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PINTURA A

TÊMPERA
Prof. Me. René de Moraes Ruduit
A PINTURA A TÊMPERA
Na antiguidade o termo era usado para tintas preparadas com qualquer médium líquido com o
qual os pigmentos pudessem ser combinados. Ou seja, o pigmento misturado em água era
“temperado” com uma goma ou cola orgânica. Assim, o termo era aplicado a quase todos os
métodos de pintura. A exceção era o afresco verdadeiro (buon fresco) que não tinha nenhum
médio adicionado. Mais tarde a palavra têmpera foi aplicada às pinturas feitas com gema de
ovo, que é o mais antigo e natural tipo de emulsão para têmpera.

Para Mayer (p. 287), “no uso moderno do termo, a pintura a têmpera é aquela que emprega um
médium que pode ser livremente diluído com água, mas que após secar torna-se
suficientemente insolúvel para permitir sobrepinturas com mais têmpera ou com médiuns de
óleo e verniz”.

Breve história

A pintura a têmpera é uma das técnicas mais antigas, pois, como afirma Motta e Salgado (p. 14)
no período Paleolítico já se empregava colas vegetais ou cartilaginosas com pigmentos de
calcário e terras coloridas para a produção de tintas que também eram aplicadas nas paredes
das cavernas. Na antiguidade mesopotâmicos, egípcios, chineses, persas empregaram a técnica
em murais, papiros e pergaminhos. Os gregos e os romanos mantiveram a tradição dos
processos que receberam de outros povos e regiões que foi estendida à Bizâncio. Os bizantinos
aplicavam a pintura têmpera sobre suportes de madeira e representavam cenas da vida cristã.
Os artistas europeus, principalmente da península itálica, da Escola Sienesa, não foram
estranhos a essas pinturas. Segundo Motta e Salgado (p. 15):

A pintura, neste período, volta a ser enriquecida com folhas de ouro e


isso deve ter ocorrido entre os séculos X e XI, quando os vitrais
ornamentavam a arquitetura religiosa da época. Acredita-se que a
introdução dos fundos de ouro laminado nas pinturas tenha surgido
da necessidade de realçar as cores, pelos reflexos emitidos, uma vez
que a luz colorida coada pelos vidros alterava e diminuía a intensidade
das cores dos afrescos e das têmperas. A policromia sobre ouro
ganhava em força e brilho e adquiria maior beleza e maior expressão.

Haviam diversos meio para o preparo da tinta, como a cola de pele de animal, mas, até meados
do século XV o meio mais comum era o ovo. Conforme coloca Sturgis (p. 255) “a gema, por vezes
todo o ovo, era combinada com uma pasta feita de pigmento e água de forma a produzir uma
tinta cremosa e opaca chamada têmpera ovo”.

Nos séculos XV e XVI era muito comum que as pinturas fossem feitas numa mistura de têmpera
e óleo, utilizado os detalhes finais. Era comum envernizar as têmperas com óleo. Entretanto,
conforme salienta Motta e Salgado (p. 18) esse procedimento acaba dando um aspecto visual
próximo ao óleo descaracterizando a pintura têmpera.
A têmpera ovo foi a técnica de pintura mais importante de painéis do início do século XIII ao
final do XV, quando começa a ser substituída pelo óleo.

Características
A têmpera é um processo de pintura de rápida secagem e, normalmente, de processo lento e
meticuloso. Por isso, não é indicada para estilos de pintura direta ou trabalho com camadas
espessas.

As emulsões de têmpera secam por evaporação formando películas transparentes. Tem a


opacidade como uma de suas características e pode ser aplicada sobre um suporte de qualquer
cor. Possui um aspecto brilhante e luminoso que não é exatamente igualado ao uso do óleo ou
outros médiuns. A película seca da tinta não amarelece nem escurece com o tempo, como
acontece com a pintura óleo, e as pinturas com a têmpera corretamente aplicada tem menor
tendência a rachar. Segundo Chilvers (p. 519) “a têmpera apresenta mais luminosidade e
profundidade que o afresco, mas sua gama de cores e tons é limitada, e é quase impossível obter
com têmpera a fiel reprodução dos efeitos naturais possibilitada pela pintura à óleo”.

As têmperas têm como veículo emulsões, que são misturas estáveis de um líquido aquoso com
uma substância oleosa, cerosa ou resinosa. Segundo Mayer (p. 289):

As gemas dos ovos de galinha contém uma solução aquosa de


substância gomosa, albumina, um óleo não-secativo chamado óleo de
ovo, e lecitina, um lipoide ou substância gordurosa que é um dos
emulsificadores ou estabilizantes mais eficientes da natureza. A
própria albumina é um bom emulsificador.

