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FACULDADE ANHANGUERA

CURSO DE PSICOLOGIA

Estágio Básico IV -
PSICOLOGIA NA SAÚDE

Brenda Rodrigues dos Santos RA: 331290311647


Daniela Oliveira Barbosa RA: 389140411647
Edilma Vieira Alves Amaral RA: 339091911647

CAMPINAS
2021
SUMÁRIO

1 – ROTEIRO 3
2 – NARRATIVA 4
3 – ANÁLISE 6
4- REFERÊNCIAS 7
3

1 – ROTEIRO

Realização de uma entrevista com perguntas pré estabelecidas baseadas no


Caderno da Psicologia Hospitalar do Conselho Regional de Psicologia.

1. Dentro do que se sente confortável, poderia descrever sua doença e como foi sua
trajetória e tratamento até esse momento?
2. Você se lembra como os profissionais te contaram a respeito de sua doença?
Como você gostaria que tivesse acontecido?
3. Qual é o impacto da doença na sua vida?
4. Como você acha que o seu quadro interfere em sua saúde mental? E como a sua
saúde mental influencia na piora ou melhora de seu quadro?
5. Para você, o que é saúde e o que é doença?
6. Como você acredita que a psicologia poderia te ajudar?
7. Em algum momento você precisou de apoio psicológico? Se sim, como foi essa
atuação para você?
8. De maneira geral, você se sente acolhida pelos profissionais da área da saúde?
Explique um pouco como.
9. Sobre os profissionais da área da saúde, você sente que eles te enxergam além
do quadro de sua doença ? Sente que é levado em conta o seu histórico de vida,
rotina e quem você é? Comente mais sobre isso.
10. Você acredita que a maneira que é tratada ao ser atendida por profissionais da
área da saúde interfere em como você responde ao tratamento? Conte como.
11. Em algum momento em seu tratamento, você achou necessária a mediação de
um psicólogo com os profissionais que realizaram seu tratamento?
12. Como é para você o suporte familiar? Como você acredita que teria sido com a
mediação de um psicólogo?
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2 – NARRATIVA
2.1 DADOS DO ENTREVISTADO:
Iniciais de identificação dos entrevistados: L.
Formação acadêmica: Bacharel em Direito
Dados de atuação profissional: Advogada
Tempo de experiência profissional: 10 anos
Doença: Retocolite ulcerativa

2.2 NARRATIVA
O objetivo da entrevista foi buscar uma visão completa de saúde e doença
através da vivência de L.
Num primeiro momento, a estagiária se apresenta e explica que haverá um
roteiro pré estabelecido, mas que a entrevistada pode ficar à vontade para dizer o
que achar relevante, bem como interromper a entrevista caso necessário.
Foi proposto que L. contasse um pouco a respeito de sua trajetória como
também a de sua doença e foi relatado que os sintomas começaram aos 27 anos
em 2009, logo após um divórcio complicado e seu fim de faculdade/início de carreira
como advogada.
O primeiro sintoma veio através de uma diarreia permanente que evoluiu para
sangue, logo, essa perda de sangue ocasionou uma anemia. O que L. relata mais a
afligir na época, era o fato de nenhum médico ter conseguido diagnosticá-la; conta
também que todos diziam ser estresse e a mandavam para casa sem nenhum
encaminhamento para psicólogo ou psiquiatra para tratar o estresse citado.
L. ainda relata que chegou a ter diagnóstico apenas em 2010, um ano depois
do aparecimento dos sintomas, expõe também que a notícia foi dada no corredor da
emergência do SUS, apressadamente e ainda sem certeza do diagnóstico. Em outro
momento da entrevista L. informa que anos após saber de seu diagnóstico, houve
um psicólogo disposto a dar a notícia da doença, no entanto L. diz ter achado
desnecessário pois já havia descoberto anteriormente de uma forma inapropriada.
Ainda sem esse embasamento total no diagnóstico, foi iniciado tratamento
medicamentoso bem como foram solicitados mais exames de sangue e
colonoscopia; porém nesse momento além de ter que lidar com a inflamação
intestinal, a anemia se agravou, trouxe uma infecção no sangue e indício de falência
nos órgãos. Nesse momento, L. informa ter sido medicada com Mesalazina, contudo
parou de tomar o remédio por conta própria depois de 5 anos, pois chegou à
conclusão de que os efeitos colaterais eram maiores que os benefícios.
L. conta que outro fator agravante de sua doença é o risco de ter câncer, em
virtude disso resolveu realizar uma bateria de exames em 2016. Nesse caminho
descobriu que o seu próprio sistema imunológico causava Retocolite Ulcerativa, ou
seja, se tratava de uma doença auto imune. Todavia L. conta que ficou mais um ano
sem tratamento, até que no fim de 2017 houve uma crise grave e é relatado que
médicos disseram que L. iria morrer.
Nessa época houve um encaminhamento para um proctologista da rede
pública que realizou um encaminhamento para que em 2018 todos os exames
fossem realizados novamente no Hospital das Clínicas.
Quando recebeu os resultados e retornou ao médico, L. foi medicada com o
imunossupressor Infliximabe, quando relata que: “Estou tomando esses remédios
atualmente e os sintomas iniciais desapareceram. Consegui engordar os quilos que
perdi e hoje, depois de mais de dez anos, me sinto bem e satisfeita com o
tratamento” (sic).
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Depois desse breve resumo, já se sabia como L. teve a notícia de sua


