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O presente trabalho tem por objetivo introduzir uma reflexão sobre o modo pelo
qual a inserção do tempo acontece na cronofotografia, e, não somente, demonstrar o valor
estético e as implicações paradoxais de tal inserção. Para tal, reter-nos-emos, primeiramente,
no sentido de uma explanação dos seguintes termos: anamorfose e cronotopo. Faremos,
adiante, uma tentativa de esboçar um possível paralelismo entre a arte e a ciência no que tange
o valor poético-estético da anamorfose cronotópica.
O cronotopo, por sua vez, é o termo que designa espaço-tempo. Se faz importante
a ênfase em tal termo, uma vez que este verbaliza o entrelaçamento entre tempo e espaço.
Para que, enfim, façamos uma investigação mais precisa, tratemos, portanto, da anamorfose
cronotópica, isto é, a deformação da figura através do movimento (ou, melhor, através da
materialização do tempo no espaço). Tendo isso como objetivo, abordaremos a maneira pela
qual as anamorfoses cronotópicas foram inseridas na história da arte, selecionando, assim,
artistas que se utilizaram da cronofotografia para obter ou uma fuga do clichê realista, e,
noutra ocasião, como no caso dos cientistas, com o fim de obter um gráfico do movimento (se
este é estético ou não, nos caberá dizer posteriormente).
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É interessante ressaltar que desta provável anamorfose cronotópica involuntária, surgira um
novo método de se representar a velocidade em desenhos, utilizado por desenhistas e artistas
gráficos.
animalidade retratada, podem ser ditas como um manifesto contra a busca pelo repouso dos
corpos, e, não somente, um grito em prol do movimento e do percurso do corpo no espaço.
Nota-se que todos os esforços do positivismo tecnológico se dão, todavia, no sentido da
privação de tais efeitos anamórficos, tendo em vista a busca pelo repouso e a eliminação do
tempo, uma busca pela manutenção do paradigma realista da fotografia, isto é, pelo clichê. Ao
passo que artistas como Fontenoy ressalvam o poder de criação da arte e afirmam o valor
estético das anamorfoses na fotografia contra as tentativas de clichetização do fazer
fotográfico.
Dado, portanto, que devemos abordar aqui as imagens que trabalham de fato com
a anotação do movimento, isto é, com a intenção de retratar o deslocamento dos corpos no
espaço, cabe-nos explorar, pois, os fazeres nos quais tais intenções estiveram mais fortemente
presentes e declaradas. Étienne-Jules Marey foi fisiologista e, segundo Arlindo Machado,
positivista de formação2; o fim de
seus trabalhos e experiências se
dava sempre no sentido de uma
compreensão científica dos
corpos. Os trabalhos de nosso
interesse são, todavia, aqueles
voltados à compreensão do
movimento dos corpos no espaço.
Que fique claro, no entanto, que, mesmo o método de Marey sendo considerado
um dos pilares para o desenvolvimento da imagem cinematográfica, o fisiologista francês
possuía grande aversão à ideia de que, ao invés da superposição das imagens dos corpos, fosse
feito um desenrolar das imagens com o fim de tornar a figura móvel, gerando, assim, a ilusão
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MACHADO, Arlindo. 1993, pg. 9
do movimento própria da produção cinematográfica. O desenrolar das imagens seria, para
Marey, um inútil passo em direção à representação do mundo em displays.
Pode ser dito, visto que há no fazer científico de Marey uma clara aversão ao que
chamamos de clichê, que o antirrealismo, ou, mais propriamente, o antinaturalismo, não
parece ser próprio, unicamente, do fazer artístico, sendo ele, também, do fazer científico,
como nos evidencia a pesquisa de Marey. Pomo-nos, portanto, num problema que fora talvez,
até o momento, silenciado: a preocupação estética (que foge ao escopo das ciências práticas e
úteis) existente no fazer científico de pesquisadores como Marey.
Referências Bibliográficas:
MACHADO, Arlindo. Anamorfoses cronotópicas ou a quarta dimensão da
imagem. In: [S.l: s.n.], 1993.