ficar claro o que se quer dizer com
“exemplos compartilhados”, vale citar Thomas
Kuhn (1995, p. 234): “O estudante descobre […]
uma maneira de encarar o problema como se fosse
um problema que já encontrou antes. Uma vez
percebida a semelhança e apreendida a analogia
entre dois ou mais problemas distintos, o estudante
pode estabelecer relações”. Não é por acaso que
a ideia de exemplos compartilhados representa
a definição menos ambígua e mais apropriada
de “paradigma”.145 Mark Blaug (1988) sustenta
que este termo só deveria ser usado na literatura
econômica se entre aspas e apropriadamente
145
A palavra paradigma, que na
qualificado. Contudo, ele mesmo reconhece que primeira edição de “A estrutura
das Revoluções científicas” tinha 22
tal ideia cumpre a importante função de “lembrar sentidos, pode ser entendida de
a falácia que é avaliar teorias específicas sem duas maneiras conforme a revisão de
Thomas Kuhn no posfácio da segunda
considerar a estrutura metafísica mais ampla na edição, de 1970. Uma é a “matriz
disciplinar” e a outra são os “exemplos
qual estão inseridas”. compartilhados”.

FGV DIREITO RIO 114


ECONOMIA

No fundo, a ideia de paradigma é de que há um


ato cognitivo anterior a qualquer esforço analítico.
qualquer análise é necessariamente precedida por
uma visão do processo que se vai estudar. Esse
ato cognitivo é o que possibilita a análise e o
que é omitido dessa visão não é recapturado pela
análise subsequente. O diagrama de fluxo circular
representa o paradigma, a “visão pré‑analítica”146
que se tem do sistema econômico. Foi a
representação do sistema econômico como um
fluxo circular isolado que deu inicio a profissão,
pois passou a tratar o sistema econômico como
uma categoria a ser estudada separadamente.
Os fisiocratas constituíram o primeiro grupo
organizado de economistas, e deixaram duas
contribuições científicas cruciais para os
desenvolvimentos posteriores da Economia:
1) A ideia de interdependência entre os vários
processos produtivos e de equilíbrio do sistema
econômico;
2) A representação das trocas econômicas como
um fluxo circular de bens e dinheiro entre
os vários setores econômicos (Zamagni &
Screpanti, 1993).
Mesmo o gênio crítico de Karl Marx pensou que o
sistema econômico podia se manter sem a entrada
de recursos naturais. Seu “esquema de reprodução
simples” determinava as condições de equilíbrio do
sistema econômico, ou o fluxo de bens necessários
para manter a produção funcionando, mas sem
crescer. Para retomar a noção de reprodução
de Marx (1988, p. 145): “qualquer que seja a
forma social do processo de produção, este tem
de ser contínuo ou percorrer periodicamente,
sempre de novo, as mesmas fases. Uma sociedade
não pode parar de consumir, tampouco deixar
de produzir. Considerado em sua permanente
conexão e constante fluxo de sua renovação,
todo processo social de produção é, portanto,
ao mesmo tempo, processo de reprodução”. O
esquema de reprodução simples dividia a economia
em dois setores: um de produção de bens de 146
Expressão cunhada por Joseph
Schumpeter em History of Economic
capital e outro de produção de bens de consumo. Analysis, 1954, p. 41.

FGV DIREITO RIO 115


ECONOMIA

A reprodução simples exige que o fluxo de


produção dos dois setores seja suficiente para
manter constantes os estoques de capital e de
trabalho usados na produção.
Para Georgescu‑Roegen (1971, p. 228), contudo,
apesar de ser uma simplificação bastante útil,
a ideia de que tanto os bens de capital quanto a
força de trabalho são mantidos constantes não
deixa de ser uma ficção, pois o processo econômico
muda contínua, quantitativa e qualitativamente
máquinas e equipamentos. Além disso, a crítica
que faz aos esquemas de reprodução econômica
tais como o de Marx é que mesmo uma reprodução
simples precisa dos fluxos de entrada da natureza
para se manter, senão seria um moto‑perpétuo,
ou seja, uma máquina capaz de produzir trabalho
ininterruptamente utilizando a mesma energia.
Tal máquina seria um reciclador perfeito. Porém,
isso contradiz a 2ª Lei da Termodinâmica, a Lei
da Entropia.
Toda transformação energética envolve produção
de calor. Ele tende a se dissipar, e por isso é a forma
mais degradada de energia. Embora uma parte possa
ser recuperada para algum propósito útil, não se
pode aproveitar todo o calor. Justamente devido à
sua tendência a se dissipar. Assim, a essência da Lei
da Entropia é que a degradação da energia tende a
um máximo em sistema isolado, e que tal processo
é irreversível. Claro, sistemas que conseguem
manter um padrão de organização, como as mais
diversas formas de vida, não são isolados. São
abertos e existem em áreas de fluxo energético.
Sistemas isolados não trocam nem matéria nem
energia com o meio. Os sistemas abertos trocam
tanto energia quanto matéria. E “fechados” são
aqueles que trocam apenas energia. O planeta
Terra é fechado, pois a quantidade de materiais
não muda mesmo recebendo permanentemente o
indispensável fluxo de energia do sol (Schneider &
Sagan, 2005).

FGV DIREITO RIO 116


ECONOMIA

Os seres vivos conseguem manter sua organização


temporariamente, resistindo ao processo entrópico
do universo. Isso só é possível por serem abertos
à entrada de energia e materiais. Todavia, não
é qualquer energia que pode ser utilizada, não
podendo ser energia dissipada. A energia tem
que ser capaz de realizar trabalho. Diz‑se que essa
energia é de baixa entropia. Ao utilizarem tais
fontes para manterem a própria organização estão
acelerando o processo de dissipação, aumentando
assim a entropia do sistema maior no qual se
inserem. Os organismos vivos existem, crescem e
aumentam sua organização importando energia de
qualidade, de baixa entropia, de fora de seus corpos,
e exportando entropia, ou seja, aumentando a
entropia ao seu redor (Schneider & Sagan, 2005).
Também é assim que o “sistema econômico”
mantém sua organização material e cresce em
escala. Toda a vida econômica se nutre de energia
e matéria de baixa entropia (Georgescu‑Roegen,
1971). Contudo, os economistas ao focarem
no fluxo circular monetário ignoraram o fluxo
metabólico real (Daly & Farley, 2004).

Mecânica e equilíbrio

Os Fisiocratas e os Clássicos que consolidaram a


análise do fluxo circular do processo econômico
ainda se preocupavam com a produção da
riqueza. Todavia, a partir da chamada “Revolução
Marginalista”, a analogia com a Mecânica reduziu
todas as questões econômicas a questões alocativas
(Zamagni & Screpanti, 1993) A Mecânica é, grosso
modo, o estudo da locomoção, mudança de lugar ou
posição, de algum objeto. Uma das características
de um sistema mecânico é que ele envolve um
princípio de conservação, ou seja, define‑se uma
identidade ao longo do tempo. O princípio da
“conservação de energia” estabelece que a energia
total de um sistema físico isolado é constante.
Não se cria e nem se destrói energia, ela apenas
se transforma, sem perdas. é por isso que o tipo
de fenômeno estudado pela Mecânica é reversível.

FGV DIREITO RIO 117


ECONOMIA

Isso significa que ele é compreendido apenas pela


posição do objeto em questão, não importando
a trajetória temporal pela qual passou o objeto.
Assim, num fenômeno reversível não há distinção
entre passado e futuro. (Mirowski, 1988).
A “Revolução Marginalista” consolidou o
entendimento mecânico do sistema econômico ao
basear seu raciocínio em metáforas e analogias com
o “princípio da conservação de energia” (Mirowski,
1988). A ideia era de que existe no mundo social um
ponto em que todas as forças que agem no sistema
se cancelam. O auto interesse seria a força, como a
gravidade, que leva os indivíduos a maximizarem
suas utilidades, mas como os recursos não são
infinitos, há uma restrição às ações. O problema a
ser resolvido, portanto, passou a ser o de encontrar
a combinação de bens e serviços que maximizem a
utilidade das pessoas dada a restrição de recursos.
Na visão de Jevons, diferenças nas utilidades
individuais criam um tipo de energia potencial
para a troca. Tanto que, para ele, a noção de valor
era para a Economia o que a noção de energia era
para a Mecânica (Beinhocker, 2005; Mirowski,
1988, 1989).
A analogia com a Mecânica tem a ver com a
utilização da linguagem da Física, e com metáforas
que consideram que nas transações de mercado
ocorre uma troca de algo como uma energia
psíquica ou social. Isso não afeta apenas o discurso,
mas principalmente a estrutura e a substância das
disciplinas (Hodgson, 1999). Se do ponto de
vista formal a Economia não se separou da Física
do século XIX, a Física moderna se afastou da
Economia. Mesmo assim, tal proximidade formal
não significa que ela considera as relações biofísicas
entre o processo econômico e o seu entorno. Ao
contrário, o paradigma Mecânico na Economia tem
como importante sintoma o não reconhecimento
dos fluxos de matéria e energia que entram e saem
do processo econômico, e muito menos reconhece
a diferença qualitativa entre o que entra e o que
sai do processo (Georgescu‑Roegen, 1966, 1971).

FGV DIREITO RIO 118


ECONOMIA

ECOLÓGICA

Processo produtivo

Depois de ter contribuído por décadas à teoria do


consumidor Georgescu‑ ‑Roegen se voltou para a
teoria da produção. Sua intenção era a de representar
tal processo adequadamente. Uma das novidades de
sua abordagem é a inclusão do fator tempo. Não era
mais possível que as representações continuassem a
ignorar os diferentes intervalos de tempo nos quais
participam os fatores de produção. A função de
produção convencional que relaciona quantidades de
fatores [P = f (K; H; L)] seria substituída por uma
funcional [P(t) = f {R(t), I(t), M(t), W(t), K(t), H(t),
L(t)}], analiticamente muito mais rigorosa. Para
Georgescu‑Roegen, o produto é uma função de uma
série de outras funções relacionadas ao intervalo de
tempo nos quais participam os fatores de produção.
Contudo, sua reformulação é muito mais difícil de ser
usada em aplicações econométricas e para se chegar
aos resultados da teoria neoclássica (Mueller, 2007).
Sua principal contribuição para a teoria da
produção consiste na análise crítica do significado
da função de produção e na elaboração do modelo
fundo‑fluxo (Morroni, 1999). Georgescu‑Roegen
lamentou que a formalização matemática da
produção tenha chegado a ponto de desrespeitar um
pré‑requisito básico da ciência: ter uma ideia clara
sobre a correspondência dos símbolos na realidade.
Um dos problemas da função de produção é que
ela não mostra as transformações qualitativas
que ocorrem como consequências das mudanças
quantitativas nos insumos e produtos. A função de
produção trata o K como uma medida de capital
homogêneo. Contudo, um processo mais intensivo
em capital significa quase sempre uma mudança
na qualidade desse capital. Não faz sentido pensar
que uma operação de escavação mais intensiva
em capital signifique multiplicar o número de
pás diminuindo a participação do trabalho.
Haverá sim uma mudança na qualidade do capital
no sentido de instrumentos mais sofisticados.

FGV DIREITO RIO 119


ECONOMIA

Não há sentido, portanto, em falar de “elasticidade


substituição” entre capital e trabalho, e nem de
produtividade dos fatores de produção se os bens
de capital não forem qualitativamente idênticos
(Georgescu‑Roegen, 1971, p. 244).
A função de produção indica a quantidade
máxima de produto que pode ser obtida a partir
de uma dada quantidade de insumos. Mostra o
que um processo produtivo pode fazer, mas não
o que de fato ele faz nas diferentes situações.
Não considera o perfil temporal da utilização dos
insumos, pois assume a organização mais eficiente
possível. E é exatamente por não fazer referência
aos aspectos organizacionais, em especial, ao
perfil temporal da utilização dos insumos, que a
teoria convencional da produção acaba ignorando
diferenças importantes, como a existente entre
processos produtivos na indústria e na agricultura
(Georgescu‑Roegen, 1969, 1971; Morroni, 1999).
Além de ter chamado a atenção para a relação entre
a eficiência e a organização do processo produtivo,
existe uma diferença qualitativa básica entre os
chamados fatores de produção, que foi ignorada
pela abordagem neoclássica até a formulação de
Georgescu‑Roegen (1969, 1970, 1971). Para
começar, isso que se denomina produção deveria
ser denominado transformação, pois isso daria
a dimensão adequada do fenômeno em jogo.
Elementos da natureza são transformados em bens
econômicos. Existe uma diferença entre o que
entra e sai relativamente inalterado do processo
produtivo; e aquilo que entra, se transforma,
saindo, portanto, outra coisa. A falha primordial
de tratar todos os fatores igualmente como
insumos fez com que a produção econômica fosse
representada de forma simplista. A categoria de
fatores de fundo que não sofrem mudança num
processo específico são os agentes: capital, terra
e força de trabalho. Os objetos que são alterados
pelos agentes representam a categoria de fluxos.

FGV DIREITO RIO 120


ECONOMIA

Os agentes transformam certos fluxos de energia


e materiais, advindos diretamente da natureza
ou de outro processo produtivo, em produtos
finais, evidentemente, mas também em resíduos.
Assim, há fluxos de entrada e de saída no processo
produtivo. Os fluxos que entram no processo
produtivo são:
• fornecidos pela natureza (energia solar,
chuvas, petróleo, nutrientes nos solos
agrícolas, minerais etc.);
• originários de outros processos produtivos,
(aço, tábuas de madeira etc.);
• de manutenção (peças de reposição e lubrificantes
para deixar os equipamentos intactos).

Além do fluxo de “Produtos”, emana inevitavelmente


de qualquer processo produtivo um fluxo de
resíduos, que a teoria convencional da produção
não considera. Os fluxos são as substâncias materiais
e a energia que cruzam a fronteira do processo
produtivo, e não devem ser confundidos com os
serviços prestados pelos fundos. Só os elementos
que fluem no processo podem ser fisicamente
incorporados no fluxo de produtos finais.
Fundos são diferentes de estoques. Apesar de
uma máquina, por exemplo, ser um estoque
material, não é no mesmo sentido que um estoque
de carvão. é um estoque de serviços, mas é mais
seguro chamá‑lo de fundo de serviços. O uso de
um fundo requer duração (Georgescu‑Roegen,
1971, p. 226). O grande problema da abordagem
neoclássica da produção está em reduzir o problema
a uma questão alocativa. Como esta trata todos
os fatores como fossem de natureza semelhante,
se supõe que a substituição entre eles não tenha
limites. O fluxo de recursos naturais poderia
ser facilmente e indefinidamente substituído
por capital. Entretanto, o papel desempenhado
pelas duas categorias de fatores é radicalmente
diferente em qualquer processo de transformação.
é possível uma situação em que determinado
fator seja redundante em relação à determinada
atividade pela falta de um fator complementar.

FGV DIREITO RIO 121


ECONOMIA

Nesse caso, “um aumento na quantidade disponível


de determinado fator, na ausência de outros, não
representaria necessariamente um acréscimo no
nível de atividade que estaria sendo considerada”
(Moldau, 1998, p. 75).
Por isso, é conceitualmente errado acreditar que o
potencial do fator capital de sustentar o produto no
curto prazo, com uma utilização menor de recursos
naturais, seja um exemplo de substituição de um
pelo outro. quando um melhor conhecimento
humano é “incorporado” no capital manufaturado
adicional, cria‑se uma ilusão substitutabilidade,
pois se reduz a geração de resíduos (produção de
entropia) no processo (Lawn, 1999, 2007).

Sustentabilidade

Importantes eventos ocorridos nos anos 1970


chamaram a atenção para o problema da adequação
da oferta de recursos naturais para sustentar os
padrões de consumo e produção. Tal debate
sobre a adequação dos recursos materiais gerou
um amplo espectro de opiniões cujos extremos
chegavam a conclusões completamente opostas.
Para Robert Solow (1974, 1993), o importante é
que o nível de consumo per capita seja sustentado
indefinidamente no nível mais elevado possível.
Para que o consumo per capita seja mantido
indefinidamente, o que deve ser conservado é a
soma dos três tipos de capital: manufaturado —
tudo aquilo que é construído; humano — força
de trabalho e educação; e o natural — estoque de
recursos naturais. Dada a disponibilidade finita do
recurso natural, para que o consumo per capita se
mantenha constante, algumas condições devem ser
satisfeitas. A primeira é a possibilidade de progresso
técnico poupador de recursos naturais; e a segunda
é a facilidade do trabalho e do capital substituírem
os recursos naturais na produção (Solow, 1974).
Um conceito‑chave entre os economistas para a
possibilidade de substituir recursos naturais por
capital, por exemplo, é o de elasticidade‑substituição
(Nordahus & Tobin, 1972; Stiglitz, 1979).

FGV DIREITO RIO 122


ECONOMIA

Esta fornece a mudança percentual na razão entre os


insumos provocada por uma mudança percentual
no preço relativo entre eles. Ou seja, se o preço
de um recurso natural aumenta, sua participação
relativa no processo produtivo diminui. Na visão
neoclássica isso é considerado como substituição
de recursos naturais por capital.
Os modelos que consideram substituição entre
recursos naturais e capital violam as leis da
Termodinâmica em especial a 2ª lei, sobre a
entropia (Georgescu‑Roegen, 1971, 1976, 1979).
O que ela significa em termos de possibilidade
de produção? Em primeiro lugar, a quantidade
de matéria e energia incorporada nos bens finais
é menor que aquela incorporada nos recursos
utilizados na sua produção. Ou seja, uma parte da
energia e da material de baixa entropia utilizada
no processo de produção se torna imediatamente
resíduo, alta entropia. Isso significa em termos
práticos que 100% de eficiência produtiva nunca
pode ser alcançada. é claro que a quantidade de
baixa entropia que é desperdiçada imediatamente
depende do estado da tecnologia de produção
em um dado momento. Desenvolvimentos
na tecnologia de produção significam menos
desperdício, com maior proporção de material e
energia de baixa entropia incorporada nos bens
finais. Até que se chegue ao limite termodinâmico,
há um potencial para que mais bens possam ser
produzidos a partir de uma mesma quantidade
de recursos energéticos e materiais. Uma vez
alcançado o limite termodinâmico da eficiência,
o produto real é totalmente dependente da
existência do provedor de recursos que é o capital
natural. Se for verdade que tal limite ainda está
longe em termos de transformação de recursos
em bens finais, à medida que se chega mais perto
desse limite, a dificuldade e o custo de cada
avanço tecnológico adicional se torna crescente
(Lawn, 1999, 2007).

FGV DIREITO RIO 123


ECONOMIA

Outra importante implicação é que a


reciclagem de materiais nunca pode ser total.
é falsa, portanto, a suposição de que avanços
tecnológicos na capacidade de reciclagem
podem eliminar o problema dos estoques
decrescentes de recursos terrestres, ainda mais
no caso de economias que continuam a crescer.
Finalmente, energia e matéria de baixa entropia
são os únicos insumos verdadeiros do processo
econômico. Apesar da função essencial dos
fundos capital e trabalho na produção, estes
são agentes transformadores que também
dependem de recursos de baixa entropia para
serem produzidos e mantidos. E os resíduos de
alta entropia representam o único produto do
processo econômico. (Lawn, 1999, 2007).
Ao focar na quantidade de materiais e energia
processados pela economia, percebe‑se que
a atividade econômica de uma geração tem
influencia na atividade das gerações futuras.
Isso ocorre devido à utilização dos recursos
energéticos e materiais terrestres e à acumulação
dos efeitos prejudiciais da poluição no ambiente.
E é este o cerne do problema ecológico da
humanidade. A depleção de recursos e o despejo
de resíduos, consequências inevitáveis da
atividade econômica de uma geração, afetarão
em algum momento a possibilidade das gerações
seguintes terem qualidade de vida igual ou maior.
Para Georgescu‑Roegen (1976), a Economia não
pode lidar com esse problema, por restringir sua
análise onde a circulação de valores monetários
pode ser observada. Por isso um dia deverá ser
englobada pela mais ampla Ecologia. Todavia
isso só ocorrerá quando a humanidade tiver que
se preocupar com a distribuição intertemporal
dos escassos recursos terrestres, e não apenas com
a alocação de recursos relativamente escassos de
uma geração apenas.

FGV DIREITO RIO 124


ECONOMIA

ANÁTEMA

Georgescu‑Roegen morreu em 1994 sem ter


suas críticas aos modelos de Solow e Stiglitz
respondidas. Por isso, ambos foram chamados a
respondê‑las numa edição especial da Ecological
Economics, em 1997. O tema central era a questão
da substitutabilidade entre recursos naturais e
capital manufaturado. Stiglitz (1997, p. 269)
se defende dizendo que no médio prazo existe
possibilidade de substituir recursos naturais por
capital sim, e que para o economista o longo prazo
é daqui a cinquenta anos. O papel dos modelos
analíticos é de responder questões de médio prazo
do tipo “é possível o crescimento ser sustentado
pelos próximos 50‑60 anos?”.
O papel dos modelos analíticos como os de Solow
e Stiglitz é responder se o crescimento na produção
de bens e serviços com valores monetários pode
se sustentar no curto prazo mesmo que alguns
insumos sejam finitos. Contudo, ao agregar os
diferentes fatores em termos monetários, já se está
admitindo a substitutabilidade entre eles. O dinheiro
como unidade de valor permite agregar fatores de
características distintas, e mostrar que os recursos
naturais podem ter uma importância pequena
relativamente aos outros fatores. Além disso, tais
modelos de crescimento empurram continuamente
para o futuro o começo do horizonte temporal. Isso
pode ser interpretado como um carro guiado por um
míope indo no sentido de um precipício (Sanson,
2007). questões referentes à sustentabilidade
ambiental do processo de desenvolvimento não são
de curto prazo e não podem ser analisadas com base
em valores monetários apenas. Por isso, não é possível
passar do horizonte temporal pertinente ao individuo
para o horizonte pertinente à espécie humana sem
mudar o arcabouço conceitual (Naredo, 1987).
Ao escrever sobre as consequências econômicas
do aquecimento global, Thomas Schelling (1997,
p. 9) afirmou que como a agricultura representa
menos que 3% do PIB dos EUA poder‑se‑á
continuar bem sem ela e ainda ter 97 % do PIB.

FGV DIREITO RIO 125


ECONOMIA

Há um raciocínio de substituição aqui, ainda que


não do mesmo tipo que a de fatores considerada
por Solow. O raciocínio de substituição nesse caso
está relacionado às atividades que compõe o PIB.
Assim, uma dimensão do erro inerente a esse tipo
de exercício é tratar todas as partes do PIB como
substitutas (Daly, 2000; Foster, 2002). Perde‑se de
vista o caráter primário da produção agropecuária.
O mesmo argumento é usado com respeito à energia.
Como a indústria do petróleo representa apenas 1%
do produto econômico global, ou como a energia
representa apenas 5% dos custos de produção,
ou como o custo energético como percentagem
do PIB está declinando, tal recurso não seria tão
importante. A redução a valores monetários faz
com que se esqueça que a energia é um dos fatores
mais críticos na história dos humanos no planeta
Terra (Gowdy, 2006). Implícito no raciocínio de
Schelling está a consideração de que os serviços
(que não têm valor monetário) prestados pela
natureza à agricultura, com o atual clima, poderiam
ser “substituídos” sem prejudicar a economia.
Tais serviços incluem as funções de regulação de
clima e a manutenção de ciclos biogeoquímicos
fundamentais para vida. Apesar de fundamentais,
são serviços gratuitos, muito difíceis de terem
direitos de propriedade e preços a eles atribuídos,
e não podem ser substituídos se os fundos forem
destruídos. Contudo, a maior parte dos serviços da
natureza é deixada de lado pela recente iniciativa
do Banco Mundial de medir a sustentabilidade do
desenvolvimento dos países (Mueller, 2008).
O desenvolvimento sustentável seria aquele em
que a riqueza total de uma sociedade se conserva
ou aumenta (World Bank, 2005). Esta também é a
“abordagem dosada” de Partha Dasgupta (2005). A
abordagem de Georgescu‑Roegen para o processo
produtivo pode iluminar esse debate e permite uma
avaliação crítica dessa metodologia (Mueller, 2007,
2008). O capital natural não é apenas uma fonte de
fluxos de recursos (energia solar, os minerais e os
combustíveis fósseis, e os nutrientes do solo) prontos
para serem transformados pelo processo produtivo.

FGV DIREITO RIO 126


ECONOMIA

A natureza, ou capital natural, também é um


fundo de serviços, no sentido utilizado por
Georgescu‑Roegen. Os serviços prestados pela
natureza não são integrados fisicamente aos
produtos, mas são importantes não apenas para a
produção e para o consumo, mas para a própria
manutenção da vida. São, portanto, insubstituíveis,
além de não serem passíveis à precificação.
Tendo isso em vista, percebe‑se que avaliações de
sustentabilidade ambiental devem estar baseadas
muito mais nos limites e impactos biofísicos do
que em indicadores monetários.
Georgescu‑Roegen nunca usou a expressão
“Economia Ecológica” e não fazia nenhuma
militância ambientalista, mas suas contribuições
representam a linha demarcatória entre o que pode
ser considerado Economia Ecológica e as vertentes
ambientais da Economia Neoclássica (Daly,
1997; Gowdy & Erickson, 2005; Mayumi, 2001;
Mayumi & Gowdy, 1999; Lawn, 2007). Ambos,
depleção de recursos e poluição são inevitáveis.
Por isso, para a Economia Ecológica, uma questão
central é a da escala da economia, ou seja, do
tamanho dela frente ao ecossistema (Daly, 1997;
Romeiro, 2003).

EVOLUÇÃO E COMPLEXIDADE

O mecanicismo e o fascínio pelo equilíbrio na


Economia vêm sustentando a ideia de um ponto
“ótimo” para o sistema econômico que ignora suas
interações com o sistema biótico. E há um sério perigo
de o planeta ser danificado de forma irreversível se
políticas econômicas continuarem a ignorar tais
restrições. Muitos economistas atentaram para o
problema, porém não reconheceram a necessidade
de substituir os fundamentos mecanicistas da
Teoria Econômica. O reconhecimento dos sistemas
econômicos como sistemas constituídos de seres
humanos vivos e como partes de ecossistemas
que contêm outras formas de vida exige uma
abordagem evolucionária (Hodgson, 1993).

FGV DIREITO RIO 127


ECONOMIA

Uma abordagem evolucionária para a economia


significa, em primeiro lugar, uma mudança no tipo
de questão a ser respondida. Não se trata de saber
como, sob certas condições, os recursos econômicos
são alocados de maneira ótima ao equilíbrio, dado
um estado de preferências individuais, a tecnologias
e as condições institucionais. As questões são
por que e como mudam o conhecimento, as
preferências, as tecnologias e as instituições nos
processos históricos, e quais são os impactos dessas
mudanças (Witt, 2008).
Uma mudança fundamental no ponto de
vista da ciência econômica vem ocorrendo
com as pesquisas da chamada Economia da
Complexidade e da Economia Evolucionária.
Não se trata de novas teorias, mas sim de visões do
processo econômico como algo eminentemente
“fora‑do‑equilíbrio”. Em vez de se olhar para
um fenômeno de maneira estática e procurando
equilíbrio de maneira reducionista, tal mudança
de ponto de vista implica olhar para processos
e propriedades emergentes de maneira mais
sistêmica. Olha‑se para elementos que interagem
e produzem padrões agregados que fazem os
mesmos elementos reagirem. Assim, uma questão
crucial é que os elementos criam aquilo à que
reagem (Arthur, 1999; Finch & Orillard, 2005).
Quando se introduz a diversidade na Economia,
esta fica mais parecida com a Biologia moderna
do que com a Física do século XIX. Entretanto, a
abordagem evolucionária não pode ser acusada de
reducionismo biológico, pois não pretende explicar
fenômenos sociais com categorias biológicas.
Tampouco afirma que os mecanismos de evolução
são semelhantes no mundo social e biológico.
Trata‑se do estudo de sistemas evolucionários, em
que se enquadram tanto os sistemas econômicos
quanto os sistemas biológicos (Bienhocker, 2006;
Hodgson, 2006; Hodgson & Knudsen, 2006).
Crucial para entender a evolução socioeconômica
é a compreensão do papel da inovação, sua
emergência, e difusão (Hodgson, 1999; Witt, 2008).

FGV DIREITO RIO 128


ECONOMIA

Uma questão que permanece é a fonte da


inovação, se “de dentro” ou “de fora” do processo
econômico. Como o processo não é fechado, a
evolução socioeconômica depende tanto de causas
“internas” quanto “externas”. Isso significa que a
relação com o ambiente natural e choques culturais
são fundamentais na explicação das mudanças
econômicas (Hodgson, 1999, 2006). Se a economia
fosse um sistema fechado, sua característica seria de
tender a um estado de menos complexidade, e menos
estrutura ao longo do tempo. Sendo um sistema
aberto, é a entrada de energia livre que permite
que ela fique longe do equilíbrio, e mantenha certa
organização. Os sistemas isolados sempre têm um
estado final previsível. Já os sistemas abertos são
bem mais complicados.
Nas últimas décadas, o pensamento de
Georgescu‑Roegen tem tido impacto na Economia
Ecológica. Todavia, o aspecto metodológico,
principalmente da obra The Entropy Law and
the Economic Process (1971), tem sido pouco
mencionado. Os livros More Heat than Light
(1989), de Philip Mirowski, e Economics and
Evolution (1993), de Geoffrey Hodgson foram
dedicado a ele, justamente por considerarem‑no
uma exceção na guinada atomista e mecanicista do
pensamento econômico do pós‑Guerra. Ao apontar
os limites da metáfora mecânica e a necessidade
de pensar o processo econômico de um ponto de
vista “fora‑do‑equilíbrio”, inclusive se valendo de
metáforas biológicas, Georgescu‑Roegen antecipou
a atual fronteira do conhecimento representada
pelas abordagens da Complexidade e da Economia
Evolucionária.
A evolução socioeconômica depende de um
processo de histerese e de propriedades novas que
emergem de combinações (Georgescu-Roegen,
1971). A histerese é um termo para descrever
processos físicos, magnéticos, que dependem
da sua trajetória particular. Na Economia,
isso quer dizer que o processo socioeconômico
depende da sua trajetória passada, de sua história.

FGV DIREITO RIO 129


ECONOMIA

O processo de escolha individual também apresenta


histerese, ou seja, depende das experiências
passadas. O caminho tomado pelos consumidores
terá efeitos permanentes nas escolhas futuras.
Trata‑se do “princípio da herança” (Georgescu-
Roegen, 1950). Num nível mais macro, a ideia
de histerese está relacionada à impossibilidade
de extrapolar fórmulas de desenvolvimento
para países com instituições e história particular
(Georgescu-Roegen, 1960). Alguns sistemas
exibem um tipo de inércia estrutural, pois tendem
a continuar “amarrados” a características passadas.
A importância da dependência da trajetória, em
inglês path dependency, no desenvolvimento de
tecnologias e na mudança institucional foi enfatizada
por Douglass North (1990) e Brian Arthur (1999).
Como um bom discípulo de Schumpeter,
Georgescu‑Roegen considerou o processo
econômico irreversível assim como a evolução
biológica, e o motor dessa evolução como sendo as
inovações radicais. Sua visão, e a de seu mestre, era
de que as inovações não são sucessivas pequenas
mudanças, quase imperceptíveis, mas saltos que
levam a emergência de uma nova entidade. é
justamente a atitude em relação à emergência
que diferencia reducionistas de não‑reducionistas
(Mayr, 2005, pp. 91‑92). Georgescu-Roegen não
era um reducionista, pois não acreditava que o
todo é simplesmente a soma aditiva de suas partes.
Atribuía a devida importância à emergência de
propriedades num nível superior de integração que
não são passíveis de ser explicadas pelos modos de
ação de seus componentes tomados de maneira
isolada. Na verdade, sua crítica à Economia
Neoclássica trouxe à tona um debate mais amplo
sobre a ciência clássica e a ciência moderna (Dragan
& Demetrescu, 1986; Mueller, 2007). Mostrou
que a complexidade de macrossistemas biológicos
ou sociais não pode ser compreendida com base
numa epistemologia mecanicista. A Mecânica
não distingue o passado do futuro, e não leva em
conta as mudanças qualitativas e irreversíveis.

FGV DIREITO RIO 130


ECONOMIA

A lei da Física que diferencia o passado do futuro


e mostra a importância das mudanças qualitativas
e irreversíveis no universo é a Lei da Entropia
(Prigogine, 1996).
A importância e pioneirismo de Georgescu-Roegen
em relação às novas possibilidades que se abrem à
ciência econômica também foram reconhecidos por
Eric Beinhocker (2006), que tentou sistematizar
o que existe de pesquisa na área de “Economia
da Complexidade”. Com base nos trabalhos de
diversos pesquisadores de áreas diferentes, se
propõe a responder como consegue a economia
funcionar de maneira auto‑organizada, e por que
parece haver uma relação entre complexidade de
uma economia e sua riqueza. Os trabalhos têm
em comum o abandono das analogias mecânicas
de equilíbrio, que orientaram a disciplina desde a
“Revolução Marginalista”, e uma incorporação de
insights da Termodinâmica de sistemas abertos, e
da teoria da evolução darwiniana. De acordo com
Brian Arthur (1999), o termo “fora‑do‑equilíbrio”
resume melhor a mudança de paradigma que
está em curso. Possivelmente as implicações mais
importantes do pensamento de Georgescu Roegen
para a questão da origem da riqueza são:
1) Todas as transformações e transações
econômicas criadoras de valor são
irreversíveis;
2) Todas as transformações e transações
econômicas criadoras de valor redu‑zem
entropia localmente dentro do sistema
econômico, enquanto aumenta a entropia
globalmente (Beinhocker, 2006).

A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DE GEORGESCU

Mark Blaug (1988, p. 31) afirma que a história da


ciência econômica não fornece exemplos de ideias
científicas internamente consistentes, corroboradas,
frutíferas e poderosas, que tenham sido rejeitadas
numa época específica. Essa é sua justificativa
para não utilizar a expressão “paradigma”.

FGV DIREITO RIO 131


ECONOMIA

Entretanto, se Georgescu‑Roegen realmente


antecipou tanto questões referentes à sustentabilidade
ambiental, quanto à crítica da concepção mecânica
do processo econômico, por que suas ideias científicas
não foram levadas a sério? Tudo indica que sua nova
“visão” do objeto estudado e, portanto, sua rejeição
de importante exemplo compartilhado na Economia,
representa uma revolução científica, pois significou:
“uma espécie de mudança envolvendo um certo tipo
de reconstrução de compromissos de grupo. Mas
não necessita ser uma grande mudança, nem precisa
parecer revolucionária para os pesquisadores que não
participam da comunidade” (Kuhn, 1995, p. 225).
Nenhuma outra escola de pensamento considerou
a economia como um sistema materialmente
aberto. Por isso, sua visão constitui realmente um
rompimento com o paradigma da Economia, no
próprio sentido dado por Kuhn ao termo. Apesar
de todas as divergências entre as diversas escolas
de pensamento econômico — dos marxistas aos
neoclássicos, dos keynesianos aos shumpeterianos,
passando pelos institucionalistas etc. — todas elas
compartilham uma visão de sistema econômico
isolado do ambiente natural. Não podia ser diferente,
pois desde os fisiocratas a Economia tem focado na
circulação de mercadorias. Assim, a visão do sistema
econômico como sendo circular e fechado orientou
as mais diversas escolas e teorias, muitas vezes
antagônicas entre si. Nesse sentido, todas estão de
baixo de um mesmo “guarda‑chuva”. O pensamento
de Georgescu‑Roegen representa uma revolução
científica exatamente por ter saído do paradigma que
delimita as fronteiras do processo econômico onde a
circulação de mercadorias pode ser observada.
Seu banimento na década de 1970 parece ter sido
um caso de ideias consistentes e poderosas que foram
rejeitadas numa época específica. Nesse começo de
século XXI, contudo, elas encontram um ambiente
mais propício à aceitação, seja pela importância que
tem sido atribuída às questões ambientais globais,
seja pela percepção de que fenômenos complexos
não podem ser entendidos com arcabouço científico
reducionista, mecânico e estático.

FGV DIREITO RIO 132


ECONOMIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A incompatibilidade epistemológica do pensamento


de Georgescu‑Roegen com a Economia fez com que
a profissão o isolasse cada vez mais. A consideração
da Lei da Entropia no raciocínio econômico
forçaria a revisões profundas no corpo teórico
convencional, a começar pela representação básica
do funcionamento da economia. Não seria mais
possível apresentar o diagrama do fluxo circular
como exemplo compartilhado pela profissão.
Além disso, como um cavalo de troia, a noção
de entropia tem implicações epistemológicas
drásticas para todo o edifício teórico do paradigma
dominante na Economia. Entretanto, a ruptura
maior está na admissão de que o processo de
geração de ordem, que é o sentido da produção
econômica vem necessariamente acompanhada da
geração de desordem. Esta engloba desde impactos
ambientais locais até o fenômeno das mudanças
climáticas antropogênicas. O que significa que
a humanidade não resolverá os grandes desafios
que encontrará pela frente tratando-se apenas
os sintomas e nem utilizando as mesmas receitas
que valeram desde a Revolução Industrial. Um
primeiro passo é o abandono do paradigma que
enxerga o sistema econômico como a totalidade.

Considerando todo o exposto nessa aula, algumas indagações se


apresentam como essenciais à compreensão da disciplina:

1. Quais são os 10 (dez) princípios da economia de acordo com


Gregory Mankiw?

2. Quais são as principais críticas de Georgescu‑Roegen à abordagem


neoclássica da produção?

3. Os fatores de produção são substituíveis entre si, indistintamente e


de forma irrestrita?

4. A natureza impõe limites à economia?

FGV DIREITO RIO 133


ECONOMIA

AULA 5 – A MOEDA E NOÇÕES BÁSICAS DE POLÍTICA MONETÁRIA:


O MONETARISMO E TEORIA MONETÁRIA MODERNA (TMM).
O ESCAMBO; MERCADORIAS-MOEDA; METALISMO; CUNHAGEM;
PAPEL-MOEDA; MOEDA FIDUCIÁRIA (MOEDA SEM VALOR
INTRÍNSECO); MOEDA BANCÁRIA-CHEQUES; MOEDA ESCRITURAL;
CARTÕES DE PLÁSTICO, AS CRIPTOMOEDAS E NOVOS MEIOS
DE PAGAMENTO E TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS.
A POLÍTICA MONETÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA147.

A) A INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA E BREVE HISTÓRICO DA MOEDA148

A intermediação é um instituto afeto ao mercado financeiro e de


147
Para as aulas 5 e 6, além do material
capitais, visto que é por meio deste instrumento que as pessoas físicas didático é sugerida a leitura das
páginas 9 a 16; 38 a 46 e 48 a 59 de
e jurídicas constroem suas relações jurídicas de natureza financeira e OLIVEIRA, Jilson e PACHECO, Marcelo.
creditícia. Mercado Financeiro. Objetivo e
Profissional. Fundamento, 2005.
148
Para aprofundamento do estudo
Conforme esclarece Roberto Kerr149, nos primórdios as pessoas dessa matéria indica-se a leitura das
páginas 01 a 12 do livro texto KERR,
utilizavam o escambo150, ou seja, a permuta como forma de comercialização Roberto. Mercado Financeiro e
de Capitais. São Paulo: Editora
de seus bens ou serviços era a moeda-mercadoria da época. O comerciante Pearson Prentice, 2011 e como leitura
complementar sugere-se a leitura do
que produzia trigo e queria adquirir carne, realizava tal negócio trocando Capítulo 11 do livro Fundamentos
da Economia. Saraiva. pg. 139-162.
seu produto por aquele que lhe interessava. Ocorre que nem sempre 2006.
havia compatibilidade de interesses, tampouco equivalência entre os bens KERR, Roberto. Op. Cit. pp. 5-6.
149

oferecidos para comercialização, o que acarretava problemas e entraves André Lara Rezende, conforme será
150

visto adiante, contesta que a moeda


para o comércio. seja “uma criação espontânea dos
mercados”.
151
MENDES, Iba. Que Relação o
Não demorou muito para os comerciantes perceberem a existência de “Salário” tem com o “Sal”? Disponível
em <http://www.etimologista.com>.
produtos que eram aceitos e demandados por todos e que poderiam servir Pesquisa realizada em 27.11.2012.
de moeda de troca, o que ocorreu com o sal151, o qual passou a ser uma Explica a estudiosa: “a palavra
salário origina-se do latim salarium,
“moeda-mercadoria” eficiente por certo tempo. associando-se ao composto cristalino
de sódio, encontrado em estado
natural em alguns terrenos ou diluído
na água do mar, ou seja, o sal. Isto,
Com a descoberta do metal surgem, no século VII a.C., as primeiras segundo estudiosos, explica-se pelo
fato de que no antigo Império Romano
moedas, as quais eram “pequenas peças de metal com peso e valor os soldados recebiam o sal como uma
definidos e com a impressão do cunho oficial, isto é, a marca de quem as espécie de salário ou remuneração,
uma vez que era considerado algo de
emitiu e garantia o seu valor”. Enquanto da Grécia as moedas eram feitas muito valor”.

de prata, na Lídia (antiga região da Asia Menor) elas eram produzidas 152
BRASIL. Banco Central do Brasil.
Museu de Valores do Banco
de uma matéria-prima que juntava ouro e prata, denominada de eletro, Central. Disponível em <http://www.
bcb.gov.br>. Pesquisa realizada em
conforme informações do Museu de Valores do Banco Central152. 27.11.2012.

FGV DIREITO RIO 134


ECONOMIA

O papel-moeda, por sua vez, começou a dar sinais na Idade Média,


período no qual vigia o costume de as pessoas guardarem seus bens de
valor com os ourives (comerciantes de ouro e prata). Estes, por sua vez,
davam aos depositantes um recibo como comprovante e garantia. Tempos
mais tarde, os recibos começaram a ser utilizados como instrumento
de pagamento, ou seja, passando de pessoa para pessoa, o que ensejou
o surgimento da moeda de papel. Segundo esclarece o sítio do Banco
Central pátrio153: “no Brasil, os primeiros bilhetes de banco, precursores
das cédulas atuais, foram lançados pelo Banco do Brasil, em 1810. Tinham
seu valor preenchido à mão, tal como hoje fazemos com os cheques”.

É possível inferir do exposto que no início das civilizações a moeda


tinha valor intrínseco, ou seja, ela valia em razão do metal com que era
cunhada. Hodiernamente a moeda - que é emitida no Brasil pelo Banco
Central – não possui mais valor intrínseco, tampouco representa, em
regra, valor em ouro, visto que vige em quase todos os países do mundo
o modelo do dinheiro, representado em papel ou moedas de metal. Seu
valor está atrelado à credibilidade de seu emissor.

A rigor, no Brasil, há o denominado curso forçado da moeda, regulado


inicialmente pelo Decreto-Lei nº 857/69 e agora também pela Lei nº
9.069/95. Isso não significa dizer que há impedimento de transações
em dólar ou outra moeda estrangeira, porquanto isso significaria óbice
às transações internacionais. Entretanto, o recebimento, por parte dos
negociantes no Brasil não será em moeda estrangeira, visto que esta será
convertida para a moeda vigente à época. Vale trazer à baila, à guisa de
ilustração, as seguintes decisões dos Tribunais brasileiros:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 647672 SP


2004/0034872-0 (STJ)-Data de Publicação: 13
de Fevereiro de 2007
Ementa: Direito civil e processual. Embargos do
devedor à execução de título judicial. Acordo
homologado em separação judicial. Embargos
de declaração. Rejeição. Prequestionamento.
Contratação em moeda estrangeira. Curso forçado
da moeda nacional. Momento da conversão.
Data do pagamento. Não há previsão no art. 535
do CPC para reabertura do debate, se ausente
omissão, contradição ou obscuridade no julgado. Idem. Ibidem.
153

FGV DIREITO RIO 135


ECONOMIA

TJSP - Apelação APL 1263004300 SP (TJSP)-


Data de Publicação: 10/10/2008
Ementa: Declaratória Contrato firmado em moeda
estrangeira Instituição Financeira Aplicabilidade
do Código de Defesa do Consumidor Abusividade
de cláusula que permite emissão de nota promissória
em branco Infringência ao art. 51, IV do CDC
Curso forçado de moeda nacional Conversão que
deve ser feita no dia do pagamento Preenchimento
irregular do título de crédito Nulidade configurada
Recurso provido.

Por oportuno, os cartões de crédito e débito também representam


tipos de moeda ou quase moedas na atualidade, conforme ressalta Robert
Kerr154: são as “moedas de plástico”.

De fato, a economia moderna - permeada de complexidades - impõe a


existência de um grande arcabouço jurídico-econômico para dar conta da
dinâmica do mercado e das relações jurídicas comerciais e creditícias que
não param de se expandir.

Nesse cenário pulsante e dinâmico é imperioso haver um Sistema


Financeiro forte, equilibrado e com liquidez, bem assim um Mercado
de Capitais ou de Valores Mobiliários capaz de dar conta das relações
envolvendo o crédito. Com efeito, a “Economia de Robison Crusoé” não
tem mais espaço nos dias atuais. A propósito, vale ressaltar as diferenças
semânticas entre poupança e investimento, utilizando como base
ilustrativa a indigitada “Economia de Crusoé”, mencionada por Murray
Polakoff em sua obra Financial Institutions and Markets e reproduzida
pelos autores brasileiros Nelson Eizirik, Ariádna Gaal, Flávia Parente e
Marcus de Freitas Henriques155:

Crusoé, após sobreviver a um naufrágio, passou a


habitar uma ilha deserta, alimentando-se do produto
de sua pescaria diária. Podemos imaginar que, após
algum tempo, decide fabricar uma rede, com o que
aumentaria a quantidade de peixes pescados e teria
mais tempo para o lazer. Para ter um dia inteiro
dedicado a fabricar a rede, deveria diminuir o seu KERR. Op. Cit. p. 3.
154

consumo diário de peixe, de sorte que a quantidade EIZIRIK, Nelson et all. Mercado de
155

Capitais – Regime Jurídico. 2 ed. Rio


pescada pudesse alimentá-lo por dois dias. de Janeiro: Editora Renovar, 2008, p.1.

FGV DIREITO RIO 136


ECONOMIA

O primeiro ato, de abstenção do consumo,


constitui tipicamente um ato de poupança, que
pode ser definida como a parte da produção não
consumida. Já o segundo ato, de utilização dos
recursos poupados para a produção da rede, um
bem de capital, constitui um investimento (sem
grifo no original).

Em síntese, em seus primeiros dias, na condição de náufrago em


uma ilha deserta, todo tempo de Crusoé era destinado basicamente para
obtenção de alimentos para seu consumo, alimentando-se de peixes
apanhados com suas próprias mãos. Para modificar a situação sacrificou
parte do tempo, e também de sua própria alimentação, para desenvolver
técnicas mais sofisticadas para a sua pescaria, o que permitiu a obtenção
de recursos excedentes aos que necessitava para sua subsistência, isto
é, seu consumo imediato, gerando assim uma reserva caracterizada
como uma poupança, ou seja, uma garantia para o consumo no dia de
amanhã. Com a nova rotina, sobrava tempo para se dedicar ao lazer e
à construção de uma moradia que lhe satisfazia não apenas os desejos
presentes, mas também as necessidades futuras.

Pelo que se verifica no texto acima transcrito, na economia de Crusoé,


ou seja, na economia primitiva, o investidor e o poupador confundiam-
se, isto é, eram, em regra, a mesma pessoa. O exemplo é ilustrativo, no
entanto, pois permite visualizar o conceito de poupança e investimentos
como uma garantia do consumo futuro. Com a nova economia digital
inúmeros meios de pagamento estão sendo disponibilizados, destacando-
156
Além do papel moeda corrente
se atualmente o denominado “PIX”156. nacional, de curso forçado (no caso
brasileiro, o real), destacam-se o boleto
bancário, as transferências bancárias
Hodiernamente, diante das complexidades que norteiam as (via DOC ou TED, e recentemente o
PIX), cartões de débito e de crédito,
sociedades modernas, em especial o impacto da escassez de recursos a exigir, nas transações virtuais,
a interveniência de gateways de
naturais e perda de biodiversidade, a Economia evoluiu em conjunto pagamento, que permitem que o
pagamento aconteça entre o lojista e
com as novas tecnologias, inserindo-se novos institutos, modificando o adquirente por meio de criptografia,
assegurando a confidencialidade e
conceitos, a fim de se adaptar às novas demandas diante das restrições seguranças das operações. O cartão
de crédito, nas modalidades à vista e
imposta pela natureza e pela própria competição humana. Hoje parcelado lojista (sem juros das IFs), é
o produto de crédito mais usado pelos
há múltiplos agentes econômicos que interagem de forma difusa e brasileiros. Crédito habitacional e
complexa, como por exemplo, as famílias, os indivíduos, as empresas, pessoal são as modalidades com maior
saldo; cartão de crédito tem o maior
o próprio Estado etc. número de tomadores. Disponível em
https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/
cap02.html. Acesso em 21.11.2020.

FGV DIREITO RIO 137


ECONOMIA

B) NOÇÕES BÁSICAS DE POLÍTICA MONETÁRIA: MONETARISMO E A


TEORIA MONETÁRIA MODERNA (TMM)

A Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) compreende um conjunto
de proposições que se relacionam, e fundamentam a conclusão no sentido
de que o nível de preços é função da quantidade de moeda em circulação.

Nesses termos, a teoria pode ser representada pela fórmula a seguir:

• P = ƒ ( M ).

Assim, nos termos da TQM, o aumento do meio circulante provoca


um aumento geral nos preços. De acordo com essa teoria, o poder
aquisitivo da moeda é inversamente proporcional ao seu montante em
circulação. A partir da TQM, Milton Friedman propõe uma teoria da
demanda por moeda, e não propriamente uma teoria da determinação do
nível de preços e da renda nominal. Nesse sentido aponta 157

Milton Friedman, destacado economista


norte–americano, é considerado na história do
pensamento econômico como sendo o fundador e
principal expoente da Escola Monetarista. As raízes
do monetarismo estão na Teoria Quantitativa da
Moeda, que é o esqueleto teórico da Economia
Monetária do século XVIII. Os economistas
vinculados a esta escola de pensamento que
tem como figuras eminentes, além do próprio
Friedman, nomes como os de Karl Brunner,
Allan Meltzer e Philip Cagan nos Estados Unidos
e David Laidler na Grã–Bretanha, advogam os
princípios de política econômica oriundos da
moderna interpretação da Teoria Quantitativa da
Moeda propostos por Friedman na coletânea de
artigos Studies in the Quantity Theory of Money
(1956). O desenrolar deste corpo teórico acabou
por propor regras de crescimento constante da
oferta monetária em detrimento de medidas 157
KREMER, Rodrigo L. e CORAZZA,
Gentil. Friedman e o Monetarismo - a
discricionárias de política monetária, como sendo velha teoria quantitativa da moeda
e a moderna escola monetarista.
a forma mais eficiente das autoridades monetárias Disponível em: https://www.ufrgs.
promoverem a estabilidade do nível de preços e o br/fce/wp-content/uploads/2017/02/
TD01_2003_kremer_corazza.pdf.
crescimento sustentado do produto per capita. Acesso em 02.101.2020.

FGV DIREITO RIO 138


ECONOMIA

A Escola de Chicago sempre se caracterizou por


enfatizar a importância do controle da oferta
monetária. Antes de Friedman, Henry Simons, em
1936, já defendia o controle da oferta monetária
como forma de estabilizar o nível de preços e Lloyd
Mints, em 1950, estabelecia um programa monetário
específico para estabilizar os índices de preços.
Mas o receituário monetarista não estava restrito à
Escola de Chicago. James Angel, da Universidade
de Columbia, já em 1933, defendia um crescimento
constante da oferta monetária, e, no pós–segunda
guerra, Karl Brunner e Allan Meltzer foram influentes
divulgadores do Monetarismo. Brunner & Meltzer
fundaram, nos anos setenta, o Shadow Open Market
Comittee para divulgar o ideário monetarista de como
o FED (Banco Central dos Estados Unidos) deveria
conduzir a política monetária. O período de ouro
do Monetarismo deu–se na década de 1970. Tanto
em termos acadêmicos quanto em nível de medidas
de política econômica estes anos representaram o
apogeu desta escola. Nesta época, não ser monetarista
representava estar à margem do mainstream do
pensamento econômico. Os economistas advindos da
Universidade de Chicago, fortemente identificados
com o ideário monetarista, aplicaram seu receituário
em vários países, dentre os quais os casos do Chile
e da Bolívia ilustram bem a experiência monetarista
na gestão de política econômica na América Latina.
Alguns analistas consideram que a gestão Volcker
à frente do FED foi fortemente influenciada pelo
receituário monetarista. “A perspectiva monetarista
tem tido grande influência ao longo dos últimos
tempos. De Outubro de 1979 ao Outono de 1982,
teve lugar nos Estados Unidos uma experiência
monetarista em escala ampliada. A Reserva Federal
deixou de influenciar as taxas de juros no sentido da
baixa e concentrou–se totalmente na manutenção
do crescimento monetário, de acordo com
determinados parâmetros”3[3]. Com a revolução
dos economistas novos–clássicos e a ascensão da
Teoria das Expectativas Racionais, progressivamente
o Monetarismo foi perdendo importância dentro da
Macroeconomia contemporânea.

FGV DIREITO RIO 139


ECONOMIA

O economista norte-americano Irving Fisher desenvolveu uma fórmula


sustentando que o produto da multiplicação da quantidade de moeda,
legal e/ou escritural, pela sua velocidade de circulação, é igual à soma de
todos os preços multiplicados pelo volume das mercadorias trocadas.

A sua expressão algébrica é:

• MV = PT, onde:

99 M é a quantidade total de moedas;

99 V é a velocidade de circulação;

99 P é o nível geral de preços; e

99 T é o volume de transações de bens e serviços ocorridas na


unidade de tempo (em geral um ano).

Sobre o tema, aponta158

Como Fisher inclui a moeda escritural (os depósitos


bancários), a fórmula detalhada passa a ser: MV +
M’V’=PT, em que M’ representa a moeda escritural
e V’, sua velocidade de circulação. O nível geral de
preços poderia ser expresso da  seguinte maneira
P=MV+M’V’/T.
Supondo uma política monetária expansionista
e uma velocidade-renda da moeda constante em
curto prazo, o efeito de um aumento da oferta de
moeda sobre a inflação dependerá de a economia
estar ou não com recursos desempregados. Se
a economia estiver com recursos plenamente
empregados, o aumento de M provocará apenas
um aumento no nível geral de preços (já que V
é constante e T é constante em pleno emprego,
para que a equação MV=PT valha, um aumento
em M só pode alterar P). Esta é a versão original
da Teoria Quantitativa da Moeda.
Mais recentemente, a corrente monetarista liderada
por Milton Friedman retoma a Teoria Quantitativa
BACIC, Frederico Matias. Disponível
da Moeda e adota uma abordagem mais prudente,
158

em: http://economidiando.
defendendo que a oferta de moeda é o principal blogspot.com/2011/04/tqm-teoria-
quantitativa-da-moeda-teoria.html.
determinante das variações do produto nominal. Acesso em: 09.02.2020.

FGV DIREITO RIO 140


ECONOMIA

Milton Friedman utiliza a  teoria como forma de


oposição ao keynesianismo. Ele reconstrói a teoria
neoclássica junto à TQM. Adota o fundamentalismo
de livre mercado  como sua  ideologia  e refuta e
rejeita o Keynesianismo em favor do monetarismo;
abomina qualquer regulamentação da economia
lutando a favor do laissez-faire quase absoluto.

John Cochrane publicou trabalho empírico, com base em dados


da economia americana, que questiona as conclusões das teorias
quantitativistas, e põe em xeque a tese de que subir juros - restringindo a
oferta de moeda em circulação - leva a uma inflação menor. O trabalho
do economista americano ensejou grande discussão entre economistas
brasileiros, conforme indicado a entrevista concedida ao Jornal Valor
Econômico159:

O economista incendiário
Por Alex Ribeiro, Do Rio — Valor
17/02/2017 05h00 Atualizado 2017-02-24
T13:28:46.000Z
John Cochrane, de 59 anos: economista põe em
xeque as teorias de que subir juros leva a uma
inflação menor — Foto: Divulgação
Autor do trabalho acadêmico que deu origem a
uma polêmica entre economistas brasileiros sobre
a receita pouco ortodoxa de o Banco Central
cortar os juros para baixar a inflação, o professor
John H. Cochrane, da Universidade de Stanford, é
taxativo: “Desaconselharia veementemente”.
O trabalho para discussão de Cochrane, com 153
páginas recheadas de equações matemáticas, virou
a leitura do verão dos interessados nos intrigantes
juros altos do Brasil. A polêmica começou com
um artigo publicado no Valor pelo economista
André Lara Resende, em 13 de janeiro, com o
título “Juros e conservadorismo intelectual”, que
cita as pesquisas do professor de Stanford. Esse
artigo deu origem a outros quatro neste jornal, 159
Disponível em: https://valor.globo.
sem falar no debate que se espalhou para outros com/eu-e/coluna/o-economista-
incendiario.ghtml. Acesso em
veículos de comunicação. 09.02.2020.

FGV DIREITO RIO 141


ECONOMIA

Em entrevista por telefone, Cochrane, de 59


anos, relata os conflitos que ele mesmo sente
com as conclusões de seu próprio trabalho, que
numa tradução livre tem o nada atrativo título
de “Michelson-Morley, Occam and Fisher: As
Implicações Radicais da Inflação Estável com
Juros Perto de Zero”.
“Não sei se acredito nas conclusões, mas de certa
forma estou sendo compelido pela lógica do que eu
estou vendo”, disse o professor de Stanford. “Como
economista, tenho que trabalhar com os fatos.”
Ele examina a condução da política monetária
pelas economias avançadas desde a crise financeira
mundial de 2008, quando os juros ficaram perto
de zero e os bancos centrais imprimiram muito
dinheiro sem causar as tragédias da deflação ou da
hiperinflação que muitos temiam.
O trabalho de Cochrane põe em xeque as teorias
em uso pelos bancos centrais de que subir juros leva
inevitavelmente a uma inflação menor. Na verdade,
seria o contrário: existiria uma relação de longo
prazo entre juros altos e inflação alta. É o que se
chama hipótese neofisheriana, em uma referência ao
economista americano Irving Fisher (1867-1947).
Aos achados de Cochrane, juntaram-se visões dos
economistas brasileiros que colocaram a colher na
polêmica, tropicalizando as conclusões. Será que
temos inflação alta no Brasil apenas porque os
juros são altos? Não seria prudente estudar melhor
essas conclusões antes de colocar em prática? O
ponto essencial do trabalho de Cochrane não seria
a política fiscal, não a monetária? Faltava saber
como o autor do trabalho original via as suas
próprias conclusões.
Cochrane, que até recentemente era professor
da Universidade de Chicago, mantém um
blog chamado The Grumpy Economist, ou o
economista mal-humorado. Na verdade, o nome
do blog parece apenas mais uma brincadeira
desse economista bem espirituoso que faz troça
de colegas de profissão que levam muito a sério o
último estudo que tiraram do forno.

FGV DIREITO RIO 142


ECONOMIA

O professor faz algumas ponderações sobre o que


há de assentado nas suas conjecturas, dizendo
que não aconselharia ao Federal Reserve a segui-
las. Para ele, o trabalho deve ser visto mais como
um alerta de que os BCs sabem menos do que
acreditam sobre o funcionamento dos juros. “Vá
devagar”, recomenda aos banqueiros centrais.
Para além da discussão sobre a troca dos sinais de
como os juros afetam a inflação, Cochrane prega um
foco maior na política fiscal para atingir a estabilidade
de preços do que apenas na política monetária.
Questionado sobre como as conclusões de
seu trabalho se aplicam ao Brasil, o professor
inicialmente se diz pouco informado sobre a
situação do país. Mas, ao tomar conhecimento
dos principais números sobre inflação, juros e
dinâmica da dívida pública, conclui que o ajuste
fiscal precede qualquer discussão sobre política
monetária. “Se o BC baixar os juros sem resolver
o problema fiscal, com todo esse medo que as
pessoas têm da inflação, desvalorizações cambiais
e aumento de impostos, provavelmente não iria
funcionar”, disse ele.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como a crise financeira de 2008 muda a
maneira como vemos a política monetária?
John H. Cochrane: Tivemos esse longo período de
juros muito baixos e estáveis nos Estados Unidos
e na Europa, e mais longo ainda no Japão, desde
meados da década de 1990. E o fato marcante é que
nada aconteceu. Tivemos juros baixos e inflação
bem baixa e sob controle. A atividade econômica
avança de forma muito lenta, mas de forma muito
estável nesta lentidão. Você vai me perguntar: por
que você está tão agitado com a política monetária,
se está tudo tão estável?
Valor: Por quê, então?
Cochrane: Os economistas estão ficando agitados
porque todas as teorias existentes sobre política
monetária previram que coisas terríveis poderiam
acontecer. Quando você chegasse a juros perto de zero,
haveria uma espiral deflacionária. Isso não ocorreu.

FGV DIREITO RIO 143


ECONOMIA

Outra teoria dizia que, quando os juros chegassem


a zero, teríamos um problemão: a inflação iria
pular para cima e para baixo de forma inesperada
porque o Federal Reserve não poderia subir os
juros. Isso também não aconteceu. Quando os
bancos centrais começaram esses programas
gigantes de compras de títulos, em contrapartida
imprimindo trilhões de dólares em dinheiro, havia
aquele medo: “Hiperinflação, aqui vamos nós!”.
Nada disso aconteceu.
“Se o BC baixar os juros sem resolver o problema
fiscal (...), provavelmente não iria funcionar”,
afirma o professor John Cochrane
Valor: O que isso nos diz sobre as teorias monetárias?
Cochrane: Na década de 1970, a economia monetária
dizia para a gente não se preocupar, por que tudo
estava sob controle. Quando explodiu a inflação,
todo mundo entendeu que havia alguma coisa errada
com uma teoria monetária que não avisa que algo
grande iria ocorrer. Bom, tem algo igualmente errado
com a economia monetária quando ela diz que algo
enorme vai acontecer, mas nada ocorre.
Valor: Tudo o que sabíamos sobre política
monetária estava errado?
Cochrane: Em economia, é muito difícil provar
que algo está errado. Minha visão é que esse é
um momento revelador. Sugere que muita coisa
que se acreditava estava errada. Veja quantos
formuladores de política econômica ficaram
preocupados com uma espiral deflacionária. Estou
procurando manter o recato acadêmico, mas a
questão é que isso parece simplesmente errado.
Como parece errada a visão de que a expansão
quantitativa causaria uma hiperinflação.
Valor: Mas a política monetária funcionou tão
bem com Paul Volcker, um bom pedaço de Alan
Greenspan e as metas de inflação.
Cochrane: Sim. A grande questão é por que
funcionou. Quando você junta as peças para
formar uma teoria, ela deve tanto explicar por
que as coisas funcionaram tão bem lá atrás quanto
por que as coisas continuaram a funcionar bem
quando não deveriam estar funcionando.

FGV DIREITO RIO 144


ECONOMIA

Valor: Como explicar, então?


Cochrane: Uma das respostas - e isso é parte das
discussões do meu trabalho - é um foco maior em
política fiscal do que apenas no que os bancos
centrais fazem. Na era Volcker, o que importou
não foi apenas o que o Federal Reserve estava
fazendo com as taxas de juros. Também tivemos
uma grande reforma tributária, e o déficit público
caiu enormemente, de tal forma que na década de
1990 havia preocupações de que o governo poderia
estar pagando completamente a dívida pública.
No Brasil e em outros países, certamente houve
tentativas de repetir o que Volcker fez. Algumas
deram certo, outras não. Quando você examina as
que deram certo, foram aquelas em que as políticas
fiscal e monetária trabalharam juntas, e você cortou
o déficit. As que não funcionaram foram as que a
política monetária tentou fazer algo, mas a política
fiscal estava ainda amortecendo. Acho que essa é
minha reflexão central que junta a experiência dos
anos 1980 com a atual.
Valor: Então a política fiscal é a chave para ter a
inflação baixa e estável?
Cochrane: Sim. Mas aí você vai me dizer: “Você
está brincando, estamos com déficits enormes!”.
Certo, a política fiscal está se saindo bem apenas
porque os juros estão tão baixos e os governos são
capazes de tomar dinheiro emprestado tão barato.
Mas isso pode desaparecer rapidamente, como a
pobre Grécia descobriu. Acho que agora só estamos
bem em grande parte porque os investidores em
títulos públicos estão querendo acreditar que,
cedo ou tarde, os governos vão pagar as suas
dívidas. Mas, se eles mudarem de ideia, estaremos
encrencados mais cedo do que a maior parte das
pessoas acredita.
Valor: Muita gente tem prestado atenção para a
ideia discutida em seu trabalho de que estamos
vivendo num mundo muito particular em que
subir os juros levaria a uma inflação maior. O
senhor poderia nos explicar isso?