doença, apesar disso foi perguntado como ela gostaria que esse momento houvesse
acontecido. L. primeiro relata o sofrimento de um ano sem diagnóstico, da perda de
20 quilos que a fez beirar uma subnutrição como também houveram momentos em
que L. foi levada compulsoriamente ao hospital, porém articula que o ponto principal
foi o fato de perder tanta saúde e energia antes de seu diagnóstico ser fechado, em
vários momentos fala que gostaria que esse momento viesse antes, ainda diz que
“Eu gostaria de ter tido o diagnóstico antes de perder todas as forças e emagrecer o
tanto que emagreci.”
Quando foi levantado o impacto dessa doença na vida de L., a resposta dada
foi que existe uma luta diária, todavia o maior desafio é a exclusão social em
momentos de crise.
Em outro momento, foi perguntado como L. acredita que seu quadro interfere
em sua saúde mental e vice versa, a experiência apresentada é que sua doença
trouxe ideações suicidas ao passo que não conseguia tirar pensamentos
relacionados a morte da cabeça, ela relata que “É frustrante tomar 17 remédios e
levar picadas de agulhas, estourar veias, perder veias, internar e ter alta sem
solução e para piorar, nesse momento os médicos diziam que eu iria morrer.” (sic).
Ao ser questionada se nesse momento teve alguma ajuda psicológica, L. diz
que não, contudo o que a ajudou a sair desse quadro emocional sem ajuda médica
foi conseguir começar a viajar pois, segundo relata, “A única coisa que comecei a
fazer por mim, sem ajuda médica, foi viajar. Já que eu iria morrer mesmo, faria o que
sempre quis fazer e planejei um bate e volta em 2017 para Angra dos Reis. Quando
voltei comecei a ver as coisas por outro ângulo. Aí fui me sentindo mais confiante”
(sic). L. relata ainda que essa confiança adquirida a ajudou a diminuir os sintomas
mais graves da doença e quebrar o ciclo de internações.
Outro tema abordado na entrevista foi o que L. acredita ser saúde e doença e
a resposta expôs que saúde seria não ser internada todos os meses, ficar mais
tempo em casa, controlar suas próprias angústias sem necessidade de mediação
psiquiátrica, manter um peso saudável, e conseguir almoçar com os amigos sem ter
medo de voltar a ser surpreendida ao ter diarreia. Por outro lado, para ela a doença
seria voltar ao momento mais crítico que já houve em seu quadro.
Apesar de mostrar que ainda sofre com a doença, ao ser questionada em
como pensa que a psicologia poderia ajudá-la, L. acredita que isso deveria ter
acontecido apenas no passado assim que esse ciclo foi iniciado; diz ainda que
psicólogos poderiam tê-la ajudado a entender, como também lidar com a doença e
com todas as questões que a cercavam além do diagnóstico; todavia isso deveria ter
acontecido antes da notícia de sua enfermidade ter sido dada de maneira leviana e
todo o processo ocorrer sem o acolhimento necessário.
No entanto, ao ser questionada se houve necessidade de apoio psicológico
em algum momento, percebe-se L. um pouco mais pensativa e a resposta foi de que
sim em 2017, a fim de ajudá-la em sua crise mais grave junto às ideações suicidas.
Expõe ainda que ajuda psicológica poderia ter sido bastante efetiva; e conta
que nessa época teve ajuda psiquiátrica pois, além de todas as questões
envolvendo a enfermidade, L. foi refém de assalto dentro de um ônibus; o que,
segundo relata, a deixou paranoica.
“Já estava bem abatida em 2017, pensando em morrer, quando fui refém num
assalto de ônibus e fiquei paranoica. Achava que todo mundo ia me assaltar e não
