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19/11/2021 13:25 'Minha caçada aos hackers mais procurados do mundo que vivem como milionários na Rússia' - BBC

ia' - BBC News Brasil

'Minha caçada aos hackers mais procurados do mundo


que vivem como milionários na Rússia'
bbc.com/portuguese/geral-59341481

Joe Tidy
BBC

Há 5 horas

Legenda da foto,
Imagens de procurados pelo FBI por acusação de envolvimento com crimes cibernéticos

Muitos dos nomes na lista de pessoas procuradas pelo FBI (a polícia federal
americana) em meio a investigações sobre crimes cibernéticos vêm da
Rússia. Enquanto alguns são acusados de trabalhar para o governo
recebendo um salário normal, outros supostamente fazem fortunas com
ataques e roubos online. Se eles deixassem a Rússia, seriam presos, mas lá
eles parecem não ter qualquer restrição.

"Estamos perdendo nosso tempo", pensei, enquanto observava um gato lambendo a


carcaça de uma galinha.

Certamente não haveria mais nenhum vestígio de um multimilionário acusado de


envolvimento com crimes cibernéticos nesta propriedade a cerca de 700km de Moscou.

Mas continuei caminhando, ao lado de um tradutor e um cinegrafista, tentando espantar


o gato sarnento para longe da entrada de um bloco de apartamentos.

Quando batemos em uma das portas, um jovem atendeu e uma mulher idosa com olhar
curioso nos espiou da cozinha.

"Igor Turashev? Não, não reconheço este nome", disse o jovem.

"A família dele está registrada (como vivendo) aqui, então quem é você?" nós
perguntamos.

Depois de uma conversa amigável, explicamos que éramos repórteres da BBC, e o clima
mudou repentinamente.

"Não vou dizer onde ele está, e você não deveria tentar encontrá-lo. Você não deveria ter
vindo aqui", disse o jovem, com raiva.

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Crédito, US Department of Justice

Legenda da foto,
Em entrevista coletiva em 2019, o FBI anunciou o indiciamento de membros do Evil
Corp, além de nomear Maksim Yakubets e Igor Turashev

Não dormi bem naquela noite, pensando nos conselhos inquietantes que recebi de
pessoas da área de segurança.

Alguns indicaram que tentar encontrar criminosos cibernéticos em seus locais de moradia
é arriscado.

"Eles terão seguranças armados", me disseram.

"Você vai acabar em uma vala em algum lugar", avisou outro.

Outros não viram tanto problema. Foi o caso de uma pessoa que me disse que as pessoas
que eu procurava eram apenas "nerds da computação".

Mas todos disseram que não conseguíramos chegar nem perto deles.

'Ladrões de banco habilitados em cibernética'

Em uma entrevista coletiva há dois anos, o FBI nomeou nove membros do grupo de
hackers russo Evil Corp e acusou Igor Turashev e o suposto líder da gangue, Maksim
Yakubets, de roubar ou extorquir mais de US$ 100 milhões em ataques que afetaram 40
países diferentes.

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As vítimas variam de pequenas empresas a multinacionais como a americana Garmin,


além de instituições de caridade e uma escola.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos diz que os homens são "ladrões de banco
habilitados em cibernética", realizando ataques de ransomware ou invadindo contas para
roubar dinheiro.

O anúncio fez de Maksim Yakubets, com apenas 32 anos na época, um símbolo da


imagem do hacker russo playboy.

Crédito, National Crime Agency

Legenda da foto,
Maksim Yakubets em frente a um Lamborghini customizado

Algumas imagens da gangue obtidas pela Agência Nacional do Crime do Reino Unido
mostram homens dirigindo Lamborghinis personalizados, rindo com maços de dinheiro e
brincando com um filhote de leão.

O indiciamento dos dois homens pelo FBI foi resultado de anos de investigação, incluindo
entrevistas com ex-membros do grupo e o trabalho de peritos digitais. Algumas
informações coletadas remontam a 2010, quando a polícia russa ainda estava disposta a
colaborar com colegas americanos,

Esses tempos se foram: o governo russo rotineiramente ignora as acusações de crimes


cibernéticos contra seus cidadãos vindas dos EUA.

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Na verdade, na prática, não apenas os hackers têm liberdade para continuar atuando no
país, como também são em algumas ocasiões recrutados pelos serviços de segurança
russos.

Casamento luxuoso

Crédito, National Crime Agency

Legenda da foto,
O casamento de Maksim Yakubets pode ter custado mais de meio milhão de dólares

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Fim do Podcast

Nossa investigação sobre Maksim Yakubets começou em um lugar improvável, um campo


de golfe a cerca de duas horas de Moscou.

Este foi o local de seu grandioso casamento em 2017, como mostra um vídeo publicado
pelo site da rádio Free Europe/Liberty.

O rosto de Yakubets nunca é mostrado na filmagem, feita por uma produtora


especializada em casamentos. Mas, em um dado momento, ele aparece dançando durante
o show de uma famosa cantora russa, em meio a um belo show de luzes.