FGV DIREITO RIO 145


ECONOMIA

Cochrane: Eu mesmo estou me debatendo


com essa ideia, tenho que reconhecer. Mas,
como economista, tenho que trabalhar com
os fatos. Essa é a ideia: talvez estejamos todos
condicionados a pensar que juros mais altos
significam inflação mais baixa, e juros mais
baixos, inflação mais alta. Mas sabemos que,
no longo prazo, que juros mais altos andam
junto com inflação mais alta. No Brasil, por
exemplo, quando você tem inflação mais alta,
você também tem juros mais altos, certo?
Valor: É o que costuma acontecer.
Cochrane: Então vamos juntar as peças. O que
vimos nos Estados Unidos e no exterior depois
da crise financeira são juros muito baixos e
inflação que é muito estável. Isso sugere que a
inflação é estável ao redor da taxa de juros. Isso
de certa forma leva a que, se temos a taxa de juros
estável de 5%, a inflação terá que subir para se
igualar à taxa de juros. É o que se depreende
apenas da observação da estabilidade. Talvez
isso seja algo apenas de longo prazo, talvez seja
um mergulho temporário na direção contrária,
algo que meu trabalho discute um bocado. Mas
o fato de que no longo prazo uma taxa de juros
mais alta vai junto com uma inflação mais alta
é uma consequência lógica da estabilidade que
vemos hoje. Não sei se acredito nisso, mas de
certa forma estou sendo compelido pela lógica
do que eu estou vendo.

FGV DIREITO RIO 146


ECONOMIA

Cochrane diz que não aconselharia o Fed (na foto)


a seguir suas descobertas: seu trabalho deve ser
visto como alerta de que os BCs sabem menos do
que pensam sobre os juros — Foto: Bloomberg
Valor: O senhor seria capaz de aconselhar bancos
centrais com base nessas investigações?
Cochrane: De novo, tenho que ter um pouco de
recato científico nesse ponto. Procuro empregar em
mim mesmo o que eu cobro de outros economistas.
Acho que muitos dos meus colegas são muito
rápidos em dizer: “Vejam, meu último trabalho
para discussão diz que a Lua é feita de cream-cheese!
Então, vamos enviar aspiradores à Lua para trazer
para Terra todo aquele cream-cheese!”. Esse é o meu
último trabalho para discussão, eu passo minha vida
pensando sobre essas coisas. Acho que a conclusão
é uma consequência lógica. Mas não vou entrar na
armadilha de recomendar ao Federal Reserve que dê
um mergulho no meu último trabalho.
Valor: Como o Federal Reserve deve agir, agora que
está em curso um processo de lenta alta de juros?
Cochrane: Como disse, quero evitar dar conselhos
para o Federal Reserve naquilo que eles fazem. Mas
acho que, seja lá o que fizerem, é importante que
o façam de forma previsível. Também sugeriria
ao Fed parar de falar tanto, seja lá o que fizerem,
baixar ou subir a taxa de juros.
Valor: Mas teria alguma recomendação mais geral
aos bancos centrais?
Cochrane: Acho que é bastante claro a partir de
meu trabalho e de outros que os bancos centrais
entendem o sistema em que operam muito menos
do que pensam. Eles operam como se todo mundo
soubesse que alavanca está conectada a cada
resultado. Isso é absolutamente falso. Então diria:
olhe, há uma forte chance de que, quando você vira
o volante para a direita, o carro vai para a direita, não
para a esquerda, como você acredita. Quando você
sobe os juros, tem uma forte possibilidade de que na
verdade você vai subir a inflação. Não posso garantir
o que você vai encontrar pela frente, não vou falar
para você conduzir com certeza em alguma direção.

FGV DIREITO RIO 147


ECONOMIA

Acho que esse é um argumento para, pelo menos,


os bancos centrais serem muito menos ativos, no
sentido de ser menos reativos a cada nova peça de
informação. Os banqueiros centrais não sabem
como essas coisas realmente funcionam. Há uma
grande chance de que você se amarrou na direção
errada. Vá devagar.
Valor: O que é preciso estudar para descobrir como
as coisas realmente funcionam em política monetária?
Cochrane: Estamos numa situação muito
afortunada. Discutimos muito sobre política
monetária. Mas, nos Estados Unidos, podemos
até não saber como as coisas funcionam, mas as
coisas que esperamos da política monetária saíram
perfeitas. A política monetária deve buscar inflação
baixa, juros baixos e o máximo de emprego que
o dinheiro é capaz de dar. Quando checamos os
itens dessa lista, temos todos os três. Está certo que
a economia está andando devagar demais, mas o
dinheiro é capaz de lhe dar alguns meses, um ano,
dois anos. Dinheiro é como um cappuccino, dá
uma energia para ir levando por um tempo, mas
ao meio-dia você está com sono de novo. Mais
cappuccinos não vão te segurar numa maratona.
Valor: O que vai segurar?
Cochrane: O crescimento econômico tem que vir
das reformas estruturais. Não estamos numa crise
da política monetária. Temos tempo para descobrir
como ela funciona. Mas diria que estamos gastando
muito tempo com o foco na coisa errada, que é
subir e baixar as taxas de juros. As grandes coisas
na política monetária são as coisas estruturais.
Regular os bancos, medidas macroprudenciais,
definir se os bancos têm que manter um balanço
muito grande, decidir se quem paga a conta será
eu e você. São temas mais importantes, eu acho.
Valor: O que o senhor recomendaria para o Brasil
baixar a taxa de inflação e nossos juros muito altos?
Cochrane: Não sei muito sobre o Brasil. Qual é a
situação?
Valor: Os juros básicos estão em 13% ao ano.
Cochrane: E a inflação?

FGV DIREITO RIO 148


ECONOMIA

Valor: Estava perto de 11%, agora caiu para pouco


mesmo que 5,5%.
Cochrane: Uau!
Valor: Alguns têm sugerido que, se cortarmos os
juros, a inflação vai baixar.
Cochrane: Obrigado por levantar esse ponto.
Eu desaconselharia isso veementemente. Existe
um perigo. Certamente, a teoria que estamos
trabalhando diz que você pode baixar a inflação no
longo prazo com taxas de juros mais baixas, desde
que você tenha uma política fiscal sólida como
uma rocha. Quando todo mundo acredita que o
governo está fazendo um bom trabalho. Entendo
que o governo brasileiro não tem uma política
fiscal sólida como uma rocha, não é?
Valor: O governo tomou medidas para limitar os
gastos públicos, mas ainda assim a dívida bruta
deverá subir a 80% do Produto Interno Bruto
(PIB) antes de se estabilizar e cair.
Cochrane: Então eu diria que uma boa parte dos
juros é um prêmio de risco, no sentido de que
as pessoas estão preocupadas de que a inflação
poderá subir rapidamente, de que poderá haver
uma forte e repentina desvalorização da moeda ou
estão preocupadas com algum tipo de aumento de
impostos. Estão preocupadas. A visão neofisheriana
é a descrição apenas de uma economia muito
tranquila, onde tudo está funcionando muito
bem. De fato, a causa desses problemas não
necessariamente está no Banco Central.
Valor: Onde estaria?
Cochrane: Alguns dos melhores exemplos de
vitória contra a inflação, num reconhecido estudo
do economista Thomas Sargent, ocorrem quando
você resolve o problema fiscal. Então a inflação
cai, e a taxa de juros cai também. A inflação baixa
consistentemente, mas apenas porque você resolveu
o problema fiscal. Por isso acho que, se o Banco
Central baixar os juros sozinho sem resolver o
problema fiscal, com todo esse medo que as pessoas
tem da inflação, desvalorizações cambiais e aumento
de impostos, provavelmente não iria funcionar.

FGV DIREITO RIO 149


ECONOMIA

No Brasil, André Lara Resende tem publicado inúmeros artigos


questionando a teoria quantitativa da moeda e relativizando o rigor
da política fiscal quando o país não possui dívida elevada em moeda
estrangeira. Sobre o tema, o economista concedeu entrevista ao Jornal
Valor Econômico160:

Livro de André Lara Resende reúne ensaios que


criticam visão dominante da teoria econômica
André Lara Resende reúne, em livro, ensaios que
criticam a visão dominante da teoria econômica:
“Estávamos errados”
Por Diego Viana e Robinson Borges — De São Paulo
07/02/2020 05h01 Atualizado 2020-02-07
T14:39:57.923Z
Desde 2017, os artigos do economista André Lara
Resende publicados no Valor têm sido alvo de
controvérsias. Suas críticas à política de juros e à teoria
macroeconômica que embasam decisões e análises
no Brasil geram reações em outros economistas,
provocando debates duradouros. Suas opiniões sobre
a natureza da moeda e o peso da dívida pública vão
na contramão das teorias mais tradicionais.
Em “Consenso e Contrassenso: Por uma Economia
Não Dogmática”, livro lançado hoje pela
Portfolio-Penguin, o economista retoma os artigos
publicados no ano passado e vai além. Relembra a
própria trajetória como pesquisador e investidor,
sua participação na elaboração dos planos Cruzado
e Real e na negociação da dívida externa. O título
do livro é extraído do primeiro artigo publicado
no ano passado, que tratava das transformações na
macroeconomia desde a crise de 2008. Com seu
subtítulo, “Déficit, Dívida e Previdência”, o ensaio
anunciava que as relações entre o endividamento
público e a evolução do déficit fiscal não ocorrem
do modo como se costumava pensar.
Sem inflação e sem dívida externa, o país está
paralisado, preso a uma armadilha ideológica
imposta pelos cânones de uma teoria anacrônica”
Coautor dos artigos que introduziram a noção 160
Disponível em: https://valor.globo.
com/eu-e/noticia/2020/02/07/livro-
de inflação inercial e contribuíram para formular de-andre-lara-resende-reune-ensaios-
o Plano Real, o economista é crítico da política que-criticam-visao-dominante-da-
teoria-economica.ghtml. Acesso em
de juros implementada no país desde 1994. 09.02.2020.

FGV DIREITO RIO 150


ECONOMIA

A Selic alta não contribuiu para segurar a inflação


e ainda teve impacto na dívida pública e no baixo
crescimento. Assim, a recente redução dos juros
pelo Banco Central é vista como uma correção de
rumos, embora tardia.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista
de Lara Resende ao Valor:
Valor: No ano passado, seus artigos geraram uma
cascata de respostas e réplicas. Como o senhor
avalia o debate suscitado, em termos de qualidade
e pertinência?
André Lara Resende: Interpreto isso como sinal de
que tocaram num ponto nevrálgico. Como digo na
introdução de meu novo livro, depois de dois anos
de profunda recessão, 2015 e 2016, a economia
brasileira continua estagnada. Enquanto a renda
da China é hoje 18 vezes o que era há 40 anos, a
brasileira não chega ao dobro do que era em 1979.
A distância entre o Brasil e os países avançados
não se reduziu. Pelo contrário, aumentou. Não foi
possível superar o fosso que separa o Brasil rico
e moderno do Brasil onde impera a miséria e a
desesperança. Sem inflação e sem dívida externa,
o país está paralisado, preso a uma armadilha
ideológica imposta pelos cânones de uma teoria
macroeconômica anacrônica.
Valor: Um dos pontos controversos de seus ensaios
é a afirmação de que a restrição financeira do
Estado é política e não econômica. Qual é o peso
político-ideológico nessa questão?
Lara Resende: A questão de que um Estado
emissor de moeda fiduciária não tem restrição
financeira é de lógica. E não é novidade. Está em
[John Maynard] Keynes. Enquanto a moeda era
lastreada, metálica, obrigava o Estado a ter certa
restrição. E toda vez que o Estado precisava,
por questões de força maior - quase sempre
em caso de guerra ou depois no caso de crises
bancárias -, modificava a quantidade de lastro
da moeda para emitir mais. Nos últimos anos,
especialmente após a crise de 2008, houve uma
obsessão com a ideia do equilíbrio orçamentário.

FGV DIREITO RIO 151


ECONOMIA

Mas sempre foi política. Nos EUA, por exemplo,


por anos o Partido Republicano foi obcecado com
o desequilíbrio do orçamento fiscal. Enquanto o
Partido Democrata foi mais tolerante. O que é
impressionante é o dogmatismo com que a passou
a ser defendida.
Valor: Como o senhor analisa essa questão?
Lara Resende: Como menciono num dos artigos
do livro, chegou-se a afirmar a ideia de austeridade
expansionista, o que é uma contradição em termos.
Ao contrair o gasto fiscal, você faria a economia
se expandir. Depois da irresponsabilidade com
que os gastos fiscais foram feitos na gestão do PT,
especialmente no [governo] Dilma e no segundo
mandato do Lula, houve uma espécie de estresse
pós-traumático. Qualquer coisa que se fale sobre
aumentar gastos públicos é percebida como se fosse
estapafúrdia. Na verdade, ter certa disciplina fiscal
é sempre desejável. Em todos meus artigos sempre
digo isso. Existe uma restrição efetiva, que é a
capacidade instalada da economia e do emprego.
Se começar a pressionar os limites, começa a pôr
pressão, [provoca] desequilíbrio externo. Cria
redução de superávit no balanço de pagamentos,
balança comercial e, eventualmente, começa a ter
pressões inflacionárias. Existem restrições? Existem,
mas não é uma questão financeira, sempre e a
qualquer custo, do equilíbrio fiscal e financeiro.
Valor: Para o senhor, essa visão traz efeitos para
o Brasil, que não faria investimentos necessários?
Lara Resende: Em momentos como o Brasil de
hoje, que está com muita capacidade ociosa,
grande desemprego e profundas necessidades
de gastos públicos - infraestrutura, saneamento,
saúde, educação, segurança -, é fundamental poder
fazer esses gastos. É melhor para a confiança e para
atrair investimentos privados internos e externos
do que a ideia de uma obsessão de equilibrar o
orçamento a qualquer custo, no curto prazo.
Valor: O senhor argumenta haver uma espécie de
retórica “científica” dos economistas para poder
fazer um contrapeso ao poder de um Estado,
demagogo, que estaria “livre para gastar demais”...

FGV DIREITO RIO 152


ECONOMIA

Lara Resende: Como digo no meu ensaio sobre


a moeda e a política, a questão é que sempre
houve uma tensão permanente. Ao reconhecer
que o Estado emissor da moeda não tem restrição
financeira, há sempre o risco de o Estado gastar
de forma conspícua, favorecendo a própria corte,
a aristocracia e seus ocupantes. O risco de o
Estado gastar mal, ser um Estado corporativista,
defendendo os interesses dos seus funcionários e
dos donos do poder sempre existirá e é preciso
controlá-la. Uma forma de controlá-la foi a ideia
de que a moeda emitida pelo Estado tivesse lastro
metálico. Mas isso criava “iliquidez”, o que era
prejudicial para a economia. Sempre houve essa
contradição. No século XX, para efeitos práticos,
terminou o padrão-ouro, as moedas são fiduciárias,
não tem mais como impor ao Estado essa restrição.
Inventou-se então a teoria quantitativa da moeda,
cujo grande defensor foi Milton Friedman, na
Universidade de Chicago, dizendo: “Embora não
haja necessidade do lastro para emitir moeda, não
se pode emitir mais moeda do que o crescimento
da renda nominal - a teoria quantitativa da
moeda -, senão vai causar inflação. Isso nunca foi
empiricamente correto, mas foi muito aceito.
Valor: A crise de 2008 teve um peso na revisão
dessa teoria?
Lara Resende: Com o quantitative easing
[afrouxamento monetário], a expansão monetária
que todos os bancos centrais dos países
desenvolvidos fizeram depois da crise de 2008,
isso [a teoria dominante] foi completamente
desmoralizado. Veste-se como uma coisa técnica,
com cientificidade, uma restrição que é uma
restrição exclusivamente política. Essa exigência do
equilíbrio fiscal é contraproducente em momentos
de recessão e em momentos em que há necessidade
de investimentos em infraestrutura. É o caso do
Brasil, que está com infraestrutura “colapsada”.
Tudo o que falta ao Brasil são serviços públicos
de qualidade, são gastos públicos e investimentos
de qualidade, e o Brasil está de mãos atadas.

FGV DIREITO RIO 153


ECONOMIA

Quando você diz que o Estado não tem restrição


financeira, assusta aqueles que consideram que
o Estado não pode fazer e nunca fará nada certo.
Precisa restringir ao máximo o Estado.... E é música
para os ouvidos daqueles que acham que o Estado
nunca faz nada errado. A direita tem horror e a
esquerda fica fascinada. Os dois não estão corretos.
O Estado pode fazer coisas certas e coisas erradas.
Ter certa disciplina fiscal é sempre desejável. Existe
uma restrição efetiva, que é a capacidade instalada
da economia e do emprego”
Valor: Qual é o papel do Estado?
Lara Resende: Não há saída para o mundo
contemporâneo sem um Estado competente e
eficiente, produtivo, que entenda o espaço, que
gaste e trabalhe a favor da população. O Estado é
para defender o interesse público, o bem público,
não o interesse corporativista dos seus ocupantes,
os interesses eleitorais ou demagógicos dos donos
do poder no momento. O fato de estarmos numa
democracia representativa e de termos visto abuso de
gasto do Estado não é razão para inventar restrição.
Valor: O senhor considera que moeda é um bem
público indissociável do poder e das instituições, e
não uma criação espontânea dos mercados?
Lara Resende: Para o [professor da London School
of Economics] David Graeber, autor de “Debt”,
o mito fundador da economia contemporânea é a
ideia de que a moeda é uma criação espontânea dos
mercados. Uma economia funcionando como uma
economia de escambo é uma economia exatamente
como a nossa, contemporânea, só que não tem
moeda, só escambo. Então cria-se uma mercadoria
que vira de aceitação geral, a moeda. O Graeber
mostra que isso nunca foi verdade. Você só começa
a criar a ideia de troca, de mercado, quando cria
a moeda. E só se cria moeda quando tem um
poder central: o Estado. Não existe mercado sem
a moeda e não existe moeda sem Estado, logo não
existe mercado sem Estado. O que cria mercado
competitivo e competente, produtivo, é um Estado
competente e com consciência da importância do
mercado competitivo.

FGV DIREITO RIO 154


ECONOMIA

Valor: Ao falar do papel do Estado, o senhor


considera que a democracia representativa precisa
ser repensada?
Lara Resende: Tem de resolver o problema do
Estado, um problema político. Como se organiza
uma democracia representativa no mundo
contemporâneo, com mídia social, internet? A
democracia representativa no século XX, dos
“founding fathers”, tinha a ideia de que o Estado
contemporâneo tem que ser tocado pela elite,
como sempre foi no mundo. Essa elite deixou de
ser, no século XX, uma elite aristocrática, portanto
de sangue, para ser uma elite de competência, mas
é elite. Questões de Estado são complicadas demais
para serem tocadas por assembleias populares.
Então, a democracia é representativa. Você pode
mudar entre diferentes grupos da elite, que estão
representando interesses diferentes, ou visões de
mundo ligeiramente diferentes sobre a sociedade,
não podem ser muito diferentes senão a coisa não
funciona, mas é o que acontece. Quando você
desmonta essa estrutura e passa a ter uma ideia
de caminhar em direção a uma democracia direta,
“assembleísta”, cria os problemas que o mundo
enfrenta. A defesa foi o Estado ser ocupado por
tecnocráticos, a independência do Banco Central,
a Comissão Europeia. Os políticos são eleitos, mas
não mandam mais nada.
Valor: Qual é o efeito desse fenômeno?
Lara Resende: Hoje os eleitores percebem que
elegem políticos que não mandam nada e, como
eles não mandam nada, passaram a defender seus
interesses corporativistas e, portanto, interesses
corporativistas cada vez mais corruptos. Os eleitores
ficam indignados com essa percepção, consciente
ou inconscientemente, de que “a democracia está
parecendo uma farsa”, e é essa tentação populista,
da ideia de “contra”, que é o Trump nos Estados
Unidos, contra o “pântano” de Washington,
e no Brasil, que é o bolsonarismo, contra “o
establishment político”, que é “corrupto”. “Nós é
que vamos fazer isso diretamente, de uma forma
autoritária, diretamente representando o povo.”

FGV DIREITO RIO 155


ECONOMIA

Valor: Na sua opinião, por que muitos economistas


reagiram aos seus artigos da forma como fizeram?
Lara Resende: Primeiro, os economistas do
“mainstream”, a visão dominante no Brasil, são
fiscalistas. A ideia é fazer o ajuste fiscal e deixar
que a confiança, os investimentos privados e os
investimentos estrangeiros façam tudo o que for
necessário para a economia. Isso é um liberalismo
completamente equivocado. Eu me considero
um liberal, mas isso é uma versão ingênua e
profundamente equivocada de como funciona
a economia. Segundo, minha crítica é muito
profunda sobre a macroeconomia mainstream.
Estou dizendo: toda a macroeconomia está
construída sobre bases equivocadas. Isso é
perturbador para economistas com essa formação,
como a minha. Só que você tem de reconhecer:
estávamos errados. Como os economistas,
principalmente os macroeconomistas, se tornaram
homens públicos - na verdade políticos, fazem
política, embora pretendam estar fazendo ciência
-, isso ameaça a legitimidade para se expressar na
vida pública. A questão é: a macroeconomia estava
errada. Circunstancialmente funcionou durante
certo tempo.
Valor: O que mudou?
Lara Resende:Desde o fim do século passado ela
não é mais adequada para explicar o funcionamento
da economia. A economia hoje é de puro crédito,
a visão de moeda creditícia é incompatível com a
da teoria monetária do início do século passado.
Existe, portanto, uma razão política e uma ameaça
sobre a estrutura teórica da macroeconomia,
que fundamenta a sua legitimidade de opinar na
política.
Valor: Quando o crescimento começou a voltar
nos EUA, o Fed reverteu o QE, mas a economia
voltou a desacelerar e o portfólio do Fed subiu
novamente. Em 2013, o senhor se referia ao QE
como “um grande ponto de interrogação”. O
que aprendemos com ele, além do fato de que o
aumento da base monetária não traz inflação?

FGV DIREITO RIO 156


ECONOMIA

Lara Resende: O QE não provocou inflação, como


previa a ortodoxia monetária, mas não foi capaz de
estimular o crescimento. Para isso, seria necessário
fazer uso de uma política fiscal keynesiana, reduzir
impostos e expandir os investimentos públicos,
sem preocupação com o equilíbrio orçamentário.
Quando a taxa de juros está próxima de zero, o custo
da dívida pública é insignificante. Investimentos
públicos na infraestrutura e em outras áreas que
estimulem a produtividade não correm o risco de
elevar de forma permanente a relação da dívida
com o PIB. Infelizmente, também nas economias
avançadas, o dogma do equilíbrio fiscal prevaleceu.
Quando o governo de Donald Trump, por outras
razões, finalmente cortou os impostos, a recuperação
da economia se consolidou e o desemprego chegou
ao seu mínimo histórico, sem qualquer indício de
inflação. A inflação é uma questão de expectativas
coletivas. Uma vez ancoradas, são mais estáveis do
que se imaginava.
Valor: No livro, o senhor também contesta a tese
de que a dívida pública é um ônus a ser arcado
pelas gerações futuras como muitos economistas
advogam. Por quê?
Lara Resende: Isso é um equívoco lógico. Para
ficar claro, a dívida pública é interna, não
externa. Quem é o detentor da dívida pública
interna? São os credores, o próprio país. Os
devedores são aqueles que vão pagar, no futuro,
os impostos, os contribuintes. Quem são os
credores? São os detentores da dívida pública.
Quem são os detentores da dívida pública? Os
agentes superavitários. Então, existe um elemento
distributivo na dívida pública. Quando a dívida
pública é justificável? Se você emitiu dívida pública
para fazer investimentos que beneficiam a todos,
inclusive aos mais pobres, é razoável. Sempre serão
os agentes superavitários que vão deter a dívida
pública, e esses agentes superavitários tendem a ser
um dos mais ricos nos países muito injustos, mas
são fundações, todos os fundos de aposentadoria
- que não necessariamente são superavitários;
são poupadores, que detêm a dívida pública.

FGV DIREITO RIO 157


ECONOMIA

O errado é perceber a dívida pública como ameaça,


quando a dívida pública é uma dívida de nós com
nós mesmos. Então, tem efeitos sobre como os
gastos que foram financiados com a emissão dessa
dívida pública são feitos. O mais importante é que
sejam benfeitos, que beneficiem a produtividade
e o bem-estar de todos, portanto os serviços
públicos, investimento em infraestrutura, saúde,
educação, segurança
Valor: Depois do efeito distributivo não pode ficar
um ônus fiscal?
Lara Resende: Só haverá ônus fiscal, como disse
num artigo, se a taxa de juros da dívida pública
for muito superior à taxa de crescimento da
economia. Se não for, não haverá ônus, o próprio
crescimento resolve a questão do pagamento dos
juros da dívida. Outra questão é: não há razão
nenhuma para ter, por períodos prolongados, a
taxa de juros real da dívida pública, a taxa básica,
que é totalmente controlada pelo Banco Central,
acima da taxa de crescimento da economia. Você
não tem problema nenhum em emitir dívida
pública, desde que você garanta que a taxa de juro
real não será superior, por muito tempo, à taxa de
crescimento da economia. Com isso, você não terá
crescimento da razão dívida-PIB. Como hoje no
mundo todo as taxas de juro são praticamente zero,
a taxa real zero, até negativa em tantos países, e a
taxa de crescimento, embora baixa, 1,5%, 2,5%, é
muito superior, então não há restrição nenhuma
para emissão de dívida pública.
Valor: Isso se aplica ao Brasil também?
Lara Resende: Isso vale para o Brasil também.
Agora a taxa de juro no Brasil ainda é positiva,
mas já vi duas entrevistas de gestores dizendo que
o Banco Central está criando uma bolha. Qual é
o problema? Se criar, corrija o mercado acionário.
Bolha na bolsa brasileira, isso é irrelevante. Agora,
a grande mídia tende a olhar, a só responder a
essa visão, que é a visão da bolsa, a visão da Faria
Lima. Essa visão é monolítica, sem um instante
de reflexão.

FGV DIREITO RIO 158


ECONOMIA

Valor: O Brasil vivenciou, nos últimos anos,


uma queda da inflação e dos juros. É duradoura?
Como aponta no livro, a explicação para a inflação
deve ser buscada no longo prazo; esta desinflação
também reflete processos de longo prazo?
Lara Resende: O Banco Central, na gestão de
Roberto Campos Neto, finalmente se deu conta do
equívoco que era manter a taxa de juros básica nos
níveis absurdamente altos em que foram mantidas
desde o Plano Real. Sobretudo diante do desemprego
e do alto nível de capacidade ociosa observados
desde a recessão de 2014 e 2015, a política de juros
do Banco Central era absolutamente injustificável.
Tenho a impressão de que a alta taxa de juros
apenas agravou o desequilíbrio fiscal e desestimulou
o investimento, sem, já há muito anos, dar qualquer
contribuição para o controle da inflação.
Valor: O senhor criticou a resposta do governo
brasileiro à crise em 2008 como “oportunidade
perdida para baixar os juros”. Corrigiu-se o erro
daquele momento?
Lara Resende: Sim, corrigiu-se com mais de dez
anos de atraso e com um altíssimo custo em termos
de investimentos, do crescimento e do aumento da
relação da dívida com o PIB.
Valor: Comentando o período prolongado de juros
baixos no mundo desenvolvido, o ex-secretário do
Tesouro americano Lawrence Summers se referiu
a um “buraco negro dos juros”. Essa situação tende
a se perpetuar?
Lara Resende: A convivência com juros muito
baixos e até mesmo negativos é uma situação nova
e inusitada. Não é o caso do Brasil, que, apesar
da queda recente, ainda tem juros reais positivos.
O experimento da expansão de reservas bancárias,
ou seja, de emissão de moeda, o chamado QE,
promovido pelos principais bancos centrais do
mundo desenvolvido, sem que houvesse sinal de
volta da inflação, comprovou quão equivocada
estava a teoria monetária dominante. Qual o efeito
a longo prazo de juros negativos e se vão continuar
muito baixos por muito tempo é difícil dizer.

FGV DIREITO RIO 159


ECONOMIA

Mas estou entre os que acreditam que os juros


serão bem mais baixos no futuro do que foram no
século passado.
Valor: A ideia de que a correlação entre juros e
inflação é oposta ao que crê tradicionalmente a
economia faz pensar na expectativa de inflação
no Brasil, que voltou a subir no fim de 2019. Se
a causalidade é inversa ao que se pensava, subir
os juros para responder a uma eventual alta da
inflação seria um erro?
Lara Resende: A conjectura, levantada originalmente
[pelo economista] John Cochrane, de que a relação
entre a taxa de juros básica e a inflação pudesse ser
positiva, e não negativa como sempre supôs a teoria
macroeconômica, não é tão estapafúrdia quanto
pode parecer. Apesar de, no curto prazo, o juro
alto desestimular a demanda e moderar as pressões
inflacionárias, se mantido por muito tempo, induz
os agentes a inferir que o BC, que é quem mais tem
informação sobre a inflação futura, espera que ela
seja alta. A taxa de juros básica, assim como a taxa de
câmbio e os salários, seria, assim, um dos principais
preços balizadores das expectativas de inflação. A
inflação no Brasil acompanhou a queda da taxa de
juros e as expectativas parecem ancoradas. Não há
motivo para especular sobre uma eventual alta da taxa
de juros apenas porque a inflação nos últimos meses
do ano passado ficou ligeiramente acima do esperado.
Valor: Com a reforma da Previdência quase
concluída, como ela se encaixa no que o senhor
esperaria de uma reforma dessas?
Lara Resende: Com o envelhecimento da
população e o aumento da expectativa de vida,
o sistema previdenciário de repartição se torna
deficitário e precisa ser revisto. O problema
ocorre no mundo todo, não apenas no Brasil.
Além de deficitária, a previdência brasileira
é injusta, porque o funcionalismo público,
em todos os níveis e nas diferentes esferas do
Estado, tem aposentadorias incomparavelmente
mais generosas do que o trabalhador do setor
privado, que se aposenta pelo INSS, regido pelo
RGPS [Regime Geral da Previdência Social].

FGV DIREITO RIO 160


ECONOMIA

A atual reforma, focalizada primordialmente


no RGPS, além de não constituir uma solução
definitiva, não enfrentou o corporativismo
do funcionalismo. Manteve seus privilégios
praticamente intactos.
Valor: O senhor foi um dos primeiros economistas
brasileiros a demonstrar interesse pela Teoria
Monetária Moderna (MMT). Poderia contar
sobre como conheceu essa corrente?
Lara Resende: Apesar do nome, a MMT nada tem
de nova. Recupera uma longa tradição na história
da teoria da moeda, que Joseph Schumpeter, na
sua “História da Análise Econômica”, chamou
de teorias creditícias da moeda. A essência da
moeda é ser uma unidade contábil de créditos e
débitos entre os agentes da sociedade. A MMT
recuperou as teorias creditícias da moeda e, por
isso, não comete os equívocos dos que insistem em
ver a moeda como mercadoria. É uma descrição
muito mais realista do funcionamento dos bancos
centrais e dos mercados financeiros num sistema
de moeda fiduciária, como são todos os sistemas
monetários contemporâneos.
Valor: Se gastos públicos, taxação e outras variáveis
são cruciais, como no caso da MMT, então a
macroeconomia começa a se parecer com um ramo
da ciência política. É ilusório pensar a economia
como um campo autônomo?
Lara Resende: É completamente equivocado
pensar a economia como um campo autônomo.
Até o século XIX a economia era um campo da
filosofia. Foi a partir do fim do século XIX e o
início do século XX que a teoria econômica se
separou das demais ciências sociais e históricas.
Adotou, então, a formulação e a metodologia
que hoje lhe são características. O aparente rigor
analítico lhe permitiu se arvorar como uma
disciplina, mais do que independente, superior às
demais ciências humanas. Basta um segundo de
reflexão para concluir que questões como quanto
e como tributar, onde e como investir recursos
públicos, têm um inescapável componente político.

FGV DIREITO RIO 161


ECONOMIA

Mas não apenas as questões tributárias e


monetárias são eminentemente políticas, toda
e qualquer questão econômica não pode ser
analisada fora do seu contexto político e social.
Valor: O senhor sugere que, na última década,
os bancos centrais fizeram política fiscal
veladamente. E o senhor marca a diferença entre
essa política fiscal e a que é feita pelo Executivo:
são compras de ativos, não investimentos em
infraestrutura ou transferências. Trata-se de
uma transferência de soberania para os BCs?
Lara Resende: Quando os bancos centrais
expandem a base monetária, como fizeram com o
QE, para adquirir ativos, desalavancar os bancos
e impedir o colapso do sistema financeiro, estão
fazendo um misto de política fiscal e monetária.
Estão financiando gastos públicos para adquirir
ativos financeiros. Não salvaram apenas o sistema
financeiro, mas provavelmente toda a economia
mundial de um colapso sem precedentes.
De toda forma, se é possível expandir gastos
extraorçamento fiscal para uma emergência
como essa, cabe sempre a pergunta: por que
não também expandir gastos extraorçamentários
para outras questões vitais que contribuam para
o aumento da produtividade e do bem-estar? A
exigência de que se equilibre o orçamento fiscal
é uma restrição autoimposta que se justifica
para evitar a tentação de gastos irresponsáveis,
demagógicos e até mesmo corruptos, mas
acaba sendo uma camisa de força que impede
gastos plenamente justificáveis. Como definir
tais gastos justificáveis e como evitar os
injustificáveis? Não é uma questão simples,
sobretudo nas democracias representativas, mas
é algo que precisa ser urgentemente examinado.
O custo do equilíbrio fiscal mantido a ferro
e fogo, como se fosse um imperativo natural,
muitas vezes é excessivo.

FGV DIREITO RIO 162


ECONOMIA

Valor: Qual é sua visão sobre o Green New Deal?


Um programa de investimentos tão ambicioso é
viável atualmente?
Lara Resende: Acho importante que seja discutido
com seriedade.
Valor: Sobre os modelos DSGE [dinâmicos
estocásticos de equilíbrio geral], o senhor
comenta que, depois da crise, finalmente começou
uma tentativa de introduzir neles a finança e a
moeda. Quão longe foi esse esforço? A mudança
provocou grandes transformações nos resultados
e nas conclusões da macroeconomia?
Lara Resende: Com a grande crise financeira das
economias desenvolvidas de 2008, o irrealismo dos
modelos macroeconômicos, nos quais não havia
moeda, nem sistema financeiro, ficou patente e
se tornou insustentável. Houve, realmente, um
esforço da teoria predominante para incorporar
o sistema financeiro e tentar dar um toque de
realismo aos modelos. Mas, como insistem em
partir de uma concepção equivocada da moeda e
a privilegiar a formalização matemática, os novos
modelos acrescentaram muito pouco à capacidade
de formulação de políticas públicas.
Valor: Há alguns anos, o senhor se lamentava
que a macroeconomia tinha virado uma “área
menor da matemática aplicada”, porque não
incorporava problemas de ordem social e
política. Isto está mudando?
Lara Resende: É verdade. A teoria macroeconômica,
na busca de se equiparar às ciências da natureza,
adotou uma excessiva formalização matemática.
Levada ao paroxismo, a macroeconomia
hoje ensinada aos alunos de doutorado nas
principais universidades americanas, que ainda
servem de referência acadêmica, perdeu toda a
capacidade de representar a realidade complexa
das questões econômicas que são indissociáveis
de suas dimensões psicológicas, políticas e
sociais. Tornou-se, de fato, uma área menor da
matemática aplicada.

FGV DIREITO RIO 163


ECONOMIA

Com visão distinta, José Julio Sena contrapõe a tese de André Lara
Resende, em artigo publicado no mesmo Jornal Valor Econômico161:

Taxa de juros e inflação


Por José Júlio Senna, Para o Valor — Valor
10/02/2017 05h00 · Atualizado
Taxa de juros é assunto polêmico em nosso país,
provavelmente mais do que em qualquer outro.
As discussões têm a ver com o elevado nível de
juros reais que há tempos se pratica no Brasil.
Recentemente, as atenções se voltaram para esse
tema, com ímpeto renovado, em decorrência de
dois artigos de André Lara Resende publicados no
Valor.i Nesses artigos, sustentou-se que, não apenas
em outras economias, mas principalmente no Brasil,
as autoridades monetárias têm feito uso de teorias
erradas.E isso as tem levado a conduzir a política
monetária de maneira igualmente incorreta.
Aceitas as ideias defendidas nos referidos
artigos, caberia ao Banco Central do Brasil
aliviaria as contas públicas e derrubaria a
inflação. É fácil imaginar o entusiasmo gerado
por essa possibilidade.
A base teórica para a prescrição de política
contida nos artigos é um trabalho acadêmico
desenvolvido por John Cochrane. ii São dois os
modelos tradicionais criticados por Cochrane:
o monetarista e o neokeynesiano. No primeiro
caso, a variável de controle é o volume de
moeda; no segundo é a taxa básica de juros.
Para concluir pela inadequação do primeiro
enfoque, o autor alega que, a partir de 2008
o estoque de moeda aumentou enormemente
pela adoção de programas de compra de ativos,
conhecidos por “quantitative easing” (QE), mas a
inflação não explodiu, como seria de prever. Para
concluir pela inadequação do segundo, Cochrane
raciocina que, segundo o modelo, quando o juro
básico chegasse a zero, como aconteceu em alguns
lugares, sobreviria um processo deflacionário.
Mas também aqui a previsão teria falhado, pois a 161
Disponível em: https://valor.globo.
com/eu-e/coluna/taxa-de-juros-e-
inflação se estabilizou, perto de zero. inflacao.ghtml. Acesso em 09.02.2020.

FGV DIREITO RIO 164


ECONOMIA

Para explicar as baixas e estáveis taxas de


inflação observadas nos últimos anos segue
a argumentação - e, ao mesmo tempo, evitar
conflito com o fato de que, a curto prazo,
juros e inflação caminham em sentidos opostos,
seria preciso combinar um modelo baseado em
expectativas racionais com a Teoria Fiscal do
Nível de Preços (TFNP). Neste caso, juros
nominais reduzidos, mantidos por longo
período, teriam produzido a inflação baixa
observada em anos recentes nos países ricos. Por
conseguinte, segundo essa complexa construção
teórica, a relação de longo prazo entre juros
e inflação seria o inverso da geralmente
considerada, ou seja, as duas variáveis andariam
na mesma direção. E o sentido da causalidade
seria dos juros para os preços.
Essa linha de argumentação não nos parece
aceitável. Primeiro, porque não apenas as
abordagens teóricas criticadas há décadas
funcionam bem para explicar fenômenos
monetários, como também é possível
reconciliá-las com os resultados observados
após a crise financeira. É fácil constatar que
fenômenos extraordinários ocorridos nesse
período prejudicaram o funcionamento dos
instrumentos monetários clássicos, o que não
os desqualifica para outras situações.
A esse respeito, cabe lembrar a análise de Richard
Koo sobre o Japão. iii Com o estouro da bolha
de ativos ocorrido em 1989-90, muitas empresas
passaram a privilegiar redução de dívida.
Seguraram investimentos e fugiram de novos
empréstimos, mesmo diante de juro zero. Com
isso, pela contração do multiplicador bancário,
quebrou-se a tradicional proporcionalidade
entre base monetária e meios de pagamento.
A expansão desses últimos não teve a mesma
dimensão do crescimento da base, em especial
durante o programa que vigorou de 2001 a
2006, o primeiro QE de que se tem notícia. Pelo
motivo apontado, o programa não funcionou
como esperado.

FGV DIREITO RIO 165


ECONOMIA

A crise financeira recente aparentemente


provocou fenômeno semelhante em grande parte
do mundo desenvolvido. Desta vez, não apenas
empresas, mas também famílias, perceberam-se
excessivamente endividadas, passando a priorizar
o ajustamento patrimonial. Se empresas contraem
investimentos, famílias reduzem o consumo, e
novos empréstimos são rejeitados mesmo a juros
baixíssimos, não há como os meios de pagamento
crescerem na mesma proporção da base. E, sendo
assim, também não há como a inflação “explodir”
em consequência de QE.
Quanto à crítica de que o juro zero não
provocou deflação, cabe notar que o QE e
outras formas de estímulo não produziram
o efeito previsto, mas é razoável supor que
tiveram algum impacto, sustentando a demanda.
Seria esta a razão de não ter havido deflação.
Um segundo motivo para não aceitar a
mencionada linha de argumentação tem a ver
com a causalidade entre juro e inflação e com o
mecanismo por meio do qual a primeira variável
determinaria a segunda . A ideia aqui é que , ao
fixar a taxa nominal de juros , as autoridades
transmitiriam um sinal importante sobre a
inflação futura . Se o fizerem em patamar muito
baixo , perto de zero , as autoridades sinalizariam
que a inflação no futuro também será muito
baixa . O público , então , levaria a inflação
para o patamar sinalizado por acreditar que
o banco central sabe mais do que o resto da
sociedade . Sob certas circunstâncias , é até
possível que funcionasse assim , mas não é o que
devemos esperar . C om frequência , participantes
de mercado questionam sinais dados pelas
autoridades , sendo comuns situações em que
o caminho oficialmente previsto de taxa de
juros , por exemplo , acaba convergindo para
a trajetória estimada pelo mercado , e não o
contrário .
Passemos agora à aplicação desse arcabouço.

FGV DIREITO RIO 166


ECONOMIA

A nosso ver, à semelhança de várias outras, a


presente discussão teórica deveria permanecer
como tal, não cabendo levá-la para o mundo
real. Pensemos, por exemplo, nas propostas
de meta de PIB nominal, ou de meta de nível
de preços. Não faltam simpatizantes dessas
propostas. No entanto, como são ideias de
difícil transposição para o dia a dia, não se
encontram exemplos de países que as tenham
adotado, à exceção da Suécia, que, na época
da Grande Depressão, recorreu a “price-level
targeting”, por meia dúzia de anos. Note-se
que sob essa estratégia o esforço para cumprir
a meta pode requerer a necessidade de se
provocar deflação, algo fácil na teoria, mas de
difícil execução.
A aplicação da teoria à realidade brasileira
parece ainda mais inapropriada. Cochrane
não faz referência a juros reais, aspecto que
verdadeiramente se debate no Brasil. Sua análise
diz respeito a juros nominais. Dependendo
de como se apresente a discussão no Brasil,
transmite-se a ideia de que é possível resolver,
sem custos, tanto o problema da inflação quanto
parte de nossos problemas fiscais, bastando
para isso derrubar a Selic. É inadequado levar
o público e o meio político a acreditarem nessa
possibilidade, em particular quando a sociedade
tem de enfrentar pesada carga de indispensáveis
ajustes macroeconômicos.
De qualquer modo, ao procurar aplicar as
ideias de Cochrane ao caso brasileiro, André
Lara lembra que o déficit público persiste e
precisa ser financiado. Ao defender redução
de juros, lança mão do argumento de que o
financiamento monetário do governo não é
inflacionário (ou seja, os juros não precisam
ser tão altos), como supostamente teria
demonstrado a experiência do QE. A nosso ver,
não é válido basear a defesa de juros baixos na
experiência do QE do mundo desenvolvido.

FGV DIREITO RIO 167


ECONOMIA

Primeiro porque fatores extraordinários


interferiram no resultado dessa experiência.
Segundo porque se trata de situação que nada
tem a ver com a realidade brasileira.
Argumenta-se também que a inflação no Brasil
seria muito pouco sensível a variações de taxa
de juros. Os números, porém, não sustentam essa
afirmação. Nos últimos anos, tivemos vários
ciclos de alta e de baixa da taxa Selic. Em todos
esses episódios a inflação reagiu de acordo com
o raciocínio tradicional, caindo em resposta às
fases de alta e subindo em resposta aos ciclos
de baixa, com defasagem variável.
Por fim,André Lara registra os esforços do
governo Temer em promover o equilíbrio nos
últimos sete meses, sem as quais esses sinais de
convergência não existiriam. Que o fiscal é
indispensável para conseguir esse resultado, não
há dúvida. Mas isso não justifica desconsiderar
os efeitos da atuação do Banco Central.
i- A. L. R esende, “Juros e conservadorismo
intelectual” e “Teoria, prática e bom senso”,
Valor Econômico, 13 e 27/01/2107.
ii - J. Cochrane, “Michelson-Morley, Occam
and Fisher: the radical implications of stable
inflation at near-zero interest rates”, 2016.
iii - R. Koo, “The escape from balance sheet
recession and the QE trap”, 2015.

Em 2020, em razão dos efeitos da pandemia, a discussão acerca da


interligação da política fiscal (receitas e gastos) com a política monetária,
bem como dos limites da dívida pública, diversos eventos162 foram
realizados e novos artigos sobre o tema publicados163.
162
17º Fórum de Economia da
FGV. 1ª Sessão: 02/12. O papel do
investimento público na recuperação
da economia brasileira. Evento
disponível em https://www.youtube.
com/watch?v=l-jgbMlygb0. Acesso
em 14.12.2020.
163
Furman, Jason and Summers, Larry.
A Reconsideration of Fiscal Policy in an
Era of Low Interest Rates”, presentation
to the Hutchinson Center on Fiscal
& Monetary Policy and Peterson
Institute for International Economics –
December 1, 2020.

FGV DIREITO RIO 168


ECONOMIA

AULA 6 – AS CRIPTOMOEDAS: O BITCOIN E A LIBRA

A disseminação das chamadas criptomoedas, destacando-se entre elas o


bitcoin, tem sido objeto de muito debate por economistas e juristas. Sobre
o tema, salienta Gita Gopinath, economista chefe do Fundo Monetário
Internacional (FMI), em artigo publicado no Financial Times164:

Opinion Digital currencies Digital currencies


will not displace the dominant dollar
GITA GOPINATH
Proposals of a ‘synthetic hegemonic’
alternative face steep obstacles
Advances in payment technologies do
not address fundamental issues of what
it takes to be a global reserve currency
© Paul Yeung/Bloomberg Gita Gopinath
YESTERDAY
The writer is IMF chief economist
The global discussion on the future of
money has been irreversibly altered in
the six months since Facebook announced
plans for a digital currency. While Libra’s
own prospects have dimmed, major central
banks are considering whether “public”
digital currencies are needed to fill a gap
in retail payment needs.
Some analysts suggest that the addition
of private and central bank-backed digital
currencies could provide the long expected
but elusive shock that finally dislodges
the US dollar from its decades-long
dominance in global trade and finance.
These technological advances could also
become the ingredients for a “synthetic
hegemonic currency” — a digital basket of
reserve currencies — as recently proposed
by outgoing Bank of England governor
Mark Carney.
While these are intriguing possibilities, Disponível em: https://www.ft.com/
164

content/e5dd66b8-2ca0-11ea-84be-
they are improbable in the near term. a548267b914b. Acesso em 09.02.2020.

FGV DIREITO RIO 169


ECONOMIA

Improvements in payment technology may


have lowered the cost of switching from
cash to digital payments, but there is little
evidence they have done much to reduce
the expense of moving among currencies.
Such costs are non-pecuniary. Widely-
held perceptions of the dollar’s safety
and stability have kept it dominant in the
international monetary system for decades.
The dollar holds strongly reinforcing
roles in trade invoicing — it accounts for
five times the US share of world trade —
and global banking. These have created
large network effects: the more people use
the dollar, the more useful it becomes to
everyone else. This has been reinforced as
emerging markets, which rely extensively on
the dollar, increase their share of global
economic activity. Their share of global
domestic product now stands at 60 per cent.
Advances in payment technologies do not
address fundamental issues of what it takes
to be a global reserve currency. Consider the
euro, which has been the leading contender
to replace the dollar over the past 20
years. Its impact on the dollar’s dominance
has been modest at best, owing to financial
fragmentation, inadequate fiscal risk-
sharing, and slow progress on the euro area’s
governance framework. Uncertainty about
the long-term stability of the eurozone
does not help. It is difficult to imagine how
technology would address these issues.
The dollar’s status is bolstered by the
institutions, rule of law, and credible
investor protection that the US is seen as
providing. Simply raising the supply of an
alternative currency will not be enough
to surmount these considerations. Chinese
efforts to internationalise the renminbi
have met only limited success despite a policy
push and liquidity support through bilateral
swaps with more than 30 central banks.

FGV DIREITO RIO 170


ECONOMIA

When sovereign governments, investors,


and traders are confronted with digital
currency choices, they are likely to reassess
what currency to use for transactions
across borders. Their choice will be based
on many of the same factors as in the past
— liquidity, stability, convertibility — but
also new concerns, such as the technological
superiority of the issuing country. This
latter issue could become a decisive factor,
given legitimate concerns about privacy and
security with digitised monies.
Few sovereigns will meet such criteria.
The US may parlay its leadership in
combating global money laundering and
terrorism finance into making the dollar
the dominant digital currency.
Despite high hopes, it is difficult to see
how technology can hasten the creation
of a “synthetic hegemonic currency”. Trade
and financial contracts continue to be
denominated overwhelmingly in a single
currency, rather than a basket of currencies.
For such a public synthetic alternative
to work, central banks, whose currencies
underlay it, would have to coordinate to
ensure its stability and reduce perceived
risks. But global needs can conflict
with monetary policy objectives at home,
significantly reducing the attraction for
leading reserve currencies to participate.
Digital currencies issued by big tech firms
would undoubtedly have some advantages
relative to fiat currencies. Large-scale
offerings such as China’s WeChat Pay offer
seamless integration of multiple services
on a single platform, combined with a low-
cost and user-friendly payment system. Even
so, the likelihood that one would give rise
to a distinct unit of account disconnected
from a fiat currency is remote, not least
due to the complex regulatory and
jurisdictional issues involved.

FGV DIREITO RIO 171


ECONOMIA

The international monetary system needs


work. We need cheaper and faster cross-
border payments: currently, settlement of
cross-border remittances is slow, costly, and
burdensome to those least able to afford it.
Technology can bring quick gains here and
improve financial inclusion. Recognising
its potential and risks, the G20 has asked
the IMF to look at the macroeconomic
implications of global stablecoins.
The world would also benefit from a more
balanced system in which the euro and the
renminbi have a bigger role. But technology
cannot solve this problem alone. It takes
old-fashioned development of institutions
to improve the euro area’s architecture and
resilience, and stronger domestic institutions
and further liberalisation of markets in China.
This piece expresses the author’s personal
views.

Sobre a intenção do Facebook criar a sua moeda, a Libra, Eric Posner,


professor de Direito da Universidade de Chicago, publicou interessante
artigo sobre os desafios e perigos dessa moeda digital, nos termos em que
formulada a proposta:165

The Trouble Starts If Facebook’s New


Currency Succeeds
STEPHEN LAM / REUTERS

Facebook, one of the world’s most


distrusted companies, wants us to trust
its new Libra cryptocurrency, which, it
hopes, will be used by billions of people
around the world. We shouldn’t. Libra
will almost exactly replicate all the
problems generated by Facebook’s social
network. Those problems can in turn be
traced to the central paradox of Big
Tech: The technological innovation
that is supposed to liberate us from
government ends up subjugating us to a
165
Disponível em: https://www.ft.com/
content/e5dd66b8-2ca0-11ea-84be-
handful of corporations. a548267b914b. Acesso em 09.02.2020.

FGV DIREITO RIO 172


ECONOMIA

The key insight underlying Libra is that


the transfer of money from person to
person is similar to the transfer of
information. “Moving money around
globally,” Facebook declares in the white
paper laying out the company’s vision for
its new cryptocurrency, “should be as easy
and cost-effective as—and even more safe
and secure than—sending a text message
or sharing a photo.” Money is information:
Libra will almost exactly replicate all
the problems generated by the company’s
social network.

JUNE 25, 2019 Eric Posner Professor at the


University of Chicago Law School

Facebook, one of the world’s most distrusted


companies, wants us to trust its new Libra
cryptocurrency, which, it hopes, will be used
by billions of people around the world. We
shouldn’t. Libra will almost exactly replicate
all the problems generated by Facebook’s
social network. Those problems can in turn
be traced to the central paradox of Big Tech:
The technological innovation that is supposed
to liberate us from government ends up
subjugating us to a handful of corporations.
The key insight underlying Libra is that the
transfer of money from person to person is
similar to the transfer of information. “Moving
money around globally,” Facebook declares in
the white paper laying out the company’s vision
for its new cryptocurrency, “should be as easy
and cost-effective as—and even more safe and
secure than—sending a text message or sharing
a photo.” Money is information:
When I send money to you, I’m telling the
nancial system that wealth holdings assigned
to me should now be recorded as assigned
to you.Financial networks are information
networks, just as social networks are.

FGV DIREITO RIO 173


ECONOMIA

And yet while the internet has revolutionized


social networks, nancial networks have
not caught up. They remain hard to use
and expensive, especially for international
transactions—whereas, once you own the
hardware and obtain an internet connection,
social communications are essentially free. In
Facebook’s vision, the nancial network will be
modeled on the social network, and eventually
the two networks will be merged into a single
network, through which we will seamlessly
convey to one another money as well as cat
photos and political diatribes.
In the name of eliminating inefficiency and
injustice in the nancial system around the globe,
Facebook’s new cryptocurrency threatens to
replay what’s become a familiar story—of tech
companies blithely reshaping the world around
them, and signicantly increasing their power over
people’s lives, while being accountable to no one.
Libra will be a brand-new currency, in spirit
the same thing as a dollar or euro. People
will obtain Libras by handing over national
currency to organizations such as Calibra,
the subsidiary that Facebook is creating to
handle Libra transactions. Calibra will in turn
transfer this money to the Libra Reserve—a
group of accounts held by nancial custodians
around the world. The money that goes into
the reserve will be held there or used to buy
other currency or low-risk government bonds.
Meanwhile, people with Libras can transfer
them over the internet, using them to buy
things or make gifts. You can exchange your
Libras back into a national currency if you need
it, with the money coming out of the reserve.
While Facebook advertises Libra as a
cryptocurrency, and Libra uses some of the same
technology as bitcoin, Libra is actually quite
different from bitcoin. There is no bitcoin
reserve. If you want to exchange your bitcoin for
dollars, you need to nd someone willing to buy it.

FGV DIREITO RIO 174


ECONOMIA

This is the source of bitcoin’s volatility: If


people decide bitcoins are worth nothing,
then no one will buy your bitcoin, and it is
worth nothing. If people decide that Libras
are worth nothing, they can trade them in
for cash from the reserve.And because of this,
people won’t decide Libras are worth nothing.
The problem of volatility is solved.
But this solution comes at a price. And to
understand how high this price is, we need
some background. Bitcoin was promoted as
a decentralized currency. No corporation,
government, or other organization ran it. Its
protocol guaranteed that a certain number of
bitcoins would be produced at a predetermined
rate, and this was supposed to guarantee that
bitcoins would have a value stable enough for
dayto-day transacting. The model was gold—a
precious metal whose value remains relatively
stable because of the economics of mining.
When the market price of gold rises, miners
dig deeper, producing more gold, which causes
the price to fall.When the price of gold falls,
miners stop mining, producing less gold, which
causes the price to rise. The bitcoin protocol
created a digital version of this process, with
the important difference that bitcoins can be
sent over the web, unlike gold bars or nuggets.
And this meant that, unlike gold, bitcoin was
supposed to be a usable currency for people who
distrusted government management of national
currencies. People could transact and save
without worrying that the government would
overborrow and then use ination to wipe away
debt. For libertarians philosophically opposed
to government management of currency,
bitcoin offered a technological solution to
the government’s historic monopoly.
But in its raw state, bitcoin was too hard
to use—and this gave rise to intermediary
rms that supplied “wallets,” platforms
that were accessible to ordinary people.

FGV DIREITO RIO 175


ECONOMIA

And the important process of conrming


transactions (“mining” in bitcoin parlance)
also turned out to be too complicated for
ordinary people—giving rise to sophisticated
and wealthy entities that performed this
process. Once these large players were in place,
they became an oligarchy that dominated the
bitcoin world. When the bitcoin protocol
needed to be changed from time to time in order
to address inevitable problems, the oligarchy
made the decisions and proted from them.
We’ve seen this story before. The early
internet itself, along with some relatively
simple applications such as email and chat
rooms, created a decentralized system of
communication over which no central
authority—no government, no corporation
—exercised much power. But ordinary people
did not like the chaos of the early internet.
They wanted a more structured environment,
and this gave rise to the big social networks,
above all Facebook. Once that structure was in
place, the system was no longer decentralized.
Facebook kept claiming that it was, but made
policy choices—about how information was
displayed, about the use of data—that harmed
a great many people. We now see that Facebook
regulates speech and privacy for millions of
people, domains normally left to government.
What started out as a libertarian utopia is
now a highly regulated environment, albeit
one regulated by a corporation rather than by
our government.
Facebook obviously knows this history. It
knows that a fully decentralized Libra would
not be usable. But it also knows that the natural
solution—a centralized currency controlled
by Facebook—would not be trusted. The
white paper solves this problem by seizing
both horns of the dilemma, claiming that
Libra is both decentralized and centralized.

FGV DIREITO RIO 176


ECONOMIA

Libra is supposedly decentralized because it is based


on blockchain, the technology used by bitcoin,
which ensures that records are kept by multiple
users rather than by one, and in this way enhances
security and transparency. Facebook itself will not
operate Libra. But Libra is also centralized via the
creation of a governance body. That body is the
Libra Association, to be located in Switzerland.
This body is supposed to prevent the emergence of a
bitcoinlike oligarchy to rule over Libra.
But it’s hardly clear that, in practice, the Libra
Association will act any differently from the
oligarchy that dominates the bitcoin world. The
white paper provides a few details about how the
Libra Association will work. It currently has 28
members, with that number expected to rise to
100. (To get the system started, the members put
money in the Libra Reserve, which will enable
the creation and circulation of an initial pot of
Libras.) Major policy decisions will be made by a
two-thirds vote. A small number of nonprots are
given slots, but the majority of members are large
prot-making corporations, including PayPal,
Facebook/Calibra, Uber, Visa, Mastercard, the
telecommunications rm Vodafone, and various
venture-capital powerhouses. Ordinary people
who buy and use Libras have no votes.
Thus, the Libra system is a somewhat more civilized
and open oligarchy than bitcoin’s, but it’s an
oligarchy just the same. How the Libra Association
will use its power is anyone’s guess. The narrow
money-transfer function that Facebook lays out
in the white paper is just one possibility—the
narrowest and least threatening one. Facebook
might sincerely believe that the association will
manage the Libra as a kind of gloried Western
Union. But Facebook has broken its promises
before. And even if the social-networking giant
envisions the Libra Association as a benevolent,
judicious overseer that does only what’s necessary
to preserve the stability of this new nancial medium,
the structure of the association allows a far more
aggressive type of business.

FGV DIREITO RIO 177


ECONOMIA

The Libra Association will, after all, be


overwhelmingly controlled by for-prot
companies, not by charities. These companies want
to make money. The structure of the organization
gives them a direct nancial interest in the
management of Libra because their investment in
the reserve entitles them to dividends, which in
turn depend on the assets that the reserve holds.
If those assets appreciate, the members make prots.
Again, the assets in the Libra Reserve will consist
of national currencies and government bonds—
at least at the outset. Every time you or I buy a
Libra for, say, $1, a portion of that dollar will
pay for a government bond whose interest goes
to the Libra Association members, not to us. This
will prove lucrative for association members if
millions of people end up using Libra.
Then again, government bonds pay low interest,
and national currencies pay none at all. If the
Libra Association members want to increase their
returns on their investment, all they need to do
is change the composition of assets in the Libra
Reserve—a policy shift that they could make by
a two-thirds vote. They could then, for example,
exchange some of the currency and low-risk debt
for somewhat higher-risk debt—by making loans,
or by buying loans from banks and other loan
originators. And with sufficient diversication,
a more aggressive portfolio can be accumulated
with relative safety.This is how banks work, and
banks, of course, make a lot of money, especially
when they are big.
And Libra will be big. Facebook has 2.4 billion
users, and if, as Facebook promises, they can
costlessly, seamlessly jump from their Facebook
accounts to their Calibra wallets to spend money,
many of them will do so. Visa has issued more than
2 billion credit cards and is used by more than
40 million merchants. Vodafone has 444 million
customers. Uber has 91 million riders. With such
a huge user base— many of whom are already the
helpless playthings of Facebook’s algorithms—
the Libra reserve will grow rapidly.

FGV DIREITO RIO 178


ECONOMIA

As Libra becomes a juggernaut, expect other


huge companies to sign up for membership and
then integrate Libra into their operations,
delivering millions or billions more users.
Currency, like communication, exhibits strong
network effects —meaning that it becomes
more valuable as more people use it. So the
strategy Facebook used so effectively to build
its social network—lure in customers with
zero-pricing and then make money off them
without their realizing it—will work just as
well for Libra. Here, though, customers will
enrich Facebook and its partners through
interest payments on the reserve rather than
exploitation of their data— though that
might happen, too.
If the Libra Association takes this path, and
the Libra Reserve gets big enough, its policies
will have macroeconomic impacts throughout
the world. The reserve will, at a minimum,
hold government debt, and buying the debt
of one government rather than another has
macroeconomic consequences. If the Libra
Reserve lends or buys risky assets, it will
affect the global money supply, just like a
central bank. Facebook’s white paper promises
that the Libra Reserve will not exercise
monetary policy: “Since Libra will be global,
the association decided not to develop its own
monetary policy but to inherit the policies
of the central banks represented in the
basket.” But deciding not to develop its own
monetary policy today doesn’t prevent the
Libra Association from deciding to develop its
own monetary policy in the future. It’s clear
enough that Facebook knows that Libra will
have the capacity to conduct monetary policy;
otherwise, there would be no reason to promise
that it won’t.
But how the Libra Association will use its
power is anyone’s guess. The white paper is
long on happy talk and short on details.

FGV DIREITO RIO 179


ECONOMIA

The point is that, along a plausible future


path, it will gain immense power, and it’s not
beholden to the public, unlike the central
banks that manage national currencies. For
all the glitzy futurism of cryptocurrencies,
Libra is a step backwards in social and political
terms, the way bitcoin tried to throw us back
into the age of the gold standard. Until
central banks were created in the 19th and
early-20th centuries, dead-tree versions of
the Libra Association were plentiful. They
included family dynasties such as the Medicis
and the Rothschilds, and massive private banks.
Driven by prot and able to operate across
national borders, they accumulated massive
political power without feeling loyalty to any
particular nation—until governments nally
reined them in.
Of course, Libra could fail, or become nothing
more than a niche product like Venmo. And it
could certainly do some good by reducing the
cost of transferring money. But government
regulators need to approach Libra with a great
deal of skepticism, given Facebook’s track
record of moving fast and breaking things.
The company has already shown that a successful
tech platform can scale up quickly to a once-
unimaginable size. An international banklike
organization with potentially trillions of
dollars in assets and, through its members,
ties to billions of users around the world will
have a massive inuence over people’s economic
affairs and far too much political power to
be effectively regulated by governments—just
like Facebook’s social network.
We want to hear what you think about this
article. Submit a letter to the editor or write
to letters@theatlantic.com.

FGV DIREITO RIO 180


ECONOMIA

AULA 7 – O SER ECONÔMICO E A ATIVIDADE EMPRESARIAL: O


BALANÇO PATRIMONIAL E O RESULTADO DO EXERCÍCIO. VALOR
DOS BENS E SERVIÇOS. VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO E O
PODER DE COMPRA: JUROS SIMPLES E JUROS COMPOSTOS. VALOR
PRESENTE DO FLUXO DE CAIXA.

Em sentido comum,166 as finanças expressam a situação de uma


166
FERREIRA, Aurélio Buarque de
pessoa natural ou jurídica - de direito público ou de direito privado - Holanda, Novo Aurélio Século XXI:
relativamente aos recursos econômicos disponíveis. o dicionário da língua portuguesa/
Aurélio Buarque de Holanda. 3ª ed.
totalmente revista e ampliada. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira , 1999.
Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais “finanças. A situação econômica de
uma instituição, empresa, governo
variados desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus ou indivíduo, com respeito aos
recursos econômicos disponíveis, esp.
de liquidez167. Ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente dinheiro, ou ativo líquido; ou condição
financeira”.
nacional168 ou estrangeira até imóveis de difícil alienação, em razão de
167
“Liquidez é a facilidade de um ativo
exigências legais para a autorização de sua disposição ou em função de ser transformado em dinheiro sem
perdas significativas em seu valor. Esse
condições de mercado. conceito se refere à agilidade com que
um investidor consegue se desfazer
de um investimento para voltar a ter
É importante ressaltar a necessidade de que seja também identificada, dinheiro na mão sem que, para isso,
precise ter prejuízo”. Disponível em:
para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o montante < https://www.dicionariofinanceiro.
com/liquidez/ >. Acesso em
de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades. Isto é, 11.01.2018.
se há também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a 168
O artigo 48, II, da Constituição da
República de 1988 fixa a competência
relevância de que seja determinada a posição patrimonial líquida do Congresso Nacional para dispor
(capital próprio). sobre “emissões de curso forçado” e o
artigo 315 do Código Civil de 2002 (Lei
nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece
que “as dívidas em dinheiro deverão
Assim, a determinação da posição econômica e financeira de uma ser pagas no vencimento, em moeda
corrente pelo valor nominal” salvo
pessoa, de direito público ou privado, requer: (1) a definição de os casos previstos em legislação
especial, a teor do disposto no artigo
mecanismos para a quantificação monetária169 dos ativos e passivos, 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da
Lei n° 10.192/2001 determina que o
à exceção daqueles valores mantidos em caixa ou depositados em pagamento das obrigações pecuniárias
instituições financeiras, bem como dos passivos já expressos em moeda exequíveis no território nacional deve
ser realizado em real, ressalvadas as
corrente; e (2) de um sistema para a sua evidenciação, controle e exceções previstas na legislação. Nos
termos dos artigos 5° e 42 da Lei n°
gerenciamento ao longo do tempo. 8.666/1993, a qual dispõe sobre as
licitações e os contratos públicos, todos
os valores, preços e custos utilizados
em licitações devem ter como
Idealmente, o sistema adotado para evidenciar as finanças, públicas ou expressão monetária a moeda corrente
privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade nacional, ressalvada a hipótese de
concorrência de âmbito internacional,
da atividade da organização, um regime de registro e contabilização cujo edital deve ajustar-se às diretrizes
da política monetária e do comércio
dos atos e fatos relevantes, bem como demonstrativos financeiros que exterior e atender às exigências dos
órgãos competentes.
possibilitem o eficiente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao 169
Princípio Contábil do denominador
mesmo tempo, aptos a informar adequadamente a situação: comum monetário.

