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Estética e Arte

Profª. Brigitte Grossmann Cairus

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Profª. Brigitte Grossmann Cairus

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

C136e

Cairus, Brigitte Grossmann

Estética e arte. / Brigitte Grossmann Cairus – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

239 p.; il.

ISBN 978-85-515-0196-2

1.Arte – Brasil. 2.Estética – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


Da Vinci.

CDD 701.17
Apresentação
Caro acadêmico! Como podemos refletir sobre as emoções produzidas
pelos objetos que admiramos? Por que será que a arte sempre existiu durante
a história da humanidade, e quais foram as principais influências estéticas
no ocidente? Ao longo desta disciplina, compreenderemos que a arte reside,
basicamente, na habilidade humana de abstrair o pensamento e interpretar o
mundo em sua volta de maneira criativa e simbólica.

Na primeira unidade deste livro, você será capaz de definir a estética


da arte como uma disciplina da filosofia que estuda todas as manifestações
artísticas. Compreenderá também como, em termos de conceitualização
da música, há várias abordagens possíveis, dentre elas a abordagem mais
conservadora, a estruturalista e a fenomenológica.

Compreenderá como a essência do que é considerado belo, feio e


sublime foi definida pelos filósofos de várias maneiras e se tornou a principal
preocupação dos esteticistas. Ao mesmo tempo, entenderá como a história da
arte tem sido, em termos conceituais, até a contemporaneidade, um conflito
entre a forma e a matéria.

De um modo geral, as artes do mundo ocidental foram influenciadas


principalmente pela arte dos gregos. Assim, na segunda unidade deste livro,
você conhecerá as origens históricas da estética clássica ocidental e, mais
precisamente, a origem do classicismo na arte e na arquitetura grega e romana.

Compreenderemos como a apreciação pelo tratamento ideal do corpo,


tanto entre os gregos como romanos, inspirou os pintores renascentistas na
Europa a retratarem os nus clássicos, como a herança clássica foi novamente
reacendida durante o Neoclassicismo e como esta permanece velada até os
dias de hoje, na contemporaneidade. Por fim, estudaremos, ao fim da segunda
unidade, um pouco acerca da natureza histórica e estética da música clássica,
que designou uma idade de ouro da música entre os séculos dezessete e
dezenove.

Na terceira unidade, você estará apto para compreender, com o


advento da modernidade, a trajetória filosófica da estética artística no
ocidente e as concepções estéticas e seus impactos na história da arte a partir
do pensamento dos filósofos e intelectuais modernos e contemporâneos,
como Immanuel Kant, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Johann Christoph
Friedrich von Schiller, Friedrich Wilhelm Nietzsche, Martin Heidegger,
Maurice Merleau-Ponty, Hans-Georg Gadamer e Gilles Deleuze.

Bons estudos e ótimas descobertas!

Professora Brigitte Grossmann Cairus


III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA.......................... 1

TÓPICO 1 – CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA....................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 A NATUREZA DA ARTE: DEFINIÇÕES, CONCEITOS E TEORIAS........................................ 6
2.1 O CONCEITO CLÁSSICO DA ARTE............................................................................................ 8
2.2 O CONCEITO DAS BELAS ARTES............................................................................................... 10
2.3 ARTE COMO IMITAÇÃO............................................................................................................... 12
2.4 A IDEIA DE MIMESES DE PLATÃO............................................................................................. 14
2.5 ARTE COMO FORMA E CRIAÇÃO.............................................................................................. 17
2.6 CLIVE BELL E A ABSTRAÇÃO DE VANGUARDA . ................................................................ 18
2.7 ARTE COMO EXPRESSÃO............................................................................................................. 19
2.8 ARTE COMO ABSTRAÇÃO OU IDEIA ...................................................................................... 20
2.9 ARTE COMO “SEMELHANÇA FAMILIAR” ............................................................................ 21
2.10 A TEORIA INSTITUCIONAL DA ARTE.................................................................................... 21
2.11 TEORIAS ESTÉTICAS DA ARTE ................................................................................................ 22
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 24
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 25

TÓPICO 2 – ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA..................................................................................... 27


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 27
2 CARACTERÍSTICAS DA ARTE ........................................................................................................ 28
2.1 A INCERTEZA DA ARTE............................................................................................................... 28
3 DEFINIÇÃO DE ESTÉTICA................................................................................................................ 28
3.1 DEFINIÇÃO DE ARTE NA ESTÉTICA......................................................................................... 29
3.2 ARTE, ESTÉTICA, ÉTICA E FILOSOFIA...................................................................................... 30
3.3 ANÁLISE ESTÉTICA DAS OBRAS DE ARTE.............................................................................. 32
4 A ESTÉTICA NA MÚSICA.................................................................................................................. 33
4.1 O CONCEITO DA MÚSICA........................................................................................................... 34
4.2 A ONTOLOGIA DA MÚSICA........................................................................................................ 36
4.3 FORMA E PERCEPÇÃO NA ESTÉTICA MUSICAL.................................................................. 37
4.4 SIGNIFICADO DA MÚSICA.......................................................................................................... 38
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 39
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 40

TÓPICO 3 – O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA........................................................ 41


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 41
2 A BELEZA NA ESTÉTICA................................................................................................................... 42
2.1 DEFINIÇÃO DA BELEZA NA ARTE............................................................................................ 44
2.2 TEORIAS DA BELEZA.................................................................................................................... 47
3 O FEIO E O SUBLIME.......................................................................................................................... 54
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 63
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 67
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 68

VII
UNIDADE 2 – RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA
E ROMA ANTIGAS...................................................................................................... 69

TÓPICO 1 – ORIGENS DO CLASSICISMO...................................................................................... 71


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 71
2 O QUE É O CLASSICISMO? O QUE É O NEOCLASSICISMO?................................................ 73
2.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTILO CLÁSSICO............................................................................. 75
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 83
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 84

TÓPICO 2 – O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA................................ 85


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 85
2 O ESTILO ARCAICO GREGO........................................................................................................... 89
3 O ESTILO CLÁSSICO E A ESTÉTICA DA ARTE GREGA.......................................................... 94
4 A NARRATIVA NA ARTE GREGA................................................................................................... 99
5 REPRODUÇÕES MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS.......................................................... 102
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 105
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 106

TÓPICO 3 – O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA................................. 107


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 107
2 O CLASSICISMO ROMANO NO REINADO DE AUGUSTO.................................................. 109
3 O COLAPSO ROMANO E O RENASCIMENTO DA ESTÉTICA CLÁSSICA NO
SÉCULO XIV NA EUROPA............................................................................................................... 123
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 126
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 127

TÓPICO 4 – A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA...................................................................... 129


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 129
2 FORMA MUSICAL............................................................................................................................. 130
3 MÚSICA COMO ARTE ABSTRATA............................................................................................... 131
4 FORMALISMO MUSICAL................................................................................................................ 132
5 BELEZA, PRAZER SUBLIME E SENSUAL NA MÚSICA........................................................... 134
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 137
RESUMO DO TÓPICO 4...................................................................................................................... 141
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 142

UNIDADE 3 – ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA ................................................. 143

TÓPICO 1 – ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER............................. 145


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 145
2 IMMANUEL KANT E O JULGAMENTO ESTÉTICO................................................................. 148
2.1 KANT E A ESTÉTICA NA MÚSICA........................................................................................... 158
3 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL E O VALOR DA ARTE............................................ 159
4 FRIEDRICH SCHILLER E A EDUCAÇÃO ESTÉTICA............................................................... 164
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 172
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 174

VIII
TÓPICO 2 – ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER
E MERLEAU-PONTY..................................................................................................... 175
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 175
2 NIETZSCHE E O ARTISTA............................................................................................................... 176
2.1 DIONISÍACO E APOLÍNEO......................................................................................................... 177
2.2 O DESEJO DE PODER................................................................................................................... 181
3 OS TRÊS PILARES DA ESTÉTICA DE HEIDEGGER ................................................................ 187
4 MERLEAU-PONTY E A HISTORICIDADE DA ARTE .............................................................. 194
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 206
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 209

TÓPICO 3 – ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE............... 211


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 211
2 GADAMER E A SUBSTÂNCIA DA SUBJETIVIDADE ESTÉTICA......................................... 212
2.1 A EXPERIÊNCIA DA ARTE NA CONTEMPORANEIDADE................................................. 217
2.2 JOGO E ARTE.................................................................................................................................. 218
2.3 O FESTIVAL..................................................................................................................................... 220
2.4 O SÍMBOLO..................................................................................................................................... 222
3 GILLES DELEUZE E O DOMÍNIO TRANSCENDENTAL DA SENSIBILIDADE................ 223
3.1 DELEUZE E AS ARTES.................................................................................................................. 224
3.2 PERCEPTOS E AFECTOS.............................................................................................................. 226
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 227
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 229
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 231
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 233

IX
X
UNIDADE 1

ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA:


CONCEITO E NATUREZA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• compreender o conceito de arte, de estética e a relação no contexto social,


histórico e cultural;

• compreender a estética na música;

• aprender as especificidades conceituais acerca do belo, do feio e do sublime


na arte.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Em cada um deles, você encontrará
autoatividades que o ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

TÓPICO 2 – ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

TÓPICO 3 – O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

1 INTRODUÇÃO
A palavra arte vem do latim ars, que significa o “ato de fazer”. A arte, para
os gregos, significava o domínio, para o ser humano, de uma ou mais técnicas.
Temos o costume de usar a palavra arte para a ideia de saber fazer algo bem feito,
por exemplo, a arte da guerra, a arte da política, a arte de cozinhar etc.

Assim, a arte, quando empregada no domínio das artes visuais, do teatro,


dança e da música, em sua definição primeira, incorpora o domínio técnico e a
habilidade de fazer a obra que será admirada, seja ela uma canção, uma escultura,
uma poesia, uma coreografia ou uma pintura. Entretanto, a definição é apenas
a “ponta do iceberg”, pois o termo arte engloba vários conceitos e interpretações
diferentes.

Historicamente, de início, a arte teve uma função ritual e mágico-religiosa,


que foi sofrendo alterações com o passar do tempo. Na civilização ocidental, por
exemplo, a arte teve uma função religiosa até o período da Idade Média.

Com o Renascimento italiano, em finais do século XV, começa a haver a


distinção entre a razão e a fé, e a arte começa a ter uma função mais estética do
que religiosa. No período, o artesanato também passa a ser distinto das belas
artes. O artesão é aquele que se dedica à produção de obras múltiplas, ao passo
que o artista é quem cria obras únicas.

Já a classificação utilizada na Grécia antiga incluía seis ramos dentro da


própria arte: a arquitetura, a dança, a escultura, a música, a pintura e a poesia
(literatura). Mais recentemente, houve a inclusão do cinema como sendo a sétima
arte e a fotografia como a nona. Seja como for, a definição do termo “arte” varia
conforme a época e a cultura, e é um reflexo da maneira criativa como o ser
humano vive, pensa, sente e acredita em determinada época.

A estética é uma ciência que irá decifrar todas as mudanças conceituais e


teóricas da arte ao longo do tempo, bem como analisar a relação existente entre
a arte e o homem.

3
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Entretanto, o que será que determina o fazer artístico? Trata-se de uma


dinâmica intensa, que envolve três importantes elementos intrinsicamente
ligados ao artista: sua personalidade, o contexto histórico-cultural e as influências
recebidas pelo meio ambiente em que vive. Para Gallo (1997), o próprio artista
determina a funcionalidade de sua obra.

Vejamos agora algumas definições de artistas e intelectuais famosos a


respeito da arte, segundo Herman (2014), para tentarmos abarcar um pouco da
complexidade do universo conceitual. Ao final de cada citação, você encontrará o
nome do artista, o período em que ele viveu e a fonte da citação.

• Arte como imitação ou criação:

- “O artesão sabe o que ele quer fazer antes mesmo de começar, mas a confecção de
uma obra de arte é um negócio estranho e arriscado, no qual o fabricante nunca
sabe exatamente o que ele está fazendo até que ele faça”. R. G. Collingwood
(1889-1943), filósofo inglês, The Principles of Art (1938).

- “A arte ou é plagiária, ou é revolucionária”. Paul Gauguin (1848-1903), artista


francês nascido no Peru, citado em Huneker, The Pathos of Distance (1913).

• Arte cria beleza ou harmonia:

- “Preenchendo um espaço de uma maneira bonita. Isso é o que a arte significa


para mim”. Georgia O'Keeffe (1887-1986), pintora americana, em Art News,
dezembro de 1977.

- “A arte é harmonia”. Georges Seurat (1859-1891), pintor francês, carta para


Maurice Beaubourg (1890).

• Arte como algo que revela a verdade essencial ou escondida:

- “A arte não reproduz o visível, em vez disso, torna (algo invisível em) visível”.
Paul Klee (1879-1940), pintor suíço, The Inward Vision (1959).

- “Todos sabemos que a arte não é verdade. A arte é uma mentira que nos faz
perceber a verdade”. Pablo Picasso (1881-1973), pintor espanhol, citado em
Picasso on Art, de Dore Ashton (1972).

• Arte como um pensamento expressado através da forma (ou não):

- “As ideias sozinhas podem ser obras de arte. Todas as ideias não precisam ser
concretizadas. Uma obra de arte pode ser entendida como uma ponte entre
a mente do artista para o espectador. Mas talvez a obra de arte nunca possa
chegar ao espectador, ou talvez nunca saia da mente do artista”. Sol LeWitt
(1928-2007), artista americano, "Sentenças na arte conceitual", em Arte e
Significado, editado por Stephen David Ross (1994).
4
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

• Arte como uma fonte de calma em um mundo caótico:

- “A arte tem algo a ver com a conquista da quietude no meio do caos”. Saul
Bellow (1915-2005), romancista americano, em George Plimpton, Writers at
Work, terceira série (1967).

• Arte como fenômeno político:

- “ Não acho que a arte seja elitista ou misteriosa. Não creio que ninguém possa
separar a arte da política. A intenção de separar a arte da política é em si
mesma uma intenção muito política”. Ai Weiwei (1957-), artista chinês, "Shame
on Me", em Der Spiegel, 21 de novembro de 2011.

• Arte como autoexpressão ou autobiografia:

- “O que é arte? A arte cresce fora da tristeza e alegria, mas principalmente, do


sofrimento. Nasce da vida das pessoas”. Edvard Munch (1863-1944), artista
norueguês, em Edvard Munch: The Man and His Art, de Ragna Stang (1977).

  - “Toda a arte é autobiográfica; a pérola é a autobiografia da ostra”. Federico


Fellini (1920-1993), diretor de cinema italiano, no Atlantic Monthly, dezembro
de 1965.

• Arte como comunicação de sentimentos:

- “Evocar em si mesmo um sentimento que experimentou, e então, por meio


de movimentos, linhas, cores, sons ou formas expressas em palavras, para
transmitir esse sentimento - esta é a atividade da arte”. Leon Tolstoi (1828-
1910), autor russo, em O que é arte? (1890).

• Arte como vício:

- “A arte é uma droga formadora de hábitos”. Marcel Duchamp (1887-1968),


artista norte-americano de origem francesa, citado em Richter, Dada: arte e
antiarte (1964).

• Arte como uma tentativa de se obter a imortalidade:

- “A arte é uma revolta, um protesto contra a extinção”. André Malraux (1901-


1976), romancista, ensaísta e crítico de arte francês, Les Voix du silence (1951).

• Arte como aquilo que é exibido em um museu ou galeria:

- “[Em 1917, Marcel Duchamp, usando o pseudônimo R. Mutt, submeteu um urinol


comprado na loja, que intitulou “Fonte”, para uma exposição de arte]. Se o Sr.
Mutt, com suas próprias mãos, fez o tal urinol ou não, isso pouco importa. Ele
fez a escolha. Ele tomou um objeto comum, do nosso cotidiano, colocou-o (em

5
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

um museu) de modo que seu significado útil desapareceu sob um novo título e
ponto de vista (e) criou um novo pensamento para o objeto”. Marcel Duchamp,
Beatrice Wood e Henri-Pierre Roché, The Blind Man, 2ª edição (maio de 1917).

- “Se uma declaração geral pode ser feita sobre a arte dos nossos tempos, é
que, por um lado, o antigo critério do que uma obra de arte deveria ser foi
descartado em favor de uma abordagem dinâmica na qual tudo é possível”.
Peter Selz (1919), historiador de arte americano de origem alemã, Art in Our
Times (1981).

A arte, como vimos a partir das definições anteriores, é um tema complexo,


que merece ser adensado em suas teorias, definições e concepções históricas.
Vamos agora explorar um pouco mais o tema nos estudos desta unidade.

2 A NATUREZA DA ARTE: DEFINIÇÕES, CONCEITOS E TEORIAS


“Realmente não existe a arte como tal. Há apenas artistas”.
(Gombrich, 1984, p. 4)

A observação de Gombrich sugere que a arte não existe por si própria,


mas é algo que os artistas fazem. Os vários exemplos utilizados para ilustrar
determinada opinião – a cerâmica, a arquitetura, a pintura, as instalações
contemporâneas, a arte performática, a fotomontagem e escultura – têm um
status estético.

Em outras palavras, o rótulo "arte" conecta objetos, práticas e processos


muito diferentes. Reconhecendo a diversidade, várias categorias foram feitas
dentro de definições de arte visual. Assim, podemos propor um conjunto geral
de diretrizes para entender como a arte é definida.

As belas artes têm sido tradicionalmente utilizadas para distinguir as


artes promovidas pela academia, incluindo a pintura, o desenho, a escultura, o
artesanato. Este último normalmente se refere aos trabalhos criados para uma
função, como cerâmica, joalheria, têxtil, bordado e vidro, designados como artes
decorativas.

A distinção não se aplica tão fortemente na arte contemporânea, a qual


apresenta uma variedade de materiais que são utilizados, incluindo, por exemplo,
a cerâmica na obra de Grayson Perry (1960) e os bordados nas ilustrações de
Izziyana Suhaini (1986).

6
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

FIGURA 1 – AS CERÂMICAS DE GRAYSON PERRY – ARTE EM


CERÂMICA

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.compin/29266367


5762438130/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

As formas e o conteúdo de Perry são sempre incongruentes: as cerâmicas


clássicas carregam memórias de sua triste infância, frisos de carros-naufrágios,
celulares, supermodelos, bem como cenas mais escuras e literárias, geralmente
com referências autobiográficas.

FIGURA 2 – AS ILUSTRAÇÕES BORDADAS DE IZZIYANA SUHAINI

FONTE: Disponível em: <http://blog.oysho.com/en/izziyana-suhaimi-


embroidered-illustrations/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Izziyana Suhaina argumentava que o trabalho dela explorava as evidências


da mão e do tempo. Era um ato quieto e silencioso, e cada ponto representava um
momento do passado. A construção de pontos se tornava então uma representação
do tempo e o trabalho final era como uma manifestação física do tempo – um
objeto de tempo.

7
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Cada ponto também era uma gravação dos pensamentos e emoções do


criador. A artista apreciava a dualidade do bordado em seus movimentos de
esfaquear, cortar, cobrir, construir, reparar, desmontar. Cada ponto feito parecia
revelar e conter uma história ao mesmo tempo.

Há, no entanto, ainda uma diferenciação entre os objetos feitos com uma
função específica em mente (as preocupações técnicas e relacionadas ao design
são primordiais) e aqueles que são feitos principalmente para exibição em museus
ou galerias de arte.

Uma definição mais ampla de arte engloba as atividades que produzem


obras com valor estético, incluindo a realização de filmes, performance e
arquitetura. Por exemplo, a arquitetura sempre teve uma conexão estreita com a
pintura, com o desenho e com a escultura. Exemplos são o renascimento clássico,
que ocorreu no século XVIII e no início do século XIX, e a estética da Bauhaus da
década de 1930, que integrou belas artes com design, artesanato e arquitetura.

As definições contemporâneas da arte não são tão específicas como as


ideias que costumavam ser das belas artes, particularmente restritivas sobre
a natureza do valor estético. As definições contemporâneas estão associadas à
teoria institucional da arte, provavelmente a definição mais amplamente utilizada
de arte hoje. Esta reconhece que a arte pode ser um termo designado pelo artista
e pelas instituições do mundo da arte, e não por qualquer processo externo de
validação.

Por um lado, fornece um quadro expansivo para a compreensão de


diversas práticas artísticas, porém, por outro lado, é tão ampla que pode, por
vezes, tornar-se sem um sentido definido. No entanto, independentemente da
categorização, todas as definições de arte são mediadas através da cultura, história
e linguagem. Para entendermos os diferentes conceitos de arte, precisamos olhar
para a sua origem social e cultural.

2.1 O CONCEITO CLÁSSICO DA ARTE


Em um contexto ocidental, a arte é entendida como uma atividade prática
e com base no artesanato, que tem a história mais longa. Por exemplo, dentro da
cultura grega antiga, não havia nenhuma palavra ou conceito que se aproximasse
da nossa compreensão de "arte" ou "artista". No entanto, a palavra grega 'techne'
designou uma habilidade ou arte, e a palavra 'technites' significa um artista que
criou objetos para fins e ocasiões particulares (SORBOM, 2002).

Da mesma forma, no mundo clássico, exemplos de arte, como estátuas


e mosaicos, tinham papéis práticos, públicos e cerimoniais. Vejamos o exemplo
de uma escultura clássica de Zeus, que é uma cópia de uma escultura original
grega do século V a.C., que teria sido julgada de acordo com o padrão técnico
demonstrado e na medida em que cumprisse os papéis sociais e cívicos esperados.

8
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

FIGURA 3 – A FORÇA DO CONCEITO CLÁSSICO NA ATUALIDADE: CÓPIAS


RECENTES DE ESCULTURAS GREGAS ANTIGAS

FONTE: Disponível em: <http://skylightstudiosinc.com/s/bronze-sculpture-


reproductions/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

O mais importante foi a crença de que a forma humana deveria ser


representada em seu sentido vital como sendo a união do corpo e da alma
(SORBOM, 2002). A ideia de que uma escultura ou mosaico deveria ser julgada por
critérios independentemente de tais fins era estranha ao conceito clássico de arte.

Dentro de uma tradição ocidental de arte, originária da prática grega e


romana, as categorias de arte e artesanato se tornaram familiares em contextos
específicos, com relação à cultura e públicos particulares.

Em toda a Europa e América do Norte, por exemplo, os pressupostos


culturais sobre o que a arte deveria ser estavam intimamente ligados às
origens e ao desenvolvimento do tema acadêmico da própria história da arte,
sendo fundamentais as instituições sociais, como academias e museus, que
foram estabelecidos a partir do final do século XVI em diante. Coletivamente,
determinados interesses estabeleceram definições normativas da arte, ou seja,
ideias sobre como a arte deve se apresentar e a sua função, cujas variações do
conceito continuam até hoje.

Outro ponto importante é que rotular algo como arte implica em algum
tipo de julgamento avaliativo sobre a imagem, objeto ou processo. Reconhece a
especificidade de uma variedade de práticas dentro de uma categoria mais ampla
ou tradição com reivindicações particulares ao valor estético e/ou social. Contudo,
é importante entender que o significado e as atribuições da arte são particulares
para diferentes contextos, sociedades e períodos.

Seja qual for a prevalência no tempo de objetos e práticas com propósitos


estéticos, ideias e definições da arte estão sempre sujeitas ao seu tempo histórico, e
se relacionam com os pressupostos sociais e culturais das sociedades e ambientes
que as formam.

9
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

2.2 O CONCEITO DAS BELAS ARTES


O conceito das belas artes ou artes plásticas, influenciado pelo conceito
clássico da arte, surgiu no século XVIII e permaneceu forte até o movimento
moderno, mas podemos dizer que ainda é utilizado, em certa medida, na
contemporaneidade. O conceito pressupunha que a pintura, a escultura, o desenho
e a arquitetura eram manifestações superiores às artes aplicadas, praticadas por
trabalhadores.

