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Estratégia e Diplomacia ou
l. Clausewitz. I. I: p. !j J.
2. Ibidem. p. 5 J.
:t Ibidl'1l1. p. 5:~.
70 Raymond Aron
4. Ihid(JI/I, p. !)~.
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(l. Ihidel/l, pp. !)!)-!)().
7. A preparaçél0 para unl encontro único e decisivo levaria à guerra absoluta, segundo
Clausewitz. No século XX, tenle-se que as arnlélS nH>dernas crienl tal silltação, o que
Ilunca ocorreu até o presenle~
Paz e Guerra Entre as Nações 71
H. Ibidnll. p. 65.
9. Ibidnll, p. 67.
72 Raymond Aron
dos, mas que eram tolos demais para perceber isto. Contudo, não se consi
derar vencida era para a Inglaterra a condição prévia do êxito final. Cora
gem ou inconsciência? Pouco importa. O importante era a resistência da
vontade inglesa.
Na guerra'absoluta, na qual a violência levada ao extremo força a des
truição de um dos adversários, o elemento psicológico termina por se des
vanecer. Mas este é um caso extremo. Todas as guerras reais nos mostram
o confronto de coletividades, no qual cada uma delas se une e se manifesta
com uma vontade. Deste ponto de vista, todas as guerras são psicológicas.
dos aliados, o triunfo das armas só acidentalmente será uma vitória autên
tica, isto é, uma vitória política.
ções a Oeste, as forças alenlãs poderiam fazer uma ofensiva no Leste, con
seguindo vantagens que convencessem os Aliados a negociar.
Hindenburg e Ludendorff escolheram o outro termo da alternativa.
Até a primavera de 1918, o exército alemão tentara forçar uma decisão.
Em 1917 a Rússia tinha sido posta fora de combate; as forças norte-ameri
canas chegavam à Europa; a relação de forças, que ainda era favorável aos
Impérios Centrais no início de 1918, deveria tornar-se cada vez mais desfa
vorável. O alto comando alemão tentou alcançar a vitória antes da entrada
em ação do exército norte-americano, ainda intacto e de efetivo inesgotá
vel. Os historiadores, como os estudiosos em geral (antes de todos, H. Del
brück), já se perguntaram se essa estratégia de aniquilamento, antes de
1917, 'não constituía um erro. Os responsáveis pela guerra deveriam talvez
economizar os seus meios, limitando as perdas da Alemanha a fim de
manter o mais longamente possível a esperança de que os Aliados abando
nariam a luta, contentando-se com uma paz negociada. Não querendo im
por uma derrota ao inimigo, a estratégia poderia ter procurado convencê
lo também a renunciar à sua ambição de vitória, por meio de uma série de
êxitos defensivos.
Um exemplo mais marcante desta dialética da vitória e da não-derrota
nos é dado pelo Japão, em 1941. Por que razão o império nipônico, enga
jado havia anos numa guerra interminável contra a China, assaltou todas
as posições européias no Sudeste asiático, desafiando simultaneamente a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos, quando o Japão produzia apenas sete
milhões de toneladas de aço por ano e os Estados Unidos mais de dez vezes
essa quantidade? Qual teria sido o cálculo dos dirigentes japoneses, res
ponsáveis por tão extravagante aventura?
O cálculo era o seguinte: graças ao ataque de surpresa contra Pearl
Harbor, a frota japonesa teria, durante alguns meses, o domínio dos
Olares, pelo Olenos até a Austrália. O exército e a aviação poderiaol con
quistar as Fi1ipinas, a Malásia, a Indonésia e talvez também os postos avan
çados norte-americanos no Pacífico (Guam). Dono de imensa região, rica
nas principais matérias-primas, o Japão poderia se organizar e preparar
sua defesa. Nenhum dos generais ou almirantes mais exaltados imaginava
a entrada de tropas nipônicas em Washington e a imposição soberana da
paz, depois de uma vitória que aniquilasse os Estados Unidos. Os gover
nantes japoneses que assumiram a responsabilidade pela guerra pensa
vam poder resistir à contra-ofensiva norte-americana o tempo suficiente
para cansar a vontade inimiga de vencer (a qual, segundo acreditavam,
devia ser fraca, num país democrático).
A história mostrou que o cálculo era duplamente falso: em quatro
anos, os submarinos e aviões norte-americanos destruíram quase toda a
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des sem armas nas mãos só são irresistíveis quando os donos do poder não
podem ou não querem se defender. No século passado, e neste, o exército
russo restaurou eficazmente a "ordem" em Varsóvia e em Budapeste.
14. Salvo talvez a proposta do general Yamamoto de ir ainda mais longe na aventura
inicial, tentando a ocupação de Pearl Harbor.
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franceses, no meio do século XX, seria necessário que não pudessem nem
nlesnlO sonhar conl uma nação argelina, esquecendo as testemunhas
Uq"ue se fizeranl 11latar".