conseguia sair de casa. Então a secretaria da saúde me encaminhou ao psiquiatra e
tomei remédios por seis ou oito meses. Depois de um tempo, voltei a viajar e
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passou. Hoje me sinto bem, porém ainda preciso de apoio, não nego, mas não sinto
vontade de morrer como antes.” (sic)
Nesse momento, a estagiária informa que no momento de ideação suicida,
existe o Centro de Valorização da Vida através do número 188 como também que
ajuda psicológica não existe apenas para pessoas com transtornos mentais, mas
também para indivíduos que queiram trabalhar autoconhecimento, entendimento de
questões da vida, sofrimento, entre outros.
Mudando um pouco o assunto, foi questionado como é o acolhimento que L.
tem pelos profissionais da área da saúde e se existe um sentimento dela como um
ser bio-psico-social. Os fatos dados foram que não existe sentimento de acolhimento
bem como L. nota que é apenas um diagnóstico, além disso, se sente excluída
quando diz que tem uma doença auto imune e intestinal, como se portasse uma
doença altamente contagiosa. Ainda nesse tema, foi perguntado se essa falta de
acolhimento e empatia implica na aceitação que L. tem ao tratamento, a resposta foi
de que ela entende que os profissionais da área da saúde estão apenas fazendo seu
trabalho, logo procura sempre fazer a parte dela para diminuir o tempo em que terá
que estar no hospital.
Ainda sobre o relacionamento paciente-hospital, a estagiária perguntou se em
algum momento L. entendeu que havia necessidade de mediação de um psicólogo
juntamente aos profissionais que realizaram seus atendimentos e foi exposto que
sim, pois não se sentia respeitada. Segundo ela, “Basta contar da doença pra iniciar
um longo e detalhado discurso de como tudo é minha culpa” (sic). Contudo, L. conta
que houve uma médica que a ajudou com sua saúde emocional quando numa
conversa, disse que se trata de uma doença como qualquer outra; é relatado que
essa fala trouxe uma tranquilidade para L. por naquele momento não se sentir
culpabilizada ou ter sido rotulada por um profissional da área da saúde.
Rumo ao final da entrevista, foi perguntado como é a relação de L. com sua
família e comunidade. L. conta que sua mãe se desesperou e, por outro lado, suas
irmãs julgavam sua enfermidade como uma maneira de chamar atenção.
Quanto aos amigos, relatou que o fato de não poder comer de tudo ou ir a
qualquer lugar é um agravante para o convívio social, logo, tem poucos; L. também
diz ser alvo de piadas preconceituosas e por vezes, vê seu quadro de saúde tratado
como frescura. Por outro lado, com o avanço das redes sociais, L. aponta ter
encontrado comunidades de outras pessoas na mesma situação e feito amizade, diz
ainda que esse ponto tem sido de grande apoio, pois ali consegue estar num
ambiente sem julgamentos.
L. afirma não saber como essa trajetória teria sido com intervenção
psicológica, mas que talvez fosse mais fácil pois afirma que “Ao que parece quem
luta contra uma doença que envolve intestino e fezes, não merece respeito. Parece
que sempre é motivo de piada, então acabo por evitar procurar ajuda fora das
amizades que tem o mesmo diagnóstico, pois realmente não me sinto acolhida e
respeitada.”
A estagiária se despede, reforça as indicações do Centro de Valorização da
Vida e plantões psicológicos em faculdades e terapia, depois disso agradece o relato
dado.
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3 – ANÁLISE