A categorização baseada na academia das belas artes e o consenso


que a sustentou durante vários séculos demonstram como os interesses eram
duradouros e hegemônicos. Contudo, a partir do final do século XIX, muitos
artistas de vanguarda começaram a fazer trabalhos que questionavam tanto a
temática convencional quanto o primado das categorias distintas (pinturas de
história e retratos, por exemplo), ou a tradição de representação que significavam.

O trabalho dos artistas Paul Cézanne (1839-1906), Pablo Picasso (1881-


1973) e Georges Braque (1882-1963) demonstrou a importância da vida selvagem
como gênero para o nascimento do modernismo (BRYSON, 1990).

Da mesma forma, o desenvolvimento da colagem de Braque e Picasso e


a inclusão nesta de objetos cotidianos, como folhetos e ingressos, exploraram a
realidade da superfície plana, em vez de ocultá-la através do ilusionismo, que
tinha sido uma característica tão dominante da pintura e da escultura, patrocinada
pela Academia de Belas Artes.

FIGURA 4 –“GARRAFA DE VINHO MARC, VIDRO, VIOLÃO E JORNAL” –


COLAGEM DE PABLO PICASSO, FEITA EM 1913

FONTE: Disponível em: <https://br.pinterest.com/explore/picasso-


collage/?lp=true>. Acesso em: 25 jul. 2017.

10
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

As ideias baseadas na academia geralmente marginalizavam práticas


de arte não ocidentais, que refletiam diferentes ideias sobre estética, cultura e
significado. O comércio, colonização e imperialismo no exterior estimularam o
interesse em máscaras tribais, esculturas, tecidos e objetos, que representavam
fetiche de regiões como África, Ásia, Índia e Península Ibérica. Os objetos e as
culturas nativas contribuíram para grandes coleções etnográficas em toda a
Europa, estimulando o interesse generalizado por arte e artesanato não ocidentais.

Na vanguarda modernista, vários artistas, como Braque, André Derain


(1880-1954), Ernst Kirchner (1880-1938), Henri Matisse (1869-1954), Picasso e
Maurice de Vlaminck (1876-1958) popularizaram o culto do primitivismo.

FIGURA 5 – “CABEÇA DE MULHER”, DE PABLO PICASSO, FEITA EM 1907 –


A INFLUÊNCIA DAS MÁSCARAS AFRICANAS NA PINTURA GEOMÉTRICA DE
PICASSO

FONTE: Disponível em: <https://pixel77.com/influence-art-history-cubism/>.


Acesso em: 25 jul. 2017.

Embora tais interesses frequentemente refletissem estereótipos romantizados


sobre o que a arte e a cultura primitiva realmente significavam, também havia o
reconhecimento das dimensões sociais e políticas (LEIGHTEN, 1990).

O legado de convenções baseadas na academia de arte é tal que ainda


há uma tendência de alguns por classificarem obras de arte – pintura, desenho
e escultura – como intrinsecamente superiores às práticas contemporâneas de
instalação, performance ou arte conceitual.

Para entender tais categorizações e exclusões, é útil considerar as teorias


estéticas, que têm sido historicamente influentes na formação de valores e
premissas sobre o significado da arte.

Vamos agora aprofundar nossos conhecimentos acerca das teorias


e concepções da arte, que se deram sobretudo a partir do Renascimento até a
contemporaneidade.

11
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

2.3 ARTE COMO IMITAÇÃO


Para iniciar nossos estudos sobre a temática, vamos observar as obras
intituladas Adão e Eva, de 1526, do artista Lucas Cranach I (1472-1553) e o retrato
da Sra. Fiske Warren e sua filha Rachel, de 1903, do artista John Singer Sargent
(1856-1925):

FIGURA 6 – PINTURA DE CRANACH (ADÃO FIGURA 7 – SINGER (SRA. FISKE WARREN E SUA
E EVA, 1526) FILHA RACHEL, 1903)

FONTE: Disponível em: <https:// FONTE: Disponível em: <http://jssgallery.org/


commons.wikimedia.org/wiki/File:Lucas_ Paintings/Mrs_Fiske_Warren_and_Her_Daughter.
Cranach_the_Elder-Adam_and_Eve_1533. htm>. Acesso em: 25 jul. 2017.
jpg>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Existem grandes diferenças entre as duas pinturas em termos de tema,


data, gênero, origem, materiais e significados. Apesar de terem quase 400 anos
de diferença, Cranach tenta transmitir o simbolismo de uma história bíblica
(a Tentação de Adão) e Sargent procura capturar, como em uma fotografia, a
semelhança da Sra Fiske e de sua filha Rachel.

Ambas as pinturas trabalham com base na semelhança, tanto as


circunstâncias de um evento imaginado quanto as características de um indivíduo
em particular. A teoria da imitação (ou mimeses) situa a arte como um espelho
para a natureza e o mundo que nos rodeia. Dentro da história da pintura ocidental,
o princípio da imitação foi associado à invenção e à adoção generalizada do ponto
de vista único, uma inovação que, literal e simbolicamente, sublinhou o primado
do ponto de vista do artista.

12
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

Foi um grande avanço que ajudou em ilusões cada vez mais convincentes
das noções de profundidade e espaço em uma superfície plana. Por exemplo, uma
pintura naturalista, como a Santíssima Trindade de Masaccio, pintada em 1427,
em Santa Maria Novella, na Florença, tornou-se, em efeito de teorias e histórias
da arte, um marco importante na história da arte, que pelo uso da perspectiva e
realismo, parte para uma nova dimensão espacial.

FIGURA 8 – SANTÍSSIMA TRINDADE DE MASACCIO (1427). SANTA


MARIA NOVELLA, FLORENÇA

FONTE: Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Holy_Trinity_


(Masaccio)>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Determinado exemplo foi emblemático nas tentativas de capturar a


forma como as coisas pareciam aos olhos, ou como se acreditava que fossem na
realidade. O sucesso de uma obra de arte tornou-se, em grande parte, dependente
da extensão e facilidade com que os espectadores fossem seduzidos a suspender a
descrença, esquecendo que, de fato, estavam olhando para uma superfície plana
e bidimensional.

13
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

2.4 A IDEIA DE MIMESES DE PLATÃO


A ideia de arte como imitação pode ser rastreada até o décimo livro “A
República”, de Platão, de 340 a.C. (SHEPPARD, 1987). Em seus escritos, Platão
depreciou a pintura, compreendida por ele como uma mera mimese ou imitação,
como tendo um uso limitado. Uma pintura de uma mesa não era a forma ideal
da mesa (a ideia perfeita de uma mesa que existia na imaginação divina), nem a
mesa feita em uma oficina de carpinteiro.

De acordo com Platão, uma pintura de uma mesa era apenas uma cópia
e tinha um valor prático limitado, uma vez que não poderia ser usado para
realmente fazer ou projetar uma mesa real (LYCOS, 1987). Embora, em outros
lugares, Platão apoie mais a arte esquemática (HYMAN, 1989), seus comentários
aqui sugerem que a prática da pintura imitativa e ilusionista é paralela a uma
atividade fraudulenta. A abordagem de Platão em relação à arte foi moldada pelo
mundo clássico e pelos valores de sua época.

O princípio da imitação faz mais sentido quando consideramos a crença,


proeminente desde o Renascimento, de que os artistas devem tentar uma
representação mais precisa do assunto possível. Crenças desse tipo moldaram
muito o cânone ocidental de arte – aqueles exemplos julgados pelas academias de
arte como modelos ideais. Na verdade, levaram quase 400 anos, após o nascimento
de Leonardo da Vinci (1452-1519), para um desafio de vanguarda sobre a crença
dominante de que a arte era fundamentalmente imitativa.

Entretanto, a ideia de que a arte deve ser imitativa das coisas no mundo
continua a ser generalizada e determinado conceito ainda é bastante presente, em
alguns casos, aos aspectos da prática contemporânea. Apesar de todo o avanço
tecnológico imagético, as pinturas hiper-realistas, feitas com lápis ou por um pincel
ainda constam, na atualidade, como uma forte modalidade apreciada por muitos.

FIGURA 9 – EXEMPLO DE PINTURA HIPER-REALISTA

FONTE: Disponível em: <http://www.top13.net/hyperrealistic-paintings-


renaissance-emanuele-dascanio/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

14
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

DICAS

Você sabe o que é arte hiper-realista? O hiper-realismo é um gênero de


pintura e escultura que se assemelha a uma fotografia de alta resolução. O hiper-realismo
é considerado um avanço do fotorrealismo pelos métodos utilizados para serem criadas
as pinturas ou esculturas. O termo é aplicado principalmente a um movimento artístico
independente e estilo de arte nos Estados Unidos e na Europa, que se desenvolveu desde o
início da década de 1970.c

A imitação não é uma condição necessária, nem suficiente da arte.


Certamente, não explica o status artístico da música, arquitetura, ficção
imaginativa ou poesia. Também não explica a abstração – arte que não tem
nenhuma semelhança óbvia com o mundo que nos rodeia ou com instalações
tridimensionais. Considere, por exemplo, uma das quatro versões do quadrado
preto de Kasimir Malevich (1878-1935), c.1929.

FIGURA 10 – O QUADRADO NEGRO DE MALEVICH (1929)

FONTE: Disponível em: <http://www.independent.co.uk/artsentertainment


/art/features/kasimir-malevichs-black-square-what-does-it-say-to-you-
9608316.html>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Embora a imagem tenha sido interpretada de várias maneiras, o


naturalismo não está entre seus elementos de representação. A teoria da mimese
também é inútil ao explorar a arte, que segue diferentes pressupostos sobre
significado e valor.

Potencialmente, determinada teoria marginaliza tradições de criação de


imagens iconoclastas dentro da arte islâmica, por exemplo, demonstrando que
as considerações transcendentes da unidade divina são primordiais e dispensam,
muitas vezes, o uso de imagens realistas ou naturalistas.

15
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Devido à restrição moral em utilizar imagens naturalistas, a arte islâmica


desenvolveu um alto padrão estético ligado às formas geométricas, presentes
muitas vezes na arquitetura em forma de mosaicos, por exemplo.

FIGURA 11 – ARTE ICONOCLASTA E GEOMÉTRICA ISLÂMICA –


MOSAICOS

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/


pin/489062840754588512/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Observemos também a arte da Ásia e da China, que apresenta a


centralidade de um estado meditativo como o fundamento da expressividade
artística. Por exemplo, a arte, após a Dinastia Han (206 AC-220 DC), foi entendida
como uma expressão do tao, significando literalmente o caminho, que derivou do
Taoísmo, uma religião indígena da China (CLUNAS, 1997).

O Taoísmo ofereceu a salvação pessoal e a perspectiva de imortalidade,


crenças que foram transmitidas através de várias práticas cerimoniais, rituais e
alquímicas. Ao contrário da tradição cultural de imitação grega e romana, a arte
produzida na China, naquele momento, estava preocupada com o alinhamento
da personalidade do criador com o tao – o universo e a ordem natural. A ênfase na
imitação também exclui uma ampla gama de objetos e práticas que caracterizaram
a arte de vanguarda mais recente.

16
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

FIGURA 12 – ARTE TAOÍSTA CHINESA – PINTURA EM NANQUIM QUE


TRANSMITE UM ESTADO MEDITATIVO

FONTE: Disponível em: <http://art.thewalters.org/detail/17331/a-taoist-


immortal/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Ainda, a ideia de que a arte e a fotografia imitativas são espelhos imparciais


do mundo externo, é difícil de justificar - todos percebemos e experimentamos o
mundo de maneira diferente. Em última análise, qualquer representação é uma
interpretação que não será neutra, mas subjetiva (FOSTER, 1985).

É importante nos questionarmos. Mesmo quando somos apresentados


com uma imagem naturalista, é realmente o efeito ilusionista que consideramos
ser o último ponto de interesse ou valor? Embora possamos aplaudir o pintor,
ou a técnica naturalista do fotógrafo, a imitação é realmente tudo o que
procuramos na arte?

2.5 ARTE COMO FORMA E CRIAÇÃO


Um jornalista britânico e crítico de arte, Clive Bell (1881-1964), delineou
ideias sobre estética formalista em seu tratado intitulado Arte (1914). Em linhas
gerais, as abordagens formalistas da arte enfatizam a aparência e composição do
trabalho de arte (sua forma), ao invés da narrativa ou conteúdo. Aqui, discutindo
"obras de arte", Bell faz a pergunta: "qual qualidade é compartilhada por todos os
objetos que provocam nossas emoções estéticas?" (BELL, 1949, p. 8).

O autor afirmou que nossa resposta a certos tipos de arte decorreu da


impressão feita pelas propriedades de suas linhas, cores, formas e tons. Ele
afirmou que a resposta estética era intuitiva e involuntária, ou seja, que não temos
controle sobre como nos sentimos diante de, por exemplo, uma tela de Cézanne
ou uma tapeçaria persa. Representada de forma particular, uma configuração de
linhas, formas e cores fornece ao espectador a experiência de maneira significativa
que Bell julgou ser a referência de todas as melhores obras de arte. Da mesma
forma, todos os exemplos têm em comum determinada qualidade significativa.
17
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

A teoria de Bell parece circular e autojustificativa. Uma vez que também


não define claramente "forma" ou "significância", é impossível avaliar com mais
clareza quais os critérios que ele realmente prevê. Sugere-se que o espectador saiba
quando experimentou uma resposta tão atraente a um objeto, mesmo que não
consiga explicar claramente o motivo. A teoria de Bell também era essencialista
– afirmou que a grande arte compartilhava, ou tinha em comum, qualidades
visuais essenciais e consistentes que permitiam o reconhecimento como tal.

É importante ressaltar que, para a era eduardiana, que corresponde


ao período entre 1901 e 1910, no Reino Unido, Bell julgou 12 teorias de arte
e histórias de arte, com atributos para serem aplicáveis tanto às obras de
arte, quanto para exemplos de design, artesanato ou arquitetura, com status
parecidos (EDWARDS, 1999).

A ideia de uma forma significativa, mesmo que deliberadamente vaga,


mostrou-se atraente para uma nova geração, porque parecia explicar o prazer
aparentemente simples e sensual, derivado de realmente olhar objetos estéticos,
independentemente da finalidade, categorização ou status prévio.

E
IMPORTANT

Vamos conhecer o que significa era eduardiana? A era eduardiana da história


britânica cobre o breve reinado do rei Eduardo VII, de 1901 a 1910 e, às vezes, é estendida
em ambas as direções para capturar as tendências de longo prazo da década de 1890 até a
Primeira Guerra Mundial.

2.6 CLIVE BELL E A ABSTRAÇÃO DE VANGUARDA


Embora a teoria de Bell fosse simplista, sublinhou uma mudança de
sensibilidade para além dos julgamentos sobre arte, decorrentes de critérios de
semelhança ou naturalismo acadêmico, que previamente definiram a pintura
tradicional europeia e americana. A crescente prevalência da fotografia, que
proporcionou reproduções mecânicas de imagens, sublinhou a importância de
identificar as características e atributos que eram exclusivos de outras formas de
prática estética (GOULD, 2003).

18
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

FIGURA 13 – A PRESENÇA INOVADORA DA FOTOGRAFIA NA ERA


EDUARDIANA NA INGLATERRA

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/CeruleanHMC/


victorian-and-edwardian-womens-society/?lp=true>. Acesso em: 25
jul. 2017.

Como o colega e contemporâneo Roger Fry (1886-1934), Bell foi um


defensor do trabalho de Cézanne e dos pós-impressionistas, exposições que ele
havia apoiado em Londres, em 1910 e 1912 (GAIGER e WOOD 2003).

Bell também argumentou que o conteúdo narrativo da arte era, na melhor


das hipóteses, irrelevante e, na pior das hipóteses, negava o status estético de
um objeto. Recentemente, para alguns de seus contemporâneos eduardianos,
ele efetivamente deslegitimou muito do cânone da arte ocidental desde o
Renascimento. Determinadas ideias foram importantes porque anteciparam
algumas das respostas críticas à abstração de vanguarda, que posteriormente se
tornaram generalizadas.

2.7 ARTE COMO EXPRESSÃO


“A arte é o remédio da comunidade para a pior doença mental, a
corrupção da alma”. (COLLINGWOOD, 1975).

De acordo com a teoria da expressão, a arte deve esclarecer e refinar ideias


e sentimentos que são compartilhados com o espectador. Entre suas teorias e
história da arte, o expoente mais influente foi o historiador e esteticista britânico
Robin George Collingwood (1889-1943).

Em “The Principles of Art” (1943), Collingwood argumentou que a arte


própria se distingue por uma emoção particular e única, não possuída por arte ou

19
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

arte como diversão, que ele descreve como formas menores de arte técnica. Como
ele mesmo disse com eloquência, o lugar da arte é contar à audiência "os segredos
de seus próprios corações" (COLLINGWOOD, 1975, p. 336).

Ao comunicar o pensamento autêntico ou um estado de espírito, a arte


permitiu adquirir autoconhecimento e, assim, levar uma vida melhor. Como
Graham (1997, p. 32) observa, “é através da construção imaginativa que o artista
transforma a emoção vaga e incerta em uma expressão articulada”.

A ideia de que a arte deve ter um papel amplamente comunicativo não


é nova, mas o que Collingwood parece sugerir é mais ambicioso: a arte deve
transmitir verdades fundamentais e uma visão sobre o que significa ser humano
no mundo.

A teoria é considerada normativa, preocupa-se menos com a definição de


arte como tal, do que como a arte deve ser valorizada e compreendida (GRAHAM,
1997). Na medida em que a teoria de Collingwood ignora a semelhança como um
critério próprio da arte, compartilha semelhanças com a ideia de Bell, de forma
significativa, dentre outras teorias formalistas.

2.8 ARTE COMO ABSTRAÇÃO OU IDEIA

Como na teoria de formas ideais de Platão, Collingwood sugere que a


realização real do objeto de arte é inerentemente inferior à concepção como forma
ideal. Vendo ou encontrando outra forma para as teorias de arte e a história da
arte, as formas, ideias e associações de arte são fundamentais para a experiência
sensorial que ela oferece. A menos que a arte seja reproduzida e compartilhada
com o espectador de alguma forma, ela permanece invisível, conhecida apenas
pela mente do artista.

Embora existam problemas em relação à teoria da expressão de


Collingwood, o que ela reconhece é como a arte visual, como a música, pode
e fornece ideias e perspectivas que não são automaticamente as que surgem da
mera semelhança ou que são necessariamente redutíveis à forma. Embora um
clichê, a ideia de que uma imagem ou objeto possa transmitir mil palavras, pelo
menos, reconhece que a arte pode expressar ideias e associações – sensoriais,
intelectuais ou experienciais – mais facilmente sentidas do que explicadas.

20
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

2.9 ARTE COMO “SEMELHANÇA FAMILIAR”


Diante de tal diversidade, alguns filósofos argumentaram que há pouco
interesse em procurar um denominador comum na arte, seja uma semelhança ou
expressão, o que dará uma definição mais abrangente. Em vez disso, eles usaram
a ideia de "semelhança familiar" (WARBURTON, 2004, p. 149-150).

Embora os membros de uma família compartilhem algumas características


genéticas e físicas de uma geração para outra, haverá semelhança ao invés de
semelhança exata. Portanto, o melhor que podemos esperar é que os tipos de arte,
como pinturas, filmes ou instalações, terão qualidades particulares em comum,
que nos permitirão reconhecê-las como arte. A abordagem oferece a possibilidade
de que formas e movimentos, que inovam a arte, possam ser incorporados na
"família" existente com base em compartilhar algumas características. Assim, a arte
pode ser entendida como um conceito aberto que está sujeito ao desenvolvimento.

Um grande problema com o conceito de semelhança familiar é que não faz


distinção entre propriedades exibidas e não exibidas. Assim, embora possamos
identificar semelhanças estilísticas em exemplos de arte mimética, podem existir
outros casos em que outras práticas de arte diferentes e visualmente diferentes têm
uma conexão subjacente que não é evidente para o olho (WARBURTON, 2003).

2.10 A TEORIA INSTITUCIONAL DA ARTE


A Teoria Institucional da arte, criada por George Dickie (1926), sugere
que a arte pode ser aquilo que o artista ou as pessoas ligadas ao mundo da arte
dizem que ela é. Exemplos típicos incluem a obra intitulada “A Fonte” de Marcel
Duchamp (1887-1968), feita em 1917, ou a obra de Tracey Emin (1963), “Minha
Cama”, de 1999.

Segundo Noéli Ramme (2011), o ponto de partida da Teoria Institucional


da arte não é uma experiência subjetiva ou individual, e não incorpora uma
experiência estética. A teoria de Dickie parte de uma dissociação fundamental
entre o estético e o artístico, como sugerem os ready-mades como arte, de Duchamp.

Assim, o estético teria a ver com uma experiência individual, que não
está restrita ao campo da arte, enquanto o artístico, com uma prática social,
considerando a arte como uma produção coletiva por pessoas que pertencem
a um grupo cultural. Vamos analisar a seguir as obras dos artistas Duchamp e
Emin:

21
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

FIGURA 14 – A FONTE DE MARCEL DUCHAMP FIGURA 15 – MINHA CAMA DE TRACEY EMIN


(1917) (1999)

FONTE: Disponível em: <http://ecoarte. FONTE: Disponível em: <http://www.


info/ecoarte/2012/11/a-relevancia-da-arte- liverpoolecho.co.uk/whats-on/arts-
ciencia-na-contemporaneidade/fonte- culture-news/tracey-emin-tate-liverpool-
urinol-marcel-duchamp-1917/>. Acesso em: bed-11681245>. Acesso em: 25 jul. 2017.
25 jul. 2017.

Apesar de ser uma das teorias mais flexíveis e acolhedoras da arte até agora
esboçada, ela pode apresentar o risco de ignorar as especificidades e atributos da
arte, o que a torna uma atividade humana tão importante e diferenciada. Além
disso, precisamos considerar, em que critérios o mundo da arte faz a seleção
desses objetos designados como arte?

2.11 TEORIAS ESTÉTICAS DA ARTE


Todas as teorias de arte consideradas até agora têm limitações. Ao
reconhecê-las, os filósofos analisaram a natureza da própria avaliação estética.
Em outras palavras, há algo que a nossa resposta à arte tem em comum com o
prazer que tomamos em uma paisagem: a cadência de uma frase ou simplesmente
em ouvir o canto dos pássaros? Será que, ao invés de tentarmos definir a arte,
devemos simplesmente tentar uma definição de beleza? Se pudermos concordar
com isso, talvez possamos basear nossos julgamentos sobre a arte em bases mais
seguras?

A definição de beleza e o caráter da nossa resposta a ela provaram ser um


problema filosófico e estético desafiador, cuja natureza não pode ser totalmente
explorada aqui. Em suma, não há acordo sobre o que é a beleza, ou o que pode
ser. Como observa Sheppard (1987), um relato satisfatório da experiência estética
deve explicar o que a torna tão poderosamente intuitiva e, ao mesmo tempo,
explicar por que o oposto, o desprendimento, ou mesmo o desgosto ou o horror,
também podem ser atraentes.

22
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO ARTE E ESTÉTICA

As teorias e as histórias de arte do filósofo alemão Emmanuel Kant


(1724-1804) alegaram que os julgamentos estéticos são desinteressados, ou seja,
respondemos a um objeto simplesmente com base em como nos parece, ao invés
de ter alguma necessidade ou uso particular para isso. Embora ele tenha afirmado
que os julgamentos estéticos afirmam validade universal, Kant permaneceu vago
quanto ao que os critérios particulares de tais julgamentos estéticos poderiam ser,
ou como possíveis julgamentos estéticos são possíveis (SHEPPARD, 1987).

23
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Uma definição mais ampla de arte engloba as atividades que produzem obras
com valor estético, incluindo a realização de filmes, performance e arquitetura.

• As definições contemporâneas da arte não são tão específicas como as ideias que
costumavam ser das belas artes, particularmente restritivas sobre a natureza
do valor estético. As definições contemporâneas estão associadas à teoria
institucional da arte, provavelmente a definição mais amplamente utilizada de
arte hoje.

