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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


CURSO DE PSICOLOGIA

Alunos: Nara Lares Kludasch; Rafael Barbosa de Moura Oliveira; Gabriel Lucas Baessa Dias;
Leonardo Vasconcellos Munayer
Matrículas: 2020052045; 2018061920; 2020099890; 2020424708
Disciplina: Introdução a Psicologia Clínica

A pauta que nos foi proposta tem que ser antecedida por uma discussão sobre qual
conceituação de clínica está sendo tomada como ponto de partida. Na primeira aula da
disciplina isso foi posto em tela: há uma possível inclinação, nas pessoas que estão na
psicologia, em pensar a clínica, estreitamente, como psicologia clínica, dentro do consultório
e através da psicoterapia. A proposta de clínica (do grego, klinikós, dizendo sobre um médico
inclinado sobre o leito do doente) transborda esse reducionismo. Como as palavras e
conceitos rodam junto com o curso ingovernável da história e vão se deformando nesse
processo, a ideia e os modos de fazer clínica não ficaram estanques no tempo. Dando um salto
dos gregos à idade moderna, em apertada síntese, houve um abandono de uma filosofia
especulativa e um conhecimento místico, em detrimento de um método empírico e voltado à
doença. Em alinho ao que apresentado por Bedrikow e Campos (2015) a clínica moderna tem
o seguinte caminho metodológico: olhar > raciocínio lógico-indutivo baseado na
patofisiologia > nomear a doença; a partir daí se propõe o tratamento, e sobre este cabe dizer
que também é polissêmico e complexo.

Os modelos clínicos que se colocam como críticos à clínica tradicional (clínica


moderna) dirigem muitas das suas críticas em como é dimensionado o paciente enquanto
sujeito na relação saúde-doença. O risco de direcionar um olhar biologicista para a pessoa
procurando uma doença sem muita atenção a questões que podem não aparecer inicialmente,
cria vários pontos cegos ao tratar formas de promover saúde e prevenção do adoecimento,
principalmente aspectos sociais e ambientais. Não se pode perder de vista como as dinâmicas
econômicas, culturais e sociais estão presentes na forma que a doença incide sobre a pessoa e
como essa pessoa, a partir de seu repertório histórico individual, lida com suas dores, seja na
nomeação do mal, seja no método de como tratá-lo.

Dentro da clínica, o relato de sintomas é fundamental para identificar e amparar a


queixa do paciente e, do mesmo modo, a forma como esses sintomas são relatados possui
tanta importância quanto a existência do próprio sintoma. O sujeito e o sintoma não podem
ser analisados de forma separada, uma vez que pode ser justamente sua união uma das formas
que gera alguma manifestação em seu corpo. E é essa mesma lógica que é negligenciada
dentro do paradigma dominante na clínica tradicional. A Clínica Moderna, dessa forma, não
se adapta a certas queixas dentro do contexto clínico e pode, muitas vezes, ofender e rebaixar
os sujeitos ao invés de seu “tratamento” propriamente dito.

Dessa forma, se houver dentro da clínica o relato de sinais de quebranto ou de mau


olhado, por exemplo, um profissional que segue estritamente os paradigmas da Clínica
Moderna muito provavelmente não irá tratar essa queixa de forma adequada. Esses dois
exemplos de sintomas trazem consigo um pouco sobre as crenças e as verdades de quem os
fala e, podem também, dizer sobre como amparar o sujeito nessas circunstâncias. Pode ser um
assunto delicado ao se tratar sobre a fé e a religiosidade do paciente, mas não é,
definitivamente, apenas pelos diagnósticos anatômicos e observações empíricas que se lida
com esse tipo de situação nesse tipo de encontro.
Seguindo essa lógica, observa-se que muitas das palavras contidas na imagem
referem-se a um contexto específico que se apresentadas em outros estados do país podem
não ser compreendidas. A exemplo disso, a expressão “dor na cadeira” usada no estado de
Minas Gerais que, provavelmente, não seria compreendida no Espírito Santo, no qual, se usa
“dor na cacunda” para designar o mesmo sintoma de desconforto nas costas. Desse modo,
cabe ao profissional ser flexível para buscar compreender a fala do paciente e suas origens,
sendo capaz de reconhecer, para além de uma clínica focada na doença (técnica), uma clínica
ampliada sem deslegitimar saberes tradicionais de uma população.
Nesse contexto, destaco uma problemática abordada no texto de Bedrikow e Campos
(2015, p. 34): “a ciência moderna nasceu do desejo do homem de encontrar verdades
universais, desinteressando-se pelo real”. A partir desse desleixo para com os
sujeitos/pacientes de uma clínica tradicional, buscando uma objetividade e imparcialidade,
que hoje em dia ainda nos deparamos com situações como a do médico de Serra Negra que
debochou de um paciente por falar "Peleumonia" quando se referindo, muito provavelmente,
a pneumonia.
De forma a colocar a "doença entre parênteses" no contexto clínico, buscando
construir uma prática com o paciente e não sobre ele, é de fundamental importância para o
clínico (seja ele de qualquer área da equipe multidisciplinar em questão) ressignificar a
Clínica Moderna junto ao usuário que o procura. A Clínica do Sujeito, que se faz Ampliada,
pode auxiliar o profissional do cuidado a como acolher e lidar com as demandas e queixas que
se apresentam, e consequentemente auxiliar também o sujeito singular multifacetado e
multiatravessado que o procura, reconhecendo sua autonomia sobre os saberes que tem para
tratar da doença que lhe acomete. Ademais, uma provocação final que podemos direcionar
através da crítica aos modelos de prática estabelecidos pela Clínica Moderna (e pelas outras
correntes que se orientam pelos ideais da escola de Cnido), respaldada e legitimada pelo
conhecimento (que se dogmatiza) científico, se sustenta: se as evidências que se apresentam
ao clínico respondem-se a si mesmas e encaminham-se para um diagnóstico objetivo e
categorizado - se já está estruturado e dado desta forma, em que medida o profissional em seu
exercício vem a manipular a realidade visando atender à "demanda" do projeto científico
moderno e não à demanda real do sujeito que o procura, criando um entrave para a produção
junto ao sujeito-potência de novos saberes acerca de si e de sua própria experiência com a
doença?

Referências:
Bedrikow, R.; Campos, G.W.S. A clínica. In: -------- História da clínica e a Atenção
Básica: o desafio da ampliação. 2a ed. São Paulo: Hucitec, 2015. p. 21-87

Victal, R. (29 de Julho de 2016). Médico debocha de paciente na internet: 'Não existe
peleumonia'. Fonte: G1:
http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/07/medico-debocha-de-p
aciente-na-internet-nao-existe-peleumonia.html

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