A doença de Retocolite Ulcerativa (RCU) é uma enfermidade intestinal e


crônica, que age causando inflamações no intestino, cólon e reto. Segundo o
Ministério da Saúde (Prado, Gadelha & Santos, 2020), os sintomas associados
costumam ser diarreia, dores abdominais e hemorragia retal; em casos mais graves
é acompanhada de perda significativa de sangue, anemia, emagrecimento e febre.
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Outra questão investigada, são aspectos psicológicos frequentemente


apresentados em pacientes com RCU. Um estudo feito pela Universidade Católica
de Campinas (Guimarães & Yoshida, 2008) aponta que 92% de pacientes nessas
condições apresentam algum grau de Alexitimia, englobando dificuldades para
reconhecer e manifestar emoções, irritabilidade, estresse e rigidez. Além disso,
pacientes com doenças inflamatórias intestinais apresentam maior risco a
desenvolver ansiedade, depressão e transtorno somático (Whitehead, 2002),
existindo riscos ainda maiores para transtorno de pânico e transtorno de ansiedade
generalizada. (Lydiard, 1992)
Na pergunta inicial, L. traz à tona sua trajetória de vida depois do
aparecimento dos primeiros sintomas, nesse primeiro momento é possível identificar
alguns pontos causadores de sofrimento:
a) Demora no diagnóstico
b) A maneira pela qual esse diagnóstico foi dado
c) Sentimento de falta de acolhimento pelos profissionais da área da saúde
d) Probabilidade de que L. não conseguisse sobreviver a doença
e) Chances altas de ter câncer
f) Exclusão social
Segundo uma pesquisa apresentada pela Associação Brasileira de Colite
Ulcerativa e Doença de Crohn (MACHADO,2017), 41% dos pacientes recebem o
diagnóstico a partir de 12 meses após o aparecimento dos sintomas. Quando
questionada sobre o que L. esperava em seu tratamento, não são comentados
pontos esperados, como por exemplo o acolhimento; ao invés disso, L. relata
almejar apenas um diagnóstico mais rápido.
É possível realizar um comparativo a obra principal de Seligman e Maier (1967)
que realizaram um estudo pioneiro conhecido como “O desamparo aprendido”, onde
dois grupos de cães foram separados e submetidos a choques; no entanto um grupo
podia interromper o sofrimento ao apertar uma barra com o focinho (controlável)
enquanto um recebia choques independente do que fizesse (incontrolável); ainda
houve um terceiro grupo não recebeu choques. O segundo passo do estudo foi
mudar a condição dos choques, todavia nesse momento, percebeu-se que o grupo
incontrolável deixou de responder; esse grupo de cães não tentava mais parar os
choques, apenas os aceitavam de forma passiva. A tese do estudo é de que a falta
de controle sobre a situação aversiva foi o fator determinante para o estado
depressivo dos cães no segundo grupo, e não os choques.
Esse mesmo fenômeno comportamental é apresentado em determinados
momentos por L. ao lidar com o fato de que, independente dos médicos que
consultava e tratamentos que fizesse, não havia mudança em seu quadro de saúde,
ou sequer um diagnóstico. Logo, o padrão de deixar de responder ao perder a
esperança começou a aparecer quando L. desistiu do tratamento e teve que ser
levada ao hospital compulsoriamente, além disso, abandonou a intervenção médica
por vários momentos.
Outro fator de sofrimento apontado, foi a maneira que L. relata ter vindo a
conhecer sua doença. Segundo ela, a notícia foi dada no corredor de emergência do
SUS, de maneira apressada, sem certeza do diagnóstico e aparentemente sem a
sensibilidade necessária. Uma das ferramentas que poderiam ter sido utilizadas
para dar a notícia é o Protocolo Spikes; trata-se de um grupo de passos propostos
pelo ministério da saúde (Penello, Lugarinho & Magalhães, 2010) com as seguintes
etapas:
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a) Planejando a Entrevista (S – Setting Up the Interview)