• Dentro de uma tradição ocidental de arte, originária da prática grega e


romana, as categorias de arte e artesanato se tornaram familiares em contextos
específicos, com relação à cultura e públicos particulares.

• Em toda a Europa e América do Norte, por exemplo, os pressupostos culturais


sobre o que a arte deveria ser estavam intimamente ligados às origens e ao
desenvolvimento do tema acadêmico da própria história da arte, sendo
fundamentais as instituições sociais, como academias e museus, que foram
estabelecidas a partir do final do século XVI em diante.

• Ao rotularmos algo como arte, avaliamos o tipo de julgamento sobre a


imagem, o objeto ou processo, ou seja, reconhecemos a especificidade de uma
variedade de práticas dentro de uma categoria mais ampla ou uma tradição
com reivindicações particulares ao valor estético e/ou social.

• Seja qual for a prevalência no tempo de objetos e práticas com propósitos


estéticos, ideias e definições da arte estão sempre sujeitas ao seu tempo
histórico, e se relacionam com os pressupostos sociais e culturais das sociedades
e ambientes que as formam.

24
AUTOATIVIDADE

1 No início desta unidade (na Introdução), conhecemos algumas definições


de artistas e intelectuais famosos a respeito da arte, e nos demos conta da
complexidade do universo conceitual. Dentre as definições, escolha duas
com as quais você se identifique mais, e explique o porquê.

2 As teorias da estética têm sido historicamente influentes na formação de


valores sobre o significado da arte. Associe as duas colunas, em termos de
relação do conceito de arte como:

I- Imitação
II- Forma e criação
III-Expressão
IV-Abstração ou ideia

( ) Foi um grande avanço, que ajudou em ilusões cada vez mais convincentes
das noções de profundidade e espaço em uma superfície plana.
( ) Essas ideias foram importantes porque anteciparam algumas das respostas
críticas à abstração de vanguarda, que posteriormente se tornaram
generalizadas.
( ) A arte deve transmitir verdades fundamentais e uma visão sobre o que
significa ser humano no mundo.
( ) As formas, ideias e associações de arte são fundamentais para a experiência
sensorial que ela oferece.

A sequência correta da associação é:

a) I-II-III-IV.
b) IV-II-III-I.
c) III-IV-II-I.
d) II-I-III-IV.

25
26
UNIDADE 1
TÓPICO 2

ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, estudaremos sobre arte e música, bem como conheceremos
a natureza da estética.

A arte existe ao longo de toda a história da humanidade e a sua


importância reside, basicamente, na habilidade humana de abstrair o pensamento
e interpretar o mundo à sua volta de maneira criativa e simbólica. A estética, por
sua vez, é importante porque aprofunda a razão pela qual a arte sempre existiu,
a necessidade ardente da humanidade através dos tempos para ver o mundo de
uma maneira diferente e clara.

Já a estética da música compreende a reflexão filosófica sobre a origem,


a natureza, o poder, o propósito, a criação, o desempenho, a recepção, o
significado e o valor da música. Algumas das suas reflexões abordam questões
gerais de estética colocadas em um contexto musical. Por exemplo, qual é o status
ontológico da obra de arte na música, ou quais são os fundamentos dos juízos
de valor na música? Outros problemas são mais ou menos peculiares à música,
faltando um paralelo claro em outras artes. Por exemplo, qual é a natureza do
movimento percebido na música? Como o casamento entre música e palavras
pode ser melhor compreendido?

É importante determinada análise porque, segundo Schafer (1991, p.


67), “ao contrário de outros órgãos dos sentidos, os ouvidos são expostos e
vulneráveis. Os olhos podem ser fechados, se quisermos; os ouvidos não, estão
sempre abertos. Os olhos podem focalizar e apontar nossa vontade, enquanto os
ouvidos captam todos os sons do horizonte acústico, em todas as direções”.

Portanto, o estudo da estética, no campo das linguagens artísticas, busca


compreender o significado subjetivo da arte. A estética é um ramo da filosofia
que lida com noções como a beleza, a feiura e o sublime. A origem da palavra
estética é aisthetike em grego, que significa percepção através dos sentidos.

Assim, este tópico contribuirá para a realização de uma análise entre arte,
música e a estética.

27
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

2 CARACTERÍSTICAS DA ARTE
Em linhas gerais, podemos estabelecer que a arte:

• É uma expressão de emoções.


• É desestruturada e aberta.
• Não pode ser facilmente quantificada.
• Não pode ser duplicada.
• Mexe com as pessoas em um nível emocional.
• Provém do intelecto, do coração e da alma.
• É um resultado dos talentos inatos de uma pessoa.
• Joga com as emoções.

2.1 A INCERTEZA DA ARTE


No caso da arte, há a incerteza inerente que é evidente em cada golpe de
pincel que um pintor faz em uma tela. É bastante idêntico, em todas as sílabas,
que um ator progrida no palco, desde que ele também esteja improvisando.
Ninguém sabe como será a peça final até o último detalhe ser colocado. Nenhum
crítico pode avaliar o desempenho até que o ato seja completo e uma resposta seja
despertada da audiência.

3 DEFINIÇÃO DE ESTÉTICA
Iniciamos nossos estudos nos perguntando: o que é estética? A palavra
estética foi utilizada, pela primeira vez, no contexto moderno, pelo filósofo
Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1831). Ele queria estabelecer uma disciplina
da Filosofia que pudesse estudar todas as manifestações artísticas.

A estética, segundo Baumgarten, é uma disciplina que reflete acerca das


emoções produzidas pelos objetos que são admirados pelos seres humanos.
Entretanto, o termo estética, contudo, já havia sido cunhado pelos filósofos na
antiguidade através da palavra grega aesthesis, que significa sensibilidade.

A estética é, portanto, um dos dois ramos principais da teoria de valor


na filosofia. O outro ramo seria a ética, que é um estudo de valores na conduta
humana. A estética é um estudo de valor na arte, e estuda o relacionamento da
arte com o ser humano.

No entanto, podemos definir o campo de forma muito restrita ao


considerarmos que a arte inclui a literatura de prosa e poética. Poderíamos
argumentar que a literatura sempre tem um componente auditivo. Quando lemos
a literatura, os sons e as inflexões das palavras acompanham nossos pensamentos.
Poderíamos resolver o problema dizendo que a estética é um estudo de valor nas
artes plásticas, visuais, conceituais, auditivas e de performance.
28
TÓPICO 2 | ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

3.1 DEFINIÇÃO DE ARTE NA ESTÉTICA


Há a dificuldade de responder à pergunta: "o que é arte?" na estética. O
termo tem que cobrir uma grande variedade de meios de comunicação, envolvendo
as artes plásticas, a pintura a escultura, música, literatura e artes cênicas da dança,
da ópera e do teatro. Pode até ser expandido para certos esportes de performance,
como patinação no gelo, balé aquático, mergulho e ginástica.

Procurar uma definição comum que abranja o grande número de produções


de arte, desde os primeiros desenhos de cavernas até o último filme experimental,
é uma missão. A definição teria que identificar a “Fonte”, de Marcel Duchamp,
que, como vimos anteriormente, é um urinol branco fabricado em série com a
assinatura do artista, e a obra intitulada “Pietá”, de Michelangelo  di Lodovico
Buonarroti Simoni (1475-1564), mais conhecido por apenas Michelangelo.

FIGURA 16 – PIETÁ DE MICHELANGELO, FEITA EM 1498-1499

FONTE: Disponível em: <http://www.guiageo-europa.com/vaticano/


pieta.htm>. Acesso em: 25 jul. 2017.

A definição mais incontroversa e acordada é que a arte é qualquer coisa


que é artificial, é tudo o que os humanos fazem, o que não é simplesmente algo
que existe na natureza.

De modo provocativo, Marshall McLuhan afirmou que a arte é algo que


podemos inventar sem sermos punidos. Deve ser óbvio, acima, que não há nada
mais controverso quanto a estética, incluindo a própria definição de arte. Vamos
agora discutir, brevemente, como a estética se inter-relaciona com os outros ramos
principais da filosofia: metafísica, epistemologia, ética e filosofia política.

29
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

3.2 ARTE, ESTÉTICA, ÉTICA E FILOSOFIA


A relação entre estética e ética é intrigante, pois o artista ou o compositor
sempre teve um relacionamento ambíguo com a sociedade. Por um lado, ele pode
ser discriminado como artesão ou decorador, por outro, como um herói cultural,
por exemplo, dentro das cidades-estados da Itália do Renascimento, ou como
ícone nacional, como os compositores e autores da Rússia czarista.

Por um lado, ele é chamado para promover os valores éticos reverenciados


de uma sociedade e, por outro, temido como um incendiário boêmio que ameaça
o núcleo moral de uma cultura. Mais uma vez, os puristas diriam que esperar que
as obras reforcem valores éticos ou culturais ou que denigram é um grande erro
de categoria. Os valores estéticos não têm nada que ver com os valores morais.

Uma vez que, no entanto, a arte não pode ser extraída completamente
dos contextos históricos não apenas das sociedades dentro das quais os artistas
trabalham, mas também das teorias estéticas clássicas que associam arte com
beleza, além das supostas obrigações da comunidade humana para buscar beleza
no mundo e no caráter de pessoas. Assim, a filosofia da arte tentou mostrar a
relação entre arte e valores morais e políticos.

E
IMPORTANT

Vamos conhecer o que significa o termo “purismo”. O purismo, referente às artes,


foi um movimento que ocorreu entre 1918 e 1925, que influenciou a pintura e a arquitetura
francesa. O purismo foi liderado por Amédée Ozenfant e Charles Edouard Jeanneret (Le
Corbusier). Ozenfant e Le Corbusier criaram uma variação do movimento cubista e a
chamaram de purismo. O movimento demonstra que os objetos são representados como
formas elementares desprovidas de detalhes. Os principais conceitos foram apresentados em
seu livro “Após o Cubismo”, publicado em 1918.

Platão reconheceu o valor da arte como um meio para transmitir valores


morais e políticos. De fato, a pedagogia da Atenas antiga consistiu principalmente
no canto da poesia épica homérica em uníssono pela juventude da cidade-estado.
Com o principal meio de educar as sensibilidades, as harmonias psíquicas e
as responsabilidades cívicas do indivíduo de grande alma, Platão era a favor
de censurar severamente as representações homéricas de heróis e de deuses
vingativos, licenciosos, duplicados ou injustos.

A ilustração de uma crítica de arte clássica mostra que a arte tem sido
historicamente considerada como um meio central de propaganda de valores
morais, religiosos, culturais ou políticos e castigada como perigosa para aqueles
valores que exigem censura, perseguição ou proibição pela Igreja, pelo Estado
ou ambos.
30
TÓPICO 2 | ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

E
IMPORTANT

Você sabe o que significa poesia épica? A poesia épica, em estudos clássicos, é
um gênero da literatura que se refere ao poema narrativo relativamente que mostra afinidades
formais com o épico, mas revela uma preocupação com temas e técnicas poéticas que não
são, no geral, ou pelo menos, primariamente, características adequadamente épicas.

E você sabe o que significa poesia épica homérica? Homérico é um adjetivo que se refere ou
pertence ao poeta grego Homero, a suas obras, ou a seu estilo: “poemas homéricos”, “tempos
homéricos”, “período homérico”. Homero foi o poeta das epopeias “A Ilíada” e “Odisseia”. Viveu
na Grécia entre os séculos IX e VIII a.C.

A estética freudiana, de Sigmund Freud (1856-1939) e a estética marxista,


de Karl Marx (1818-1883), possuem componentes eticamente relevantes. Os
intérpretes freudianos da expressão artística veem as obras de arte como
resultado de uma luta titânica entre o ego libidinoso, insocial e inculto do artista
e o superego legítimo, ético, cultivado e sofisticado. Friedrich Nietzsche (1844-
1900) antecipou a análise freudiana no século XIX.

Os críticos de arte marxistas acham que as obras de arte representam


sempre os valores da classe dominante e exploradora em uma sociedade. Assim,
eles veem artistas contemporâneos que procuram um estilo individualista sem
precedentes (um estilo que não só inventa um novo trabalho, mas um gênero
de trabalho inteiramente novo) como resultado de uma celebração capitalista
burguesa dos direitos individuais, justificando a liberdade das corporações a fim
de poderem explorar as classes trabalhadoras.

Basta dizer que qualquer artista que busque o reconhecimento do público


com relação ao seu trabalho encontrará o trabalho julgado não apenas em seus
valores estéticos, mas também pelo seu efeito negativo ou positivo sobre as
sensibilidades públicas. A batalha entre os censores e os defensores da liberdade
de expressão nunca cessa.

Leva-nos à consideração de que muitos teriam acreditado ser a preocupação


mais proeminente dos esteticistas. Entretanto, o que torna uma obra de arte uma
boa obra de arte? Não faltam críticos de arte tentando orientar nossos planos de
fim de semana na galeria, no teatro ou no auditório local nas grandes cidades. Os
esteticistas entraram em conflito com a possibilidade de um único padrão estético
universal para julgar a miríade de obras e gêneros de arte ao longo dos milênios
como arte boa ou ruim. Os pluralistas que rejeitam um único padrão abrangente
afirmam que o critério de uma ótima performance de dança é distinto do critério
da literatura excelente, e assim por diante.

31
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

E
IMPORTANT

O pluralismo é um termo usado na filosofia, que significa "doutrina da


multiplicidade", muitas vezes usada em oposição ao monismo ("doutrina da unidade")
e dualismo ("doutrina da dualidade"). O termo tem diferentes significados na metafísica,
ontologia, epistemologia e lógica.

Os esteticistas, aqueles que defendem e/ou praticam o esteticismo na


filosofia, na arte, tentaram distinguir entre gostos subjetivos (relativos a um
grupo ou indivíduo) e apreciação estética das qualidades estéticas do objetivo de
fenômeno. Às vezes chamadas de subjetivo universal, as qualidades dependem
tanto das projeções subjetivas do público e do leitor como a estrutura objetiva da
obra de arte para alcançar a experiência.

No entanto, alegadamente há alguma qualidade do objeto que evoca uma


resposta humana universal àqueles suficientemente preparados para recebê-la.
A suposição de todos os críticos de arte é que sua própria avaliação de uma obra
de arte é generalizável para a audiência esteticamente sofisticada. Um esteticista
contemporâneo é ousado o suficiente para oferecer um critério para a arte
excelente que transcende o tempo, a cultura e os diferentes gêneros da arte.

3.3 ANÁLISE ESTÉTICA DAS OBRAS DE ARTE


O minimalismo é um ótimo exemplo, mas os silk screens, do artista Andy
Warhol (1928-1987), da “Campbells Soup Can”, podem também se qualificar,
porque transmitem a vasta banalidade da cultura comercial com um uso escasso
de materiais.

Entende-se que, quando uma obra de arte é completa, ela exibe três
subcritérios: unidade, complexidade e intensidade. As obras de arte são boas
quando transmitem uma profundidade de significado, diversidade ou intensidade
com uma economia de meios ou quando uma diversidade de elementos se une
em uma unidade formal.

Quando um artista chinês pinta um homem velho atravessando a neve


com um único golpe de pincel, similar à pintura taoísta anteriormente exposta, a
plenitude do significado com a economia dos meios é impressionante.

Silk-screen, também conhecido como serigrafia, ou impressão em tela, é


um processo de impressão à base de estêncil, na qual a tinta é forçada através de
um crivo fino para o substrato abaixo dela. As telas foram feitas originalmente

32
TÓPICO 2 | ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

de seda, mas hoje são desenvolvidas em poliéster ou nylon. O silk-screen é muitas


vezes utilizado para impressão de itens de produção em massa, como camisetas,
cartazes e canecas.

FIGURA 17 – CAMPBELL SOUP CANS DE ANDY WARHOL, FEITA EM 1962

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/explore/


campbell%27s-soup-cans/?lp=true>. Acesso em: 25 jul. 2017.

O conceito-chave de Warhol como artista foi a "industrialização" da arte, e


ele utilizou o silk-screen como processo de duplicação, ao usar o trabalho de outras
pessoas e expandir seu conceito original. O processo do silk-screen combinava
com a sensibilidade de Warhol, durante o momento em que ele estava crescendo
em popularidade como líder no movimento Pop Art.

4 A ESTÉTICA NA MÚSICA
As tentativas de definir o conceito de música geralmente começam,
segundo Levinson (2018), com o fato de que a música envolve som, mas também
postula coisas como a tradição cultural, a realização de objetivos de um compositor
ou a expressão de emoções, como características essenciais da música.

Talvez qualquer conceito plausível, no entanto, tenha que envolver a


produção de sons pelas pessoas para apreciação estética, amplamente concebida.
Ao decidir o que se entende por uma obra musical, outras considerações entram
em jogo, como a identificação com uma estrutura sonora definida por um
determinado compositor em um contexto histórico-musical particular.

Em que sentido podemos dizer que uma peça musical tem significado?
Alguns afirmam que ela tem sentido apenas internamente – em sua estrutura,
como um arranjo de melodias, harmonias, ritmos e timbres, por exemplo –,

33
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

enquanto outros afirmam que seu significado reside na comunicação de coisas


não essencialmente musicais – como emoções, atitudes ou na natureza mais
profunda do mundo.

A mais popular das crenças é que a música expressa emoção. Não quer
dizer, entretanto, que a emoção expressa em uma obra seja necessariamente
experimentada por aqueles envolvidos em sua composição ou performance. Os
compositores podem criar uma música pacífica ou furiosa sem estarem nesses
estados, e o mesmo vale para o desempenho de tais peças musicais pelos músicos.

Ainda, as emoções evocadas nos ouvintes parecem de natureza diferente


das que foram experimentadas diretamente: as emoções negativas expressas na
música não impedem a apreciação do público e, de fato, geralmente facilitam.
Em última análise, a expressividade de um trabalho deve ser vista como algo
diretamente relacionado à experiência de ouvi-la. É dito frequentemente que a
música tem valor primariamente na medida em que é bela, sendo sua beleza o que
dá prazer ao ouvinte. Contudo, a qualidade da expressividade de uma obra, sua
profundidade, riqueza e sutileza, por exemplo, também parecem formar uma parte
importante de qualquer julgamento de valor que fazemos sobre a peça musical.

4.1 O CONCEITO DA MÚSICA


Uma questão fundamental na estética da música é: "o que é música?",
entendida como um pedido de definição ou delineação do conceito geral de
música. Os teóricos adotaram uma série de abordagens diferentes para a questão,
muitas vezes dependendo de seus propósitos para fazê-la. Talvez a única coisa
que todos os teóricos concordem seja que a música é essencialmente formada
pelo som.

A abordagem mais conservadora procura definir música em termos das


características, como: melodia, harmonia, ritmo, metro, instrumentos, vozes e
produção de sons; mas além de ser inadequada a vários modos de composição
contemporânea, como serialismo, minimalismo, música concreta, música
computacional e música aleatória, ignora muitas práticas distantes de nós no
espaço ou no tempo que reconhecemos como musicais.

Uma abordagem mais liberal para definir música - uma estruturalista –


emite na fórmula da música como "som organizado"; embora a música assim
concebida não precise exibir as características padrão da música mencionadas
anteriormente, pois nessa concepção algo é música em virtude de suas
propriedades intrínsecas.

Em outra abordagem, que pode ser denominada "experiencial" ou


"fenomenológica", a música é qualquer som que seja ouvido como música, sendo
então incumbido ao teórico dizer o que faz tal audição musical. As implicações

34
TÓPICO 2 | ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

salientes da abordagem são, primeiro, que sons naturais e acidentais podem ser
música e, segundo, que o status da música é relativo ao ouvinte e à ocasião da
escuta. Segundo Schafer (1991, p. 27), “música é a organização de sons (ritmo,
melodia, etc.) com a intenção de ser ouvida”.

Tentativas foram feitas para definir a música como um tipo de atividade


envolvente do som, distinguida por certos traços culturais ou sociológicos, por
exemplo, uma função cultural particular, como o acompanhamento de rituais ou
o aprimoramento da memória de grupo ou relações sociais particulares, como o
aprendizado. De forma alternativa, a música pode ser definida de uma maneira
essencialmente histórica como aqueles itens, atividades e práticas que envolvem o
som que evoluíram, histórica e reflexivamente, a partir de certos itens, atividades
e práticas anteriores.

Finalmente, podemos tentar caracterizar a música intencionalmente, do


ponto de vista do produtor, apelando para objetivos ou propósitos distintos por
parte dos criadores do som. Uma abordagem de longa data concebe a música como
sons feitos para expressarem, evocarem ou provocarem emoções ou sentimentos.

Outra a concebe como som usado como veículo de pensamento


comunicável, mas não linguístico. Entretanto, a abordagem mais comum do tipo
propõe simplesmente que a música é feita ou arranjada para apreciação estética.

Se alguém está preocupado em definir a música como uma arte, preservar


uma medida de objetividade para o status da música, e ainda assim evitar a
importação da música necessariamente emocional ou intelectual, pode ser pior
do que aceitar a última sugestão. No entanto, para cobrir uma ampla gama de
fenômenos transculturais facilmente reconhecidos por nós como música, mas
nos quais seria difícil discernir uma norma de apreciação estética em operação,
uma noção mais abrangente do objetivo com o qual os sons são feitos deve ser
invocada.

Assim, sugere-se que a música é um som feito humanamente ou arranjado


com o propósito de enriquecer a experiência através do engajamento ativo (tal como
através da execução, escuta, dança), com os sons considerados primariamente
como sons. Tal definição parece adequada para cobrir virtualmente tudo o que é
considerado como música.

Determinada definição acomoda até o notório 4′33″, do teórico musical e


artista John Cage (1912-1992), uma composição musical ostensivamente sem som.
Designar um período de silêncio é uma organização de sons em um determinado
período de tempo, presumivelmente feita aqui com o objetivo de aumentar a
consciência. Além disso, como o compositor claramente imaginou, até mesmo
um intervalo de tempo especificado como aquele a ser deixado em silêncio pelo
intérprete é inevitavelmente preenchido com sons de vários tipos originários do
ambiente em que a peça é executada.

35
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

4.2 A ONTOLOGIA DA MÚSICA


A questão central da ontologia da música, nos domínios musicais, está
ligada ao seu valor enquanto uma obra musical que pode ser repetida e não
ligada a uma ocasião fixa. A obra musical padrão da tradição ocidental não está
ligada a um objeto físico ou a um evento qualquer. Em particular, não é idêntica
à performance. Não é igualmente identificável com qualquer partitura, seja ela a
original manuscrita pelo compositor ou uma cópia produzida em massa, pois tais
coisas são evidentemente vistas e não ouvidas.

Ainda, uma obra musical geralmente é anterior às performances e pode


sobreviver à destruição de todas as suas partituras. No entanto, partituras e
performances continuam sendo de grande importância. Os trabalhos musicais,
nessa tradição, são em grande parte definidos pelas partituras e executados pelas
performances.

Se uma obra musical não é uma entidade física, o que ela será então? Há
quatro visões sobre a questão, três das quais sustentam que uma obra musical é
uma variedade de entidades abstratas.

A primeira é que uma obra musical é um conjunto ou uma classe de


performances. A segunda é que é um tipo puro ou universal, como uma estrutura
ou padrão de som. A terceira é que é uma entidade mental e não uma entidade
abstrata, algo que existe adequadamente nas mentes dos compositores, assim
como talvez nas de seus intérpretes e plateias. E a quarta é que uma obra musical
é um tipo qualificado ou contextualizado, semelhante aos produtos da cultura,
passíveis de serem criados e ligados a certas pessoas, tempos e lugares de origem.
Finalmente, também é possível adotar uma visão mais niilista das obras musicais,
negando que realmente existam tais coisas e reconhecendo apenas as partituras,
performances, intenções e práticas associadas.

Focando na segunda visão, a ideia de que uma obra musical é simplesmente


uma estrutura sonora é de certa forma algo problemático, pois a estrutura musical
também depende do compositor, pois é o resultado de vários atos de escolha e de
arranjos de tons e instrumentações.