Ainda segundo o autor (p. 289) “a película de gema de ovo torna-se insolúvel, resistente, com
consistência de couro e permanente”. E complementa, “as emulsões de têmpera artificiais ou
compostas são empregadas mais por suas aperfeiçoadas características de execução ou de
trabalho que por qualquer superioridade na qualidade de suas películas”.

O processo clássico de pintura a têmpera ovo


Cennino Cennini (c. 1370-c. 1440) foi um pintor e escritor florentino, autor de Il libro dell’Arte
(por volta de 1400), que é a fonte mais importante sobre a prática artística na Idade Média
Tardia. Cennini foi aluno Agnolo Gaddi, que aprendeu o ofício com o seu pai Tadeo Gaddi, que
por sua vez aprendera com Giotto. Suas descrições detalhadas sobre a pintura têmpera e afresco
certamente refletem, ainda que distante, os procedimentos técnicos do fundador da grande
tradição da pintura fiorentina. Segundo Chilvers (p. 519) “a descrição clássica do processo de
pintura com gema de ovo foi feita por Cennini no início do século XV”. A técnica era usada
sobretudo sobre painéis de madeira, da seguinte forma:

O painel era inicialmente preparado com uma base e uma imprimadura. A


imagem era então desenhada com carvão; o excesso de carvão era retirado, e
os contornos e certas partes sombreadas eram pintados com uma tinta a base
de água. Se o fundo fosse dourado, os contornos eram gravados na base do
gesso, assim como alguns contornos da imagem. Em primeiro lugar procedia-
se a douração; em seguida, à pintura das vestes, da arquitetura e de outras
partes. A pele nua era pintada por último, frequentemente recebendo antes
uma demão do pigmento terroso verde chamado terre verte. Outras partes
também poderiam receber essa primeira demão, para ter sua cor enfatizada ou
atenuada. Empregavam-se poucas cores – uma para a pele, duas ou três para
as diferentes vestes, etc. – e, como no afresco, cada uma delas era preparada
em três tonalidades diferentes, pela adição de quantidades diferentes de
branco. As partes mais escuras da pele poderiam ser sombreadas em verdaccio,
uma mistura de ocre e negro, e um puro branco poderia revestir os pontos mais
brilhantes.

O método de trabalho exigia não só um bom conhecimento dos materiais, mas também grande
certeza de propósito. Uma vez misturada, a tinta de têmpera de ovo secava extremamente
depressa e, por isso, os pintores trabalhavam cor a cor, preparando pequenas quantidades de
cada uma e usando-as antes que endurecessem. A tinta não era de fácil tratamento e as cores
eram poucas e de difícil mistura. Assim, a variedade e a sutiliza obtidas dependiam de um
vagaroso processo construtivo em que cada camada teria um efeito sobre a seguinte. Os
pintores aplicavam as cores em camadas finas, com pinceladas leves e delicadas, uma vez que
as pinceladas grossas e repletas de tinta são impossíveis com a têmpera, assim como a mistura
de cores na superfície da tinta.

Entre o século XIII e o princípio do século XVI as pinturas eram normalmente realizadas sobre
painéis de madeira. O choupo era normalmente utilizado em Itália e o carvalho no Norte da
Europa. As tábuas de madeira eram coladas umas nas outras e alisadas para terem uma
superfície suave e plana. Um painel grande – destinado a um retábulo, por exemplo – seria
fortalecido com ripas pregadas na parte de trás. Frequentemente, a moldura era feita nesta
altura e aplicada antes de começar a pintura, ou era mesmo esculpida no mesmo pedaço de
madeira.

Uma camada de base branca era aplicada sobre a superfície do painel para prepará-lo para
receber a pintura. Era utilizado giz, no Norte da Europa, e gesso-de-paris ou gesso, na Itália,
misturados com cola de pele de animal para a produção da base e espalhados pelo painel.
Frequentemente, várias camadas eram aplicadas e cada uma era polida para se conseguir a
superfície mais lisa possível.

Retábulos
Retábulo é uma estrutura que fica acima e por trás do altar de uma igreja cristã que é utilizado
como suporte de pintura e escultura

Douração
O processo de douramento, ou douração, era amplamente utilizado por toda Europa medieval.
A aplicação de folhas de ouro acrescentava riqueza aos quadros e eram especialmente aplicados
aos que tinham temas religiosos, ressaltando a característica de algo de espiritual ou
paradisíaco.