É possível que alguns franceses quisessem isto: a realidade, porém, é
menos lógica e mais humana. O poder colonial concebe várias formas de
retirada, cujas conseqüências não são equivalentes. Algumas dessas for
mas passam a ser consideradas, eventualmente, como preferíveis à manu
tenção pela força. Os interesses metropolitanos serão mais ou menos pre
servados, de acordo com os homens que vão exercer a autoridade na
ex-colônia. Desde logo, o poder colonial não enfrenta um inimigo único,
claramente definido, o nacionalista; na verdade ele deve escolher e delimi
tar o seu inimigo. Na Indochina, por exemplo, a estratégia ocidental pro
vavelmente não deveria ter estabelecido como inimigo o nacionalista hostil
ou indiferente ao comunismo, mas apenas o nacionalista-comunista. Esta
escolha teria significado que a França não considerava a independência
dos Estados associados como fundamentalmente contrária aos seus in
teresses. Teria sido possível talvez ganhar a guerra separando os comunis
tas dos nacionalistas e atendendo as suas reivindicações essenciais.
Nas guerras subversivas, a partir de 1945, a potência colonizadora en
contrava regularmente três tipos de adversários: os comunistas, os nacio
nalistas intransigentes (que queriam a independência) e os nacionalistas
moderados que aceitavam o gradualismo e às vezes se contentavam com a
autonomia. Mesmo entre os intransigentes, havia quem aceitasse a cola
boração com o Estado colonizador. Os extremistas a curto prazo eram al
gumas vezes moderados a longo prazo. De acordo com as alterações da
conjuntura e as intenções dos colonizadores, os três grupos uniam-se ou
separavam-se. Quando a potência colonizadora renunciava à sua sobera
nia, restavam apenas, como inimigos, os comunistas e os nacionalistas que
preconizavam a ruptura com o Ocidente. Assim, o rei Mohammed V,
Burguiba, o Istiqlal e o Neo-Destour podem ser, hoje, líderes políticos de
Estados amigos. Uma vez mais, o inimigo de ontem é o amigo de hoje: não
pode haver uma política razoável sem a capacidade de esquecer.
Difundiu-se a convicção de que a vitória dos nacionalistas estava escri
ta no livro do destino, que seria uma conseqüência do determinismo da
história. Foram muitas as causas que asseguraram a vitória dos revolucio
nários africanos e asiáticos sobre os impérios europeus. Contudo, no plano
da análise formal, uma observação impõe:se: a desiguald'ade de forças ma
teriais. Essa assimetria da vontade, dos interesses e da animosidade no diá
logo belicoso dos colonizadores e dos rebeldes foi a origem última daquilo
que os autores franceses chamaram de "derrotas do Ocidente".
Hoje, bastaria a vontade para deter o progresso dos movimentos
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19. Uma possibilidade teórica que deixou de existir com a ascensão de Hitler.
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recursos num teatro que tinha importância secundária para ela e para o
Ocidente, de modo geral.
Mais justificável, deste ponto de vista, foi a transferência para a Ar
gélia do grosso do exército francês. Não há dúvida de que a coalizão da
OTAN está enfraquecida. Na medida em que não temem o nacionalismo
argelino, os outros Estados ocidentais se inclinam a criticar a França por
não çontribuir para as forças da Organização com os elementos prometi
dos e por comprometer as relações entre o Ocidente e o mundo islâmico.
Mesmo se tais críticas fossem fundadas, do ponto de vista da aliança, isto
não significaria que a decisão francesa fosse um erro. De fato, o enfraque
cimento da OTAN nada acrescenta, de modo sensível, ao perigo de guer
ra na Europa e a transferência do exército francês para a Argélia aumenta
a possibilidade de manter a soberania do país ao sul do Mediterrâneo. Se
esta manutenção da soberania francesa na África tivesse importância vital,
o engajamento do grosso das forças da França na Argélia seriajustificável,
mesmo que desagradasse aos outros membros da Aliança.
O perigo está em que todos os aliados podem repetir esse raciocínio,
terminando por ajudar o inimigo. Tem toda razão o neutro, que deseja
ver um dos campos como vencedor, mas que age na suposição de que os
sacrifícios a fazer com a sua intervenção não acrescentariam substancial
mente às forças do lado para o qual pende. Mas é preciso que esta posição
não faça escola. Senão, restaria apenas um país para assumir o ônus da
ação indispensável: o líder da coalizão, o único a confundir os interesses
coletivos com os seus próprios.
A escolha a ser feita por cada um dos aliados, do tipo e grau de contri
buição a dar à Aliança, tornou-se nos últimos anos ainda mais difícil, de
vido à alternativa das armas atômicas e armas convencionais. Muitos países
querem ingressar no "clube atômico"; com a expansão das armas atômicas
e seus vetores, qual será o papel reservado às armas convencionais? O pró
prio sentido da escolha torna-se equívoco': as armas nucleares protegerão
a França de uma possível agressão, ou de uma possível chantagem
soviética? Reforçarão a posição da França dentro da Aliança Atlântica?
A unidade da política, abrangendo a paz e a guerra, a diplomacia e a
estratégia, exclui a solidariedade total dos aliados. Só um milagre asse
guraria a coincidência de todos os interesses de todos os aliados. A força de
uma coalizão é sempre inferior à soma das forças de que ela teoricamente
dispõe.
O primado da política é uma proposição teórica, não um conselho de
ação. Mas esta proposição teórica tende a fazer mais bem do que mal, se se
admite como desejável a diminuição da violência.
O primado da política permite, de fato, frear a escalada aos extremos,
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