Em outras palavras, já existe como um objeto abstrato dentro do sistema


musical no qual a composição ocorre. Contudo, o problema é que, concebida
simplesmente como uma estrutura de som, uma obra musical não pode suportar
o complexo de predições estéticas e artísticas justificadamente feitas dela.

Duas obras musicais, compostas dentro do mesmo sistema musical, podem


ser idênticas na estrutura musical e, ainda assim, diferem nas características
estéticas ou artísticas que lhes são atribuídas, por exemplo, aspereza, astúcia ou
originalidade. É nítido devido aos diferentes contextos em que foram compostos
e aos diferentes contextos de desempenho correto, audição e compreensão que

36
TÓPICO 2 | ARTE, MÚSICA E A ESTÉTICA

implica. Apenas uma visão como a quarta, que individualiza as obras musicais
de forma mais refinada – por exemplo, como aquelas iniciadas por compositores
cuja identidade está ligada a uma pessoa, tempo e lugar – pode ser adequada às
obras musicais.

O ato de compor uma obra musical padrão é, assim, dado a partir de uma
estrutura indicada pelo compositor, dentro de um contexto musical e histórico
específico.

4.3 FORMA E PERCEPÇÃO NA ESTÉTICA MUSICAL


Questões sobre a forma básica da música e a natureza da percepção
envolvida na compreensão da música estão intimamente interligadas, pois a
forma básica da música é discutivelmente aquela em virtude da qual ela é ouvida
como música, ou aquela que é rastreada no curso da percepção da música.

Embora todos concordem que música é um som que é organizado e


apreendido no tempo e, portanto, que a forma da música deve ser audível e
temporal, há discordância em muitos outros pontos. Alguns sustentam que a
forma fundamental da música é local e que reside em conexões de momento a
momento entre partes de pequena escala, enquanto outros mantêm a forma global,
governando seções de uma peça em larga escala e temporalmente distantes, como
sendo básicas.

Alguns consideram a forma musical como sui generis, ou seja, contendo


características únicas, envolvendo qualidades irredutíveis e especificamente
musicais, enquanto outros tomam noções, particularmente espaciais, enraizadas
em outros domínios – como equilíbrio, proporção, simetria e forma geral – para
que seja aplicada diretamente à forma musical.

Também em estética musical se debate sobre a natureza da percepção


fundamental pela qual a forma musical é apreendida. Alguns filósofos acham
que o registro, até mesmo das características musicais mais básicas, como tons,
ritmos, temas e acordes, ou pelo menos a experiência de conexão e movimento
musical, requer um modo especial de percepção das sequências sonoras.

Outros sustentam que tais postulados são desnecessários, alegando que


a percepção comum é adequada aos fenômenos em questão. Uma posição mais
equilibrada sobre o movimento musical assume que mesmo que tal movimento
não resulte em projeção metafórica ou imaginação auricular, a música é ouvida
como em movimento, principalmente em sua ascensão e queda melódica,
progressão harmônica e propulsão rítmica, apesar de não conter qualquer coisa
que literalmente se mova da maneira que é percebida pelo ouvinte.

37
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Atualmente, há muitos trabalhos empíricos sobre a psicologia cognitiva


da música, dignos da atenção dos filósofos, sobre os princípios de agrupamento,
a compreensão do contorno melódico, os mecanismos da memória e da atenção
e os limites da sensibilidade às relações musicais. Também é de interesse o papel
do processamento inconsciente na percepção da música, incluindo a atribuição
de um processador musical de estrutura sintática ou semântica à música tal como
é ouvida.

4.4 SIGNIFICADO DA MÚSICA


É comum dividirmos pontos de vista sobre o significado da música em
dois tipos: o autonomista e o heteronomista. A posição autonomista é que a
música não tem significado, ou então, significa apenas ela mesma (produzindo o
que, às vezes, é chamado de significado "intramusical"). A posição heteronomista
é que a música tem algum tipo de significado que é diferente da própria música
(às vezes, denominada de significado "extramusical").

É difícil encontrar pensadores cujas visões exemplifiquem totalmente


qualquer posição. Hanslick, que considerava a música essencialmente uma
sucessão de tons, e que acreditava que a música era incapaz de transmitir
qualquer coisa além das qualidades dinâmicas exibidas indistintamente por
fenômenos de vários tipos, era um filósofo autonomista. Schopenhauer, por outro
lado, considerava a música como uma imagem da natureza interior do mundo e a
mantinha para significar as infinitas variedades da vontade ou do esforço, e assim
pode ser categorizado como um heteronomista.

O significado musical e a compreensão devem ser vistos como conceitos


correlativos, de modo que o significado de um trecho de música abarque qualquer
aspecto utilizado em sua compreensão.

Vista de determinada perspectiva, a questão de saber se a música tem


algum significado além de si mesma, torna-se a de saber se, na compreensão
musical, precisamos compreender ou responder a qualquer coisa além dos
eventos e das relações puramente musicais. A resposta parece ser sim, embora
ordem e conectividade em dimensões puramente musicais sejam a base do
discurso musical, uma experiência mais analisada desse discurso, portanto, vai
além de uma compreensão das relações musicais em si mesmas.

38
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A arte existe ao longo de toda a história da humanidade e a sua importância


reside, basicamente, na habilidade humana de abstrair o pensamento e
interpretar o mundo à sua volta de maneira criativa e simbólica. A arte é
uma expressão de emoção humana, talento e intelecto. Pode ter diferentes
significados para diferentes indivíduos.

• A estética, por sua vez, é importante porque aprofunda a razão pela qual a arte
sempre existiu, a necessidade ardente da humanidade através dos tempos para
ver o mundo de uma maneira diferente e clara.

• A palavra estética foi utilizada, pela primeira vez, no contexto moderno, pelo
filósofo Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1831). Ele queria estabelecer uma
disciplina da Filosofia que pudesse estudar todas as manifestações artísticas.
Baumgarten definiu a estética como sendo uma disciplina que deveria refletir
sobre as emoções produzidas pelos objetos que são admirados pelos seres
humanos. Entretanto, bem antes, na Grécia antiga, a palavra estética (que
deriva da palavra grega aesthesis, que significa sensibilidade) já era utilizada
pelos filósofos.

• Em termos de conceitualização da música, há várias abordagens possíveis,


dentre elas a abordagem mais conservadora, que define a música em termos
de melodia, harmonia, ritmo, metro, instrumentos, vozes e produção de sons;
a estruturalista, que entende a música como som organizado; a abordagem
fenomenológica, que entende que a música é qualquer som que seja ouvido
como música; e a histórica, que abarca os traços culturais ou sociológicos de
um determinado grupo ou civilização.

39
AUTOATIVIDADE

1 A partir dos estudos realizados neste tópico, descreva o que é a estética e


quais são seus três subcritérios.

2 A música pode ser conceituada, ou seja, compreendida, de maneiras


diferentes. Os teóricos adotaram uma série de abordagens diferentes para
a questão. Talvez a única coisa que todos os teóricos concordem seja que
a música é essencialmente formada pelo som. Selecione a conceituação
incorreta de música a seguir:

a) A abordagem estruturalista entende a música como "som desorganizado".


b) A abordagem fenomenológica entende que a música é qualquer som que
seja ouvido como música.
c) A abordagem mais conservadora procura definir música em termos de
melodia, harmonia, ritmo, metro, instrumentos, vozes e produção de sons.
d) A música pode ser definida por um viés histórico que abarca os traços
culturais ou sociológicos de um determinado grupo ou civilização.

40
UNIDADE 1
TÓPICO 3

O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

1 INTRODUÇÃO
A questão "o que é beleza?" teve, desde a Grécia antiga, com o filósofo
Platão, um lugar proeminente na filosofia ocidental. No entanto, a estética, como
uma disciplina científica e filosófica, que tem a beleza como seu objeto central,
começa a existir apenas na primeira metade do século XVIII com o filósofo alemão
Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), inventor da "estética".

Uma ambição importante da nova disciplina filosófica consiste na


construção das chamadas "categorias estéticas" ou "valores estéticos". Ao longo
de toda a história, o “belo” e o “sublime” serviram como categorias estéticas
centrais. Assim, a questão era: em que condição o “belo” ou “sublime” pode
ser atribuído a um objeto, a uma situação ou a um evento? Ainda, será que o
“feio” pode ser considerado também como uma categoria estética? Existe uma
experiência estética do feio? Ou, qual é a relação entre feio e bonito?

Neste tópico, focaremos na discussão abstrata e mais teórica a respeito dos


"valores estéticos". Podemos ter dúvidas sobre a relevância de categorias estéticas,
como o belo e o sublime em relação à arte contemporânea ou à experiência
contemporânea da arte. Será que o feio se tornou o único atributo estético válido
na arte contemporânea?

Em todo o caso, podemos afirmar que, tanto na produção quanto na


teoria da arte na atualidade, o declínio do conceito da beleza, como um norteador
seguro, é uma certeza. Como Adorno (2004) já argumentou, a beleza e depois, a
"nova beleza", só podem ser abordadas ao nos distanciarmos delas. A beleza que
se retira ainda fascina. Ela nos assombra constantemente, não nos larga. Após o
século XIX, a ascensão do belo e sublime segue o filósofo, também alemão, Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), que é em grande parte responsável pela
ideia do "declínio da beleza". Contudo, a destruição da beleza pode ser ainda mais
radical. Hoje em dia, existe uma tendência para vincular a experiência da beleza
à posição política conservadora, à cultura burguesa, a um gosto social regressivo.

A própria ideia de modernidade seria essencialmente ligada à condenação


do belo como valor e norma estética. Assim, em circuitos de arte, entre curadores,
intelectuais e artistas, o uso do termo “interessante” substituiu o uso do termo

41
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

"bonito". Muito se discutiu depois que Charles Baudelaire (1821-1867) propôs a


beleza como o único rótulo "certo", que poderia determinar seu amor pela arte.
Nos termos, podemos compreender a brincadeira de Paul Valéry quando afirmou:
"a beleza é uma espécie de morte".

Antonin Artaud (1896-1948), juntamente com os artistas Chaim Soutine


(1893-1843) e Francis Bacon (1909-1992), unem forças e transformam a "beleza"
em "crueldade" e sadomasoquismo. A arte mais contemporânea certamente
questiona a existência, o significado e o valor da beleza a favor do novo, do intenso
e do estranho. Nosso tempo se concentra em todos os tipos de mutações, a nossa
mentalidade se tornou sensível ao tempo e tudo isso disputa o belo desde que a
beleza é imutável e estável. A beleza é calma, serena, harmoniosa e traz apenas
contemplação. "A beleza será convulsiva ou não é nada", escreve Breton (2002).

Ao mesmo tempo, a estética não é mais uma ciência da beleza, mas se


tornou uma ciência das sensações, uma ciência de uma subjetividade convulsiva
cuja sensibilidade funciona de forma caótica e depende do contexto. Na verdade,
a arte contemporânea subverteu a estética clássica da beleza. No entanto, não
pode resultar em uma renúncia a priori, global e desesperada da ideia de beleza. A
problematização descrita suscita novas questões que estudaremos ao longo deste
tópico. Existe uma beleza sem forma? A falta de forma leva à feiura? Podemos
experimentar a feiura esteticamente?

2 A BELEZA NA ESTÉTICA
O belo, ou a beleza, é uma categoria básica da estética. Consequentemente,
nenhum trabalho teórico sobre educação estética é completo, a menos que inclua
uma definição da categoria de beleza.

Na aparência, fornecer uma definição da essência da beleza parece


algo bastante simples, mesmo insignificante, como todos tendem a pensar que
conhecem o que realmente é bonito e, por sua vez, o que não é, o que chamamos
de feio. Muitas vezes, a discussão pode, a princípio, parecer inútil ou banal.

No entanto, o belo é uma categoria mais complexa do que aparenta, foi


definido de forma diferente em cada tempo histórico e em culturas e lugares
distintos, e tem sido foco de estudo de diferentes autores que lidam com o tema,
permitindo diferentes concepções. Em outras palavras, os padrões de beleza
mudam ao longo do tempo e de acordo com cada cultura.

O belo, se analisado fora do contexto da filosofia, é considerado como


um atributo; já os filósofos, ao invés de tentarem definir o que é considerado
bonito, tentaram fornecer uma teoria da beleza. O foco no que é belo mudou a
essência da própria beleza. A essência da beleza foi definida pelos filósofos de
várias maneiras e se tornou a principal preocupação dos esteticistas.

42
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

Mesmo Platão discutiu as dificuldades e a importância de distinguir a


beleza e coisas belas. De acordo com Platão, o belo e o bom estão conectados;
no entanto, o belo deve ser definido primeiro. Portanto, de acordo com as
antigas concepções da estética, a beleza e a bondade são valores éticos e estão
inextricavelmente ligados: a estética é moral.

FIGURA 18 – PLATÃO (NA ESQUERDA) E ARISTÓTELES (NA


DIREITA) SÃO RETRATADOS POR RAPHAEL SANZIO (1483-1520)
NA PARTE DO AFRESCO "A ESCOLA DE ATENAS" (1509-1510,
BIBLIOTECA DO PALÁCIO DO VATICANO)

FONTE: Disponível em: <http://www.guiageo-grecia.com/>.


Acesso em: 25 jul. 2017.

Em seu livro “Estética e a Teoria Geral da Arte”, Dessoir (1970, p. 34)


questiona se a beleza e a arte representam conceitos idênticos. Na tentativa de
fornecer uma resposta, ele afirma que "a arte não é o produto da imitação da
beleza, nem é determinada exclusivamente pela beleza". Além disso, o autor
argumenta que os valores estéticos da arte são apresentados por meio da beleza,
bem como através do trágico, do simples, do sublime e do elegante.

Cada categoria estética não é meramente descritiva, também inclui um


valor axiológico, pois há a valorização ou não. Algumas categorias oscilam entre os
dois valores. Tome a palavra "legal", por exemplo, que geralmente implica em algo
"bastante positivo", mas muitas vezes desaparece rapidamente e perde seu valor.

Os valores axiológicos das categorias geralmente estão mudando e, na


maior parte dos casos, são difíceis de avaliar os seus prós e contras. E ainda,
parece que o feio tem para todos um valor desfavorável e negativo sem qualquer
sucessão em relação ao positivo. Dizer que um objeto é feio não significa apenas
afirmar como é um objeto, mas o que é seu valor. Pregar a feiura a um objeto é
uma frase estética.

43
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Dizer que uma obra de arte é feia é argumentar que falhou devido à
incapacidade técnica ou imperfeição. A feiura, na natureza, é considerada um
erro na criação. Consequentemente, um animal que é monstruoso é considerado
como uma exceção dentro da espécie, como uma falha na natureza.

E
IMPORTANT

Você sabe o que significa axiologia? A axiologia é a teoria filosófica


responsável por investigar valores, concentrando-se particularmente nos valores morais.
Etimologicamente, a palavra "axiologia" significa "teoria do valor", sendo formada a partir dos
termos gregos "axios" (valor) + "logos" (estudo, teoria).

O primeiro entendimento sobre a questão seria que é impossível fazer


abstração do caráter axiológico do feio. A feiura não é uma categoria descritiva,
mas uma categoria avaliativa e tem um significado afetivo necessário. A palavra
feio vem do latim foedus, que significa além de desagradável à vista, repugnante,
sujo, vergonhoso e indigno. Assim, percebemos como o peso da palavra carrega,
além de significados, valores morais.

A feiura é sem forma e carece de estrutura interna, equilíbrio e simetria. O


feio não está completo, ele se desvia da norma. É assim que se agarra o significado
da feiura. O predicado "feio" também é difícil de entender do ponto de vista da
lógica.

2.1 DEFINIÇÃO DA BELEZA NA ARTE


Primeiramente nos perguntamos: o que é beleza? Os esteticistas formalistas
reduzem a beleza à "clareza e compreensão fácil de certas relações". A experiência
da beleza ocorrerá se pudermos discernir a unidade dentro da multiplicidade.
Uma vez que a beleza representa apenas uma parte da realidade, é subordinada
à realidade.

Enquanto a multiplicidade é a soma dos aspectos individuais dos sentidos,


como cor, som, palavra, luz, a unidade corresponde à razão e totalidade. Assim, a
experiência da beleza é um processo entre os sentidos e a razão, ou seja, a beleza é
um meio-termo entre os sentidos e a razão. Na história da estética, há numerosas
definições do conceito de beleza. Uma análise das várias teorias da beleza revela
que, em geral, todas as diferentes definições tratam de três noções distintas de
beleza, que podem ser representadas da seguinte forma:

44
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

1) A beleza no seu amplo significado: a noção incorpora também a beleza moral


e combina estética e ética. Tem suas raízes na filosofia antiga, mas se estendeu
bem para a Idade Média.

FIGURA 19 – HARMONIA, SIMETRIA, PROPORÇÃO: PADRÕES DE BELEZA QUE


SURGIRAM NA GRÉCIA ANTIGA

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/pin/2448832984648601


53/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

2) A beleza em seu significado exclusivo da estética: a beleza expressa


principalmente a experiência estética em termos de cor, som, pensamento etc.
A noção é o fundamento da cultura europeia.

FIGURA 20 – CONCEITO DE BELEZA EUROPEU E OCIDENTAL, LIGADO AOS


IDEAIS ROMÂNTICOS E MODERNOS

FONTE: Disponível em: <http://www.theartstory.org/movement-realism.


htm>. Acesso em: 25 jul. 2017.

45
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

3) A beleza no seu significado estético, mas limitada apenas ao que pode ser
percebido com os olhos (cor e forma). Vale ressaltar que, na estética, o belo
raramente é visto dessa maneira. Em geral, a estética contemporânea usa o
segundo conceito.

FIGURA 21 – COR E FORMA ACIMA DE TUDO: A BELEZA NA


CONTEMPORANEIDADE

FONTE: Disponível em: <http://safecranes.org/contemporary-art-the-


modern-art-form/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

As três definições não impedem a existência de outras definições de beleza


mais gerais ou específicas. Pelo contrário, considerados de uma perspectiva
histórica, vários autores forneceram definições que não suportam completamente
as que fornecemos anteriormente. Assim, em “O Significado do Significado”,
Ogden e Richards (2001) ressaltam cinco definições acerca do conceito do belo:

1) É belo aquilo que possui a simples qualidade da beleza.


2) É belo aquilo que promove uma emoção específica.
3) É belo aquilo que tem uma forma específica.
4) É belo aquilo que revela (verdade, espírito da natureza, ideal, universal, típico).
5) É belo aquilo que é uma expressão.

Uma análise mais exaustiva das definições citadas revela as imperfeições


da classificação, no sentido de que as afirmações não podem ser consideradas
como definições profundas, mas como meras estruturas que poderiam servir de
base para novas definições.

Em “A história da beleza”, Eco (2004, p. 89) define que "a beleza nunca
foi absoluta e imutável, mas assumiu diferentes aspectos, dependendo do
período histórico e do país: não é válido apenas para beleza física (de homens, de
mulheres, da natureza), mas também para a beleza de Deus, ou para os santos,
ou ideias". A beleza está entre os três conceitos mais elevados da filosofia: o bom,
o belo e o verdadeiro.

46
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

2.2 TEORIAS DA BELEZA


Os gregos antigos formularam uma teoria geral da beleza demonstrando
que consiste nas proporções das partes, mais precisamente nas proporções e no
arranjo apropriado das peças ou, ainda, mais precisamente no tamanho, qualidade
e número das peças e suas inter-relações.

A teoria foi referida como “A Grande Teoria”. O nome se encaixa bem,


considerando que ao longo de todo o desenvolvimento histórico da estética e da
cultura ocidental, nenhuma outra teoria durou tanto tempo e foi tão amplamente
aceita como esta. “A Grande Teoria” foi desenvolvida pelos pitagóricos.

A Escola Pitagórica definiu a beleza em termos de estrutura perfeita, e a


estrutura foi definida em termos das proporções das partes. Em primeiro lugar,
foi aplicada à música e depois à arquitetura, à escultura e à beleza dos seres vivos,
incluindo então os sentidos da visão e da audição. Harmonia e simetria são os
princípios subjacentes da Grande Teoria da Beleza.

FIGURA 22 – PITÁGORAS VIVEU HÁ 2.500 ANOS

FONTE: Disponível em: <http://www.imagick.org.br/pagmag/


turma2/pitagoras2.html>. Acesso em: 25 jul. 2017.

No entanto, a teoria da proporção se encontrou com críticas desde a


antiguidade. Por exemplo, Plotino (204-270 d.C.), na era da antiguidade tardia,
desenvolveu uma teoria binária desafiando a Grande Teoria da Beleza.

De acordo com a Grande Teoria, a beleza é apenas aquilo que consiste em


partes, mas o brilho, as estrelas e o ouro não consistem em partes, mas são belos
do mesmo modo. Portanto, é baseada na proporção e na clareza (resplendor,
brilho, luz).

47
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Com relação às preocupações de estética discutidas por Platão, Grlic (1975)


considera a relação entre beleza e objetos bonitos, ou seja, a relação entre beleza
metafísica e beleza concreta, como sendo a principal preocupação da estética.

Em suas obras, Platão trata da essência da beleza, ou seja, trata dos aspectos
essenciais que tornariam uma mulher, um vaso, um animal ou uma árvore bonitos
por natureza, ao contrário de uma noção de adorno, ou de embelezamento. Ele
enfatiza o fato de que, além de objetos bonitos, há também pensamentos belos,
ou seja, a beleza em si.

Com base na teoria, os filósofos na Idade Média, que tratam da categoria


de beleza, incluíam clareza em suas teorias, além da proporção.

Vale ressaltar que a Grande Teoria da Beleza não foi completamente


rejeitada pelos filósofos entre os séculos III e XV. Pelo contrário, a teoria foi
estendida para incluir clareza além da proporção, como um princípio fundamental.

Foi desenvolvida no século V a.C. e sobreviveu até o século XVII d.C.


Significa que ela existiu por 22 séculos. No entanto, ao longo da história, passou
por modificações, incluindo teses novas, conceitos adicionais, limitações etc. Vale
ressaltar que foi desenvolvida para incluir:

• A tese do racional e do belo.


• A natureza quantitativa da beleza.
• A natureza metafísica da beleza.
• Sua objetividade.
• Seu alto valor.

Tatarkiewicz (2005) enumera várias teses que foram diretamente ligadas à


Grande Teoria da beleza, da seguinte forma:

1) A beleza profunda é percebida através da mente, não só através dos sentidos.


2) A natureza quantitativa da beleza.
3) A teoria metafísica, que era de natureza idealista e se tornou teológica. Os
defensores da teoria acreditam que "Deus é a razão de tudo o que é lindo" ou
que "Deus é a beleza eterna".
4) A abordagem objetiva, que tem suas raízes nos ensinamentos dos pitagóricos,
Platão e Aristóteles, e o princípio subjacente de que essa beleza é inerente aos
objetos e que, de acordo com Platão, os julgamentos da beleza têm validade
objetiva.
5) A beleza é um grande bem. Na filosofia antiga, o belo é um dos valores humanos
básicos: o verdadeiro, o bom e o belo.

Uma análise das premissas básicas leva à conclusão de que o processo de


desenvolvimento da Grande Teoria da Beleza durou dois milênios.

48
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

Em primeiro lugar, o belo estava ligado ao bem, uma atitude característica


da antiguidade e da Idade Média. Os sofistas, os aristotélicos, os estoicos e
os humanistas reduziram a teoria e trataram-na estritamente com a beleza
esteticamente bonita.

No século XVIII, a teoria da beleza é reduzida novamente, e o sublime é


separado do belo. O longo desenvolvimento da teoria da beleza se caracteriza por
uma mudança gradual da estética objetiva para a subjetiva.

Até o século XX, a beleza era uma preocupação de Kant, Hegel,


Schopenhauer, Nietzsche, Santayana etc. O cisma entre beleza natural e beleza da
arte tem sido amplamente discutido.

Segundo Maker (1975), para Hegel, a beleza natural não pode ser uma
grande preocupação da teoria estética. Hegel acredita que o belo é idêntico ao
valioso. Assim, o "artisticamente bonito" é o mesmo que o "artisticamente valioso".