Ensaiar mentalmente a maneira de dar a notícia.
b) Avaliando a Percepção do Paciente (P – Perception)
Fazer perguntas sobre o que o paciente entende de seu quadro de saúde,
para moldar as respostas à maneira que dará a notícia.
c) Obtendo o Convite do Paciente (I – Invitation)
Buscar entender como o paciente gostaria de receber a notícia.
d) Dando Conhecimento e Informação ao Paciente (K - Knowledge)
Antes de dar a notícia, buscar introduzir o fato de que ela não será positiva,
usando “Infelizmente...”, “Sinto informar que...”
e) Abordar as Emoções dos Pacientes com Respostas Afetivas (E – Emotions)
Oferecer solidariedade e buscar preparação para o que o paciente vier a
manifestar quando receber a notícia
f) Estratégia e Resumo (S – Strategy and Summary)
Apresentar opções de tratamentos disponíveis e discutir possibilidades.
Segundo o ministério da saúde (Penello, Lugarinho & Magalhães,
2010), desde 2005 existem grupos que realizam capacitação e sensibilização
para o método Spikes com determinados profissionais da área da saúde para
que notícias difíceis sejam dadas corretamente.
Outro causador de sofrimento foi a notícia de que existia a
possibilidade de L. não sobreviver à RCU. Analisando o depoimento, é
possível ver o sofrimento não dito na maneira em que L. deixa de se
aprofundar no tema. Ao ler a narrativa é possível notar que L. somente fala
essa informação no meio de uma frase e logo muda de assunto dizendo que
começou ser medicada e atualmente está melhor.
Além disso, uma questão observada é a maneira como L. conta que
soube da possibilidade de não sobreviver ao tratamento. Ao falar disso, não
se via mais aquela entrevistada que passou um bom tempo contando
detalhadamente sobre sua dor física; mas sim, uma posição mais rígida que
fala algumas palavras a respeito da notícia que poderia morrer e em seguida
muda de assunto, sem deixar que a entrevista se aprofunde em sua dor
emocional.
Nesse momento é possível enxergar um sofrimento mais profundo e
não dito, que pode ser analisado como manifestação Alexitimia citada
anteriormente como um sintoma frequente em pessoas com RCU. Esse ponto
de partida explicaria a maneira superficial de L. ao abordar um tema tão
sensível como uma dificuldade de expressar e lidar com estes sentimentos e
lembranças relacionadas ao momento supracitado.
Outro ponto de vista complementar poderia ser embasado no fato de
que a Revista Paulista de Enfermagem (Possari, Silva & Susaki, 2006)
levanta a ocorrência de que 92% de pessoas com doenças em estado
terminal, também viverem as fases do luto.
Seria possível concluir que L. estaria manifestando a fase da negação
(KÜBLER-ROSS, 2008), pois o luto também pode estar ligado ao luto da
saúde. Pacientes nesta condição de forma geral, agem como se não
houvesse preocupação, não procuram ajuda, apenas desprezam a notícia e
seguem suas vidas. Essa visão vem de encontro ao fato de L. não querer
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falar sobre como teve que lidar com a notícia de que podia morrer, como
também poderia explicar parte do processo de múltiplos abandonos ao
tratamento relatados ao longo da entrevista. Mais a frente é possível perceber
esse mesmo comportamento de negação apresentado pelas irmãs de L. que,
conforme relata, não dão a devida importância à doença e a tratam como se
fosse algo supérfluo.
Ao longo da escuta, L. trouxe a intenção de se suicidar, que ocorreu
perante o seu sentimento de frustração, impotência e de desânimo diante da
sua rotina de tratamento e dos relatos médicos, trazendo sofrimento pelo que
desconhece. De acordo com Botega (2010), cerca de 97% dos casos de
ideação suicida, trata-se de um marcador de sofrimento psíquico ou por
transtornos psiquiátricos.
Ainda assim, para Bertolote (2010), os comportamentos suicidas não
instituem especificamente como uma doença, embora em momentos este
comportamento esteja associado a diversos transtornos mentais, como por
exemplo os transtornos do humor, os transtornos por uso de substâncias, a
esquizofrenia, sendo os transtornos de personalidade como um dos mais
frequentes.
“No fim das contas, todos esses transtornos e essas doenças representam
um risco potencial de comportamentos suicidas” (BERTOLOTE, et al, 2010,
p.08)
Outro tema levantado foi que de acordo com o Associação Brasileira de
Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (Machado & Viena, 2017) existe alto
risco de que pessoas com doenças intestinais inflamatórias desenvolvam
câncer de cólon; esse dado vem de encontro com outro fato citado de
maneira superficial por L., o de que poderia vir a desenvolver câncer. Partindo
desse ponto, é possível pressupor uma desesperança de L. apoiada no fato
de que em todo esse tempo não houve acompanhamento psicológico.
Apesar de se retrair no processo de questionamento relacionado à
incerteza que tinha sobre o futuro, L. aparentou estar mais aberta para falar
sobre o sofrimento emocional relacionado a exclusão social,
De acordo com relato dado, é possível partir do ponto de que houve um
sofrimento relacionado à socialização, pois L. relata que é alvo de piadas
preconceituosas, por vezes, seu quadro é tratado como frescura. Nota-se que
essa questão está começando a ser mais notada e ganha mais consciência,
uma vez que L. começou a se relacionar com mais pessoas que
compartilham de seu diagnóstico e declara estar se beneficiando de
relacionamentos sem julgamentos.
Outros relatos como esse são compartilhados no estudo “Jornada do
Paciente com doença inflamatória intestinal” (MACHADO, 2017), apontando
para 78% dos pacientes com doenças inflamatórias intestinais apresentando
interferências em suas relações sociais desde o aparecimento dos sintomas.
No estudo, uma das falas é citada:
“Alguns sonhos que eu tinha foram deixados pra trás (...). Você
volta e meia tá no hospital, não tem uma vida social tão livre, pra ter
muita coisa marcada. Se vou fazer um curso, vai que naquela semana
11