FGV DIREITO RIO 181


ECONOMIA

(a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as


suas variações entre períodos determinados (mutações ou variações
patrimoniais);

(b) Financeira, propriamente dita, adequada ao gerenciamento de


liquidez de curto prazo e do fluxo de caixa necessário ao financiamento
das atividades operacionais correntes e de investimentos, bem como
da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e

(c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as


metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações
planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamento-
programa) é instrumento essencial de ligação entre o planejamento
das ações e as finanças, permitindo a operacionalização efetiva e
concreta dos planos de trabalho, na medida em que os monetariza,
isto é, quantifica-os em moeda permitindo o estabelecimento de
cronogramas físico-financeiros.

Nesse sentido, cabe salientar que o correto entendimento dos
mecanismos de quantificação monetária dos bens, direitos e
obrigações, assim como das respectivas demonstrações financeiras que
os evidenciam, é pressuposto à compreensão das finanças das pessoas
físicas ou jurídicas, públicas ou privadas.

Também é preliminar ao exame da matéria a distinção entre dois


modelos de medidas adotados em análise econômica, denominadas,
respectivamente, (1) stock measure, relacionado ao conceito de estoque, e
(2) flow measure, vinculado à quantificação de fluxos. O fluxo é definido
ao longo de um período específico de tempo (por ano, mês, dia etc.),
ao passo que o estoque refere-se a um dado momento no tempo, e não
durante e ao longo de um dado período de tempo.

Essa análise permite o acompanhamento da execução do que foi


programando, por meio da verificação da execução dos orçamentos, o
que explicita a situação patrimonial e financeira em um dado momento
do tempo e ao longo do período.

Assim, em termos introdutórios e de forma esquemática, visando à


compreensão dos elementos constitutivos básicos da análise da situação
patrimonial e financeira de uma organização, suponha a seguinte hipótese:

FGV DIREITO RIO 182


ECONOMIA

A) Situação inicial em 31.12. X1, ou Tempo 1:


• Ativo, correspondente aos bens e direitos da pessoa = $150;
• Passivo (dívidas e obrigações) = $ 50.
• Total do Patrimônio Líquido = $100 (Ativo menos o Passivo).

B) Não houve pagamento de dívidas durante o ano. Logo, o Passivo


continua igual!

C) Fluxo de Receita durante o ano → $100 em oito meses = Total $800

D) Fluxo de Despesas ao longo do ano → $100 em quatro meses = Total $400

E) Qual a situação Patrimonial em 31.12.X2, ou Tempo 2?

Fluxo de Receita (por dia, mês etc.) – situação dinâmica

Tempo 100 100 100 100 100 100 100 100 Total = 800

100 100 100 100 Total = 400


tempo 1 tempo 2

situação estática 1 situação estática 2
momento no tempo Fluxo de Despesa (por dia, mês etc)
situação dinâmica

Balanço Patrimonial 2
Receitas 800
Despesas <400>
Resultado +400 Ativo Passivo = 50
= 550 Patrimônio
Balanço Patrimonial 1 Líquido = 500


Ativo Passivo = 50
=
150 Patrimônio
Líquido = 100

Ao fluxo de receitas é contraposto o conjunto de despesas do período,


o que permite determinar a situação líquida do patrimônio, ao final do
cada exercício, bem como as variações patrimoniais entre dois momentos
determinados no tempo.

FGV DIREITO RIO 183


ECONOMIA

No exemplo, não foi alterada a situação do passivo ao longo do período,


a fim de facilitar essa análise inicial.

Cabe ressaltar, entretanto, a possibilidade de existir fluxo financeiro sem


impacto no Patrimônio Líquido, o que será examinado posteriormente.

Saliente-se, que parte da dificuldade da gestão, e do controle financeiro


e patrimonial, público e privado, decorre do fato de que a despesa ou a
receita gerada em determinado exercício - sob o ponto de vista jurídico ou
econômico - nem sempre é realizada financeiramente no mesmo período,
podendo ocorrer, portanto, descasamentos entre: (1) o fluxo monetário; e
(2) a contabilização do evento que altera a situação patrimonial líquida. Por
exemplo, uma venda ou compra a prazo (em 90 dias) realizada em 15.12.X1.

1. O SER ECONÔMICO E A ATIVIDADE EMPRESARIAL: O BALANÇO


PATRIMONIAL E O RESULTADO DO EXERCÍCIO

A contabilidade tem como objetivo fundamental o controle170 do


patrimônio de uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada, com fins
lucrativos (e.g. sociedade empresaria) ou não, o que abrange, inclusive, as
entidades do chamado Terceiro Setor, os entes políticos da federação171 e
as pessoas jurídicas da administração pública indireta.

Dessa forma, a prática contábil ocupa-se da coleta, registro e processamento


dos dados necessários à produção de demonstrativos financeiros e relatórios
destinados à análise da situação patrimonial em determinado instante (um 170
Conforme será abaixo explicitado, o
ponto no tempo) e bem assim dos elementos que justificam e revelam as controle está relacionado à mensuração
dos elementos patrimoniais em moda
alterações ocorridas entre momentos temporais distintos. corrente do país, por meio de um
padrão de evidenciação amplamente
aceito, a fim de que se possa cumprir
Nesse contexto, Sérgio de Iudícibus e José Carlos Marion apresentam o seu objetivo fundamental de auxílio
às tomadas de decisões pelos agentes
fluxograma de caráter didático sobre o contexto em que se realiza a econômicos e outros interessados.

atividade contábil, após apresentar uma visão crítica da função do 171


Ver Lei nº 4.320/64, que Estatui
Normas Gerais de Direito Financeiro
contador, nos seguintes termos172: para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito
A Contabilidade é o grande instrumento que Federal.
IUDÍCIBUS, Sérgio e Marion, José
auxilia a administração a tomar decisões. Na
172

Carlos. Curso de Contabilidade


verdade, ela coleta todos os dados econômicos, para não contadores. Para áreas de
Administração, Economia, Direito e
mensurando-os monetariamente, registrando-os Engenharia. 7ª Edição. São Paulo: Atlas,
2011. p. 19. Curso de Contabilidade
e sumarizando-os em forma de relatórios ou de para não contadores. Para áreas de
comunicados, que contribuem sobremaneira para Administração, Economia, Direito e
Engenharia. 7ª Edição. São Paulo: Atlas,
a tomada de decisões. 2011. p. 1-3.

FGV DIREITO RIO 184


ECONOMIA

(...)
A função básica do contador é produzir
informações úteis aos usuários da Contabilidade
para a tomada de decisões. Ressalte-se, entretanto,
que, em nosso país, em alguns segmentos da nossa
economia, principalmente na pequena empresa, a
função do contador foi distorcida (infelizmente),
estando voltada exclusivamente para satisfazer às
exigências do fisco.

ÁREA DE ATUAÇÃO DO CONTADOR


Administração
--------------
Investidores
Bancos
--------------
-------------- Governo
--------------
Outros Interessados
--------------

Coleta de dados Registro dos Dados e Relatórios Usuários


processamento (tomada de decisão)

Nessa linha, Clóvis Luís Padoveze define a “Contabilidade como o


sistema de informação que controla o patrimônio de uma entidade”.173

O conceito de patrimônio é essencial para determinar o âmbito e


escopo de estudo da Contabilidade em sua interação com o Direito,
tendo em vista que aquela cuida do controle do que é objeto de grande
parte da disciplina jurídica, como os aspectos mais relevantes do Direito
Empresarial, Societário, Obrigacional, Tributário, Sucessões etc.

Sobre o tema, sob o ponto de vista jurídico, ensina Caio Mário da


Silva Pereira:174

A ideia de patrimônio não está perfeitamente


aclarada entre os modernos juristas, talvez em 173
PADOVEZE, Clóvis Luís. Manual
de Contabilidade básica:
razão de não ter o direito romano fixado com contabilidade introdutória e
segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, intermediária. 10ª ed. São Paulo:
Atlas, 2017. p.3.
patrimônio seria o complexo das relações jurídicas 174
PEREIRA, Caio Mário da Silva.
de uma pessoa apreciáveis economicamente. Instituições de direito civil. 19ª ed.
Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Forense,
(...) 2002. p. 245.

FGV DIREITO RIO 185


ECONOMIA

Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o


conjunto de bens.
(...)
Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado
positivo e de outro negativo. A ideia geral é que a
noção jurídica de patrimônio não importa balancear
a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não
se terem desprendido desta preocupação de verificar
o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido,
que exprime o saldo positivo, uma subtração
dos valores passivos dos ativos. Ao economista
interessa a verificação. Também ao jurista tem
de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a
solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica
de resgatar seus compromissos com os próprios
haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio
abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos,
sem indagação de uma eventual subtração ou de um
balanço. (grifo não existente no original)

O professor Edison Carlos Fernandes, que advoga no sentido da


existência de um Direito Contábil, argumenta que a Contabilidade não
pode ser entendida da perspectiva jurídica como mero conjunto de práticas
ou normas contábeis. Ele propõe que os demonstrativos financeiros,
na verdade, consolidam todas as relações contratuais que envolvem
a empresa.175 Dessa forma, no Ativo são representadas as relações de
direito com os devedores da pessoa jurídica, no Passivo as relações de
obrigações com credores e no Patrimônio Líquido as relações de direito
ou de obrigações com os acionistas (shareholders).

Na seara contábil, Clóvis Luís Padoveze, após indicar o conceito de


patrimônio para a Contabilidade, conclui no sentido da inevitabilidade
de considerar, além dos bens e direitos, também as obrigações, nos
seguintes termos176:

Patrimônio é o conjunto de riquezas de propriedade


de alguém ou de uma empresa (de uma entidade). São 175
FERNANDES, Edison Carlos. As
aquelas itens que a civilização convencionou chamar de fronteiras do direito contábil.
Jornal Valor Econômico, 10 de fevereiro
riquezas, por serem raros, úteis, fungíveis (característica de 2017.
da troca), tangíveis (característica de poder ser 176
PADOVEZE, Clóvis Luís. Manual de
movimentado e ser tocado fisicamente), desejáveis etc. Contabilidade básica: contabilidade
introdutória e intermediária. 10ª ed.
(...) São Paulo: Atlas, 2017. pp.3-4.

FGV DIREITO RIO 186


ECONOMIA

Após o primeiro passo, quando deixamos claro que


os bens compõem o patrimônio de uma entidade
(pessoa ou empresa), verificamos que existem outros
tipos de elementos que os homens comumente
consideram também como riquezas. São os valores
a receber de terceiros, pois, em algum momento,
deixamos certos bens guardados por outras pessoas.
São os direitos, tais como promissórias a receber,
saldo bancário, caderneta de poupança, Imposto de
Renda a restituir do governo etc.
Se alguém tem um direito para com um terceiro, é
porque esse terceiro tem uma obrigação para com ele.
Ou seja, no exato momento em que nasce o direito para
uma pessoa, nasce uma obrigação para o seu parceiro.
Assim, ao incorporarmos os direitos no conceito de
patrimônio controlado pela Contabilidade, temos de,
inevitavelmente, considerar as obrigações.
(...)
Podemos agora definir patrimônio como o conjunto
de bens, direitos e obrigações de uma entidade.

Fixado o conceito de patrimônio como “o conjunto de bens,


direitos e obrigações de uma entidade”, pode-se concluir que a situação
patrimonial líquida177 (o Patrimônio Líquido, representado pela sigla
“PL”) é expressa pelo saldo da diferença entre o somatório dos valores de
bens e direitos de um lado e das obrigações da entidade de outro.

Assim, deriva-se a chamada equação básica da Contabilidade, a qual


pode ser apresentada de quatro formas, agrupando-se cada termo de
acordo com as circunstâncias e objetivos:

Bens (B) + Direitos (D) – Obrigações (O) = Patrimônio Líquido (PL)

ou

Bens (B) + Direitos (D) = Obrigações (O) + Patrimônio Líquido (PL)

ou 177
Dependendo da proporção entre
bens, direitos e obrigações, a situação
patrimonial da sociedade pode ser de
Bens (B) + Direitos (D) - Patrimônio Líquido (PL)= Obrigações (O) estabilidade absoluta, de estabilidade
relativa, de insolvência absoluta ou de
insolvência relativa. Ainda sobre o tema
vide PADOVEZE, Clóvis Luís. Manual de
ou Contabilidade básica: contabilidade
introdutória e intermediária. 10ª ed.
São Paulo: Atlas, 2017. pp.12-15 –
Patrimônio Líquido (PL) = Bens (B) + Direitos (D) – Obrigações (O) Apêndice 1.

FGV DIREITO RIO 187


ECONOMIA

Dessa forma, caso os valores das obrigações sejam superiores ao 178


A insolvência relativa, sob a égide
das Resoluções do Conselho Federal
conjunto de bens e direitos constata-se a indesejável existência de de Contabilidade (CFC) nº 847/1999
Patrimônio Líquido negativo, o que pode revelar a impossibilidade de e nº 1.049/2005, era designada pela
expressão “Passivo a Descoberto”, tendo
que alguns178 ou todos os credores da entidade recebam os seus créditos. em vista a inexistência de bens e direitos
para fazer face a todos os créditos.
Entretanto, a partir de 02.06.2010,
Por outro lado, na hipótese de os bens e direitos superarem os valores a Resolução CFC nº 1.283/2010
revogou as aludidas normas contábeis.
das obrigações há Patrimônio Líquido positivo. Apesar de ser situação mais Assim sendo, para as demonstrações
encerradas a partir da publicação desta
comum e desejável, ainda quando constatado PL positivo, deve-se sempre última Resolução, deve-se utilizar a
perquirir se há liquidez e compatibilidade, no momento necessário179, nomenclatura “Patrimônio Líquido”,
ainda quando se tornar negativo.
entre os recursos disponíveis para cumprir com as obrigações de curto Entretanto, saliente-se que a expressão
“Passivo a Descoberto” continua a ser
prazo180, médio ou longo prazo, conforme o caso. Ou seja, a sociedade amplamente utilizada na prática.
com Patrimônio Líquido positivo, ainda que elevado, pode se encontrar 179
Em outras palavras, apesar de
uma situação patrimonial positiva, é
em dificuldade de caixa no “curto prazo”, caso os seus bens e direitos não importante que não haja descasamento
possuam o grau de liquidez adequado. entre as disponibilidades e
exigibilidades, o que pode ensejar
estrangulamento financeiro de
curto prazo, apesar da existência de
O conjunto - ou somatório - de bens e direitos é denominado de patrimônio próprio (bens e direitos)
Ativo (bens mais direitos) e, por serem desejáveis, como regra geral, são superiores às obrigações.

considerados elementos patrimoniais positivos. 180


Sob a perspectiva financeira múltiplas
opções se apresentam para qualificar
uma obrigação como “de curto prazo”,
dependendo das circunstâncias e
Por outro lado, as obrigações, tendo em vista estabelecerem restrições características da atividade econômica
ou ônus à entidade, são consideradas, sob a perspectiva da situação exercida (o ciclo de produção etc). Para
efeitos de registro contábil, conforme
patrimonial líquida, elementos patrimoniais negativos, sendo o seu será examinado com maior detalhe
posteriormente, são considerados Ativos
conjunto designado como o Passivo da entidade. O Pronunciamento e Passivos Circulantes, respectivamente,
Técnico 25 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) estabelece os bens, direitos e obrigações com
realização até o final do exercício
o conceito de Passivo nos seguintes termos181: financeiro subsequente. Nos termos
dos incisos I do art. 179 da Lei nº
6.404/74 (LSA), “no ativo circulante:
Passivo é uma obrigação presente da entidade, as disponibilidades, os direitos
realizáveis no curso do exercício social
derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se subseqüente e as aplicações de recursos
em despesas do exercício seguinte”.
espera que resulte em saída de recursos da entidade Por sua vez, segundo o art. 180 da LSA,
capazes de gerar benefícios econômicos. “As obrigações da companhia, inclusive
financiamentos para aquisição de
direitos do ativo não circulante, serão
classificadas no passivo circulante,
O termo “Balanço Patrimonial”, que é uma das Demonstrações quando se vencerem no exercício
Contábeis ou Financeiras182, reflete uma situação em dado momento do seguinte, e no passivo não circulante,
se tiverem vencimento em prazo maior,
tempo (um ponto no tempo). É a representação estática do patrimônio. observado o disposto no parágrafo único
do art. 179 desta Lei”.
Conforme já salientado, decorre do cotejamento entre o Ativo de um 181
Disponível em: <http://www.
lado e o Passivo do outro, sendo o Patrimônio Líquido resultante desta cpc.org.br/CPC/Documentos-
comparação (a diferença), ao final do exercício financeiro. Nesse sentido Emitidos/Pronunciamentos/
Pronunciamento?Id=56 >. Acesso
salientam Sérgio de Iudícibus e José Carlos Marion183: em 16.01.2018. O papel do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (CPC) será
abordado ainda nesta aula.
O termo balanço decorre do equilíbrio Ativo 182
O balanço patrimonial está
previsto no parágrafo único do Art.
= Passivo + PL, ou da igualdade Aplicações = 1.180 do Código Civil e no inciso I
Origens. Parte da ideia de uma balança de dois do art. 176 da LSA, matéria a ser
brevemente examinada ainda nesta
pratos, onde sempre encontramos a igualdade. aula e detalhada ao longo do curso.

FGV DIREITO RIO 188


ECONOMIA

Só que, em vez de denominarmos balança (assim


como Balança Comercial), denominamos no
masculino: Balanço.
A expressão patrimonial origina-se do patrimônio
Global da empresa, ou seja, o conjunto de bens,
direitos e obrigações. Daí origina-se a expressão:
Patrimônio Líquido, que significa a parte residual
do patrimônio, a riqueza líquida da empresa num
processo de continuidade, a Situação Líquida.
Compondo as duas expressões, teremos a expressão
Balanço patrimonial, o equilíbrio do Patrimônio,
a igualdade patrimonial.

Considerando todo o exposto, de forma gráfica, ou esquemática,


teríamos duas situações hipotéticas acerca da relação entre os três
elementos que compõe o patrimônio da entidade (Ativo, Passivo e
Patrimônio Líquido), cada qual comportando variadas possibilidades
fáticas, o que será examinado ao longo do curso184:

As demais Demonstrações Contábeis


ou Financeiras previstas na LSA são
a Demonstração do Resultado do
Exercício, a Demonstração do Fluxo de
Caixa e a Demonstração das Mutações
do Patrimônio Líquido.
183
IUDÍCIBUS, Sérgio e Marion, José
Carlos. Curso de Contabilidade
para não contadores. Para áreas de
Administração, Economia, Direito e
Dessa forma, sob a perspectiva da apuração da situação patrimonial Engenharia. 7ª Edição. São Paulo: Atlas,
líquida, o que norteou a análise apresentada até o momento, o Passivo 2011. p. 19.

corresponde apenas ao conjunto das obrigações da sociedade com terceiros. Disponível em: < https://www.
184

google.com.br/search?q=patrimonio+l
%C3%ADquido+negativo&source=lnm
s&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj67
No entanto, importante ressaltar que há controvérsia na seara contábil t3m48vYAhVLHpAKHcUBDocQ_AUICyg
C&biw=1600&bih=766#imgrc=JI8epjy
quanto ao conteúdo ou extensão do termo Passivo, conforme ressalta GFYsSJM> Acesso em 09.01.2018.
Clóvis Luís Padoveze:185 185
PADOVEZE, Clóvis Luís. Manual de
Contabilidade básica: contabilidade
introdutória e intermediária. 10ª ed.
É importante salientar a nomenclatura do Passivo. São Paulo: Atlas, 2017. pp.3-4.

FGV DIREITO RIO 189


ECONOMIA

Alguns teóricos consideram passivo apenas o


conjunto das obrigações. Outros evidenciam Passivo
incorporando o Patrimônio Líquido. A nomenclatura
Passivo é realmente inquietante, já que engloba dois
elementos de qualidade distinta e até antagônicos
Enquanto as obrigações são elementos redutores, o
Patrimônio Líquido é a medição da própria riqueza
da empresa, ou da pessoa física, ou seja, da entidade.

Essa questão (a controvérsia) somente pode ser compreendida após o


exame das diferentes origens de recursos que podem financiar a atividade
econômica de uma sociedade empresária, o que revela outra perspectiva
possível para a amplitude e fixação do conteúdo do termo Passivo. As
aplicações desses recursos são registradas no Ativo da sociedade, podendo
ser alocados no Ativo Circulante ou Não Circulante.

O financiamento (a origem dos recursos) da sociedade empresária pode ser


realizado por meio de capital próprio (da própria entidade) ou de terceiros.

O capital próprio pode possuir duas origens distintas.

A primeira decorre do investimento (aporte de capital ou capitalização)


realizado pelos próprios sócios ao Capital Social, que é um valor formal e
corresponde a uma parcela do Patrimônio Líquido da sociedade. Nesses
termos são criadas diversas relações jurídicas de participação societária, em
decorrência das quais os cotistas ou acionistas (sócios) passam a fazer jus
à parcela dos lucros da entidade e, concomitantemente, submetem-se aos
riscos do negócio (prejuízos), ou seja, dos bônus e dos ônus decorrentes
da atividade exercida pela sociedade.

A segunda origem do capital próprio deriva dos resultados positivos


auferidos pela sociedade (o lucro líquido) durante o exercício financeiro,
após as distribuições dos dividendos aos sócios e demais participações,
obrigatórias ou facultativas. É o montante que fica na própria sociedade,
que também compõem o Patrimônio Líquido disponível, e pode financiar
a atividade societária, dada sua autonomia patrimonial. Sobre o tema
esclarece José Edwaldo Tavares Borba186:

O capital social somente pode ser modificado


mediante uma alteração contratual. Esse aumento
envolverá o ingresso de novos recursos quando
decorrer de subscrição, cabendo aos sócios 186
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito
Societário. 11 ed.rev.aum. e atual. Rio de
subscritores transferir novos bens à sociedade. Janerio: Renovar, 2008. p.69.

FGV DIREITO RIO 190


ECONOMIA

A outra hipótese de aumento de capital é a que se


funda em recursos da própria sociedade, ou seja, em
reservas ou lucros acumulados que os sócios deliberam
incorporar ao capital. Esses lucros e reservas foram
gerados pela própria sociedade e poderiam ter sido
distribuídos. A decisão de incorporá-los ao capital
é uma opção. Nesse caso, os sócios, sem qualquer
desembolso, recebem novas cotas, proporcionais
a sua participação no capital. Essas cotas, assim
recebidas, são chamadas bonificações.

Assim, enquanto o Patrimônio Líquido é dinâmico, alterando-se a cada 187


Nos termos do inciso III do § 2º do art.
ano, dependendo do resultado societário (lucro ou prejuízo), o Capital Social, 178 da Lei nº 6.404/76, o Patrimônio
Líquido, é “dividido em capital social,
o qual está contido naquele (PL)187, é estático, dependendo da incorporação reservas de capital, ajustes de avaliação
patrimonial, reservas de lucros, ações
de reservas e lucros obtidos ou de novas subscrições para ser alterado, o que em tesouraria e prejuízos acumulados”.
pressupõe alteração contratual ou estatutária, conforme o caso. 188
O controle contábil e a apuração da
existência de resultado positivo (lucro),
ou negativo (prejuízo), ao longo de
determinado período, é realizada por
Portanto, são duas as fontes que podem constituir o capital próprio meio da Demonstração de Resultado
da entidade, já em atividade operacional. Assim, depois de promovida do Exercício (DRE). O parágrafo
único do Art. 1.180 do Código Civil
a capitalização inicial (a realização do capital subscrito pelos sócios) e apresenta a denominação “balanço de
resultado econômico”. A DRE, exigível
iniciada a atividade econômica objeto do contrato ou estatuto, além de para as sociedades anônimas, está
prevista no inciso III do art. 176 da
outras possíveis contribuições adicionais pelos sócios, também os lucros188 LSA. Nesse contexto, ressalte-se que
e reservas abastecem o Patrimônio Líquido da sociedade, e podem ser tão ou mais importante do que saber
o quanto o patrimônio variou de um
incorporados ao Capital Social. período para outro, é saber como e
porquê (quais as razões e motivos)
para as variações identificadas, o que
somente pode ser determinado com o
Na subscrição ingressam recursos novos (em dinheiro ou bem), que controle de todas receitas e despesas
são aportados pelos subscritores. Por sua vez, na incorporação de reservas ocorridas ao longo do período, isto é,
a quantificação detalhada dos ganhos
e lucros são os recursos gerados pela própria sociedade que passam a e perdas, matéria a ser aprofundada
na próxima aula. Os Lucros Acumulados
integrar a conta de capital da sociedade. são aqueles sem destinação definida.
Nessa conta são conjugados os saldos
anuais de lucros não distribuídos nem
Por outro lado, a sociedade empresária também pode ser financiada apropriados às Reservas, as quais
podem ser obrigatórias (e.g. reserva
por capital de terceiros, credores da entidade, o que pode ocorrer de legal) ou facultativas (e.g. reservas
estatutárias). A Lei nº 10.303/01 proibiu
diversas formas, como a simples contração de um empréstimo, a obtenção a não destinação dos resultados, ao
acrescentar o §6º ao art. 202 da Lei nº
de prazo para pagamento de obrigações, a emissão de títulos privados 6.404/76, o qual determina distribuir
como dividendos os lucros não
pela sociedade (e.g. debêntures, notas promissórias etc.). As obrigações destinados nos termos dos arts. 193 a
assumidas pela entidade com os seus credores, por meio da quais são 197. Os valores de exercícios anteriores
à Assembleia Geral Ordinária de 2002,
estabelecidas relações jurídicas creditícias, e não de participação societária, no entanto, podem continuar a integrar
a conta Lucros Acumulados. Portanto,
consubstanciam mais uma forma de financiamento da atividade. Saliente- atualmente, os lucros do exercício não
distribuídos aos acionistas, ou sem
se que, quanto maior for o capital de terceiros (dívidas exigíveis) em destinação obrigatória ou disciplinada
relação ao capital próprio (obrigações não exigíveis), maior será grau de no estatuto ou contrato social, são
apropriadas na conta Reservas de
endividamento da sociedade. Lucro, do grupo do Patrimônio Líquido.

FGV DIREITO RIO 191


ECONOMIA

Considerando o exposto, pode-se representar graficamente a estrutura 189


A colocação do Ativo ao lado
patrimonial de uma sociedade por meio de duas colunas189: esquerdo e do Passivo do lado direito
é mera convenção. Ou seja, não há
razão pré-normativa que imponha
tal colocação de um ou de outro lado.
Para compreensão do exposto, basta
BALANÇO PATRIMONIAL (31.12.XX) pensar nas distintas possibilidades de
localização do condutor de um veículo
automotor. Qual o correto, o motorista
ATIVO PASSIVO conduzir o veículo do lado esquerdo ou
direito? Para um inglês, por exemplo, a
resposta seria do lado direito, ao passo
que para um brasileiro ou americano
Passivo (Capital de Terceiros) seria “naturalmente” ao esquerdo. Em
suma, trata-se de mera convenção,
Ativo = Bens + Direitos que foi adotada para padronização
e compreensão das informações
Patrimônio Líquido (Capital Próprio) veiculadas por meio do Balanço
Patrimonial.
190
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
MS 32494 MC. Relator: Ministro Celso
Nesses termos, o Passivo compreenderia, também, além das obrigações de Mello. Brasília, 11 de novembro
de 2013. Disponível em: <http://
assumidas perante terceiros, o próprio Patrimônio Líquido. www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 de
julho de 2015. Decisão monocrática. O
seguinte trecho do voto é elucidativo:
Pelo exposto, dependendo da ótica ou perspectiva adotada, o termo “Torna-se relevante observar que
a denominada ‘disregard doctrine’
Passivo pode assumir conotação distinta, conforme já salientado. representa um importante contributo
teórico que permite ao Estado, agindo
na perspectiva de uma dada situação
concreta, afastar, ‘hic et nunc’, de
Sob a perspectiva da apuração da situação patrimonial líquida, o modo pontual, a personalidade
Passivo compreende apenas o conjunto das obrigações da sociedade jurídica de determinada entidade,
em ordem a neutralizar a ocorrência
com terceiros, haja vista que o capital próprio consubstancia obrigação de confusão patrimonial, de desvio
de finalidade, de práticas abusivas e
não exigível enquanto a sociedade estiver em operação, tendo em vista desleais ou de cometimento de atos
ilícitos, além de, no plano das relações
a separação entre o patrimônio dos sócios e da sociedade, corolário da jurídicas com a Pública Administração,
autonomia patrimonial190. também prevenir ofensa ao postulado
da moralidade e de resguardar
a incolumidade do erário. Cabe
enfatizar que a desconsideração da
Por outro lado, tendo em vista que a sociedade pode ter um fim, com personalidade jurídica, quer seja
analisada sob a égide da teoria maior,
a sua extinção191, o capital próprio pode, também, ser considerado um quer seja discutida sob a perspectiva da
teoria menor (REsp 279.273/SP, Rel. p/
potencial passivo da sociedade em face dos seus sócios, o que se resolve o acórdão. Min. NANCY ANDRIGHI), não
com a partilha192, ato final da liquidação. Ou seja, sob esta ótica, o PL implica extinção da personalidade civil
nem afeta a liberdade de iniciativa, pois
representa uma possível obrigação da pessoa jurídica com os cotistas ou as sociedades personificadas (simples
ou empresárias) preservam tanto a
acionistas em caso de liquidação. Nesse sentido parece ser a disciplina sua autonomia jurídico-institucional,
quanto a sua autonomia patrimonial
fixada no inciso III do § 2º do art. 176 da citada Lei nº 6.404/74 (LSA), em relação a terceiros. É por essa
razão que os autores advertem, ao
norma que estabelece a disposição dos elementos agrupados no Ativo, no versarem o tema da desconsideração
Passivo e no Patrimônio Líquido, sendo este último (PL) expressamente da personalidade jurídica, que a
aplicação dessa doutrina permite,
incluído no Passivo: como observa FÁBIO ULHOA COELHO
(“Desconsideração da Personalidade
Jurídica”, p. 54, 1989, RT), a superação
pontual, transitória e episódica ‘da
Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas eficácia do ato constitutivo da pessoa
segundo os elementos do patrimônio que registrem, jurídica”, desde que se torne possível
“verificar que ela foi utilizada como
e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e instrumento para a realização de
fraude ou abuso de direito’”. (grifo não
a análise da situação financeira da companhia. existente no original)

FGV DIREITO RIO 192


ECONOMIA

§ 1º No ativo, as contas serão dispostas em ordem


decrescente de grau de liquidez dos elementos
nelas registrados, nos seguintes grupos:
I – ativo circulante; e 
II – ativo não circulante, composto por ativo
realizável a longo prazo, investimentos, imobilizado
e intangível.
§ 2º No passivo, as contas serão classificadas nos
seguintes grupos:
I – passivo circulante;
II – passivo não circulante; e
III – patrimônio líquido, dividido em capital
social, reservas de capital, ajustes de avaliação
patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria
e prejuízos acumulados.

Portanto, de acordo com a lei societária, o Passivo inclui também o


Patrimônio Líquido, sendo disposto em ordem decrescente de grau de
exigibilidade. Assim, o Passivo Circulante representa os deveres com
vencimento no próprio exercício social ou no seguinte, e no Passivo Não
Circulante estão as obrigações com prazo de vencimento maior que o
final do exercício social subsequente.

O Ativo Circulante, conforme já ressaltado acima, é composto pelos


bens e direitos imediatamente disponíveis ou realizáveis até o exercício
social subsequente. A LSA brasileira divide o Ativo Não Circulante em
quatro grupos em ordem decrescente de liquidez: Ativo Realizável a 191
BORBA, José Edwaldo Tavares.
Direito Societário. 11 ed.rev.aum. e
Longo prazo, Investimentos, Imobilizado e Ativo Intangível. atual. Rio de Janerio: Renovar, 2008.
p. 44. “A liquidação da sociedade
representa a sua extinção. Os sócios
Mesmo considerando esses subgrupos do Ativo Circulante e Não funcionam como se fossem herdeiros
da sociedade. Assim é que, uma vez
Circulante, os bens e direitos deverão respeitar a ordem decrescente pagos os credores, o acervo restante é
partilhado entre os sócios na proporção
de liquidez. Por exemplo, a conta mais líquida da sociedade é a conta de sua participação no capital ou
“Caixa”, que sempre será a primeira a ser disposta no Ativo Circulante. conforme for determinado no contrato,
observado o que se afirmou em relação
Os Investimentos poderão ser dispostos no Ativo Circulante se for às distribuição dos lucros”.

intenção da sociedade realiza-los até o exercício social subsequente. O 192


BORBA, José Edwaldo Tavares.
Direito Societário. 11 ed.rev.aum. e
Ativo Imobilizado representa os bens corpóreos necessários à execução atual. Rio de Janerio: Renovar, 2008.
p.102. “A liquidação é o período de
das atividades da companhia, enquanto que o Ativo Intangível representa fechamento das contas. Nessa fase
os bens incorpóreos com a mesma finalidade, como marcas, patentes e deverá a sociedade ultimar negócios
pendentes, realizar o ativo e pagar
contratos de concessão. o passivo. A partilha é o ato final da
liquidação. Uma vez atendidos todos os
credores, o saldo patrimonial apurado
A citada disposição pode ser representada de forma gráfica ou esquemática, pertence aos sócios, devendo ser
distribuído entre estes na proporção
da seguinte forma: dos respectivos quinhões sociais”.

FGV DIREITO RIO 193


ECONOMIA

BALANÇO PATRIMONIAL (31.12.XX)

ATIVO PASSIVO

Ativo Circulante Passivo Circulante


(Bens e Direitos de maior liquidez) (Capital de Terceiros)
Passivo Não Circulante
(Capital de Terceiros)
Ativo Não Circulante
(Bens e Direitos) Patrimônio Líquido
(Capital Próprio)
Ativo Realizável a Longo Prazo; - Capital social
Investimentos; - Reservas de Capital
Imobilizado e - Ajustes de avaliação patrimonial,
Intangível. - Reservas de lucros,
- Ações em tesouraria
- Prejuízos acumulados

Considerando essa visão patrimonial e de resultado em face do mencionado


fluxo da renda, onde ocorrem as transações nos mercados - de fatores de
produção, de bens e serviços, de capitais, de créditos, de títulos e valores
mobiliários e monetário – (vide Aula 2 e 4), salienta Luiz Gonzaga Belluzo,
em apresentação do livro escrito por Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald193:

Os empresários gastam na expectativa de capturar


lucros, enquanto gera a renda da comunidade. No
processo de ‘fechamento’ do circuito gasto-utilização
da renda, os lucros capturados pelas empresas e a
fração da renda não-gasta, apropriada pelas famílias,
definem o montante da poupança agregada, ou seja,
o funding adicional necessário para o pagamento do
serviço das dívidas e a acumulação de riqueza.
Podemos, desta forma, imaginar a economia como
uma estrutura de balanços inter-relacionados
e em transformação: aos ativos correspondem
passivos que resultaram de decisões passadas. A
esta configuração patrimonial estão se agregando os
resultados das decisões em curso relativas à posse de
ativos e à forma de financia-los. Além de adiantar
recursos líquidos, criar liquidez, para efetivação do
193
Fragmento da apresentação de Luiz
gasto, o sistema bancário é encarregado de intermediar Gonzaga Belluzo ao livro: STIGLITZ,
as mudanças patrimoniais ao longo dos sucessivos Joseph; GREENWALD, Bruce. Rumo a
um novo paradigma em economia
‘momentos’ de geração e utilização da renda. monetária. São Paulo: Francis, 2004, p.9.

FGV DIREITO RIO 194


ECONOMIA

O ser humano maximizador da utilidade também pode ser concebido


a partir dessa estrutura de balanços inter-relacionados, onde a dinâmica
da vida econômica é contabilizada em uma demonstração do resultado do
exercício e refletida nos ativos e passivos (incluindo o patrimônio líquido).

2. O VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO E O PODER DE COMPRA: JUROS


SIMPLES E COMPOSTOS. VALOR PRESENTE DO FLUXO DE CAIXA.

O trade-off entre dinheiro agora e dinheiro no futuro depende, entre


outras variáveis194, da taxa de juros que se pode ganhar investindo o recurso
disponível, além da taxa de inflação no intervalo de tempo considerado,
conforme já destacado. Os cálculos também podem ser utilizados para
medir a rentabilidade de investimentos em atividades produtivas, além
daquelas ocorridas no mercado financeiro e de capitais.

O juro corresponde à remuneração ganha ou paga pela utilização do


capital durante certo prazo, sendo calculado por determinada taxa por
período de tempo. O juro pode ser analisado sob a ótica do poupador
que aplica ou empresta o recurso disponível ou, ainda, do tomador que
contrai uma dívida e utiliza o capital.

A taxa de juros pode ser expressa de duas formas: taxa percentual (%)
ou pela taxa unitária.

Obtêm-se a taxa unitária pela divisão da taxa percentual por 100.


Assim, por exemplo, 7% (forma percentual de sete por cento) corresponde
a 0.07 na forma unitária.

As taxas de juros sempre se referem a uma unidade de tempo, ao longo


de determinado período: dia, mês, bimestre, trimestre, semestre, ano, etc. 194
O custo tributário envolvido também
Dito de outra forma, a taxa de juros pode incidir em diferentes intervalos é elemento relevantíssimo para decisão
quanto à melhor aplicação do capital
(e.g. por ano, quadrimestre, trimestre, mês, dia etc)195 por determinado disponível no mundo real. Além dos
lapso de temporal. tributos incidentes sobre as instituições
financeiras, os quais influenciam a taxa
real de juros dos investimentos e os
valores cobrados e pagos pelos bancos
Assim, a título ilustrativo, a taxa de juros de 10% (dez por cento) ao e demais atores, também influenciam a
ano é representada sob a forma de porcentagem (taxa percentual), nos tomada de decisão os tributos cobrados
sobre as operações, rendimentos e
seguintes termos: i = 10% a.a. os ganhos de capital incidentes nas
aplicações de renda fixa, de renda
variável e, ainda, as realizadas por
Essa taxa pode incidir por um ano apenas, dois, três, cinco ou mil anos. intermédio de fundos.
195
É necessário realizar ajustes para
permitir a comparação de valores
Sob a forma de fração decimal (taxa unitária) nos seguintes termos: 10 = 0,1 com diversas datas de pagamento ou
recebimento, sendo a taxa de juros
100 elemento essencial.

FGV DIREITO RIO 195


ECONOMIA

Por sua vez, a taxa de juros de 8% (oito por cento) ao trimestre é


representada sob a forma de porcentagem (taxa percentual), da seguinte
maneira: i = 8% a.t.

Essa taxa pode incidir por 1 trimestre ou vários períodos.

Sob a forma de fração decimal (taxa unitária) nos seguintes termos: 8 = 0,08
100

A seu turno, a taxa de juros de 6% (seis por cento) ao mês é representada sob
a forma de porcentagem (taxa percentual), da seguinte maneira: i = 6% a.m.

Sob a forma de fração decimal (taxa unitária) nos seguintes termos: 6 = 0,06
100

Por fim, a taxa de juros de 1% (um por cento) ao dia é representada sob
a forma de porcentagem (taxa percentual), da seguinte forma: i = 1% a.d.

Sob a forma de fração decimal (taxa unitária) nos seguintes termos: 1 = 0,01
100

Sob o ponto de vista aritmético, a taxa de juros é uma taxa de variação


de uma operação financeira (aplicação, empréstimo etc.). A fórmula
que permite o cálculo da taxa de mudança (t) de uma variável em dado
período de tempo, se conhecidos o seu valor inicial (V0) e final (V1) é a
seguinte, em termos decimais:

t = V1 – V0 = V1 - V0 = V1 – 1
V0 V0 V0 V0

Em termos percentuais, essa taxa é expressa nos seguintes termos:

t % = t * 100 = V1 – 1 * 100
V0

Lembra como foi calculada a variação de preço do Big Mac entre 2019
e 2000 (Aula 2; pg. 48/49)? R$19,90/R$2,95 -1 = 5.7457 decimais. Em
termos percentuais, [R$19,90/R$2,95 -1] * 100 = 574,57%.

Imagine agora que Joaquim investiu R$ 1.000,00 (hum mil reais) e


retirou ao final de determinado período previamente acordado o valor de
R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais).

FGV DIREITO RIO 196


ECONOMIA

Qual foi a taxa de mudança do capital, isto é, qual foi a taxa de juros?

Os juros auferidos correspondem a R$ 500,00 (quinhentos reais),


resultado da subtração de R$ 1.500,00 - R$ 1.000,00. Mas qual foi a
taxa obtida?

Em termos decimais, t = V1 – 1; logo, t = 1.500,00 - 1 → t = 1,5 – 1 = 0,5


V0 1.000,00

Em termos percentuais, t % = 1.500,00 – 1 *100 → t % = 1,5 – 1 * 100 = 0,5 *100 = 50%


1.000,00

Os juros, que refletem a remuneração do capital, podem incidir sobre


o capital investido ou do crédito concedido de duas formas distintas, o
que altera o modo como são calculados.

No sistema dos juros simples a remuneração do capital é calculada


sobre o valor inicial (chamado de principal), durante todo o período
acordado da aplicação financeira ou do crédito concedido no caso do
empréstimo. Nesse caso não há incidência de juros sobre juros.

No regime dos juros compostos a remuneração do capital é calculada


ao longo do período por meio da aplicação de um percentual (a taxa)
constante sobre o capital acumulado. Isto é, os juros são incorporados à
base de cálculo do período subsequente, razão pela qual há incidência de
juros sobre os juros já capitalizados.

a. Juros Simples

A primeira forma, como dito, é chamada de juros simples, hipótese


na qual a taxa incide, durante todo o período, sobre o capital inicialmente
investido ou emprestado, designado valor principal (VP ou P). São usualmente
utilizados em operações (aplicações/empréstimos) de curto prazo.

Os juros simples, repise-se, não são capitalizados!

Nesse sentido é a disciplina fixada, por exemplo, no §1º do art. 161


do Código Tributário Nacional (CTN) Lei nº 5.172/66 -, como regra
geral para incidência dos juros de mora, metodologia também aplicável
nas circunstâncias indicadas no art. 406 do Código Civil. Os dispositivos
legais estabelecem:

FGV DIREITO RIO 197


ECONOMIA

Código Tributário Nacional


Art. 161. O crédito não integralmente pago no
vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual
for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da
imposição das penalidades cabíveis e da aplicação
de quaisquer medidas de garantia previstas nesta
Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de
mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

Código Civil
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem
convencionados, ou o forem sem taxa estipulada,
ou quando provierem de determinação da lei,
serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor
para a mora do pagamento de impostos devidos à
Fazenda Nacional.

Na hipótese em que a lei determina a aplicação de taxa de juros de


mora de 1% (um por cento) ao mês, o percentual total será de 12% (doze
por cento) ao ano, tendo em vista tratar-se de juros simples.

Os juros de mora em um ano, supondo o valor devido de R$1.000


(hum mil), será de R$120 (cento e vinte), correspondente à multiplicação
da taxa de 12% (12/100) pelo valor devido. Dessa forma, o total devido
será de R$1.120 (hum mil cento e vinte reais), correspondente à adição
de R$1.000 e R$120.

Suponha agora uma aplicação financeira no valor de R$1.000 (VP ou


P), sobre a qual incida a mesma taxa de juros simples de 12% ao ano:
quanto seria o total de juros (J)? E o capital total ao final (VF ou S)?

Os juros corresponderão a $120 (cento e vinte) no final de 12


meses, resultado da multiplicação de R$1.000 pelos juros de 12%
(R$1.000*12/100). Assim, o capital total acumulado corresponderia a
R$1.120 [(12/100) + 1 = 1,12 * R$1.000 = R$1.120; ou (R$1.000 *
12/100) + R$1.000].

Nesses termos, a taxa de juros (“i”) é a razão entre os juros (“J”) que
serão pagos ao titular do investimento - ou cobrados no fim do período,
caso se trate de um empréstimo-, e o valor principal (capital inicial – VP)
inicialmente aplicado, ou o montante de crédito obtido, conforme o caso.

FGV DIREITO RIO 198


ECONOMIA

Como regra, utiliza-se a letra “i” para simbolizar a taxa de juros, pois
é a letra que inicia a palavra inglesa interest.

A letra “J” representa o montante dos juros recebidos ou pagos, e não


a taxa incidente.

Pode-se representar o exposto da seguinte forma:

i= J → R$ 120 = 0,12 *100 = 12%

VP ou P R$ 1.000

Responda no espaço abaixo, tendo em mente a fórmula acima e suas variações.

(A) No final de um ano, qual o valor dos juros ganho (J) com a
aplicação do capital de R$ 200.000,00 (VP ou P) à taxa de juros
de 10% a.a (i)?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

Os juros simples podem ser exatos, utilizando-se o calendário civil - ano


com 365 ou 366 dias, ou por meio da utilização do calendário comercial
(ano com 360 dias e mês com 30 dias). As instituições financeiras utilizam
o calendário comercial.

O valor futuro (montante total a ser recebido) é simbolizado pela


sigla S ou VF (valor futuro/FV - future value), enquanto o valor presente
(capital inicial) é representado pela letra P (principal) ou VP, como dito.
O VF corresponde à soma do capital inicial (P ou VP/PV – presente value)
mais os juros (J), por isso também conhecido como S (Soma do VP com
os Juros). Por sua vez, o número de períodos de incidência da taxa de
juros (“i”) é indicado pela letra “n” (número de períodos da operação –
aplicação ou empréstimo).

A partir dessa simbologia, pode-se indicar duas fórmulas básicas,


quando incidente juros simples:

1) J = VP*i*n ou J = C*i*n ou J = P*i*n; se o período é único J = VP*i


196
O valor final acumulado é usualmente
representado pela seguinte fórmula: VF
2) VF = VP (1 + i * n)196 = VP + J ou S = P (principal) + J (juros)

FGV DIREITO RIO 199


ECONOMIA

Responda no espaço abaixo, tendo em mente o disposto acima.

(B) Qual a taxa de juros do período em que o capital acumulado final


(VF ou S) corresponde a R$ 28.000,00 a partir da aplicação do
capital inicial no valor de R$ 20.000,00 (VP ou P)?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

Em um contrato, as partes podem convencionar que a taxa deve


permanecer constante ou não ao longo do período total. No entanto, o
juro correspondente a cada período será sempre calculado de acordo com
a taxa estipulada sobre o capital inicialmente aplicado (VP ou P).

E se as taxas indicadas em um problema possuem parâmetros temporais distintos?

(C) Por exemplo, qual é o montante final obtido após 6 meses se for
aplicado R$ 100,00 à taxa anual de juros simples de 24% a.a?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

É necessário inicialmente conhecer a taxa de juro mensal ou semestral


equivalente à taxa anual. Dito de outra forma, a taxa de juros deve ser
explicitada na mesma unidade de tempo indicada para o período da
aplicação ou do empréstimo.

No caso dos juros simples, a taxa anual de juros corresponde a 12 vezes


a taxa mensal de juros.

A taxa anual de 24% equivale a 2% ao mês ou 12% no semestre.

O valor principal de R$ 100,00 aplicado por 6 meses à taxa de 2% ao


mês equivale a 12% de juros em seis meses. Os juros obtidos a essa taxa é de
R$12,00 (2%* 6 meses = 12% *R$ 100,00 = R$12,00 ou 12% * R4=$100,00).

Se a taxa for mensal, o tempo deve ser expresso em meses; se a taxa for
bimestral, o tempo deve ser expresso em bimestres e assim sucessivamente.

A taxa anual é quatro vezes a taxa trimestral se aplicável os juros


simples, pois a uma correspondência aritmética.

FGV DIREITO RIO 200


ECONOMIA

Nesse sentido, pode-se indicar como exemplo as seguintes taxas


equivalentes no caso de juros simples:

Taxa Anual
Taxa mensal =
12
Taxa Anual
Taxa semestral =
2
Taxa Anual
Taxa trimestral =
4
Taxa Anual
Taxa quadrimestral =
3
Taxa Trimestral
Taxa mensal =
3

Pode-se representar a relação entre a taxa mensal de juros com a taxa


de um período que possui “X” meses da seguinte forma:

ix = imensal * X;

sendo imensal = taxa de juros mensal e ix = taxa de juros do período X

(D) Calcule a taxa mensal proporcional a 30% ao ano, considerando


que um ano corresponde a 12 meses:
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

A taxa simples diária equivalente à taxa mensal, considerando o mês


comercial com 30 dias, corresponde à taxa mensal dividida por 30.

Exemplo:

i = 3% a.m.

n = 150 dias.

A taxa de juros está expressa em meses, ao passo que o tempo de


aplicação/utilização do capital em dias.

FGV DIREITO RIO 201


ECONOMIA

Para permitir o cálculo dos juros e capital acumulado é necessário que


haja concordância entre as unidades, razão pela qual é necessário escolher
uma unidade comum e converter a outra variável.

O mês comercial é de 30 dias, como dito. Assim, para converter 150


dias para meses, é necessário dividir por 30.

n = 150 dias = 150 meses = 5 meses


30

Portanto, no caso teríamos uma taxa de juros i=3% a.m. aplicada por
5 meses = n

Para o ano comercial com 360 dias, a taxa diária comercial equivalente
corresponde à taxa anual dividida por 360.

Por sua vez, para o ano exato de 365 dias, a taxa diária é a taxa anual
dividida por 365.


b. Juros Compostos

Caso incidam juros compostos, após cada período de capitalização, os


juros são incorporados ao capital anteriormente investido, ou emprestado.

Denomina-se capitalização o momento em que os juros são


incorporados ao principal.

Portanto, há incidência de juros sobre os juros já capitalizados


anteriormente. O principal inicialmente investido ou o valor do
empréstimo será acrescido aos juros, e assim sucessivamente, durante
todo o período da aplicação ou do empréstimo.

Dessa forma, os juros são capitalizados, incorporando-se ao valor


sobre o qual incidirá a taxa de juros no período subsequente, até o
termo final.

(E) Imagine R$1.000 investidos a uma taxa de juros de 10% a.a.


(dez por cento ao ano), durante 5 anos. Qual seria a diferença do
capital acumulado ao final de cada ano, caso incida juros simples
ou compostos? Complete as lacunas das colunas (A), (B) e (C) de
cada modelo de cálculo.

FGV DIREITO RIO 202


ECONOMIA

JUROS SIMPLES JUROS COMPOSTOS

(A) (B) (C) = (A) + (B) (A) (B) (C) = (A) + (B)

BASE DE JUROS: TOTAL BASE DE JUROS: TOTAL


CAPITAL INCIDÊNCIA 10% ACUMULADO INCIDÊNCIA 10% ACUMULADO
Principal R$ 1.000,00 - - R$ 1.000,00 - -
após 1 ano R$ 1.000,00 R$ 1.000,00
após 2 anos
após 3 anos
após 4 anos
após 5 anos

O gráfico abaixo permite a visualização dos diferentes modos de


crescimento do capital em função das duas formas de cálculo, apesar da
mesma taxa incidente de 10%, supondo aqui 20 anos de aplicação.

O capital cresce em progressão aritmética quando aplicado os juros


simples, ao passo que se incidente os juros compostos o capital acresce
em progressão geométrica.

Se a incidência dos juros for efetuada em apenas um período, o


montante será igual nos dois regimes, isto é, calculado pelos juros
simples ou compostos.

Para compreensão do exposto, solucione o exercício abaixo:

FGV DIREITO RIO 203


ECONOMIA

(F) Imagine que Boris Compra Tudo Jr. utilizou cheque especial de
seu Banco, Juros Altos S.A, o qual cobra a taxa de 6% ao mês. Boris
pediu a sua namorada, Angel Riquíssima, herdeira da importante
família Riquíssima Mão aberta, que depositasse em sua conta o
valor necessário para o pagamento do montante total devido. O
principal do empréstimo contraído é no valor de R$ 30.000,00,
sobre o qual incide os juros ao final de cada mês.
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

Qual o valor Angel Riquíssima Mão aberta deve depositar na conta de


Boris Compra Tudo Jr depois de um mês para saldar a dívida total?
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________

Há diferença entre o cálculo dos juros simples ou compostos nesse caso?


Sim ou Não?___________________.

Por quê?
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________ _

E se já passaram 12 meses? Qual o valor a ser depositado e qual a taxa de


juros total incidente em todo o período?
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________

Qual a taxa de juros nesse caso?


________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________

A regra geral é a incidência de juros compostos nos investimentos,


empréstimos e aplicações no Brasil.

Pode-se sintetizar a fórmula de incidência dos juros compostos da


seguinte forma:

FGV DIREITO RIO 204


ECONOMIA

1º ano: VF ano 1 =
VP * (1 + i)

2º ano: o principal é igual ao montante do ano anterior:


VF ano 2 = VP * (1 + i) * (1 + i)

3º ano: o principal é igual ao montante do ano anterior:


VF ano 3 = VP * (1 + i) * (1 + i) * (1 + i)

4º ano: o principal é igual ao montante do ano anterior:


VF ano 4 = VP * (1 + i) * (1 + i) * (1 + i) * (1 + i)

5º ano: o principal é igual ao montante do ano anterior:


VF ano 5 = VP * (1 + i) * (1 + i) * (1 + i) * (1 + i) * (1 + i)

Podemos simplificar essa equação por meio da utilização da seguinte fórmula


(imagine como ficaria complicada a representação para 20 anos ou mais):

VF = VP * (1 +  i)n

Sendo,

VF = o valor total acumulado ao final;

VP = o principal inicialmente aplicado;

i = taxa de juros composta, para o período de capitalização definido

n = número correspondente ao período total de capitalização/aplicação

A mesma fórmula do montante final sendo aplicado os juros compostos


após n períodos de capitalização em dado período de tempo também é
usualmente apresentada com a seguinte simbologia:

S = P * (1 +  i)n

Sendo,

S = VF = o valor total acumulado ao final;

P = VP = o principal inicialmente aplicado;

i = taxa de juros composta, para o período de capitalização definido

n = número correspondente ao período total de capitalização/aplicação


FGV DIREITO RIO 205


ECONOMIA

Na hipótese dos juros compostos é necessário fazer ajustes caso a taxa


de juro indicada em um problema possua parâmetro temporal distinto
ao do período de capitalização. É o que se denomina de taxa de juros
compostas equivalentes. São equivalentes, ainda quando referidas a
períodos de capitalização distintos, caso o mesmo valor de capital inicial
produza os mesmos juros e montante de capital total. Se for o caso, impõe-
se, inicialmente, saber quantos períodos de capitalização existem dentro
do total de períodos da operação financeira (aplicação ou empréstimo).

Imagine, por exemplo, que Maria realizou uma aplicação financeira


no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por um ano, à taxa de juros
compostos de 2% a.t. (ao trimestre).

Qual seria o valor final a ser resgatado e o valor dos juros auferidos?

É importante inicialmente considerar que o período de capitalização


ocorre a cada 3 (três) meses, à taxa de juros de 2%. Ainda, imprescindível
ter em mente que 1 (um) ano possui 4 (quatro) trimestres.

Portanto, utilizando uma das fórmulas acima indicadas


[VF = VP * (1 +  i)n ou S = P * (1 +  i)n], o valor total acumulado ao
final do período, simbolizada pelas letras VF (ou S), é igual ao principal
inicialmente aplicado, cujo símbolo é VP (ou P), correspondente a R$
10.000,00, no exemplo, multiplicado pela unidade (1) somada à taxa de
juros de 2% ao trimestre, elevado a 4ª potência, tendo em vista que um
ano possui quatro trimestre.

Assim, teríamos

VF (ou S) = R$ 10.000,00 * (1+ 0,02)4 → VF (ou S) = R$ 10.000,00 * (1,02)4

VF (ou S) = R$ 10.000,00 * (1,0824) → VF (ou S) = R$ 10.824,32

Logo, os juros auferidos corresponderiam a R$ 824,32, resultado da


subtração de R$ 10.824,32 por R$ 10.000,00.

De forma análoga, se o regime dos juros compostos é feito por meio


da capitalização mensal, a aplicação de um ano compreenderá 12 (doze)
períodos de capitalização. Por sua vez, na hipótese de capitalização
trimestral, uma aplicação de 9 (nove) meses abrangerá 3 (três) períodos
de capitalização.

FGV DIREITO RIO 206


ECONOMIA

Existe uma fórmula para conversão de taxa de juros compostas


equivalentes, isto é, duas taxas com períodos de capitalização diferentes
que, aplicadas sobre o mesmo capital inicial, produzem o mesmo
montante de juros e de capital final. A taxa de juros compostos de
um período total é representada pelo termo “itotal”, ao passo que o
símbolo “isubperíodo” representa a taxa de juros compostas de um
subperíodo, do total da aplicação. As taxas, como dito, apesar de
diferentes, aplicadas sobre o mesmo capital, resultam no mesmo valor
de juros e valor final. O termo “sub” revela o número de subperíodos
contidos dentro do período total.

1 + itotal = (1 + isubperíodo)subperíodo

Assim, considerando que 1 (um) ano contém 12 (doze) meses, por


exemplo, qual taxa anual (ianual) equivalente à taxa mensal (isub)
composta de 1% ao mês (0,01)?

1 + ianual = (1 + 0,01)12 → ia = [ (1 + 0,01)12 ] - 1 → 12,68%

(G) Tente utilizar a fórmula acima para descobrir a taxa anual


equivalente à taxa de juros compostos de 2% a.t. (ao trimestre)
referida no exemplo da Maria, apresentado na página anterior.
Qual seria a taxa anual?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

(H) Exemplo: Se Pâmela investe o valor de R$ 6.000,00, durante 1


ano, à taxa de 3,5% a.m. (ao mês), qual o capital acumulado ao
final se incidente juros compostos?

VP ou P= R$ 6.000,00

n = 1 ano = 12 meses

i = 3,5 % a.m. = 0,035

VF ou S = ?

Utilize uma das fórmulas acima indicadas: VF = VP * (1 + i)n ou S = P * (1 + i)n

FGV DIREITO RIO 207


ECONOMIA

Resposta:
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________

Os juros podem ser obtidos pela subtração do valor final |(VF ou S)


pelo valor inicial (VP ou P). Portanto, J = VF – VP ou J = S – P.

Como VF = VP * (1 + i)n a fórmula acima pode ser reescrita como:


J = VP * (1 + i)n – VP

Da mesma forma, como S = P * (1+i) n então, J = P * (1+i) n - P

Caso seja apresentado o valor final da aplicação ou de um empréstimo


capitalizado por juros compostos, é possível determinar o valor atual por
meio de uma variação da fórmula acima indicada. Assim, o valor atual,
simbolizado por VP (ou P), equivale ao valor futuro (VF ou S) dividido
pela taxa de juros incidente no período elevado ao número de períodos
de capitalização dentro de todo o tempo da operação financeira. Pode-se
apresentar o exposto da seguinte forma:

Valor atual = VA = VP = VF Ou, Valor atual = VA = P = S


(1 +  i)
n
(1 + i)n

Um exemplo facilita a compreensão do exposto.

Qual o valor atual de um título com resgate no final de 2 anos de valor de


face de R$ 10.000,00, se aplicável a taxa de juros anual compostos de 15% a.a.?

VA = VP = VF → R$ 10.000,00 = R$ 10.000,00 = R$ 10.000,00 = R$ 7.561,44


(1 +  i)n (1+0,15) 2 (1,15) 2 1,32

(I) Suponha que um título possui valor de face (ou valor final de
resgate) no montante de R$ 15.000,00 ao final de quatro anos,
sendo aplicável a taxa de juros anual compostos de 6% a.a. Qual o
valor atual desse título? Para tanto, utilize a fórmula acima indicada:
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

FGV DIREITO RIO 208


ECONOMIA

c. Juros Nominais e Juros Reais

Nos cálculos dos juros realizados até o momento – tanto no regime


dos juros simples como nos juros compostos - não foram examinados os
possíveis impactos da inflação sobre a remuneração obtida.

No primeiro exercício apresentado, por exemplo, no qual Joaquim


investiu R$ 1.000,00 (hum mil reais) e retirou ao final de determinado
período previamente acordado o valor de R$ 1.500,00 (hum mil e
quinhentos reais), concluiu-se que os juros auferidos correspondiam a R$
500,00 (quinhentos reais). A taxa obtida foi de 0,5 em decimais e de 50%
em termos percentuais.

Imagine que durante o período considerado para um investimento


houve inflação de 20% (vinte por cento). Surge então uma a dúvida:
qual foi a taxa real obtida com a aplicação considerando a perda do
poder de compra da moeda em 20% se a taxa nominal calculada foi de
50%? Será 30%?

O valor investido (VP ou P = R$ 1.000,00) corrigido pela inflação do


período (20%), até a data do resgate do investimento, corresponde a R$
1.200,00 (R$1.000 * 1,2). Portanto, dos juros nominais obtido, no valor
de R$ 500,00, apenas uma parte, de R$ 300,00, representa ganho real,
haja vista que R$ 200,00 refletem a perda do poder de compra da moeda.
Se o os juros reais correspondem a R$ 300,00, significa que a taxa real ou
efetiva de juros é de 25% (R$300,00/R$1.000,00), e não 30%.

Conclui-se, portanto, que não basta subtrair a taxa nominal de juros


da taxa de inflação para alcançar os juros reais, como pode parecer ao
primeiro olhar. Com efeito, a fórmula a seguir permite calcular os juros
reais sem a necessidade da apuração acima descrita:

t real = t nominal – t inflação


1+ t inflação

Onde,

t real é a taxa real de juros

t nominal é a taxa nominal de juros

t inflação é a taxa de inflação

FGV DIREITO RIO 209


ECONOMIA

Tenta aplicar a fórmula acima considerando os parâmetros indicados


no caso do Joaquim:
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________

(J) Exercício: O Banco Crédito Fácil Digital S.A, ao realizar um


empréstimo, oferece taxas pré-estabelecidas. Em sua propaganda
institucional, anuncia uma linha de crédito no valor de R$
10.000,00 (dez mil reais). O empréstimo deve ser pago no prazo
máximo de um ano, correspondendo ao valor de R$ 13.000,00. Se
a inflação do período foi de 3%, qual a taxa real de juros da linha
de crédito anunciada?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

d. Valor Presente do Fluxo de Caixa

O fluxo de caixa de uma operação financeira ou de um projeto de


investimento é o conjunto de saídas e entradas de caixa. As saídas e
entradas do dinheiro em caixa são indicados de acordo com as datas em
que ocorrem. O fluxo pode ser representado apenas por uma saída e uma
entrada em caixa, como ocorre na hipótese de aplicação financeira com
resgate futuro.

A figura abaixo indica um fluxo convencional de investimento. No


momento inicial há saída do dinheiro do caixa e no momento final o
capital mais os juros retornam para o investidor.

Tempo 2: Entrada no Caixa: $1.500

Tempo 1: - Saída de Caixa: $1.000

Por outro lado, o fluxo convencional de um empréstimo com apenas uma


saída e uma entrada no caixa é representado graficamente pela figura abaixo:

FGV DIREITO RIO 210


ECONOMIA

Tempo 1: - Entrada no Caixa: $1.000

Tempo 2: Saída do Caixa: $1.500

Ao invés de um único título com valor de resgate conhecido, conforme


acima examinado, podem existir diversos valores a receber ou a pagar,
isto é, um fluxo de pagamentos ou de recebimentos futuros.

Assim, podem haver, por exemplo, diversas aplicações e resgates ao


longo do tempo. A sigla PV representa aplicações/investimentos e a sigla
FV os resgastes, respectivamente.
FV4 FV5 FV6

PV1 PV2 PV3

Nesse sentido, qual é o valor atual de uma série de prestações


(pagamentos ou recebimentos), no regime de juros compostos?

É o somatório dos valores presentes de cada prestação, o que pode ser


representado pela fórmula abaixo, sendo o R a sigla das prestações da
série, i a taxa de juros compostos:

VA = R1 + R2 + R3 + R4 + R5 + ...... Rn
(1+i) (1+i)2 (1+i)3 (1+i)4 (1+i)5 (1+i) n

O exame do valor presente de um fluxo de caixa futuro será retomado


na Aula 8, após a realização de exercícios na Aula 7 para consolidação do
conhecimento no que se refere aos juros simples e compostos.

FGV DIREITO RIO 211


ECONOMIA

AULA 8 – SOLUÇÃO DE EXERCÍCIOS: VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO


E O PODER DE COMPRA: JUROS SIMPLES E JUROS COMPOSTOS.
VALOR PRESENTE DO FLUXO DE CAIXA.