A organizadora de casamentos Natalia não quis entrar em detalhes sobre o grande dia de
Yakubets, mas nos mostrou alguns locais usados na ocasião, como uma construção na
colina com pilares esculpidos, perto de um lago.

"É o nosso quarto exclusivo", disse ela. "Os recém-casados adoram ir para lá para ter
sessões de fotos e um romance."

Enquanto nos deslocávamos em um carrinho de golfe, fiz algumas contas. Com as


informações que tínhamos, era de se imaginar que o casamento tenha custado mais do
que as estimativas que escutamos, de cerca de US$ 250 mil. Possivelmente, a festa custou
algo entre meio milhão de dólares e US$ 600 mil.

Não sabemos como a cerimônia foi paga, mas se Yakubets pagou a conta, isto demonstra
o quão luxuoso é seu estilo de vida.

Igor Turashev, de 40 anos, também não está sendo nada discreto.

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Crédito, US Department of Justice

Legenda da foto,
Igor Turashev foi indiciado e é procurado pelo FBI

A partir de registros públicos, meu colega Andrey Zakharov, repórter especializado em


cibernética da BBC Rússia, encontrou três empresas registradas no nome de Turashev.

Todos têm escritórios na famosa Federation Tower de Moscou, um arranha-céu


chamativo no distrito financeiro que não destoaria em Manhattan ou no Canary Wharf de
Londres.

Uma recepcionista procurou um número de telefone dos escritórios e descobriu que não
havia nenhum. Ela então encontrou um número de celular vinculado ao nome de uma das
empresas, e nos colocou na linha.

Uma música de Frank Sinatra tocou por cerca de cinco minutos, então finalmente alguém
atendeu, parecendo falar de uma rua movimentada. Quando dissemos que éramos
jornalistas, a pessoa desligou.

Conforme Andrey me explicou, Turashev não é procurado na Rússia, então ninguém o


impede de alugar este caro escritório no centro da cidade.

Também pode ser conveniente para ele estar localizado em meio a empresas financeiras,
incluindo algumas que negociam criptomoedas, como bitcoins — que a Evil Corp teria
tirado das vítimas em alguns ataques. Em um dos casos investigados, a gangue teria
conseguido de uma vez o equivalente a US$ 10 milhões.

Um relatório da Bloomberg, baseado em uma pesquisa de analistas da Chainalysis,


afirmou que a Federation Tower abriga inúmeras empresas de criptografia que atuam
como "máquinas de dinheiro para criminosos cibernéticos".

Tentamos dois outros endereços ligados a Turashev e a outro nome importante do Evil
Corp, Denis Gusev. Também tentamos contato por telefone e e-mail, mas ninguém
respondeu.

'Americanos criaram um problema para minha família'

Andrey e eu passamos muito tempo tentando encontrar algum local de trabalho de


Maksim Yakubets.

Ele já foi o diretor de uma empresa de ração para gado, da qual sua mãe é dona, mas hoje
em dia parece não ter nenhum vínculo formal com qualquer empresa ou empregador.

Mas encontramos, sim, endereços que poderiam ser de sua moradia. Então, uma noite,
fomos bater à sua porta.

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De primeira, um homem atendeu e riu no interfone enquanto explicamos de onde


éramos.

"Maksim Yakubets não está aqui. Ele não está aqui há, provavelmente, 15 anos. Eu sou o
pai dele", disse a voz.

Para nossa surpresa, o pai de Yakubets saiu pelo corredor e nos deu uma passional
entrevista de 20 minutos diante das câmeras, condenando com raiva as autoridades
americanas por indiciarem seu filho.

A recompensa de US$ 5 milhões oferecida pelos EUA em troca de informações que


pudessem levar à prisão de Yakubets — o maior já disponibilizado na área da
cibersegurança — levou a família a viver com medo de um ataque, disse o pai, exigindo
que publicássemos suas palavras à risca.

"Os americanos criaram um problema para minha família, para muitas pessoas que nos
conhecem, para nossos parentes... Qual é o propósito? A Justiça americana se
transformou na Justiça soviética. Ele não foi questionado, não foi interrogado, nem houve
procedimentos que tenham provado a culpa dele."

Ele negou que seu filho seja um cibercriminoso. Quando perguntei como ele achava que
Maksim Yakubets tinha ficado tão rico, o pai riu, dizendo que eu estava exagerando o
preço do casamento. O homem disse que carros de luxo usados pelo filho eram alugados.

O salário de Maksim era maior do que a média, disse ele, porque o filho "trabalha, recebe,
tem um emprego".

"O que ele faz como trabalho, então?", perguntei.

"Por que eu deveria te contar?", respondeu o homem. "E as nossas vidas privadas?"

O homem disse que não teve mais contato com o filho desde o indiciamento, por isso não
poderia nos colocar em contato com Maksim.