Muitos autores acreditam que a definição da beleza não deve ser uma
preocupação da teoria estética. A crítica da posição central que a beleza ocupa na
estética se baseia em três premissas:

1) A arte bem-sucedida não é necessariamente bonita.


2) Existem muitas espécies de valor estético que não podem ser reduzidas à
beleza.
3) A estética tem que ver com a razão.

Contudo, para entender um pouco mais sobre a relevância e irrelevância


do belo na arte, precisamos aprofundar um pouco mais sobre o tema. Uma
concepção particularmente sedutora e suspeita da beleza é encontrada na
sociologia do gosto, como a forma como Bourdieu (1979) a elabora em seu livro
“Distinção: crítica social do julgamento”.

No estudo de épocas, Bourdieu (1979) estava interessado na variedade


de coisas que são consideradas bonitas. Ele explica a experiência da beleza na
perspectiva de fenômenos sociais mais globais. Por exemplo, quanto maior o
conhecimento da arte, maior a educação e o status social. Bourdieu (1979) não
hesita em retornar à argumentação de que o "gosto" estético não é senão um meio
para a elite social mostrar sua superioridade. Ele conclui que a beleza é um meio
político que estrutura as relações sociais.

Os entusiastas da arte, em nossa sociedade, seriam, segundo Bourdieu


(1979), esnobes, manipulando uma coisa cruel para excluir outras pessoas.
Entretanto, será que as coisas não seriam mais complexas do que isso? A sociologia
de Bourdieu trata unicamente de modelos gerais de reação e, de modo algum,
com experiências individuais, em um contexto ocidental. A distribuição social
não é essencial para a percepção do amor pela arte, mas sim, o englobamento
psicológico do sentimento de beleza, e este se dá através de pessoas de distintas
classes sociais, etnias e culturas.

49
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Outro paradigma para a explicação do sentimento "subjetivo" para


a beleza é igualmente reducionista. É a perspectiva biológica evolutiva. Os
biólogos evolucionários argumentam que o amor e a beleza são necessários para
a sobrevivência. O pensamento defende que a beleza beneficia a autopreservação
humana e, assim, tornou-se uma habilidade humana básica. Observemos a seguir
a obra Vênus de Urbino, pintada por Ticiano Vecellio (1489-1576), durante o
Renascimento.

FIGURA 23 – VÊNUS DE URBINO, FEITA EM 1538, POR TICIANO

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/pin/473018767086892


713/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

O fascínio de todos os corpos femininos estaria relacionado a mecanismos


de procriação, assim como os corpos atléticos musculares das representações de
Apollo e Adonis atestam a virilidade do caçador, assim, ao poder da sobrevivência.
Não parece ser o caso de muita arte contemporânea, como Bacon ou Lucian
Freud, por exemplo, ao demonstrarem que o contraste homem-mulher não é o
fator principal, por assim dizer.

FIGURA 24 – RETRATO DE MULHER, DE LUCIAN FREUD (1975)

FONTE: Disponível em: <https://www.irishtimes.com/opinion/lucian-


freud-an-irishman-s-diary-on-the-artist-his-model-and-the-eel-in-the-
bath-1.3107414>. Acesso em: 25 jul. 2017.

50
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

O que é a beleza, então? Existem teorias possíveis como alternativas a estas?


As teorias orientadas a objetos da beleza tentam compreender conceitualmente
as características "secretas" da beleza. São as teorias de proporção, a composição
perfeita, as linhas sinuosas e a dialética entre a forma e função. Fingem ser
objetivos.

A doutrina da proporção, harmonia, da simetria perfeita, pureza


geométrica, de Pitágoras (o ângulo reto, as proporções corporais) sobre a coluna
palladio (uma coluna deve ser nove vezes maior do que a sua largura), até Marilyn
Monroe (a circunferência ideal do peito), são todas doutrinas que reduzem
a experiência da beleza para um conceito, para uma visão de uma relação de
acordo com uma proporção dada, para uma percepção da estrutura do cosmos
em toda a sua ideia. Essa estética é chamada de formal, mas existem muitos tipos
de "formalismos".

FIGURA 25 – EXEMPLO DE ESTÉTICA FORMAL FIGURA 26 – EXEMPLO DE ESTÉTICA FORMAL


NO CLASSICISMO GREGO: AS PROPORÇÕES NOS PADRÕES DE BELEZA DA DÉCADA DE
DE UMA COLUNA GREGA 1950: AS PROPORÇÕES DA MARILYN MONROE

FONTE: Disponível em: <http:// FONTE: Disponível em: <https://www.


www.carnationconstruction.com/ pinterest.co.uk/pin/144467100520808314/>.
Techniques/00-02-Techniques-Architecture- Acesso em: 25 jul. 2017.
ClassicalArchitecture.html>. Acesso em: 25
jul. 2017.

51
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

NOTA

Pitágoras, entre 570 e 500 a.C., utilizava a proporção áurea para explicar a


harmonia entre a alma e o cosmo. Era um dos motivos que levava Pitágoras a dizer que
“tudo é número”, ou seja, que a natureza segue padrões matemáticos, bem como a música e
a astrologia. Pesquise mais a respeito da proporção áurea, assunto fascinante!

Geralmente, os formalismos consideram a essência da beleza como uma


característica de uma natureza holística: a beleza é a regra do todo, da combinação
de elementos separados, de inter-relações e justaposições dentro do objeto. Os
elementos particulares devem ir de mãos dadas em uma "composição", sem
perderem a identidade através da relação com uma totalidade.

As teorias funcionalistas da beleza são igualmente objetivas. Uma


estética funcionalista nos ensina que o prazer visual é encontrado na usabilidade
adequada dos objetos. De acordo com o funcionalismo, a integridade de um
objeto consiste na combinação perfeita de forma e função: quanto mais a função
determina a forma, mais bonito é o objeto. Tal teoria da beleza exige a remoção
de todas as redundâncias, puramente decorativas, para a eliminação de tudo que
pode parecer frívolo, gracioso e elegante.

FIGURA 27 – QUANDO A FORMA SEGUE A FUNÇÃO: A ESTÉTICA


FUNCIONAL DA BAUHAUS

FONTE: Disponível em: <https://visual.ly/blog/six-lessons-from-the-


bauhaus-masters-of-the-persuasive-graphic/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

52
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

Determinada perspectiva funcionalista é difícil de sustentar. A teoria de


Duchamp sobre o ready-made, por exemplo, argumenta que, para que o objeto seja
visto como objeto de arte, ele deve perder sua função.

FIGURA 28 – DUCHAMP E A “RODA DE BICICLETA” (1913)

FONTE: Disponível em: <https://medium.com/@felipezamana/


criatividade-ready-made-f4e78deeb4f6>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Uma teoria funcionalista da arte também é anti-intuitiva. O que dizer


da beleza das cores? Qual é a função das cores em suas combinações e em sua
abstração? Por outro lado, existem perspectivas orientadas para o sujeito que
destacam a reação subjetiva de quem experimenta, cultiva e valoriza a beleza.

A experiência da beleza diz respeito ao estado da mente de uma pessoa.


Determinada estética orientada para o assunto pode ser considerada a "revolução
copernicana" na história das teorias sobre a beleza. Foi Kant e sua “Crítica do
Juízo“ (1790) que introduziram essa ideia.

A experiência estética, a intensidade da gratificação, até o sentimento


de bem-aventurança no contato com a beleza natural ou com a beleza de uma
obra de arte se tornam o tema da estética filosófica. Kant acreditava que uma
experiência estética é impossível sem um sentimento de gratificação, sem um
"humor" especial e esse "humor" ou sentimento é íntimo, pessoal e subjetivo.
Ainda, nenhum envolvimento moral ou político, nenhum interesse ou qualquer
outro desejo pode perturbar esse "humor". A recepção da última condição, o
desinteresse, tem sido especialmente problemática.

53
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Ser sensibilizado é, portanto, central nesta abordagem orientada para o


sujeito. A beleza deve nos levar às lágrimas, é dentro e através da beleza que
descobrimos o nosso "eu" mais profundo ou, como pensou Plotino, "o divino em
nós". A beleza leva à "fusão interna", uma fusão do que realmente somos e o que
deveríamos ter sido.

Não é de admirar que os românticos, como Friedrich Schiller (1759-1805),


tenham considerado o sentimento de beleza como o desejo de perfeição subjetiva.
A beleza leva ao "paraíso estético", que é realmente o postulado do esteticismo,
que o anseio de beleza enche toda a nossa existência.

Dentro do paradigma orientado para o sujeito, podemos descobrir outra


polaridade muito importante, a saber, entre as teorias da beleza que se baseiam
inteiramente na sensibilidade do sujeito e nas teorias da beleza que atraem uma
capacidade que nos permite entrar em contato com o suprassensível.

O fato de que a beleza é "o divino em nós", como argumenta Plotino, ou


que leva ao "paraíso estético", ressalta que o tipo de mente que experimenta a
beleza é "dirigida" para o suprassensível que Kant estipulou, como a ideia que
"transcende" todas as sensibilidades e até mesmo algumas sensibilidades que são
transformadas pela imaginação.

Entretanto, não podemos esquecer que vivemos em um mundo


supostamente de opostos, e que, se quisermos compreender a natureza da beleza,
não podemos deixar de contemplar a natureza da feiura. O que seria do belo sem
o feio, e vice-versa? O feio existe lado a lado do belo.

3 O FEIO E O SUBLIME
Será que o feio é mesmo oposto à beleza? Faz sentido falar sobre a beleza
do feio ou sobre a bela representação do feio? A feiura é necessária para falar
sobre o belo? No capítulo V de sua “História da Beleza”, Eco (2004) discute a
chamada "beleza dos monstros".

Ele retorna ao assunto em sua obra mais recente, “História da Feiura”


(2007). Ele propõe, ao lado de uma iconografia extensa da feiura, uma teoria
filosófica coerente que passa por toda a história da arte e filosofia da arte até o
presente. Eco (2007) argumenta, entre outras coisas, que em muitas culturas são
positivamente valorizadas as representações de seres desesperados, horripilantes
(por exemplo, o Minotauro e Ciclopes, da mitologia grega).

54
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

FIGURA 29 – REPRESENTAÇÃO DIGITAL DE UM CICLOPE, GIGANTE


IMORTAL DA MITOLOGIA GREGA

FONTE: Disponível em: <http://mmitologiagrega.blogspot.com.


br/2012/05/ciclopes.html>. Acesso em: 25 jul. 2017.

Já Aristóteles ressalta que a arte também pode sempre retratar seres feios
de uma maneira bonita, e que é precisamente a beleza do confronto que o torna
feio e aceitável. Segundo Eco (2004, p. 133), “a fealdade que nos repele na natureza
existe, mas torna-se aceitável e mesmo prazerosa na arte que expressa e mostra
"lindamente" a feiura da fealdade”. A representação do feio pode ser estendida às
cenas de tortura, agonia e tristeza ao lado do monstruoso e da desfiguração física.

FIGURA 30 – A BELEZA ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM VÊ?

FONTE: Disponível em: <http://omundodogrotesco.blogspot.com.br/2013/09/


sugestao-de-leitura-historia-da-feiura.html#.Wa8R9MiGMWk>. Acesso em: 25
jul. 2017.

55
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Filósofos e especialmente teólogos, na Antiguidade e na Idade Média


escolástica, conceberam uma explicação teórica para a presença do feio na arte, a
saber, que o universo criado é um todo que deve ser valorizado em sua totalidade.

A criação é vista como um todo, as sombras fazem a luz brilhar de uma


maneira mais linda e o feio pertence à ordem geral e, portanto, pode parecer bonito.
A ordem pode ser bonita em sua totalidade, mas faz o lugar para o monstruoso,
que contribui para o equilíbrio. De acordo com a argumentação filosófica, a beleza
do universo aumenta devido à diversidade. O feio, o monstruoso continuará
encantador e fascinante.

A apreciação estética da feiura continua controversa. É ainda mais notável


que muito pouca pesquisa filosófica tenha sido feita sobre os fenômenos estéticos
da feiura. Uma exceção é “A Estética do Feio”, de Karl Rosenkranz, publicada em
1853. No trabalho, Rosenkranz propõe uma abordagem dialética e hegeliana ao
feio, completamente alinhada com a teologia holística medieval, dizendo que não
há beleza sem feiura, nem feiura sem beleza.

Rosenkranz apresenta uma fenomenologia da feiura. Reúne de forma


dialética a beleza das proporções e do formalismo geral, a falta de formalidade e
a falta de forma. Certamente, este é o hegelianismo ortodoxo.

Ao introduzir a experiência estética na temporalidade, na historicidade e


na história dialética da humanidade, o dualismo do belo e do feio deve chegar ao
fim. Rosenkranz relata explicitamente a feiura, o mal e o diabólico. Em um gesto
hegeliano clássico, o negativo é dissolvido no feio. Essa estética única do feio tem
um duplo significado.

Por um lado, trata-se de uma teoria excepcionalmente sistemática e


forte, estando a feiura relacionada ao jogo da formalidade e da falta de forma
e, por outro lado, o feio é confrontado com uma fenomenologia especificamente
detalhada e é ratificado com categorias estéticas adjacentes como o vulgar, a base,
o repulsivo, o caricatural, o fantasmagórico, e assim por diante. Rosenkranz não
hesita, pois certamente há uma experiência estética do feio. Contudo, será que
uma experiência estética pura do feio é possível?

O feio é, logicamente, não o oposto do "belo" e ambos não são


contraditórios, mas sim logicamente antipodais. Eles se excluem, mas deixam
a porta aberta para termos intermediários neutros. "Não é bonito" não coincide
com “feio” ou “bonito”.

56
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

E
IMPORTANT

Você já ouviu falar em fenomenologia? A fenomenologia é uma corrente


filosófica muito ampla e diversificada, portanto não há uma única definição para todos os
seus aspectos. No entanto, é possível caracterizá-la como um movimento filosófico que
tenta resolver os problemas filosóficos a partir de uma experiência intuitiva ou evidente, que
é aquela em que as coisas são mostradas da maneira mais original ou patenteada. É por isso
que os diferentes aspectos da fenomenologia muitas vezes discutem constantemente qual
tipo de experiência é relevante para a filosofia e como acessá-la.

Voltando à questão da possibilidade de uma experiência estética do feio,


Kant não oferece uma solução definitiva para o problema. Na obra "Analítica
do Belo", Kant (2007) poderia fornecer uma possível resposta, uma vez que, na
experiência do sublime, a imaginação está ferida e ainda assim há prazer. A
dor medeia o prazer que se experimenta no sublime. A experiência do sublime
traz a mente para um estado de tensão e relaxamento. O que é significativo é
que, mesmo na situação, a mente ainda é capaz de ter uma experiência estética.
Um tipo de transgressão é inadmissível e se a fronteira é ultrapassada, então o
domínio da estética é deixado para trás.

É preciso abordar o aspecto técnico da argumentação kantiana. Kant


distingue, na Crítica do Juízo (2012), o monstruoso e o colossal. O colossal, o
monumental e o gigantesco ainda estão dentro da estética do sublime.

Pensemos nas dimensões das obras de Christo Vladimirov Javacheff (1935),


que nossa imaginação dificilmente pode entender. O colossal oferece, de fato,
uma estratégia típica para o sublime nas artes contemporâneas. Entretanto, há o
monstruoso. Um objeto é "monstruoso" quando, devido à falta de forma, paralisa
completamente a mente.

FIGURA 31 – UMA DAS INCRÍVEIS OBRAS DE CHRISTO E JEANNE CLAUDE: ILHAS


CERCADAS (1983)

FONTE: Disponível em: <https://www.taschen.com/pages/en/catalogue/art/


all/01090/facts.christo_and_jeanne_claude.htm>. Acesso em: 25 jul. 2017.

57
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Embora o colossal incite um sentimento do sublime, o monstruoso paralisa


e prejudica a mente e é precisamente o que o feio faz. Talvez existam graus de
feiura, mas a "feiura final", o monstruoso, elimina até mesmo a possibilidade de
uma experiência estética.

Assim, podemos encontrar um critério, em Kant (2007), para distinguir


o sublime do feio. Kant distingue dois tipos de "magnitudes": a magnitude
reverenda e a magnitude monstruosa. A magnitude reverenda é uma magnitude
que obriga o respeito, por exemplo, na paixão do espanto.

É exatamente o tipo de "magnitude" cujo efeito é o sublime. O oposto é a


magnitude monstruosa, que traz sobre a dissuasão, medo e uma forte ansiedade.
Kant chama isso, em sua “Crítica do Juízo”, de monstruoso, que destrói a
imaginação e cuja violência é tão intensa que a dor é insuportável. Aqui, não
há mediação de dor e prazer como na experiência do sublime. Este é o domínio
da "feiura final" que, na verdade, é inimaginável e cujo efeito afetivo é o nojo ou
repugnância.

Mas Kant nem sempre é tão claro na delimitação do sublime e do feio. No


entanto, uma leitura atenta da “Crítica do Juízo” e da “Antropologia” permite
formular uma dupla conclusão. Em primeiro lugar, o feio não pode ser concebido
como contraditório com o belo, mas antes deve ser entendido em relação ao
sublime.

O feio se encontra do lado oposto do sublime, tão radicalmente


inconcebível e incompreensível por nossas faculdades de representação e
nossa imaginação. Consequentemente, não há lugar para o próprio conceito de
experiência anestésica do feio, não em Kant e, ao mesmo tempo, não na estética
clássica. Uma experiência estética do feio é impossível devido ao adiamento e à
paralisia completa das faculdades humanas.

A fealdade é ultrajante. Durante a experiência, nossa mente sofre um


sentimento de desgosto, e um desgosto não permite nenhuma relação estética,
mas apenas uma atitude moral. Somos obrigados a assumir uma posição moral
na presença do feio e, desse modo, outro interesse da razão, de que o estético
puro nos motiva.

Embora possamos argumentar que uma teoria estética clássica do feio não
é possível, não implica que uma "experiência de feiura" seja impossível. Além
disso, as artes visuais contemporâneas provocam frequentemente determinada
experiência.

Significa apenas que a beleza não é mais uma categoria estética pertinente
para ser empregada na caracterização do objeto contemporâneo de arte e que
os predicados mais pertinentes precisam ser procurados. Para o efeito, podemos
apelar para a categoria "subversiva" kantiana do monstruoso, que o próprio Kant
colocou fora do domínio estético. A maior parte das artes visuais contemporâneas

58
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

não mostraria nada além de um impulso (incontrolável, inconsciente) para a


reificação. As artes contemporâneas são fascinadas com a coisa que se retira de
qualquer limitação e formação.

Toda a história da arte tem sido um conflito entre a forma e a matéria.


Foi o caso com os grandes modernistas, como Pablo Picasso (1881-19730), Henri
Matisse (1869-1954), Wassily Kandinsky (1866-1944) e Piet Mondrian (1872-1944).

FIGURA 32 – COMPOSIÇÃO VIII, DE KANDISKY, 1923

FONTE: Disponível em: <https://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/kandinsky/>.


Acesso em: 25 jul. 2017.

Os antagonistas do conflito surgiram nos anos 60 do século passado. A


atração de artefatos nus e brutos chama a atenção de muitas figuras orientadoras
significativas das artes contemporâneas, como de Joseph Beuys (1921-1986) a
Edward Kienholz (1927-1994) para Paul McCarthy (1945-) e Mike Kelly (1954-2012).

FIGURA 33 – INSTALAÇÃO “I LIKE AMERICA AND AMERICA LIKES ME” DE JOSEPH BEUYS,
1974

FONTE: Disponível em: <http://www.azioni.nl/beuys/blogs/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

59
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Yves-Alain Bois e Rosalind Kraus ofereceram uma excelente análise da


dinâmica em seu livro Formless (1997). Três fases podem ser distinguidas na
batalha contra a forma, como é encarnado nas artes contemporâneas: o antiformal,
a falta de forma e o abjeto.

Davidson (1931) concebeu, nos anos 60, a noção de antiforma como uma
reação contra a arte clássica, que considerou a solidez e nobreza de materialidade.
Davidson (1931) pediu a horizontalidade e os materiais banais (materiais sensíveis,
descartáveis e sintéticos), pleiteando por flacidez, limo, fluidez e dobra.

De acordo com Bois e Kraus (1997), o objeto é atingido quando também


evoca entropia e pulsação. A entropia diz respeito à transitoriedade geral da
matéria, da pulsação da temporalidade rítmica como explosão da corporalidade,
a pulsação do desejo ("o pulso da vida"). A história da arte conheceu muitos
períodos que objetivavam o despojamento. No século XX, por exemplo, tomemos,
por exemplo, a arte informal ou a arte povera.

FIGURA 34 – VÊNUS DOS TRAPOS, DE MICHELANGELO PISTOLETTO (1933).


OBRA FEITA EM 1967: EXEMPLO DE ARTE POVERA

FONTE: Disponível em: <http://publicdelivery.org/michelangelo-pistoletto-


venus-of-the-rags/>. Acesso em: 25 jul. 2017.

A partir da década de 60, a mudança de direção do paradigma modernista


para a arte contemporânea certamente confirmou a glória do despojamento formal
do belo. O despojamento radical é, por vezes, realizado através do universo da
carne feia, mutilada, a decadência, o derretimento, o trabalho do heterogêneo "de
fora", do irreversível que penetra, o triunfo absoluto da matéria sobre a forma,
uma desestabilização difícil de alcançar de nossas categorias de classificação e
nossos conceitos artísticos.

Entretanto, também pode ser alcançada por meio das obras que
supostamente embelezam o feio, o grotesco e o bizarro de nossas realidades
atuais.

60
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

FIGURA 35 – AS ESCULTURAS DE PATRICIA PICCINI (1965)

FONTE: Disponível em: <http://beautifuldecay.com/2015/07/21/


patricia-piccininis-hyperreal-mutated-creatures-raise-
questions-genetic-manipulation-cloning/>. Acesso em: 25 jul.
2017.

Podemos finalizar as reflexões sobre o belo e o feio com algumas


conclusões:

• A estética clássica, fundada nas categorias estéticas da beleza, acompanha


a ideia de que a experiência da beleza é uma necessidade antropológica. As
pessoas precisam de beleza, é o caso em todas as culturas. Todo mundo parece
ter a sensação de que nossa existência é empobrecida sem a experiência da
beleza. Claro, tal necessidade existencial traz a nostalgia da beleza, a qual está
ausente. Talvez a primeira afirmação seja tão humanista e idealista, e nem
sequer pode obedecer às necessidades atuais do homem contemporâneo. Talvez
hoje precisássemos de mais provocações, autenticidade e excitação, e a atitude
contemplativa que o belo nos obriga a tomar não é mais atraente. O puro "bem-
estar", que é encontrado quando confrontado com a beleza, parece-nos mesmo
estranho e egocêntrico. O entusiasmo coletivo nos parece ainda mais moral do
que puro prazer individual. Ainda assim, percebemos que, com o surgimento
de forças vitais excitantes e às vezes destrutivas, como a nostalgia pela beleza
e a atitude estética de contemplação e serenidade, tornam-se inevitáveis e até
mesmo indestrutíveis.

• A beleza, como categoria estética central, indubitavelmente designa a arte


clássica, incluindo a modernidade (até 1960) e, portanto, a beleza é definitiva
dentro da teoria da arte clássica e da estética. A obra de Kant é o modelo e o
protótipo da ideia. Oferece a reconstrução dedutiva mais adequada e universal
do estado de espírito que é "movido" pela beleza.

• Na contemporaneidade, nos chamados tempos pós-modernos, a beleza é


destronada. É absolutamente claro que não existem mais categorias estéticas

61
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

centrais e periféricas. Não existe mais uma hierarquia entre os múltiplos


predicados estéticos que culminam com o belo. O termo de referência mais
utilizado é igualmente o menos específico, o mais geral, interessante. As obras
de arte são ou não interessantes. A semântica do proclama que o "interessante"
é aquele que solicita meu interesse ou, melhor ainda, os interesses das minhas
faculdades. Podemos pensar na divisão clássica (kantiana): a faculdade
cognitiva e intelectual do conhecimento, a faculdade moral pragmática
(orientada para a comunidade) e a faculdade estética afetiva. Hoje em dia,
ao chamar um objeto de arte "interessante", um já não declara nada sobre as
faculdades específicas que são abordadas, mas tem conotações cognitivas,
morais e estéticas. O destronamento da beleza diz respeito, entre outras coisas,
à dissipação das fronteiras entre as faculdades clássicas do sujeito.