A. JUROS SIMPLES

1) No final de um ano, qual o valor dos juros ganho (J) com a aplicação
do capital de R$ 500.000,00 (VP) à taxa de juros de 18% a.a (i)?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2) Qual a taxa de juros do período em que o capital acumulado final


(VF) corresponde a R$ 55.000,00 a partir da aplicação do capital
inicial no valor de R$ 25.000,00 (VP)?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3) João Fortunato ganhou R$ 25.000,00 de juros depois de aplicar


R$ 250.000,00 em determinado período. Riquinho aplicou R$
500.000,00 pelo mesmo período que João, e obteve o montante final
de R$ 700.000,00. Quem recebeu maior taxa de juros, Fortunato
ou Riquinho? Justifique.
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

4) Qual deveria ser o montante final obtido por Riquinho para


que a taxa de juro fosse igual àquela obtida por Fortunato (vide
exercício 3)?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

FGV DIREITO RIO 212


ECONOMIA

5) Qual montante Honda receberá se aplicou R$ 300,000,00 durante


25 meses à taxa de 0,5% ao mês?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

6) Por quanto tempo deve ser aplicado o capital de R$ 800.000,00,


à taxa de juro de 16% ao ano, para obtermos um montante de R$
832.000,00?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

B. JUROS COMPOSTOS

1) Joana aplicou durante três anos à taxa de juros semestral de 3%, em


regime de capitalização semestral, R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Quais será o total acumulado ao final dos 3 anos e o montante dos
juros auferidos?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2) Suponha que um título possui valor de face (ou valor final de


resgate) no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao
final de quatro anos, sendo aplicável a taxa de juros compostos de
6% a.a.. Qual o valor atual desse título capitalizado anualmente?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3) E se a taxa de juros do exercício anterior for 7% a.a?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

FGV DIREITO RIO 213


ECONOMIA

4) E se a taxa for apenas 5% a.a?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

5) Qual a relação entre taxa de juros e preço do título nessa hipótese?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

6) Um banco divulgou que a rentabilidade de determinado investimento


foi de 10% de juros no ano. A inflação do mesmo período foi de
6%. Quais são os juros reais?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

7) Qual a taxa semestral composta equivalente à taxa bimestral de 2,5%?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

FGV DIREITO RIO 214


ECONOMIA

AULA 9 – O MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO E O INVESTIMENTO


EM VALOR (VALUE INVESTING): PENSANDO NO LONGO PRAZO

O Dr. Gustavo Rissardi, que ministrará a aula, indicou como leitura


prévia os textos que podem ser acessados nos seguintes endereços:

Leitura 1:

https://www.rissardiconsultoria.com.br/conteudo/visualizar/como-
funciona-a-an-lise-fundamentalista-de-a-es

Leitura 2:

https://www.treasy.com.br/blog/taxa-minima-de-atratividade-tma/

Leitura 3:

https://www.treasy.com.br/blog/valor-presente-liquido-vpl/

Leitura 4:

https://www.voitto.com.br/blog/artigo/taxa-interna-de-retorno

Leitura 5:

https://www.treasy.com.br/blog/taxa-interna-de-retorno-tir/

FGV DIREITO RIO 215


ECONOMIA

AULA 10 – AS FORÇAS DE MERCADO: A OFERTA E A DEMANDA.


ELASTICIDADE E SUAS APLICAÇÕES.

Esta aula inicia o estudo do que usualmente se denomina


microeconomia. Tem como objeto específico, introduzir o exame
da demanda e a “curva” que a representa, em contraposição com a
denominada “quantidade demandada”. Serão também introduzidos o
conceito e os aspectos essenciais da elasticidade em face da demanda.

Na próxima aula será apresentada a oferta, e introduzidos os


aspectos essenciais à determinação da quantidade de bens e serviços que
serão produzidos e oferecidos no mercado. Assim, serão analisados os
elementos que influenciam a decisão empresarial acerca da quantidade a
ser produzida e ofertada no mercado.

Na Aula 12 será apresentada a correlação fundamental entre os preços e


os tributos. Além de introduzido o conceito de “peso morto”, e a chamada
curva de Laffer, objetiva-se aprofundar o conceito de elasticidade197.

10.1 A “DEMANDA” E A “QUANTIDADE DEMANDADA”.

Inicialmente, importante ressaltar a distinção entre “a demanda” e “a


quantidade demandada”.

A “demanda” pode ser expressa por meio de uma tabela, que correlaciona
preços e quantidades procuradas, ou pela chamada “curva de demanda”,
um gráfico representativo das quantidades em relação aos preços. 197
As duas aulas (11 e 12) são reproduções
de parte do texto publicado em COSTA,
Leonardo de Andrade. Uma introdução à
Nos dois casos (da tabela ou da curva) é indicado o conjunto análise econômica do direito tributário.
In. Direito e Economia - Diálogos.
de alternativas de um consumidor, ou que diversos consumidores Coordenação. PINHEIRO Armando Castelar,
PORTO Antônio J. Maristrello, SAMPAIO,
podem aspirar, considerando a(s) sua(s) renda(s) constante(s), sua(s) Patrícia Regina Pinheiro. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2019, p. 378-407.
necessidade(s) e gosto(s) imutável(is), e sem alteração nas características
198
Lembre-se que uma das características
do próprio bem e dos bens substitutos198. do modelo econômico é a simplificação
de determinadas variáveis, para permitir
o exame do que for essencial. O passo
Dessa forma, “a demanda” exterioriza uma combinação de valores inicial, portanto, é assumir que as rendas
são as mesmas, os gostos das pessoas não
possíveis entre preços e quantidades, considerando constantes os demais se alteram e que as características dos
bens e dos seus substitutos também não se
elementos que influenciam a procura. modificam.

FGV DIREITO RIO 216


ECONOMIA

Esse congelamento das demais variáveis (“todo o resto constante”)


é denominado coeteris paribus pelos economistas. É o que permite a
análise e compreensão dos aspectos mais relevantes, inicialmente.

A “quantidade demandada”, por sua vez, diferentemente “da


demanda”, refere-se a uma entre as diversas possibilidades 199 existentes
em uma “curva de demanda” em determinado período de tempo
(por mês, ano etc.). Assim, parte-se inicialmente da premissa de que
nada se altera além do preço e a quantidade demandada. Em seguida
será possível verificar que as alterações na “demanda” decorrerão de
modificações na renda ou gosto do consumidor, nos preços dos bens
relacionados ou mesmo das expectativas de alterações nessas variáveis.
Nesses casos, ocorre a alteração da própria “demanda” e “a curva” que
a representa, conforme será explicado posteriormente.

Nesses termos, como dito, a “demanda”, que representa a relação


entre diferentes preços e diversas “quantidades demandas”, pode ser
explicitada em uma tabela ou escala de procura e, ainda, por meio de
um gráfico contendo dois eixos (um vertical outro horizontal), onde
se visualiza a mencionada “curva de demanda”.

Nos dois casos o exame pode ser realizado em relação a um


consumidor (individualmente), um conjunto de consumidores ou sua
totalidade, no mercado considerado.

Suponha os seguintes exemplos hipotéticos: 200 se o preço de uma


garrafa de vinho “A” é R$ 50,00, o consumidor “X”, que tem renda
mensal de R$ 20.000,00, está disposto a comprar 10 garrafas por
mês. Caso o preço seja de R$ 40,00, o mesmo consumidor poderia 199
Esse aspecto é essencial à compreensão
e desejaria comprar 20 garrafas por mês. Se o preço passa para R$ da distinção entre o movimento ao longo
da curva de demanda e o deslocamento da
30,00, o mesmo consumidor poderia e desejaria comprar 35 garrafas própria curva de demanda, diferenciação
fundamental para o entendimento
por mês. Na hipótese de o preço da garrafa ser fixado em R$ 20,00, dos possíveis impactos econômicos da
tributação sobre os preços e quantidades
“X” poderia e desejaria comprar 55 garrafas por mês. Por fim, caso demandadas em diferentes circunstâncias,
tendo em vista a mencionada correlação
o preço da unidade seja R$ 10,00, o consumidor poderia e desejaria entre tributo e preço.

comprar 80 garrafas por mês. 200


As hipóteses indicadas nas tabelas 1 a
7, que serão apresentadas a seguir, são
baseadas nos exemplos formulados em
TRIVEDI, P. Applied microeconomics for
Pode-se representar essa escala de demanda do consumidor “X” por public policy Makers. Nova Delhi, Índia:
Indian Institute of Management; Harvard
meio da tabela 1. University. 1991.p.17-51.

FGV DIREITO RIO 217


ECONOMIA

Tabela 1
A demanda do consumidor “X” pelo vinho “A”

QUANTIDADE DE GARRAFAS DE VINHO


PREÇOS POR GARRAFA DE VINHO (R$) DEMANDADAS POR MÊS

R$ 50,00 10
R$ 40,00 20
R$ 30,00 35
R$ 20,00 55
R$ 10,00 80
Fonte: Adaptação do exemplo 2.1 indicado em Trivedi (1991:17).

Essas mesmas alternativas de demanda do vinho “A” pelo consumidor


“X”, dependendo do preço da garrafa, podem ser apresentadas sob a
forma da já mencionada “curva de demanda”, a qual contém dois
eixos e é negativamente inclinada.

Pode-se comprovar essa correlação inversa, entre preço e quantidade


demandada, empiricamente ou por meio de um conjunto lógico de
hipóteses comportamentais. É a “lei geral da demanda”.

Alfred Marshall, economista inglês, em seu famoso livro Principles


of economics, foi um dos primeiros a suscitar a ideia no sentido de
que “a utilidade” de um bem para qualquer pessoa diminui com o
aumento da quantidade disponível 201 (Marshal, 1890:65). O termo
“utilidade” já havia sido introduzido por Jeremy Bentham, para
indicar quantidades de prazer e dor 202. Esses conceitos e concepções
serviram de base para o desenvolvimento da denominada “lei da
utilidade marginal decrescente”, a qual, apesar de possíveis críticas 201
MARSHALL, A. Principles of
economics. 8. ed. 1890. The Online
quanto ao subjetivismo de se medir a satisfação individual, auxilia Library of Liberty. A Project Of Liberty
Fund, Inc p.65. Disponível em:
na compreensão do formato da aludida curva de demanda e da <https://eet.pixel-online.org/files/
mencionada “lei da demanda”. etranslation/original/Marshall,%20
Principles%20of%20Economics.pdf>.
Acesso em: 10 set. 2018.

Assim, considerando os números hipotéticos anteriores, acerca da 202


BENTHAM, J. An introduction
to the principles of morals and
relação entre diferentes preços e diversas “quantidades demandas” de legislation. 1781. Batoche Books
Kitchener. 2000. p.14-15 Disponível
vinho, no eixo vertical são apresentados os preços por garrafa e, no em: <https://socialsciences.mcmaster.
ca/econ/ugcm/3ll3/bentham/morals.
eixo horizontal, a quantidade demandada por mês. pdf>. Acesso em: 10 set. 2018.

FGV DIREITO RIO 218


desenvolvimento da denominada “lei da utilidade marginal decrescente”, a qual, apesar de possíveis críticas
quanto ao subjetivismo de se medir a satisfação individual, auxilia na compreensão do formato da aludida curva
de demanda e da mencionada “lei da demanda”.
Assim, considerando os números hipotéticos anteriores, acerca da relação entre diferentes preços e
ECONOMIA
diversas “quantidades demandas” de vinho, no eixo vertical são apresentados os preços por garrafa e, no eixo
horizontal, a quantidade demandada por mês.
Gráfico 11
Gráfico
A curvade
A curva dedemanda
demanda

Demanda do Consumidor "X" pelo vinho "A"


90
Preço por garrafa de vinho

80
70
60
50
40
30
20
10 D1
0
1 2 3 4 5 6
Quantidade de garrafas de
10 20 35 55 80
vinho Demandadas
Preços por garrafa de
$50,00 $40,00 $30,00 $20,00 $10,00
vinho (R$)

Fonte: Elaboração
Fonte: própria.
Elaboração própria.

A demanda de bens e serviços,


A demanda de bensconforme já salientado,
e serviços, conforme é certamente influenciada
já salientado, por outros elementos
é certamente
influenciada
além da variável por
preço, como outros
é caso elementose além
das preferências renda da
dos variável preço,
consumidores, doscomo
preços édecaso
outros bens e
dascomplementares,
serviços (bens preferências substitutos)
e renda dos etc. consumidores, dos preços de outros bens
e serviços (bens complementares, substitutos) etc.
A relação entre a renda e a demanda depende também do tipo de bem. No caso do bem normal, o
aumento de renda do consumidor leva ao aumento da demanda do produto. Em sentido oposto, na hipótese dos
A relação entre a renda e a demanda depende também do tipo de
chamados “bens inferiores”, o aumento da renda causa uma redução da demanda, como ocorre, por exemplo,
bem. No caso do bem normal, o aumento de renda do consumidor
com o consumo da denominada “carne de segunda”. Já os designados bens de consumo “saciado” não são
leva ao aumento da demanda do produto. Em sentido oposto,
influenciados nadiretamente
hipótesepela dosrenda dos consumidores
chamados “bens (e.g., sal, farinha,oarroz
inferiores”, etc).
aumento da renda
causa uma redução da demanda, como ocorre, por exemplo, com o
201
MARSHALL, A. Principles of economics. 8. ed. 1890. The Online Library of Liberty. A Project Of Liberty Fund, Inc p.65.
Disponível
consumo da denominada “carne em:
de segunda”. Já os designados <https://eet.pixel-
bens
online.org/files/etranslation/original/Marshall,%20Principles%20of%20Economics.pdf>.
de consumo “saciado” não são influenciados diretamente Acessopela
em: 10renda
set. 2018.
202
BENTHAM, J. An introduction to the principles of morals and legislation. 1781. Batoche Books Kitchener. 2000. p.14-15
Disponível em:dos consumidores (e.g., sal, farinha, arroz etc).
<https://socialsciences.mcmaster.ca/econ/ugcm/3ll3/bentham/morals.pdf>. Acesso em: 10 set. 2018.
FGV DIREITO RIO 126
No caso do vinho “A”, por exemplo, com o aumento da renda do
consumidor “X” haverá natural aumento “da demanda”. Nesse caso há
um deslocamento da “curva de demanda” no sentido de seu aumento,
para direita. Note que não houve nesse caso a simples alteração da
quantidade demandada ao longo da mesma curva de demanda, mas
sim o deslocamento da própria curva de demanda. O gráfico 2 auxilia
a compreensão da distinção.

FGV DIREITO RIO 219


aumento “da demanda”. Nesse caso há um deslocamento da “curva de demanda” no sentido de seu aumento,
para direita. Note que não houve nesse caso a simples alteração da quantidade demandada ao longo da mesma
curva de demanda, mas sim o deslocamento da própria curva de demanda. O gráfico 2 auxilia a compreensão
ECONOMIA
da distinção.
Gráfico 2
OGráfico
deslocamento
2 da curva de demanda
O deslocamento da curva de demanda
Preço do Vinho



Demanda 2
Demanda 1

Quantidade de Vinho
Fonte: Elaboração própria.
Fonte: Elaboração própria.

Supondo que o mesmo consumidor “X” acima referido obteve um


Supondo
aumento que o mensal
de renda mesmo consumidor
líquida de “X”
R$ acima referido
20.000,00 obtevemil
(vinte umreais)
aumento de renda mensal líquida de
para
R$R$20.000,00
40.000,00 (quarenta
(vinte mil reais)mil
parareais) ao mês. (quarenta
R$ 40.000,00 Nessa hipótese os ao
mil reais) efeitos sobre hipótese os efeitos sobre
mês. Nessa
a quantidade demandada no mês são indicados na tabela 2.
a quantidade demandada no mês são indicados na tabela 2.
Tabela 2
Tabelado
A demanda 2 consumidor “X” pelo vinho ‘A”
A demanda
Preços por garrafa do consumidor
de vinho (R$) “X”de
Quantidade pelo vinhode‘A”
garrafas vinho demandadas por “X” ao mês
com a renda de R$ 20.000,00 com a renda de R$ 40.000,00
QUANTIDADE DE GARRAFAS DE VINHO DEMANDADAS
R$ 50,00
PREÇOS POR GARRAFA DE POR10“X” AO MÊS 22
R$ (R$)
VINHO 40,00 20 30
COM A RENDA DE R$ COM A RENDA DE R$
R$ 30,00 20.000,00 35 40.000,00 45
R$ 20,00 55 67
R$ 50,00 10 22
R$ 10,00 80 91
R$ 40,00 20 30
Fonte: Adaptação do exemplo 2.2 indicado em Trivedi (1991:19).
R$ 30,00 35 45
R$ 20,00 55 67
Quando tinha uma renda mensal de R$ 20.000,00, para o preço de uma garrafa de vinho “A” a R$50,00
R$ 10,00 80 91
o consumidor “X” podia e estava disposto a comprar 10 garrafas por mês.
Fonte: Adaptação do exemplo 2.2 indicado em Trivedi (1991:19).
Com o aumento de sua renda para R$ 40.000,00 mensais, para o preço de uma garrafa de vinho “A” a
Quando
R$ 50,00 tinha uma
o consumidor “X” renda
pode e mensal de R$
está disposto 20.000,00,
a comprar para por
22 garrafas o preço
mês. de
uma garrafa de vinho “A” a R$50,00 o consumidor “X” podia e estava
Por sua vez, se o preço no mercado for de R$ 10,00, o consumidor pode e deseja comprar 91 garrafas
disposto a comprar 10 garrafas por mês.
FGV DIREITO RIO 127
Com o aumento de sua renda para R$ 40.000,00 mensais, para o preço
de uma garrafa de vinho “A” a R$ 50,00 o consumidor “X” pode e está
disposto a comprar 22 garrafas por mês.

FGV DIREITO RIO 220


ECONOMIA

Por sua vez, se o preço no mercado for de R$ 10,00, o consumidor


pode e deseja comprar 91 garrafas do vinho “A” por mês, e não apenas
80 garrafas.

A representação gráfica seguinte auxilia a compreensão dos efeitos ECONOMIA


do vinho “A”
dopor mês, e não
aumento da apenas
renda 80
degarrafas.
“X”, o que ocasiona o deslocamento da curva
de demandagráfica
A representação para seguinte
a direita.
auxilia a compreensão dos efeitos do aumento da renda de “X”, o que
ocasiona o deslocamento da curva de demanda para a direita.
Gráfico 3 3
Gráfico
O deslocamento da curva de demanda
O deslocamento da curva de demanda

Demanda do Consumidor "X" pelo vinho "A"


90
Preço por garrafa de vinho

80
70
60 D2
D1
50
40
30
20
10
0
1 2 322 4 5 6 91
Quantidade de garrafas
10 20 35 55 80
de vinho Demandadas
Preços por garrafa de
$50,00 $40,00 $30,00 $20,00 $10,00
vinho (R$)

Fonte:
Fonte: Elaboração
Elaboração própria.
própria.

Outros eventos, além do aumento da renda real, que causam esse


Outros
mesmoeventos, além do aumento
deslocamento da renda
da “curva real, que causam
de demanda” esse mesmo
para direita são: (i)deslocamento
aumento da “curva de
demanda” para direita são:
do preço (i) aumentosubstitutos
de produtos do preço de produtos substitutos para
para o comprador o comprador
(e.g., o aumento(e.g., o aumento do
do preçopode
preço do espumante do ocasionar
espumante pode ocasionar
um aumento da demanda umporaumento
vinho); (ii)dadiminuição
demandadopor preço de produtos
vinho); (ii) diminuição do preço de produtos complementares para
complementares para o comprador (e.g., diminuição dos preços dos queijos); (iii) evento natural
o comprador (e.g., diminuição dos preços dos queijos); (iii) evento
(meteorológico, por (meteorológico,
natural exemplo) que torne poro bem mais útil
exemplo) quepara o comprador
torne o bem mais (o tempo maisofrio incrementa
útil para
comprador
substancialmente (o tempo
o consumo mais tinto);
do vinho frio incrementa
(iv) evento substancialmente
demográfico (aumento o consumo
do número de pessoas
do vinho tinto); (iv) evento demográfico (aumento do número de pessoas
comprando no mercado que gostam do bem); (v) mudança de moda ou de gosto dos compradores, no sentido
comprando no mercado que gostam do bem); (v) mudança de moda ou
de desejarem
de maior
gostoquantidade do bem ouno
dos compradores, serviço;
sentido(vi)deaumento da propaganda
desejarem e marketing
maior quantidade doindireto; e (vii)
redução da bem
rendaourealserviço; (vi) aumento
das pessoas, da propaganda
se for um bem inferior. e marketing indireto; e (vii)
redução da renda real das pessoas, se for um bem inferior.
Saliente-se que a curva de demanda de um conjunto de consumidores é o somatório da curva de
demanda individual. No entanto, o perfil individual de consumo é distinto, podendo a demanda conter um
FGV DIREITO
conjunto de relações entre preços e quantidades diversos, o que se reflete nos distintos formatos da “curva deRIO 221

demanda” agregada.
ECONOMIA

Saliente-se que a curva de demanda de um conjunto de consumidores


é o somatório da curva de demanda individual. No entanto, o perfil
individual de consumo é distinto, podendo a demanda conter um
conjunto de relações entre preços e quantidades diversos, o que se reflete
nos distintos formatos da “curva de demanda” agregada.

Conforme já destacado, a próxima aula dedica-se à apresentação das


distinções entre a oferta e quantidade ofertada no mercado de bens e serviços.

FGV DIREITO RIO 222


ECONOMIA

AULA 11 – AS FORÇAS DE MERCADO: A OFERTA E A DEMANDA.


ELASTICIDADE E SUAS APLICAÇÕES.

11.1. AS ALTERAÇÕES NA QUANTIDADE OFERTADA E O DESLOCAMENTO


DA CURVA DE OFERTA

A questão fundamental no lado da oferta é saber o que determina a


quantidade de bens e serviços que serão produzidos e oferecidos no mercado.

Em síntese, quais os elementos que influenciam a decisão empresarial


acerca da quantidade a ser produzida e ofertada no mercado?

Inicialmente, entretanto, deve-se ressaltar que a quantidade oferecida


no mercado não equivale necessariamente ao volume vendido. Com
efeito, as vendas dependem da interação entre a demanda e a oferta, o que
será apresentado ainda nessa aula (item 11.2 A determinação do preço
pela interação entre demanda e oferta no mercado de bens e serviços).

Os elementos que influenciam a quantidade a ser produzida e


oferecida para venda são vários, destacando-se entre eles: (a) o preço
do próprio produto no mercado; (b) os preços dos insumos e fatores
de produção associados ao processo produtivo; (c) as expectativas
quanto aos preços no futuro; (d) os objetivos da empresa; (e) o estágio
tecnológico; (f) questões da natureza, como o tempo, que é elemento
essencial no mercado agrícola; e (g) os tributos e subsídios, matéria a ser
introduzida na próxima Aula (Aula 12).

A “curva de oferta” reflete o somatório da oferta individual de cada


produtor, e decorre dos seus respectivos custos marginais. Nesses
termos, quando o preço aumenta, a quantidade ofertada aumenta, ao
passo que se o preço cai, a quantidade ofertada diminui. É a chamada lei
da oferta. Isso quer dizer que os produtores estarão dispostos a oferecer
mais quando o preço é mais alto e a oferecer menos quando o preço é
mais baixo (coeteris paribus).

De forma análoga ao que ocorre com a demanda, a relação entre


quantidade ofertada e preço pode ser apresentada de duas formas: (a)
uma tabela ou escala de procura e, ainda, (b) por meio de um gráfico
contendo dois eixos (um vertical, outro horizontal), onde se visualiza a
mencionada “curva de oferta”.

FGV DIREITO RIO 223


ECONOMIA

Suponha as seguintes relações entre preço e quantidade ofertada ao


mês por um produtor “Y”, do já conhecido vinho “A”.

Tabela 3
A oferta do vinho “A” ao mês pelo produtor “Y”

QUANTIDADE DE GARRAFAS DE VINHO


PREÇOS POR GARRAFA DE VINHO (R$) OFERTADAS POR MÊS
R$ 50,00 60
R$ 40,00 50
R$ 30,00 35
R$ 20,00 20
R$ 10,00 5
Fonte: Adaptação do exemplo 2.4 indicado em Trivedi (1991:23).

Assim, quando o preço aumenta, a quantidade ofertada aumenta, ao ECONOMIA


passo que se o preço cai, a quantidade ofertada diminui, caso mantidos
constantes
Assim, quandooso preço
demais elementos
aumenta, que ofertada
a quantidade influenciam
aumenta,a ao
oferta
passo (coeteris
que se o preço cai, a
paribus). A mesma correlação entre preços e quantidades ofertadas
quantidade ofertada
pode ser diminui, caso mantidos
representada constantes ospela
graficamente demais elementos
curva que influenciam
de oferta, a quala oferta
é (coeteris
A mesma correlação
paribus).positivamente entre preços e quantidades ofertadas pode ser representada graficamente pela
inclinada.
curva de oferta, a qual é positivamente inclinada.

Gráfico
Gráfico 4 4
A curvaAde oferta
curva de vinho
de oferta “A”“A”
de vinho pelo produtor
pelo produtor “Y”

Quantidade de garrafas de vinho Ofertadas por mês


70
O1
Preço por garrafa de vinho

60
50
40
30
20
10
0
1 2 3 4 5
Quantidade de garrafas de
5 20 35 50 60
vinho Ofertadas por mês

Fonte: Elaboração própria.


Fonte: Elaboração própria.

Um ponto na curva de oferta revela a quantidade ofertada a determinado preço, de forma semelhante
FGV DIREITO RIO 224
ao que ocorre do lado da demanda.
Por sua vez, alguns eventos podem determinar o deslocamento da própria curva de oferta, ocasionando
ECONOMIA

Um ponto na curva de oferta revela a quantidade ofertada a determinado


preço, de forma semelhante ao que ocorre do lado da demanda.

Por sua vez, alguns eventos podem determinar o deslocamento da


própria curva de oferta, ocasionando a retração da oferta ou seu aumento.

A introdução ou aumento de tributos, como aqueles incidentes sobre


as vendas ou circulação do produto, aumenta os custos de produção,
reduzindo a oferta, o que desloca a curva para o lado esquerdo (matéria
a ser introduzida na Aula 12).

Outros eventos podem ocasionar a retração da oferta, como um


evento da natureza que prejudique a produção (o frio excessivo ou calor
muito intenso pode prejudicar a produção de vinho, por exemplo). O ECONOMIA
gráfico 5 ilustra a hipótese.

GráficoGráfico
5 5
O deslocamento
O deslocamento da curvadade
curva de oferta,
oferta, refletindoaasua
refletindo sua retração
retração

Preço de “A”
Oferta 2 Oferta1

Quantidade de “A”
Fonte: Elaboração própria.
Fonte: Elaboração própria.

O gráfico
O gráfico 6 ilustra
6 ilustra a hipótese
a hipótese do aumento
do aumento da oferta,dacom
oferta, com o deslocamento
o deslocamento para a direita.
para a direita.

Gráfico 6
O deslocamento da curva de oferta, refletindo a sua expansão

Preço de “A”
Oferta 1 Oferta 2

FGV DIREITO RIO 225


Quantidade de “A”
Fonte: Elaboração própria.

ECONOMIA
O gráfico 6 ilustra a hipótese do aumento da oferta, com o deslocamento para a direita.

Gráfico
Gráfico 6 6
O deslocamento
O deslocamento da curva
da curva de oferta,
de oferta, refletindoa asua
refletindo suaexpansão
expansão

Preço de “A”
Oferta 1 Oferta 2

Quantidade de “A”
Fonte: Elaboração
Fonte: própria.
Elaboração própria.

Esse aumento
Esse aumento da oferta
da oferta pode pode ser
ser ocasionado porocasionado pordestacando-se
diversos fatores, diversos fatores,
entre eles: (i) aumento
destacando-se entre eles: (i) aumento do preço de um produto
do preço de um produto complementar a “A” para o produtor “Y”; (ii) diminuição do preço de um produto
complementar a “A” para o produtor “Y”; (ii) diminuição do preço de
substituto de
um “A” para o produtor
produto “Y”; de
substituto (iii)“A”
evento natural
para (meteorológico,
o produtor por exemplo)
“Y”; (iii) que facilite a produção
evento natural
(meteorológico,
de “A”; (iv) por (migração
evento demográfico exemplo) para que ofacilite
país dea especialistas
produção dena“A”; (iv) evento
produção de “A”) (v) progresso
demográfico (migração para o país de especialistas na produção de “A”)
tecnológico(v)
na progresso
produção detecnológico
“A”; (vi) redução do preço de
na produção deum insumo
“A”; (vi) usado
reduçãona produção
do preçodede“A”.
um insumo usado na produção de “A”.
11.2 A determinação do preço pela interação entre demanda e oferta no mercado de bens

11.2 A DETERMINAÇÃO DO PREÇO PELA INTERAÇÃO ENTRE DEMANDAFGVEDIREITO RIO 131


OFERTA NO MERCADO DE BENS E SERVIÇOS

A interação da demanda e da oferta ao mesmo tempo pode ocorrer em


diferentes mercados, como aqueles em concorrência perfeita. Por hora,
além da inexistência da intervenção do governo (tributando, por exemplo),
somente serão consideradas as alterações dos preços do produto, deixando-
se de lado outros elementos que influenciam a demanda e a oferta, o que
simplifica o alcance do que se deseja demonstrar no momento.

Na tabela 4 são apresentadas quatro colunas para um mercado hipotético


de vinho. Na coluna 1 são apresentados os preços já conhecidos. Nas colunas
2 e 3 são indicados os totais de quantidades ofertadas e demandadas por
mês, respectivamente. Por fim, na coluna 4 são calculadas e listadas as
diferenças para determinado preço, o que indica o excesso de oferta ou
demanda no mercado. A questão relevante é determinar qual deve ser o
preço e a quantidade de equilíbrio, considerando os parâmetros apontados.

FGV DIREITO RIO 226


ECONOMIA

Tabela 4
Os preços, a demanda, a oferta, excedente ou falta

TOTAL DE TOTAL DE
PREÇOS
GARRAFAS DE GARRAFAS DE EXCEDENTE
POR GARRAFA
VINHO OFERTADAS VINHO DEMANDADA OU FALTA
DE VINHO (R$)
NO MÊS NO MÊS

R$ 50,00 12.000 2.000 + 10.000


R$ 40,00 10.000 4.000 + 6.000
R$ 30,00 7.000 7.000 0
R$ 20,00 4.000 11.000 - 7.000
R$ 10,00 1.000 16.000 -15.000
Fonte: Adaptação do exemplo 2.5 indicado em Trivedi (1991:27).

Poderia R$ 50,00 ser o preço de equilíbrio? Há sustentabilidade no


mercado, considerando a quantidade ofertada e demandada?

Evidentemente, os produtores estariam dispostos a ofertar 12 mil


garrafas ao mês por esse preço. No entanto, não há demanda no mercado
para absorver toda a produção nesse patamar de preço.

Em suma, enquanto o preço relativamente alto de R$ 50,00 estimula


produtores, há retração no lado da demanda, o que levaria ao aumento
dos estoques não vendidos, o que demonstra a insustentabilidade da
produção no montante de 12 mil garrafas ao mês.

Por sua vez, no outro extremo, pelo preço de R$ 10,00 há excesso


de demanda, pois os produtores não se dispõem a produzir o volume
desejado pelo mercado consumidor por esse preço. Poderia o preço se
manter nesse patamar?

Com certeza não, pois os produtores não estariam dispostos a produzir


esse volume, o que levaria os consumidores a disputar as garrafas de vinhos
disponíveis por preços mais altos, deixando alguns sem o produto. Assim,
a disputa entre consumidores levará o preço para cima. São as “forças” do
mercado atuando.

FGV DIREITO RIO 227


ECONOMIA
ECONOMIA
produto. Assim, a disputa entre consumidores levará o preço para cima. São as “forças” do mercado atuando.

Gráfico 7
Gráfico 7
A curva de oferta de vinho
A curva de oferta de vinho “A” “A”pelo
pelo produtor
produtor “Y”
“Y”

Oferta

Excesso de Oferta
de 6.000 garrafas
R$ 50,00 (Falta demanda)
Preço por garrafa de vinho

R$ 40,00

R$ 30,00

R$ 20,00

Demanda
Excesso de Demanda
R$ 10,00
de 7.000 garrafas
(Falta Oferta)

50
-1.950
1 Garrafas
2 de Vinho3 (mil por mês)
4 5
Total de garrafas de vinho
1.000 4.000 7.000 10.000 12.000
ofertadas no mês
Total de garrafas de vinho
2.000 4.000 7.000 11.000 16.000
demandada no mês

Fonte: Adaptação do gráfico pertinente ao exemplo 2.5 indicado em Trivedi (1991:28).


Fonte: Adaptação do gráfico pertinente ao exemplo 2.5 indicado em Trivedi (1991:28).
O preço de equilíbrio, portanto, considerando os dados acima, é de R$
30,00, com 7 mil garrafas ofertadas e demandadas. Somente por esse preço
O preço de equilíbrio,
a quantidade queportanto, considerando
os produtores estãoosdispostos
dados acima, é de se
a ofertar R$iguala
30,00, com
com 7a mil garrafas
ofertadas e demandadas.
quantidadeSomente por esse
demandada preçoconsumidores,
pelos a quantidade que os produtores
razão pela qualestão dispostos a ofertar se
representa
iguala com auma situação
quantidade que podepelos
demandada perdurar, enquanto
consumidores, outras
razão pelavariáveis não seuma
qual representa alterem.
situação que pode
Acima ou abaixo desse preço haverá excesso de demanda ou de oferta, o
perdurar, enquanto outras variáveis
que pressionará os não se alterem.
agentes Acima oua abaixo
econômicos alterardesse preço haverá excesso
o comportamento na de demanda
ou de oferta,direção
o que pressionará
do preço eosquantidade
agentes econômicos a alterar o comportamento na direção do preço e
de equilíbrio.
quantidade de equilíbrio.
A combinação de inúmeros eventos no mercado de vinhos pode ser
A combinação de inúmeros
representada eventos no
por alterações nasmercado
curvas dede vinhos podeeser
demanda representada
oferta, como umapor alterações nas
curvas de demanda e oferta,que
forte geada como uma forte
ocasione geada quedeocasione
a quebra parte daa quebra
safra de parte
uvas da
ousafra de uvas ou a redução
a redução
da idade
da idade permitida parapermitida para
beber o vinho de beber
18 parao16vinho
anos. de 18 para 16 anos.
A quebraAda safra ocasiona
quebra o deslocamento
da safra ocasiona da curva de
o deslocamento daoferta
curvadedeuvas para
oferta dea uvas
esquerda,
para aocasionando o
aumento do seu preço de
esquerda, equilíbrio,ooaumento
ocasionando que implicará
do seuaumento do preço de
preço de equilíbrio, vinho,
o que tendo aumento
implicará em vista que a uva é a
do preço
principal insumo para de
suavinho, tendoCom
produção. em vista queconforme
efeito, a uva é a principal insumo
já ressaltado, um para sua produção.
dos principais determinantes da
FGV DIREITO RIO 133
FGV DIREITO RIO 228
ECONOMIA

Com efeito, conforme já ressaltado, um dos principais determinantes da


oferta, além do próprio preço do bem, são os insumos necessários à sua
produção.

Por outro lado, a redução da idade mínima permitida para o consumo


de bebida alcoólica ocasionaria o deslocamento da curva de demanda
para a direita, refletindo o aumento do mercado consumidor.

Fixados esses conceitos básicos, na próxima Aula inicia-se o estudo


do instrumental analítico da microeconomia para análise dos efeitos da
introdução e aumento dos tributos no contexto da correlação entre estes
e os preços nos mercados.

FGV DIREITO RIO 229


ECONOMIA

AULA 12 – A OFERTA, A DEMANDA E POLÍTICAS DO GOVERNO:


O CUSTO DA TRIBUTAÇÃO E O PESO MORTO DOS TRIBUTOS.
A CURVA DE LAFER.

Os números ganham relevância ímpar no direito tributário, pois constituem


parte essencial do núcleo de formação, estrutura e aplicação da disciplina
jurídica de incidência dos tributos. Esse é o caso da alíquota nominal incidente
e da base de cálculo sobre a qual aquela se aplica. Os números e a aritmética são
utilizados na parte normativa das leis tributárias, a qual compreende o texto de
conteúdo substantivo relacionado com a matéria disciplinada.

A regra geral é a fixação da alíquota em um percentual, usualmente


designada alíquota ad valorem, a qual incide sobre a base de cálculo
expressa em unidades monetárias.203 Excepcionalmente, pode ser adotada
a denominada alíquota específica (art.149, §2o, CR/88) ou ad rem, tendo
como parâmetro de incidência uma unidade física de medida, como litros,
metros etc. Assim, por exemplo, podem ser cobrados R$ 10,00 por litro
de vinho ou R$ 0,50 por m³ (metro cúbico) de combustível.

12.1 A CORRELAÇÃO FUNDAMENTAL ENTRE PREÇOS E TRIBUTOS

Suponha que no mesmo mercado de vinho já examinado, onde o preço


de equilíbrio é de R$ 30,00, com 7 mil garrafas ofertadas e demandadas, o
governo local decida introduzir um tributo a ser pago pela indústria, por
garrafa de vinho vendida. Isto é, uma alíquota ad rem, no montante de R$
10,00 por garrafa, que contém um litro de vinho. Antes do tributo, o preço 203
A aludida alíquota ad valorem é
pago pelo consumidor era equivalente ao preço recebido pelo vendedor. utilizada, por exemplo, no imposto de
renda (IR), no imposto sobre produtos
industrializados (IPI) e no imposto
Diante desse cenário, algumas perguntas se apresentam: qual o impacto estadual sobre operações relativas
à circulação de mercadorias e sobre
do tributo? Quem suporta o ônus econômico? Haverá distribuição prestações de serviços de transporte
do impacto financeiro entre vendedores e consumidores ou o ônus interestadual e intermunicipal e de
comunicação (ICMS). Nessas hipóteses,
será integralmente suportado por um deles? Quais os elementos que e em outras que compõem a regra
geral, o cálculo do tributo juridicamente
influenciam essa distribuição da oneração? devido pressupõe a realização de uma
operação matemática, o que é inerente
à própria constituição e aplicação da
Importante salientar que as respostas a essas questões não interessam norma tributária.

apenas aos formuladores da política tributária ou os agentes econômicos, 204


Dispõe o art. 166 do CTN: “A
restituição de tributos que comportem,
empreendedores e consumidores. Considerando o disposto no art. 166 da por sua natureza, transferência do
respectivo encargo financeiro somente
Lei no 5.172/1966 Código Tributário Nacional (CTN),204 a compreensão será feita a quem prove haver assumido
do fenômeno também é essencial para o operador do direito tributário, o referido encargo, ou, no caso de tê-lo
transferido a terceiro, estar por este
seja juiz, auditor fiscal, advogado, consultor ou contador. expressamente autorizado a recebê-la”.

FGV DIREITO RIO 230


ECONOMIA
ECONOMIA
política tributária ou os agentes econômicos, empreendedores e consumidores. Considerando o disposto no art.
166 da Lei no 5.172/1966 Código Tributário Nacional (CTN), 204 a compreensão do fenômeno também é
essencial para oAoperador
utilização
dodo instrumental
direito tributário,analítico
seja juiz,microeconômico auxilia aconsultor
auditor fiscal, advogado, compreender
ou contador.
os efeitos do tributo no mercado considerado, conforme será constatado.
A utilização do instrumental analítico microeconômico auxilia a compreender os efeitos do tributo no
mercado considerado, conforme da
A introdução seráexação
constatado.
no valor de R$ 10,00 sobre o vendedor na
vendadadeexação
A introdução garrafa
no de vinho
valor de R$ocasionará
10,00 sobreoodeslocamento da curva
vendedor na venda de oferta
de garrafa de vinho ocasionará
para esquerda (de Oferta 1 para Oferta 2), retraindo a disponibilidade do
o deslocamento da curva de oferta para esquerda (de Oferta 1 para Oferta 2), retraindo a disponibilidade do
produto e aumentando o preço. Em qualquer ponto ao longo da curva a
produto e aumentando
distância ocorresponderá
preço. Em qualquer ponto ao longo
ao montante da curva a distância corresponderá ao montante
do tributo.
do tributo.
Gráfico 8
Gráfico 8
O deslocamento da curva de oferta
O deslocamento da curva de oferta dedevinho
vinho“A”
“A”em
em face
face do
dotributo
tributo
Oferta 2

Oferta 1

Tributo de
R$ 10,00
R$ 50,00
Preço pago
Preço por garrafa de vinho

pelo
comprador E2
R$ 40,00

R$ 35,00

R$ 30,00
Equilíbrio 1: E1
Tributo
R$ 25,00
Preço líquido
recebido pelo
vendedor
R$ 20,00
Demanda

R$ 10,00

50
-1.950 Garrafas
1 de2 Vinho (mil
3 por mês)4 5
Total de garrafas de vinho
1.000 4.000 7.000 10.000 12.000
ofertadas no mês
Total de garrafas de vinho
2.000 4.000 7.000 11.000 16.000
demandada no mês

Fonte: Adaptação do caso XI indicado em Trivedi (1991:52).


Fonte: Adaptação do caso XI indicado em Trivedi (1991:52).
Para os dados anteriores, o novo preço de equilíbrio é de R$ 35,00,
Parasendo
os dados anteriores, o enovo
demandadas preço deentre
vendidas equilíbrio
4 milé ede7R$mil35,00, sendohavendo
garrafas, demandadas
umae vendidas entre
4 mil e 7 mil distribuição equitativa
garrafas, havendo do ônusequitativa
uma distribuição entre vendedor
do ônus entree consumidor. Dos R$ Dos R$ 10,00
vendedor e consumidor.
10,00 arrecadados pelo fisco, pagos pelo sujeito passivo da obrigação
arrecadados tributária
pelo fisco, pagos pelo sujeito R$
(o vendedor), passivo
5,00dasão
obrigação tributária
suportados (o vendedor), R$ 5,00
economicamente pelosão suportados
consumidor, em razão do aumento do preço, e, o restante (os mesmos R$
5,00 pelo vendedor, que reduz sua margem de lucro.
204
Dispõe o art. 166 do CTN: “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo
financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por
este expressamente autorizado a recebê-la”.
FGV DIREITO RIO 135
FGV DIREITO RIO 231
ECONOMIA

A tabela 5 resume o ocorrido, indicando que o preço subiu para R$


35,00 e o valor líquido recebido pelo vendedor foi apenas de R$ 25,00.205

Tabela 5
A distribuição do ônus do tributo entre vendedor e consumidor

ANTES DO TRIBUTO APÓS O TRIBUTO


Preço pago pelo
R$ 30,00 R$ 35,00
consumidor
Preço líquido recebido
R$ 30,00 R$ 25,00
pelo vendedor
Fonte: Adaptação da tabela 3.1 do caso XI indicado em Trivedi (1991:53).

Mas será sempre distribuído o ônus do tributo nesses termos? Não.

Conforme já explicitado, os preços são fixados como resultado da


interação entre a oferta e demanda nos mercados de fatores de produção
e de bens e serviços. Assim, para que se possa verificar como se dará o
impacto do tributo, deve-se levar em consideração, além das características
dos elementos necessários à produção e dos bens e serviços envolvidos,
também as características dos diferentes mercados, relativamente
ao grau de competição. O mercado de bens e serviços é usualmente
segmentado em: (a) concorrência perfeita; (b) concorrência imperfeita
ou monopolista; (c) monopólio; e (d) oligopólio. Por sua vez, o mercado
de fatores de produção é classificado como: (a) concorrência perfeita;
(b) concorrência imperfeita; (c) monopsônio; e (d) oligopsônio.206
O mercado pode apresentar, de modo simultâneo, algumas características
de competição e outras de monopólio. Essa estrutura é chamada de
competição monopolística.

No mercado de concorrência perfeita de bens e serviços, por exemplo,


somente a curva de demanda do mercado como um todo será negativamente
inclinada (decrescente), conforme tem sido até agora indicado. Isso porque
a curva de demanda encarada por empresa individualmente considerada
é constante (uma linha horizontal), tendo em vista que os produtos são 205
O pressuposto é que o preço total recebido
pelo vendedor inclui o tributo, mas parte do
homogêneos, não havendo barreiras à entrada para novos empreendedores preço, correspondente ao valor da exação,
no mesmo mercado, tampouco agente econômico dominante. Diante deve ser recolhida ao Fisco, razão pela qual
o valor (o preço líquido) que fica com o
dessas hipóteses, cada empresa vendedora, individualmente, não tem vendedor deve considerar esse fato.

a aptidão ou “força” para estabelecer seu próprio preço e definir sua 206
VASCONCELLOS, M. A.; GARCIA, M. E.
Fundamentos de economia. 2. ed.
margem de lucro, razão pela qual aplica o preço fixado pelo mercado. São Paulo: Saraiva, 2006. p.39

FGV DIREITO RIO 232


ECONOMIA

Em outras palavras, cada vendedor é “tomador de preços”, não conseguindo


alienar a nenhum outro valor que não o preço de equilíbrio de mercado.
Assim, para os efeitos da introdução do tributo no mercado de concorrência
perfeita, um vendedor em particular deve considerar a curva de demanda
como uma linha horizontal, equivalente à sua curva de receita marginal. É
ECONOMIA
o que os economistas chamam de “demanda perfeitamente elástica”.
deve considerar a curva de demanda como uma linha horizontal, equivalente à sua curva de receita marginal.
As elasticidades
É o que os economistas chamam dedas curvas perfeitamente
“demanda de demandaelástica”.
e oferta são determinantes
para definir quem suporta o ônus ou encargo financeiro do tributo. As
As elasticidades das curvas de refletem
diferentes elasticidades demanda ea oferta são determinantes
variação na demanda para definir
ou na quem
oferta emsuporta o ônus
ou encargo face
financeiro do tributo.
da variação no As diferentes
preço elasticidadesproduto.
de determinado refletem a variação na demanda ou na oferta em
face da variação no preço de determinado produto.
Considerando um mercado em concorrência perfeita, com a curva
Considerando
de demanda um mercado em concorrência
perfeitamente elástica,perfeita,
isto é, com
umaa linha
curva de demanda perfeitamente
horizontal, como elástica,
isto é, uma seriam os efeitoscomo
linha horizontal, da introdução do tributo
seriam os efeitos de R$ do
da introdução 10,00 sobre
tributo o preço
de R$ 10,00 de
sobre o preço de
equilíbrio e a distribuição do ônus entre o vendedor e o consumidor na
equilíbrio e venda
a distribuição do ônus
de garrafa de entre
vinho?o vendedor e o consumidor na venda de garrafa de vinho?

Gráfico88
Gráfico
O deslocamento
O deslocamento da curva
da curva de oferta
de oferta ememface
facedo
dotributo
tributo —
—demanda
demandaelástica
elástica
Oferta 2

Oferta 1

Tributo de
R$ 50,00 R$ 10,00
Preço por garrafa de vinho

Preço pago
R$ 40,00 pelo
comprador
Equilíbrio 2
Demanda
R$ 30,00
Preço líquido
recebido pelo
vendedor

R$ 20,00

R$ 10,00

50
-1.950
1 Garrafas 2de Vinho (mil
3 por mês)
4 5
Total de garrafas de vinho
1.000 4.000 7.000 10.000 12.000
ofertadas no mês
Total de garrafas de vinho
2.000 4.000 7.000 11.000 16.000
demandada no mês

Fonte: Adaptação da situação B indicada em Trivedi (1991:62).


Fonte: Adaptação da situação B indicada em Trivedi (1991:62).

FGV DIREITO RIO 233


Com a curva de demanda perfeitamente elástica, o preço de equilíbrio não sobe, continua R$ 30,00,
sendo demandadas e vendidas 5 mil garrafas. Agora, no entanto, todo ônus do tributo é suportado pelo
ECONOMIA

Com a curva de demanda perfeitamente elástica, o preço de equilíbrio


não sobe, continua R$ 30,00, sendo demandadas e vendidas 5 mil
garrafas. Agora, no entanto, todo ônus do tributo é suportado pelo
vendedor. Os R$ 10,00 arrecadados pelo fisco são pagos e suportados
economicamente pelo sujeito passivo da obrigação tributária (o
vendedor), que tem sua margem de lucro reduzida em relação à situação
inicial sem a exação.

A tabela 6 indica que o preço de equilíbrio se manteve em R$ 30,00,


sendo o preço líquido, que fica com o vendedor, correspondente a R$ 20,00.

Tabela 6
A distribuição do ônus do tributo entre vendedor e consumidor

ANTES DO TRIBUTO APÓS O TRIBUTO

Preço pago pelo


R$ 30,00 R$ 30,00
consumidor
Preço líquido recebido
R$ 30,00 R$ 20,00
pelo vendedor
Fonte: Adaptação da tabela 4.2 indicada em Trivedi (1991:63).

Como dito, os R$ 10,00 arrecadados pelo fisco são pagos pelo


sujeito passivo da obrigação tributária e suportados economicamente
pelo próprio vendedor, integralmente.

Em sentido diametralmente oposto ao caso anterior, se os produtores


e vendedores estiverem dispostos a oferecer uma quantidade de vinho
superior à demanda do mercado, pelo preço de R$ 30,00, diz-se que a
oferta é perfeitamente elástica.

Considerando a curva de oferta perfeitamente elástica, isto é, uma


linha horizontal, como seriam os efeitos da introdução do tributo de
R$ 10,00? Qual seria o preço de equilíbrio e como seria a distribuição
do ônus do tributo entre o vendedor e o consumidor na venda de
garrafas de vinho?

Essa nova hipótese pode ser representada nos seguintes termos.

FGV DIREITO RIO 234


ECONOMIA

Gráfico 9
O deslocamento da curva de oferta elástica em face do tributo ECONOMIA

Equilíbrio 2
R$ 50,00
Preço por garrafa de vinho

Oferta 2

R$ 40,00
Tributo de
R$ 10,00
R$ 30,00

Equilíbrio 1: E1

R$ 20,00

R$ 10,00
Demanda

50
-1.950
1Garrafas de
2 Vinho (mil
3 por mês)
4 5
Total de garrafas de vinho
1.000 4.000 7.000 10.000 12.000
ofertadas no mês
Total de garrafas de vinho
2.000 4.000 7.000 11.000 16.000
demandada no mês

Fonte: Adaptação da situação A indicada em Trivedi (1991:61).


Fonte: Adaptação da situação A indicada em Trivedi (1991:61).

Com a curva de oferta perfeitamente elástica, isto é, no caso em


Comquea curva
os produtores e vendedores
de oferta perfeitamente elástica,estejam
isto é, no dispostos
caso em que aos oferecer
produtores uma
e vendedores estejam
dispostos aquantidade de vinho de
oferecer uma quantidade superior à demanda
vinho superior à demanda dodomercado, pelo
mercado, pelo preço
preço de R$ 30,00, o preço
de R$ 30,00, o preço de equilíbrio sobe para R$ 40,00 com a
de equilíbrio sobe para R$ 40,00 com a introdução do tributo, sendo demandadas e vendidas 5 mil garrafas.
introdução do tributo, sendo demandadas e vendidas 5 mil garrafas.
Agora, noAgora,
entanto, no
todoentanto,
ônus econômico
todo do tributo
ônus é suportadodo
econômico pelotributo
consumidor. Os R$ 10,00 arrecadados
é suportado
pelo fisco pelo
são pagos pelo sujeitoOspassivo
consumidor. da obrigação
R$ 10,00 tributária
arrecadados (o vendedor),
pelo que mantém
fisco são pagos pelo sua margem de
sujeito passivo
lucro, relativamente da inicial
à situação obrigação
sem atributária
exação, pois (o ovendedor), que mantém
encargo financeiro do tributo é repassado
sua margem de lucro, relativamente à situação inicial sem a exação,
integralmente ao consumidor final. A tabela 7 resume o ocorrido, indicando a subida do preço de equilíbrio
pois o encargo financeiro do tributo é repassado integralmente ao
para R$ 40,00, sendo preço líquido recebido pelo vendedor de R$ 30,00.
consumidor final. A tabela 7 resume o ocorrido, indicando a subida
do preço de equilíbrio para R$ 40,00, Tabelasendo
7 preço líquido recebido
A distribuição
pelo vendedor de R$ 30,00. do ônus do tributo entre vendedor e consumidor
Antes do Tributo Após o Tributo
Preço pago pelo consumidor R$ 30,00 R$ 40,00
Preço líquido recebido pelo
vendedor R$ 30,00 R$ 30,00
FGV DIREITO RIO 235
Fonte: Adaptação da tabela 4.1 indicada em Trivedi (1991:62).

Pelo exposto, constata-se que a imposição do tributo, independentemente de quem o recolhe, acarreta
ECONOMIA

Tabela 7
A distribuição do ônus do tributo entre vendedor e consumidor

ANTES DO TRIBUTO APÓS O TRIBUTO


Preço pago pelo
R$ 30,00 R$ 40,00
consumidor
Preço líquido recebido
R$ 30,00 R$ 30,00
pelo vendedor
Fonte: Adaptação da tabela 4.1 indicada em Trivedi (1991:62).

Pelo exposto, constata-se que a imposição do tributo, independentemente


de quem o recolhe, acarreta um aumento do preço pago pelos consumidores
e uma diminuição do preço recebido pelos vendedores, cuja soma
corresponde ao valor do imposto.

Assim, além das duas situações extremas, nas quais todo o ônus do tributo
é suportado pelo vendedor ou pelo consumidor, o encargo pode também
ser dividido entre vendedores (ofertantes) e os compradores (demandantes),
independentemente de quem recolhe o tributo para o fisco.

Essa divisão, entretanto, pode não ocorrer de forma paritária, o que


depende da elasticidade-preço dos compradores e dos vendedores. Cada
produto possui uma reação específica em relação às variações dos preços
e da renda, havendo inúmeras possibilidades em relação à proporção
na qual o encargo econômico do tributo é dividido entre ofertantes e
demandantes. Esses distintos impactos dependem da elasticidade, que
“reflete o grau de reação ou sensibilidade de uma variável quando ocorrem
alterações em outra variável, coeteris paribus”.207

A elasticidade-preço da demanda (ou da oferta) indica e mede a reação


da demanda (ou da oferta) a variações no preço. Caso a demanda por um
bem seja inelástica a preço, os compradores terão poucas alternativas para
substituí-lo. Logo, mesmo que haja grande elevação do preço, a quantidade
demandada quase não diminuirá. Da mesma forma, se a oferta for
elástica a preço, os vendedores possuirão muitas alternativas relativamente à
comercialização daquele bem. Portanto, ainda que ocorra pequena redução
do preço, a quantidade ofertada reduzirá substancialmente. Nesses termos,
em um mercado com oferta elástica e demanda inelástica, a imposição
de um tributo será suportada principalmente pelos compradores, tendo
em vista suas reduzidas alternativas. O lado mais inelástico, por ter menos
alternativas, suportará a maior parte do ônus tributário. Segue o gráfico 207
VASCONCELLOS, M. A.; GARCIA, M. E.
Fundamentos de economia. 2. ed.
10 contendo a representação gráfica do exposto. São Paulo: Saraiva, 2006. p.49

FGV DIREITO RIO 236


quase não diminuirá. Da mesma forma, se a oferta for elástica a preço, os vendedores possuirão muitas
alternativas relativamente à comercialização daquele bem. Portanto, ainda que ocorra pequena redução do
preço, a quantidade ofertada reduzirá substancialmente. Nesses termos, em um mercado com oferta elástica e
demanda inelástica, a imposição de um tributo será suportada principalmente pelos compradores, tendo
ECONOMIA
em vista suas reduzidas alternativas. O lado mais inelástico, por ter menos alternativas, suportará a maior
parte do ônus tributário. Segue o gráfico 10 contendo a representação gráfica do exposto.
Gráfico 10 Gráfico 10
Oferta elásticaOferta
e demanda
elásticainelástica
e demanda inelástica
Preço
Parte do tributo
suportado pelo
Preço pago comprador
pelo
comprador
Oferta elástica
Tributo

Parte do tributo
Preço líquido suportado pelo
recebido pelo vendedor
vendedor
Demanda inelástica

Quantidade

Fonte:
Fonte: Elaboração
Elaboração própria.
própria.

Esseééoocaso,
Esse caso,por
por exemplo,
exemplo, do domercado
mercadode de
cigarros. Embora
cigarros. as empresas
Embora recolham o tributo incidente
as empresas
sobrerecolham
vendas, oso fumantes
tributo incidente
arcarão comsobre vendas,
a maior parte doosônus
fumantes arcarão
econômico, pois acom a
demanda é pouco sensível a
maior parte do ônus econômico, pois a demanda é pouco sensível a preço.
preço.
IstoIsto
é, é, a demandaéé inelástica,
a demanda inelástica, jájáque
quegrande
grandeparte dosdos
parte consumidores não consegue
consumidores não abandonar o vício,
ainda que paguem
consegue muito mais
abandonar pelo bem.
o vício, aindaPor que
sua vez, as empresas
paguem muitoprodutoras
mais pelosãobem.
mais sensíveis às variações
Por sua vez, as empresas produtoras são mais sensíveis às variações de
preço, pois têm mais facilidade de encontrar outras formas para aplicar
207
VASCONCELLOS, M. A.; GARCIA, M. E. Fundamentos de economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.49
seus recursos. Portanto, no mercado de cigarros há uma demanda preço- FGV DIREITO RIO 140
inelástica e uma oferta preço-elástica.

Em outros setores a situação pode se inverter. Assim, o oposto ocorre no


caso de oferta inelástica e demanda elástica, hipótese em que vendedores
arcarão com a maior parcela do ônus do tributo, haja vista as variadas
opções dos compradores com demanda elástica. Os consumidores mudam
muito o comportamento!

FGV DIREITO RIO 237


ECONOMIA
de preço, pois têm mais facilidade de encontrar outras formas para aplicar seus recursos. Portanto, no mercado
de cigarros há uma demanda preço-inelástica e uma oferta preço-elástica.
Em outros setores a situação pode se inverter. Assim, o oposto ocorre no caso de oferta inelástica e
ECONOMIA
demanda elástica, hipótese em que vendedores arcarão com a maior parcela do ônus do tributo, haja vista as
variadas opções dos compradores com demanda elástica. Os consumidores mudam muito o comportamento!
Figura 11 Figura 11
Oferta inelástica e demanda
Oferta inelástica eelástica
demanda elástica

Preço
Oferta inelástica
Preço pago
pelo Parte do tributo
comprador suportado pelo
comprador

Tributo
Demanda elástica
Parte do tributo
suportado pelo
Preço recebido vendedor
pelo vendedor

Quantidade
Fonte: Elaboração própria.
Fonte: Elaboração própria.

Nessecontexto,
Nesse contexto, constata-se
constata-se quemais
que o lado o lado maissuportará
inelástico inelástico suportará
a maior parte do encargo econômico
a maior parte do encargo econômico do tributo, em razão das poucas
do tributo, em razão das poucas alternativas disponíveis.
alternativas disponíveis.
De acordo com Robert S Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2010), os resultados e conclusões observadas
em relação
Deaoacordo
impostocomespecífico,
Robertobjeto da análise
S Pindyck e anterior,
Daniel L. sãoRubinfeld
aproximadamente iguais
(2010), os à análise da questão
resultados
para os mencionadose conclusões
impostos comobservadas
alíquota ad em relação
valorem, comoaoé oimposto específico,
caso do imposto de importação, do ICMS
objeto da análise anterior, são aproximadamente iguais à análise da
ou doquestão
IPI, entrepara
outros.
os mencionados impostos com alíquota ad valorem, como
é oSegundo
caso doFernando
impostoResende (2001), asdo
de importação, conclusões
ICMS ouverificadas acercaoutros.
do IPI, entre do impacto da incidência dos
tributos nos mercados de concorrência perfeita, de forma geral, são as mesmas nos casos de tributação de bens
Segundo Fernando Resende (2001), as conclusões verificadas acerca
e serviços negociados em mercados imperfeitos.
do impacto da incidência dos tributos nos mercados de concorrência
A possibilidade
perfeita, de formadegeral,
transferência ou repasse
são as mesmas nosdocasos
ônus do
de tributo é maior
tributação de quanto
bens e menor for o grau de
serviços
competição negociados
no mercado. Valeem mercados
acrescentar que,imperfeitos.
no mercado de concorrência monopolística, as empresas vendem
produtos diferenciados e cobram preço acima do custo marginal, pois podem fixar seu preço. Cada empresa
A possibilidade de transferência ou repasse do ônus do tributo é maior
anuncia e faz muita
quanto menorpublicidade do seu
for o grau deproduto, de modo
competição noa atrair o maior
mercado. número
Vale de compradores. As empresas
acrescentar
que, nobens
que vendem mercado de concorrência
de consumo monopolística,
diferenciados (refrigerantes, as empresas
remédios, vendem
perfumes, entre outros) gastam parte
produtos diferenciados e cobram preço acima do custo marginal, pois
substancial das suas receitas com publicidade como forma de diferenciar seu produto (a fim de reduzir
podem fixar seu preço. Cada empresa anuncia e faz muita publicidade
assimetrias
do seudeproduto,
informação), o que apode
de modo afetar
atrair o repasse
o maior do ônus
número de econômico do tributo,
compradores. As dependendo das
circunstâncias.
empresas que vendem bens de consumo diferenciados (refrigerantes,
remédios, perfumes, entre outros) gastam parte substancial das suas
receitas com publicidade como forma de diferenciar seu produto (a fim
FGV DIREITO RIO 141
de reduzir assimetrias de informação), o que pode afetar o repasse do
ônus econômico do tributo, dependendo das circunstâncias.

FGV DIREITO RIO 238


ECONOMIA

AULA 13 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE MICROECONOMIA. A


TEORIA DA ESCOLHA DO CONSUMIDOR: UTILIDADE E CURVAS DE
INDIFERENÇA; RESTRIÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E DECISÃO ÓTIMA
DO CONSUMIDOR

“Empresas, Consumidores e Mercados: Fundamentos Microeconômicos208


Luciana Yeung
Julho 2018

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo introduz elementos básicos da teoria econômica,


considerados a partir da ótica do comportamento dos agentes
econômicos. São apresentados os pressupostos básicos de grandes
temas da microeconomia; a saber, a racionalidade econômica, a teoria
do consumidor, a teoria da firma, estruturas e equilíbrio de mercado
e excedente e teoria do bem estar. Serão discutidos os pressupostos da
racionalidade econômica e explicar como ela fundamenta toda a ciência
econômica. Após esta discussão inicial, serão apresentados duas das
teorias basilares da microeconomia: a teoria do consumidor e a teoria da
firma, que levam às duas forças principais dos mercados: a demanda e a
oferta. Com isso, será possível entender as estruturas e o funcionamento
dos mercados. Em seguida, as noções de excedente do consumidor e
excedente do produtor serão apresentadas para a discussão da importante
teoria econômica do bem-estar. Ao fim do capítulo, uma seção irá discutir
como os conceitos clássicos da microeconomia podem ser aplicados a
questões mais gerais, para além das econômicas, que não implicam
necessariamente em resultados monetários. Algumas destas questões são
aquelas defrontadas por magistrados e operadores do Direito em seu
trabalho do dia-a-dia.

2. RACIONALIDADE ECONÔMICA.

A ciência econômica tem como objetivo descrever e prever o 208


Este tópico é uma reprodução do artigo
comportamento humano, entendido este como algo resultante de uma de Luciana Yeung publicado em Direito
e Economia - Diálogos. Coordenação.
decisão consciente. Como definido pelo economista britânico Lionel PINHEIRO Armando Castelar, PORTO
Robbins (1932), a economia é a ciência que estuda o comportamento Antônio J. Maristrello, SAMPAIO, Patrícia
Regina Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora
humano enquanto os recursos são escassos e têm usos alternativos. FGV, 2019, p. 378-407.

FGV DIREITO RIO 239


ECONOMIA

Dado que o comportamento é fruto de um processo de tomada


decisão, então, a economia irá ocupar grande parte do seu tempo com
o entendimento deste processo. Diferentemente de outros cientistas
humanos, o economista não considera que as decisões humanas sejam
tomadas de maneira aleatória; pelo contrário, assume-se que exista um
processo coerente – que inclusive diferencia seres humanos de outros
animais, indivíduos capazes dos não capazes (capacidade no sentido
jurídico) – e que pode ser descrito de uma maneira consistente na maior
parte das circunstâncias. Ou seja, existe uma racionalidade por trás da
tomada de decisão humana.

A racionalidade econômica, como entendida pelos economistas, pode


ser descrita como a busca de satisfações ou benefícios em um mundo onde
existem restrições ou recursos limitados (escassos). Reconhecer a existência
destas restrições é essencial para compreender a lógica econômica. Sem
limitação de recursos, todos os indivíduos almejariam alcançar níveis
infinitos de benefícios, ganhos e bem-estar. No entanto, no universo
real, todos os recursos são limitados: tempo, dinheiro, possibilidades, etc.
Isso faz com que muitas das escolhas desejadas não sejam efetivamente
factíveis, e, nessas situações, uma decisão racional precisará ser tomada:
Quais das opções existentes são possíveis? Qual delas gera mais satisfação
ou menos custos, dados os recursos disponíveis? Uma decisão feita com
base neste raciocínio, seguindo esta coerência, será uma decisão racional
(seja ela feita de maneira consciente ou inconsciente). Em outras palavras,
uma decisão racional avalia todas as oportunidades existentes, identifica
aquela com o menor custo, e decide com base nela. O conceito de custos
de oportunidade, então, também é inerente à decisão racional.

