Matrícula: 2020052045 Data: 08/11/2021 Disciplina: Psicopatologia Geral I - Teórica Professor: Antonio Marcio Ribeiro Teixeira
Fichamento Introdução à psicopatologia lacaniana
Com o objetivo de introduzir a psicopatologia, os autores elegem o estudo histórico do
surgimento da clínica para iniciar a contextualização de seus debates. Atrelando o discurso científico do século XVIII ao nascimento da clínica médica focada na experiência, no método e na linguagem, atenta-se à inserção da psiquiatria em tal conjuntura. É a partir disso que se estabelecem as bases de um conhecimento empírico, ou seja, fundamentado na observação dos fenômenos pela percepção dos sentidos. “No limite, o objeto é a única fonte do conhecimento; toda a justificação do conhecimento deve repousar, em última análise, em sensações objetivas” (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 30). Assim, é apoiado no empirismo que os primeiros clínicos estabelecem sua análise, futuramente herdado por Philippe Pinel ao instituir sua visão sobre o assunto. Além disso, ele ainda abraça a perspectiva nominalista de Condillac que afirma a inexistência real das ideias e conceitos definidos na mente, não passando de nomes, sustentado na linguagem “Tal concepção pressupõe, ainda, que a armadura do real é delineada segundo o modelo da linguagem, que um e outro possuem estatuto análogo, isto é, discursivo” (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 30). Em contrapartida, Bichat se apartou das ideias de Pinel e enraizou-se no método anátomo-clínico que valorizava a análise, estipulada na medicina científica, não mais focado no discurso, mas sim nos fenômenos reais. Por tal motivo, Philippe sofreu duras críticas ao ser inflexível e não reconhecer as descobertas da anatomia patológica, assim, fundou a psiquiatria nas suas ideias sobre o discurso/linguagem ligando-a às alienações mentais. Portanto, é duvidando do método anatômico que ele posiciona-se no funcionalismo, ao afirmar a primariedade do distúrbio funcional do sistema nervoso central. Nesse contexto, estipula-se a “clínica psiquiátrica clássica que se estende de Pinel a Clérambault (1872-1934)” (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 32). Discípulo de Philippe, Esquirol, é considerado como um dos maiores clínicos da histórica ao manter-se funcionalista e ser capaz de reconhecer a importância do anatomismo, “posição eclética”. Posteriormente, Griesinger, dotado de um anatomismo radical, insere na psiquiatria clássica um desejo de se juntar ao método da medicina, transformando-a em organicista. Contudo, tal aspiração a confundiria com a neurologia se efetivada, o que a aproximou ainda mais do universo da linguagem, focada na classificação e descrição dos quadros clínicos das doenças mentais, “baseada numa fenomenologia rudimentar” (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 34). Com a determinação das bases científicas da medicina “o estabelecimento do normal e do patológico em sólidas bases biológicas, isto é, em bases clínicas, anatômicas e fisiológicas” (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 35), a psiquiatria chega a conclusão de que não poderia se apoiar nas mesmas bases, uma vez que seu objeto de estudo não apresenta a mesma linearidade de causalidade orgânica da medicina, argumento apresentado por Karl Jaspers. Sob essa conjuntura, no início do século XX, o debate da divisão dos campos de conhecimento entre ciências da natureza e ciências humanas organiza duas linhagens, a primeira norteada pelas leis dos fenômenos físicos buscando explicá-las e a segunda voltada à compreensão dos assuntos relativos ao homem. Por ser contemporânea à constituição da psiquiatria e do surgimento da psicanálise, tal discussão é abordada por Freud e Lacan que a caracteriza, respectivamente, como “inepta e nefasta” por ser necessário recusar a compreensão, aqui formalizada como uma relação de empatia, para distanciar-se do delírio desse entendimento da compreensão (Barreto F. P. & Iannini G., 2017). Nesse discurso cientificista a medicina abre mão da subjetividade, já a psiquiatria entrelaçou-se ao estudo da subjetividade dos pacientes, constituindo como uma disciplina híbrida (científico-natural e histórico-cultural). Sob essa ótica, Karl Jaspers publica em 1913 a