• Aqui também, Kant foi o iniciador. O feio não é considerado como oposto ao
belo, mas como uma continuação do sublime. O extremo sublime seria o feio.
O feio, portanto, não é um valor ou categoria estética, mas um tipo pós-estético.
O "valor" das artes contemporâneas consiste em infringir nossa imaginação,
violá-la, e assim o efeito violento do objeto contemporâneo da arte traz um
reflexo axiológico e moral imediato sobre a identidade, a autenticidade, a
integridade de ser humano.

Assim, a arte contemporânea não pode mais ser julgada e valorizada de


acordo com a qualidade das categorias estéticas, começando com o belo, mas
de acordo com a intensidade do impacto nos interesses de nossas faculdades.
Podemos chamar de excelência estética nova ou mesmo, se não parecer muito
paradoxal e irônico, a "nova beleza".

62
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

É possível definir arte?

Noeli Ramme

A partir do final da década de 50 é que se pode realmente falar da


existência de uma estética de cunho analítico. Não por acaso, a investigação acerca
da natureza da arte será marcada tanto pela reviravolta pragmática operada por
Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, quanto pela revolução duchampiana
na arte, precursora das inovações radicais da Pop Art, do Minimalismo e do
Fluxus, os principais movimentos artísticos do período.

Assim, se, por um lado, a teoria dos usos da linguagem permitiu à filosofia
analítica superar os limites de uma filosofia dedicada quase que exclusivamente
às questões da lógica e da fundamentação das ciências, por outro lado, os
movimentos artísticos da década de 60 colocaram novas questões ao romper com
praticamente todos os limites da arte que estavam estabelecidos dentro da prática
modernista. Por exemplo, o Fluxus, com sua ênfase na produção coletiva, rompe
com a ideia de autoria; o Minimalismo, por sua vez, coloca em xeque a ideia de
experiência estética como mera contemplação e a Pop ultrapassa definitivamente
todos os limites da arte ao instaurar a possibilidade de apresentar como arte
quaisquer objetos tirados do mundo comum.

Dados todos os deslocamentos das fronteiras da arte, a pergunta “o que


é arte?” se torna premente não só dentro do universo filosófico, mas também no
campo da prática e da teoria da arte.

Um dos primeiros filósofos de formação analítica a tratar da questão da


definição da arte foi Morris Weitz, em um artigo de 1954, chamado “O papel da
teoria na estética”. Além de considerar a pluralidade de formas artísticas que
compõem a história da arte ocidental, Weitz parte também da consideração da
existência de inúmeras definições mutuamente excludentes do conceito “arte” –
organicismo, voluntarismo, forma significante, emocionalismo, intelectualismo,
formalismo – que podem ser encontradas nos textos dos filósofos, de Platão até
hoje, para afirmar finalmente que nenhuma delas teve êxito ao tentar capturar a
essência da arte.

Para todas elas, poderíamos apontar contraexemplos, ou seja, obras de


arte que não possuem as características mencionadas na definição. Nenhuma
delas atenderia às exigências próprias de uma definição filosófica, de fornecer
pelo menos um critério necessário e suficiente para que se possa atribuir com
segurança o estatuto de obra de arte a um objeto.

Ao invés de dar uma nova definição, ele propõe como alternativa a rejeição
completa da questão, pois as dificuldades não seriam apenas uma consequência

63
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

da grande variedade de obras de arte, mas sim do fato de que simplesmente não é
possível descobrir ou definir uma essência, ou um conjunto de propriedades que
deve ser apresentado por cada obra verdadeiramente artística.

Para tratar do problema, diz ele, devemos considerar primeiro que tipo de
conceito é o conceito de arte e não o conjunto da arte ou de algumas obras de arte.
O conceito de arte seria intrinsecamente aberto e mutável, e designa um campo
que se orgulha da sua originalidade e inovação. E mesmo que pudéssemos agora
definir o que é arte, nada garante que a arte futura vai se conformar com esses
limites. O mais provável é que suas transformações não parem de acontecer.
Assim, diz Weitz que o caráter extremamente expansivo e instável da arte torna
sua definição logicamente impossível.

Se é impossível definir arte, nos termos de uma definição que ofereça


critérios suficientes e necessários, então é preciso abandonar o modo como a
questão havia sido colocada até então. Weitz afirma que uma definição da arte
não é necessária, pois o juízo “isto é arte” pode ser feito com base na experiência
passada, com base apenas no que ele chama de “critérios de reconhecimento”,
que são apresentados por ele a partir de uma interpretação dos conceitos de jogos
de linguagem e de semelhanças de família presentes nas Investigações Filosóficas
de Wittgenstein.

A tese maior do livro é a de que o significado da linguagem é o uso. No § 7


das Investigações, ele pede ao leitor para comparar o uso da linguagem como “um
daqueles jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna”.
Assim, a práxis da linguagem constitui um conjunto de jogos de linguagem.

No § 65, ele responde a um interlocutor que pergunta pela essência da


linguagem que, ao invés de indicar algo que é comum para tudo que chamamos
de linguagem, ele vai defender que há um parentesco entre os vários jogos de
linguagem, assim como há entre os outros tipos de jogos. Se considerarmos os
jogos que conhecemos, diz Wittgenstein, percebemos que nem todos os jogos são
iguais, mas alguns lembram outros em alguns aspectos – e “isto é tudo”.

O que encontramos não são propriedades suficientes e necessárias, mas


somente “uma rede complicada de semelhanças, que se envolvem e se cruzam
mutuamente. Semelhanças de conjunto e de pormenor”. Essas semelhanças se
relacionam como as semelhanças entre membros de uma mesma família: alguns
têm a mesma cor de cabelo, outros a mesma cor dos olhos, ou a mesma estatura etc.

De acordo com uma interpretação corrente da teoria, podemos agrupar


no mesmo conceito objetos diversos dos quais podemos dizer que o objeto a é
semelhante ao b, o b ao c, o c ao d e assim por diante, e não depende de que haja
uma característica que todos possuam em comum.

Tratando do conceito de arte, do mesmo modo que Wittgenstein trata o


conceito de linguagem, ou seja, como um conceito empírico-descritivo, Weitz diz

64
TÓPICO 3 | O BELO, O FEIO E O SUBLIME NA ESTÉTICA

que os objetos de arte também se relacionam de múltiplas maneiras, por meio de


uma complexa teia de semelhanças que se sobrepõem.

Determinadas redes de similaridades fornecem informação suficiente


para que possamos formar o que ele chama de “critérios de reconhecimento”, que
nos permitem empregar o termo de modo correto em um novo caso. Seguindo
Wittgenstein, ele mostrou que é inútil buscar uma resposta unívoca e finalmente
esclarecedora do que seja a arte e que torne possível separar com segurança o que
é arte do que não é.

A arte é, portanto, um conceito de textura aberta, assim como jogo ou


linguagem, e dizer isso significa dizer que suas condições de aplicação podem ser
alteradas. Implica também que, casos de nova aplicação do termo, pedem a nós
uma decisão no sentido de admitir ou não uma ampliação no seu uso.

Mesmo dentro da arte, é preciso tomar decisões desse tipo quando novas
formas aparecem alargando ou superando categorias usuais, como a instalação
com relação à escultura, ou o objeto com relação à pintura etc. Casos assim
mostram que os limites dentro da arte são móveis e não muito definidos. Mostram
também o quanto é importante a existência de critérios conceituais para fazer
determinadas distinções.

Weitz faz também uma distinção entre um conceito descritivo e um conceito


avaliativo, ou apreciativo da arte. O uso descritivo não seria tão problemático, diz
ele, uma vez que é apenas uma questão de estabelecer critérios para que possamos
reconhecer uma obra quando vemos uma.

Se algum objeto novo apresenta alguma característica aparente, que


podemos comparar com a de algum outro objeto já reconhecido como arte,
podemos aplicar a ele o mesmo estatuto. Não seria exatamente um problema,
mesmo porque alguma coisa ser considerada arte não implica que é boa arte, ou
mesmo, uma “obra prima”.

O problema, diz Weitz, é exatamente com o uso apreciativo. Muitas vezes,


“é uma obra de arte” é usado como sinônimo de “é uma ‘verdadeira’ obra de arte”
ou “é assim que a arte deve ser”. As definições de arte se tornam recomendações
para o modo como a arte deve ser feita, e então aqueles critérios apontados pelos
teóricos que ele criticou como não sendo definições válidas de arte podem acabar
servindo como critérios avaliativos, pois mostrariam características das obras que
fazemos bem em notar, e também em elogiar.

Assim se, por um lado, a proposta de Weitz teve um efeito libertador sobre
pelo menos uma parte dos teóricos da estética analítica, que abandonaram a tarefa
de descobrir a essência da arte, por outro lado, despertou em vários o desejo de
construir um tipo alternativo de definição que pudesse superar as dificuldades.

65
UNIDADE 1 | ARTE E PERCEPÇÃO ESTÉTICA: CONCEITO E NATUREZA

Dentre os filósofos está Arthur Danto que, em 1964, escreveu um artigo


intitulado “O mundo da arte”. Nele, Danto defende que é possível dar uma
definição da arte capaz de subtrair-se às vicissitudes da história e à pluralidade
das obras reconhecidas como arte e ao mesmo tempo captar a essência dela.

Paradoxalmente, a tese, depois reformulada e ampliada em vários livros,


combina com o historicismo de Hegel com outro aspecto da teoria dos jogos de
linguagem do mesmo Wittgenstein das Investigações Filosóficas. O outro aspecto
é o conceito de forma de vida, que está intrinsecamente ligado aos dois que já
mencionamos.

Existem várias interpretações do conceito, apesar de ele ter pouquíssimas


ocorrências na obra de Wittgenstein e ser de fundamental importância na segunda
fase da sua obra. Em linhas gerais, aparece sempre vinculado ao conceito de jogo
de linguagem.

Forma de vida pode significar, entre outras coisas, o conjunto de ações


que acompanha um jogo de linguagem ou que constitui uma linguagem, mas
pode significar mais amplamente o conjunto de condições sociais ou culturais
que produz e sustenta uma linguagem.

De fato, ao mesmo tempo em que Wittgenstein afirma que a linguagem não


pode ser definida de uma forma única, que existem inúmeros jogos de linguagem
ligados por semelhanças de família, o que levaria a uma espécie de relativismo
semântico, pois as palavras têm seu significado alterado ao serem usadas em
jogos diferentes, ele também afirma que cada um dos jogos de linguagem está
ancorado em uma forma de vida, e é esta que, em última instância, sustenta o
sentido de um jogo de linguagem de modo mais ou menos determinado.

Wittgenstein define assim a relação entre jogo de linguagem e forma de


vida: “O termo jogo de linguagem deve aqui salientar que o falar da linguagem é
parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (§ 23, IF)”. Ao mesmo tempo
em que, mostrar compreensão de um jogo de linguagem implica ser capaz de
explicar o modo como usamos certas palavras, as explicações têm um fim quando
dizemos: “É assim que fazemos”. Quer dizer, na nossa forma de vida é assim que
agimos. O conceito de forma de vida é essencial para conectar a linguagem às
ações, à vida orgânica, social, cultural e histórica.

FONTE: RAMME, Noeli. É possível definir “Arte”? Revista Analytica, V. 13, n° 1, 2009, p. 197-202.
Disponível em: <http://analytica.inf.br/analytica/diagramados/159.pdf>. Acesso em 1 jan. 2018.

66
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O belo, se analisado fora do contexto da filosofia, é considerado como um


atributo; já os filósofos, ao invés de tentarem definir o que é considerado bonito,
tentaram fornecer uma teoria da beleza. O foco no que é belo mudou a essência
da própria beleza. A essência foi definida pelos filósofos de várias maneiras e
se tornou a principal preocupação dos esteticistas.

• Os gregos antigos formularam uma teoria geral da beleza, segundo a qual


consiste nas proporções das partes, mais precisamente nas proporções e no
arranjo apropriado das peças ou, ainda mais precisamente, no tamanho,
qualidade e número das peças e suas inter-relações. Determinada teoria foi
referida como “A Grande Teoria”. O nome se encaixa bem, considerando que,
ao longo de todo o desenvolvimento histórico da estética e da cultura ocidental,
nenhuma outra teoria durou tanto tempo e foi tão amplamente aceita como
esta. Foi desenvolvida pelos pitagóricos.

• Já a feiura não é uma categoria descritiva, mas avaliativa e tem um significado


afetivo necessário. A palavra “feio” vem do latim foedus, que significa, além
de desagradável à vista, repugnante, sujo, vergonhoso e indigno. Assim,
percebemos como o peso da palavra carrega, além de significados, valores
morais. A feiura é sem forma e carece de estrutura interna, equilíbrio e simetria.
O feio não está completo, ele se desvia da norma. É assim que se agarra o
significado da feiura. O predicado "feio" também é difícil de entender do
ponto de vista da lógica. A apreciação estética da feiura continua controversa.
É ainda mais notável que muito pouca pesquisa filosófica tenha sido feita
sobre os fenômenos estéticos da feiura. Uma exceção é “A Estética do Feio”,
de Karl Rosenkranz, publicada em 1853. No trabalho, Rosenkranz propõe
uma abordagem dialética e hegeliana ao feio, completamente alinhada com a
teologia holística medieval: não há beleza sem feiura, nem feiura sem beleza.

• O feio não é o oposto do "belo" e ambos não são contraditórios, mas sim
logicamente antipodais. Eles se excluem, mas deixam a porta aberta para
termos intermediários neutros. "Não é bonito" não coincide com “feio” ou
“bonito”.

67
AUTOATIVIDADE

1 A partir do ponto de vista conceitual da estética, qual seria a diferença entre


o feio e o sublime? Dê um exemplo para cada.

2 A experiência da beleza é um processo entre os sentidos e a razão. Na


história da estética, autores forneceram numerosas definições do conceito
de beleza. Assim, as diferentes definições tratam de três noções distintas de
beleza, que seriam:

a) A beleza em seu significado reduzido, em seu significado exclusivo e em


seu significado estético.
b) A beleza no seu amplo significado, em seu significado exclusivo e em seu
significado estético.
c) A beleza em seu significado amplo, reduzido e contemporâneo.
d) Nenhuma das alternativas.

68
UNIDADE 2

RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA


CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E
ROMA ANTIGAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• conhecer as raízes históricas da estética clássica ocidental;

• conhecer as origens do classicismo grego na arte e na arquitetura;

• conhecer a natureza do classicismo romano, na arte e na arquitetura, prin-


cipalmente durante a Era Augusta;

• compreender acerca do ressurgimento da estética clássica na Europa, após


a Idade Média com o Renascimento, e mais tarde na Europa e nas Améri-
cas com o Neoclassicismo;

• reconhecer a permanência e a importância da estética clássica ao longo da


história até a contemporaneidade;

• analisar a estética da música clássica.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles, você en-
contrará autoatividades que o ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – ORIGENS DO CLASSICISMO

TÓPICO 2 – O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

TÓPICO 3 – O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

TÓPICO 4 – A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

69
70
UNIDADE 2
TÓPICO 1

ORIGENS DO CLASSICISMO

1 INTRODUÇÃO
Como analisamos na unidade passada, a ideia de modernidade foi
essencialmente ligada à condenação do belo como valor e norma estética. A arte
e a estética contemporânea ainda questionam a existência, o significado e o valor
da beleza a favor do novo, do intenso e do estranho. Contudo, o conceito clássico
de beleza ainda fascina e norteia boa parte de nosso cotidiano, como nos padrões
estéticos da beleza corporal, da moda, da arquitetura ou design.

Trata-se de um paradigma longevo, que continua vivo como espelho,


servindo de contraponto frente aos questionamentos artísticos e teóricos que se
deram a partir da modernidade.

O principal objetivo do tópico é conhecermos as origens históricas da


estética clássica ocidental e, mais precisamente, a origem do classicismo na arte e
na arquitetura grega e romana, berço do paradigma da beleza.

Determinado aprofundamento histórico nos dará subsídios para


compreendermos boa parte da construção da estética europeia, que exerceu forte
influência no Brasil. Trata-se, portanto, de um conhecimento estético que define
parte da nossa própria identidade como ocidentais e brasileiros, e que nos será
útil na compreensão de todas as revoluções estéticas que se deram principalmente
a partir da modernidade.

De um modo geral, podemos afirmar que as artes do mundo ocidental


foram influenciadas principalmente pela arte dos gregos. Mesmo as artes
alternativas da Europa celta ou das estepes asiáticas foram influenciadas pelas
imagens clássicas.

Embora o registro facilite a isolação das características, que distinguem


a arte grega das artes de outras culturas, contemporâneas ou posteriores,
provavelmente também tornou mais difícil avaliar em seus próprios termos,
julgar seu papel e a resposta daqueles para quem foi praticada, além de valorizar
justamente suas inovações profundas.

71
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Na tentativa de definirmos as características da estética clássica, segundo


J. Boardman (1993), também podemos fazer justiça ao fenômeno notável, que foi
a rapidez da sua evolução e a permanência de sua essência ao longo dos séculos,
até os tempos atuais. Pondere por um momento a respeito dos nossos padrões de
beleza, e da importância que uma imagem realista clássica possa ter na atualidade,
seja na arte, na mídia, no design, no marketing em geral.

FIGURA 1 – PROPAGANDA DA LEVI’S: O DAVID DE JEANS

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/


pin/26106872814542808/?lp=true>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Observamos a imagem de propaganda da marca de jeans Levi’s. A


montagem foi feita através da superposição digital da imagem de um short
jeans em uma imagem da famosa escultura de David, do artista Michelangelo,
produzida em estilo clássico, durante o Renascimento italiano, em 1501, na
mesma época do descobrimento do Brasil.

A escultura de David foi esculpida em mármore branco há mais de 500


anos, mas ainda traduz, na contemporaneidade, a noção de beleza do corpo
humano masculino, forte, equilibrado e altivo, seguindo o padrão grego de beleza
criado entre os anos 700 e 300 a.C.

A imagem de propaganda de marketing, provavelmente publicada em


revista, pode sugerir que o jeans, assim como a beleza clássica de David, nunca
sai de moda. Em outras palavras, observamos como uma simples imagem
contemporânea traduz mais de mil anos da história do classicismo no Ocidente.

72
TÓPICO 1 | ORIGENS DO CLASSICISMO

FIGURA 2 – A VÊNUS DE MILO, ESCULPIDA EM MÁRMORE NA GRÉCIA EM 100


A.C. E KIM KARDASHIAN

FONTE: Disponível em: <http://bigthink.com/Picture-This/how-the-venus-de-milo-


changed-female-beauty>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Quando o grego Yorgos Kentrotas encontrou alguns pedaços quebrados


de uma estátua enterrada nas ruínas antigas da ilha de Milos, em 8 de abril de
1820, ele não tinha ideia do que havia encontrado. Os especialistas identificaram
mais tarde a estátua como a deusa grega da beleza, Afrodite. Hoje, conhecemos a
estátua melhor pelo nome romano da deusa Vênus.

A Vênus de Milo (imagem na esquerda) rapidamente deixou Milo,


na Grécia, para Paris, na França, no Museu do Louvre, onde reside até hoje.
Determinada (re) descoberta da Vênus de Milo, quase dois séculos atrás,
influenciou a ideia de beleza feminina no século XIX em diante. Na era das selfies
e da famosa Kim Kardashian (retratada na direita), o que a Vênus de Milo ainda
nos tem a dizer a respeito dos padrões atuais da beleza feminina?

Para responder a perguntas, iniciaremos nossos estudos nesta unidade


definindo a estética classicista de forma mais sucinta.

2 O QUE É O CLASSICISMO? O QUE É O NEOCLASSICISMO?


Nas artes visuais, o termo "classicismo" (adjetivo: classicista) geralmente
se refere à imitação da arte da antiguidade clássica (c.1000 AC - 450 d.C.),
notadamente a imitação de "arte grega" e "arte romana", bem como protótipos
anteriores da arte grega, como a "arte egeia" (2500-1100 a.C.) e a "arte etrusca"
(c.700-100 a.C.).

Assim, por exemplo, qualquer arquitetura, pintura ou escultura produzida


durante a Idade Média ou posteriormente, que se inspirou na arte da Grécia
antiga ou da Roma antiga, é um exemplo de classicismo.

73
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

O termo "neoclassicismo" é mais comum para descrever um renascimento


específico da arte e da arquitetura grega e romana, que ocorreu na Europa e nas
Américas na modernidade, entre 1750 a 1860. Um bom exemplo da arquitetura
neoclássica é o Capitólio dos Estados Unidos, localizado em Washington e
construído entre 1793 e 1829.

FIGURA 3 – CAPITÓLIO DOS ESTADOS UNIDOS

FONTE: Disponível em: <https://www.aprendizdeviajante.com/guia-pratico-e-


ilustrado-para-visitar-o-capitolio-em-dc/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Observe como o capitólio americano reproduz vários elementos da


arquitetura grega, como o frontão triangular com esculturas, como as colunas e o
próprio capitólio.

No Brasil, o estilo neoclássico foi usado nas artes e na arquitetura como


um elemento ideológico, sinônimo de progresso e civilização, e ao mesmo tempo,
como uma contrapartida ao estilo barroco, que representava, para muitos, na
época, como um estilo colonial português ultrapassado.

Durante o período imperial, o Neoclassicismo se fundiu ao Romantismo


e ao Realismo, resultando no surgimento de um estilo eclético, peculiar da
cultura brasileira. Observe os elementos arquitetônicos do Palácio Imperial de
Petrópolis a seguir:

FIGURA 4 – PALÁCIO IMPERIAL DE PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO, 1862

FONTE: Disponível em: <http://vidasemparedes.com.br/motivos-para-visitar-


museu-imperial-petropolis-rj/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

74
TÓPICO 1 | ORIGENS DO CLASSICISMO

Ao observar o monumento arquitetônico, nos questionamos: quais


elementos seriam neoclássicos, e quais elementos seriam ecléticos?

UNI

A escultura grega e a cerâmica grega, bem como a pintura grega, são geralmente
reconhecidas como superiores às dos romanos. A arquitetura grega também é a base para a
arquitetura romana, embora os engenheiros romanos tenham feito avanços importantes em
materiais e métodos gregos.

No entanto, uma grande proporção de esculturas gregas e outras obras só nos são conhecidas
através de cópias romanas, enquanto os edifícios romanos também ultrapassaram, em
qualidade de materiais e técnicas construtivas, significativamente as estruturas gregas. Para
podermos conhecer bem a arte romana é, portanto, importante conhecer profundamente
acerca da arte grega.

2.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTILO CLÁSSICO


Embora varie de gênero para gênero, a arte clássica é conhecida por sua
harmonia, equilíbrio e sensação de proporção. Na sua pintura e escultura, são
empregadas figuras e formas idealizadas, tratando seus assuntos de forma não
anedótica e emocionalmente neutra. A cor está sempre subordinada à linha
e à composição, e a obra clássica em geral procura alcançar sempre um efeito
harmonioso e contemplativo.

A arquitetura clássica está intimamente regulada por proporções


matemáticas. Os designers gregos, por exemplo, usaram cálculos matemáticos
exatos para acertar a altura, largura, dentre outras características dos elementos
arquitetônicos.

Ainda, as proporções seriam alteradas ligeiramente – certos elementos


(colunas, capitólios, plataformas de base) seriam diminuídos, por exemplo – para
a criação do efeito visual ideal, como se o prédio fosse uma peça de escultura.