Um exemplo clássico de decisão baseada na racionalidade, dentro de


um contexto puramente econômico, é aquele apresentado pela Teoria do
Consumidor (que veremos na seção seguinte): uma consumidora sempre 209
Mesmo grandes milionários têm
restrição de recursos: ela pode ser
preferirá obter o máximo de bens de consumo (assumindo que sejam menor do que a maioria das pessoas,
“bens” no sentido literal do termo, ou seja, objetos e serviços que geram mas existe. O motivo é que nenhum
recurso – pelo menos dentre aqueles
benefícios e não prejuízo; bens são, portanto, desejáveis, sempre). No concernentes à sobrevivência do ser
humano – é infinito ou ilimitado. Se
entanto, bens normalmente custam e ela sempre terá restrições de recursos todos os recursos são finitos, então
para gastar com eles209. Então, com base na sua limitação de recursos sempre existirão restrições.
A limitação do tempo também gera
monetários e materiais210, a consumidora fará a escolha de quanto gastará
210

impactos na decisão dos consumidores:


e quais bens irá adquirir de maneira a maximizar o seu benefício e bem- mesmo que tenham uma grande
quantidade de recursos materiais para
estar. É fácil perceber que, mesmo que diferentes consumidores tenham gastar com os bens, consumidores
podem não ter tempo para irem às
restrições de recursos idênticas, eles poderão fazer escolhas diferentes, compras, ou mesmo, podem não ter
pois têm preferências diferentes pelos bens disponíveis para o consumo. tempo para consumir. Isso também faz
com que, eventualmente, se escolha
Discutiremos mais sobre isso na seção a seguir. por consumidor menos.

FGV DIREITO RIO 240


ECONOMIA

A escolha baseada na racionalidade econômica poderia, então, ser


resumida como uma escolha baseada na análise de benefício-custo que os
indivíduos farão quando defrontados com uma situação em há diversas
escolhas possíveis e os recursos são limitados.

Muitas vezes, tende-se a imaginar que somente pessoas com alta


escolaridade seriam capazes de tomar decisões racionais. Puro engano.
Até mesmo pessoas analfabetas, iletradas e sem capacidade de fazer conta
alguma podem ser (e normalmente são!) racionais. Para isso, basta que
elas saibam o que elas desejam/precisam/gostam e o que elas devem fazer/
gastar/investir para conseguir o que desejam.

Por exemplo, um morador de rua precisa de alimentos: isso representa


seu bem almejado, aquilo que lhe trará algum tipo de benefício. Por
outro lado, ele sabe que não cairá comida do céu, gratuitamente em suas
mãos. Para consegui-la, ele tem algumas possibilidades: pedir esmola,
fazer um “bico” para ganhar dinheiro (e pagar pela comida), furtar e,
eventualmente, plantar a sua própria comida. Dentre essas possibilidades,
ele escolherá uma, e a escolha será baseada na sua habilidade, capacidade
e nas oportunidades que estarão à sua volta, etc. Ou seja, dependerá de
quanto lhe custará cada uma dessas alternativas. Não é difícil perceber que
ele sempre fará a escolha que lhe for menos incômoda, que lhe for “mais
fácil”, ou seja, que lhe custar menos. Suponha que ele considere que, de
todas as alternativas, a “melhor” seja pedir esmola – pela facilidade, pelo
baixo risco, por estar perto de uma vizinhança onde as pessoas são mais
caridosas, etc. Se ele efetivamente acaba pedindo esmola para conseguir
sua comida, este comportamento foi fruto de uma decisão econômica
racional, no seu sentido mais puro.

Uma última discussão sobre este tópico: não se deve confundir o


conceito da racionalidade econômica com problemas de informação, que
podem estar presentes durante o processo decisório. A problemática da
assimetria de informação e das informações imperfeitas é uma área à parte
na microeconomia, com modelos e teorias bastante sofisticados (e que
renderam alguns prêmios Nobel211). O objetivo deste capítulo certamente
não é se aprofundar nesta temática; chama-se a atenção aqui apenas para
a distinção entre esses conceitos212. Por exemplo, uma decisão baseada
na racionalidade econômica pode sofrer de informação imperfeita, o que 211
George Akerlof, Michael Spence e
geraria resultados indesejáveis. Por exemplo, suponha que o morador de Joseph Stiglitz, co-ganhador do Prêmio
rua descrito acima decida que, para conseguir sua comida, a melhor das Nobel de Economia no ano de 2001.
Àqueles que queiram iniciar seus
alternativas seja furtar dinheiro dos transeuntes. Essa decisão pode ter
212

estudos neste importante, moderno e


sido tomada porque ele acreditava que o policiamento na região era fraco; interessante tema da microeconomia:
Mankiw (2013) e Cap.22; Mackaay &
no entanto, essa informação era equivocada, sem fundamentos realistas. Rousseau (2015), Parte I, Cap. 4.

FGV DIREITO RIO 241


ECONOMIA

Por causa disso, ao furtar alguém, o morador de rua é preso pela polícia:
além de não conseguir a comida que tanto desejava, ele ainda acaba sendo
punido pelo crime. Qual foi o problema na sua tomada de decisão? Foi a
informação imperfeita -- sua fonte de informações era deficiente -- e não
a falta de racionalidade na sua decisão que levou a um resultado ruim
para ele. Se fosse verdade que o policiamento na região era fraco, furtar
poderia ser efetivamente a melhor decisão disponível para este indivíduo,
aquela menos “custosa” para se conseguir a comida que ele precisava.

O que seria uma decisão economicamente irracional? Em princípio,


213
No entanto, uma vertente de
qualquer uma que não gerasse o máximo de benefício, dados os custos economistas tem preferido enxergar
estes problemas como derivados das
envolvidos, ou o mínimo de custos, dado um certo benefício. Por exemplo, altas taxas de desconto intertemporal:
tomar um certo caminho em que os custos são significativamente maiores o prazer do vício é instantâneo,
enquanto a abstinência gera um
que os benefícios. Típico exemplo são os comportamentos de pessoas sofrimento presente para realizar um
benefício no longo prazo; por outro
viciadas: sabe-se do mal que o vício gera, mas, mesmo assim, as pessoas lado, comportamentos saudáveis
geram custos instantâneos e benefícios
“decidem” por continuar com seus vícios. Da mesma maneira, há ações apenas no longo prazo. O ser humano
tende a dar mais valor para eventos que
que claramente trariam mais benefícios do que custos para as pessoas, acontecem no presente e menos valor
mas elas não conseguem tomar decisões de acordo: por exemplo, a prática para aqueles que acontecem no futuro
(alta taxa de desconto intertemporal).
de exercícios físicos, a adoção de dieta equilibrada, etc. Esses também Então, no caso do vício, o prazer
instantâneo é muito maior do que o
seriam exemplos de decisões irracionais213. benefício no longo prazo de acabar
com o vício; no caso dos exercícios
saudáveis, sair do sedentarismo para
praticar os exercícios gera um custo
Pode-se então derivar as primeiras conclusões com relação ao conceito muito maior do que o custo de se
da racionalidade econômica. Primeiro, ela se aplica ao processo de decisão ficar doente na idade mais velha. Para
esses economistas, até mesmo o vício
no dia-a-dia das pessoas. Segundo, ela não está limitada a pessoas com e a não-disciplina para ter hábitos
saudáveis seriam decisões passíveis
conhecimentos técnicos ou numéricos: tudo o que é necessário é que de serem entendidas pelo conceito da
racionalidade econômica.
elas percebam benefícios que podem ser derivados às custas de algum 214
Por exemplo: Margolis (1984), Simon,
tipo de custo (tempo, dinheiro, etc). Terceiro, da mesma maneira que H. A. (1993), Andreoni et al (1996).

os custos, os benefícios auferidos pelos bens de consumo não se limitam 215


Algumas recentes áreas da ciência
econômica têm formulado críticas
aos econômicos. Por exemplo, pode-se desejar férias e descanso, mesmo ao pressuposto da racionalidade
econômica. Já na década de 1960,
que elas não gerem nenhum tipo de benefício pecuniário. Alguns Herbert Simon ficou conhecido
como um dos primeiros a formular
economistas 214chegam a acreditar que “fazer bens de caridade” – por a ideia de racionalidade limitada, ao
gerarem benefícios psicológicos, emocionais e espirituais – também invés de racionalidade perfeita. Tal
conceito influenciou fortemente as
poderia ser considerado bem no sentido microeconômico, pois o bases da Nova Economia Institucional
e, mais recentemente, a Economia
processo da decisão de se fazer mais ou menos caridade é análogo à Comportamental (para um ótimo
tratamento, ver capítulo 22 de Mankiw
decisão de se adquirir mais ou menos bens materiais (gera benefícios 2013). No entanto, apesar de o conceito
ser amplamente reconhecido, não há
emocionais, custando tempo e dedicação). Finalmente, relacionado a até agora, uma nova teoria econômica
este último ponto, a racionalidade econômica pode ser aplicada não integralmente baseada no pressuposto
de racionalidade limitada, capaz de
somente a decisões feitas nos mercados de compra e venda de bens substituir a teoria microeconômica
clássica como vista aqui. Esta continua
e serviços, mas também a situações não mercantis. Sobre este ponto, sendo a teoria mainstream, aquela
que oferece as melhores previsões do
discutiremos mais na Seção 7, deste capítulo215. comportamento humano em sociedade.

FGV DIREITO RIO 242


ECONOMIA

3. TEORIA DO CONSUMIDOR.

Conforme discutido, o objetivo da teoria microeconômica é explicar o


processo da tomada de decisão dos indivíduos. Para tanto, os economistas
utilizam modelos analíticos para fazer suas interpretações e descrições. A
vantagem é que, apesar de simplificados, os modelos têm poder explicativo
extremamente alto e são poderosos instrumentos de previsão. Métodos
alternativos de investigação da realidade, como estudos de caso e pesquisas
qualitativas de amostra limitada, que se atêm aos detalhes do caso-a-caso,
apesar de serem ricos no realismo descritivo, têm pouco ou nenhum poder
preditivo, pois valem apenas para aquele caso em discussão.

O objetivo dos principais conceitos que fundamentam a teoria


microeconômica é, então, oferecer modelos analíticos de grande
generalidade, mas de forte poder descritivo e preditivo. Somente modelos
com estas características serão úteis como subsídios para a criação de
políticas públicas, já que o objetivo destas é justamente gerar algum
tipo de efeito desejado (mais consumo de produtos saudáveis, ou mais
crianças na escola), ou evitar algum efeito indesejado (por exemplo,
menos consumo de cigarros, ou menos crime na sociedade). É preciso,
de antemão, ser possível de prever com o máximo de acurácia os efeitos
dessas políticas públicas.

A teoria do consumidor explica o processo de escolha do indivíduo


que quer adquirir um bem para atender às suas necessidades pessoais.
Então, se quer prever como um consumidor padrão fará sua escolha dado
que ele(a) tem recursos limitados e, portanto, não poderá adquirir tudo
o que gostaria. Para isso, os economistas se utilizam de dois conjuntos de
conceitos: de um lado, utilidade e curvas de indiferença – para representar
o benefício gerado pelo consumo de bens e serviços – e, de outro, restrições
orçamentárias – para representar a limitação de seus recursos e os custos
envolvidos na aquisição desses bens.

a. Utilidade e Curvas de Indiferença

Se os bens em discussão geram benefícios, e não prejuízos, então, todo


consumidor preferirá consumir o maior número possível: quanto mais bens
forem consumidos, mais benefício, maior o nível de satisfação, ou maior o
nível de utilidade alcançado. Se pudessem ser traçadas curvas representando
esses níveis de crescente satisfação à medida que se aumentam a quantidade
de bens consumidos, teríamos algo como a Figura 1 abaixo:

FGV DIREITO RIO 243


ECONOMIA

Figura 1: Curvas de Indiferença (1)

Têm-se representadas três curvas, que os economistas chamam de


curvas de indiferença. Elas representam o nível de satisfação ou utilidade
gerada por diferentes quantidades de bem 1 (alimentação) e de bem 2
(vestuário). Na origem do gráfico, no ponto “0”, há zero unidades de
alimentação e zero de vestuário. O eixo vertical é usado para medir
unidades de alimentação, e o eixo horizontal, para medir a quantidade
de vestuário. À medida que se vai “subindo” no gráfico, aumenta-se a
quantidade de alimentos; por outro lado, à medida se vai “caminhando
para direita”, aumenta-se a quantidade de vestuário. A curva de número
3 gera mais satisfação (ou mais utilidade) do que a curva 2, porque
todos os pontos da curva 3 são preferíveis aos pontos da curva 2 (estão
em nível mais alto). Por sua vez, a curva 2 gera mais utilidade do que
a curva 1. Seria possível ainda desenhar infinitas curvas de indiferença
acima de 3 representando curvas com combinações de quantidades cada
vez maiores de alimentação e vestuário, que geram níveis cada vez mais
altos de utilidade.

Cada curva de indiferença, por sua vez, é formada por diversos


pontos, que representam combinações de diferentes quantidades destes
dois bens. Vamos comparar algumas dessas combinações:

FGV DIREITO RIO 244


ECONOMIA

Figura 2: Curvas de Indiferença (2)

No ponto A, estão combinadas 25 unidades de alimentação, com


8 unidades de vestuário. Já o ponto B representa uma combinação das
mesmas 25 unidades de alimentação, com 15 de vestuário. Claramente,
o ponto B é preferível ao ponto A, pois tem mais unidades de vestuário,
mantendo-se a mesma quantidade de alimentos. Então, o ponto B pertence
a uma curva de indiferença mais alta (curva 2), ou seja, gera mais utilidade
do que a curva de indiferença que passa no ponto A (curva 1).

Pode-se ainda comparar o ponto C com a ponto B: agora, tem-se 30


unidades de alimentação e 20 unidades de vestuário, ou seja, o ponto C
tem mais de alimentação e também mais de vestuário do que o ponto
B; está numa curva de indiferença mais alta (curva de indiferença 3),
gerando um nível maior de utilidade.

Por outro lado, os pontos A, X, Y e Z estão todos em cima da mesma


curva de indiferença 1, querendo dizer que geram todos o mesmo nível
de utilidade; ou seja, o consumidor ficaria indiferente216, em termos de
satisfação ou utilidade geradas, entre consumir qualquer uma das cestas de
bens representadas por estes quatro pontos. Isso acontece porque quando
se passa de um ponto a outro, há compensação da quantidade de um bem
pela de outro: aumenta-se a quantidade de vestuário, enquanto se diminui
a quantidade de alimentação, ou vice-versa. Isso acontece por exemplo,
quando se passa do ponto A ao X (ou qualquer movimento para “baixo”
e direita ao longo da curva de indiferença 1). Por outro lado, pode-se
216
Daí vem o termo curvas de indiferença:
diminuir a quantidade de vestuário, enquanto se aumenta a quantidade cada curva representa diferentes
de alimentação: por exemplo, quando se passa do ponto Z ao ponto Y (ou pontos que geram o mesmo nível de
utilidade, ou seja, tornam o consumidor
qualquer movimento para “cima” e esquerda, ao longo da curva 1). indiferente a elas.

FGV DIREITO RIO 245


ECONOMIA

Como saber qual dos pontos o consumidor efetivamente escolherá


consumir? Não é possível responder a esta pergunta baseado somente
nas curvas de indiferença. A única coisa que sabemos por ora é que,
se dependesse do consumidor, ele iria consumir uma combinação de
bens representada por pontos situados nas curvas de indiferença o
mais altas possível.

Para saber qual escolha será efetivamente feita, precisamos traçar as


restrições orçamentárias deste consumidor em particular.

b. Restrições Orçamentárias

Curvas de indiferença representam o bem-estar, a utilidade derivada


pelo consumo de bens; ou seja, o lado do “benefício” na conta da decisão
econômica racional. É preciso agora avaliar os custos, as restrições dos
recursos que são limitados. Para isso, é possível apelar, mais uma vez, à
análise gráfica 217:

Figura 3: Restrição Orçamentária (Renda=$1000, Preço A=$25, Preço V=$100)

Para o exemplo aqui discutido, vamos assumir que o total de recursos de 217
A alternativa à análise gráfica, inclusive
a que é efetivamente usada pelos
que dispõe o consumidor é de R$1.000; que cada unidade de alimentação economistas acadêmicos, é a análise
matemática, baseada integralmente
custa R$25, e que cada unidade de vestuário custa R$100. É possível agora em equações. No entanto, sua utilização
entender como a restrição orçamentária (reta inclinada azul) da Figura 3 exige domínio dos métodos de cálculo
matemático e de análise real (uma
foi traçada. Caso o consumidor gastasse toda sua receita com alimentação, linguagem matemática altamente teórica
e abstrata). Para o aprendizado iniciante
ele poderia comprar 40 unidades (R$1.000 de sua receita totalmente da teoria microeconômica, o método
gasta em alimentos, ao preço de R$25 cada unidade). Do contrário, caso objetivo e intuitivo é o gráfico (apesar de
muitos juristas não acreditarem quando
gastasse toda sua receita com vestuário, ele poderia comprar 10 unidades. economistas dizem isso...).

FGV DIREITO RIO 246


ECONOMIA

Esses são os dois pontos “de canto” (extremos) que sua restrição
orçamentária possibilita (ou um ou outro, não os dois ao mesmo tempo).
São possibilidades, não necessariamente o que ele vai de fato escolher.
Outras possibilidades que sua restrição orçamentária dá são pontos
intermediários, com combinações positivas dos dois bens. Um exemplo
seria o ponto A, onde o consumidor pode comprar 24 unidades de
alimentação e 4 unidades de vestuário. Outra escolha possível com sua
restrição orçamentária seria o ponto B, com 16 unidades de alimentação
e 6 unidades de vestuário. Ainda há várias outras combinações entre
alimentação e vestuário possíveis com a mesma restrição orçamentária
(ou seja, com um orçamento de R$1.000 e preços de R$25 e R$100,
respectivamente).

Assume-se, por fim, que o consumidor gastará todo seu orçamento


adquirindo estes dois bens – caso ele não gaste todo seu orçamento, ele
estaria em algum ponto abaixo da reta de restrição orçamentária, por
exemplo, o ponto C. Essa hipótese pode ser facilmente relaxada em
modelos mais realistas218. Da mesma maneira, aos preços correntes,
existem diversas combinações de unidades de alimentação e de vestuário
que custariam mais do que o orçamento total do consumidor, estando,
portanto, fora do alcance de sua restrição orçamentária. O ponto D
representa uma destas combinações: com 24 unidades de alimentação e
6 unidades de vestuário, custa R$1.200 (portanto, mais do que a receita
do consumidor, de R$1.000) e, por isso, é inalcançável dada a restrição
orçamentária deste indivíduo.

c. Decisão Ótima do Consumidor

Agora que temos a modelagem analítica do nível de utilidade (pelas


curvas de indiferença) e também do custo do consumidor (pela restrição
orçamentária), é possível saber qual escolha exatamente ele fará. Para isso,
vamos combinar as duas análises – de benefício e de custo, exatamente o
que caracteriza a escolha baseada na racionalidade econômica.

Voltando à discussão acima, o consumidor tenderia a escolher o maior 218


A maneira mais simples de incorporar
situações em que os indivíduos não
nível de utilidade existente pelo consumo dos bens, ou seja, ele quer gastam toda sua receita com consumo é
sempre alcançar a mais alta curva de indiferença. No entanto, os bens considerar a poupança como uma outro
bem particular: se alguém consome 10
custam e seu orçamento é limitado; então, é a restrição orçamentária bens e, depois deste consumo ainda
poupa $10 de sua receita original, é
que dirá o que ele pode efetivamente consumir. Enquanto seu querer como se tivesse “consumido” 11 bens,
almeja alcançar curvas de indiferença cada vez mais altas, seu poder vai em que o décimo primeiro (a poupança)
tivesse custado $10 e, após isso, não lhe
“puxá-lo” para baixo, para onde efetivamente ele consegue alcançar. sobrasse nenhum orçamento.

FGV DIREITO RIO 247


ECONOMIA

São essas duas forças, do querer (utilidade) e do poder (restrição


orçamentária), que irão determinar qual será a combinação de bens que
este indivíduo efetivamente vai consumir: tentará alcançar a curva de
indiferença mais alta, contanto que seja alcançável pela sua restrição
orçamentária. Podemos ver o resultado abaixo:

Figura 4: A Escolha Racional

A Figura 4 é a combinação das figuras 2 e 3 (curvas de indiferença


combinadas com a restrição orçamentária). Somente pontos sobre a
restrição orçamentária são possíveis de serem consumidos. Então, os pontos
B, A e C representam combinações de unidades de vestuário e alimentação
que este consumidor pode adquirir, dada sua restrição orçamentária. No
entanto, percebe-se que o ponto C está ao mesmo tempo sobre a curva de
indiferença 1, mais baixa. O ponto B, que também está sobre a restrição
orçamentária, faz parte da curva de indiferença 2. Já o ponto A, que
igualmente está sobre a restrição orçamentária do consumidor, faz parte
da curva de indiferença 3, de nível mais alto do que as curvas 1 e 2.
Apesar dos três pontos A, B e C serem igualmente alcançáveis (factíveis)
pela restrição orçamentária, eles geram diferentes níveis de utilidade a
este consumidor. Apesar de os três custarem o mesmo valor, o ponto A
é preferível ao ponto B, que é preferível ao ponto C. O motivo é que,
pelas preferências individuais deste consumidor (dada pela sua psicologia,
necessidades pessoais, etc.), a combinação de vestuário e alimentação em
A lhe agrada mais do que a combinação em B, e esta mais do que em C.
Então, sendo um indivíduo dotado de racionalidade econômica, a escolha
deste consumidor será no ponto A, com 25 unidades de alimentação e 5
unidades de vestuário. O ponto A é a escolha ótima nestas circunstâncias.

FGV DIREITO RIO 248


ECONOMIA

Podemos ainda ver um ponto D, com combinação de um número maior


de alimentos e de vestuário, localizando-se em uma curva de indiferença
superior (nível 4). Mas ele está fora do alcance da restrição orçamentária
deste indivíduo: seria uma escolha desejável, mas não possível, dadas as
condições (receita e preços) presentes.

Vale observar que todas as vezes em que os preços de um ou de mais


bens, ou o orçamento do consumidor, mudarem haverá uma nova
restrição orçamentária (a reta nas Figuras 3 e 4 se deslocará), o que, por
sua vez, levará o consumidor a uma nova escolha ótima, mesmo que as
curvas de indiferença (ou seja, as suas preferências) não se alterem219.

BIBLIOGRAFIA:

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study of rationality and altruism. Social Systems Research Institute,
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MACKAAY, Ejan & ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do


Direito. Tradução: Rachel Sztajn. 2ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2015.
219
Para uma discussão e análise
detalhadas das mudanças nas escolhas
MANKIW, N. Gegory. Introdução à Economia. 6. ed. São Paulo, SP: ótimas causadas por alterações nas
restrições orçamentárias, verificar
Cengage Learning, 2013. capítulo 21 de Mankiw (2013).

FGV DIREITO RIO 249


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MARGOLIS, Howard. Selfishness, altruism, and rationality. University of


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RODAS, João Grandino (coord). Direito Concorrencial: Avanços
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Lei 12.529/2011. “Coleção Biblioteca de Direito e Economia”
– Vol. 5, 2017”.

FGV DIREITO RIO 250


ECONOMIA

AULA 14 – BENS PÚBLICOS E RECURSOS COMUNS. A CONTRIBUIÇÃO


DE PIGOU. OS TRIBUTOS PIGOUVIANOS

Os economistas apontam a existência de dois tipos de falhas na


dinâmica e funcionamento da economia: (1) as falhas de mercado; e (2)
as falhas de governo.

A primeira espécie de falha ocorre nas hipóteses em que os mercados, por


si só, fracassam na tentativa de alocar os recursos escassos eficientemente. A
intervenção governamental pode tentar corrigir essas falhas nas hipóteses
de mercados imperfeitos ou falhas de mercado.

Por sua vez, as chamadas falhas de governo (government failure)


denotam situação nas quais a intervenção estatal não conseguiu cumprir
a finalidade para a qual foi implementada ou piora ainda mais a eficiência
na alocação dos recursos. As políticas governamentais como a introdução
de tributos, concessão de subsídios, realização de controles de preços
e salários podem constituir tentativas públicas de corrigir falhas de
mercado, mas que podem piorar ainda mais a situação dependendo
da qualidade da formulação e implementação da regulação. Assim, em
muitas circunstâncias ocorrem resultados indesejados sob o ponto de
vista da eficiência alocativa, produzidos pelos mercados imperfeitos, com
ou sem intervenções do governo.

A teoria econômica desde Adam Smith, movimento reforçado pelos


chamados neoclássicos, parte da ideia no sentido de que os mercados
competitivos são as formas mais eficientes de alocação de recursos.

As imperfeições de mercado são ocasionadas pelos agentes econômicos


privados na busca de maximização de seus interesses, mas se comportam
em diversas circunstâncias de maneira que não se coadunam com os
interesses da sociedade em geral.

Com efeito, os indivíduos, em regra, prestam atenção quase
exclusivamente aos custos e benefícios privados, desprezando quase
absolutamente os custos e benefícios para a sociedade como um todo. 220
COSTA, Leonardo de Andrade. Análise
econômica do direito tributário
multidimensional e transdisciplinar
no contexto do processo decisório
Sobre o tema aponta Leonardo de Andrade Costa220: judicial. Texto no prelo.

FGV DIREITO RIO 251


ECONOMIA

Na seara da responsabilidade civil e da proteção


ambiental, por exemplo, a discussão econômica se
direciona, inicialmente, ao exame da necessidade
- ou não - da intervenção governamental para
inibir as consequências colaterais negativas da
ação de um agente econômico (e.g. emissão de
gases poluentes) sobre a sociedade. Os efeitos
deletérios, apelidados pelos economistas de
“externalidades negativas”, podem piorar a
situação de alguém que mantém relação jurídica
contratual com o causador do dano ou impelir
prejuízos a pessoas com as quais não possua
qualquer relação formal, como é o caso, em
geral, na seara do meio ambiente natural (e.g.
o despejo de produtos químicos nos rios). Essas
ações geram custos sociais, que incluem os valores
privados, assumidos pelos próprios agentes
causadores dos danos (“custos internalizados”),
mas também custos “externalizados” ou
“externos”, que excedem os custos privados e
não são levados em consideração para formação
do preço de mercado.
Ainda, a AED preocupa-se com a definição do
nível ótimo de precaução para evitar os danos
nas diversas áreas, a fim de que os riscos não
sejam sobrevalorizados ou subavaliados, o que
impediria a sociedade de alcançar níveis mais
altos de bem estar coletivo.
Saliente-se que efeitos colaterais também
podem ser positivos (e.g. educação), e recebem
a denominação de “externalidades positivas”,
quando “o benefício do consumo não pode
ser associado a um consumidor em particular”
(MUSGRAVE e MUSGRAVE, 1980, p.42).
O quadro abaixo apresenta um resumo do
exposto, acerca dos custos e benefícios privados,
externalizados e sociais:

FGV DIREITO RIO 252


ECONOMIA

Arthur Cecil Pigou, em sua obra intitulada The


Economics of Welfare, preconiza que o Estado atue
para corrigir as falhas de mercado (PIGOU, 1920,
p. 16), para que os custos equivalentes aos danos
ocasionados sejam assumidos (“internalizados”)
por seus causadores, pela adoção de um sistema
de reparações ou por meio dos chamados tributos
pigouvianos (COSTA; LAVOURINHA; DIAS;
CONCA, 2015, p. 32). Nesses termos, justifica a
intervenção governamental quando há divergências
entre os benefícios e custos privados e os benefícios e
custos sociais, visando corrigir a tendência “natural”
de desproporção nessa distribuição no caso de
“externalidade negativa” (PIGOU, 1920, p. 108).
Em linha de pensamento diversa, Ronald Coase,
apesar de reconhecer a possibilidade dos chamados
“desserviços sem indenização aos prejudicados”,
argumenta que não deve o governo simplesmente
coibir, tributar ou sancionar os responsáveis
pelos atos que tenham efeitos nocivos a terceiros
(COASE, 1960, p.27/28). Deve-se examinar,
preliminarmente, se o ganho obtido em impedir
o dano é maior do que a perda que seria
sofrida em outro segmento da sociedade, como
consequência da interrupção do ato que provocou
o prejuízo, considerando-se, portanto, os custos
da ação governamental e os resultados agregados.

FGV DIREITO RIO 253


ECONOMIA

A lógica subjacente é que os benefícios privados são


também benefícios sociais e os custos privados são
também custos sociais, sendo iguais na hipótese
de concorrência perfeita em que não haja custos
elevados para que os agentes econômicos negociem
entre si as reparações consideradas privadamente
devidas. Nesses termos, para “maximização da
riqueza”, deve-se medir e comparar os ganhos
e perdas agregados decorrentes das restrições
impostas aos causadores das “externalidades
negativas”. Com fundamento em um modelo bem
definido de direito de propriedade, e considerando
a estabilidade dos institutos jurídicos, Coase
sustenta que os próprios agentes responsáveis pelas
externalidades poderiam negociar livremente,
com aqueles “prejudicados” pelos impactos
negativos, chegando a um ponto ótimo. O modelo
serviu de inspiração para o mercado de carbono
(AINSWORTH, 2015), que se contrapõem
aos chamados “carbon taxes” (AVI-YONAH;
UHLMANN, 2015). Outro trabalho seminal do
economista (COASE, 1937), que recebeu prêmio
Nobel em 1991, explicitou os chamados custos de
transações associados ao exercício dos direitos de
propriedade associados aos arranjos institucionais,
os quais eram ignorados pelos economistas.

Nesse contexto, ressalte-se que são consideradas falhas de mercado


pelos economistas as seguintes situações:

1) Bens comuns, que são os bens de propriedade comum ou difusa:


É o bem de livre acesso, ao qual não se aplicam os direitos de
propriedade. Em razão de suas características podem ser mal
utilizados. A forma de uso por um indivíduo pode inviabilizar ou
prejudicar a utilização ou fruição do bem por parte de terceiros no
presente ou em relação às futuras gerações. Exemplo: pesca em alto
mar realizada de forma predatória pode comprometer a viabilidade
futura da atividade. Para exame desse aspecto deve ser lido ao final
o texto “A TRAGÉDIA DOS COMUNS” de Garrett Hardin, o
qual será reproduzido no Anexo I.

FGV DIREITO RIO 254


ECONOMIA

2) Os bens públicos ou bens indivisíveis: São bens não exclusivos


(pessoas não podem ser impedidas de consumi-lo e utilizá-los),
além de não serem disputáveis – designado como não rivais pelos
economistas. Caracteriza-se pelo fato de que o acesso de uma pessoa
não implica aumento dos custos, ou seja, o custo margina é igual
a zero (CMg = 0). São exemplos usualmente utilizados: a defesa
nacional, iluminação pública, etc. Dessas características dos bens
públicos decorrem o problema do chamado “carona” (free rider). O
carona representa a situação na qual é possível que pessoas utilizem
um bem sem pagar. Dessa forma, o mercado falha no fornecimento
desses bens, cabendo ao Estado a realização dessa atividade – o
fornecimento e gestão dos bens públicos.

3) Externalidades negativas: As externalidades podem ser positivas


ou negativas. Ocorrem na hipótese em que os custos ou benefícios
de uma atividade não são internalizados pelo próprio indivíduo
ou empresa que realiza a ação, razão pela qual impõem custos
ou viabilizam benefícios a terceiros que não contribuíram para o
ganho ou não deveria incorrer no custo. Exemplo: Suponha duas
empresas: uma refinaria de petróleo e a outra uma fábrica de
pescados. A refinaria de petróleo pode poluir o mar e prejudicar a
produção da fábrica de pescados. Externalidade negativa que gera
uma ineficiência alocativa pois reduz a produção de pescados mas
não da empresa que causou a poluição. 221
“O risco moral, ou moral
hazard, acontece quando há informação
assimétrica. Em resumo, refere-se
a uma situação em que um lado da
4) Informação incompleta ou assimétrica: Quando alguma parte possui transação detém maior quantidade
mais informações do que outras. Falhas de mercado que decorrem de informações, ou informações
mais seguras, do que o outro. O risco
de informações incompletas: moral envolve duas situações: A ação
de um dos lados não é verificável; O
agente obtém informação privilegiada
durante a transação econômica. Este
a. Seleção adversa: Devido a falhas de informação, produtos tipo de ameaça ocorre, por exemplo,
de diferentes qualidades são vendidos a preços iguais. na contratação de seguros, quando
a seguradora não pode acompanhar
Podem ocorrer subsídios cruzados em em razão da seleção o comportamento das pessoas que a
contratam: nos planos de saúde, muitos
adversa. Quando as seguradoras cobram prêmios médios segurados passam a visitar o médico
frequentemente, por motivos banais.
para populações com riscos diferenciados, por exemplo. Isso Também na contratação de funcionários
afastará a população onde o risco é menor (que considerará em uma organização, antes da admissão
o empregador não têm informações
alto o preço) e concentrará a demanda na população de alto seguras sobre o desempenho do
candidato. Assim, apenas com a
risco (para quem o prêmio será considerado baixo). efetivação da transação econômica
é possível às empresas contarem
com informações de qualidade, e
em quantidade suficiente, sobre os
b. Risco Moral221: Quando uma das partes age de uma forma que não envolvidos no negócio”. Disponível em:
podem ser observados pela outra parte e que podem afetar a https://www.sunoresearch.com.
br/artigos/risco-moral/. Acesso em
probabilidade ou a magnitude de um pagamento associado a um evento. 21.04.2020.

FGV DIREITO RIO 255


ECONOMIA

Exemplo: (1) Faz seguro para o carro e estaciona em bairros


perigosos, passa a dirigir com mais imprudência, etc. (2)
Relação agente principal: agentes perseguem suas próprias
metas em vez das metas dos principais: Gestores não seguem
as metas traçadas pela instituição.

5) Poder de mercado222: Poder de determinação do preço dos produtos,


comum em estruturas de marcado imperfeitas ou condutas não
competitivas. Podem ser decorrentes da existência de economias
de escala, o que coloca a sociedade em um dilema: para a empresa
ter uma estrutura de custo mais enxuta precisa operar em escala
o que pode significar uma estrutura de mercado oligopolista. Da
existência de barreiras à entrada, da diferenciação de produtos, etc.

COMO CORRIGIR ESSAS 5 (CINCO) FALHAS DE MERCADO? QUAL A


MELHOR ESTRATÉGIA?

Texto I da Aula 16 - A TRAGÉDIA DOS COMUNS (*)


por Garrett Hardin, (**)

No final de um pensativo artigo sobre o futuro da guerra nuclear, Wiesner


e York (1) concluíram que: “Ambos os lados na corrida aos armamentos
são ... confrontado com o dilema de aumentar progressivamente o poder
militar e a diminuição constante de segurança nacional. Consideramos
que em nosso julgamento profissional este dilema não tem solução
técnica. Se as grandes potências continuam a procurar soluções na área
de ciência e tecnologia apenas, o resultado será para piorar a situação. “

Gostaria de centrar a sua atenção não sobre o assunto do artigo


(segurança nacional em um mundo nuclear), mas sobre o tipo de conclusão
a que chegou, ou seja, que não há solução técnica para o problema. Uma
suposição implícita e quase universal dos debates publicados em revistas
científicas profissionais e semipopulares é que o problema em discussão
tem uma solução técnica. A solução técnica pode ser definida como
aquela que requer uma mudança apenas nas técnicas das ciências naturais,
exigindo pouco ou nada na forma de mudanças nos valores humanos ou
idéias de moralidade.

Em nossos dias (embora não nos primeiros tempos) de soluções técnicas


são sempre bem vindos. Por causa de fracassos anteriores na profecia, é preciso 222
A matéria será examinada a partir da
coragem para afirmar que uma solução técnica desejada não é possível. Aula 19.

FGV DIREITO RIO 256


ECONOMIA

Wiesner e York exibiram essa coragem; publicação de uma revista


científica, eles insistiram que a solução para o problema não era para
ser encontrada nas ciências naturais. Eles cautelosamente qualificada a
sua afirmação com a frase: “ Consideramos que em nosso julgamento
profissional...” Se eles estavam certos ou não, não é a preocupação do
presente artigo. Pelo contrário, a preocupação aqui é com o importante
conceito de uma classe de problemas humanos que podem ser chamados
de “problemas técnicos sem solução”, e, mais especificamente, com a
identificação e discussão de um deles. É fácil demonstrar que a classe não
é uma classe nula.

Lembre-se do Jogo da Velha (tick-tack-toe). Considere o problema:


“Como eu posso ganhar o Jogo da Velha (tick-tack-toe)?” É bem conhecido
que eu não posso, se eu assumir (em conformidade com as convenções
da teoria dos jogos) que o meu adversário entende perfeitamente o jogo.
Dito de outra forma, não há “solução técnica” para o problema. Eu posso
ganhar apenas dando um sentido radical a palavra “vencer”. Eu posso
bater meu oponente em cima da cabeça, ou eu posso drogá-lo, ou eu posso
falsificar os registros. Cada maneira em que eu “ganhar” envolve, em certo
sentido, um abandono do jogo, como que intuitivamente entendemos.
(Eu também, claro, abertamente abandonar o jogo - se recusam a jogar.
Isso é o que a maioria dos adultos.)

A categoria dos “ problemas técnicos sem solução” tem integrantes.


Minha tese é que o “problema da população”, como convencionalmente
concebido, é um membro desta classe. Como ela é convencionalmente
concebida requer algum comentário. É justo dizer que a maioria das
pessoas que se angustiam sobre o problema da população está tentando
encontrar uma maneira de evitar os males da superpopulação, sem
renunciar a quaisquer privilégios que agora desfrutam. Eles pensam
que a agricultura dos mares ou o desenvolvimento de novas variedades
de trigo vai resolver o problema - tecnologicamente. Eu tento mostrar
aqui que a solução que procuram, não pode ser encontrada. O problema
populacional não pode ser resolvido de forma técnica, mais do que pode
o problema de ganhar o Jogo da Velha (tick-tack-toe).

O que nós devemos Maximizar?

“A população, como disse Malthus, tende naturalmente a crescer


geometricamente”, ou, como diríamos hoje, de forma exponencial. Em
um mundo finito, isto significa que a quota per capita de produtos do
mundo deve diminuir regularmente. É nosso mundo finito?

FGV DIREITO RIO 257


ECONOMIA

Uma razoável defesa pode ser invocada para a visão de que o mundo
é infinito; ou que não sabemos que não é. Mas, em termos de problemas
práticos que temos que enfrentar nas próximas gerações poucos com a
tecnologia previsível, é claro que vamos aumentar significativamente a
miséria humana, se não o fizermos, no futuro imediato, assumir que o
mundo disponível para a população humana terrestre é finito. “O Espaço”
não é fugaz (No original: “no escape”) (2). Um mundo finito só pode
suportar uma população finita, portanto, o crescimento da população
deve, eventualmente, igualar-se a zero. (O caso do Perpétuo grandes
flutuações acima e abaixo de zero é uma variante trivial que não precisam
ser discutidos.) Quando esta condição é satisfeita, qual será a situação
da humanidade? Especificamente, pode a meta de Bentham de “o maior
bem para o maior número” ser realizada?

Não - por duas razões, cada uma por si só suficiente. A primeira é


teórica. Não é matematicamente possível para maximizar a dois (ou mais)
variáveis ao mesmo tempo. Isso foi claramente afirmado por Von Neumann
e Morgenstern (3), mas o princípio está implícito na teoria das equações
diferenciais parciais, que remonta pelo menos a D’Alembert (1717-1783).

A segunda razão deriva diretamente dos fatos biológicos. Para viver,


todo o organismo deve ter uma fonte de energia (por exemplo, alimento).
Esta energia é utilizada para dois propósitos: simples manutenção e de
trabalho. Para o homem, a manutenção da vida requer cerca de 1.600
quilocalorias por dia (“calorias alimentares”) (“maintenance calories”).
Qualquer coisa que ele faz, acima e abaixo disto apenas para permanecer
vivo será definido como trabalho, e é apoiada por “calorias de trabalho”
(“work calories”) que ele leva. Tais calorias de trabalho (“work calories”)
são usadas não só para o que chamamos de trabalho no discurso comum,
mas também são necessárias para que os formas de prazer, de natação
e corridas de automóvel para tocar música e escrever poesia. Se nosso
objetivo é maximizar a população, é óbvio que devemos fazer: temos de
tornar as calorias de trabalho por pessoa acercando-se o mais próximo
possível de zero. Sem refeições gourmet, sem férias, sem esportes, sem
música, sem literatura, sem arte ... Eu acho que todos vão concordar, sem
qualquer prova ou argumento, que maximizar a população não maximiza
mercadorias. A meta de Bentham é impossível.

Para chegar a essa conclusão que eu fiz a suposição usual que é a aquisição
de energia que é o problema. O surgimento da energia atômica levou alguns
a questionar este pressuposto. No entanto, dada uma fonte infinita de
energia, o crescimento populacional ainda produz um problema inevitável.

FGV DIREITO RIO 258


ECONOMIA

O problema da aquisição de energia passa a ter o problema de sua


dissipação, como J. H. Fremlin tem mostrado tão espirituosamente (4).
Os sinais aritméticos na análise são, por assim dizer, invertidos, mas a
meta de Bentham é ainda inalcançável.

A população ideal é, portanto, inferior ao máximo. A dificuldade


de definir o melhor é enorme, tanto quanto eu sei, ninguém abordou
seriamente este problema. Chegar a uma solução aceitável e estável
certamente requer mais de uma geração de trabalho analítico difícil - e
muita persuasão.

Queremos o máximo por pessoa boa, mas o que é bom? Para uma
pessoa que está deserta, a outra é apresentar para milhares de esqui.
Para ele é um dos estuários para alimentar os patos para os caçadores de
disparar, para outro é terra de fábrica. Comparando um bem com o outro
é, nós costumamos dizer, impossível, porque os bens são incomensuráveis.
Incomensuráveis não podem ser comparados.

Teoricamente isso pode ser verdade, mas na vida real os incomensuráveis


são comensuráveis. Apenas um critério de julgamento e um sistema de
ponderação são necessários. Na natureza o critério é a sobrevivência. É
melhor para uma espécie de ser pequeno e ocultável, ou grande e poderosa?
A seleção natural comensura o incomensurável. O compromisso alcançado
depende de uma ponderação natural dos valores das variáveis.

O homem deve imitar esse processo. Não há dúvida de que, na verdade


ele já faz, mas inconscientemente. É quando as decisões ocultas são
explícitas, que os argumentos começam. O problema para os próximos
anos é trabalhar claramente uma teoria aceitável de ponderação. Os efeitos
sinérgicos, a variação não-linear, e as dificuldades de descontar o futuro
intelectual tornar o problema difícil, mas não (em princípio) insolúvel.

Tem algum grupo cultural resolvido esse problema prático no momento,


mesmo em um nível intuitivo? Um fato simples comprova que nenhum
tem: não há população próspera no mundo de hoje que tem e teve durante
algum tempo, uma taxa de crescimento zero. Qualquer pessoa que tenha
identificado intuitivamente seu ponto ótimo, logo chegara a ele, após o
qual a sua taxa de crescimento torna-se e continua a ser zero.

Naturalmente, uma taxa de crescimento positiva pode ser tomada como


evidência de que uma população está abaixo do seu ideal. No entanto,
por qualquer padrão razoável, os grupos que aumentam mais rapidamente
as populações na terra hoje estão (em geral) entre os mais miseráveis.

FGV DIREITO RIO 259


ECONOMIA

Esta associação (que não precisa ser invariável) põe em dúvida a suposição
otimista de que a taxa de crescimento positiva de uma população é prova
de que ele ainda tem de alcançar o seu ideal.

Nós podemos fazer pouco progresso em trabalhar para o tamanho da


população ideal, até explicitamente exorcizar o espírito de Adam Smith
no campo da demografia prática. Em assuntos econômicos, A Riqueza
das Nações (1776) popularizou a “Mão Invisível”, a idéia de que um
indivíduo que “pretende apenas ganhar o seu próprio” é, por assim dizer,
“guiado por uma mão invisível a promover o... interesse público”(5).
Adam Smith não afirmar que isto foi sempre verdadeiro, e talvez nem
fez qualquer dos seus seguidores. Mas ele contribuiu para a tendência
dominante do pensamento que desde então tem interferido com a ação
positiva baseada na análise racional, ou seja, a tendência de supor que as
decisões tomadas individualmente, de fato, serem as melhores decisões
para toda uma sociedade. Se esta hipótese estiver correta, ela justifica
a continuação de nossa atual política de laissez-faire na reprodução.
Se ele estiver correto, podemos supor que os homens vão controlar
sua fecundidade individual, de modo a produzir a população ideal. Se
a hipótese não está correta, precisamos reexaminar nossas liberdades
individuais para ver quais são defensáveis.

A tragédia da liberdade em uma Vida Comunal (Commons)

A refutação ao argumento da mão invisível no controle da população


entra pela primeira vez em cena em um panfleto pouco conhecido (6)
em 1833 por um matemático amador chamado William Forster Lloyd
(1794-1852). Podemos muito bem chamar-lhe “a tragédia dos comuns”,
usando a palavra “tragédia”, como o filósofo Whitehead usou (7): “A
essência da tragédia dramática não é infelicidade, reside na solenidade
do trabalho sem remorsos das coisas.”. Ele então continua a dizer: “Esta
inevitabilidade do destino só pode ser ilustrada em termos de vida humana
por incidentes que na verdade envolvem infelicidade. Porque é só por eles
que a futilidade da fuga pode ser evidenciada no drama”.

A tragédia dos comuns se desenvolve desta forma. Imagine um pasto


aberto a todos. É de se esperar que cada vaqueiro vai tentar manter o
gado do maior número possível no terreno comum. Tal mecanismo
pode funcionar de modo razoavelmente satisfatório durante séculos,
devendo-se às guerras tribais, à caça furtiva, e à doença manter o número
de homens e animais bem abaixo da capacidade de absorção do solo.

FGV DIREITO RIO 260


ECONOMIA

Por último, no entanto, vem o dia do julgamento, ou seja, o dia em


que o objetivo a longo prazo desejado de estabilidade social se torne
uma realidade. Neste ponto, a lógica inerente do que é comum
impiedosamente gera tragédia.

Como um ser racional, cada vaqueiro procura maximizar o seu


ganho. Explícita ou implicitamente, mais ou menos conscientemente,
ele pergunta: “Qual é o utilidade para mim de acrescentar mais um
animal para o meu rebanho?” Esta utilidade tem um componente
negativo e um positivo.

1) O componente positivo é uma função do incremento de um animal.


Desde que o pastor recebe todos os lucros provenientes da venda do
animal adicional, a utilidade positiva é quase um.

2) A componente negativa é uma função do sobrepastoreio adicional


criado por mais um animal. Como, no entanto, os efeitos do excesso de
pastagem são compartilhados por todos os pastores, a utilidade negativa
para tomada de decisão (decision-making) de qualquer pastor particular
é apenas uma fração de -1.

Somando-se os componentes parciais de sua utilidade, o vaqueiro


racional conclui que o único caminho sensato para ele seguir é o de
adicionar outro animal a seu rebanho. E outro, e outro .... Mas esta é
a conclusão alcançada por todos e cada pastor racional partilha de um
bem comum. Aí é se encontra a tragédia. Cada homem está preso em um
sistema que o compele a aumentar seu rebanho sem limites - num mundo
que é limitado. Ruína é o destino para o qual todos os homens correm,
cada um perseguindo seu próprio interesse em uma sociedade que acredita
na liberdade dos bens comuns. Liberdade num terreno baldio (common)
traz ruína para todos.

Alguns diriam que este é um chavão. Gostaria que fosse! Em certo


sentido, isto foi aprendido há milhares de anos, mas a seleção natural
favorece as forças de negação psicológica (8). Os indivíduos beneficiam-
se individualmente de sua capacidade de negar a verdade, mesmo que
sofra a sociedade como um todo, do qual ele faz parte.

A educação pode contrariar a tendência natural de fazer a coisa


errada, mas a inexorável sucessão das gerações requer que a base para esse
conhecimento seja constantemente atualizada.

FGV DIREITO RIO 261


ECONOMIA

Um simples incidente que ocorreu há alguns anos em Leominster,


Massachusetts, mostra como o conhecimento é perecível. Durante
a temporada de compras de Natal no estacionamento poucos espaços
foram cobertos com sacos de plástico vermelho que traziam as marcas
de leitura: “.. Não abrir até depois do Natal. Cortesia de estacionamento
gratuito da Câmara de Vereadores (Council) e do prefeito da cidade” Em
outras palavras, diante da perspectiva de uma maior demanda por espaço
já está escassa, os pais da cidade reinstituíram o regime dos bens comuns.
(Cinicamente, suspeitamos que eles ganharam mais votos do que eles
perderam por esse ato retrógrado.)

De forma aproximada, a lógica do que e comum tem sido entendido por


um longo tempo, talvez desde a descoberta da agricultura ou a invenção da
propriedade privada no setor imobiliário. Mas compreende-se na maior
parte apenas em casos especiais que não são suficientemente generalizados.
Mesmo nessa data tardia, pecuaristas arrendam (leasing) terras nacionais
nas vastidões ocidentais demonstram não mais do que um entendimento
ambivalente, em constante pressão sobre as autoridades federais para
aumentar a contagem para o ponto onde o sobrepastoreio produz erosão
e dominância de plantas daninhas. Da mesma forma, os oceanos do
mundo continuam a sofrer com a sobrevivência da filosofia do que e
comum. As nações marítimas ainda respondem automaticamente para
o mito da “liberdade dos mares.” Professar a acreditar nos “inesgotáveis
recursos dos oceanos”, faz com que espécies após espécies de peixes e
baleias cheguem mais perto da extinção (9).

Os Parques Nacionais, apresentam um outro exemplo da elaboração


da tragédia dos comuns. Atualmente, estão abertas a todos, sem limite.
Os parques de si são limitados em extensão - há apenas um Yosemite
Valley - enquanto a população parece crescer sem limites. Os valores
que os visitantes procuram os parques são constantemente erodidos.
Claramente, devemos logo deixará de tratar os parques como bens
comuns, ou será alguém sem valor.

O que devemos fazer? Nós temos várias opções. Podemos vendê-las


como propriedade privada. Podemos mantê-los como propriedade pública,
mas atribuir o direito de lançá-los. A alocação pode ser feita a partir da
riqueza, através da utilização de um sistema de leilão. Pode ser com base
no mérito, tal como definido por alguns padrões acordados. Pode ser por
sorteio. Ou pode ser na base de um primeiro a chegar, primeiro a ser servido
», administrado longas filas. Estes, eu acho, são todas as possibilidades
razoáveis. Todos elas são ofensivas. Mas temos de escolher - ou aceitar a
destruição do bem comum a que chamamos nossos Parques Nacionais.

FGV DIREITO RIO 262


ECONOMIA

Poluição

Em sentido inverso, a tragédia dos comuns reaparece em problemas


de poluição. Aqui não é uma questão de tirar alguma coisa dos comuns,
mas de colocar algo em - de esgoto, ou químicos, radioativos, resíduos e
calor para a água; gases nocivos e perigosos para a atmosfera, e placas de
propaganda distrativas e desagradáveis para a linha de visão. Os cálculos
de utilidade são praticamente os mesmos de antes. O homem racional
descobre que sua parte do custo dos resíduos que descarrega no espaço
comum é inferior ao custo de purificar seus resíduos antes de liberá-
los. Como isso é verdade para todos, estamos presos em um sistema de
“sujar nosso próprio ninho” (“fouling our own nest”) contanto que se
comportam apenas como livre-empresas independentes e racionais.

Como uma cesta de alimentos, a tragédia dos comuns pode ser evitada
pela propriedade privada, ou algo formalmente como ela. Mas o ar e
as águas que nos cerca não podem ser facilmente cercados, e por isso a
tragédia dos comuns como uma fossa deve ser evitada por outros meios,
por leis coercitivas ou dispositivos fiscais que tornam mais barato para
o poluidor tratar seus poluentes do que descarregá-las não tratados. Nós
não progredimos tanto com a solução deste problema que temos com
o primeiro. Na verdade, o nosso conceito particular da propriedade
privada, o que impede-nos de esgotar os recursos positivos da terra,
favorece a poluição. O proprietário de uma fábrica na margem de um
córrego - cuja propriedade se estende até o meio do rio, muitas vezes
tem dificuldade de ver porque não é seu direito natural para turvar
as águas que fluem após sua porta. A lei, sempre atrás dos tempos,
exige de costura elaborada e apropriada para adaptá-la a este aspecto
recentemente percebido do que e comum.

O problema da poluição é uma conseqüência da população. Não


importa muito como um desbravador solitário americano eliminados
seus resíduos. “Água corrente purifica-se a cada 10 quilômetros”, o meu
avô costumava dizer, o mito estava perto o suficiente para a verdade,
quando ele era um menino, por que não havia muitas pessoas. Mas
como a população se tornou mais densa, o produto químico natural e
os processos de reciclagem biológica tornouse sobrecarregados, exigindo
uma redefinição dos direitos de propriedade.

Como legislar sobre temperança?

FGV DIREITO RIO 263


ECONOMIA

Análise do problema da poluição em função da densidade populacional


revela um princípio geralmente não reconhecido da moralidade, a saber:
a moralidade de um ato é uma função do estado do sistema no momento
em que é realizado (10). Se usando o espaço comum como uma fossa não
prejudica o público em geral em condições de fronteira, porque não há
público, o mesmo comportamento em uma metrópole é insuportável. Há
cento e cinqüenta anos um camponês poderia matar um búfalo americano,
cortou a língua apenas para o jantar, e descartar o resto do animal. Ele
não estava em nenhum sentido importante que haja desperdício. Hoje,
com apenas poucos mil búfalos sobrando, ficaríamos horrorizados com
tal comportamento.

De passagem, vale a pena notar que a moralidade de um ato não pode


ser determinado a partir de uma fotografia. Não se sabe se um homem
matar um elefante ou ateando fogo às pastagens é prejudicar os outros, até
que um conhece o total do sistema em que o seu ato será exibido. “Uma
imagem vale mais que mil palavras”, disse uma chinesa antiga, mas pode
levar 10 mil palavras para validá-lo. É tão tentador para os ecologistas,
pois é para os reformadores, em geral, para tentar persuadir os outros por
meio do atalho fotográfico. Mas a essência de um argumento não pode
ser fotografado: deve ser apresentado de forma racional - em palavras.

Que a moralidade é um sistema sensível escapou à atenção da maioria


dos codificadores de ética no passado. “Não roubarás...” é a forma de
diretrizes éticas tradicionais que não fazem nenhuma provisão para
circunstâncias particulares. As leis da nossa sociedade seguem o padrão da
ética antiga e, portanto, pouco apto para governar um mundo complexo,
repleto mutável. Nossa solução é aumentar epicyclic lei ordinária com
direito administrativo. Uma vez que é praticamente impossível explicitar
todas as condições em que ele é seguro para queimar lixo no quintal ou
dirigir um carro sem controle de poluição atmosférica, por lei, delegar
os detalhes para escritórios. O resultado é de direito administrativo,
que é justamente temida por um motivo antigo - ipsos custodes quis
custodiet? “Quem deve vigiar os próprios vigilantes?” [***N.T.] John
Adams disse que devemos ter um governo de leis e não dos homens.
“Administradores públicos na tentativa de avaliar a moralidade dos atos
no sistema total, são singularmente sujeito à corrupção, produzindo um
governo de homens, não leis.“É fácil de legislar acerca de uma proibição
(embora não necessariamente para aplicar), mas como podemos
legislar acerca da temperança? A experiência indica que ela pode ser
realizado melhor com a mediação do Direito Administrativo. Nós
limitamos as possibilidades desnecessariamente, se supusermos que o
sentimento de custodiet quis nos nega o uso do direito administrativo.

FGV DIREITO RIO 264


ECONOMIA

Devemos sim manter a frase como um perpétuo lembrete dos perigos


com medo, não podemos evitar. O grande desafio que enfrentamos agora
é inventar os feedbacks corretivos que são necessários para manter o
vigilante honesto. Temos de encontrar formas de legitimar a autoridade
necessária de ambos os guardiões e os retornos corretivos.

Liberdade de procriação é intolerável

A tragédia dos comuns é envolvida em problemas da população de


outra forma. Em um mundo regido apenas pelo princípio do “cão come
cão” - na verdade, se é que houve um tal mundo - quantos filhos uma
família não tivesse seria uma questão de interesse público. Os pais que
criou muito exuberante iria deixar menos descendentes, não mais, porque
seria incapaz de cuidar adequadamente de seus filhos. David Lack e outros
descobriram que esse feedback negativo comprovadamente controla a
fecundidade das aves (11). Mas os homens não são aves, e que não agimos
como eles há milênios, pelo menos.

Se cada família humana fosse dependente apenas dos seus próprios


recursos, se os filhos de pais imprevidentes morreram de fome, se, assim, a
sobreprocriação (overbreeding) trouxe o seu “castigo” própria para a linha
germinal - então não haveria interesse público no controle da reprodução
das famílias. Mas a nossa sociedade está profundamente comprometida
com o Estado de Bem-Estar (12) e, portanto, é confrontado com um
outro aspecto da tragédia dos comuns.

Em um Estado de Bem-Estar, como devemos lidar com a família, a


religião, a raça ou a classe (ou mesmo qualquer outro grupo distinto e
coeso) que adota a sobreprocriação (overbreeding) como uma política para
garantir a sua própria expansão (13)? Para acoplar o conceito de liberdade
para cruzar com a crença de que todo mundo nasce tem um direito igual ao
que é comum é bloquear o mundo em um trágico curso de ação.

Infelizmente este é apenas o curso de ação que está sendo perseguido


pelas Nações Unidas. No fim de 1967, cerca de 30 nações concordaram
com a seguinte (14):

A Declaração Universal dos Direitos Humanos descreve a família como


unidade natural e fundamental da sociedade. Daqui resulta que qualquer
escolha e decisão em relação ao tamanho da família deve irrevogavelmente
descansar com a família em si, e não pode ser feita por outra pessoa.

FGV DIREITO RIO 265


ECONOMIA

É doloroso ter de negar categoricamente a validade desse direito;


negá-lo, a pessoa se sente tão desconfortável como um morador de
Salem, Massachusetts, que negou a realidade das bruxas no século 17.
No presente momento, nos meios liberais, algo como um tabu atua para
inibir as críticas da Organização das Nações Unidas. Há uma sensação de
que as Nações Unidas são «a nossa última e melhor esperança›› que não
devemos encontrarmos em falha com ela, não devemos jogar nas mãos
do arqui-conservadores. No entanto, não esqueçamos o que Robert Louis
Stevenson. disse: “A verdade que é suprimida pelos amigos mais imediata é
a arma do inimigo.” Se amamos a verdade, temos que abertamente negam
a validade da Declaração Universal dos Direitos do Homem, mesmo
que seja promovida pela Organização das Nações Unidas deveríamos.
também juntar-nos com Kingsley Davis (15) na tentativa de obter um
Planejamento Familiar (Planned Parenthood) da População Mundial
para ver o erro de seus caminhos em abraçar o mesmo ideal trágico.

Consciência é auto-eliminação

É um erro pensar que podemos controlar a reprodução da humanidade


a longo prazo por um apelo à consciência. Charles Galton Darwin
levantou essa questão quando falou sobre o centenário da publicação do
grande livro do seu avô. O argumento é simples e darwiniano.

As pessoas variam. Confrontado com apelos para limitar a reprodução,


sem dúvida, algumas pessoas vão responder ao apelo mais que outros.
Aqueles que têm mais crianças produzirão uma fração maior da próxima
geração do que aqueles com mais consciências sensíveis. A diferença será
acentuada, de geração em geração.

Nas palavras de C. G. Darwin: “É bem possível que levaria centenas


de gerações, o instinto procriativo se desenvolver neste caminho, mas se
deve fazê-lo, a natureza teria tomado a sua vingança, e a variedade Homo
Contracipiens seria extinta e seria substituído pela variedade Homo
Progenitivus”(16).

O argumento supõe que a consciência ou o desejo de ter filhos (não importa


qual) é hereditária - mas apenas hereditários, no sentido mais geral formal. O
resultado será o mesmo se a atitude é transmitida através de células germinais,
ou exosomaticamente, para usar o termo A. J. Lotka. (Se alguém nega essa
possibilidade, assim como o primeiro, então qual é o sentido da educação?)

FGV DIREITO RIO 266


ECONOMIA

O argumento foi aqui referido, no contexto do problema da população,


mas se aplica igualmente bem a qualquer instância em que os apelos
da sociedade para um indivíduo explorando um bem comum de se
conter para o bem geral - por meio de sua consciência. Fazer este
apelo é criar um sistema seletivo que funcione para a eliminação da
consciência da raça.

Efeitos patogênicos da Consciência

A desvantagem a longo prazo de um apelo à consciência deve ser


suficiente para condená-lo, mas tem sérias desvantagens de curto prazo
também. Se interpelamos a um homem que está explorando um bem
comum a desistir “em nome da consciência” o que estamos dizendo a
ele? O que ele ouve? - Não só no momento, mas também na madrugada
da noite, quando, meio adormecido, ele não se lembra apenas as palavras
que usamos, mas também os sinais de comunicação não-verbal que lhe
deu o improviso? Cedo ou tarde, consciente ou inconscientemente, ele
sente que recebeu duas comunicações, e que elas são contraditórias: (i)
(comunicação pretendida) “Se você não fizer o que pedimos, vamos
condená-lo abertamente para não agir como um cidadão responsável”,
(ii) (a comunicação não intencional)” Se você se comportar como
pedimos, vamos condená-los secretamente como um simplório que
pode ser envergonhado em ficar de lado enquanto o resto de nós explora
o que e comum”.

Todo homem, então, é apanhado no que Bateson chamou de “duplo


vínculo”. Bateson e seus colaboradores fizeram um argumento plausível
para a visualização do duplo vínculo como um importante fator causal
na gênese da esquizofrenia (17). A duplicidade não pode ser sempre
tão prejudicial, mas sempre põe em perigo a saúde mental de alguém
a quem ela é aplicada. “A má consciência”, disse Nietzsche, “é uma
espécie de doença”.

Para conjurar uma consciência em outros é tentadora para quem


deseja estender seu controle além dos limites legais. Líderes no mais
alto nível sucumbir a essa tentação. Houve algum presidente que
durante a geração passada não chamou os sindicatos para moderar
voluntariamente suas demandas por maiores salários, ou as empresas
siderúrgicas para honrar diretrizes voluntárias sobre os preços? Lembro-
me de nenhum. A retórica utilizada em tais ocasiões é projetada para
produzir sentimentos de culpa em não cooperadores.

FGV DIREITO RIO 267


ECONOMIA

Durante séculos, pensava-se sem a prova de que a culpa era valioso,


talvez até um ingrediente indispensável da vida civilizada. Agora, neste
mundo pós-freudiano, nós duvidamos.

Paul Goodman fala do ponto de vista moderno quando diz: “Não


é bom já vem do sentimento de culpa, nem a inteligência, a política,
a compaixão, nem o culpado não prestamos atenção ao objeto, mas
apenas a si próprios, e nem mesmo às seus próprios interesses, o que
pode fazer sentido, mas para as suas ansiedades “(18).

Uma coisa não tem que ser um psiquiatra para ver as conseqüências
da ansiedade. Nós, no mundo ocidental estamos apenas emergindo de
uns terríveis dois séculos ao longo da Idade das Trevas de Eros que foi
sustentada em parte por leis de proibição, mas talvez mais eficaz através
dos mecanismos geradores da ansiedade da educação. Alex Comfort
contou a história também dos fabricantes de Ansiedade (19), não é uma
história bonita.

Uma vez que a prova é difícil, podemos até admitir que os resultados
de ansiedade pode, por vezes, de certos pontos de vista, seria desejável.
A maior pergunta que devemos fazer é se, como uma questão de política,
devemos sempre incentivar o uso de uma técnica, a tendência (se não
a intenção) de que são psicologicamente patogênicas. Ouvimos muito
falar nestes dias de paternidade responsável, as palavras acopladas são
incorporadas os títulos de algumas organizações dedicadas ao controle
de natalidade. Algumas pessoas propuseram campanhas de propaganda
maciça para incutir a responsabilidade para a nação (ou do mundo)
criadores. Mas qual é o significado da palavra responsabilidade neste
contexto? Não é meramente um sinônimo para a palavra consciência?
Quando usamos a palavra responsabilidade na ausência de sanções
substanciais não estamos a tentar intimidar um homem livre em um espaço
comum para agir contra seus próprios interesses? Responsabilidade é
uma falsificação verbal de um quid pro quo substancial. É uma tentativa
de conseguir algo para nada.

Se a palavra responsabilidade é para ser usado em tudo, eu sugiro que


seja no sentido de Charles Frankel usa-lo (20). “Responsabilidade”, diz
esse filósofo, “é o produto de determinada organização social.” Observe
que Frankel solicita arranjos sociais - não de propaganda.

FGV DIREITO RIO 268


ECONOMIA

Coerção mútua mutuamente acordada

Os arranjos sociais que produzem a responsabilidade são arranjos


que criam coerção, de alguma sorte. Considere de assaltantes de bancos.
O homem que tira dinheiro de um banco age como se o banco fosse
um bem comum. Como evitar que tal ação? Certamente não por tentar
controlar o seu comportamento apenas por um apelo verbal ao seu
sentido de responsabilidade. Ao invés de confiar na propaganda que
seguir o exemplo de Frankel e insistir em que um banco não é um bem
comum, buscamos o regime social definido, que irá mantê-lo de tornar-
se um bem comum. Que, assim, violar a liberdade dos pretensos ladrões
nós nem negar nem arrependimento.