eu entro em crise, então eu perco o curso... essa doença dificulta


bastante. ”
(Fase 2, paciente de doença de Crohn, 36 anos)

Na pergunta seguinte, foi levantado o conceito de saúde e doença para L. e a


resposta dada remete majoritariamente a aspectos físicos, porém, logo após é citado
que L. gostaria de controlar suas angústias. Uma vez que a Organização Mundial de
Saúde (WHO, 1946) define saúde como a realização completa de bem estar físico,
mental e social; as expectativas de L. quanto à sua saúde física podem
corresponder a um dos aspectos de saúde.
Por outro lado, a visão de saúde emocional e social, para L. parece estar
ligada ao controle de suas angústias sem mediação e intervenção de outros
profissionais. Esse ponto de vista vem de encontro à definição de regulação
emocional, que se trata da habilidade de regular emoções e seu reflexo no
comportamento através de estratégias aprendidas (Ochsner & GROSS, 2005).
Contudo, para que a regulação emocional seja possível, é necessário que se
tenha consciência das emoções disfuncionais como também do ambiente em que
essas emoções se manifestam; para então aplicar estratégias de regulação
emocional. É estabelecido que a efetividade do processo seria muito melhor com a
intervenção de um profissional da área de psicologia para auxiliar no processo de
psicoeducação e regulação emocional (BECK, 2013)
Ainda a partir da visão de L. sobre a questão citada, é necessário investigar
se a regulação emocional seria suficiente para que houvesse saúde emocional.
Craske (2011) apresenta o estudo “Um tratamento cognitivo-comportamental para a
síndrome do intestino irritável usando a exposição a sensações viscerais”, onde
aponta ansiedade e estresse como fatores que atuam diretamente nos sintomas
físicos em pacientes com Síndromes intestinais.
Além disso, a OMS (WHO, 1946) traz uma definição de saúde emocional
como “um estado de bem-estar onde o indivíduo realiza suas próprias habilidades,
lida com os fatores estressantes normais da vida, trabalha produtivamente e é capaz
de contribuir com a sociedade”. Logo, é possível afirmar que apenas o controle das
angústias supracitado poderia não ser suficiente para sua saúde emocional.
Ao tratar de saúde e doença, é necessário que exista uma visão
biopsicossocial do indivíduo; o que L. relata não ter ocorrido em seu caso, inclusive
a percepção da entrevistada era de ser apenas um diagnóstico no hospital, o que se
agravava quando dizia qual era sua enfermidade.
A revista Psychology Research and Behavior Management (Kinsinger, 2017)
aborda uma possibilidade de olhar o paciente com doenças de irritação intestinal no
modelo biopsicossocial:
a) Biologia: pré-disposição genética, inflamações, dores e alterações
intestinais.
b) Processos cognitivos: ansiedade visceral, habilidades de enfrentamento,
desregulação cérebro-intestino.
c) Ambiente: momentos estressantes e traumas.
A tese apresentada na revista é a de que fatores psíquicos influenciam
diretamente nas crises como também de que existem uma conexão direta entre
cérebro e sistema intestinal.
No caso analisado, é possível atrelar tal tese de equilíbrio emocional à
diminuição dos sintomas quando L. aponta ter melhorado após ter começado a
viajar. Aparentemente, nesse momento houve uma queda no estresse como
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também L. teve a sensação de que estava novamente no controle de sua saúde. No