Contudo, será que a estética clássica sobreviveu no Ocidente após a queda


do neoclassicismo, no século XIX? Por um lado, se observarmos as imagens
anteriormente citadas do “David de jeans” e do modelo atual de beleza do corpo
humano feminino, e se ponderarmos acerca do uso atual do hiper-realismo nas
artes (como observado na Unidade 1), notamos que o classicismo subsiste na
contemporaneidade artística de forma velada.

Entretanto, se visitarmos a Academia de Artes de São Petersburgo, em


Moscou, por exemplo, e observarmos as aulas práticas de desenho de observação

75
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

e de escultura com modelos vivos (incluindo cavalos), daremos conta da


permanência, por arte de alguns artistas, da noção de que a arte clássica ainda
serve na atualidade como base séria para o estudo das artes plásticas.

FIGURA 5 – AULA PRÁTICA DE DESENHO DE OBSERVAÇÃO COM


MODELO VIVO NA ACADEMIA RUSSA

FONTE: Disponível em: <http://www.mutantspace.com/sergey-


maximishin-photographs-st-petersburg-art-academy-life-drawing-class/>.
Acesso em: 20 jan. 2018.

FIGURA 6 – AULA PRÁTICA DE MODELAGEM EM ESCULTURA COM MODELO


VIVO NA ACADEMIA RUSSA

FONTE: Disponível em: <http://www.mutantspace.com/sergey-maximishin-


photographs-st-petersburg-art-academy-life-drawing-class/>. Acesso em: 20
jan. 2018.

76
TÓPICO 1 | ORIGENS DO CLASSICISMO

No passado, a academia contratava professores europeus, principalmente


os italianos, para darem aulas de desenho, pintura e escultura clássica aos
estudantes russos. Hoje, a Academia de Artes de São Petersburgo, em Moscou,
tornou-se uma das últimas grandes referências do ensino tradicional das artes
clássicas, e ao contrário do passado, são os professores russos que lecionam o
classicismo para estudantes do mundo todo, incluindo alunos europeus, asiáticos,
do Oriente Médio etc.

FIGURA 7 – A ACADEMIA DE ARTES DE SÃO PETERSBURGO, EM MOSCOU-


RÚSSIA

FONTE: Disponível em: <http://www.saint-petersburg.com/walking-tours/italian-


builders-of-the-northern-venice/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Situada em Moscou desde 1947, a Academia de Artes de São Petersburgo


foi fundada em 1757, por Ivan Shuvalov, sob o nome de Academia das Três Nobres
Artes. Catarina a Grande, Imperatriz da Rússia entre 1762 a 1796, renomeou na
época como Academia Imperial da Arte e encomendou um novo edifício, a ser
completado 25 anos depois, em 1789, às margens do rio Neva.

Retornando então para as origens da estética clássica, podemos notar que


o tema principal da arte grega era essencialmente o ser humano. Mesmo quando
eram trabalhados em formas geométricas quase abstratas, os principais temas
do artista eram humanos, e permanece verdadeiro quando suas habilidades
permitiram imitar de perto, ou mesmo melhorar a natureza.

As ações e aspirações do homem são realizadas, na arte grega, pelas figuras


de deuses ou heróis, mais frequentemente do que de mortais e muitas vezes em
ambientes que, embora vestidos e decorados por seu próprio mundo, pertenciam
ao seu passado mitológico heroico. Os deuses e heróis eram seus antepassados,
eles pareciam homens e se comportaram como tal.

77
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Uma imagem do mito heroico trazia uma simples mensagem de narrativa,


mas poderia igualmente refletir problemas ou sucessos mortais e contemporâneos,
com a certeza de que os dramaturgos Áticos exploravam os problemas da
sociedade contemporânea através de suas versões dramatizadas de contos de
Troia ou dos heróis.

Um deus, na arte grega, tinha o corpo e a carruagem de um atleta mortal


perfeito: uma deusa, a de uma mulher bonita ou, pelo menos, determinada,
maternal e sábia. Os monstros são notavelmente plausíveis. Podemos “acreditar”
em centauros. Os animais são subordinados, decorativos ou, na melhor das
hipóteses, uma expressão da dependência do homem sobre a fertilidade de seus
animais.

FIGURA 8 – CENTAURO COM CUPIDO, SÉCULO II D.C., MUSEU DO


LOUVRE, NA FRANÇA

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.co.uk/


vladabramovich/centaur/?lp=true>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Entre 500 e 300 a.C., a apresentação do homem, pelo artista grego,


progrediu de uma composição em estilo geométrico para uma imagem tão
detalhada e plausível como qualquer outra do Egito antigo ou do Oriente Médio.
Para a imagem, ele adicionou a vida, passou a se assemelhar mais e mais à imagem
vista a olho nu.

A arte que antes oferecia símbolos do mundo natural de uma maneira mais
geométrica e estilizada, agora por escolha, imitava a natureza. A ilusão começou
a substituir o símbolo convencional. O artista começou a criar réplicas do homem
tão habilmente quanto o poeta, que explorava seus medos e esperanças.

78
TÓPICO 1 | ORIGENS DO CLASSICISMO

FIGURA 9 – O DESENVOLVIMENTO DA ESCULTURA MASCULINA NA GRÉCIA ANTIGA, DE 700


A.C. ATÉ 280 A.C.: DO ABSTRACIONISMO AO REALISMO

FONTE: Disponível em: <https://slkiew.wordpress.com/2015/10/05/understanding-of-greek-


geometric-and-classical-period-with-a-greco-superman-study/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

As estátuas esculpidas na Grécia antiga eram de homens, do corpo


masculino e geralmente nuas. Na Grécia clássica, os atletas se exercitaram nus,
os guerreiros podiam lutar sem roupa e, na vida cotidiana, o macho jovem
descoberto deveria ter sido uma visão bastante comum.

Os artistas não precisavam procurar modelos nus de figuras de atletas


idealizados. Cresceram em uma sociedade em que a nudez masculina era
comum e um corpo bem desenvolvido era admirado. O estrangeiro encontrou
o comportamento nocivo, e o artista retratou a nudez principalmente por um
apelo religioso ou erótico. Mais tarde, os gregos e os romanos usaram tipos de
nus gregos para mortais heroicizados ou deificados, e o gênero é bastante familiar
para nós desde o renascimento neoclássico.

Para os ocidentais, nos dias atuais, o nu não é visto com naturalidade, mas
é aceito na arte. Na Grécia clássica, o nu não era antinatural, e assim seu uso na
arte não exigia desculpa, nem explicação. Vejamos um exemplo:

79
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 10 – O HOMEM IDEAL: O DORYPHORUS (CARREGADOR


DE LANÇA) DE POLYCLITUS

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/lorriesnelson


/sculpture-polykleitos/?lp=true>. Acesso em: 15 ago. 2017.

A escultura se trata de uma cópia de mármore romana de um original


de bronze grego, de cerca de 440 a.C. O original era conhecido como um cânone
(modelo ideal) e tinha sido usado pelo artista para exibir suas opiniões sobre as
proporções ideais para a figura humana. O tronco da árvore e os suportes são as
adições do copista.

Nós medimos o mundo ao nosso redor a partir das nossas próprias


medidas, como a unidade de medida pés, usada, por exemplo, na América do
Norte. O corpo humano é o ponto de referência natural e comum para a medição, e
o mundo não grego desenvolveu sistemas complicados de medida que interagem
para a largura do dedo, da palma, do comprimento do antebraço (cúbito), do pé
e assim por diante, em proporção aproximada à natureza.

Antes que a vida se tornasse o modelo, se um artista desejasse desenhar


uma figura humana em qualquer escala, preparando-se para esculpir, por
exemplo, ele recorreria à hierarquia da medida, e no Egito foi racionalizado em
uma grade simples, na qual o corpo humano poderia ser desenhado de forma
plausível.

80
TÓPICO 1 | ORIGENS DO CLASSICISMO

FIGURA 11 – UNIDADES DE MEDIDA NO EGITO ANTIGO

FONTE: Disponível em: <http://blog.hmns.org/2013/03/


educator-how-to-why-square-it-when-you-could-cubit/>.
Acesso em: 20 jan. 2018.

O conceito foi apelativo para os gregos, mas logo se preocupavam menos


com a medida ideal absoluta do que com a proporção, e buscavam expressar
uma base teórica para o ideal. Policlitus, o escultor do século V, escreveu um
livro sobre o assunto que ilustrou, por meio de uma estátua, Doryphorus, exibida
anteriormente.

Ele expressou suas opiniões sobre a simetria, a compatibilidade das partes


do corpo. A noção parece mecânica, mas suas figuras, conhecidas apenas em
cópias, não eram claramente menos “perfeitas” do que as de seus contemporâneos.

Determinado princípio de controle, na arte grega, aparece com menos


sutileza na arquitetura. Determinou a forma e a decoração de um vaso geométrico
do século VIII, assim como nos frontões do monumento arquitetônico conhecido
como Parthenon.

O desafio, na arte grega, que garantiu o movimento e o progresso, foi o


desejo de conciliar opostos aparentemente intransigentes, o sentido instintivo de
padrão e proporção e a crescente conscientização do que poderia ser expresso
através de uma representação mais precisa das formas naturais.

Um estudo mais cauteloso das origens e do desenvolvimento do


classicismo grego nos ajudará a compreender como e porque a estética clássica
se tornou o estilo artístico mais predominante no Ocidente ao longo da história.

81
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 12 – O IMPÉRIO GREGO NA ANTIGUIDADE

FONTE: Disponível em: <https://generalhelghast.deviantart.com/art/Greater-Greek-


Empire-199997924>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Através do mapa, vemos a extensão geográfica do alcance da estética


grega clássica através das regiões conquistadas pelo Império Grego ao longo dos
séculos. Alexandre o Grande conquistou Dacia, Itália, Iugoslávia, Egito, Israel,
Cartagena, Pérsia, Turquia, Paquistão, Armênia e o Norte da Índia no Oriente.
Alexandre IV, da Macedônia, conquista grande parte da Ásia Central, juntamente
com a Hungria, a Áustria, a Suíça e alguns pedaços da Polônia e da Gália.

Alexander VII, da Macedônia, conquistou as partes do norte da Península


Arábica. O Império Grego era etnicamente diverso e era composto por gregos,
romanos, celtas, egípcios, árabes, judeus, persas, albaneses, trácios e macedônios.

82
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Nas artes visuais, o termo "classicismo" (adjetivo: classicista) geralmente se


refere à imitação da arte da antiguidade clássica (c.1000 a.C. - 450 d.C.), da
imitação de "arte grega" e da "arte romana", bem como protótipos anteriores
da arte grega, como a "arte egeia" (2500-1100 a.C.) e a "arte etrusca" (c.700-
100 a.C.). Assim, por exemplo, qualquer arquitetura, pintura ou escultura
produzida durante a Idade Média ou posteriormente, que se inspirou na arte
da Grécia antiga ou da Roma antiga, é um exemplo de classicismo.

• A arte clássica é conhecida por sua harmonia, equilíbrio e sensação de


proporção. Na sua pintura e escultura são empregadas figuras e formas
idealizadas, tratando seus assuntos de forma não anedótica e emocionalmente
neutra. A cor está sempre subordinada à linha e à composição, e a obra clássica
em geral procura alcançar sempre um efeito harmonioso e contemplativo. A
arquitetura clássica está intimamente regulada por proporções matemáticas.

83
AUTOATIVIDADE

1 Defina o termo estético “classicismo”, suas origens e explique por que


seria importante para nós compreendermos a respeito do termo na
contemporaneidade.

2 A história da estética clássica tem seu princípio na Grécia antiga, entre o


séc. VI e séc. IV a.C., e influenciou a arte e a arquitetura na Roma antiga,
no Renascimento, no estilo Neoclássico e de forma mais velada na
contemporaneidade. Assinale a alternativa incorreta sobre a estética da arte
clássica:

( ) A arte clássica é conhecida por sua harmonia, equilíbrio e sensação de


proporção.
( ) A cor, na arte clássica, está sempre subordinada à linha e à composição.
( ) A arquitetura clássica está intimamente regulada por proporções
matemáticas.
( ) O tema principal da arte grega era essencialmente o geometrismo.

84
UNIDADE 2 TÓPICO 2

O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

1 INTRODUÇÃO
O maior estímulo para o progresso e para a crença em um futuro é o
conhecimento e a compreensão de um passado. O grego do século IX a.C., que
vivia em um país escassamente povoado, de uma maneira que raramente se
elevava acima do austero, tinha ao seu redor a evidência da civilização de seus
predecessores, da Era do Bronze, dos micênicos e dos minoicos.

As pedras maciças de suas cidadelas foram construídas por “gigantes”. O


ouro e o marfim, em seus locais desertos e em seus cemitérios, mostraram onde
os deuses haviam andado com os homens, e como os deuses deveriam, portanto,
ser adorados.

FIGURA 13 – MÁSCARA MORTUÁRIA MICÊNICA EM OURO DE


AGAMÊMNON, 1500 A.C.

FONTE: Disponível em: <https://www.ancient.eu/Mycenaean_


Civilization/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

A arte grega teve um falso começo na Idade do Bronze, pelos modos


dominantes dos minoicos não gregos. Felizmente, as novas artes geométricas
da Grécia responderam de forma diferente e rentável à inspiração estrangeira.
O estilo é melhor expresso em vasos pintados, mas também pode ser visto na
metalurgia.

85
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Os artistas proto-geométricos, ou seja, aqueles que contribuíram para


o início do geometrismo nas artes gregas, principalmente do século X a.C.,
substituíram os padrões curvilíneos livres do passado com desenhos geométricos.
Os padrões retilíneos – o meandro, o ziguezague, a suástica – forneceram os
principais temas da arte geométrica (VII a VIII séculos).

Depois de quase uma geração de experiências com cenas de figuras


humanas, algumas em ação, o ateniense de Dipylon, um mestre pintor grego de
vasos, que trabalhou entre 760–750 a.C., foi capaz de criar a clássica declaração
de arte geométrica em seus vasos, com painéis de figuras de pessoas de luto e os
mortos no ritual de enterro.

FIGURA 14 – VASO CERIMONIAL DE ÁGUA, USADO EM


ENTERRO, SÉCULO VIII A.C.

FONTE: Disponível em: <https://www.ngv.vic.gov.au/essay/a-


new-greek-vase-of-c-700-b-c/>. Acesso em: 15 ago. 2017.

As formas geométricas decoram o vaso. As mulheres, ao centro,


representam as carpideiras chorando durante uma cerimônia de enterro.

Através do século VIII, os artesanatos na Grécia, especialmente em Atenas


e Creta, foram praticados ao lado do estilo geométrico nativo. Contudo, de forma
gradativa, os escudos de bronze feitos para a Caverna Idaean, em Creta, admitiram
motivos gregos. Ainda, em processo, as joias da Ática e da Creta geometrizam
suas formas e padrões.

As técnicas e os padrões gradualmente orientais foram admitidos em


formas nativas, enquanto os assuntos orientais eram helenizados, como a deusa
de marfim nua Astarte que, na Ática, adquiriu um ornamento sobre a cabeça e
um físico grego.

86
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

FIGURA 15 – DEUSA ASTARTE, CERCA DE 600-480 A.C.,


CHIPRE

FONTE: Disponível em: <http://etc.ancient.eu/travel/guide-


ancient-cyprus/>. Acesso em: 15 ago. 2017.

A influência do Oriente para o artista grego era múltipla. O mero exemplo


de uma arte dedicada à decoração de figuras e animais podia encorajá-lo a
desenvolver a decoração de figuras em seu idioma nativo, geométrico, embora as
formas angulares não fossem estranhas às artes orientais.

Os bronzes e os marfins, do leste oriental, eram talhados e ​​mostravam


como os detalhes poderiam ser adicionados às figuras da silhueta, trazendo a
possibilidade de uma definição mais próxima da roupa e do movimento da figura
e, eventualmente, a diferenciação das figuras como femininas ou masculinas.

Na pintura em vaso, produziram a técnica de figura negra miniaturista


incisiva de Coríntio até o final do século VIII a.C., mas em alguns estúdios, como
na Ática e nas ilhas, se agarravam às grandes figuras esboçadas com detalhes
lineares, produtos principalmente do século VII.

A decoração oriental, feita com frisos de animais, não era desconhecida


para os gregos, e em alguns centros se tornou dominante às custas da figura
humana ou da decoração abstrata. Os frisos de animais permaneceram, durante
muito tempo, como uma característica do estilo oriental, mesmo depois de sua
fonte ter sido esquecida.

As criaturas estão muito presentes nos vasos coríntios, áticos e do leste-


grego até o século VI. A vida selvagem também era familiar. Os leões não eram

87
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

representados nas artes da Grécia continental, exceto talvez no norte, e poderiam


ser tratados como monstros, como esfinges, ambos bem conhecidos pelos artistas
gregos da Idade do Bronze. Um híbrido grego também, o centauro, passou a ser
representado com outros monstros, como a quimera e a górgona – para descrever
criaturas de histórias mitológicas que antes não tinham imagem.

FIGURA 16 – A QUIMERA EM UM PRATO CERÂMICO, 350 A.C.

FONTE: Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Chimera_


(mythology)>. Acesso em: 20 jan. 2018.

De acordo com a mitologia grega, a Quimera era uma criatura monstruosa


e híbrida que soltava labaredas de fogo pela boca, composta de animais diferentes.
É geralmente retratada como um leão, com a cabeça de uma cabra que nasce de
suas costas.

O termo quimera veio a descrever qualquer animal mítico ou fictício com


partes tiradas de vários animais, ou para descrever qualquer coisa composta
de partes muito díspares, ou percebidas como fantasticamente imaginativas,
implausíveis ou deslumbrantes.

Enquanto os gregos preferiam frisos ou painéis geométricos, os orientais


preferiam os padrões curvilíneos ou florais. O crescimento do estilo oriental nunca
destruiu o geométrico e foi submetido à disciplina grega até o século VII, através
do uso de frisos de lótus, palmas e folhas sobrepostas e se tornou parte integrante
do design clássico grego em qualquer escala, desde joias até a arquitetura do
templo.

Mais importante ainda, novas técnicas permitiram que fossem criadas


cenas de ação da narrativa que pudessem representar mais do que os rituais ou
aventuras mortais, e abriram o caminho para a narrativa pictórica do mito.

88
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

A influência dos estilos orientais continuou, sobretudo com elementos


das artes egípcias, assírias, babilônicas e persas. No período formativo, as
características coerentes e naturais da arte grega são claramente demonstradas
pelo que seus artistas escolheram e o que rejeitaram dos novos modelos, e novas
técnicas e materiais se tornaram familiares.

2 O ESTILO ARCAICO GREGO


O arcaísmo, na arte grega, ocorreu no início do século V a.C. Até
determinado momento, seu curso foi rápido, mas exceto em alguma exploração
de materiais incomuns, como a pintura em vaso e a escultura arquitetônica, não
era muito diferente do curso de outras culturas, e tinha pouca promessa óbvia do
que estava por seguir.

Com retrospectiva, podemos tentar reivindicar a inevitabilidade da


revolução que o século V inaugurou. As sementes estavam lá, mas também
estavam nas artes dos assírios e dos egípcios. Em outras artes, os gregos já haviam
explorado novos campos em narrativa e letra. Talvez, o artista tenha ficado para
trás do poeta e do filósofo, mas foi inspirado pelo mesmo espírito de indagação.
A arte grega arcaica foi altamente convencional, e a maioria de suas convenções
dependia em graus variados das artes estrangeiras.

É geralmente nos ensaios estritamente orientadores que o progresso foi


mais lento e o incentivo para mudar menos urgente. Um exemplo é o trabalho em
metal. O tipo de caldeirão, com detalhes de animais, tinha bases mais longas do
que seus predecessores geométricos, os grandes caldeirões de tripé.

FIGURA 17 – CALDEIRÃO DE TRIPÉ DO PERÍODO ARCAICO


GREGO

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/lino/


ancient-greece/?lp=true>. Acesso em: 20 jan. 2018.

89
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

As cabeças de animais, que decoraram muitos dos caldeirões, que se


tornaram as ornamentações favoritas nos santuários gregos, adquiriram uma
nova elegância nas mãos gregas.

Um tipo escultural, caracterizado por características frontais e cabelo


semelhante a uma peruca, chamado de estilo Daedálico, também é derivado
do Oriente. Assim, foi introduzido o uso do molde para produção em massa de
figurinhas e placas, outro instrumento hostil à mudança.

FIGURA 18 – ESTILO DAEDÁLICO: A DAMA DE AUXERRE, SÉCULO VII A.C.

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/pin/371335931757264870


/?lp=true>. Acesso em: 15 ago. 2017.

Mesmo assim, era um estilo que os gregos exerciam com imaginação em


diferentes materiais, geralmente argila, para figurinhas, placas ou vasos, mas
também em tamanho natural, em calcário e em miniatura, em ouro ou marfim.

O terceiro presente do Oriente, que é utilizado em figuras de silhueta,


foi praticado em cerâmica, bem como em metalurgia. Os vasos de figuras negras
começaram a ser feitos em Coríntios, no século VII a.C. e, no final do século, a
técnica foi adotada em Atenas.

Outros estúdios gregos seguiram a liderança no século VI a.C. Há algo


intransigente em relação à silhueta, especialmente quando executada com um
brilho preto em uma argila pálida, e a linha incisiva que revela a argila através do
preto é nítida, mas geralmente não é sutil.

90
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

FIGURA 19 – CERÂMICA GREGA DO PERÍODO ARCAICO COM


ANIMAIS E CENTAUROS

FONTE: Disponível em: <https://www.metmuseum.org/toah/works-


of-art/1997.36/>. Acesso em: 21 jan. 2018.

As adições de cor não são mais do que um pouco de branco e vermelho.


A policromia real era para as escolas iniciais da Ilha Arcaica e rara em figura
negra, sendo tecnicamente difícil, embora os artistas que criavam em áreas onde
a pintura em painel ou em parede era praticada eram mais ousados, por exemplo,
os pintores do leste-grego, que emigraram para Etrúria no século VI.

O estilo oriental do friso de animais inspirou muito o pintor, mas depois,


alguns artistas atenienses conseguiram superar as limitações de sua técnica
e produziram obras cuja qualidade de massa, linha e humor antecipa o estilo
clássico.

As esculturas gregas do período arcaico sofreram, por sua vez, uma


influência egípcia. Os gregos, de meados do século VII a.C., inspiraram-se em
obras colossais egípcias esculpidas em pedra, e aprenderam as técnicas de colocar
figuras para uma escala desse tipo e voltaram a explorar o mármore branco duro
de suas pedreiras de ilha em Naxos, e depois de Paros.

Na arte grega posterior, a dimensão colossal era geralmente reservada para


estátuas de culto. A estátua de um homem nu, o Kouros, foi o mais importante
estilo que emergiu na época.

91
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 20 – O KOUROS DE KEOS, 530 A.C.

FONTE: Disponível em: <http://www.artleo.it/alarte/periodi/


arte_greca/img-greca.htm>. Acesso em: 15 ago. 2017.

A produção das estátuas de kouros, de um jovem mancebo, parece ter


servido para várias funções. Anteriormente, pensava-se que era usado apenas
para representar o deus Apollo, no entanto, nem todos os kouroi são imagens de
uma divindade.

Muitos foram descobertos em cemitérios, onde provavelmente serviram


como lápides comemorativas do falecido. A estátua masculina também foi
usada como memorial para vencedores nos jogos (como troféus), e usada como
oferendas aos deuses.

Uma sucessão de testes e experimentos técnicos de escultura, e uma


seleção natural das formas mais naturalistas, levaram o artista, no final do período
arcaico, a esculpir figuras mais realistas. Esculturas como os kouroi exemplificam
o início de um realismo proto-clássico. O Egito também ensinou aos gregos sobre
o uso de pedra para colunas e ornamentos arquitetônicos.

A necessidade de criar uma imagem para um deus teve um ligeiro efeito


sobre o desenvolvimento inicial da escultura, mas os requisitos de criar uma
morada digna para os deuses determinaram o desenvolvimento da arquitetura,
e somente no século VI outros edifícios públicos começaram a atrair a elaboração
arquitetônica reservada para outros templos.