A moralidade de assaltantes de bancos é particularmente fácil de


entender porque nós aceitamos a proibição completa dessa atividade.
Estamos dispostos a dizer: “Nos não roubamos bancos», sem prever
exceções. Mas a temperança também pode ser criada por meio da
coerção. A tributação é um bom dispositivo de coerção. Para manter
os clientes do centro de clima temperado no uso de espaço para
estacionamento, apresentamos parquímetros por períodos curtos, e
multas de trânsito para os mais longos. Nós realmente não precisa de
proibir um cidadão de estacionar, enquanto ele quer, precisamos apenas
tornálo cada vez mais caro para ele fazer isso. Não é proibição, mas
as opções cuidadosamente tendenciosas são o que lhe oferecemos. Um
homem da Madison Avenue pode chamar isso de persuasão, eu prefiro
a maior candura da palavra coerção.

A coerção é uma palavra suja para a maioria dos liberais agora, mas
não precisa ser assim para sempre. Tal como acontece com as palavras
de quatro letras, sua sujeira pode ser limpado pela exposição à luz, ao
dizer que mais e mais, sem desculpa ou constrangimento. Para muitos,
a palavra coerção implica decisões arbitrárias de burocratas distantes e
irresponsáveis, mas isso não é uma parte necessária do seu significado. O
único tipo de coerção que eu recomendo é a coerção mútua, mutuamente
acordada pela maioria das pessoas afetadas.

Para dizer que concordamos com a coerção não é dizer que somos
obrigados a apreciá-la, ou mesmo fingir apreciá-la. Quem gosta de impostos?
Nós todos reclamamos deles. Mas nós aceitamos imposições obrigatórias,
porque reconhecemos que os taxas voluntárias favoreceriam a falta de
escrúpulos. Nós instituímos e (resmungando) apoiamos aos impostos e
outros dispositivos coercitivos para escapar do horror do que é comum.

FGV DIREITO RIO 269


ECONOMIA

Uma alternativa para o que é comum não precisa ser perfeito apenas
para ser preferível. Com imóveis e outros bens materiais, a alternativa
que escolhemos é a instituição da propriedade privada conjugada
com a herança jurídica. Este sistema é perfeitamente justo? Como
biólogo formado geneticamente nego que ele é. Parece-me que, se
houver a diferenças individuais na herança, a posse legal deve estar
perfeitamente correlacionada com a herança biológica - que aqueles que
são biologicamente mais aptos para serem os guardiões da propriedade
e do poder deve legalmente herdar mais. Mas a recombinação genética
continuamente faz uma paródia da doutrina da “tal pai, tal filho”
implícita nas leis de herança jurídica. Um idiota pode herdar milhões,
e um fundo pode manter seu patrimônio intacto. Temos de admitir que
nosso sistema jurídico da propriedade privada mais herança é injusto
- mas nós aturar isso porque não estamos convencidos, no momento,
que alguém tenha inventado um sistema melhor. A alternativa dos
baldios é demasiado terrível para contemplar. A injustiça é preferível
à ruína total.

É uma das particularidades da guerra entre a reforma e o status quo


que é absurdamente regida por um padrão duplo. Sempre que uma
medida de reforma propõe muitas vezes é derrotado quando seus
oponentes triunfantes descobrirem uma falha nele. Como Kingsley
Davis assinalou (21), os adoradores do status quo, por vezes, implica que
nenhuma reforma é possível sem um acordo unânime, uma implicação
contrária aos fatos históricos. Tanto quanto eu posso fazer para fora,
a rejeição automática de reformas proposto é baseado em um dos dois
pressupostos inconscientes: (i) que o status quo é perfeito, ou (ii) que
a escolha que nós enfrentamos é entre reforma e nenhuma ação, se o
reforma proposta é imperfeita, nós provavelmente deve ter nenhuma
ação, enquanto aguardamos uma proposta perfeita.

Mas nós nunca podemos fazer nada. Aquilo que temos feito por
milhares de anos também é ação. Ele também produz males. Uma vez
que estamos conscientes de que o status quo é ação, nós podemos então
comparar suas vantagens e desvantagens detectável com as vantagens
e desvantagens previsto na proposta de reforma, descontando o
melhor que pudermos para a nossa falta de experiência. Na base de tal
comparação, podemos tomar uma decisão racional, que não implica a
assunção inviável que apenas sistemas perfeitos são toleráveis.

FGV DIREITO RIO 270


ECONOMIA

Reconhecimento da Necessidade

Talvez o mais simples resumo da análise dos problemas do homem da


população é esta: o espaço comum, se justifica de todo, só se justifica em
condições de baixa densidade populacional. Como a população humana
aumentou, os bens comuns, teve de ser abandonado em um aspecto após
o outro. Primeiro, abandonou o que é comum na recolha de alimentos,
abrangendo terras agrícolas e pastos e restringindo a caça e de pesca. Estas
restrições são ainda não está completa em todo o mundo.

Um pouco mais tarde, vimos que o espaço comum como um local


de eliminação de resíduos também teria que ser abandonada. Restrições
à disposição dos esgotos domésticos são amplamente aceitos no mundo
ocidental, ainda estamos lutando para fechar o que é comum à poluição
por automóveis, pelas fábricas,por pulverizadores de inseticidas, as
operações de adubação, e instalações de energia atômica.

Em um estado ainda mais embrionário é o nosso reconhecimento dos


males do comum em matéria de prazer. Não há quase nenhuma restrição
sobre a propagação das ondas sonoras no meio público. O público em
shopping é agredido com música gratuita, sem o seu consentimento.
Nosso governo está pagando bilhões de dólares para criar transporte
supersônico que irá perturbar 50 mil pessoas para cada pessoa que é
levada de costa a costa 3 horas mais rápido. Anunciantes turvar as ondas
de rádio e televisão e poluir a visão dos viajantes. Estamos muito longe de
proibir os comuns em matéria de prazer. Será isto porque a nossa herança
puritana que nos faz ver o prazer como uma espécie de pecado e dor (ou
seja, a poluição da publicidade) como um sinal de virtude?

Cada novo recinto dos comuns envolve a violação da liberdade pessoal


de alguém. Infrações feitas no passado distante são aceitos porque
nenhum contemporâneo se queixa de uma perda. É a nova proposta de
infrações que se opor vigorosamente; gritos de “direitos” e “liberdade”
enchem o ar. Mas o que significa “liberdade” significa? Quando os
homens mutuamente acordadas para aprovar leis contra o roubo, a
humanidade se tornou mais livre, não menos. Os indivíduos presos a
lógica do bem comum são gratuitos apenas para trazer a ruína universal,
uma vez que vêem a necessidade de coerção mútua, eles se tornam livres
para buscar outros objetivos. Creio que foi Hegel quem disse: “Liberdade
é o reconhecimento da necessidade.”

FGV DIREITO RIO 271


ECONOMIA

O aspecto mais importante da necessidade que temos agora de


reconhecer, é a necessidade de abandonar as terras comuns na criação.
Nenhuma solução técnica pode nos salvar da miséria da superpopulação.
Liberdade de raça vai arruinar a todos. No momento, para evitar decisões
difíceis, muitos de nós somos tentados a propaganda da consciência
e da paternidade responsável. A tentação deve ser combatida, pois
um apelo à consciência agindo independentemente seleciona para o
desaparecimento de toda consciência, a longo prazo, e um aumento da
ansiedade a curto prazo.

A única maneira de preservar e promover outras liberdades mais


preciosas é a renúncia à liberdade da raça, e que muito em breve.
“Liberdade é o reconhecimento da necessidade” - e é o papel da educação
para revelar a todos a necessidade de abandonar a liberdade de criação. Só
assim, podemos colocar um fim a este aspecto da tragédia dos comuns.

(*) Publicado na revista Science, vol. 162, No. 3859 (13 de dezembro
de 1968), pp. 1243-1248. A versão aqui utilizada acha-se disponível no
site: <http://www.garretthardinsociety.org/articles/art_tragedy_of_the_
commons.html>.

(**) O autor é professor de biologia da Universidade da Califórnia


em Santa Barbara. Este artigo é baseado em um discurso presidencial
apresentado antes da reunião da Divisão do Pacífico da Associação
Americana para o Avanço da Ciência na Universidade Estadual de Utah,
Logan, 25 de junho de 1968. Maiores detalhes em:< http://en.wikipedia.
org/wiki/Garrett_Hardin>.

(***) Nota do Tradutor: Juvenal, poeta romano, 60-127 AC. 13

REFERÊNCIAS

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Behavior (Princeton Univ. Press, Princeton, N.J., 1947), p. 11.

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5. A. Smith, The Wealth of Nations (Modern Library, New York,


1937), p. 423.

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Press, Oxford, England, 1833), reprinted (in part) in Population,
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York, 1948), p. 17.

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San Francisco, 1964). p. 56.

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10. J. Fletcher, Situation Ethics (Westminster, Philadelphia, 1966).

11. D. Lack, The Natural Regulation of Animal Numbers (Clarendon


Press, Oxford, 1954).

12. H. Girvetz, From Wealth to Welfare (Stanford Univ. Press. Stanford,


Calif., 1950).

13. G. Hardin, Perspec. Biol. Med. 6, 366 (1963).

14. U. Thant, Int. Planned Parenthood News, No.168 (February 1968), p. 3.

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17. G. Bateson, D. D. Jackson, J. Haley, J. Weakland, Behav. Sci. 1. 251


(1956).

18. P. Goodman, New York Rev. Books 10(8), 22 (23 May 1968).

19. A. Comfort, The Anxiety Makers (Nelson, London, 1967).

20. C. Frankel, The Case for Modern Man (Harper, New York,
1955), p. 203.

FGV DIREITO RIO 273


ECONOMIA

21. J. D. Roslansky, Genetics and the Future of Man (Appleton-Century-


Crofts, New York, 1966). p. 177. Rio de Janeiro/RJ, 10/05/2011.

Tradução de Jose Roberto Bonifacio, Professor de Ciência Política e


Relações Internacionais da Universidade Gama Filho (UGF). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5215665574895695

TEXTO II DA AULA 15 - BENS PÚBLICOS223

Os mercados, por vezes, não conseguem proporcionar adequadamente


os bens que as pessoas desejam, por exemplo, os chamados bens públicos.

A maioria dos bens encontrados na sociedade são privados, e se


adéquam à análise de oferta e de demanda do equilíbrio no mercado.
Entretanto, como os bens públicos não são nem excludentes nem rivais
(já que as pessoas não podem ser impedidas de usar um bem público,
e seu uso por uma pessoa não reduz a disponibilidade para outra), a
análise de demanda e oferta usualmente utilizada não se aplica a eles.

Considere o exemplo da tradicional queima de fogos no Réveillon


de Copacabana. Imagine que cada expectador estivesse disposto a
contribuir com a quantia de R$ 10 para o evento. Como mais de um
milhão de pessoas assistem ao espetáculo, teríamos uma renda bruta de
10 milhões de reais ou mais. Se o custo do show pirotécnico estivesse
orçado em 3 milhões de reais, por exemplo, o show deveria ocorrer
já que aumenta o bem estar social (benefício social total maior que o
custo social total). Contudo, como dificilmente uma empresa privada
conseguiria cobrar ingresso dos expectadores, que veriam a exibição
do mesmo jeito, provavelmente o mercado privado não produziria o
show, pois não seria uma atividade lucrativa224. Embora a apresentação 223
AUTOR: ANTONIO CARLOS PORTO
de fogos de artifício seja socialmente desejável, ela não é lucrativa do GONÇALVES; COLABORAÇÃO: GUILHERME
MELLO. Material Didático FGV Direito Rio.
ponto de vista do mercado privado. 2017.1.
224
Em economia, há um termo específico
para denominar o indivíduo que recebe
A Prefeitura do Rio poderia se incumbir de fazer a apresentação de o benefício de um bem, mas evita pagar
por ele: freerider ou efeito carona. A título
fogos de artifício no dia do Réveillon, por meio do aumento dos impostos de exemplo, o Brasil foi considerado
para custear o espetáculo. Se o governo concluir que os benefícios totais nas décadas de 1970 e 1980 como
freerider no Acordo Geral de Tarifas e
excedem os custos, pode proporcionar o bem público, o que deixaria Comércio (em inglês, a sigla GATT), pois
contribuía muito pouco para o comércio
todos em melhor situação. Enfim, o espetáculo de fogos em Copacabana internacional e procurava auferir
vantagens de transações econômicas de
se constitui em um bem público, pois não é excludente nem rival. outros países mais atuantes.

FGV DIREITO RIO 274


ECONOMIA

ALGUNS BENS PÚBLICOS IMPORTANTES

1. DEFESA NACIONAL

A defesa nacional, qual seja o emprego de forças armadas, contra ameaça


de agressão externa por outro Estado é considerada um bem público. Se
as fronteiras do país são resguardadas, é impossível impedir que qualquer
habitante desfrute do benefício proporcionado pela defesa, e se alguém
desfrutar desse benefício não haverá redução desse aos demais habitantes.

Alguns bens públicos podem ser produzidos pelo mercado privado.


Segundo os dados do instituto internacional de segurança pública de
Estocolmo, os Estados Unidos gastam anualmente US$ 1.464 bilhões de
dólares em defesa nacional (ano de referência — 2011). Esses números
não são confirmados pelo Departamento de Defesa dos EUA, mas o valor
reflete o considerável gasto com manutenção de exércitos em diversas
partes do mundo. Atualmente, alguns analistas criticam a “privatização
da guerra”, já que atividades consideradas como meio (a exemplo de
serviços de logística, refeição para os soldados, lavanderia, entre outros)
seriam desempenhadas por empresas privadas.

Em contrapartida, alguns bens privados podem ser produzidos ou


gerenciados por entidades públicas. Como exemplo, a CODERTE,
empresa de economia mista vinculada à Secretaria de Transporte do
Estado do Rio de Janeiro, é responsável pela administração de terminais
rodoviários e vagas de estacionamento (Terminal Menezes Cortes). As
vagas de estacionamento são um bem privado, pois são excludentes e
rivais. Mas são produzidas pelas empresas públicas.

2. INSTITUTOS DE PESQUISA

A criação de conhecimento através pesquisa básica é um bem público,


e fundamental para o desenvolvimento de um país.225 O governo procura
proporcionar a difusão de conhecimento por meio da criação de institutos de
pesquisa e conhecimento (P&D), que subsidiam pesquisas em diversas áreas,
como medicina, biologia, física, matemática, entre outros ramos. No Brasil,
encontramos centros de referência como EMBRAPA (Empresa Brasileira de 225
Há diferença entre pesquisa básica,
Pesquisa Agropecuária) que desenvolve pesquisas na área genética para gado, de domínio público, da pesquisa
tecnológica, que possui um conteúdo
agricultura, inclusive há vários projetos na África; Fundação Oswaldo Cruz, avançado, de aplicação mercadológica,
o que contribui para diferenciação
que desenvolve pesquisa de retrovirais, combate de doenças tropicais; IMPA das empresas no mercado,
(Instituto de Matemática Pura e Aplicada), que desenvolve pesquisas na área conferindo competitividade devido à
especialização na produção de bens
de matemática, engenharia computacional, entre outros institutos. intensivos em tecnologia.

FGV DIREITO RIO 275


ECONOMIA

3. LUTA CONTRA A POBREZA

Alguns programas governamentais têm por objetivo ajudar as famílias


mais pobres, como a concessão de aportes financeiros, programas
de habitação, entre outros. Esses programas contra a pobreza são
financiados por impostos cobrados de famílias que são financeiramente
mais bem-sucedidas, e seus defensores alegam que a luta contra a
pobreza é um bem público.

No Brasil, encontramos o programa de assistência contra a pobreza,


denominado de Bolsa Família, cujo objetivo é a transferência direta de
renda para famílias que vivem em estado de pobreza ou extrema pobreza
em todo território nacional. Segundo os dados do Governo Federal, o
programa procura contemplar 16 milhões de brasileiros com renda
per capita familiar inferior a R$ 70 mensais. A gestão do programa é
descentralizada, e compartilhada entre os entes federativos.

4. QUESTÕES PROPOSTAS

4.1. Rodolfo adora assistir a um programa de televisão no canal público


da cidade, mas nunca manda dinheiro para manter o canal durante
as campanhas de doação. Qual o nome que os economistas dão
ao comportamento de Rodolfo? Como o governo pode resolver o
problema causado por pessoas como ele?

4.2. Em sua opinião, a Internet é um bem público? Sugestão: analisar


se é um bem excludente e rival.

4.3. As pessoas de renda mais alta estão dispostas a pagar mais do que as
de renda mais baixa para evitar o risco de morte. Exemplificando,
estão mais dispostas a pagar por acessórias de segurança em seus
carros. Em sua opinião, os analistas de custo-benefício devem levar
isso em conta em suas avaliações de projetos públicos? Considere,
por exemplo, uma cidade rica e outra pobre, as duas considerando
a instalação de uma semáforo. A cidade mais rica deve atribuir
à vida humana um valor monetário mais elevado ao tomar sua
decisão? Por que?

4.4. Por que a pesquisa básica é um bem público e a pesquisa tecnológica


(de conteúdo aplicado) não é?

FGV DIREITO RIO 276


ECONOMIA

AULA 15 – EXTERNALIDADES NEGATIVAS E O TEOREMA DE COASE

“THE JOURNAL OF LAW & ECONOMICS VOLUME III / OUTUBRO 1960226


O PROBLEMA DO CUSTO SOCIAL227
RONALD H. COASE UNIVERSIDADE DA VIRGÍNIA

I. O PROBLEMA A SER EXAMINADO228

O presente ensaio versa sobre as ações das firmas de negócios que


geram efeitos danosos em outros. O exemplo padrão é aquele da fábrica
cuja fumaça causa efeitos aos ocupantes de propriedade vizinhas. A
análise econômica de uma situação como essa se dá, geralmente, nas bases
da divergência entre o produto privado e o social da fábrica, na qual os
economistas têm, largamente, seguido o tratamento dado por Pigou em
The Economics of Welfare. As conclusões a que tal tipo de análise parece
ter levado a maioria dos economistas são as de que se desejaria tornar o
proprietário da fábrica responsável pelos danos causados aos atingidos
pela fumaça ou, alternativamente, aplicar uma multa ao proprietário da
fábrica, a qual variaria de acordo com o montante de fumaça produzida
e equivalente, em termos monetários, ao dano que causasse, ou, por
fim, excluir a fábrica dos distritos residenciais (e, presumivelmente, 226
Disponível em https://edisciplinas.
de outras áreas em que a emissão de fumaça teria efeitos nocivos). A usp.br/pluginfile.php/3806050/mod_
minha argumentação é no sentido de que os aludidos cursos de ação são resource/content/1/custosocial.pdf.
Acesso em 17.12.2020.
inapropriados, vez que conduzem a resultados que não são necessariamente, 227
Tradução por Francisco Kümmel F.
ou, ainda, geralmente, desejáveis. Alves e Renato Vieira Caovilla, bacharéis
em Direito na PUC/RS e membros
do Grupo de Pesquisa em Direito e
Economia da PUC/RS, coordenado pelo
Prof. Dr. Luciano Timm.
II. A NATUREZA RECÍPROCA DO PROBLEMA 228
O presente ensaio, embora referente
a um problema técnico de análise
econômica, deriva do estudo da Political
A abordagem tradicional tende a obscurecer a natureza da escolha Economy of Broadcasting, o qual eu
estou conduzindo. O argumento do
que deve ser feita. A questão é comumente pensada na forma em que presente artigo estava implícito em
um artigo anterior, no qual versava
A inflige um dano em B e o que tem de ser decidido é: como devemos sobre o problema da alocação das
coibir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de freqüências de rádio e televisão. (“The
Federal Communications Commission,”
natureza recíproca. Para evitar o dano em B, dever-se-ia causar um dano J. Law and Econ., II (19591), contudo, os
comentário que recebi parecem sugerir
em A. A verdadeira questão a ser respondida é: A deveria estar permitido que seria mais proveitoso tratar da
questão de forma mais explícita e sem
a causar um dano em B ou deveria B estar permitido a causar um dano fazer referência ao problema original para
em A? O problema está em evitar o dano mais sério. Eu exemplifiquei cuja solução foi desenvolvida análise.

em meu artigo anterior229 o caso de um confeiteiro, de cujo maquinário ‘Coase, “The Federal Communications
229

Commission,” J. Law and Econ., II (1959),


provinham ruído e vibrações que perturbavam a atividade de um médico. 26-27.

FGV DIREITO RIO 277


ECONOMIA

A fim de evitar o dano ao doutor, infligir-se-ia um dano ao confeiteiro. O


problema posto nesse caso era, em essência, se valeria a pena, como resultado
da restrição dos métodos de produção dos quais o confeiteiro poderia se valer,
assegurar mais atividade médica ao custo da redução da oferta de produtos de
confeitaria. Um outro exemplo é proveniente do problema do gado que, ao
vaguear, destrói a plantação na propriedade vizinha. Em sendo inevitável o
dano causado pelo gado na propriedade vizinha, o aumento da oferta de carne
somente será obtido mediante o decréscimo da oferta de produtos agrícolas.
A natureza da escolha é clara: carne ou messe. A resposta deve ser dada não é,
por óbvio, determinada, a menos que se saiba o valor daquilo que é obtido,
bem como o valor daquilo que se sacrifica para obtê-lo. Para dar outro
exemplo, o Professor George J. Stigler refere o caso de contaminação de um
córrego230. Assumindo-se que o efeito danoso da poluição é a mortandade de
peixes, a questão a ser decidida é: o valor dos peixes mortos é maior ou menor
do que o valor do produto que a contaminação do córrego torna possível. É
praticamente desnecessário dizer que um problema desses deve ser analisado
no todo e em seus acréscimos.

III. O SISTEMA DE PREÇOS COM RESPONSABILIDADE POR DANOS

Proponho iniciar a minha análise pelo exame de um caso cujo problema


muitos economistas iriam, presumivelmente, concordar que deveria ser
resolvido de uma maneira completamente satisfatória: quando a atividade
nociva tem de pagar por todo o dano causado e o sistema de preços funciona
suavemente (de forma estrita, isso significa que a operação de um sistema de
preços ocorre sem custos). Um bom exemplo do problema sob discussão é
propiciado pelo caso do gado que, ao vaguear, destrói a plantação cultivada
na área de terras adjacente. Vamos supor que o agricultor e o pecuarista
estejam desempenhando suas atividades em propriedades vizinhas. Vamos
supor, ainda, que sem que haja qualquer separação entre as propriedades, o
aumento do rebanho do pecuarista eleva o total de danos causado à messe
do agricultor. O que ocorre com o dano marginal quando do aumento
do número de bois no rebanho é outro problema. Isso depende se os bois
tendem a vaguear um seguido do outro ou um ao lado do outro, ou se eles
tendem a ser mais ou menos agitados conforme aumenta o rebanho, ou,
ainda, de outros fatores semelhantes. Para o meu propósito imediato, é
secundária a suposição feita acerca do dano marginal levado a efeito com
o aumento do número de bois no rebanho. Para simplificar o argumento,
proponho um exemplo aritmético. Assume-se que o custo anual para
cercar a propriedade do agricultor é de $9 e que o preço da messe é $1
por tonelada. Ainda, admite-se que a relação entre o número de bois no 230
G. J. Stigler, The Theory of Price, p.
rebanho e o da perda anual da colheita é como se segue: 105 (1952)

FGV DIREITO RIO 278


ECONOMIA

Crop Loss per


Number in Herd Annual Crop Loss
Additional
(Steers) (Tons)
Steer (Tons)
1 1 1
Z 3 2
3 6 3
4 10 4
Dado que o criador de gado é responsável pelos danos causados, o custo
anual adicional imposto ao criador de gado se ele aumentar o seu rebanho
de digamos, dois a três bois, é de $3, e, ao decidir o tamanho do rebanho ele
vai levar isso em conta junto com outros custos. Isto é, ele não aumentará
o tamanho do rebanho ao não ser que o valor da carne adicional produzida
(admitindo-se que o pecuarista faça o abate do boi) seja maior do que os custos
adicionais que tal incremento acarretará, incluindo-se o valor da plantação
adicional destruída. Por óbvio, se, com o implemento de cachorros, vaqueiros,
aviões, rádios e outros meios, o dano pode ser reduzido, tais meios serão
empregados quando os seus custos forem menores do que o valor da messe
que evitarão seja destruída. Sendo o custo anual para cercar a área plantada
de $9, o criador de gado, que desejasse ter quatro bois ou mais no rebanho,
pagaria pela instalação e manutenção da cerca, levando-se em conta que outros
meios para se chegar ao mesmo resultado não seriam mais baratos. Quando a
cerca está erguida, o custo marginal, em razão da responsabilidade pelos danos,
torna-se zero, a não ser que o aumento do rebanho crie a necessidade de uma
cerca mais fortalecida e, via de conseqüência, mais cara, vez que mais bois
estariam sujeitos a ir de encontro à mesma ao mesmo tempo. Mas, claro, pode
ser mais barato para o criador de gado não custear a cerca e pagar pelos danos
causados à messe, se, de acordo com o meu exemplo aritmético, mantiver três
ou menos bois no rebanho. Poder-se-ia pensar que o fato de o criador de gado
ser responsabilizado pelos danos causados à plantação levaria o agricultor a
aumentar a área plantada, caso o pecuarista viesse a ocupar a área de terras
vizinha. Mas, não é esse o caso. Se a messe fosse vendida em condições de
concorrência perfeita, o custo marginal igualaria o preço da quantidade de
plantação empreendida e qualquer expansão na área plantada teria reduzido os
lucros do agricultor. Na nova situação, a existência de dano à messe significaria
que o agricultor venderia menos no mercado aberto, entretanto, os seus ganhos
permaneceriam os mesmos, uma vez que o criador de gado pagaria o preço de
mercado para qualquer área plantada destruída. Claro, se a destruição da messe
fosse inerente à atividade de criar gado, o surgimento de uma indústria pecuária
elevaria o preço das colheitas envolvidas e, por conseguinte, os agricultores
estenderiam a área plantada. Porém, desejo confinar minha atenção no
agricultor individual. Afirmei que a ocupação de uma propriedade vizinha,
por um criador de gado, não causaria o aumento da quantidade colhida, ou,
talvez, mais exatamente, da quantidade plantada, pelo agricultor. Deveras, se a
atividade pecuária tem algum efeito, este é o decréscimo da quantidade plantada.

FGV DIREITO RIO 279


ECONOMIA

A razão para isso é que, para qualquer área de terra, se o valor da messe
danificada for tão grande que os ganhos advenientes da venda da colheita
nãodanificada forem menores do que o custo total do cultivo daquela
área de terra, será mais rentável, ao produtor e ao pecuarista, fazer uma
barganha, a qual tenha por resultado o nãocultivo da referida área de
terra. Isso pode se tornar mais claro por meio de um exemplo aritmético.
Suponha, inicialmente, que o valor da colheita obtido do cultivo de uma
dada área de terra seja $12 e que o custo para cultivar essa mesma área
seja de $10, o valor total adquirido com o cultivo será de $2. Eu assumo,
por questão de simplificação, que o agricultor seja o proprietário da terra
em que planta. Agora, assuma que o pecuarista comece sua atividade em
uma propriedade vizinha e que o valor da messe destruída seja de $1.
Nesse caso, $11 são obtidos pelo agricultor com a venda no mercado e
$1 é proveniente do criador de gado, em razão do dano que causou, e o
valor total produzido continua sendo $2. Agora, suponha que o criador
de gado ache rentável aumentar o tamanho do rebanho, ainda que o
montante de dano aumente para $3; o que significa que a receita marginal
da carne produzida é maior do que o seu custo marginal, incluindo-
se o pagamento adicional de $2 pelos danos causados. Mas, o total do
pagamento a ser feito agora elevou-se a $3. O valor total da produção
permanece $2. O criador de gado estaria em uma posição melhor caso
o agricultor concordasse em não cultivar sua terra por qualquer quantia
menor do que $3. O agricultor concordaria em deixar a terra não-
cultivada por qualquer pagamento maior do que $2. Há, claramente, 231
O argumento, no texto, deriva da
suposição de que a alternativa ao
espaço para uma barganha mutuamente satisfatória, o que levaria ao cultivo da terra seria o abandono total
abandono do cultivo da terra231. Contudo, o mesmo argumento serve dessa atividade. Mas, não precisa ser
assim. Pode haver grãos que sejam
não apenas ao total de terra cultivada pelo agricultor, mas, também, a menos suscetíveis à ação do gado,
mas menos lucrativos do que os
qualquer subdivisão da mesma. Suponha, por exemplo, que o gado tenha grãos cultivados sem que ocorresse
uma rota bem definida, vale dizer, em direção a um riacho ou a uma área qualquer dano. Assim, se o cultivo
de um novo tipo de grão desse um
de sombrosa. Nessas circunstâncias, o dano causado à messe, ao longo retorno, ao agricultor, de $1 em vez
de $2, e o tamanho do rebanho que
da definida rota, pode ser grande e, em assim sendo, o agricultor e o causaria danos de $3 aos antigos
pecuarista poderiam achar rentável entabular uma barganha, a qual tenha grãos, aos novos causaria apenas
$1, seria lucrativo para o criador de
por resultado a concordância do agricultor em não cultivar a referida gado qualquer quantia inferior a
$2, a fim de induzir o fazendeiro a
faixa de terra. Mas, disso exsurge outra possibilidade. Suponha que exista modificar seus grãos (uma vez que
uma rota bem definida. Suponha, ainda, que o valor da colheita que seria isso reduziria a responsabilidade pelos
danos de $3 para $1), e seria lucrativa
obtido pelo cultivo da área de terra correspondente à definida rota seja para o agricultor assim proceder se
a quantia por ele recebida superasse
$10, mas o custo para cultivá-la é de $11. Se não houvesse o pecuarista, $1 (a redução em seu retorno por
causa da mudança de grãos). De fato,
tal faixa de terra seria desperdiçadamente cultivada. Entretanto, dado haveria espaço para uma barganha
a presença do criador de gado, ter-se-ia que, fosse cultivada tal faixa, a mutuamente satisfatória, em todos os
casos nos quais a mudança de grãos
totalidade da messe resultaria destruída pelo gado. Nesse caso, o pecuarista reduziria mais o montante de danos
do que o reduziria o valor dos grãos
seria forçado a pagar $10 ao agricultor. É verdade que este ainda perderia (excluindo-se os danos) – em todos
$1. Mas, o criador de gado perderia $10. Claro está que tal situação duraria os casos, isto é, em que a mudança nos
grãos cultivados levaria ao aumento no
indefinidamente, porquanto nenhuma das partes gostaria que isso ocorresse. valor da produção.

FGV DIREITO RIO 280


ECONOMIA

O objetivo do agricultor seria o de induzir o pecuarista a pagar-lhe


tendo por contrapartida o não-cultivo da terra. O agricultor não estaria
capacitado a receber um valor superior ao custo de cercar a área plantada,
nem um valor tão alto a ponto de levar o criador de gado a abandonar o
uso da terra vizinha. O montante a ser pago dependeria da perspicácia do
agricultor e do pecuarista como barganhistas. Mas, já que o pagamento
não seria tão elevado a ponto de levar pecuarista a abandonar a localidade
vizinha e como não variaria com o tamanho do rebanho, tal acordo não
afetaria a alocação de recursos, mas, meramente, alteraria a distribuição
de renda e riqueza entre o criador de gado e o agricultor. Eu penso ser
claro que se o criador de gado for o responsável pelo dano causado e o
sistema de preços funcionar suavemente, a redução no valor da produção
em outra atividade será levada em consideração no cômputo do custo
adicional que envolve o aumento do tamanho do rebanho. Esse custo
será contrabalançado com o valor da produção adicional de carne e, dada
a condição de concorrência perfeito na indústria da pecuária, a alocação
dos recursos na criação do gado será ótima. O que necessita ser enfatizado
é que a queda no valor da produção alhures, que seria levada em conta
nos custos do criador de gado, pode ser menor do que o dano que o gado
causaria à messe no curso ordinário dos acontecimentos. Isso porque
é possível, como resultado das transações no mercado, descontinuar o
cultivo da terra. Tal é desejável em todos os casos em que o dano que o
gado causaria, e para o qual o pecuarista estaria disposto a pagar, superasse
o montante que o agricultor pagaria pelo uso da terra. Em condições de
concorrência perfeita, o montante que o agricultor pagaria para o uso
da terra é igual à diferença entre o valor da produção total, quando os
fatores de produção estão empregados na área plantada, e o valor do
produto adicional submetido a sua próxima melhor oportunidade (o que
seria o quanto o agricultor teria de pagar pelos fatores de produção). Se
os danos excederem o montante que o agricultor pagaria pelo uso da
terra, o valor do produto adicional dos fatores de produção empregados
alhures excederia o valor do produto total do uso atual, após os danos
terem sido computados. Disso advém que seria desejável abandonar
o cultivo da terra e liberar os fatores de produção empregados para a
produção em outro lugar. Uma atividade que é meramente suficiente
para o pagamento de danos, causado pelo gado, à safra, mas que não
possibilita que o cultivo seja descontínuo, resultaria no emprego muito
pequeno de fatores de produção na pecuária e muito grande no cultivo
da messe. Dada a possibilidade de transações de mercado, uma situação
na qual os danos à safra excedessem a renda da terra não perduraria.

FGV DIREITO RIO 281


ECONOMIA

Se o criador de gado pagasse o fazendeiro para este deixar a sua terra não-
cultivada ou ele mesmo arrendasse a terra pagando ao dono da mesma um valor
ligeiramente superior ao que o fazendeiro pagaria (se o fazendeiro arrendasse
a terra), o resultado final seria o mesmo e maximizaria o valor da produção.
Ainda quando o fazendeiro é induzido a cultivar plantações que não fossem
rentáveis para a venda no mercado, isto será simplesmente um fenômeno de
curta duração e poder-se-ia esperar um arranjo no qual a plantação cessaria. O
criador de gado permanecerá nessa localidade e o custo marginal da produção
de carne permanecerá o mesmo que na situação anterior, não tendo, portanto,
nenhum efeito de longo prazo na alocação de recursos.

IV. O SISTEMA DE PREÇOS SEM RESPONSABILIDADE POR DANO

Passo agora a analisar o caso no qual, em que pese a suposição de que


o sistema de preços funciona suavemente (i.e., sem custos), a atividade
danosa não é responsabilizado por qualquer dano que venha a causar. Essa
atividade não tem de pagar pelos danos causados pelo seu funcionamento.
Proponho mostrar que, nesse caso, a alocação de recursos será a mesma
do que no caso anterior, em que a atividade danosa era responsável pelos
danos que causava. Como já referi no caso anterior, quando a alocação de
recursos era ótima, não será necessário repetir esta parte do argumento.
Retorno ao caso do agricultor e do criador de gado. Os danos causados
ao agricultor seriam maiores quanto maior fosse o tamanho do rebanho.
Suponha que o tamanho do rebanho do pecuarista seja de três bois (e esse
seria o tamanho do rebanho que se manteria caso o dano à messe não fosse
tomado em consideração). Então, o agricultor estaria propenso a pagar
até $3, se o pecuarista reduzisse o seu rebanho para dois bois, até $5, caso
o rebanho fosse reduzido para um boi, e até $6, na hipótese de abandono
da atividade pecuária. O criador de gado receberia, assim, $3 do agricultor
se mantivesse dois bois em vez de três. Estes $3 seriam parte do custo
incorrido na manutenção do terceiro boi. Sejam estes $3 o pagamento que
o criador de gado deve fazer para adicionar o terceiro boi ao seu rebanho (o
que ocorreria caso o pecuarista fosse responsabilizado pelo dano causado
à messe) ou sejam a quantia que receberia caso não mantivesse o terceiro
boi (na hipótese de o pecuarista não ser responsabilizado pelo dano à
messe) o resultado final não seria afetado. Em ambos os casos, $3 é parte
do custo de adição do terceiro boi, a ser somado com os demais custos.
Caso o aumento no valor da produção, da atividade pecuária, por meio
do aumento do tamanho do rebanho, passando de dois bois para três, for
maior do que os custos adicionais inerentes a essa operação (incluindo os
$3 referentes aos danos à messe), o tamanho do rebanho será aumentado.

FGV DIREITO RIO 282


ECONOMIA

Caso contrário, não o será. O tamanho do rebanho será o mesmo se


o criador de gado for ou não responsabilizado pelos danos causados à
plantação. Pode-se argumentar que a suposição inicial – um rebanho com
três bois – foi arbitrária. E isso é verdade. Mas, o agricultor não se disporia
a pagar, para que fosse evitado o dano à sua messe, se o pecuarista não fosse
capaz de causá-lo. Por exemplo, a quantia anual máxima que o agricultor
poderia ser estimulado a pagar, não poderia exceder os $9, o custo anual
para cercar a sua propriedade. E o agricultor apenas estaria disposto a
pagar essa quantia, caso não reduzisse os seus ganhos a ponto de levá-lo
a abandonar o cultivo de uma particular área de terras. Além disso, o
agricultor apenas se disporia a pagar tal quantia se acreditasse que, na
falta do pagamento, o tamanho do rebanho mantido pelo criador de gado
seria de quatro ou mais bois. Vamos assumir que o caso seja esse. Então, o
agricultor estaria propenso a pagar até $3, caso o pecuarista reduzisse o seu
rebanho para três bois, até $6, se o rebanho fosse reduzido a dois bois, até
$8, se apenas um boi fosse mantido, e até $9, na hipótese de abandono da
atividade. Deve-se notar que a mudança da suposição inicial não alteraria
a quantia que caberia ao criador de gado, caso reduzisse o tamanho de seu
rebanho para qualquer quantidade dada. É, ainda, verdade que o criador
de gado poderia receber $3 adicionais do agricultor, caso concordasse em
reduzir o rebanho de três para dois bois, e esses $3 representam o valor
da plantação que seria destruída pela adição do terceiro boi ao rebanho.
Embora um pensamento diferente por parte do agricultor (justificado
ou não), acerca do tamanho do rebanho que o criador de gado manteria
na ausência de seus pagamentos, pudesse afetar a quantidade total a que
seria induzido a pagar, não é verdade que, tal pensamento, teria qualquer
efeito sobre o tamanho do rebanho que o pecuarista irá verdadeiramente
manter. O tamanho será o mesmo que seria caso o criador de gado tivesse
de pagar pelo dano causado por seu rebanho, desde que a receita anterior
de uma dada quantia seja equivalente ao pagamento da mesma quantia.
Poder-se-ia pensar que o criador de gado seria estimulado a aumentar seu
rebanho acima do tamanho que desejasse manter, depois que o negócio
fosse fechado, a fim de induzir o fazendeiro a fazer um pagamento total
maior. E isso talvez seja verdade. Isto é similar, em essência, à ação do
fazendeiro (quando o criador de gado é responsável pelos danos causados)
em cultivar terras nas quais, como resultado de um acordo com o criador
de gado, o plantio seria posteriormente abandonado (incluindo porções
de terra que não seriam cultivadas de nenhuma forma na ausência da
criação de gado). Mas tais manobras são preliminares a um acordo e não
afetarão o equilíbrio no longo prazo, que é o mesmo sendo ou não o
criador de gado responsável pelos danos na safra ocasionados por seu gado.

FGV DIREITO RIO 283


ECONOMIA

Faz-se necessário saber se a atividade nociva é ou responsável pelos danos


que causa, uma vez que sem o estabelecimento dessa delimitação inicial
de direitos, poderá não haver transações no mercado para transferência
ou recombinação desses direitos. No entanto, o resultado final (que
maximiza o valor da produção) independe do posicionamento legal,
desde que se assuma que o sistema de preços funcione sem custos.

V. O PROBLEMA ILUSTRADO DE FORMA DIFERENTE

Os efeitos danosos das atividades dos negócios podem assumir uma


ampla variedade de formas. Um antigo caso inglês dizia respeito a um
prédio o qual, ao obstruir correntes de ar, impedia o funcionamento de
um moinho232. Um recente caso na Flórida relacionado a um prédio
que criava sombra na cabana de banhistas, piscina e áreas de banho de
sol de um hotel vizinho 233. O problema do gado desgarrado e o dano
ocasionado às plantações o qual foi objeto de exame detalhado nos dois
capítulos anteriores, apesar de aparentar ser um caso especial, são na
verdade exemplos de um problema que se apresenta de diversas maneiras.
Para esclarecer a natureza de meu argumento e para demonstrar sua
aplicação geral, proponho ilustrá-lo de forma diferente relacionando-o
com quatro casos reais.

Vamos reconsiderar primeiramente o caso Sturges v. Bridgman234


o qual eu usei como ilustração do problema geral no meu artigo na
“Comissão Federal de Comunicações”. Neste caso, um confeiteiro (na
Rua Wigmore) usava dois almofarizes e pilões para realização do seu
trabalho (um estava em operação na mesma posição por mais de 60 anos e
o outro por mais de 26 anos). Um médico então veio a ocupar instalações
vizinhas (na Rua Wimpole). O maquinário do confeiteiro não causava
mal ao médico até, oito anos depois dele ter ocupado pela primeira vez
suas instalações, ele construiu uma sala para consultas no final do seu
jardim bem contra a cozinha do confeiteiro. Foi então que se descobriu
que o ruído e a vibração causados pelo maquinário do confeiteiro
criavam dificuldades para que o médico utilizasse de sua nova sala de 232
Ver Gale em ‘Easements’ 237-39 (13ª
consultas. “Particularmente...o barulho impedia que ele examinasse seus ed. M. Bowles 1959).

pacientes com doenças no peito por auscultação235. Ele também se viu 233
Ver Fontainebleu Hotel Corp. v.
Forty-Five Twenty-Five, Inc., 114 So. 2d
impossibilitado de envolver-se com efeito em qualquer atividade que 357 (1959).

requeresse atenção e raciocínio”. O médico, portanto, impetrou uma 11 Ch. D. 852 (1879).
234

ação para forçar o confeiteiro a parar de usar seu maquinário. As cortes Auscultação é o ato de ouvir por
235

ouvido ou estetoscópio a fim de, pelo


tiveram pouca dificuldade em garantir ao médico a ordem que ele buscava. som, avaliar as condições do corpo.

FGV DIREITO RIO 284


ECONOMIA

“Casos individuais de necessidade podem ocorrer na estrita realização


do princípio no qual baseamos nosso julgamento, mas a negação do
princípio levará a uma maior necessidade individual, e vai ao mesmo
tempo produzir um efeito prejudicial no desenvolvimento dos terrenos
com fins residenciais”. A decisão dos tribunais estabeleceu que o médico
tinha o direito de impedir que o confeiteiro usasse seu maquinário. Mas,
é claro, teria sido possível modificar os arranjos pensados pela sentença
por meios de uma barganha entre as partes. O médico estaria disposto
a renunciar seu direito e permitir que o maquinário continuasse em
funcionamento se o confeiteiro pagasse a ele uma soma de dinheiro que
fosse maior que a perda de renda que ele sofreria por ter que se mudar
para um local mais caro ou menos conveniente, ou por ter que restringir
suas atividades naquele local, ou, como foi sugerido como possibilidade,
por ter que construir uma outra parede que levaria ao enfraquecimento
do ruído e da vibração. O confeiteiro estaria disposto a fazer isto se a
quantia que ele tivesse que pagar ao médico fosse menor que a queda na
renda que ele sofreria se tivesse que mudar seu modo de operação na sua
locação, encerar seu funcionamento ou mudar sua confeitaria para outra
localidade. A solução do problema depende essencialmente em se o uso
contínuo do maquinário acrescenta mais a renda do confeiteiro do que
diminui da renda do médico236. Porém, agora considere a situação se o
confeiteiro tivesse ganhado o caso. O confeiteiro então teria o direito de
continuar usando maquinário ruidoso e gerador de vibração sem ter que
pagar qualquer coisa ao médico. A bota estaria no outro pé: o médico teria
que pagar o confeiteiro para dissuadi-lo a parar de usar o maquinário.
Se a renda do médico tivesse caído mais com a continuidade do uso
do maquinário do que acrescentado à renda do confeiteiro, claramente
haveria espaço para uma barganha na qual o médico pagaria ao confeiteiro
para que parasse de usar seu maquinário. Ou seja, as circunstancias nas
quais não valeria a pena ao confeiteiro continuar o uso do maquinário e
compensar o médico pelas perdas que isto acarretaria (se o médico tivesse
o direito de impedir o uso do maquinário pelo confeiteiro) seriam aquelas
as quais seria do interesse do médico fazer o pagamento ao confeiteiro
e assim persuadi-lo a não continuar com o uso do maquinário (se o
confeiteiro tivesse o direito de usar o maquinário). As condições básicas
são exatamente as mesmas neste caso como no exemplo do gado que
destruía plantações. Sem custos de transação no mercado, as decisões dos
tribunais a respeito da responsabilidade por dano não teriam efeito na 236
Perceba que o que está sendo
levado em conta é a mudança na
alocação dos recursos. É claro que a visão dos juízes era que eles estavam renda após permitirem-se alterações
nos métodos de produção, localização,
afetando o funcionamento do sistema econômico – numa direção desejável. características do produto, etc.

FGV DIREITO RIO 285


ECONOMIA

Qualquer outra decisão teria tido “um efeito prejudicial no


desenvolvimento dos terrenos com fins residenciais”, um argumento que
foi elaborado ao se examinar o exemplo de uma fundição operando em
uma charneca infrutífera, a qual foi posteriormente desenvolvida para
propósitos residuais. A visão dos juízes de que eles estavam estabelecendo
como as terras deveriam ser usadas somente seria verdade no caso o qual os
custos de transação para se realizar uma operação no mercado excedessem
o ganho que poderia ser alcançado por qualquer rearranjo de direitos. E
seria desejável preservar as áreas (Rua Wimpole ou a charneca) para uso
residencial ou profissional (ao dar a usuários não industriais o direito de,
por sentença, parar o ruído, vibrações, fumaça, etc.) apenas se o valor
adicional obtido nas instalações residenciais fosse maior que o valor da
perda com as tortas e o ferro. Mas isto os juízes aparentam desconhecer.
Outro exemplo do mesmo problema é proporcionado pelo caso Coke v.
Forbes237. Um dos processos na tecelagem de tapetes de fibra de cacau era
imergi-lo num líquido alvejante e após pendurá-lo para secagem. Vapores
de um produtor de sulfato de amônia tinham o efeito de tornar o tapete
de brilhoso para uma cor escurecida e embaçada. A razão para isto era que
o líquido alvejante continha cloreto de estanho, o qual, quando afetado
por hidrogênio sulfuroso, se torna de coloração escura. Uma ação foi
impetrada para impedir a manufatura de emitir vapores. Os advogados do
réu argumentaram que se o autor “não usasse...um determinado líquido
alvejante, as fibras não seriam afetadas; que seu método de produção é
atípico, contrário ao costume do comércio, e até danoso as seus próprios
tecidos”. O juiz explanou: “...parece-me claro que uma pessoa tem o
direito de, na sua propriedade, realizar um processo de manufatura em
que se usa cloreto de estanho, ou qualquer tipo de corante metálico, e que
seu vizinho não está na liberdade de inundar o ambiente com gás que vai
interferir na sua manufatura. Se isto pode ser remontado a seu vizinho,
então, compreendo eu, claramente ele terá o direito de vir aqui e pedir
ajuda”. Mas diante do fato de que o dano foi acidental e ocasional, que
precauções foram tomadas e que não havia risco excepcional, a injunção
foi recusada, deixando ao autor a possibilidade de impetrar uma ação pelos
danos sofridos se ele desejasse. Os desdobramentos subseqüentes neste
caso eu desconheço. Porém parece claro que a situação essencialmente
é a mesma encontrada em Sturges v. Bridgman, exceto que o produtor
do tapete de fibra de cacau não pode ter assegurada uma injunção, mas
poderia buscar reparação pelos danos do produtor de sulfato de amônia.
A análise econômica da situação é exatamente a mesma que a do gado
que destrói as plantações. Para evitar o dano, o produtor de sulfato de
amônia poderia aumentar suas precauções ou se mudar para outro local.
Qualquer das hipóteses presumivelmente aumentaria seus custos. L. R. 5 Eq. 166 (1867-1868).
237

FGV DIREITO RIO 286


ECONOMIA

Alternativamente, ele poderia pagar pelos danos. Ele faria isto se os


pagamentos pelos danos ocasionados fossem menores que os custos
adicionais que teriam incorrido para se evitar os danos. Os pagamentos
pelos danos ocasionados tornar-se-iam parte do custo de produção do
sulfato de amônia. É claro, se, como foi sugerido nos procedimentos
legais, a quantidade de perda pudesse ser eliminada pela mudança no
agente alvejante (o que presumivelmente aumentaria os custos do
produtor de tapetes) e se o custo adicional fosse menor que os danos que
de outra maneira ocorreriam, seria possível aos dois produtores fazer uma
barganha satisfatória para ambos através da qual o novo agente alvejante
fosse usado. Tivesse o tribunal decidido contrariamente ao produtor de
tapetes, e como conseqüência disso ele tivesse que sofrer os danos sem
compensação, a alocação de recursos não seria afetada. Valeria a pena ao
produtor de tapetes mudar seu agente alvejante se os custos adicionais
envolvidos fossem menores que a redução nos danos. E como o produtor
de tapetes estaria disposto a pagar ao produtor de sulfato de amônia uma
quantia até o valor da perda de sua renda (o aumento nos custos ou os
danos sofridos) se ele cessasse suas atividades, esta diminuição de renda
permaneceria como um custo de produção para o produtor de sulfato de
amônia. De fato, este caso é analiticamente exatamente o mesmo que no
exemplo do gado. Bryant v. Lefever238 trouxe o problema do incômodo
da fumaça de uma forma romântica. O autor e os réus eram ocupantes de
casas unidas, as quais eram praticamente da mesma altura.

Antes de 1876 o autor podia acender uma


lareira uma lareira em qualquer quarto de sua
casa sem que isso produzisse fumaça; as duas
casas permaneceram nas mesmas condições por
uns trinta ou quarenta anos. Em 1876 os réus
demoliram sua casa e começaram a reconstruí-la.
Eles construíram uma parede ao lado da chaminé
do autor muito maior que sua altura original, e
empilhou madeira no telhado de sua casa, e assim
causaram que a chaminé do autor produzisse
fumaça toda vez que ele acendia a lareira.

A razão, é claro, porque a chaminé produzia fumaça era que a construção


da parede e o empilhamento de madeira no telhado impossibilitavam
a livre circulação de ar. Num julgamento diante de um júri, o autor
for compensado por danos no valor de £40 (quarenta libras). O caso
então foi para a Corte de Apelações na qual a decisão foi revertida. L. J.
Bramwell argumentou: 4 C.P.D. 172 (1878-1879).
238

FGV DIREITO RIO 287


ECONOMIA

...é dito, e o júri achou, que os acusados fizeram isto


que ocasionou o distúrbio na casa do querelante.
Pensamos que não há evidencia disto. Sem dúvida
há um incômodo, mas não é causado pelos acusados.
Eles não fizeram nada para ocasionar o incômodo.
A sua casa e sua madeira são inofensivas. É o
querelante que causa o distúrbio ao acender uma
lareira com carvão num lugar o qual a chaminé é
colocada tão perto da parede dos acusados, que a
fumaça não escapa, mas fica dentro da casa. Que
o querelante pare de acender sua lareira, deixe ele
mover sua chaminé, que ele a aumente, e assim não
haverá mais incômodo. Quem então causa isto?
Estaria muito claro que o querelante causaria, se
ele tivesse construído sua casa ou chaminé depois
que os acusados tivessem empilhado a madeira no
telhado de sua casa, e na realidade é o mesmo apesar
dele ter feito isto antes da estrutura estar lá. Mas (o
que na verdade é a mesma resposta), se os acusados
causam o distúrbio, eles têm um direito de assim o
fazer. Se o querelante não tem direito a passagem
de ar, exceto sujeito ao direito dos acusados de
construir ou de colocar madeira na sua casa, então
o seu direito está sujeito ao direito deles, e apesar
de um incômodo surgir com o exercício do direito
deles, ele não são responsáveis.

E L. J. Cotton disse:

Aqui se acha que a construção da parede pelos


acusados sensivelmente e materialmente tem
interferido no conforto da existência humana
na casa do querelante, e se tem dito que isso
é um incômodo pelo qual os acusados são
responsáveis. De forma geral isto é assim, mas
os acusados assim o fizeram não ao mandar
fumaça ou vapores nocivos para a propriedade
do querelante, mas ao interromper a circulação
de fumaça da casa do querelante para um local...
que o querelante não tem direito. O querelante
produz a fumaça a qual interfere no seu conforto.

FGV DIREITO RIO 288


ECONOMIA

Ao menos que...um direito de se livrar disto (da


fumaça) de um modo específico tem sofrido
intervenção pelos acusados, ele (o querelante)
não pode processar os acusados, porque a
fumaça produzida por ele mesmo, a qual ele não
consegue fazer escapar adequadamente, o causa
aborrecimento. É como se um homem quisesse se
livrar de um líquido contaminado que tem origem
em seu terreno por um ralo no terreno do vizinho.
Até que um direito seja adquirido pelo usuário,
o vizinho pode fechar o ralo sem incorrer em
responsabilidade por fazer isto. Não há dúvidas
que um grande inconveniente seria causado
ao dono da propriedade a qual brota o líquido
contaminado. Mas o ato de seu vizinho seria um
ato válido de acordo com as leis, e ele não seria
responsabilizado pelas conseqüências atribuídas ao
fato de que o homem estaria acumulando líquido
contaminado sem cuidar de um meio efetivo para
se livrar dele.

Não proponho mostrar que qualquer modificação subseqüente da


situação, resultado de barganha entre as partes (condicionada ao custo
de armazenamento da madeira em outro lugar, ao custo de estender a
chaminé mais alta, etc.), teria exatamente o mesmo resultado qualquer
que fosse a decisão tomada pelos tribunais, haja vista que este ponto
já foi abordado adequadamente no exame do exemplo do gado e nos
dois casos anteriores. O que eu irei examinar é o argumento dos juízes
da Corte de Apelações de que o incômodo pela fumaça não foi causado
pelo homem que erigiu a parede, mas por aquele que acendeu a lareira.
A novidade nesta situação é que o incômodo ocasionado pela fumaça
é sofrido pelo homem que acende a lareira e não por uma terceira
pessoa. A questão não é trivial, pois reside no centro do problema
em análise. Quem causou o distúrbio pela fumaça? A resposta parece
suficientemente clara. O distúrbio pela fumaça é causado por ambos,
pelo homem que construiu a parede e pelo homem que acendeu a lareira.
Dado a lareira, não haveria o incômodo sem a presença da parede; dado
a parede, não haveria incômodo sem a lareira. Eliminada a parede ou
a lareira o incômodo pela fumaça desapareceria. Conforme o principio
marginal parece clara que ambos são responsáveis e ambos deveriam
ser forçados a incluir a perda de conforte devido a fumaça como custo
ao se decidir na continuidade da atividade que resulta na fumaça.

FGV DIREITO RIO 289


ECONOMIA

E dada a possibilidade de transações de mercado, isto é o que de fato


ocorreria. Apesar do construtor da parede não ser legalmente responsável
pelo incômodo, como o homem das chaminés fumacentas estaria
presumivelmente disposto a pagar uma quantia que fosse para ele igual
ao valor monetário de eliminar a fumaça, esta quantia tornarse-ia então
para o construtor da parede, um custo para continuar tendo uma parede
alta com madeira empilhada no teto.

A alegação dos juízes que foi o homem que acendeu a lareira


quem sozinho causou o incômodo pela fumaça é verdade apenas se
considerarmos que a parede é um fator determinado. Isto é o que os
juízes fizeram ao decidir que o homem que erigiu a maior parede tinham
o direito de assim fazer. O caso seria mais interessante ainda se a fumaça
da chaminé prejudicasse a madeira empilhada. Ai quem estaria sofrendo
o dano seria o construtor da parede. O caso então ficaria bem similar
a Sturges v. Bridgman a há poucas dúvidas que o homem que acende
a lareira teria sido responsabilizado pelos danos sucedidos a madeira,
apesar do fato do dano não ocorrer até que a construção de uma parede
mais alta fosse feita pelo dono da madeira.

Juízes devem decidir sobre a responsabilidade, mas isto não deveria


confundir economistas sobre a natureza do problema econômico
envolvido. No caso do gado e da plantação, é verdade que não haveria
plantação danificada sem o gado. É igualmente verdade que não
haveria danos na plantação se não houvesse plantação. O trabalho do
médico não seria atrapalhado se o confeiteiro não tivesse operado seu
maquinário; mas o maquinário não perturbaria ninguém se o médico
não tivesse colocado seu consultório naquele local em particular. O
tapete era escurecido pelos vapores do produtor de sulfato de amônia;
mas nenhum dano teria ocorrido se o fabricante de tapetes não tivesse
pendurado seus tapetes naquele lugar específico e utilizado um agente
alvejante também específico. Se formos discutir o tema em termos de
causa, ambas as partes causaram o dano. Se formos nos ater numa
alocação ótima de recursos, é desejável, portanto, que ambas as
partes devem levar o efeito danoso (o incômodo) em consideração
ao decidir seu curso de ação. Uma das belezas de um sistema de
preços operando suavemente é que, como já foi explicado, que a
queda no valor de produção devido a um efeito danoso tornar-se-ia
um custo para ambas as partes.

FGV DIREITO RIO 290


ECONOMIA

Bass v. Gregory239 vai servir como uma excelente ilustração final do


problema. Os queixosos eram o proprietário e o inquilino de uma casa
pública chamada Jolly Anglers. O acusado era o proprietário de alguns
chalés e um jardim contíguos ao Jolly Anglers. Embaixo da casa pública
havia uma destilaria escavada na rocha. Da destilaria, um buraco ou fossa
havia sido esculpido até um antigo poço no jardim do acusado. O poço
assim tornou-se o poço de ventilação para a destilaria. A destilaria “era
usada para um propósito específico no processo de fermentação, o qual,
sem ventilação, não poderia ocorrer”. A causa da ação foi que o acusado
removeu uma grade da boca do poço, “de modo a parar ou impedir a livre
passagem de ar para a destilaria através do poço...”. Não fica claro pelo
relatório do caso o que levou o réu a tomar essa atitude. Talvez “o ar...
impregnado pela atividade de fermentação” o qual “passava pelo poço de
ventilação e saia a céu aberto” era para ele ofensivo. De qualquer forma, ele
preferiu parar com o poço de ventilação no seu jardim. Primeiramente, o
tribunal teve que determinar se os proprietários da casa pública poderiam
ter o direito a uma corrente de ar. Se eles tivessem tal direito, este caso
teria que ser distinguido do caso Bryant v. Lefever (já examinado). Isto,
entretanto, apresentou nenhuma dificuldade. Neste caso, a corrente de ar
estava confinada a “um canal bem específico”. No caso Bryant v. Lefever,
o que estava envolvido era “a corrente geral de ar para toda raça humana”.
O juiz então assegurou aos proprietários da casa pública que eles tinham
o direito à corrente de ar, enquanto que o proprietário da casa privada
em Bryant v. Lefever não tinha. Um economista poderia ficar tentado
a acrescentar “mas o ar se move da mesma maneira”. Entretanto, tudo 25 Q.B.D. 481 (1890).
239

o que foi decidido neste estágio da argumentação foi que poderia haver Poder-se-ia questionar porque a
240

perda de concessão não poderia ter


um direito, não que os proprietários da casa pública possuíam um. Mas sido presumida no caso do confeiteiro
que usava um almofariz por mais de
as evidências mostravam que o poço de ventilação da destilaria para o 60 anos. A resposta é que até o médico
poço no jardim existia a mais de quarenta anos e que o uso do poço como construir o consultório no fim do seu
jardim não havia distúrbio. Assim o
um poço de ventilação deveria ser de conhecimento dos proprietários do distúrbio não era continuo ao longo
dos anos. É verdade que o confeiteiro
jardim visto que o ar, quando emergia, cheirava devido ao processo de no seu depoimento argumentou que
fermentação. O juiz então assegurou que a casa pública tinha tal direito “uma senhora inválida que ocupou
a casa numa ocasião, uns trinta anos
pela “doutrina de perda de concessão”. Esta doutrina afirma que “se antes” a qual “requisitou se havia a
possibilidade que ele não usasse as
é provado que um direito existe e tem sido exercido por determinada almofarizes antes as oito horas da
quantidade de anos, convém a justiça presumir que este direito tem uma manha” e que havia alguma evidência
que a parede do jardim estava sujeita
origem legal”240. Assim o proprietário dos chalés e do jardim teve que a vibrações. Mas o tribunal não teve
muita dificuldade em descartar essa
permitir a ventilação do poço e suportar o cheiro. linha de argumentação: “...esta
vibração, mesmo que existisse há
tempos, eram tão pouca, e a queixa,
A argumentação empregada pelos tribunais na determinação dos direitos se puder ser considerada uma queixa,
da senhora inválida...era de um caráter
vão freqüentemente parecer estranhos para um economista porque muitos tão insignificante, que...os atos do
acusado não dariam origem a qualquer
dos aspectos nos quais as decisões se baseiam são, para um economista, procedimento legal” (11 Ch.D. 863). Ou
irrelevantes. Por causa disso, situações que são, de um ponto de vista de seja, o confeiteiro não tinha cometido
nenhum distúrbio até o médico
um economista, idênticas, serão tratadas distintamente pelos tribunais. construir seu consultório.

FGV DIREITO RIO 291


ECONOMIA

O problema econômico em todos casos dos efeitos danosos é em como


maximizar o valor de produção. No caso Bass v. Gregory, ar fresco era
sugado pelo poço, o que facilitava a produção de cerveja, mas ar imundo
era expelido pelo poço, o que tornava a vida nas casas próximas menos
agradável. O problema econômico está em decidir o que escolher: um
custo mais baixo da cerveja e menos conforto nas casas próximas ou um
custo maior da cerveja e um maior conforto. Ao decidir essa questão, a
“doutrina de perda de concessão” e tão relevante quanto a cor dos olhos
do juiz. Mas deve ser lembrado que a questão imediata encarada pelos
tribunais não é o que deve ser feito por quem, mas quem tem o direito
de fazer aquilo. É sempre possível modificar através de transações no
mercado a delimitação inicial dos direitos. E, é claro, se tais transações
no mercado são sem custo, tal rearranjo de direitos sempre irá ocorrer se
levar a um aumento no valor

VI. A CONSIDERAÇÃO DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO NO MERCADO

Desenvolveu-se o argumento até aqui sob a suposição de que não


haveria custos para a realização das transações no mercado. Essa é,
por óbvio, uma suposição muito irrealista. De modo a realizar as
transações, necessita-se descobrir quem é a outra parte com a qual se
deseja negociar, informar as pessoas acerca da disposição de negociar
e em que termos, conduzir as negociações em direção à barganha,
formular o contrato, empreender meios de inspeção para se assegurar
que os termos do contrato estão sendo cumpridos, e assim por diante.
Tais operações são, geralmente, extremamente custosas, suficientemente
custosas para evitar a ocorrência de transações que seriam levadas a cabo
em um mundo em que o sistema de preços funcionasse sem custos.
Nas seções anteriores, quando da análise do problema do rearranjo dos
direitos através do mercado, argumentou-se que tal rearranjo seria feito,
por meio do mercado, sempre que levasse a um aumento no valor da
produção. Mas, isso, assumindo-se que as transações ocorreriam sem
custos. Uma vez que os custos das transações realizadas no mercado
sejam levados em conta, claro está que o aludido rearranjo de
diretos somente ocorrerá quando o aumento no valor da produção,
adquirido através do rearranjo, for maior do que os custos incorridos
para fazê-lo. Quando for menor, a concessão da tutela específica (ou
o conhecimento de que será concedida), ou a responsabilização para o
pagamento de perdas e danos, pode resultar na descontinuidade de uma
atividade (ou pode evitar que seja iniciada) que seria realizada caso as
transações se dessem sem custos. Nessas condições, a delimitação inicial
dos direitos influi na eficiência com a qual o sistema de preços opera.

FGV DIREITO RIO 292


ECONOMIA

Um arranjo de direitos pode originar um grande valor de produção, maior do


que qualquer outro. Mas, a não ser que este seja o arranjo de direitos estabelecido
pelo sistema legal, os custos para se atingir os mesmos resultados, pela alteração
e combinação dos direitos pelo mercado, podem ser tão elevados que o arranjo
ótimo de direitos, e a maximização do valor da produção dele advinda, pode
jamais ser atingida. O papel tocante às considerações econômicas, no processo
de delimitação dos direitos, será discutido na próxima seção. Na presente
seção, valer-me-ei da delimitação inicial dos direitos e dos custos inerentes às
transações no mercado conforme dados.

Está claro que uma forma alternativa de organização econômica, a


qual poderia alcançar o resultado a um custo menor do que o custo
inerente às transações no mercado, capacitaria a elevação do valor da
produção. Conforme explanei muito anos atrás, a firma representa essa
forma alternativa à organização da produção através das transações no
mercado241. Na firma, as barganhas individuais entre os vários fatores de
produção são eliminadas e substitui-se uma transação no mercado por
uma decisão administrativa. O rearranjo da produção ocorre sem que seja
necessária a barganha entre os proprietários dos fatores de produção. Um
proprietário de terras que tem controle sobre uma larga área poderá dar
várias destinações à mesma, levando em conta o efeito que as inter-relações
entre as várias atividades terão sobre o valor da produção total, evitando,
desse modo, barganhas desnecessárias entre os empreendedores das várias
atividades. Os proprietários de prédios grandes ou de diversas propriedades
contíguas podem atuar dessa forma. Deveras, a firma adquirirá o direito
de todas as partes e o rearranjo das atividades não seguirá o rearranjo
de direitos através dos contratos, mas, como resultado de uma decisão
administrativa que tenha por objeto a destinação dos direitos. Disso não
deriva, é claro, que os custos administrativos de organizar a transação
por meio da firma sejam, inevitavelmente, menores do que os custos das
transações no mercado, que são substituídas. Entretanto, em situações
nas quais a elaboração do contrato é, peculiarmente, difícil e a tentativa
de descrever o que as partes acordaram ou não (e.g., a quantidade e o
tipo cheiro ou barulho que fazem ou deixarão de fazer) necessitaria um
comprido e muito intrincado documento, e, como é possível, nas situações
em que um contrato de longo prazo fosse desejável242; seria altamente
surpreendente se o surgimento de uma firma ou a extensão das atividades
de uma firma existente não fossem a solução adotada, em diversas
situações, a fim de resolver o problema dos efeitos danosos. Tal solução 241
Ver Coase, ‘The Nature of the Firm’,
seria adotada quando os custos administrativos da firma fossem menores 4 Economica, New Series, 386 (1937).
Reimpressa em ‘Readings in Price
do que os custos das transações no mercado, as quais são substituídas Theory, 331 (1952).

pelas decisões administrativas, e os ganhos, que resultariam do rearranjo 242


Pelas razões explicadas no meu
artigo anterior, ver ‘Readings in Price
de atividades, maiores dos os custos de organização da própria firma. Theory’, n. 14 em 337.