Psicopatologia Geral que aplica o método fenomenológico e insere a psiquiatria na diferença entre explicar e compreender. Prosseguindo na linha histórica, a partir da segunda metade do séc. XX verifica-se uma grande mudança na psiquiatria com a introdução dos psicofármacos, além da publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) da Associação Psiquiátrica Americana, em 1952. Com isso, doenças mentais foram dissolvidas na classificação de transtornos, agora padronizados segundo traços observáveis de comportamento. Visando regulamentar a linguagem psiquiátrica e a classificação dos distúrbios segundo padrões estatísticos, o DSM-IV retirou-se das áreas que que não reconheciam a objetificação dos sintomas e sujeitos. Desse modo, os autores indagam sobre como a classificação do DSM surge no contexto de disseminação dos psicofármacos, propiciando-a ainda mais. Sendo assim, ocorre a generalização da equação tratamento = supressão de sintomas (Barreto F. P. & Iannini G., 2017), o que facilitou, finalmente, a tão almejada inserção da psiquiatria no discurso científico médico. Contudo, acarretou na supressão da subjetividade e o fim da clínica tradicional, por isso Barreto e Iannini levantam o questionamento sobre o fim da psiquiatria, seria ela absorvida pela neurologia? “Enfim, a psiquiatria do DSM jogou fora a subjetividade sem se tornar científica. Rasa e universal, bem a gosto do consumismo globalizado, poderia sem exagero ser chamada de ‘psiquiatria Big Mac’”(Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 40) Por essa lógica, Freud se vê obrigado a reconhecer e reintroduzir a subjetividade à psiquiatria por meio da escuta do paciente, sendo capaz de distinguir as singularidades do sujeito para, então, ter uma classificação diagnóstica precisa, admitindo a ineficácia das classes diagnósticas de indivíduos inagrupáveis. Ainda sobre a psicanálise freudiana, temos a concepção da existência única de ciência, ou seja, se a psicanálise é uma ciência ela só pode ser da natureza (monismo radical). Sob esse olhar, Freud parte do determinismo para estabelecer a psicanálise, além disso, define-a seguindo 3 teorias: teoria dos lugares (tópico), das forças (dinâmico) e da energia (econômico). Sendo cada uma delas sobre a divisão em regiões com leis de funcionamento específicas, uma concepção física do aparelho psíquico e modelo fechnero-helmoltziano. Lacan acredita que tal visão é essencial, principalmente, por estar a salvo da relativização histórica ao basear-se em um discurso científico que não se modifica com as mudanças no decorrer da história humana. “O sujeito da experiência psicanalítica se define muito mais pelas leis atemporais da linguagem que o determinam do que pelo conteúdo variável e circunstancial de suas condições discursivas históricas” (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 42). Diferenciando Lacan de Freud, destaca-se a importância que o segundo dava à física e biologia que o primeiro não deu, que valoriza e priorizava a linguagem. Dessa forma, o paradigma adotado da linguagem inscreve a psicanálise na perspectiva da compreensão, previamente afirmada no texto, que é duramente criticada por Lacan. Para ele, Jasper negligencia as diferentes facetas de um acontecimento, opondo a sua abordagem estrutural do significante, de modo a permitir “uma abordagem não compreensiva dos fatos clínicos'' (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 44). Visto que, compreender seria colaborar com a resistência gerada pelo excesso de sentidos e a assimetria entre o sujeito e a alteridade. A linguística dará a possibilidade de superar dicotomias e dar espaço para novos objetos teóricos e conceitualizações para investigá-los. Todo esse percurso nos mostra então como o paradigma da estrutura permite recusar de um lado o psicologismo, de outro lado o naturalismo como esquemas formais da subjetividade, e como o estruturalismo pode ser tomado como uma alternativa a essa dicotomia. O primeiro passo consiste em fornecer um conceito de estrutura como condição epistemológica para a formalização de uma teoria não psicologicista e não naturalista do sujeito. (Barreto F. P. & Iannini G., 2017, p. 46)
Referência:
Barreto F. P. & Iannini G. (2017). Introdução à psicopatologia lacaniana. Em A. Teixeira, &