entanto, o benefício colhido das viagens acabou não se mantendo ao longo do
tempo por não se tratar de um acompanhamento realizado por profissionais
especializados.
Ainda segundo aponta a revista Psychology Research and Behavior
Management (Kissinger, 2017), pacientes na condição de L. tem apresentado
melhora com acompanhamento terapêutico, não só psicologicamente, mas também
na diminuição de sintomas intestinais. Outro dado apresentado foi que independente
de melhora psíquica, pacientes com síndromes intestinais apresentam melhora dos
sintomas físicos com intervenção terapêutica.
Abordando sucintamente a intervenção ideal para a trajetória de L., nota-se
ser necessária mediação de um psicólogo hospitalar desde o início para ajudá-la a
lidar com suas angústias, como também proporcionar o melhor ambiente possível
para sua evolução.
Partindo da visão Cognitivo Comportamental, levantam-se hipóteses de que
seria importante se aprofundar mais na história de L. e entender as distorções
cognitivas que possam impactar em seu quadro atual, como também o que a levou a
ter ideações suicidas.
Esse trabalho poderia vir de encontro a: relaxamentos progressivos para
controle de estresse, comunicação assertiva para ajudá-la a lidar com julgamentos;
dessensibilização sistemática para intervir no seu episódio de fobia causado pelo
assalto do qual L. foi refém, regulação emocional e psicoeducação para seu quadro
de uma forma geral. (Pereira, 2010)
Num contexto ideal, seria recomendado também que a família realizasse
acompanhamento terapêutico, pois segundo apontam António (2010) e Machado
(2009), existe uma relação importante entre a saúde e a família, podendo o paciente
ser beneficiado com um melhor acolhimento, apoio e aceitação.
Conforme a maneira inapropriada que L. apontou ser tratada por profissionais
da área da saúde em diversos momentos, pode-se analisar a necessidade de haver
uma melhor capacitação dos mesmos e a presença e intervenção de equipes
multiplicadoras da comunicação terapêutica, que constituiria uma escuta ativa e
observação sem julgamentos (KONDO, 2011). Esse dado vem de encontro a uma
parte da entrevista em que L. relata ter sido ajudada emocionalmente por uma
médica que afirmou que RCU é uma doença como qualquer outra, remetendo-se tal
fala ao ambiente livre de julgamentos necessário no restante do tratamento de L.
A partir dos dados analisados, fica estabelecido que apesar de
aparentemente não sofrer de um transtorno psicológico, L. poderia ter tido
acompanhamento com psicólogo hospitalar desde o início, pois "a psicologia
hospitalar não trata apenas das doenças com causas psíquicas, denominadas
"psicossomáticas", mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer doença",
uma vez que "toda doença se encontra repleta de subjetividade, e por isso pode se
beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar" (Simonetti, 2004, p. 15).
13

4- REFERÊNCIAS

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Crohn e retocolite ulcerativa inespecífica: alexitimia e adaptação. Psicol. teor. prat.,
São Paulo , v. 10, n. 1, p. 52-63, jun. 2008 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
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Disponível em < https://abcd.org.br/wp-
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Yano, Yuristella & Hunziker, Maria. (2010). Desamparo aprendido e imunização com
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14

Peterson, C., Maier, SF, & Seligman, MEP (1993). Desamparo aprendido: uma teoria
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