FGV DIREITO RIO 293


ECONOMIA

Não se faz necessário examinar, detalhadamente, o caráter dessa solução,


vez que já o fiz em meu artigo antecedente. Mas a firma não é a única
resposta possível a esse problema. Os custos administrativos de organizar
as transações dentro da firma podem ser elevados e, particularmente,
quando diversas atividades são submetidas ao controle de uma única
organização. No caso padrão do dano causado pela emissão de fumaça,
que pode afetar um vasto número de pessoas dedicadas a uma variedade
de atividades, os custos de administração podem, da mesma forma, ser tão
elevados de modo que torna impossível a tentativa de qualquer solução
do problema através da firma. Uma alternativa é a regulação direta pelo
governo. Em vez de estabelecer um sistema legal de direitos, o qual possa ser
modificado pelas transações no mercado, o governo impõe regulamentos
acerca do que as pessoas podem ou não fazer, devendo ser obedecidos.
Dessa forma, o governo (por estatuto ou, talvez, mais provavelmente
através de um agente administrativo) pode tratar o problema da emissão
de fumaça, decretar quais métodos de produção deveriam ou não ser
utilizados (e.g., que filtros devem ser instalados ou que carvão e óleo
não devem ser queimados), ou, ainda, delimitar determinados tipos de
atividades a certos distritos (zoneamento).

O governo é, em certo sentido, uma super-firma (mas de um tipo


muito especial), porquanto é capaz de interferir no uso dos fatores de
produção por meio de decisões administrativas. Mas, as firmas ordinárias
estão sujeitas a análise de suas operações em razão da concorrência com
outras firmas, as quais podem administrar as mesmas atividades, mas a um
custo menor, e, também, porque há sempre a alternativa das transações
no mercado em vez da organização da firma, caso o custo administrativo
se torne demasiadamente elevado. O governo é capaz, querendo, de evitar
completamente o mercado, o que uma firma jamais poderá fazer. A firma
tem de contratar com os detentores dos fatores de produção que utiliza,
tal como o governo pode limitar ou apoderar-se da propriedade, da
mesma forma que poderá decretar que os fatores de produção devem ser
utilizados de determinada maneira. Tais métodos autoritários eliminam
muitos problemas (para os responsáveis pela organização). Além disso,
o governo pode valer-se da polícia e de outros métodos coercitivos para
assegurar que seus regulamentos estejam sendo cumpridos. Claro está que
o governo tem ao seu dispor poderes que fazem com que consiga algumas
coisas a um custo menor do que poderia fazer uma organização provada
(ou, em qualquer nível, alguém sem poderes governamentais). Mas, a
máquina administrativa governamental não funciona, per se, sem custos.
Ao reverso, pode ser, em algumas situações, extremamente custosa.

FGV DIREITO RIO 294


ECONOMIA

Outrossim, não há razão para se supor que os regulamentos restritivos e de


zoneamento, realizados por uma falível administração submetida a pressões
políticas e que opera sem o peso da concorrência, será, necessariamente,
o potencializador da eficiência com a qual o sistema econômica opera.
Ainda, tal regulação, aplicada a uma variedade de casos, será empreendida
em situações para as quais se mostra completamente inapropriada. A partir
dessas considerações, conclui-se que da regulação governamental direta não
irão, necessariamente, derivar melhores resultados do que os originados
do mercado ou da firma. Da mesma forma, não razão para não sustentar
que, em certas ocasiões, a aludida regulação administrativa não levará à
melhora da eficiência econômica. Particularmente, isso pode acontecer
quando, como nos casos de emissão de fumaça, um grande número de
pessoas está envolvido na situação e no qual, via de conseqüência, os
custos para se tratar o problema através do mercado ou da firma forem
muito altos. Há, também, uma outra alternativa, que é a de não fazer nada
a respeito. E dado que os custos envolvidos na solução do problema pela
via dos regulamentos emitidos pela máquina administrativa do governo
serão, frequentemente, altos (especialmente se aos referidos custos forem
adicionadas as conseqüências advindas do engajamento do governo nesse
tipo de atividade), será, sem dúvida, comumente o caso de os ganhos
provenientes da regulação das atividades-fonte dos danos serem menores
do que os custos envolvidos na regulação governamental. A discussão do
problema dos efeitos danosos nesta seção (quando os custos das transações
no mercado são levados em consideração) é extremamente inadequada.
Mas, pelo menos, demonstra claramente que o foco recai sobre a escolha
do apropriado arranjo social quando da análise dos efeitos danosos.
Todas as soluções acarretam custos e não há razão alguma para supor que
a regulação governamental seja a mais apropriada, quando o problema
não for satisfatoriamente resolvido através do mercado ou da forma.
As posições políticas satisfatórias somente podem advir de um paciente
estudo de como, na prática, o mercado, as firmas e os governos lidam
com o problema dos efeitos danosos. Os economistas precisam estudar
o trabalho do agente que organiza as partes, a efetividade dos acordos
restritivos, os problemas de larga escala no desenvolvimento de companhias
imobiliárias, a operação de zoneamento pelo governo e outras atividades
regulamentadoras. É o meu sentir que os economistas e as autoridades
políticas tendem, geralmente, a superestimar as vantagens advenientes da
regulação governamental. Mas, tal crença, ainda que justificada, não faz
mais do sugerir que a regulação governamental deve ser restringida. Não
nos mostra, contudo, em que ponto deve passar a linha delimitadora.
Esta, parece-me, deve ser o resultado de uma investigação detalhada
acerca dos reais efeitos da solução do problema pelas variadas formas.

FGV DIREITO RIO 295


ECONOMIA

Mas seria inauspicioso se tal perscrutação fosse levada a cabo com a ajuda
de uma análise econômica defeituosa. O alvo deste artigo é indicar qual
deveria ser a abordagem econômica para este problema.

VI. A DELIMITAÇÃO LEGAL DOS DIREITOS E O PROBLEMA ECONÔMICO

A discussão levada a cabo na Seção V não apenas serviu para ilustrar


o argumento, mas, também, proporcionou uma pequena noção da
abordagem jurídica ao problema dos efeitos danosos. Os casos em
apreço eram todos ingleses, contudo, mas similar seleção de casos norte-
americanos poderia ser, facilmente, realizada e o tipo de argumentação
permaneceria o mesmo. Por óbvio, se as transações ocorressem sem
custos, tudo o que importaria (questões de justiça à parte) é que os
direitos das partes deveriam estar bem definidos e os resultados das ações
judiciais passíveis de previsão. Contudo, como temos visto, a situação
é muito diferente quando as transações no mercado são tão custosas a
ponto de tornar difícil mudar o arranjo de direitos estabelecido pela lei.
Nesses casos, as cortes influenciam diretamente a atividade econômica.
Destarte, seria desejável que as cortes pudessem entender as conseqüências
econômicas de suas decisões e, contanto que seja possível sem que se crie
muita incerteza acerca do posicionamento jurídico per se, tomassemnas
em consideração ao exercerem a jurisdição. Ainda quando se faz possível
alterar a delimitação legal de direitos através das transações no mercado,
é obviamente desejável reduzir a necessidade de tais transações e, assim,
reduzir o emprego de recursos em sua realização. Um complexo exame
dos pressupostos tomados pelas cortes no julgamento de tais casos seria
de grande interesse, mas, até agora, eu não consegui realizá-lo. Não
obstante, parece claro, a partir de um rápido exame, que as cortes têm
reconhecido as implicações econômicas de suas decisões e estão cientes
(ao contrário de muitos economistas) da natureza recíproca do problema.
Além disso, de tempos em tempos, elas levam referidas implicações
em consideração, juntamente com outros fatores, para chegar às suas
decisões. Os escritores americanos desse assunto referem-se à questão
de forma mais explícita do que os britânicos o fazem. Assim, para citar
Prosser, em Torts, uma pessoa pode:

fazer uso de sua própria propriedade ou... conduzir


suas atividades às custas de algum dano aos vizinhos.
Ele pode administrar uma fábrica cujos barulho
e fumaça causam algum desconforto às pessoas,
contanto que o faça dentro dos limites da razoabilidade.

FGV DIREITO RIO 296


ECONOMIA

Somente quando a sua conduta se mostra


desarrazoada, tendo em vista a sua utilidade e
os danos que causa [itálico acrescentado], é que
constitui um incômodo... Como afirmado em um
antigo caso, em relação à atividade de fabricação de
velas em uma cidade, “Le utility de chose excusera
le noisomeness del stink”243

O mundo deve conter fábricas, siderúrgicas, refinarias de petróleo,


maquinário pesado e barulhento, ainda que à custa de alguma
inconveniência à vizinhança e os autores de ações judiciais devem
aceitar algum desconforto não-razoável em prol do bem comum244.

Os escritores britânicos típicos não explicitam, tanto quanto aqui,


que a comparação entre a utilidade e o dano produzido é um elemento
a ser levado em conta ao se decidir se o efeito danoso deve ou não ser
considerado um incômodo. Mas, semelhantes visões, ainda que menos
243
“A utilidade do uso compensa o
tenazes, estão por ser encontradas 245. A doutrina segundo a qual efeito incômodo causado pelo seu mau
danoso deve ser substancial para merecer atenção da corte é, sem cheiro”. (NT)
244
Ver W. L. Prosser, The Law of Torts
dúvida, em parte, o reflexo do fato de que haverá quase sempre um 398-99, 412 (2d ed. 1955). A citação
referente ao antigo caso da fabricação
ganho para compensar um dano. E, em relatórios de casos singulares, de velas é retirado de Sir James
resulta claro que os juízes sopesavam o que seria perdido com o que Fitzjames Stephen, A General View
of the Criminal Law of England 106
se ganharia quando decidiam se concediam a tutela de emergência ou (1890). Sir James Stephen não fornece
referência. Talvez, tenha pensado em
a indenização por perdas e danos. Assim, ao recusarem-se a evitar a Rex. v. Ronkett, constante de Seavey,
Keeton and Thurston, Cases on Torts
destruição da paisagem em razão da construção de um novo edifício, 604 (1950). Similar visão a expressa por
Prosser, pode ser encontrada em F. V.
os magistrados prolatavam: Harper and F. James, The Law of Torts
67-74 (19S6); repetido, Torts , §§ 826,
827 e 828.
Desconheço qualquer lei geral na common law, 245
Ver Winfield em Torts 541-48 (6th
ed. T. E. Lewis 1954); Salmond em
que... diga, que construir de modo a retirar a vista Law of Torts 181-90 (12th ed. R.F.V.
Heuston 1957); H. Street, The Law of
de alguém constitui-se em uma ofensa. Fosse assim, Torts 221-29 (1959).
não existiriam grandes cidades; e eu concederei 246
Attorney General v. Doughty, 2 Ves.
Sen. 453, 28 Eng. Rep. 290 (Ch. 1752).
medidas de urgências a todas as novas construções Compare, nesse sentido, a prolação
de um juiz norte-americano, citado
da cidade...246 em Prosser, op. cit. supra n. 16 at 413
n. 54: “Sem fumaça, Pittsburgh teria
permanecido um pequeno vilarinho”
Em Webb v. Bird247, resultou decidido que não se configurava um (“Without smoke, Pittsburgh would
have remained a very pretty village”),
dano a construção de um prédio escolar tão próximo a um moinho de Musmanno, J., in Versailles Borough v.
McKeesport Coal & Coke Co., 1935, 83
vento, de modo a obstruir as correntes de ar e prejudicar a funcionamento Pitts. Leg. J. 379, 385.

do engenho. Em um caso anterior, a solução dada ter andado na direção 247


10 C.B. (N.S.) 268, 142 Eng. Rep. 445
(1861); 13 C.B. (N.S.) 841, 143 Eng.
oposta. Gale comentou: Rep. 332 (1863).

FGV DIREITO RIO 297


ECONOMIA

Nos antigos mapas de Londres, uma fileira de


moinhos de vento aparecia nas montanhas ao norte
da Cidade. No tempo do Rei James, considerar-se-
ia, provavelmente, um caso alarmante, ao afetar o
suprimento de alimentos da cidade, que alguém
pudesse construir tão próximo aos moinhos, de
modo a desviar o vento de suas asas.248

Em um dos casos discutidos na Seção V, a saber, Sturges v. Bridgman,


os juízes, claramente, levaram em consideração as conseqüências
econômicas de diferentes decisões. Ao argumento de que, se o princípio
que pareciam estar seguindo fosse concretizado de acordo com as suas
conseqüências lógicas, resultar-se-iam nas mais sérias inconveniências
práticas a serem enfrentadas –, por exemplo, no meio dos cortumes de
Bermondsey, ou em qualquer outra localidade devotada a um certo tipo
de comércio ou manufatura barulhenta e insalubre, ou pela construção de
uma residência em um terreno desocupado causar-se-ia a interrupção, no
todo, de comércio e da manufatura, Os juízes responderiam que:

Se alguma coisa constitui-se ou não em um dano,


é uma questão a ser determinada não, meramente,
com base em uma consideração abstrata da coisa em
si mesma, mas, em vista de suas conseqüências;
aquilo que seria considerado um dano em
Belgrave Square, não,necessariamente, o seria em
Bermondsey; e onde uma localidade é voltada
para um comércio ou manufatura particular,
empreendido por comerciantes ou produtores de
forma particular e estabelecida, não constituindo
um dano público, magistrados e jurados estariam
fundamentados se decidissem, sendo confiados
para tanto, que o comércio ou a manufatura
empreendido naquela localidade não constitui
uma ofensa privada ou passível de litígio249.

Assim, a peculiaridade da localidade, como critério para definir se algo


constitui, ou não, um dano, resulta plenamente estabelecida.

Aquele que não suporta o barulho do trânsito não deve erguer os seus 248
Ver Gale on Easements 238, n. 6
(13th ed. M. Bowles 1959).
adobes no coração de uma grande cidade. Aquele ama o silêncio e a paz, 3 11 Ch.D. 865 (1879).
249

não deve viver em uma região destinada a fabricação de caldeiras ou de Salmond, em Law of Torts, 182 (12th
250

navios a vapor250. ed. R.F.V. Heuston 1957)

FGV DIREITO RIO 298


ECONOMIA

As decisões nesse sentido proferidas vêm sendo referidas como


“planejamento e zoneamento pelo judiciário”251. Por certo, em alguns
casos, a aplicação desse critério esbarra em dificuldades consideráveis252.

Interessante exemplo do problema é encontrado em Adams v. Ursell253,


caso em que um estabelecimento que comerciava peixe frito, em um
distrito de residentes operários, foi instalado próximo a casa de “padrão
mais elevado”. A Inglaterra sem fish-and-chips é uma contradição em
termos, e o caso ganhou elevada importância.

O juiz asseverou:

Aduziu-se que a concessão da medida de


urgência causaria grande onerosidade ao réu e às
pobres pessoas que adquiriam alimentos em seu
estabelecimento. A resposta a este argumento é no
sentido de que nada impede que o réu empreenda
em uma localidade mais adequada, dentro do
próprio bairro. A isso não se segue que pelo fato
de o comércio de peixe frito ser considerado uma
turbação em um local, será, também, em outro.

Com efeito a medida que proibiu o Sr. Ursell de comerciar em um


determinado local não se quedou extensiva à toda a rua. Assim, a ele era
permitido mudar-se para outros lugares próximos a casas de “padrão menos
elevado”, cujos habitantes, sem dúvidas, considerariam que a proximidade
de um comércio de peixe frito superaria o impregnado odor e a “fumaça e
névoa”, graficamente demonstradas pelo autor da ação. Não tivesse outro
“local mais adequado dentro do mesmo bairro”, o caso experimentaria
mais difícil solução, podendo-se ocorrer, até mesmo, a modificação da
decisão. O que teria a “população pobre” para se alimentar? Nenhum
magistrado inglês diria: “deixe que comam bolo”. As cortes nem sempre
referem, de forma clara, o problema econômico trazido pelos casos com
os quais se deparam, mas parece provável que na interpretação de algumas
palavras e frases, tais como, “razoável” ou “uso comum ou ordinário”, 251
C. M. Haar, Land-Use Planning, A
Casebook on the Use, Misuse, and Re-
reconhece-se – talvez, inconscientemente e, por certo, não muito explícito use of Urban Land 95 (1959).

– o aspecto econômico das decisões em questão. Bom exemplo adviria 252


Ver, por exemplo, Rushmer v.
Polsue and Alfieri, Ltd. [1906] 1 Ch.
do julgamento, na Corte de Apelações, do caso Andreae v. Selfridge 234, versando sobre a situação de
um residência localziada em distrito
and Company Ltd.254 Neste caso, um hotel (em Wigmore Street) estava barulhento.
situado sobre parte de uma ilha. A parte restante da ilha foi adquirida por [1913] 1 Cap. 269.
253

Selfridges, que demoliu os prédios que ali estavam para construir outro. [1938] 1 Cap. 1.
254

FGV DIREITO RIO 299


ECONOMIA

O hotel experimentou uma perda de hóspedes, em razão do barulho


e da poeira oriundos da demolição. O proprietário do hotel ingressou
com uma ação contra a Selfridge, requerendo indenização. Em primeira
instância, a ação foi julgada procedente, condenando-se a Selfridge ao
pagamento de £ 4,500, a título de indenização.

Houve apelação.

O magistrado da Primeira Instância, que deu ganho de causa para o


proprietário do hotel, asseverou:

Eu não posso considerar o que os réus fizeram


no local da primeira operação como aquilo que
comumente se faz na ocupação e uso ordinários de
terrenos e de residências. Não se afigura usual nem
comum, neste país, as pessoas escavarem um local,
a uma profundidade de 60 pés, e, após, erigir sobre
o mesmo uma estrutura de aço e amarrá-la com
rebites... Tampouco é considerado uso comum ou
ordinário da terra, neste país, o que os réus fizeram
ao trabalhar em sua segunda operação - a saber,
demolir todas as casas que julgaram necessário,
umas cinco ou seis, penso eu, se não mais, e usar,
neste desiderato, martelos pneumáticos.

Sir Wilfred Greene, M. R., ao fundamentar a sua decisão na Corte de


apelações, anotou, por primeiro que,

Quando alguém está realizando operações


temporárias, tais como são a demolição e a
reconstrução, todos devem conviver com certo
desconforto, pelo fato de operações dessa natureza
não poderem ser levadas a cabo sem que haja
certa quantidade de barulho e certa quantidade
de poeira. Em assim sendo, a regra referente
à interferência deve ser interpretada à luz das
aludidas qualificações...

Ele, então, faz referência ao julgamento em primeira instância:

Com todo o respeito ao douto magistrado, penso que


não abordou o presente caso pelo ângulo correto.

FGV DIREITO RIO 300


ECONOMIA

Parece-me que não se pode dizer que... o tipo de


demolição, escavação e construção levado a efeito
pela companhia ré, no curso de suas operações,
revestiu-se de natureza anormal e nãousual, de
modo a impedir a qualificação à operação que
referi estar em curso. A mim parece que, quando
a regra fala em uso comum e ordinário da terra,
não significa que os métodos de uso da terra e de
construção sobre a mesma, são, de alguma forma,
perenes, para sempre. Com o passar do tempo,
novos métodos e invenções capacitam a terra a
ser usada de modo mais rentável, tanto escavando
rumo ao centro da terra, quanto construindo em
direção ao céu. Se, de outros pontos de vista, esta
é uma matéria desejável à humanidade, não está
em discussão, mas é parte do normal uso da terra
um indivíduo construir sobre a sua propriedade; é
parte de que tipo específico, de que profundidade
específica e de que altura específica de um edifício
pode ser razoável, tendo em vista as circunstâncias
e os desenvolvimentos da atualidade... Hóspedes
de hotéis aborrecem-se com facilidade. As pessoas
que se hospedavam neste hotel, acostumadas com
um cenário de sossego, ao voltarem ao mesmo
e encontrarem uma paisagem de demolição e
construções em andamento, podem pensar que o
mérito deste hotel não existe mais. Isso seria um
infortúnio ao autor; contudo, tendo-se em mente que
nada há de errado com o trabalho desenvolvido pela
ré, assumindo que a ré esteja empregando, por mais
barulhento que possa ser, todos os meios idôneos
na demolição e na construção, valendo-se de todas
as precauções a fim de não causar importunação aos
seus vizinhos, então, o autor poderá perder todos
os seus clientes, vez que estes resultaram privados
das comodidades de um local aberto e sossegado,
ainda assim, não teria razão em reclamar... (Mas,
aqueles) que dizem que a interferência que causam,
no conforto dos seus vizinhos, resulta justificada
pelo fato de suas operações serem normais e usuais,
além de conduzidas em acordo com a precaução
exigida, estão sob um dever específico... para
empregar os cuidados e as habilidades adequadas.

FGV DIREITO RIO 301


ECONOMIA

Não se queda correto afirmar: “nós continuaremos


e faremos o que gostamos até que alguém reclame!”.
O seu dever é tomar a precaução necessária e ver
se o dano é reduzido ao mínimo. Não é a resposta
adequada para se dizer: “Mas isto implicaria que
devêssemos fazer o nosso trabalho de forma mais
vagarosa do que gostaríamos, ou tal faria com que
tivéssemos custos extras”. Todas estas questões são
ditas à luz do senso comum e, claro está, resultaria
desarrazoado esperar que as pessoas fizessem o seu
trabalho de forma tão lenta ou de forma tão custosa,
a fim de evitar um inconveniente passageiro, que o
custo e o transtorno mostrar-se-iam impeditivos...
Neste caso, a atitude da companhia ré pareceu ter
tido continuidade até que alguém reclamasse e,
além disso, que o seu desejo de apressar o trabalho
e conduzi-lo de acordo com as suas próprias idéias
e conveniência deveria prevalecer, caso houvesse
um real conflito a sua atitude e o conforto dos
vizinhos. Isso... não é o mesmo do que cumprir
o dever de empregar os razoáveis cuidados e as
habilidades... Os efeitos advieram... o autor sofreu
um dano suscetível de reparação;... é-lhe devido,
não uma quantia nominal, mas um quantia
substancial, com base nos princípios... mas, para
chegar ao montante devido... descontei qualquer
perda de hóspedes... o que pode ter sido causada
pela perda das comodidades, devido ao que se
passava ao fundo...

O resultado foi a redução da condenação, a título de indenização, de


£ 4,500 para £ 1,000.

Na presente seção, as discussões tem, até este ponto, cingido-se às


decisões judiciais, da common law, referentes à causação de danos. Em
razão de disposições legais, a delimitação de direitos é inerente. A maioria
dos economistas assumiriam que o objetivo da ação governamental, nesta
matéria, seria estender, pela via de lei, o âmbito da responsabilidade
de quem causa danos, designando quais as atividades que, uma vez
realizadas, para a common law, não o originariam. E está fora de dúvidas
de que, algumas leis, como o Public Health Act, tiveram este efeito.

FGV DIREITO RIO 302


ECONOMIA

Contudo, nem todas as ações governamentais se dão nesse sentido. O efeito


da maior parte da legislação nessa área é proteger os empreendimentos
das reclamações daqueles a quem causou danos. Há uma grande lista de
danos não-indenizáveis.

Tal entendimento foi sintetizado na Halsbury’s Laws of England,


conforme segue:

Onde o legislador prescreveu que alguma coisa deve


ser feita ou autoriza determinados trabalhados em
locais específicos, ou, ainda, concede poder com a
intenção de que tais venham a ser realizados, muito
embora deixa alguma discricionariedade quanto à
forma de execução, a common law não servirá de
base para ações indenizatórias, o que se apresenta
como o resultado inevitável, tendo em vista o
poder concedido. Isso é assim, independentemente
de o ato causador do dano ter tido a sua realização
autorizada para fins de interesse público ou para
a rentabilidade privada. Os atos realizados com
base nos poderes conferidos pelas pessoas a quem
o Parlamento delegou autoridade para tanto,
por exemplo, sob ordens provisórias do Board of
Trade, são reputados como sendo feitos sob os
auspícios da lei. Na ausência de negligência, parece
que um grupo que exerce poderes legais não será
responsabilizado por um ato, meramente porque
poderia, se agisse de outra forma, ter minimizado
o dano causado.

A seguir, há exemplos referindo a não-responsabilização pela realização


de atos autorizados:
Um ato não é considerado contrário ao exercício
de poderes legais sem negligência no que se refere
a inundação de terra decorrente de vazamento
de água dos cursos d’água, do encanamento, dos
drenos, ou de um canal; a fumaça oriunda de
tubos; vazamento de esgoto; a sedimentação de
uma estrada; trepidação ou barulho causado por
uma ferrovia; disparo autorizado de armas de fogo;
a poluição de um córrego em uma situação na qual
a lei ordena que sejam empregados os melhores

FGV DIREITO RIO 303


ECONOMIA

métodos disponíveis de purificação antes da


descarga do efluente; interferência em um sistema
de telefonia ou telegrafia por causada por uma
estrada de bonde eletrônico; a inserção de estacas,
no subsolo, para as estradas de bondes; incômodo
causado por coisas razoavelmente necessárias para
a escavação de trabalho autorizado; dano acidental
causado pela instalação de placas de ferro em
uma ferrovia; vazamento de ácido; interferência
ao acesso de um terreno pela instalação de um
aparato de proteção contra o mau tempo ou grades
de proteção na divisa entre a rua e a calçada;255

A posição assumida pela legislação nos Estados Unidos parece ser


a mesma da adotada na Inglaterra, a não ser pelo fato de que o poder
dos legisladores para autorizar o que, de outro modo, constituiria um
dano pela common law, pelo menos a exoneração de compensar a pessoa
prejudicada, é, de certo modo, mais limitado, vez que há as restrições
constitucionais.256 Contudo, há a previsão e casos, mais ou menos,
parecidos com os ingleses podem ser encontrados. A questão tem vindo
à tona de forma intensa no que tange aos aeroportos e às operações das
aeronaves. O caso Delta Air Corporation v. Kersey; Kersey v. City of
Atlanta257 é bom exemplo. O Sr. Kersey adquiriu um terreno e sobre o
mesmo construiu uma casa. Alguns anos depois, o Município de Atlanta
construiu um aeroporto em área contígua à adquirida pelo Sr. Kersey.
Referiu-se que a sua propriedade era “um lugar sossegado, tranqüilo e
apropriado para morar antes da construção do aeroporto, mas a poeira, o
barulho e o vôo baixo das aeronaves, oriundos das operações do aeroporto,
tornaram a sua propriedade imprestável para se ter, nela, uma casa”, uma
situação que foi descrita no relatório do caso com uma lastimosa riqueza de
detalhes. O magistrado, em primeiro lugar, referiu um caso antecedente,
Thrasker v. City of Atlanta258, no qual se notou que o Município de
Atlanta expressamente autorizou a operação do aeroporto.
255
See 30 Halsbury, Law of England
De acordo com tal concessão, a aviação era reconhecida como uma 690-91 (3d ed. 1960), publicado em
Public Authorities and Public Officers.
atividade não só legal, mas, também, dotada de interesse público... todas
256
Ver Prosser, op. cit. supra n. 16,
as pessoas utilizando (o aeroporto) da maneira contemplada pela lei, estão p.421; Harper and James, op. cit. supra
n. 16, p. 86-87.
sob a proteção e imunidade da concessão feita pela municipalidade. Um
257
Suprema Corte do Estado da Georgia.
aeródromo não se configura em um dano per se, embora possa vir a ser, a 193 Ga. 862, 20 S.E. 2d 245 (1942).
depender da maneira de sua construção e de sua operação. 178 Ga. 514, 173 S.E. 817 (1934).
258

FGV DIREITO RIO 304


ECONOMIA

Uma vez que a aviação revelava-se uma atividade legal, e dotada de


interesse público, e a construção do aeroporto obedecera às leis que a
autorizavam, o magistrado, em segundo lugar, referiu o caso Georgia
Railroad and Banking Co. v. Maddox259, no qual resultou decidido que:

Na situação em que um terminal ferroviário está


estabelecido e sua construção fora, legalmente,
autorizada, estando o mesmo construído e sendo
operado de maneira adequada, não pode ser fonte de
danos. Nesse sentido, prejuízos e inconveniências,
às pessoas que residem nas adjacências, em
decorrência do barulho das locomotivas, ronco
dos carros, vibrações, fumaça, cinzas, fuligem,
inerentes ao uso ordinário, necessário e, por isso,
apropriado de tal estação, não constituem danos,
sendo, tão-somente, o resultado necessário da
operação da concessão ocorrida.

Em minha visão, o juiz decidiu que o barulho e a poeira reclamados


pelo Sr. Kersey “podem, talvez, serem considerados como questões
secundárias em relação à adequada operação de um aeroporto, e, como
tais, não podem ser fontes de danos”. Entretanto, o caso dos vôos baixos
era diferente:

...pode ser dito que os vôos... à baixa altura


(25 a 50 pés acima da casa do Sr. Kersey),
eminentemente perigosos à... vida e à saúde... são
o resultado necessário do funcionamento de um
aeroporto? Não pensamos que tal questão possa
ser respondida afirmativamente. Não há razão
para que o Município não possa obter terrenos
que componham uma área (suficientemente
grande)... de modo a evitar os vôos baixos sobre as
residências... Para fins de conveniência pública, os
proprietários das áreas adjacentes aos aeroportos
devem suportar tal inconveniência, de barulho
e poeira, como o resultado mesmo da usual e
adequada operação de um aeroporto, mas os seus
direitos privados são garantidos pela lei, quando a
inconveniência que os limita não seja o resultado
de adequada construção e operação da fonte
causadora de danos. 116 Ga. 64, 42 S.E. 315 (1902).
259

FGV DIREITO RIO 305


ECONOMIA

Por certo, é possível que o Município de Atlanta possa evitar os vôos


baixos e, ainda assim, continuar a operar o aeroporto. O magistrado,
nesse sentido, complementou:

De tudo quanto o exposto, as circunstâncias que


causam os vôos baixos podem ser remediadas; mas,
uma vez comprovado que resulta indispensável
ao interesse público que o aeroporto continue a
operar nas condições atuais, deve ser decidido que
ao autor deve ser negada a medida de urgência.

No curso de outro caso envolvendo a aviação, a saber, Smith v. New


England Aircarft Co.,260 a corte analisou a lei nos Estados Unidos, relativa
à legalização dos danos, e, de forma geral e aparente, é muito similar
àquela da Inglaterra:

É próprio da função do departamento legislativo


do governo, no exercício de seu poder de polícia,
considerar os problemas e os riscos que emergem do
uso de novas invenções, tentando ajustar direitos
privados e harmonizar os interesses em conflito por
meio de leis abrangentes que almejam o bem-estar
do público... Há... casos semelhantes em que a
invasão do espaço aéreo, sobre as residências, pelo
barulho, poeira, vibrações e odores desagradáveis,
tem sido autorizada pelo departamento legislativo
do governo e não se constitui, de fato, em
condenação da propriedade, embora tenha, em
certa medida, depreciado o seu valor de mercado, o
que deve ser suportado pelo proprietário, sem que
haja compensação ou outra solução jurídica. As
aprovações legislativas tornam legítimo aquilo que,
de outra forma, seria considerado ilegal. Exemplos
de casos como esses são danos provocados às
propriedades adjacentes, pela fumaça, vibração e
barulho inerentes à operação de uma ferrovia...; o
barulho retumbante de uma fábrica de sinos...; a
diminuição de danos...; a construção de motores
a vapor e de caldeiras...; odores desagradáveis
advenientes de tubulação de esgoto, refinamento 260
270 Mass. 511, 523, 170 N.E. 385,
de petróleo e armazenamento de nafta... 390 (1930).

FGV DIREITO RIO 306


ECONOMIA

Muitos dos economistas parecem não estar atentos a isso. Quando são
impedidos de dormir à noite pelo ronco dos aviões a jato passando sobre
as suas cabeças (com autorização do estado e, talvez, pelo estado operado);
incapacitados de pensar (ou descansar), durante o dia, em razão do barulho
e da vibração provocados pelos trens (com autorização do estado e, talvez,
pelo estado operado); sentem dificuldade para respirar, em razão do odor
advindo do esgoto de uma fazenda local (com autorização do estado e,
talvez, pelo estado operado); e não conseguem trafegar pelas ruas porque
as mesmas encontram-se bloqueadas (sem dúvida, por ação do estado),
os seus nervos enrijecem e a mente sofre um distúrbio, eles esbravejam
denunciando as desvantagens das empresas privadas e propugnam pela
necessidade de regulação governamental.

Enquanto a maioria dos economistas parece entender errado o caráter


da situação com a qual estejam lidando, é possível que as atividades
que gostariam fossem eliminadas ou restringidas, sejam as atividades
socialmente justificáveis. Trata-se de sopesar os ganhos que adviriam com
a eliminação dos efeitos danosos, com os ganhos experimentados com a
continuação dessas atividades. Por certo, é possível que uma extensão
da atividade econômica do governo conduza, com freqüência, a que
esta proteção contra ações pelos danos causados seja estendida mais do
que se mostra desejável. Uma razão para tanto é que o governo olha
de forma benevolente às empresas que esteja, ele mesmo, promovendo.
Outra, resulta possível descrever o cometimento de um dano por uma
empresa púbica de forma muito mais aprazível do que quando o dano
e causado por uma empresa privada. Nas palavras do Lord Justice Sir
Alfred Denning:

... o significado da revolução social de é que,


enquanto no passado a balança pendia muito para
o lado dos direitos de propriedade e liberdade
de contratar, o Parlamento tem, repetidamente,
interferido a fim de direcionar o bem público para
o seu devido lugar261.

Há poucas dúvidas de que o Estado do Bem-Estar Social concede uma


extensão daquela imunidade em relação à responsabilidade e aos danos, as
quais os economistas têm o hábito de condenar (embora tendam a assumir
que tal imunidade era um sinal de pouco intervenção estatal no sistema
econômico). Por exemplo, na Grã-Bretanha, o poder das autoridades 261
Ver Sir Alfred Denning, Freedom
locais é considerado como sendo tanto absoluto quanto incondicional. Under the Law 71 (1949).

FGV DIREITO RIO 307


ECONOMIA

Na primeira categoria, a autoridade local não tem discricionariedade


no exercício do poder conferido. “Diz-se que o poder absoluto cobre
todas as conseqüências necessárias de sua operação direta, ainda que tais
conseqüências identificam-se com danos”. Por outro lado, um poder
condicional pode, tão-somente, ser exercido de modo que as conseqüências
não constituem um dano.

É a intenção dos legisladores que determina se


um poder é absoluto ou condicional... [Como]
há a possibilidade de que a política social de uma
legislatura sofrer modificações de tempos em
tempos, um poder que, em uma era, considerava-
se condicional, em outra, pode ser interpretado
como sendo absoluto, de modo a fomentar a
política do Estado do Bem-Estar Social. Este
ponto é um dos que deveriam ser considerados
quando da análise de alguns antigos casos sobre a
lei de responsabilidade por danos262.

Parece ser desejável sintetizar o cerne desta longa seção.

O problema a ser enfrentado quando se está diante de atividades que


causam efeitos danosos não é o de simplesmente coibir os responsáveis
pelos mesmos. O que tem de ser observado é se o ganho com a não
produção do dano é maior do que a perda sofrida alhures como resultado
da proibição da atividade danosa. Em um mundo em que há custos para
se rearranjar os direitos legalmente estabelecidos, as cortes estão, de fato,
nos casos concernentes aos referidos incômodos, tomando uma decisão
acerca do problema econômico e determinando como os recursos devem
ser empregados. Tem-se argumentado que as cortes são conscientes disso e
que fazem com freqüência, em que pese não de forma explícita, a comparação
entre o que se ganharia e o que se perderia com a proibição das atividades-
fonte de efeitos danosos. Mas, a delimitação de direitos é, da mesma forma,
resultado de disposições legais. Aqui, igualmente, encontram-se evidências da
apreciação da natureza recíproca do problema. Enquanto as leis aumentam
a lista de incômodos, ações governamentais são tomadas para se legalizar o
que, de outra forma, seria considerado incômodo pela common law. O tipo
de situação que os economistas tendem a considerar como necessitadas de
ações governamentais corretivas é, de fato, com freqüência, o resultado
da ação governamental. Tal ação não é, necessariamente, insensata.
Contudo, há o real perigo de que a intervenção estatal extensiva no
sistema econômico possa levar à proteção excessiva dos responsáveis 262
M. B. Cairns, The Law of Tort, em
pelos efeitos danosos. Local Government 28-32 (1954).

FGV DIREITO RIO 308


ECONOMIA

VIII. O TRATAMENTO DADO POR PIGOU EM “THE ECONOMICS OF WELFARE”

A origem, para a moderna análise econômica, do problema discutido


no presente ensaio é The Economics of Welfare, de Pigou, e, em
particular, a seção da Parte II que trata da divergência entre o ganho dos
produtos social e privado, que ocorre quando uma pessoa A, ao prestar
serviços, pelos quais recebe pagamento, para uma segundo pessoa B,
presta, também, acidentalmente, serviços ou desserviços a outras pessoas
(não produtores de serviços similares), de tal forma que o pagamento
não pode ser exigido das partes beneficiadas ou requisitado pelas partes
prejudicadas 263. Pigou diz-nos que o seu objetivo, na Parte II, do The
Economic of Welfare, é determinar o alcance do livre jogo do interesse
próprio, atuando sob o sistema jurídico existente, para distribuir os
recursos de um país do modo mais favorável possível à produção de
um grande dividendo nacional, e qual a possibilidade de a ação estatal
aperfeiçoar tendências “naturais”264 .

A julgar pela primeira parte da afirmação, o propósito de Pigou é


descobrir se é possível fazer qualquer melhoria nos arranjos existentes que
determinam o uso dos recursos. Uma vez que a conclusão de Pigou é a de
que o aperfeiçoamento é possível, poder-se-ia esperar que ele prosseguisse,
dizendo que o seu propósito foi o de apontar as mudanças requeridas
para realizá-lo. Ao invés disso, Pigou adicionou uma frase na contrasta
tendências “naturais” e ação estatal, parecendo, de certa forma, igualar
os arranjos existentes com as tendências “naturais” e sugerir que o meio
necessário para realizar as melhorias é a ação estatal (se exeqüível). Isso é
mais ou menos a posição de Pigou que se evidencia no Parágrafo I, da Parte
II265. Pigou inicia referindo-se aos “otimistas asseclas dos economistas
clássicos”266, os quais argúem que o valor da produção seria maximizado 263
A. C. Pigou, The Economics of Welfare
183 (4th Ed. 1932). Minhas referências
se o governo se abstivesse de qualquer interferência no sistema econômico serão todas relacionadas a quarta
edição, mas o argumento e exemplos
e os arranjos econômicos se formariam “naturalmente”. Pigou prossegue, examinados neste artigo permanecem
asseverando que se o interesse próprio promove o bem-estar econômico substancialmente iguais desde a
primeira edição em 1920 até a quarta em
é porque as instituições humanas têm sido planejadas para tanto. (Esta 1932. Uma grande parte (mas não toda)
desta análise apareceu anteriormente
parte do argumento de Pigou, a qual é desenvolvida com a ajuda de uma em “Wealth and Welfare” (1912).

citação de Carman, parece-me essencialmente correta.) Pigou conclui: 264


Id. em xii
265
Id. em 127-30
Em “Wealth and Welfare”, Pigou
Mas, até mesmo nos mais avançados Estados, há
266

atribui o otimismo a Adam Smith mesmo,


falhas e imperfeições... há muitos obstáculos que e não a seus seguidores. Lá ele se refere
a “teoria bem otimista de Adam Smith
impedem os recursos de uma comunidade de serem que o dividendo nacional, em certas
circunstâncias de oferta e demanda,
distribuídos... da forma mais eficiente possível. tende ‘naturalmente’ ao máximo (p. 104).

FGV DIREITO RIO 309


ECONOMIA

Isso constitui o nosso presente problema... seus


propósitos são essencialmente práticos. Procura-se,
assim, elucidar alguns dos caminhos pelos quais já
é, ou, eventualmente pode vir a ser, possível para
o governo controlar o jogo das forças econômicas
de tal forma a promover o bem-estar econômico e,
a partir disso, o bem-estar total de seus cidadãos
como um todo267.

Poder-se-ia pensar que, subliminarmente, o pensamento de Pigou


era: Alguns têm argumentado que nenhuma ação estatal é necessária.
Mas, o sistema não só tem funcionado, como o seu funcionamento é
devido à ação do Estado. Entretanto, ainda há imperfeições. Qual ação
adicional se requer do Estado? Se isso for um resumo correto na posição
de Pigou, a sua inadequação pode ser demonstrada através do exame do
primeiro exemplo por ele dado acerca de divergência entre os ganhos
privado e social. Pode acontecer... de os custos recaírem sobre pessoas não
diretamente afetadas, através, diz, dos danos não-compensados causados
às matas vizinhas pelas faíscas provenientes dos motores das locomotivas.
Todos esses efeitos devem ser incluídos – alguns serão positivos outros
negativos – no cálculo do produto total social do incremento marginal de
qualquer volume de recursos destinados a qualquer uso ou lugar268.

O exemplo usado por Pigou é referente a uma situação real. Na Grã-


Bretanha, a companhia ferroviária não tem a obrigação de indenizar
aqueles que sofrem o dano provocado pelo fogo originado das faíscas
dos motores dos trens. Tomando-se em conjunto com o que ele diz no
Parágrafo 9 da Parte II, penso que as recomendações políticas de Pigou
são, primeiro, deveria haver ação estatal para corrigir essa situação
“natural” e, segundo, que as companhias ferroviárias deveriam ser
obrigadas a compensar aqueles cujas matas são queimadas. Sendo essa
a correta interpretação da posição de Pigou, eu sustento que a primeira
recomendação está baseada na compreensão equivocada dos fatos e que a
segunda não é necessariamente desejável. Consideremos a posição legal.
Sob o título “Sparks from engines”, encontramos, na Halsbury’s Laws of
England, o que segue:

Se os empresários da companhia ferroviária


usam motores a vapor em suas ferrovias, sem
expressa autorização legal para fazê-lo, eles são
responsáveis, independentemente de qualquer
negligência de sua parte, pelo incêndio Pigou, op. cit. supra n. 35 em 129-30.
267

originado das faíscas dos motores dos trens. Id. em 134.


268

FGV DIREITO RIO 310


ECONOMIA

Entretanto, geralmente concede-se a esses


empresários, via disposição legal, autorização para
o uso de motores a vapor em suas vias férreas;
nesse sentido, se um motor for construído com as
precauções, sugeridas pela ciência, contra incêndio
e for usado sem negligência, pela common law,
os empresários não serão responsabilizados por
qualquer dano que possa vir a ser causado pelas
faíscas... Na construção de um motor, cabe ao
empresário valer-se de todas as descobertas que
a ciência tenha posto ao seu alcance, de modo a
evitar a causação do dano, contanto que a exigência
de adoção, pela companhia, de tais descobertas
seja razoável, dispensando a devida atenção à
probabilidade de dano e ao custo e conveniência
da solução; contudo, não configura negligência,
por parte do empresário, caso recuse a usar certo
equipamento cuja eficiência, de boa-fé, se duvida.

A esta regra geral, sobrevém uma exceção legal que conta do Railway
(Fires) Act, 1905, conforme emenda de 1923. Tal é referente às terras
agricultáveis ou à messe.

Em casos como esse, o fato de o motor ter sido


usado de acordo com os poderes concedidos pela
lei não afeta a responsabilidade da companhia em
uma ação pelos danos causados... Os dispositivos
legais aplicam-se, tão-somente, nos casos em que o
pedido de indenização... não exceda £200, [£100
na Lei de 1905] e que haja notificação por escrito da
ocorrência do incêndio e, ainda, em que a intenção
de litigar tenha sido enviada à companhia no prazo
de sete dias da ocorrência do dano e, por fim, em
que as especificidades do dano, detalhadas por
escrito, tenham sido enviadas a companhia dentro
de vinte e um dias, demonstrando-se a quantia que
será requerida em dinheiro não excedente a £200.

Por terras agricultáveis não se entende pântano ou construções e a messe 269


Ver 31 Halsbury, Laws of England 474-
não inclui os grãos já vendidos ou estocados269. Eu não tenho um estudo 75 (3ed. 1960), artigo sobre Ferrovias
e Canais, do qual este sumário do
aprofundado acerca da história no parlamento dessa exceção legal, mas, posicionamento legal, e todas citações,
foram tiradas.
a julgar pelos debates na Câmara dos Comuns, em 1922 e 1923, tal foi 270
Ver 152 H.C. Deb. 2622-63 (1922); 161
construída, provavelmente, para ajudar os pequenos proprietários rurais270. H.C. Deb. 2935-55 (1923).

FGV DIREITO RIO 311


ECONOMIA

Retornemos ao exemplo de Pigou sobre os não-compensados danos


causados, às matas vizinhas à ferrovia, pelos motores dos trens. Com
isso, presumivelmente, pretende-se demonstrar como é possível “para a
ação estatal aperfeiçoar tendências ‘naturais’”. Se tratarmos o exemplo de
Pigou como uma referência à posição anterior a 1905, ou como sendo
um exemplo arbitrário (no qual ele pode muito bem ter escrito “prédios
vizinhos” em vez de “matas vizinhas”), então, claro está que a razão pela
qual a compensação não era paga, era que a companhia ferroviária gozava
de autorização legal para utilizar motores a vapor (o que a exonerava
da responsabilidade de pagar pelos incêndios causados pelas faíscas).
Este posicionamento legal fora estabelecido em 1860, em um caso,
suficientemente esquisito, versando sobre um incêndio causado pelos
trens às matas circundantes à via férrea271, e a legislação, nesse ponto, não
se alterou (exceto em um aspecto) após um século de vigência, incluindo
a nacionalização. Se tratarmos o exemplo de Pigou, acerca dos “não-
compensados danos causados, às matas vizinhas à ferrovia, pelos motores
dos trens”, de forma literal, e assumirmos que é referente ao período após
1905, então, claro está que a razão pela qual a compensação não era paga,
era que os danos não excediam a quantia de £100 (na primeira edição de
The Economics of Welfare), mais do que £200 (nas edições posteriores)
ou que o dono da mata não notificava, por escrito, dentro de sete dias,
a contar da data do incêndio, ou, ainda, que não enviava, por escrito, as
particularidades do dano no prazo de vinte e um dias. No mundo real,
o exemplo de Pigou poderia existir, tão-somente, como o resultado de
uma deliberada escolha dos legisladores. Não é fácil imaginar, por óbvio,
a construção de uma ferrovia em um ambiente de estado de natureza. O
mais próximo que se pode chegar disso é supor que a companhia ferroviária
valia-se dos motores a vapor “sem expressa autorização legal”. Entretanto,
nesse caso, a companhia seria obrigada a compensar os donos das matas
que foram incendiadas. Ou seja, a indenização seria paga na ausência de
ação governamental. As únicas circunstâncias em que a compensação não
seria paga seriam aquelas nas quais teria havido ação governamental.

É estranho que Pigou, que achava desejável o pagamento da indenização,


tivesse escolhido esse exemplo para demonstrar como seria possível “para
a ação estatal aperfeiçoar tendências ‘naturais’”. Pigou parece ter tido
uma visão equivocada dos fatos que envolviam a situação. Mas, da mesma
forma, parece que ele estava errado em sua análise econômica. Não é
necessariamente desejável que a companhia ferroviária devesse indenizar 271
Vaughan v. Taff Vale Railway Co., 3
H. e N. 743 (Ex. 1858) e 5 H. e N. 679
aqueles que sofreram os danos causados pelos motores das locomotivas. (Ex. 1860).

FGV DIREITO RIO 312


ECONOMIA

Eu não preciso demonstrar aqui que, se a companhia pudesse barganhar


com cada proprietário de terreno adjacente à linha ferroviária e não
houvesse custos envolvidos em tal procedimento, desimportaria se a
companhia era ou não responsável pelos danos causados em razão do
incêndio. Essa questão foi tratada em profundidade nas seções anteriores.
O problema é se seria desejável que a companhia fosse responsabilizada
em circunstâncias nas quase seria muito dispendioso realizar a barganha.
A posição de Pigou é clara no sentido de forçar a companhia ferroviária a
pagar a indenização, sendo fácil perceber o tipo de argumentação que o
teria levado a essa conclusão. Suponha que uma companhia ferroviária
esteja analisando se coloca um trem adicional ou se aumenta a velocidade
de um trem já existente, ou, ainda, se instala filtros em seus motores.
Caso a companhia não fosse responsabilizada pelos danos causados pelo
incêndio, então, quando de sua análise, não levaria em conta, pelo dano
que causaria, a colocação de um trem a mais ou o aumento da velocidade
do trem já existente ou, ainda, a não-instalação de filtros. Essa é a fonte
da divergência entre os ganhos totais privado e social. Resulta na realização
de ações, pela companhia, que diminuiriam o valor da produção total – e
que a companhia não realizaria caso fosse responsabilizada pelos danos
causados. Isso pode ser demonstrado através de um exemplo aritmético.
Considere uma companhia ferroviária, a qual não é responsável pelos
danos causados pelas faíscas dos motores dos trens, que coloca em
funcionamento dois trens por dia em uma certa linha. Suponha que o
funcionamento de um trem por dia resultasse na produção de serviços
valorados em $150 por ano e que o funcionamento de dois trens por dia
resultasse na produção de serviços valorados em $250 por ano. Suponha,
ainda, que o custo de funcionamento de um trem seja de $50 por ano e
o de dois trens seja de $100 anuais. Considerando um ambiente de
concorrência perfeita, o custo iguala a queda no valor da produção
alhures, devido ao emprego, pela companhia ferroviária, de fatores de
produção adicionais. Claramente, a companhia acharia rentável colocar
dois trens em funcionamento por dia. Entretanto, suponha que o
funcionamento de um trem por dia destruiria, em razão de incêndio,
uma safra (pela média do ano) valorada em $60 e o funcionamento de
dois trens por dia resultaria na destruição do equivalente a $120. Nessas
circunstâncias, o funcionamento de um trem por dia aumentaria o valor
da produção total, mas o funcionamento do segundo trem reduziria o
valor da produção total. O segundo trem renderia à companhia serviços
adicionais valorados em $100 por ano. Mas a queda no valor da produção
alhures seria de $110 por ano; $50, como o resultado do emprego de
fatores de produção adicionais, e $60, em razão da destruição da messe.

FGV DIREITO RIO 313


ECONOMIA

Uma vez que seria melhor se o segundo trem não fosse colocado em
funcionamento e que não o seria caso a companhia fosse responsável
pelos danos causados à messe, a conclusão de que a companhia devesse
resultar responsabilizada pelos danos seria irresistível. Sem dúvida alguma,
esse é o tipo de racionalidade utilizada para definir a posição Pigouviana.
É correta a conclusão de que seria melhor se o Segundo trem não fosse
posto em funcionamento. Contudo, é errônea a conclusão de que a
companhia deveria ser responsabilizada pelos danos que causasse. Vamos
mudar a suposição concernente Pa regra da responsabilidade. Suponha
que a companhia seja responsável pelos danos causados pela faísca
adveniente dos motores a vapor. Um agricultor, proprietário de terras
adjacentes à via férrea, encontra-se na situação em que, se a messe for
destruída pelo fogo causado pela companhia, receberá desta o preço de
mercado; mas, caso a sua plantação não resulte destruída, receberá o
preço de mercado por meio das vendas. Disso resulta, destarte, que é
indiferente para ele se a sua plantação é ou não destruída pelo incêndio.
Contudo, essa posição é deveras diferente quando a companhia não é
responsável pelos danos que causa. Qualquer destruição da messe,
originada das faíscas dos motores dos trens da companhia ferroviária,
reduziria, assim, as receitas do agricultor. Em assim sendo, ele deixaria de
cultivar toda terra para a qual os danos sofridos fossem superiores ao
retorno total dela adveniente (as razões para isso foram explicadas em
profundidade na Seção III). A mudança do regime em que a companhia
ferroviária não é responsabilizada, para um no qual a companhia deve
indenizar os danos, é capaz de levar ao aumento na quantidade de terra
cultivada nas proximidades da ferrovia. Da mesma forma, tal mudança
levará ao aumento na destruição da messe, devido aos incêndios causados
pelos trens. Retornemos ao nosso exemplo aritmético. Assuma que, em
razão da mudança da regra de responsabilidade, há destruição da messe,
devido aos incêndios causados pelos trens da companhia ferroviária, é
duas vezes maior. O funcionamento diário de um trem causaria a
destruição anual da safra equivalente à $120 e, com dois trens por dia, a
destruição da safra equivaleria à $240. Vimos anteriormente que, caso a
companhia tivesse de pagar $60 por ano a título de indenização, não seria
rentável o funcionamento do segundo trem. Com os danos correspondentes
a quantia anual de $120, a perda adveniente do funcionamento do
segundo trem seria $60 maior. Contudo, passemos à análise do primeiro
trem. O valor do serviço de transporte proporcionado pelo primeiro trem
é de $150. O custo de funcionamento desse trem é de $50. A quantia que
a companhia teria de pagar pelos danos causados seria de $120. O
corolário disso é que não seria rentável colocar trem algum para funcionar.

FGV DIREITO RIO 314


ECONOMIA

A partir desse exemplo, chegamos à seguinte conclusão: se a companhia


não fosse responsável pelos danos do incêndio, ter-se-iam em
funcionamento dois trens por dia; se a companhia fosse responsável pelos
danos do incêndio, encerrar-se-ia, por completo, a atividade ferroviária.
Isso significa que não deveria haver a ferrovia? Essa questão pode ser
resolvida considerando o que ocorreria, com o valor da produção total, se
fosse decidido que a companhia estaria isenta da responsabilidade pelo
incêndio, e, então, refaz-se o cálculo (com dois trens por dia). O
funcionamento da companhia proporcionaria serviços de transporte
valorados em $250. Significaria, da mesma forma, o emprego de fatores
de produção, os quais reduziriam o valor da produção alhures em $100.
Expressaria, ainda, a destruição da messe valorada em $120. As operações
da companhia levariam, também, ao abandono do cultivo de algumas
áreas de terra. Cientes de que, em sendo a terra cultivada, o valor da
messe destruída pelo fogo seria de $120, e uma vez improvável que toda
a plantação nesse pedaço de terra fosse destruída, parece razoável supormos
que o valor da messe ali plantada seria maior do que isso. Assuma que esse
valor chegasse a $160. Entretanto, o abandono do cultivo tornaria
possível que os fatores de produção fossem empregados em outro lugar.
Tudo o que sabemos é que o montante acrescido ao valor da produção,
pelo uso dos fatores de produção em outro lugar, seria menor do que
$160. Suponha que seja $150. Assim, o ganho para operar a ferrovia seria
de $250 (o valor dos serviços de transporte) menos $100 (o custo dos
fatores de produção) menos $120 (o valor da messe destruída) menos
$160 (a queda no valor da produção devido ao abandono do cultivo)
mais $150 (o valor da produção alhures, em razão da disposição dos
fatores de produção). Enfim, o funcionamento da ferrovia aumentaria o
valor da produção em $20. Diante disso, resulta claro que o melhor é a
companhia ferroviária não ser responsabilizada pelos danos que causa,
capacitando-a, assim, a funcionar de forma lucrativa. Claro, em se
alterando os números, poder-se-ia demonstrar que há outros casos nos
quais seria desejável a responsabilização da companhia pelos danos
causados. Para o meu intento, resulta suficiente demonstrar que, de um
ponto de vista econômico, a situação na qual há “nãocompensados danos
causados, às matas vizinhas à ferrovia, pelos motores dos trens” não é,
necessariamente, indesejável. Se desejável ou não, depende de
circunstâncias particulares.

Como é que a análise Pigouviana parecer ter dado a resposta errada? A


razão para tanto é a de que Pigou parece não ter notado que a sua análise dizia
respeito a uma questão completamente distinta. A análise em si está correta.

FGV DIREITO RIO 315


ECONOMIA

Mas, configura-se um tanto ilegítimo Pigou ter construído a conclusão


mencionada. A questão fulcral não é saber se é desejável colocar mais um
trem para funcionar ou um trem mais rápido, ou, ainda, a instalação de
filtros; a questão em debate circunscreve-se a se é ou não desejável ter um
sistema no qual a companhia ferroviária deve indenizar os que sofreram
os danos por ela causados ou um sistema em que a companhia não
tem de indenizá-los. Quando um economista compara arranjos sociais
alternativos, a maneira apropriada de proceder é comparar o produto
social total produzido por cada um desses arranjos. A comparação dos
produtos privado e social não tem relevância. Um simples exemplo o
demonstrará. Imagine uma cidade em que há semáforos. Um motorista
se aproxima de um cruzamento e pára porque o sinal está vermelho. Pelo
outro lado, não há carros se aproximando. Se o motorista ignorasse o sinal
fechado, nenhum acidente seria causado e o produto social aumentaria
em razão de que o motorista chegaria mais cedo ao seu destino. Por que
o motorista não age dessa forma? A razão é que caso ignorasse o sinal, o
motorista seria multado. O ganho privado adveniente da transgressão é
menor do que o ganho social. Deveríamos, assim, inferir que o ganho
total seria maior se não houvesse penalidades por desobediência aos
sinais de trânsito? A análise de Pigou mostra-nos que é possível conceber
mundos melhores do que esse em que vivemos. Mas, o problema é
delinear arranjos práticos que corrijam defeitos em uma parte do sistema
sem, contudo, causar danos mais sérios em outras.

Eu examinei, em consideráveis detalhes, um exemplo de divergência


entre os ganhos privado e social e não proponho que seja feita qualquer
análise adicional sobre o sistema analítico de Pigou. Entretanto, a
principal discussão do problema apreciado nesse artigo é encontrada
em uma passagem do Capítulo 9, da Parte II, a qual versa sobre a
segunda classe de divergência de Pigou e faz-se interessante notar
como ele desenvolve seu argumento. A descrição própria de Pigou,
acerca da aludida segunda classe de divergência, foi citada no início da
presente seção. Ele faz a distinção de dois casos, versando o primeiro
sobre a prestação de serviços por um indivíduo, pelos quais não recebe
pagamento algum, e o segundo, sobre a prestação de desserviços por esse
mesmo indivíduo, pelos quais não é responsabilizado, não compensando
os danos a que deu causa. A atenção tem sido voltada, por óbvio, ao
segundo caso. É ainda mais surpreendente descobrir, como alertado
a mim pelo Professor Francesco Forte, que o problema da emissão de 272
Sir Dennis Robertson, ILectures on
fumaça pela chaminé – o “caso do gado”272 ou o “exemplo da sala de Economic Principles 162 (1957).

aula”273 referente ao segundo caso – é utilizado por Pigou como exemplo 273
E. J. Mishan, The Meaning of
Efficiency in Economics, 189 The
do primeiro caso (serviços prestados sem o recebimento de remuneração), Bankers’ Magazine 482 (junho 1960).
jamais sendo mencionado, em absoluto, a conexão com o segundo caso274. Pigou, op. cit. supra n. 35 em 184
274

FGV DIREITO RIO 316


ECONOMIA

Pigou assevera que os proprietários da fábrica, os quais empregam


recursos para evitar a emissão de fumaça pelas chaminés, prestam serviços
pelos quais não são remunerados. Disso decorre, à luz da discussão
ulterior de Pigou, que ao proprietário da fábrica emissora de fumaça
deveria ser concedidos estímulos a fim de induzi-lo a instalar filtros.
A maior parte dos economistas modernos, entretanto, sugeriria que o
proprietário da fábrica emissora de fumaça fosse multado. É uma pena
que os economistas (o Professor Forte à parte) parecem não ter notado
tal aspecto do tratamento dado por Pigou, uma vez que o apercebimento
de que o problema poderia ter sido manejado em qualquer dos dois
sentidos levaria ao reconhecimento explícito de sua natureza recíproca.

Ao discutir o segundo caso (desserviços sem a obrigação de compensar


os prejudicados), Pigou afirma que tais desserviços são prestados
“quando o proprietário de um terreno, em uma quadra residencial
de uma cidade, constrói um fábrica e, assim, destrói grande parte do
conforto dos terrenos vizinhos; ou, em um menor nível, quando ele
usa o seu terreno de tal forma a encobrir a iluminação da casa em
frente; ou, ainda, quando emprega recursos para erguer prédios em
um centro movimentado, os quais, pela limitação do espaço aéreo e
dos parques da vizinhança, tendem a prejudicar a saúde e a eficiência
das famílias que moram lá” 275. Pigou está correto ao descrever tais
ações como “desserviços não-cobrados”. Contudo, está errado quando
descreve esses atos como “anti-sociais” 276. Eles podem ser ou não. Faz-
se mister comparar o dano causado com o ganho resultado. Nada
pode ser mais “anti-social” do que obstar qualquer ação que cause
qualquer dano a qualquer um.

O segundo com o qual Pigou inaugura sua discussão acerca dos


“desserviços nãocobrados” não é, conforme indiquei, o caso da
fumaça emitida pela chaminé, mas, sim, o caso dos coelhos fugidios:
“... desserviços incidentais não-cobrados são prestados a terceiros
quando as atividades de preservação realizadas por um proprietário
envolvem a fuga dos coelhos para o terreno do proprietário vizinho.”
O referido exemplo é extraordinariamente interessante. Não tanto em
razão da análise econômica do caso, que não difere em essência da
Id. em 185-86.
275

realizada em outros exemplos, mas, sim, devido às peculiaridades do Id. em 186 n. 1. Para declarações
276

posicionamento legal e à luz que joga sobre a parte que a economia igualmente desqualificadas ver a
palestra de Pigou “Some Aspects of the
pode atuar, que se trata, aparentemente, de uma questão puramente Housing Problem” em B. S. Rowntree e
A. C. Pigou, Lectures on Housing, in 18
legal de delimitação de direitos. Manchester Univ. Lectures (1914).

FGV DIREITO RIO 317


ECONOMIA

O problema da responsabilidade pelos atos dos coelhos é espécie do


gênero responsabilidade pelos animais277. Confinarei, embora com
relutância, minha discussão aos coelhos. Inicialmente, os casos relacionados
a coelhos versavam sobre as relações entre o senhor feudal e os comuneiros,
uma vez que, a partir do século XIII, tornou-se habitual o senhor prover os
comuns com coelhos, visando duplamente a carne e a pele. Mas, em 1597,
no caso Boulston, uma ação foi proposta por um proprietário contra um
vizinho seu, também proprietário, alegando que o réu havia feito tocas para
os coelhos e que o número destes havia aumentado, causando a destruição
do milharal do autor. A ação fracassou pela razão de que:

tão logo os coelhos adentravam à propriedade do


vizinho, este poderia matá-los, sendo os animais
selvagens e, não tendo o réu direito de propriedade
sobre os mesmos, não deve ser punido pelos danos por
eles infligidos em lugar do qual não tem a propriedade,
e em que o outro poderia, legalmente, matá-los278.
277
Ver G. L. Williams, Liability
Enquanto o caso Boulston tem sido tratado como uniformizador – Bray, for Animals – An acount of the
Development and Present Law of
J., em 1919, afirmou que não tinha conhecimento de que o caso Boulston Tortious Liability for Animals, Distress
havia sido, uma vez sequer, rejeitado ou questionado279 – o exemplo, Damage Feasant and the Duty to Fence,
in Great Britain, Northern Ireland and
de Pigou, dos coelhos, indubitavelmente, representou o posicionamento the Common Law Dominions (1939). A
parte quarto, “The Action of Nuisance,
legal ao tempo em que The Economics of Welfare foi escrito280. E, nesse in Relation to Liability for Animals”,
236-62, é especialmente relevante
caso, não se distorce a verdade, ao se afirmar que a situação descrita por para nossa discussão. O problema
Pigou ocorreu devido a ausência de ação governamental (em qualquer da responsabilidade pelos atos dos
coelhos é abordado nessa parte, 238-
caso, na forma de leis) e foi o resultado de tendências “naturais”. No 47. Eu não sei o quão divergente o
direito sobre a responsabilidade pelos
entanto, o caso Boulston contém algo de curioso, do ponto de vista legal, animais nos Estados Unidos é do
Britânico. Em alguns estados do oeste
e o Professor Willians não faz segredo de seu desgosto por esta decisão: dos Estados Unidos, a regra inglesa a
respeito do dever de cercar não tem
sido seguida, em parte devido “a
A noção de responsabilidade em sede de perturbação, grande quantidade de terra aberta e
não cercada fez com que fosse matéria
como estribada sobre a propriedade, é o resultado, de política pública permitir que o gado
aparentemente, de uma confusão envolvendo a ação corresse livremente” (Williams, op.
cit. supra 227). Isto nos dá um bom
de danos provocados pelo gado, indo de encontro exemplo de como em circunstâncias
diferentes pode ser economicamente
a ambos, princípio e autoridades medievais sobre a desejável mudar o posicionamento
legal sobre a delimitação de direitos.
escapula de água, fumaça e poluição... O pré-requisito
278
5 Coke (Vol. 3) 104 b. 77 Eng. Rep.,
para um tratamento satisfatório acerca da matéria é 216, 217.
o abandon definitivo da perniciosa doutrina do caso 279
Ver Stearn v. Prentice Bros. Ltd.,
Boulston... Uma vez que tal caso resulte desaparecido, (1919) 1 K.B., 395, 397.
280
Eu não olhei casos recentes. O
o caminho está livre para a reformulação do assunto posicionamento legal também
como um todo, conversando evoluindo em harmonia foi modificado devido os decretos
estatutários.
com os princípios prevalentes nas outras partes do 281
Williams, op. cit. supra n. 49 em
direito de vizinhança281. 242, 258.