Suporte e preparação de bases para têmpera ovo


Em razão da inflexibilidade de sua película a têmpera não é adequada para uso sobre telas. É
indicado o uso de um suporte rígido como um painel de madeira devidamente preparada com
uma base de gesso. Segundo Mayer (p. 292) “a têmpera de ovo pura é mais bem aplicada em
painel preparado com gesso e cola, que deve estar absorvente”. Para um fundo menos
absorvente pode ser aplicada “uma camada fina de cola de gelatina bastante diluída”. A cola
pode ser usada como fixativo do desenho preparatório da pintura. Entretanto, como coloca
Mayer, a superfície de gesso sem encolagem é normalmente a mais adequada.

Preparo da têmpera ovo


Segundo Mayer (p. 291) “inúmeras instruções para uso da têmpera de ovo nos chegaram de
todos os períodos da arte europeia” e, conforme o autor, esta seria a receita tradicional.

As pastas de cores podem ser previamente preparadas para a pintura antes do manuseio da
gema. Os pigmentos devem ser moídos em água destilada em uma moleta, formando uma pasta
com consistência semelhante à da tinta óleo. Após são colocados em pequenos frascos com
tampa de rosca onde se conservam indefinidamente. Imediatamente antes de utilizá-los,
misturam-se volumes iguais desta pasta de cor e gema de ovo.

Para o preparo da tinta separe a gema da clara retirando o máximo possível os traços da clara.
A separação é feita de maneira comum despejando alternadamente em uma das metades da
casca e depois em outra.

Após deve-se secar a camada de clara aderente e a calaza rolada ligeiramente a gema numa
toalha de papel. Ou rolando de uma mão para outra, enxugando as mãos regularmente, até que
a pele da mão esteja seca.

A gema é colocada sobre uma das mãos aberta e reta. Com a outra mão, usando o polegar e o
indicador, a gema é levantada pela calaza sem romper a membrana da gema para então, sobre
um recipiente, perfurá-la na base com um ponta afiada. Após a maior parte da gema ter
escorrido, o pouco remanescente pode ser.
É possível adicionar um pouco de água ao ovo, 1/6 a 1/8 do volume utilizando colheres de
cozinha para a medição, conforme Mayer (p. 291).

Motta e Salgado (p. 23) indicam como indispensável a inclusão de fungicida na fórmula na
proporção 1%.

Após o preparo das tintas, durante a pintura, pode-se manter as cores de têmpera de ovo em
recipientes fechados para que não sequem tão rapidamente.

As têmperas, conforme Mayer (p. 290), “são insolúveis na medida em que não são levantados
pela sobrepintura e, quando secos, são adequadamente resistentes à umidade sob todas as
condições normais”. Entretanto, não resistem se foram esfregados fortemente por pincéis

Ao final da pintura, após estar seca, basta polir com uma escova ou pano macio. As têmperas
costumam adquirir um acabamento acetinado semilustroso quando polidas com um pano
macio.

Condições de permanência
A têmpera, quando conservada em condições corretas de umidade, é inalterável. Os pigmentos
são fixados por aglutinantes solúveis em água e a umidade provoca movimentos
desencontrados nas várias películas que compõem a pintura, causando, assim, o deslocamento
da camada colorida. Isso ocorre em especial quando o aglutinante é pouco elástico, que é o caso
da têmpera a caseína. Já a têmpera a ovo é a mais elástica das tintas deste grupo.

Para saber mais


Duccio de Buoninsegna (ativo de 1278 a 1319) é considerado o mais célebre pintor da escola
sienense. Apesar de muito ligado à tradição bizantina, Duccio introduziu em suas obras um forte
caráter do sentimento humano. Recriou relatos bíblicos com grande vivacidade trazendo
elementos dramáticos da ação, diferentemente de seus antecessores, e estabelecendo relações
entre figura e fundo. Duccio teve um importante papel na pintura sienense, semelhante ao de
Giotto para a pintura florentina.
Referências
DICIONÁRIO Oxford de arte. 2. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001. ix, 584 p. ISBN
853361456X

HAYES, Colin. Guia completa de pintura y dibujo: tecnicas y materiales. 1. ed. Madrid, Espanha:
Hermann Blume, 1986. 223 p. ISBN 8487756204

JANUSZCZAK, Waldemar. Tecnicas de los grandes pintores. Madrid: H. Blume, 1981. 192 p.: il.
ISBN 8472142361

MAYER, Ralph. Manual do artista: de técnicas e materiais. 2. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes,
1999. xix, 838 p. ISBN 8533611145

MOTTA, Edson; SALGADO, Maria Luiza Guimarães. Iniciação à pintura. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1976. 216 p.

STURGIS, Alexander. Compreender a pintura: a arte analisada e explicada por temas. Portugal:
Editora Estampa, 2002. 274 p. ISBN: 9723316439

SMITH, Ray. Manual prático do artista. [1. ed.]. São Paulo, SP: Ambientes & Costumes, 2008.
384 p. ISBN 9895501250

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