A resposta dos EUA e Europa

Legenda da foto,
Nomes indiciados por autoridades ocidentais são impedidos de viajar para o exterior e
têm ativos congelados

Yakubets e Turashev fazem parte da crescente lista de cidadãos russos acusados de crimes
cibernéticos, conforme o Ocidente luta para conter estes ataques.

O número de pessoas e organizações russas indiciadas e punidas por isso é maior do que
qualquer outra nacionalidade.

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As acusações impedem os hackers de viajar para o exterior, congelam ativos que eles
possam ter e impedem que façam negócios com empresas ocidentais.

No ano passado, a União Europeia começou a emitir sanções cibernéticas, seguindo os


passos dos EUA, e a maioria dos citados na lista são russos.

Diz-se que a grande maioria dos nomes nessas listas têm ligação direta com o Estado
russo, que usaria os hackers para espionar, exercer pressão e poder. Embora todas as
nações estejam envolvidas em ataques mútuos, os EUA, a União Europeia e aliados dizem
que alguns dos ataques vindos da Rússia cruzaram a linha do aceitável.

Alguns são acusados de causar apagões generalizados na Ucrânia, depois de atacarem


redes de energia; outros são procurados por tentarem invadir uma instalação de testes de
armas químicas logo após o envenenamento do ex-espião Sergei Skripal e sua filha na
Inglaterra, em 2018,

O Kremlin nega todas as acusações, rotineiramente classificando-as como histeria


ocidental e "russofobia".

Como não existem regras claras sobre o que é aceitável em ataques perpetrados por
países, concentramos nossa investigação em indivíduos acusados de crimes com fins
lucrativos.

Regra de ouro

E então, as acusações e punições contra hackers "criminosos" funcionam?

Falando com o pai de Yakubets, parece que elas têm algum impacto — no mínimo, deixam
quem está no entorno dos acusados furioso.

No entanto, a Evil Corp parece não ter sido afetada como um todo. Pesquisadores de
segurança cibernética dizem que a gangue ainda está fazendo ataques lucrativos,
principalmente contra alvos ocidentais.

A "regra de ouro" entre hackers russos, de acordo com pesquisadores e ex-hackers, é que
criminosos não contratados pelo Estado podem atacar quem quiserem, desde que as
vítimas não estejam em territórios de língua russa ou ex-soviéticos.

A regra parece funcionar, já que os pesquisadores de segurança cibernética há muitos


anos notam menos ataques nesses países. Eles também já descobriram que alguns
malwares são projetados para evitar computadores com sistemas de língua russa.

Lilia Yapparova, repórter investigativa da Meduza — uma das poucas organizações de


jornalismo independente do país — diz que a "regra de ouro" é útil para os serviços de
inteligência, que podem explorar as habilidades que os hackers desenvolveram enquanto
trabalhavam por conta própria.

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"É mais valioso para o FSB (agência de inteligência russa) recrutar hackers na Rússia do
que colocá-los na prisão. Uma de minhas fontes, que é um ex-oficial do FSB, me disse que
já tentou pessoalmente recrutar alguns caras da Evil Corp."

Os EUA afirmam que Maksim Yakubets e outros hackers procurados — incluindo Evgeniy
Bogachev, que carrega uma recompensa de US$ 3 milhões por sua prisão — trabalharam
diretamente para os serviços de inteligência russo.

Pode não ser coincidência que o sogro de Yakubets, visto no vídeo do casamento, seja um
ex-membro do alto escalão do FSB.

Pedimos um posicionamento do governo russo, mas não recebemos resposta.

Quando o presidente russo Vladimir Putin foi questionado sobre isso na cúpula de
Genebra, em junho, ao se encontrar com o presidente americano Joe Biden, ele negou que
ataques de alto nível tivesse origem em seu país e até afirmou que a maioria dos ataques
cibernéticos tem origem nos EUA. Entretanto, ele disse que trabalharia com os
americanos para "criar ordem".

Nos últimos seis meses, os EUA e seus aliados passaram a adotar uma represália mais
agressiva — conseguiram fazer ataques cibernéticos contra as gangues e colocar algumas
delas offline. REvil e DarkSide publicaram em fóruns que não estão mais operando por
conta da ação americana.

Crédito, National Crime Agency

Legenda da foto,
Homem acusado de envolvimento com o grupo Evil Corp segura pilhas de dinheiro

Em duas ocasiões, os hackers do governo dos EUA conseguiram até mesmo recuperar
milhões de dólares de bitcoins roubados das vítimas.

Um esforço internacional envolvendo a Europol e o Departamento de Justiça dos Estados


Unidos também viu supostos hackers serem presos na Coréia do Sul, Kuwait, Romênia e
Ucrânia.

No entanto, os pesquisadores de segurança cibernética dizem que mais grupos estão


surgindo e que ataques estão ocorrendo todas as semanas. O fenômeno não acabará,
dizem eles, enquanto os hackers puderem agir livremente na Rússia.

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https://www.bbc.com/portuguese/geral-59341481 8/8

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