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1.

Nicolau Maquiavel escreveu O Príncipe em 1532 para o príncipe de Florença


Lorenzo di Médici. No livro, Maquiavel analisou diversos aspectos que
envolvem o ato de governar, demonstrando situações e dando sugestões de
como prosseguir em cada caso os quais um governante daquela época
provavelmente iria se deparar. A partir disso, um conceito fundamental,
possível de ser extraído de sua obra, é a razão de estado: a identificação de que
existe algo na política moderna, na qual o Estado é centralizado, que é o
Poder Político, e que tal poder tem regras próprias, localizadas em uma
esfera sobre-humana. A partir dessa constatação, e levando em conta outros
elementos, como governantes e governados, inicia-se uma nova trajetória do
pensamento político, a saber, o pensamento político moderno. Os principais
autores que primeiro vão propor uma teoria para explicar e justificar esse
Poder Político são Thomas Hobbes e John Locke.
Segundo a teoria de Thomas Hobbes, os seres humanos são naturalmente livres
e iguais, ou seja, eles naturalmente possuem vontade, engenho e força para agir
a partir de seu corpo. Nesse estado, então, o que vigora é a liberdade de cada
um, de tal forma que um indivíduo disputa com os demais para impor sua
vontade a eles. Portanto, no estado de natureza, cada um tem o poder
residindo em si próprio; assim, o poder estava descentralizado, e os homens
encontravam-se sob a possibilidade constante de guerrear entre si, na
tentativa de impor suas vontades.
A partir dessa insociabilidade natural devido ao estado de guerra, que gera
um medo incomensurável da morte violenta, surge o Homem Artificial. Esse
homem é o Estado para Hobbes; ele surge para possibilitar uma sociabilidade
entre os indivíduos por meio do estabelecimento de uma moral (aquilo
considerado certo ou errado) e da monopolização da violência. O Estado,
então, emerge a partir de um mútuo acordo entre os indivíduos no qual eles
renunciam a sua liberdade (sem perdê-la), colocando em primeiro lugar a
vontade do soberano e das leis, e para tal, a liberdade que antes residia em seus
corpos, agora reside no Estado. Dessa maneira, há uma maior segurança na
preservação da vida, substituindo o medo incomensurável da morte por um
medo comensurável. Ainda assim, os indivíduos permanecem exercendo a sua
liberdade e os seus poderes, porém limitados pela força do Estado e pelo medo
da repressão. Essa disputa de forças associada à liberdade dos indivíduos
(governados) e ao poder centralizado do Estado (governantes) gera uma
constante instabilidade, não havendo, portanto, garantia de um bom convívio,
mas, sim, a esperança de que ele ocorra.
John Locke mantém muitas características da teoria política Hobbesiana, mas
discorda especialmente da ideia referente ao estado de guerra constante, que
estaria presente no estado de natureza. Para Locke, o ser humano é
naturalmente bom e, de maneira geral, não necessita impor suas vontades aos
outros. Entretanto, essa imposição (e, consequentemente, o conflito) ainda pode
ocorrer, tornando suas vidas, liberdades e bens (ou seja, sua propriedade)
inseguros.
Assim, o Estado advém de um consentimento entre os indivíduos (contrato
social) que almeja, principalmente, a preservação da propriedade de cada um.
Dessa forma, passa a existir uma lei estabelecida, juízes conhecidos e imparciais,
e poder suficiente para manter uma sentença justa, possibilitando que os
indivíduos, mesmo abdicando de parte de sua liberdade, aproveitem melhor a
liberdade que ainda exercem.      

2. A democracia, o sistema político que vigora hoje no Brasil, nasceu na Grécia


Antiga, em Atenas. Seus princípios sustentavam a ideia de que os cidadãos seriam
capazes de agir por um bem comum (pólis), exercendo sua liberdade com base nas
leis, e trabalhando por um governo justo. Era considerado justo por
necessitar do debate constante e igualitário entre os cidadãos, que ocorria,
principalmente, em praça pública (ágora), no que chamavam de “assembleias”.
Assim, o Poder Político partia do povo - por meio dos debates na ágora - e
chegava nas leis e nas decisões julgadas, diferentemente dos outros impérios
que prosperavam ao redor do mundo durante aquele período. Diante desses
impérios, podemos visualizar uma lógica diferente, que é então explorada por
Maquiavel, que se torna reconhecido título de “pai da ciência política
moderna”, nos mostrando uma perspectiva realista da dinâmica do poder.
Segundo Maquiavel, para criar uma monarquia poderosa e um reino forte, era
necessário um poder central e unificado, em casos de instabilidade política
como guerra, facções e etc. Para um estado forte, precisamos de um
governante forte, um soberano virtuoso e astuto, que mantenha uma relação
próspera com seu fortificado exército e com seu povo. Porém, para o autor, o
povo tem uma atuação mínima quando se trata do poder, sendo apenas um
elemento a mais nesta equação. 
Por meio de sua análise que evidencia o que chamamos de razão de Estado,
Maquiavel demonstra que o poder tem suas próprias regras e se encontra neste
local absoluto por ser independente do homem, mas necessário para a
organização de uma sociedade civil. Em contraponto, John Locke, um pensador
contratualista que se baseava no liberalismo, dizia que os governos teriam
que coexistir com o povo a partir de um consentimento mútuo dos indivíduos, e
respeitar a sua propriedade privada (que são suas vidas, liberdades e bens), já
que o poder político deveria, teoricamente, representar o consentimento de
uma maioria, não só de um soberano. Dessa forma, evidencia-se uma volta a
Atenas e a sua forma de fazer política, baseada em um senso de ética. 
Portanto, frente à análise feita por Maquiavel que resulta em um
entendimento do funcionamento do poder político soberano, aparece a
necessidade de limitar esse poder. Tal limitação começa associada às leis, de tal
forma que o governante não poderia agir fora do que estivesse prescrito por
elas; no entanto, ainda havia margem para muitas interpretações e diferentes
possibilidades de execução do mesmo grupo de leis, considerando que as
capacidades de executá-las, criá-las e julgá-las estivessem nas mãos apenas de
um governante, ou grupo de governantes. Isso poderia levar a ameaças
relativas às vidas, liberdades e bens dos indivíduos. Em vista disso, Locke,
partindo do entendimento de que o poder emana do povo devido ao seu
contrato social, e da necessidade de garantir a propriedade dos indivíduos,
sugere a criação do poder legislativo. Montesquieu, pensador político
posterior a Locke, aprofunda ainda mais essa divisão do poder antes soberano.
Agora, o poder deveria ser tripartido, em executivo, legislativo e judiciário; o
executivo seria responsável por ouvir as demandas do coletivo e tentar
atendê-las da melhor maneira, dentro do escopo das leis; o legislativo seria
responsável por criar novas leis a partir de representantes do povo; o
judiciário seria responsável por julgar, com base nas leis, os casos em que há
conflito entre as partes. Além disso, os poderes deveriam se equilibrar entre
autonomia e fiscalização mútua, de tal maneira que não se tornassem abusivos.
Tanto o entendimento de que o poder emana do povo a partir de um contrato
social, e de que o poder soberano criado deve ser limitado, estão presentes na
constituição brasileira de 1988. No parágrafo único é dito: “Todo poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição"; ao mesmo tempo, no artigo 2: “São poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”. Isso demonstra a grande influência que os pensamentos políticos de
John Locke e Charles de Montesquieu trouxeram para a constituição dos
Estados nacionais modernos.

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