FGV DIREITO RIO 318


ECONOMIA

Os juízes do caso Boulston estavam, claro, cientes de que a sua


visão do problema dependia da distinção deste caso de um envolvendo
perturbação:

Esta causa não é igual aos casos envolvendo, de


outro lado, construção de um forno de calcinação,
tinturaria ou outro do gênero; o incômodo, aqui,
provém do ato das partes que o causam; mas,
não como aqui, por ações próprias, os coelhos
adentraram o terreno do autor, autorizando-o a
pegá-los e lucrar com eles282.

O Professor Williams comenta:

Mais uma vez erigi-se a idéia de que os animais


são culpados e não o seu dono. Por óbvio, não
é um princípio satisfatório para se introduzir no
moderno direito de vizinhança. Se A constrói uma
casa ou planta uma árvore e a água da chuva, a partir
da calha ou dos galhos, recai sobre a propriedade
de B, a ação foi feita por A e ele é o responsável;
mas, se A introduz coelhos em sua propriedade e
os bichos escapam para o terreno de B, o ato é
realizado pelos animais, sendo A nãoresponsável
– tal é a especiosa distinção resultante do caso
Boulston283.

Deve-se admitir que a decisão proferida no caso Boulston parece


um pouco estranha. Um homem pode ser responsabilizado pelos dano
causado pela fumaça ou pelo mau cheiro, sem que seja necessário
determinar se ele tem propriedade sobre a fumaça ou o mau cheiro. E
a regra expressa nesse caso não tem sido sempre seguida em casos que
envolvendo outros animais. Por exemplo, no caso Bland v. Yates284,
resultou decidido que a concessão da tutela específica poderia evitar
que alguém mantivesse um incomum e excessivo acúmulo de adubo
sobre o qual sobrevoariam aves, tendo por conseqüência a infestação da
propriedade vizinha. A questão acerca de quem seria o proprietário das
aves não foi levantada. Um economista não desejaria opor-se a isso, vez que
o raciocínio jurídico, por vezes, parece um pouco esquisito. Mas, há forte 282
Boulston v. Hardy, CRO. Eliz., 547,
embasamento econômico para sustentar a visão do Professor Williams de 548, 77 Eng. Rep. 216.
que o problema da responsabilidade pelos animais (e, particularmente Williams, op. cit. supra n. 49 em 243.
283

por coelhos) deveria ser conduzida para dentro do direito de vizinhança. 58 Sol.J. 612 (1913-1914).
284

FGV DIREITO RIO 319


ECONOMIA

A razão não pelo fato de ser o homem que abriga os coelhos exclusivamente
culpado; o homem cuja messe resultou comida é igualmente responsável.
E, dado que os custos das transações no mercado tornam o rearranjo de
direitos impossível, a menos que conhecidas as circunstâncias particulares,
não se pode afirmar se é desejável ou não tornar o homem que abriga
os coelhos responsável pelo dano causado pelos animais às propriedades
vizinhas. A restrição à regra expressa no caso Boulston é que, sob sua
vigência, aquele que abriga os coelhos jamais pode ser responsável. Há a
fixação da regra da responsabilidade em um pólo e isso tão indesejável, do
ponto de vista econômico, quanto fixar a regra no pólo oposto, tornando
o mantenedor dos coelhos sempre responsável. Mas, conforme visto na
Seção VI, o direito de vizinhança, conforme interpretado pelos tribunais,
é flexível e permite a comparação da utilidade da atividade com o prejuízo
por ela produzido. Como afirma o Professor Williams, “O direito de
vizinhança, em seu todo, é uma tentativa de reconciliação e concessão
entre os interesses conflitantes...”285, para conduzir o problema dos coelhos
para dentro do direito de vizinhança não, inevitavelmente, se tornaria o
criador de coelhos responsável pelo dano causado pelos animais. Isso não
significa dizer que a única tarefa dos tribunais, em casos que tais, é fazer a
comparação entre o dano e a utilidade da atividade. Da mesma forma, não
se espera que os tribunais decidirão sempre corretamente após a realização
de tal comparação. Mas, a não ser que os tribunais ajam tolamente, o direito
de vizinhança parece providenciar, economicamente, mais resultados
satisfatórios do que a adoção da regra rígida. O caso de Pigou, acerca da
fuga dos coelhos, promove um excelente exemplo de como os problemas
de direito e economia são inter-relacionados, ainda que a política correta a
seguir seria outra que não a vislumbrada por Pigou.

Pigou permite uma exceção à sua conclusão, a qual se constitui na existência


de uma divergência entre os ganhos privados e sociais, no exemplo da fuga dos
coelhos. Ele adiciona: “… a menos… que dois ocupantes figurem na relação
como locador e locatário, então, a indenização é dada por meio do ajuste no
aluguel”286. Tal qualificação é ainda mais surpreendente, vez que a primeira
lição de Pigou acerca da divergência refere-se, largamente, às dificuldades de
se entabular um contrato satisfatório entre locadores e locatários.

De fato, todos os casos recentes, acerca do problema dos coelhos,


citados pelo Professor Williams envolviam disputas entre locadores e
locatários cujo objeto era a prática da caça esportiva287. Pigou parece
estabelecer uma distinção entre o caso em que o contrato não é possível
(a segunda classe) e o caso em que o contrato é insatisfatório (a primeira 285
Williams, op. cit. supra n. 49 em 259.
classe). Nesse sentido, assevera que a segunda classe de divergências entre 286
Pigou, op. cit., supra n. 35 em 185.
o ganho total, privado e social: 287
Williams, op. cit. supra n. 49 em 244-47

FGV DIREITO RIO 320


ECONOMIA

não pode, tal como as divergências nas leis de


locação, ser mitigada através da modificação da
relação contratual entre quaisquer contratantes,
porque a exsurge a partir do serviço ou do
desserviço prestado a pessoas outras que não as
partes envolvidas na contratação.

Mas, a razão pela qual algumas atividades não são objetos de contratos
é, exatamente, a mesma pela qual alguns contratos são, comumente,
insatisfatórios – custaria muito para definir, perfeitamente, a questão. De
fato, os dois casos identificam-se, vez que os contratos são insatisfatórios
porque não prevêem certas atividades. O fundamento exato da discussão
acerca da primeira classe de divergência, no principal argumento de Pigou,
é de difícil identificação. Ele demonstra que, em algumas circunstâncias,
as relações contratuais entre locado e locatário pode resultar em uma
divergência entre ganhos privados e sociais288. Mas, ele investe, ainda, na
demonstração de que o método de indenização-forçada pelo governo e os
controles dos alugueres produzirão, de igual forma, divergências289. Além
disso, evidencia que, quando o governo está em posição similar ao do
locador privado, e.g., ao conceder a franquia de uma utilidade pública,
exsurgem, exatamente, as mesmas dificuldades de quando os indivíduos
provados estão envolvidos290. A discussão é interessante, mas eu ainda não
consegui descobrir quais as conclusões gerais, sobre a política econômica,
que, caso existam, Pigou espera que retiremos disso.

De fato, o tratamento dado por Pigou, aos problemas considerados no


presente ensaio, é extremamente elusivo e a discussão de suas posições dá
azo à dificuldades de interpretação quase insuperáveis. Consequentemente,
é impossível assegurar-se de que alguém tenha entendido o que Pigou
realmente quis dizer. Entretanto, é difícil de prever a conclusão, por mais
extraordinário que isso possa ocorrer com um economista da estatura de
Pigou, segundo a qual a principal fonte dessa obscuridade é que Pigou
não pensou a sua posição por todos os lados.

IX. A TRADIÇÃO PIGOUVIANA

Queda-se estranho que uma doutrina tão faltosa quanto a desenvolvida


por Pigou tenha exercido tanta influência, embora parte de tal sucesso
seja devida, provavelmente, à sua falta de clareza. Em lhe faltando clareza, 3 Id. 174-75.
288

o seu erro jamais foi, claramente, apontado. Curiosamente, a obscuridade Id. 177-83.
289

na fonte não evitou a emergência de uma bem-definida tradição oral. Id. 175-77.
290

FGV DIREITO RIO 321


ECONOMIA

Aquilo que os economistas aprendem com Pigou, bem como aquilo


que ensinam a seus alunos, o que eu chamo de tradição Pigouviana,
resulta razoavelmente claro. Proponho-me a explicitar a inadequação
desta tradição, demonstrando que tanto a análise quanto as conclusões
de políticas que tal tradição suporta, são incorretas. Não constitui um
objetivo justificar a minha visão, como a opinião que deva prevalecer, por
meio de copiosas referências à literatura. Ajo assim porque o tratamento
conferido pela literatura é, não-raro, fragmentado, e, com freqüência,
envolve pouco mais do que uma referência a Pigou e um breve comentário
explicativo, de forma que detalhado exame resultaria inapropriado.
Contudo, a principal razão, pela qual não farei tal referência, é que a
doutrina, em que pese estribada em Pigou, provavelmente seja o resultado
de uma tradição oral. Alguns economistas, com os quais tenho discutido
este problema, expressam uníssona opinião, o que é digno de nota,
considerando o tratamento deficiente ao mesmo conferido pela literatura.
Não há dúvidas de que há alguns economistas que não comungam
da visão usual, mas estes representam minoria. A abordagem dada ao
problema em questão é feita mediante a análise do valor da produção
física. O produto privado é o valor do produto adicional resultante de
uma determinada atividade de uma empresa. O produto social é igual
ao produto privado menos a desvalorização da produção em sua próxima
melhor alternativa, para a qual (desvalorização) nenhuma compensação
é paga pela empresa. Assim, se 10 unidades de um fator (sem outros
fatores) são usadas por um empresa para a produção de um certo produto
de valor igual a $105; e o proprietário desse fator não é compensado pelo
seu uso, o qual não pode evitar; e estas 10 unidades do fator resultariam
em produtos que, em sua próxima melhor alternativa, valeriam $100,00;
então, o produto social é a subtração de $105 menos $100, ou seja, $
5. Mas, se agora a empresa paga por uma unidade do fator e o preço
deste é igual ao valor de sue produto marginal, o produto social sobe
para $15. Se duas unidades são pagas, o produto social eleva-se a $25
e assim sucessivamente, até o ponto em que se chega a $105, quando
todas as unidades do fator resultam pagas. Não é difícil perceber a razão
pela qual os economistas aceitaram tão prontamente este procedimento
não-usual. A análise tem o foco nas decisões individuais das empresas, e
uma vez que o uso de certos recursos não é levado em conta nos custos
de operação, as receitas são reduzidas no mesmo montante. Mas, por
certo, isso quer dizer que o valor do produto social não tem qualquer
significado social. Parece-me preferível valer-se do conceito de custo de
oportunidade e abordar esses problemas comparando o valor do produto
gerado pelos fatores em usos alternativos ou por outras combinações.

FGV DIREITO RIO 322


ECONOMIA

A maior vantagem do sistema de preços é que conduz ao emprego de


fatores em atividades nas quais o valor do produto gerado é o maior,
e assim o faz a um custo menor do que sistemas alternativos (deixo de
considerar que o sistema de preços mitiga o problema da redistribuição de
renda). Mas, se por alguma força sobrenatural os fatores são empregados
em atividades nas quais o valor do produto gerado foi o maior, sem ter
havido a influência do sistema de preços e, via de conseqüência, sem
compensação, tenderia a considerar esta situação mais uma surpresa do
que a causa de um desalento.

A definição de produto social não é idônea, mas isso não significa


que as conclusões retiradas para a política oriunda de sua análise
estejam, necessariamente, equivocadas. Contudo, há ressalvas quanto
à abordagem que desvia a atenção das questões básicas e quase não há
dúvidas de que tal tem sido responsável por alguns dos erros expressos
na doutrina preponderante. O credo segundo o qual é desejável que os
agentes que causam danos devam ser compelidos a compensar aqueles
que os sofrem (o que foi objeto de exaustiva discussão na Seção VIII,
referente ao exemplo das faíscas trazido por Pigou) é, fora de dúvida, o
resultado de não se comparar o produto total passível de obtenção com
arranjos sociais alternativos.

A mesma falha é encontrada nas propostas que, para a solução do


problema dos efeitos danosos, promovem o uso de impostos ou
recompensas. Pigou confere considerável importância a esta solução,
embora venha a ser, como sói acontecer, lacônico nos detalhes e
qualificado por seus defensores.66 Os economistas modernos tendem
a pensar exclusivamente em impostos, fazendo-o de forma precisa. O
imposto deveria ser igual ao dano causado e deveria, por isso, variar de
acordo com a quantidade de dano gerado. Como não se propõe que a
renda adveniente do pagamento de impostos seja destinada àqueles que
sofreram o dano, tal solução não se equipara àquela segundo a qual força-
se o causador do dano a indenizar os indivíduos por ele prejudicados,
embora os economistas, de maneira geral, pareçam não atentar para isso
e, então, tendem a tratar as duas soluções como se idênticas fossem.

Considere que uma fábrica emissora de fumaça instala-se em um distrito


que, antes, estava livre da poluição, vindo a causar danos no valor de
$100 por ano. Imagine que a solução adotada é o pagamento de imposto,
pela fábrica, e que, por ano, o seu dono deve pagar $100, contanto que
a fábrica emita fumaça. Considere, ainda, que seja possível a instalação
de um aparelho capaz de eliminar a fumaça ao custo de $90 por ano.

FGV DIREITO RIO 323


ECONOMIA

Nestas circunstâncias, tal aparelho deve ser instalado. Um dano de $100


seria eliminado a um custo de $90 e, assim, o proprietário da fábrica
deixaria de gastar $10 anualmente. Contudo, a solução adotada pode não
ser ótima. Suponha que aqueles atingidos pela fumaça pudessem evitar
o dano mudando-se para outras localidades ou, ainda, precavendo-se de
outras formas ao custo de, ou que deixariam de ganhar, $40 por ano.
Então, haveria um ganho no valor da produção de $50, caso a fábrica
continuasse a emitir fumaça e os indivíduos prejudicados se transferissem
para outro lugar, ou tomassem qualquer outra medida capaz de evitar o
dano. Se ao proprietário da fábrica impõe-se a obrigação de pagar um
tributo proporcional ao dano causado, resultaria claramente desejável
instituir uma dupla tributação, fazendo os residentes do distrito pagarem
um montante igual ao custo adicional incorrido pelo proprietário da fábrica
(ou pelos consumidores desta), de modo a evitar a causação do dano. Nessas
condições, os indivíduos afetados pela fumaça ou não permaneceriam no
distrito ou adotariam outras medidas com o condão de evitar o dano,
quando o custo para tanto fosse menor do que o custo em que incorreria
o dono da fábrica para reduzi-lo (claro, sendo o objetivo do fabricante
reduzir mais o montante de tributo a ser pago do que o nível de fumaça
emitida). Um sistema tributário que fosse limitado à imposição do tributo
ao fabricante causador do dano, seria fonte de custos excessivamente
elevados para prevenir a ocorrência do dano. Por certo, o erro desse
sistema poderia ser corrigido caso a base de cálculo do imposto fosse, não
o dano causado, mas, a redução do valor da produção (no sentido mais
amplo) resultante da emissão de fumaça. Contudo, para tanto, requer-se
detalhado conhecimento das preferências individuais, e não sou capaz de
imaginar como o banco de dados para um sistema tributário desse tipo
seria determinado. Com efeito, a proposta de resolver o problema da
poluição causada pela fumaça, bem como outros similares, pelo uso de
tributos sustenta-se com dificuldades: a questão dos cálculos; a diferença
entre custo médio e custo marginal; as interrelações entre o dano causado
a diversas propriedades; etc. Mas, é desnecessário examinar tais problemas
aqui. Basta, para o meu propósito, demonstrar que, ainda que o tributo
equivalesse, exatamente, ao dano que as propriedades vizinhas viessem
a sofrer como resultado de cada lufada adicional de fumaça, o tributo
não seria capaz de, necessariamente, proporcionar condições ótimas. O
aumento no número de moradores ou de comerciantes operando nos
arredores da fábrica emissora de fumaça aumentaria o nível de dano causado
por uma dada emissão de fumaça. O tributo previsto, da mesma forma,
aumentaria quanto maior fosse o número de indivíduos na vizinhança.

FGV DIREITO RIO 324


ECONOMIA

Tal situação tenderia à diminuição do valor da produção de fatores


empregados pela fábrica, tanto porque a redução na produção, devido
ao imposto, resultaria em fatores sendo usados em outras atividades,
para as quais são menos valiosos, quanto pelo fato de que fatores
seriam desviados para a produção de meios objetivando a redução do
nível de fumaça emitida. Contudo, as pessoas que se instalariam nas
proximidades não levariam em conta a redução do valor da produção
por elas causado. O equívoco em não considerar o custo que impõem
a outros indivíduos equivale ao proprietário da fábrica não atentar
para o dano resultante da fumaça que emite. Sem a imposição do
tributo, poderá haver fumaça em demasia e pessoas, nas proximidades
da fábrica, em minoria; mas, com o tributo, poderá haver fumaça em
minoria e pessoas, nas proximidades da fábrica, em demasia. Não há
razão para supor que um desses resultados é preferível ao outro. Não se
faz necessário devotar muito espaço para discutir um erro semelhante
oriundo da proposta segundo a qual as fábricas emissoras de fumaça
deveriam, em cumprimento ao instituto do zoneamento, ser removidas
dos distritos em que a fumaça emitida causa efeitos danosos. Quando
a mudança na localização da fábrica resulta em redução da produção, tal
fato deve ser, necessariamente, levado em conta, sendo sopesado com o
dano que seria causado caso a fábrica permanece no distrito. O propósito
dessa regulação não deve ser eliminar a poluição causada pela fumaça,
mas, preferencialmente, assegurar que o nível ótimo de fumaça seja
emitido, sendo este caracterizado por maximizar o valor da produção.

X. UMA MUDANÇA DE ABORDAGEM

É meu sentir que o fracasso dos economistas em alcançar as conclusões


corretas, acerca do tratamento dos efeitos danosos, não pode ser tributado,
simplesmente, a algumas falhas de análise. Tal fracasso provém dos
defeitos básicos na abordagem atual dos problemas da economia do bem-
estar. Necessita-se de uma mudança de abordagem.

A análise em termos de divergências entre os produtos privados e sociais


concentra-se nas deficiências particulares existentes no sistema e tende a
fomentar a crença de que qualquer medida capaz de remover a deficiência é,
necessariamente, desejável. Tal enfoque desvia a atenção das outras mudanças,
no sistema, as quais estão, inevitavelmente, associadas com as medidas corretivas,
recaindo sobre mudanças que capazes de produzir mais danos do que a deficiência
original. Nas seções anteriores do presente ensaio, foram referidos diversos
exemplos disso. Contudo, essa não é a única forma de se abordar o problema.

FGV DIREITO RIO 325


ECONOMIA

Os economistas que estudam os problemas da firma usam, habitualmente,


a abordagem do custo de oportunidade e comparam as receitas obtidas
de uma dada combinação de fatores com arranjos negociais alternativos.
Parece oportuno valer-se de abordagem similar ao se tratar de questões de
política econômica e para comparar o produto total proporcionado por
arranjos sociais alternativos. o presente ensaio, a análise tem-se limitado,
como sói acontecer nesta parte da economia, a comparações do valor de
produção, tendo por base o mercado. Porém, é, por óbvio, desejável que
a escolha entre arranjos sociais distintos, para a solução dos problemas
econômicos, deveria ocorrer em termos mais amplos e que o efeito
total desses arranjos, em todas as esferas da vida, deveria ser levado em
consideração. Como Frank H. Knight tem, frequentemente, enfatizado,
os problemas da economia do bem-estar dissolverse-ão, enfim, no estudo
da estética e da moral.

Um segundo aspecto do tratamento usual dado aos problemas


discutidos nesse artigo é que a análise é feita em termos de comparação
entre o estado de laissez faire e algum tipo de mundo ideal. Uma
abordagem como essa conduz, inevitavelmente, ao vácuo de pensamento,
vez que a alternativa a ser comparada jamais é clara. Em um Estado de
laissez faire, há um sistema monetário, legal ou político, e se afirmativo,
como funciona? Em um mundo ideal haveria um sistema monetário,
legal ou político, e se afirmativo, como seria? As respostas a todas essas
perguntas compõem um enigma e todo homem é livre para alcançar a
conclusão que melhor lhe aprouver. Deveras, requer-se uma pequena
análise para demonstrar que um mundo ideal é melhor do que o estado
de laissez faire, a não ser que as definições deste estado e do mundo
ideal equiparam-se. Mas, a discussão toda é largamente irrelevante para
as questões de política econômica, uma vez que, qualquer que seja o
mundo ideal que tenhamos em mente, claro está que nós ainda não
descobrimos como alcançá-lo a partir da posição que nos encontramos.
Melhor abordagem parece ser iniciar a análise com a situação aproximada
daquilo que realmente existe, para examinar os efeitos da mudança de
política proposta e para tentar decidir se a nova situação seria, no todo,
melhor ou pior do que o ponto de origem. Nesse sentido, as conclusões
atingidas teriam alguma relevância para a situação verdadeira.

Uma razão final para o fracasso no desenvolvimento de uma teoria


apropriada, para enfrentar o problema dos efeitos danosos, deriva de um
conceito equivocado de fator de produção. Este é, geralmente, pensado como
uma entidade física que o empresário adquire e usa (um pedaço de terra, uma
tonelada de fertilizante), em vez de o direito de realizar certas ações (físicas).

FGV DIREITO RIO 326


ECONOMIA

Nós podemos nos referir a uma pessoa que possui terra e vale-se da
mesma como um fator de produção, mas, o que, realmente, o proprietário
possui é o direito de realizar uma definida lista de ações. Os direitos do
proprietário não são ilimitados. Nem é possível para ele remover a terra
para outro lugar, por exemplo, pela sua extração. E, ainda que possível,
para o proprietário, excluir algumas pessoas do uso de “sua” terra, não
poderá fazê-lo com outras. Por exemplo, algumas pessoas podem ter o
direito de servidão. Além disso, há ou não a possibilidade de construir
certos tipos de prédios ou cultivar alguns grãos, ou, ainda, utilizar
sistemas de drenagem particulares na terra. Isso não ocorre simplesmente
em razão da regulação governamental. Ocorreria, também, no sistema da
common law. Na verdade, isso seria assim em qualquer sistema jurídico.
Um sistema em que os direitos dos indivíduos fossem ilimitados, seria
um sistema em que não haveria direitos a serem adquiridos.

Se os fatores de produção são pensados como direitos, torna-se mais


fácil compreender que o direito de fazer alguma coisa, da qual provêem
efeitos danosos (tais como a emissão de fumaça, barulho, odores, etc.)
e, também, um fator de produção. Da mesma forma que podemos usar
um pedaço de terra, de modo a evitar que as pessoas atravessem-no, ou
estacionem seu carro, ou construam sua casa sobre o mesmo, nós podemos
usá-lo de modo a denegá-las uma vista, ou o silêncio, ou um ar não-
poluído. O custo de exercer um direito (de usar um fator de produção)
é sempre a perda sofrida alhures, em conseqüência do exercício desse
próprio direito – a incapacidade de cruzar pela terra, estacionar o carro,
construir uma casa, gozar de uma vista, ter paz e silêncio, respirar ar limpo.
Seria claramente desejável se as únicas ações realizadas fossem aquelas nas
quais o ganho gerado compensasse a perda sofrida. Mas, ao se escolher
entre arranjos sociais, em um contexto no qual decisões individuais são
tomadas, nós temos de ter em mente que a mudança no sistema existente,
a qual conduzirá ao aperfeiçoamento em algumas decisões, pode muito
bem levar à pioria em outras. Além disso, tem-se que levar em conta os
custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais (se seria o trabalho
de um mercado ou de um departamento de governo), bem como os custos
envolvidos na mudança para um novo sistema. Ao se projetar e escolher
entre arranjos sociais, devemos considerar o efeito total. Isso, acima de
tudo, é a mudança de abordagem, para a qual estou advogando”.

FGV DIREITO RIO 327


ECONOMIA

AULA 16 – A TEORIA DA EMPRESA: RECEITAS, CUSTOS, LUCROS E


DECISÕES ÓTIMAS DA EMPRESA.

• Leitura das páginas 1 - 19 do Livro SEIDENFELD, Mark.


Microeconomics Predicates to Law and Economics. Aderson
Publishong Co. Cincinnati.

FGV DIREITO RIO 328


ECONOMIA

AULAS 17 E 18 – ESTRUTURA E EQUILÍBRIO DE MERCADO: MERCADO


COMPETITIVO, MONOPÓLIO E OLIGOPÓLIO, CONCORRÊNCIA
MONOPOLÍSTICA. EFEITOS DO MERCADO COMPETITIVO, DO
MONOPÓLIO E DO OLIGOPÓLIO.

• BIBLIOGRAFIA BÁSICA do tema MANKIW, N. Gregory.


Introdução à economia. 3ª ed. São Paulo: Thomson Learning,
2009. Capítulos 14, 15, 16 e 17.

O texto abaixo é de autoria de Gabriela Borges Silva, doutoranda em


direito da regulação pela FGV Direito Rio.

“Existem várias formas ou estruturas de organização da produção


através dos mercados, sendo que as mais conhecidas, em termos de
mercados de bens e serviços, são a concorrência perfeita, a concorrência
monopolística, o oligopólio e o monopólio. No que concerne ao
mercado de fatores de produção (ou insumos), as estruturas de mercado
mais usuais são a concorrência perfeita, o oligopsônio e o monopsônio.

A concorrência entre as firmas para comprar insumos e vender bens


e serviços é de fundamental importância para o bom funcionamento
da economia. Quanto maior ou mais “perfeita” for a concorrência,
tanto melhor será a distribuição de renda entre os vários agentes
que compõem o sistema econômico. O mais drástico desvio de
concorrência perfeita é a presença de elementos monopolísticos ou
monopsonísticos, os quais podem levar o mercado a adotar uma
formação distorcida de preços.

A presença de um grande número de pequenos agentes bem


informados, produzindo e consumindo um bem homogêneo, é
condição suficiente para que haja a concorrência perfeita. Para
compreender um mercado perfeitamente competitivo, é necessário
analisar se estão presentes nesses mercados as seguintes características:
i) há muitos compradores e vendedores no mercado; ii) os bens
oferecidos pelos vendedores são, em larga escala, o mesmo; iii) as
empresas podem entrar e sair livremente do mercado. Portanto,
os principais pressupostos adotados para caracterizar um mercado
perfeitamente competitivo são:

FGV DIREITO RIO 329


ECONOMIA

»» Grande número de agentes: Existe um grande número de


agentes econômicos, de modo que o volume transacionado
por cada um, individualmente, é desprezível em relação ao
volume total transacionado nesse mercado. Isso significa que
cada agente, por representar uma parcela muito pequena desse
mercado, não consegue afetar os preços.

»» Produto homogêneo: O produto transacionado por um


sub-conjunto de agentes é substituto perfeito do produto
transacionado por qualquer outro no seu conjunto total.
Isso significa que não existem características específicas que
diferenciem esses produtos.

»» Livre mobilidade dos agentes, insumos e produtos: Não


existem barreiras que impeçam a entrada e a saída de agentes,
insumos e produtos nesse mercado

Dessa forma, entende-se que nenhum agente econômico, ao tomar sua


decisão individualmente, é capaz de influenciar os demais nem tampouco
é passível de sofrer qualquer influência deles. O mercado perfeitamente
competitivo pode ser, então, definido como a estrutura caracterizada
pela presença de um grande número de pequenos agentes econômicos
(produtores, consumidores e proprietários dos recursos), produzindo e
transacionando um produto perfeitamente homogêneo, sem nenhuma
barreira que impeça a entrada e a saída de qualquer agente, insumo ou
produto no mercado. Em uma estrutura de mercado caracterizada por um
número grande de pequenos agentes, competindo entre si, só pode existir um
único preço – o preço de mercado. Nesse mercado, os agentes econômicos não
têm condições de afetar os preços dos insumos e do produto, comportando-
se como meros tomadores de preços. Tomemos como exemplo o mercado de
leite. Nenhum comprador individual de leite é capaz de influenciar o preço
do produto porque cada comprador adquire uma pequena quantidade em
relação ao tamanho do mercado. De maneira similar, cada vendedor de leite
tem controle limitado sobre o preço porque há muitos outros vendedores
fornecendo um produto basicamente idêntico. Como cada vendedor
pode vender quanto quiser ao preço vigente, não tem motivos para cobrar
menos do que esse preço e, se cobrar mais, os compradores vão procurar
outro fornecedor. Os compradores e vendedores dos mercados competitivos
precisam aceitar o preço que o mercado determina e, portanto, são chamados
de tomadores de preços. Compreender os determinantes de um mercado em
concorrência perfeita é relevante para analisar os diferentes tipos de estruturas
de mercado que serão abordados na aula: i) monopólio; ii) oligopólio; e iii)
competição monopolística.

FGV DIREITO RIO 330


ECONOMIA

17.1 MONOPÓLIO

O monopólio é uma estrutura de mercado extrema que se caracteriza


pela existência de apenas um produtor. Assim como a concorrência perfeita
foi considerada como um extremo do espectro de possíveis estruturas
de mercado, o monopólio é o outro extremo desse espectro. O grande
número de pequenos agentes, que caracterizava o mercado de concorrência
perfeita, é contraposto agora com a presença de apenas um grande
produtor que atende todo o mercado. Enquanto a independência dos
agentes econômicos fazia com que as forças de mercado se encarregassem
de determinar o preço de equilíbrio em um mercado perfeitamente
competitivo, o preço no mercado monopolístico é determinado pelo
único agente produtivo, de acordo com a sua estrutura de custos e as
características de uma demanda negativamente inclinada.

O monopolista, único agente produtivo no mercado em que atua,


tem totais condições de determinar e alterar o preço nesse mercado.
Portanto, o monopolista tem o poder de estabelecer preço acima do seu
custo marginal de produção. Diferentemente do mercado perfeitamente
competitivo − em que as firmas não têm poder algum sobre o preço do
produto, o qual é estabelecido pelo próprio mercado − o monopolista
tem totais condições de aumentar o seu preço simplesmente reduzindo
sua produção. O nível de produção que maximiza o lucro do monopolista
é estendido até o ponto em que a receita obtida ao vender uma unidade
adicional (receita marginal) é exatamente igual ao custo dessa unidade
adicional (custo marginal). Nesse processo de maximização do lucro, o
monopolista estabelece um nível de produção que é menor que o nível
que prevaleceria em um mercado perfeitamente competitivo.

Para melhor entender esse poder, recorre-se à condição de equilíbrio do


monopólio. Por ter condições de poder vender diferentes níveis de produção
a um mesmo preço ou, equivalentemente, por poder fixar diferentes preços
para um mesmo nível de produção, o monopolista não tem curva de
oferta. Enquanto a firma competitiva era tomadora de preços e tinha como
estratégia maior a determinação do seu nível de produção, o monopolista
tem condições de estabelecer tanto o seu preço quanto o seu nível de
produção como possíveis estratégias de ação, mas não ambas. Em sendo o
único produtor, o monopolista não enfrenta a ameaça de concorrentes que,
ao praticarem um preço menor, poderiam ganhar parte do seu mercado.
O mercado em que existe apenas um produtor pode ser então definido
sucintamente da seguinte forma: é a estrutura de mercado caracterizada
pela presença de um único produtor que atende todo o mercado.

FGV DIREITO RIO 331


ECONOMIA

Por estar protegido por alguma espécie de barreira que impede a


entrada de outros competidores nesse mercado, o monopolista não
enfrenta concorrentes diretos e tem condições de determinar o seu
preço ou o seu nível de produção, mas não ambos.

Se o monopolista é o único produtor é porque deve existir algum tipo


de barreira que impede a entrada de firmas nesse mercado. Essas barreiras
podem ser de ordem legal (tais como, monopólios naturais, patentes
e franchises), mas também devido ao fato do monopolista ser o único
proprietário de um fator de produção essencial à produção ou algum
processo secreto de produção.

Embora não exista concorrência direta, o monopolista sempre enfrenta


uma concorrência indireta, que se dá por meio dos próprios produtos
substitutos imperfeitos, bem como para que o seu produto possa ocupar
um lugar no orçamento do consumidor. Como dito, uma das principais
causas dos monopólios são as barreiras à entrada no mercado, isto é, um
monopólio se mantém como o único vendedor de seu mercado porque
as outras empresas não podem entrar no mercado e competir com elas.
Pode-se considerar, ainda, que as barreiras de entrada se originam em
decorrência de restrições legais.

Em muitas situações, os monopólios surgem porque o governo


concede a uma só pessoa ou empresa o direito exclusivo de vender
algum bem ou serviço. Isso pode ocorrer por influência política de
quem quer se monopolista, mas também pode haver interesse público
que justifique a atuação dos governos. Outra barreira à entrada diz
respeito às barreiras tecnológicas consequentes da empresa monopolista
dispor de recursos únicos ou de tecnologia própria, também exclusiva.
Tais situações também não são, necessariamente, consequência de uma
irracionalidade, pois para o desenvolvimento tecnológico, patentes e
direitos de propriedade sobre recursos e tecnologias novos costumam ser
concedidos por determinado período. Sem essa barreira, o incentivo à
inovação seria insuficiente, uma vez que ao permitir que essas empresas
cobrem preços mais altos e obtenham lucros maiores, as leis também
incentivam pesquisas e inovações.

Uma terceira razão para a criação de monopólios diz respeito ao tamanho


do mercado a ser atendido, em relação ao tamanho da empresa que vai
produzir para esse mercado. As economias de escala denotam que, em
muitos casos, uma só empresa consegue ofertar um bem ou serviço a um
mercado inteiro a um custo menor do que duas ou mais empresas. Essas
empresas atuam em uma estrutura de mercado de monopólio natural.

FGV DIREITO RIO 332


ECONOMIA

Por exemplo, não é razoável que haja várias empresas distribuidoras de


água no Rio de Janeiro, cada uma com seus próprios canos, tubulações,
sistemas de coleta de água. Isso se aplica também à distribuição de gás, luz,
telefone fixo, rede de metrô, rede de rodovias, coleta de esgoto e assim por
diante. Muitos monopólios naturais são chamados de serviços públicos.
Observe-se que a rede de transporte metroviário é um monopólio natural;
não faz nenhum sentido ter 2 ou 3 redes de metrô competindo entre si.
Porém é possível conceber uma situação em que várias companhias de
transporte diferentes operem e compitam usando a mesma rede.

17.1.1 Discriminação de preços

A capacidade que o monopolista tem de estabelecer preços acima do


seu custo marginal estabelece a possibilidade para cobrança de preços
diferenciados por distintas unidades de um mesmo produto. Essa
estratégia de cobrança diferenciada, a qual é denominada de discriminação
de preços, é uma forma do monopolista aumentar os seus lucros e pode
ser definida da seguinte forma: é a prática da cobrança diferenciada de
preços a diferentes consumidores por diferentes unidades de um mesmo
produto, sem que haja justificativa de custos.

Existem várias modalidades de discriminação de preços. Uma forma


bastante utilizada pelos monopolistas, denominada de discriminação
de segundo grau, é a cobrança de preços diferenciados por diferentes
quantidades de produto. Esse é o caso específico dos descontos oferecidos
por quantidades adicionais. Embora haja cobrança diferenciada de preços
em função da quantidade comprada, pessoas distintas que compram a
mesma quantidade pagam o mesmo preço, não havendo diferença alguma
de preço para a mesma quantidade.

A forma de discriminação de preço mais comumente utilizada, a qual é


denominada de discriminação do terceiro grau, é aquela em que cobram-
se preços diferenciados para diferentes pessoas. A cobrança de meia
entrada para estudantes é uma prática comum na maioria das salas de
cinema do país. Essa cobrança é possível porque o estudante, geralmente
em uma faixa etária mais baixa e com um menor poder aquisitivo,
pode ser diferenciado das outras pessoas através da apresentação da
carteira de estudante. Outro exemplo de discriminação de preços é o
desconto oferecido pelas farmácias para aposentados na compra de
medicamentos, os quais apresentam, em geral, um baixo poder aquisitivo.

FGV DIREITO RIO 333


ECONOMIA

Essa diferenciação de preço só é possível porque o aposentado encontra-


se em uma faixa etária mais elevada e por isso ele é um grande usuário de
medicamentos. Esse aposentado pode ser distinguido dos demais clientes,
através da apresentação da sua carteira da seguridade social.

Grande parte dos profissionais liberais, ao estabelecer o preço pelo


serviço prestado, costuma cobrar preços diferentes de seus clientes,
cobrando mais dos consumidores que demonstram sinais exteriores de
riqueza e menos daqueles que não apresentam tais sinais. Por exemplo, ao
ser procurado por duas senhoras necessitando de uma idêntica operação
de lipoaspiração, um médico pode cobrar um preço mais elevado da
senhora mais bem vestida, demonstrando um poder aquisitivo maior, do
que daquela normalmente vestida.

Obviamente que a prática de cobrança diferenciada pressupõe certas


condições mínimas que terão que ser satisfeitas. A primeira condição
para que seja possível a discriminação de preços é que o monopolista
possa segmentar os seus mercados. Essa segmentação só é possível com
diferentes categorias de consumidores, as quais possam ser efetivamente
diferenciadas de acordo com a sua sensibilidade a preços, através de distintas
elasticidades preço da demanda. Ademais, para que o monopolista tenha
condições de efetivamente cobrar preços diferenciados em mercados
segmentados, é necessário que exista algum mecanismo que impeça o
processo de arbitragem. A arbitragem é a prática de comprar ao preço
mais baixo e vender ao preço mais alto. Com a arbitragem, o monopolista
que discrimina preços receberia apenas o preço mais baixo.

Uma forma tradicional de impedir tal processo é proibindo que os


consumidores possam revender o produto do monopolista. A distribuição
de eletricidade no Brasil é um bom exemplo para caracterizar as duas
condições básicas para discriminação de preços. Ao escalonarem suas
tarifas progressivamente, em função do consumo, as distribuidoras de
energia elétrica cobram preços diferenciados de seus consumidores. Essa
prática só é possível porque os consumidores podem ser segmentados em
sub-mercados, de acordo com o seu consumo registrado. Os consumidores
mais pobres são aqueles que, por terem menos pontos de luz em suas
residências, consomem menos, e, portanto, pagam menores tarifas. Por
outro lado, os consumidores mais ricos, por terem um padrão de consumo
mais elevado, acabam pagando tarifas mais elevadas e, portanto, pagam
proporcionalmente mais pela energia que consomem.

FGV DIREITO RIO 334


ECONOMIA

17.1.2 O custo do monopólio em relação ao bem-estar social

Enquanto uma empresa competitiva é tomadora de preços, uma


empresa monopolista é uma formadora de preços, isso significa dizer
que tendo em vista que em um mercado monopolista existem poucos
concorrentes, uma empresa monopolista pode influenciar o preço do
mercado de seu produto.

Considerando que, diferente das empresas competitivas, os monopólios


cobram preços superiores ao custo marginal de produção, os monopólios
são uma boa maneira de organizar um mercado? Conforme visto no
decorrer da disciplina, o equilíbrio da oferta e da demanda em um
mercado competitivo é desejável, uma vez que a mão invisível do mercado
leva a uma alocação de recursos que torna o excedente total o maior
possível. Como o monopólio leva a uma alocação de recursos diferente
da que ocorreria num mercado competitivo, o resultado também difere
na maximização do bem-estar econômico total.

Como um monopólio maximizador de lucro cobra um preço superior


ao custo marginal (P > Cmg), percebemos que a quantidade produzida e
vendida é inferior ao nível socialmente eficiente. O gráfico abaixo ilustra
essa situação de ineficiência, a qual produz um peso morto para sociedade:

A estipulação do preço do monopólio acima do custo marginal cria


uma ineficiência do ponto de vista da alocação dos recursos, a qual pode
ser calculada pela área do triângulo indicado.

O governo pode responder às práticas monopolistas por intermédio


de políticas públicas, que tenham por objetivo: i) tornar as indústrias
monopolizadas mais competitivas; ii) regulamentar o comportamento dos
monopólios, por meio de leis antitruste; iii) transformar alguns monopólios
privados em empresas públicas; iv) ou, simplesmente, não intervir.

FGV DIREITO RIO 335


ECONOMIA

No Brasil, a lei 8.884/94 transformou o Conselho Administrativo


de Defesa Econômica (CADE) em autarquia, responsável pela análise
da concorrência no brasileiro. O CADE analisa os processos de fusão,
cisão e incorporação de empresas com o intuito de deixar o mercado
mais competitivo, evitando a formação de monopólios ou oligopólios que
possam prejudicar os consumidores.

Ao mesmo tempo, as agências reguladoras são responsáveis pela fiscalização


dos serviços públicos praticados pela iniciativa privado e pela análise de
monopólio em diferentes setores da economia. Essas agências possuem
estrutura jurídica de autarquia, e foram criadas, sobretudo, na década de
1990. Atualmente, existem 10 agências reguladoras, e alguns exemplos de
agências são ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANATEL
(Agência Nacional de Telecomunicações), ANAC (Agência Nacional de
Aviação Civil), ANP (Agência Nacional do Petróleo) entre outras.

17.2 OLIGOPÓLIO

Um mercado oligopolístico é caracterizado pela existência de um


número relativamente pequeno de produtores. Mercados com duas ou
um pouco mais de firmas são exemplos claros de oligopólio. É impossível
estabelecer precisamente o número máximo de firmas que o mercado
deveria ter para que fosse classificado como oligopólio. A característica
fundamental desse mercado, que de certa forma resulta desse número
reduzido de competidores, é a interdependência que existe entre os
produtores. Isto é, cada produtor espera que mudanças de comportamento
no que concerne aos níveis de produção, preço, gasto em propaganda
e características do produto, entre outras, estimulem respostas de seus
competidores. Essa interdependência depende primariamente do número
de produtores e do tamanho relativo das firmas na indústria, bem como
da diferenciação do produto e da dispersão geográfica dos produtores.

No mercado oligopolístico as firmas podem vender produtos homogêneos


ou diferenciados. No entanto, se os produtos são idênticos, pelo menos sob o
ponto de vista dos compradores, eles têm que ser vendidos pelo mesmo preço.
Apenas quando os produtos apresentam características que diferenciam uns
dos outros é que eles podem ser vendidos a preços diferentes.

A persistência de um mercado oligopolístico por um período muito


longo de tempo é uma implicação da existência de barreiras à entrada de
novas firmas no mercado. Um exemplo clássico de barreira que impede
a entrada de firmas à indústria é a presença de economias de escala, que
torna inviável a existência de mais de umas poucas firmas no mercado.

FGV DIREITO RIO 336


ECONOMIA

Outros exemplos de barreiras à entrada são controle sobre um


recurso estratégico, franchises (patentes, licenças e copyrights), altos
requerimentos de capital e a existência de capacidade ociosa, que faz a
indústria não ser atrativa para concorrentes potenciais. Assim, com base
nessas características, pode-se então definir o mercado oligopolístico
da seguinte forma: é uma estrutura de mercado caracterizada pela
presença de um número relativamente pequeno de firmas e uma
forte interdependência entre elas, as quais podem produzir produtos
homogêneos ou heterogêneos, com alguma forma de barreira que impede
a livre entrada ou saída de firmas à indústria.

A existência de apenas dois produtores em um mercado é um caso


especial de oligopólio, o qual é denominado de duopólio. O mercado
duopolístico é de fundamental importância porque as principais
características e os problemas resultantes da interdependência entre
agentes podem ser estudadas mais facilmente com apenas dois produtores.

O equilíbrio nesse mercado não é único e dependerá fundamentalmente


do pressuposto que se faz a respeito dessa variação conjectural. Se as firmas
se comportam de forma independente, fazendo o melhor que podem,
o equilíbrio resultante será diferente daquele que resultaria se as firmas
agissem de forma cooperativa.

A solução mais óbvia em um mercado oligopolístico é a solução de


conluio ou cartel. Nessa solução, as firmas concordam em produzir de
acordo com cotas préestabelecidas, fixadas com base no nível de produção
que maximiza o lucro global da indústria.

Um dos maiores problemas do cartel é como distribuir essas cotas de


produção, assim como repartir os lucros entre as firmas participantes.
Assim como não existe uma forma padrão de distribuir as quotas de
produção entre as firmas, não existe uma forma definida de distribuir
o lucro entre os participantes, que, em geral, depende do poder de
barganha das firmas.

A solução de conluio não é uma solução duradoura, tendo em vista


que cada firma tem o incentivo de aumentar a sua produção, produzindo
mais do que o nível preestabelecido pelas cotas. O problema é que, se
todas as firmas agem dessa forma, o nível de produção que maximiza o
lucro conjunto é expandido, reduzindo consequentemente o preço e o
lucro de monopólio.

FGV DIREITO RIO 337


ECONOMIA

17.3 COMPETIÇÃO MONOPOLÍSTICA

Inicialmente, considera-se o mercado de concorrência monopolística,


o qual apresenta características tanto do mercado monopolístico quanto
do mercado competitivo. As firmas operando em um mercado de
concorrência monopolística vendem produtos heterogêneos, diferenciados
através de suas marcas. A diferenciação do produto é um elemento
importante nessa estrutura de mercado. Posteriormente, apresenta-se o
mercado oligopolístico, nas suas múltiplas formas, onde as poucas firmas
aí inseridas podem vender produtos homogêneos ou heterogêneos. O
equilíbrio nesses modelos dependerá da forma de ação das firmas, ou
seja, se elas agem de forma cooperativa ou competitiva. Na sequência,
analisa-se a possibilidade de as firmas buscarem alguma forma de acordo,
que resulta na redução dos níveis de produção, com o objetivo de elevar
os preços aos níveis de monopólio.

O mercado de concorrência monopolística se caracteriza por apresentar


muitas firmas produzindo produtos similares, com características
particulares que diferenciam uns dos outros, tornando-os, de certa
forma, heterogêneos. Esses produtos podem realmente diferir em termos
de qualidade, reputação, localização geográfica ou aparência. Embora as
firmas nesse mercado se caracterizem por produzir produtos similares,
cada firma tem o poder de monopólio na sua própria marca. A existência
de um grande número de competidores se verifica porque a entrada e a
saída de novas firmas nesse mercado são livres, não existindo barreiras
que impeçam o livre movimento de firmas nesse mercado. Com base
nesses elementos, pode-se então definir o mercado de concorrência
monopolística da seguinte forma: é a estrutura de mercado caracterizada
pela presença de um grande número de firmas produzindo um produto
similar, monopolistas nas suas marcas, sem barreiras que impeçam a livre
entrada ou saída de firmas da indústria.

A diferenciação do produto, que tanto pode ser real ou meramente


aparente e se vislumbra por meio de uma embalagem ou rótulo, é
o principal elemento que distingue essa estrutura de mercado da
concorrência perfeita. Cada firma operando nesse mercado tem o
monopólio da sua própria marca, mas tem que concorrer com as demais,
no sentido de obter uma fatia desse mercado. Isso significa que a curva
de demanda individual de cada firma, além de depender do seu nível
de produção, depende também do nível de produção das outras firmas
atuando na indústria.

FGV DIREITO RIO 338


ECONOMIA

O mercado de concorrência monopolística é uma estrutura de mercado


intermediária entre o mercado monopolístico e o mercado de concorrência
perfeita. A concorrência monopolística se assemelha ao mercado de
concorrência perfeita, no que concerne ao fato dos lucros extraordinários
serem dissipados com a entrada de novas firmas na indústria. Por outro
lado, a concorrência monopolística também apresenta uma característica
particular do mercado monopolístico, que é o fato do preço praticado
nesse mercado ser maior que o custo marginal. Em consequência, o
mercado de concorrência monopolística é levado a estabelecer um nível
de produção menor que o nível socialmente ótimo, incorrendo em perdas
de excedentes do consumidor e produtor.

No limite, o mercado de concorrência monopolística tende ao


monopólio. Isto é, se houvessem barreiras que impedissem a entrada
de firmas, de modo que apenas uma firma pudesse operar na indústria,
o equilíbrio resultante seria aquele de monopólio. Por outro lado, se
houvesse um número muito grande de firmas na indústria, produzindo
bens substitutos próximos, ao ponto de tornar a curva de demanda de
cada firma bastante elástica, então o equilíbrio nesse mercado tenderia
ao equilíbrio de concorrência perfeita. No limite, quando todos os bens
são perfeitos substitutos, a curva de demanda das firmas seria horizontal
(infinitamente elásticas), de modo que o equilíbrio resultante seria o de
concorrência perfeita”.

FGV DIREITO RIO 339


ECONOMIA

AULAS 19 E 20 – APRESENTAÇÕES DE TRABALHOS EM SALA:


TEMA DIA 1: O CONTROLE DE PREÇOS (PREÇOS MÁXIMOS
E MÍNIMOS). EXCEDENTE TOTAL E BEM ESTAR. EXCEDENTE
DO CONSUMIDOR, DA EMPRESA E A EFICIÊNCIA DO MERCADO.
TEMA DIA 2: O TEOREMA DO BEM-ESTAR E A EFICIÊNCIA DE
PARETO: O CRITÉRIO KALDOR-HICKS.

Nos encontros pertinentes às aulas 19 e 20 os alunos apresentarão


trabalhos em sala sob os temas:

1) O CONTROLE DE PREÇOS (PREÇOS MÁXIMOS E


MÍNIMOS). EXCEDENTE TOTAL E BEM ESTAR.
EXCEDENTE DO CONSUMIDOR, DA EMPRESA E A
EFICIÊNCIA DO MERCADO.

2) O TEOREMA DO BEM-ESTAR E A EFICIÊNCIA DE PARETO:


O CRITÉRIO KALDOR-HICKS

FGV DIREITO RIO 340


ECONOMIA

AULA 21 – INTRODUÇÃO À TEORIA DOS JOGOS.

Texto para leitura prévia a ser encaminhado.

FGV DIREITO RIO 341


ECONOMIA

ANEXO I DA AULA 3

O PROJETO BEPS

Leonardo de Andrade Costa291

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE), em conferência realizada em Ottawa, em 1998, identificou três
desafios tributários que se iniciaram com a fase comercial da rede mundial
de computadores, após a publicação, no mesmo ano, do relatório intitulado
Harmful Tax Competition, por meio do qual listou regimes tributários de
diversos países que ocasionavam danos às demais jurisdições.

O primeiro desafio é que a internet exacerbou velhos problemas,


especialmente aqueles decorrentes dos paraísos fiscais, que ampliam as
possibilidades de planejamento tributário internacional. O segundo
origina-se das novas formas radicalmente diferentes para criação de valor e
realização de transações comerciais, por intermédio das plataformas digitais.
O terceiro obstáculo decorre da imprescindibilidade de uma estratégia
colaborativa, pois o comércio eletrônico é intrinsecamente global.

Após o recrudescimento dos efeitos da crise econômica de 2008, com


o objetivo de combater a erosão da base tributária, a OCDE apresentou,
com apoio político do G20, o Base Erosion and Profit Shifting Action Plan
(Plano de Ação BEPS). Em resumo, o BEPS tem como escopo formular
políticas e estratégias para combater a fuga de capitais para jurisdições de
baixa tributação. Dividido em 15 ações específicas, o primeiro Action Plan
busca identificar os principais desafios proporcionados pela economia
digital na aplicação das regras fiscais vigentes e sugerir meios para contorná-
los. A Action 1 do BEPS visa investigar a capacidade de uma empresa de
estar digitalmente presente na economia de um país sem sofrer nenhum
tipo de tributação. Com efeito, passados 25 anos desde o início da fase
comercial da internet, constata-se que o processo de integração de mercados
e a economia digital criam oportunidades no plano jurídico, econômico,
Artigo publicado em Informativo
político e social, além de potencializar os benefícios sociais das novas
291

do Sindicato dos Auditores Fiscais da


tecnologias, mas estabelecem inúmeros desafios à equilibrada relação Receita do Estado do Rio de Janeiro
em dezembro de 2020. Disponível
jurídica tributária, tanto no plano nacional como internacional, em uma em http://www.sinfrerj.com.br/
comunicacao/departamento-de-
nova etapa do capitalismo, já amplamente financeirizado e globalizado. jornalismo/plantao-fiscal.

FGV DIREITO RIO 342


ECONOMIA

A elevação exponencial do volume de transações digitais sem a necessidade


de presença física dos fornecedores no país em que o produto ou serviço é
consumido, além de colocar em xeque os paradigmas da territorialidade,
jurisdição e presença física, que sempre nortearam a conexão com a
jurisdição fiscal, suscitaram forte indignação na Europa, em razão da falta
de recolhimento de tributos correspondente à exploração do mercado
consumidor local.

Nos termos identificados no Final Report da Action 1, entregue em


outubro de 2015, a economia digital é caracterizada por uma relação
intrínseca com intangíveis, a desintermediação, o uso massivo de dados
voltados à propaganda – principalmente os de cunho pessoal – e a adoção
generalizada de modelos de negócios multifacetários. O Task Force on the
Digital Economy, órgão responsável por desenvolver os trabalhos deste
plano de ação apresentou algumas alternativas para uma ação global
coordenada, a partir de cinco princípios aplicáveis ao comércio eletrônico,
seguindo os preceitos da Ottawa Ministerial Conference on Eletronic
Commerce, de 1998: neutralidade; eficiência; certeza e simplicidade;
equidade e flexibilidade.

Entretanto, diante da falta de consenso quanto ao modelo a ser


implementado, vários países passaram a adotar medidas unilaterais (e.g.
Reino Unido, Austrália, Hungria, etc.), especialmente para tributar as
chamadas Big Techs, como Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google.
Com efeito, após suspender temporariamente o tributo de 3% sobre o
faturamento dos serviços digitais originados em seu território, a França
acaba de anunciar292 que reiniciará a cobrança em dezembro de 2020,
haja vista a demora na implementação de ações conjuntas e coordenadas.

Pelo exposto, constata-se que a origem dos problemas, no que se refere


a tributos, reside no fato de que, enquanto os sistemas tributários são
nacionais, a atividade econômica se torna cada vez mais global, isto é,
sendo a matéria tributária no mundo integrado uma questão de ordem
multilateral, só podemos vislumbrar soluções tecnicamente adequadas no
plano multilateral293. 292
Disponível em https://www.
nbcnews.com/tech/tech-news/france-
orders-tech-giants-pay-digital-tax-
rcna185. Acesso em 26.11.2020.
293
COSTA, Leonardo de Andrade. A
Integração de Mercados e as Questões
Tributárias. Repercussões Sociais.
Seminário Brasil Século XXI. O Direito
na Era da Globalização: Mercosul,
Alca e União Europeia: Palestras.
Brasília: OAB, Conselho Federal, 2002.
pp. 107/117.

FGV DIREITO RIO 343


ECONOMIA

ANEXO II DA AULA 3

ÍNDICES DISPONÍVEIS EM:

https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.
do?method=corrigirPorIndice

Resultado da Correção pelo IGP-M (FGV)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO IGP-M (FGV)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 4,26294590
Valor percentual correspondente 326,294590 %
Valor corrigido na data final R$   12,58   ( REAL )

Resultado da Correção pelo IGP-DI (FGV)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO IGP-DI (FGV)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 4,25123090
Valor percentual correspondente 325,123090 %
Valor corrigido na data final R$   12,54   ( REAL )

FGV DIREITO RIO 344


ECONOMIA

Resultado da Correção pelo INPC (IBGE)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO INPC (IBGE)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 3,43075900
Valor percentual correspondente 243,075900 %
Valor corrigido na data final R$   10,12   ( REAL )

Resultado da Correção pelo IPCA (IBGE)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO IPCA (IBGE)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 3,34914200
Valor percentual correspondente 234,914200 %
Valor corrigido na data final R$   9,88   ( REAL )

FGV DIREITO RIO 345


ECONOMIA

Resultado da Correção pelo IPCA-E (IBGE)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO IPCA-E (IBGE)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 3,34096510
Valor percentual correspondente 234,096510 %
Valor corrigido na data final R$   9,86   ( REAL )

Resultado da Correção pelo IPC-BRASIL (FGV)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO IPC-BRASIL (FGV)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 3,26274640
Valor percentual correspondente 226,274640 %
Valor corrigido na data final R$   9,63   ( REAL )

FGV DIREITO RIO 346


ECONOMIA

Resultado da Correção pelo IPC-SP (FIPE)

DADOS BÁSICOS DA CORREÇÃO PELO IPC-SP (FIPE)


DADOS INFORMADOS
Data inicial 01/2000
Data final 12/2019
Valor nominal R$   2,95   ( REAL )
DADOS CALCULADOS
Índice de correção no período 2,93600090
Valor percentual correspondente 193,600090 %
Valor corrigido na data final R$   8,66   ( REAL )

FGV DIREITO RIO 347


ECONOMIA

ANEXO III DA AULA 3

O PIB pode ser calculado de três diferentes formas, sendo que o


resultado será o mesmo:

1. Pela ótica da oferta (produto): soma dos produtos finais da


indústria, do comércio, do setor de serviços e da atividade
agropecuária;

2. Pela ótica da despesa (dispêndio): soma dos gastos para a


manutenção (consumo) e a expansão da economia (investimento);

3. Pela ótica da renda: soma de todas as rendas pagas durante o


período.

Por que os três resultados são os mesmos?

Tudo o que é produzido é para ser consumido, sendo também


remunerando os componentes empregados ao longo do processo.

De acordo com a ótica do produto (da oferta), o  PIB é calculado


a partir do valor agregado bruto (VAB) em cada etapa que a empresa
participa do processo produtivo, devendo-se afastar a possibilidade da
chamada dupla contagem. Desde o “pãozinho”, ou um “celular”, até um
“luxuoso imóvel” construído durante o ano são contabilizados no PIB,
agregando-se os valores de cada empresa. Um exemplo numérico facilita
a compreensão da questão. Imagine uma economia que somente planta,
cultiva e colhe trigo, industrializa a farinha de trigo e fabrica pãozinho.
Na realidade, para a produção de um pãozinho em uma padaria são
necessárias diversas matérias primas e produtos intermediários (como
o fermento, a água, a mão de obra etc.). A principal delas é o trigo,
produzido e pelo setor agrícola. Com base em um modelo simplificado
(vide nota 2 da Aula 1), suponha que 10 Kg do trigo tem o valor de R$
10,00. A partir do trigo é fabricada a farinha do trigo pela indústria,
insumo essencial para a produção do pãozinho. Considere que o preço
de 10kg de farinha de trigo é de R$ 30,00 e o valor de 10kg de pãozinho
na venda no varejo seja correspondente a R$ 55,00.

FGV DIREITO RIO 348


ECONOMIA

Qual seria o PIB desta economia?

Examine os cálculos abaixo, observando que serão computados


exclusivamente os bens e serviços finais, para que o mesmo item não
seja incluído na contagem duas vezes. Dessa forma, somente o pãozinho
vendido na padaria entra no cálculo do PIB, não fazendo parte do
cômputo, ao mesmo tempo, o trigo, a farinha de trigo comprada para sua
fabricação, evitando-se, portanto, a mencionada dupla contagem.

FASES DO PROCESSO PRODUTO FINAL VALOR AGREGADO BRUTO


PRODUTIVO (10 KG) (SEM DUPLA CONTAGEM)
Plantio, cultivo e
R$ 10,00 R$ 10,00
colheita de trigo
R$ 20,00
Fabricação da farinha R$ 30,00
(R$ 30,00 - R$ 10,00)
R$ 25,00
Produção de pão R$ 55,00
(R$ 55,00 - R$ 30,00)
Total R$ 55,00

Caso houvesse dupla contagem, o PIB seria superdimensionado, para


um produto final que alcançaria, equivocadamente, o valor de R$ 95,00
(R$ 10,00 +R$ 30,00+ R$ 55,00).

Assim, o valor agregado bruto (VAB) é o resultado da diferença entre o


valor da produção bruto e os consumos intermédios. A partir do VAB de
cada empresa, é possível calcular o PIB pela soma de todos os VABs das
empresas da economia. Para obtermos o valor do PIB a preços correntes
(com o valor do ano em que o produto foi produzido e comercializado)
a preços de mercado , o único ajustamento que teremos de fazer é somar
impostos que incidem sobre os bens e serviços entre o fim da produção
e a venda, isto é, os impostos sobre o consumo. Os subsídios concedidos
devem ser subtraídos. Dessa forma, é possível representar o PIB pela ótica
do produto nos seguintes termos:

PIB = ΣVAB + Impostos sobre produtos e serviços líquidos de subsídios

Pela ótica da despesa, o cálculo do PIB leva em consideração tudo o que é


consumido pelas famílias e pelo governo (é a chamada demanda agregada),
tanto internamente como no exterior. É representada pela seguinte
equação: PIB = C + I + G + (X – M). Onde: C = Consumo das famílias;

FGV DIREITO RIO 349


ECONOMIA

I = Investimento realizado pelas empresas; G = Gastos do governo;


X = Exportações; M = Importações. A balança comercial (X – M) é
resultado do cálculo das exportações menos as importações. Nesses
termos, impulsionam o crescimento do PIB o consumo das pessoas, os
investimentos realizados, os gastos do governo, além do saldo positivo da
balança comercial.

Por fim, pela ótica da renda são somadas todas as rendas pagas durante
o período. Portanto, consideram-se os valores relacionados à renda do
trabalho (salários), do capital (juros), da terra e das instalações físicas
(aluguéis), do processo de produção e empreendedorismo (lucro), além da
renda dos governos (os tributos) Ressalte-se, no entanto, que o resultado
não é obtido puramente pela soma desses componentes. São necessários
ajustes. Os ajustes compreendem os impostos indiretos e os subsídios,
além da depreciação (que é a perda de valor dos ativos fixos). Assim,
temos a seguinte fórmula representativa do PIB pela ótica da renda:
Renda (Y) = C + P + T, onde C = Consumo das famílias; P = Poupança;
T = Tributos (impostos).

A partir do cálculo do PIB, por qualquer dos 3 métodos acima


descritos (ótica do produto, da demanda ou da renda), várias análises
podem ser realizadas:294

A partir da performance do PIB, pode-se fazer várias análises, tais como:

• Traçar a evolução do PIB no tempo, comparando seu desempenho


ano a ano;

• Fazer comparações internacionais sobre o tamanho das economias


dos diversos países;

• Analisar o PIB per capita (divisão do PIB pelo número de habitantes),


que mede quanto do PIB caberia a cada indivíduo de um país se
todos recebessem partes iguais, entre outros estudos.

O PIB é, contudo, apenas um indicador síntese de uma economia.


Ele ajuda a compreender um país, mas não expressa importantes fatores,
como distribuição de renda, qualidade de vida, educação e saúde.

Um país tanto pode ter um PIB pequeno e ostentar um altíssimo


padrão de vida, como registrar um PIB alto e apresentar um padrão de 294
Disponível em: https://www.ibge.
gov.br/explica/pib.php. Acesso em
vida relativamente baixo. 30.01.2020.

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ECONOMIA

ANEXO I DA AULA 7

JUROS SIMPLES JUROS COMPOSTOS


BASE DE TOTAL BASE DE TOTAL
CAPITAL JUROS: 10% JUROS: 10%
INCIDÊNCIA ACUMULADO INCIDÊNCIA ACUMULADO
Principal R$ 1.000,00   R$ 1.000,00  
após 1 ano R$ 1.000,00 R$ 100,00 R$ 1.100,00 R$ 1.000,00 R$ 100,00 R$ 1.100,00
após 2 anos R$ 1.000,00 R$ 100,00 R$ 1.200,00 R$ 1.100,00 R$ 110,00 R$ 1.210,00
após 3 anos R$ 1.000,00 R$ 100,00 R$ 1.300,00 R$ 1.210,00 R$ 121,00 R$ 1.331,00
após 4 anos R$ 1.000,00 R$ 100,00 R$ 1.400,00 R$ 1.331,00 R$ 133,10 R$ 1.464,10
após 5 anos R$ 1.000,00 R$ 100,00 R$ 1.500,00 R$ 1.464,10 R$ 146,41 R$ 1.610,51

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ECONOMIA

LEONARDO DE ANDRADE COSTA


Doutorando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Mestre
em Direito Econômico e Financeiro pela Harvard Law School/USP.
Especialista em Contabilidade pela FGV/EPGE. Graduado em Economia
e Direito pela PUC-Rio. Professor da graduação e pós-graduação
FGV Direito Rio. Auditor Fiscal do Estado do Rio de Janeiro, lotado
na Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias. Ex-consultor em
tributação internacional nos EUA e assistente do professor Lawrence
Lokken na University of Florida.

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ECONOMIA

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Sérgio Guerra
DIRETOR
Antônio Maristrello Porto
VICE-DIRETOR
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO

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