92
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

A resposta grega ao uso de pedra esculpida foi, de forma previsível, o


estabelecimento de novas convenções. E assim, houve uma regularização do uso
de um estilo arquitetônico anterior, básico de salão profundo e varanda, com
colunas circundantes.

Aconteceu então a criação de detalhes decorativos para as colunas e as


obras superiores dos edifícios. No final do século VII, a ordem dórica surgiu na
Grécia continental, seus padrões intrincados, mas ausentes, baseados no encadear
de estruturas anteriores.

Logo depois, o mundo leste-grego contribuiu com a ordem iónica, com


base em padrões orientadores de flor e espiral. Como na escultura, o colossal não
foi evitado, e alguns dos maiores templos do mundo grego, de duas colunatas,
foram planejados no século VI, pelos tiranos jônicos, em Samos, Efésus, Mileto,
Dídima.

FIGURA 21 – AS ORDENS DÓRICA, CORÍNTIA E JÔNICA NA ARQUITETURA GREGA

FONTE: Disponível em: <http://sobrearquitetur.blogspot.com.br/2012/09/o-que-


sao-as-ordens-gregas.html>. Acesso em: 15 ago. 2018.

Atenas era o lar da arte arcaica grega na época, e foi lá que houve uma
segunda e importante revolução na escultura, a partir de uma nova criação. O
"Efebo de Krítios " demonstra uma postura natural e descontraída, principalmente
em uma perna, seus quadris, tronco e ombros, deslocando-se para ajustar a
posição.

É uma novidade vital na história da arte antiga – a vida deliberadamente


observada, compreendida e copiada. Depois, tudo se torna possível.

93
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 22 – EFEBO DE KRÍTIOS

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/pin/196258


496234216801/?lp=true>. Acesso em: 15 abr. 2017.

Podemos observar a estátua de mármore (altura 85 cm) encontrada na


Acrópole ateniense junto aos detritos do ataque persa de 480/79 a.C. O primeiro
exemplo quase completo de sobrevivência do novo estilo, que rompe com a
rigidez do arcaico kouroi e mostra o peso do corpo deslocado para uma perna,
com o correspondente ajuste de quadris e ombros, características triviais, mas um
marco na história da arte ocidental.

3 O ESTILO CLÁSSICO E A ESTÉTICA DA ARTE GREGA


Em Olímpia, um novo templo de Zeus estava sendo construído, e um
escultor impôs um estilo para sua equipe, o que tipifica, para nós, o clássico
de aproximadamente o segundo quarto do século V, sendo que o templo foi
construído em 456 a.C.

Dos dois frontões, o Ocidente oferece o vigor arcaico (a luta do centauro),


a calma clássica oriental, que também é um silêncio grávido de reflexão e
pressentimento. Enquanto os pedreiros ainda tinham muito a aprender com a
anatomia ou a própria farsa da roupa em pedra, eles conseguiram render nuances
de idade e humor com uma sutileza distante das convenções bastante teatrais do
arcaico.

94
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

FIGURA 23 – O ZEUS DE ARTEMÍSIA, EM BRONZE, 460-450 A.C.

FONTE: Disponível em: <https://snl.no/Kapp_Artemision>. Acesso


em: 15 ago. 2017.

A escultura em bronze, recuperada de um antigo naufrágio, é um excelente


exemplo de um bronze clássico. Zeus aqui provavelmente segurava um raio.

Em nenhum momento da história da arte grega, estava a imagem do


divino tão humano, o humano tão divino. A placidez das figuras, mesmo quando
representadas em atos de vigor ou alta emoção, impressiona. Como o corpo
escultural havia sido compreendido em seu posicionamento muscular e ósseo,
ele também passou a ser vestido a partir do período. No final do século, havia
uma moda para o vestido soprado pelo vento ou "molhado", pressionado contra o
corpo e contrastando com as sombras profundas das dobras livres ou penduradas.

Com seu estilo "clássico", o estúdio de Fídias se tornou a principal escola


artística da Grécia, e seu estilo passou a ser usado daquele momento em diante
pelos gregos e resgatado, posteriormente, pelos artistas romanos.

UNI

Fídias (480-430 a. C) foi um escultor, pintor e arquiteto grego. Sua estátua de


Zeus, em Olímpia, foi uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Fídias também projetou
as estátuas da deusa Atena na Acrópole ateniense, chamada de Atena Parthenos, dentro do
Partenon e a Atena Promacos, um bronze colossal que ficava entre ela e o Propylaea, um
portal monumental que servia de entrada para a Acrópole em Atenas.

95
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Nas outras artes, especificamente na pintura, os artistas passaram a


experimentar, pela primeira vez, a técnica da perspectiva e, mais importante
ainda, o sombreamento e coloração realistas, e preferiam pintar em murais
menores do que os egípcios.

As anedotas contadas na época a respeito do trabalho realista de um


Zeuxis ou Apelles – os pássaros que picavam as uvas pintadas, a cortina pintada
que não podia ser puxada – mostram que é aqui que começa a verdadeira tradição
da pintura ocidental.

É o estilo copiado posteriormente nas paredes romanas, e os poucos


exemplos originais que temos do final do período, que têm uma incrível
semelhança aos estilos do renascimento e barroco europeus.

FIGURA 24 – UMA COMPARAÇÃO ENTRE A PINTURA CLÁSSICA


GREGA E A BARROCA

FONTE: Disponível em: <http://www.essential-humanities.net/


western-art/painting/greek/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

FIGURA 25 – UMA COMPARAÇÃO ENTRE A PINTURA


CLÁSSICA GREGA E A BARROCA

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/


pin/322922235760181239/?lp=true>. Acesso em: 20 jan. 2018.

96
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

Podemos observar duas pinturas de estética clássica, com quase dois mil
anos de diferença entre elas: a pintura em mural, com carruagem do período
clássico grego, Túmulo de Vergina, do século IV a.C. (acima) e a pintura barroca
de cavalo, de Diego Velásquez, do século XVII d.C. (logo abaixo). Apesar da
diferença de idade entre elas, notamos que as semelhanças técnicas da pintura
são surpreendentes.

No século IV a. C, até que o patrocínio e as aspirações dos reis helenistas


mudassem o foco da vida, do pensamento e da arte grega, os escultores exploraram
modestamente além do classicismo phidiano ou policlito.

Praxiteles, o mais famoso dos escultores áticos do século IV a.C., aperfeiçoou


a linha mais feminina da graça sinuosa, e a nudez feminina finalmente entra na
história da arte ocidental.

FIGURA 26 – A AFRODITE DE PRAXITELES, 340 A.C.

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/geetiz/


praxiteles/?lp=true>. Acesso em: 15 ago. 2017.

A escultura é uma cópia romana de um original de mármore de cerca


de 340 a.C. Foi exibida em um templo, em Cnidus, e é considerada como a mais
incrível estátua da antiguidade. É também um dos primeiros nus femininos.

A qualidade realista do corpo e da pele esculpida em mármore foi bem


explorada pelo escultor (anteriormente, a maioria das estátuas em pé eram
finalizadas em bronze). Com tamanha plasticidade e qualidade, a obra foi e
continua sendo copiada ao longo dos últimos 23 séculos.

97
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Lysippus teve novas visões sobre proporções humanas ideais e


poderia conceber e executar suas figuras de forma totalmente tridimensional,
o que deve ter revolucionado a configuração das figuras, bem como a reação
e o comportamento dos telespectadores. Equivale a uma maior exploração da
possibilidade de realismo, experimentada já pelos pintores e, inevitavelmente,
da apresentação realista não apenas de tipos específicos, idade ou humor, mas de
indivíduos nomeados.

Estátuas comemorativas anteriores de atletas ou generais normalmente


os apresentavam em uma forma idealizada, com características pessoais
mínimas. Talvez seja surpreendente que demorou tanto tempo para a observação
e a expressão do tipo para recorrer à observação e à expressão do indivíduo,
especialmente porque a prática dedicatória e o orgulho pessoal grego deram
todas as oportunidades e encorajamentos.

É possível que existiram inibições latentes sobre a imposição de


características pessoais em figuras generalizadas ou idealizadas, que eram
modelos para homens e deuses.

Entretanto, os gregos estavam se tornando mais conscientes do divino no


homem, heroicizando seus mortos e logo declarando a divindade em determinada
vida favorita ou poderosa. Assim, o verdadeiro retrato dos estudos de caráter
contemporâneo, em vez de idealizado dos mortos, foi outro presente do século
IV para a arte ocidental.

Praxiteles era um ateniense, mas Scopas era de Paros, a ilha de mármore,


e Lysipo de Sicyon. A Grécia já não tinha uma escola dominante. As obras-primas
dos artistas do século IV estão perdidas para nós, e até mesmo o Praxitelean
Hermes, em Olympia, não é melhor do que uma excelente cópia.

Nós temos que julgar as artes menores (menor em tamanho somente),


ou trabalhos encomendados para os bárbaros, como o túmulo de Mausolus, em
Caria, com suas figuras colossais e frisos de alto-relevo, ou em áreas onde as
condições de enterro asseguraram a sobrevivência, como o túmulo de Felipe II,
em Vergina, na Macedônia. O último fornece a pista para o novo patrocínio, que
ditou o futuro da arte grega.

98
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

FIGURA 27 – TÚMULO DE FELIPE II EM VERGINA, MACEDÔNIA

FONTE: Disponível em: <https://news.nationalgeographic.com/2015/07/1507


20-philip-macedon-alexander-the-great-dad-greece-archaeology/>. Acesso
em: 20 jan. 2018.

Felipe II foi o rei do reino grego antigo da Macedônia de 359 a.C., até seu
assassinato, em 336 a.C. Ele era membro da dinastia Argead dos reis macedônios,
o terceiro filho do rei Amyntas III da Macedônia e pai de Alexandre o Grande e
de Filipe III.

4 A NARRATIVA NA ARTE GREGA


A visão do historiador da arte sobre a mitologia grega é sutilmente
diferente da visão do aluno da literatura grega. A maioria das cenas mitológicas
que sobreviveram, que são muitas, aparecem em objetos de uso comum, não de
uso extraordinário, como as esculturas de templo.

A maioria dos gregos aprendeu sua história de mitos de uma tradição oral
rica e infinitamente variada. Nossos estudos clássicos começam a partir de textos.
Os deles não, e muitos deles eram, na verdade, analfabetos.

Às vezes, a arte seguia a narrativa das histórias contidas nos textos acerca
da mitologia, às vezes os textos seguiam o que estava retratado na própria arte.
Há algumas cenas, daquele período, que seguem deliberadamente textos, embora
provavelmente menos do que é geralmente pensado.

O artista teve a mesma liberdade que um escritor para ajustar sua história,
mas ele era mais restrito mesmo no conteúdo do que retratava as fórmulas de seu
ofício. Ele não poderia, por exemplo, oferecer uma narrativa contínua, além de
que havia um limite para o que poderia ser explicado através de sua obra.

99
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Ele também era, em muitos aspectos, mais conservador do que o poeta. O


artista era regido por convenções claras para assuntos específicos e para as cenas
genéricas. No entanto, todos, exceto os mais modernos, evitaram repetir linha por
linha, não deliberadamente, mas porque não havia necessidade ou compulsão
para fazer tal coisa.

As primeiras imagens são símbolos de eventos da época, de enterro ou


batalha, e o exemplo do Oriente levou o artista a um idioma em que detalhes mais
específicos de uma história histórica (para nós, mítica) poderiam ser expressos.

As primeiras cenas de mitos são motivadas por fórmulas sugeridas pelas


artes. Não têm praticamente nada em comum com a rica imagem visual de
Homero, e menos ainda em relação à pátria jônica, além de compartilharem as
mesmas fontes orais tradicionais e empregando a mesma linguagem da metáfora.

Abjurando o sistema de narração cartunista, o artista grego foi obrigado a


encapsular a narrativa e a mensagem de uma história em uma única cena. O artista
arcaico geralmente escolheu um momento de ação máxima: o clássico, contando
com o conhecimento do espectador sobre a história, pode às vezes se concentrar
em poema, o que pode ser psicologicamente ou dramaticamente mais revelador.

Ambos se basearam na identificação de suas figuras com vestimenta,


atributos e poses convencionais. A dependência de detalhes de pose ou atributo
também permitiu ao artista introduzir um elemento de narrativa contínua por
alusão ao passado e ao futuro.

Um exemplo clássico é o vaso corintiano, de cerca de 560 a.C., mostrando


Amphiaraus partindo para sua expedição contra Tebes.

FIGURA 28 – A PARTIDA DE AMPHIARAUS PARA THEBES. DESENHO DE


UM VASO CORÍNTIO DE CERCA DE 560 A.C.

FONTE: Disponível em: <https://www.tumblr.com/search/amphiaraus>.


Acesso em: 15 ago. 2017.

100
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

Sua esposa Eriphyle é exposta na esquerda, mantendo proeminente o


colar com o qual ela foi subornada para persuadir o rei para ir à guerra. Atrás dele
está seu filho Alcmaeon, que o vingará. Na direita, o vidente cujo gesto mostra a
presciência do resultado da expedição.

A justaposição de cenas envolvendo a mesma figura, embora não em


episódios da mesma história, parece ter sido introduzida com o novo ciclo de
Teseus, em Atenas, no final do século VI e é levada para um melhor efeito para a
série dos trabalhos de Héracles.

Nas artes populares, como na pintura em vaso, a escolha do assunto


parece geralmente a do artista que, é claro, conhecia seu mercado, e as peças
especialmente encomendadas para a dedicação ou outras ocasiões geralmente
podem ser identificadas na obra de um artista.

Ele foi influenciado, em sua escolha do tema, principalmente pela


tradição. Novas histórias, como o ciclo de Teseu, ou a ênfase em certos mitos
que responderam propaganda estadual, foram rapidamente refletidas nas artes
populares.

O papel de Teseu, na nova democracia ateniense, é suficientemente claro


na literatura, como na arte. Os novos cultos também – a adoção de Eleusis por
Atenas ou a chegada de um Asclepius – são refletidos nas artes populares.

Certos aspectos quase ritualizados da vida cotidiana, presumivelmente


de um significado que ultrapassa o interesse mundano ao seu redor, também
ocuparam artistas e foram abençoados com suas próprias convenções
iconográficas, como mitos, envolvendo o simpósio, cortejos de jovens, atletismo,
preparativos de casamento.

Nas artes principais, como pintura mural e escultura do templo, existiam


outras considerações, dentre elas o fato de serem para fins de exibição pública,
não o consumo efêmero, além de que determinados projetos caros e longos não
eram campos apropriados para experiências.

O Parthenon é incomum em ter seus temas escultóricos intimamente


relacionados com Atenas e seu passado glorioso, tanto mítico como recente, e
com os atenienses. Em outros templos, a relevância do assunto, às vezes, é
menos aparente, e podemos imaginar que as decisões fossem as de um comitê de
magistrados e sacerdotes, e não dos artistas.

Muitas exigências da patronagem, política e religião precisam ser


compreendidas. Enquanto personagens individuais de mitos, monstros ou heróis
podem parecer funções principalmente decorativas, geralmente o propósito da
arte grega é, principalmente, a de contar uma história ou definir uma cena.

101
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

5 REPRODUÇÕES MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS


É interessante notar que ao longo da história, os ocidentais recriaram
estátuas gigantes em estilo clássico semelhantes à de Zeus, no templo de Olímpia.
Observe, a seguir, a proporção entre o homem e a estátua.

FIGURA 29 – REPRODUÇÃO MODERNA DE ATENEA PARTENOS DE


FIDIAS NO PARTENON DE NASHVILLE – ESTADOS UNIDOS

FONTE: Disponível em: <https://es.wikipedia.org/wiki/Criselefantino>.


Acesso em: 20 jan. 2018.

Em Tennessee, nos Estados Unidos, por exemplo, foi feita uma reprodução
moderna da estátua de Atenea Partenos de Fidias, no Partenon, de Nashville. Alan
LeQuire, nativo de Nashville, foi encarregado de fazer uma réplica da estátua.
Seu trabalho foi feito nas descrições e cópias existentes do original.

A versão moderna demorou oito anos para ser feita, foi revelada ao
público em maio de 1990 e é importante por sua escala e cuidado na recriação do
trabalho de Phidias. A reprodução do Athena Partenos ajuda a dar aos visitantes
a impressão de que estão dentro de um antigo lugar de adoração ateniense.

Além de cópias das esculturas originais gregas de grande porte, podemos


pensar também em outras estátuas criadas na modernidade, em estilo neoclássico,
de forte influência greco-romana. Vejamos um exemplo.

102
TÓPICO 2 | O CLASSICISMO NA ARTE E NA ARQUITETURA GREGA

FIGURA 30 – ESTÁTUA DA LIBERDADE, NOVA YORK – ESTADOS UNIDOS

FONTE: Disponível em: <http://raredelights.com/history-heritage-statue-


liberty/statue-of-liberty-17/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

A Estátua da Liberdade é uma escultura colossal neoclássica localizada na


Ilha da Liberdade, no porto de Nova York, na cidade de Nova York, nos Estados
Unidos. A estátua de cobre, um presente do povo da França para o povo dos
Estados Unidos, foi desenhada pelo escultor francês Frédéric Auguste Bartholdi e
construída por Gustave Eiffel.

A estátua foi inaugurada em 28 de outubro de 1886. É uma figura de uma


mulher vestida que representa Libertas, uma deusa da liberdade romana. Ela
segura uma tocha acima da cabeça com a mão direita e, na mão esquerda, carrega
uma tábula inscrita em algarismos romanos com "JULHO IV MDCCLXXVI" (4
de julho de 1776), data da Declaração de Independência dos EUA. Uma corrente
quebrada fica em seus pés. Tornou-se um ícone da liberdade e dos Estados
Unidos, sendo uma visão acolhedora para os imigrantes que chegam do exterior.

Por sua vez, a Estátua da Liberdade tem cópias feitas ao redor do mundo.
No Brasil, muitos de nós já vimos, por exemplo, alguma réplica da famosa estátua
em uma das lojas da Havan, que é uma rede de departamentos catarinense.

FIGURA 31 – RÉPLICA DA ESTÁTUA DA LIBERDADE DA LOJA HAVAN

FONTE: Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,a-


rede-da-polemica-estatua-da-liberdade,162230e>. Acesso em: 20 jan. 2018.
103
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

O uso de uma réplica da Estátua da Liberdade, como símbolo de uma


loja de departamentos, pode estar associado não somente aos ideais clássicos
de liberdade e de democracia, mas também com a ideia do livre mercado e da
autonomia do poder de consumo.

Ao mesmo tempo, a imagem de uma estátua famosa norte-americana, em


terras brasileiras, pode exercer um certo fascínio aos consumidores, a ideia de
que, ao adentrarem na loja, estarão talvez em um “paraíso” de consumo, à moda
americana.

Como lemos, a Estátua da Liberdade foi criada sob a inspiração da


deusa romana Libertas. Os romanos foram os grandes herdeiros da cultura e
da estética gregas. Foi através deles que o Ocidente também recebeu a herança
clássica, através da Europa. Vamos agora, no tópico 3, compreender como se deu
o processo.

104
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O tema principal da arte grega era essencialmente o ser humano. Mesmo


quando trabalhadas as formas geométricas quase abstratas, os principais
temas do artista eram humanos, e isso permanece verdadeiro quando suas
habilidades permitiram imitar de perto, ou mesmo melhorar, a natureza.

• As ações e aspirações do homem são realizadas, na arte grega, pelas figuras


de deuses ou heróis mais frequentemente do que pelas figuras de mortais e
muitas vezes em ambientes que, embora vestidos e decorados por seu próprio
mundo, pertenciam ao seu passado mitológico heroico.

• As esculturas gregas do período arcaico sofreram uma influência egípcia. Os


gregos, de meados do século VII a.C., inspiraram-se em obras colossais egípcias
esculpidas em pedra, e aprenderam as técnicas de colocar figuras a uma escala
desse tipo e voltaram a explorar o mármore branco duro de suas pedreiras de
ilha em Naxos, e depois de Paros. Na arte grega posterior, a dimensão colossal
era geralmente reservada para estátuas de culto. A estátua de um homem nu,
o Kouros, foi o mais importante estilo que emergiu na época.

• A partir de 400 a. C., a arte grega se torna puramente clássica e realista. Em


nenhum momento da história da arte grega estava a imagem do divino tão
humano, o humano tão divino. A placidez das figuras, mesmo quando
representadas em atos de vigor ou alta emoção, impressiona. Como o corpo
escultural havia sido compreendido, em seu posicionamento muscular e ósseo,
ele também passou a ser vestido a partir do período. No final do século, havia
uma moda para o vestido soprado pelo vento ou "molhado", pressionado
contra o corpo e contrastando com as sombras profundas das dobras livres ou
penduradas.

• Com seu estilo "clássico", o estúdio de Fídias se tornou a principal escola


artística da Grécia, e seu estilo passou a ser usado daquele momento em diante
pelos gregos e resgatado posteriormente pelos artistas romanos.

• Nas outras artes, especificamente na pintura, os artistas passaram a


experimentar, pela primeira vez, a técnica da perspectiva e, mais importante
ainda, com sombreamento e coloração realistas, e preferiam pintar em murais
menores do que os egípcios. As anedotas contadas na época a respeito do
trabalho realista de um Zeuxis ou Apelles – os pássaros que picavam as uvas
pintadas, a cortina pintada que não podia ser puxada - mostram que é aqui
que começa a verdadeira tradição da pintura ocidental. É o estilo copiado
posteriormente nas paredes romanas, e os poucos exemplos originais que
temos do final do período, que têm uma incrível semelhança aos estilos do
Renascimento e barroco europeus.

105
AUTOATIVIDADE

1 Quais características tornaram o estúdio de Fidias a principal escola artística


do mais puro classicismo da Grécia antiga?

2 A força da narrativa mítica, encontrada na arte grega, ocorreu pelo fato da


maioria dos gregos terem aprendido sua história de mitos de uma tradição
oral rica e infinitamente variada. Muitas vezes, a arte seguia a narrativa
das histórias contidas nos textos acerca da mitologia, às vezes, os textos
seguiam o que estava retratado na própria arte. Acerca da narrativa mítica,
identifique, a seguir, a alternativa incorreta:

( ) A maioria das cenas mitológicas que sobreviveram aparece nas esculturas


de templo, e não nos objetos de decoração comuns.
( ) O escultor ou pintor não podia oferecer uma narrativa contínua e havia
um limite para o que poderia ser explicado através de sua obra.
( ) O artista grego foi obrigado a encapsular a narrativa e a mensagem de
uma história em uma única cena.
( ) O Parthenon é incomum em ter seus temas escultóricos intimamente
relacionados com Atenas e seu passado glorioso.

106
UNIDADE 2 TÓPICO 3

O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

1 INTRODUÇÃO
A arte e a arquitetura floresceram durante o Império Romano, entre 27
a.C. e 476 d.C. Sob o domínio romano, ambiciosos programas de construção,
melhorias civis e monumentos escultóricos transformaram a capital e seus
territórios dependentes em toda a Itália, Europa e o Mediterrâneo.

Trabalhando no estilo clássico aperfeiçoado da Grécia, durante o século


V a.C., os romanos aplicaram sistemas gregos de proporção, simetria e harmonia
ideais para seus próprios objetivos e preferências. O uso inovador do arco, da
abóbada e da cúpula permitiu que os arquitetos avançassem além da construção
dos gregos para projetos mais complexos, compatíveis com a predileção romana
de grandeza e massividade.

O uso extensivo de concreto, geralmente somado ao uso de tijolo, pedra


ou mármore, alcançou a força e a durabilidade, tornando a construção romana
lendária. A demanda por estátuas gregas de atletas, deuses e deusas gregas nuas
ou ligeiramente drapejadas alimentou um comércio rápido de cópias.

A escultura romana original, principalmente retratos contemporâneos,


relevos históricos e monumentos funerários, exibiu uma forma mais subjugada
de classicismo, que bem definia o nobre etos romano.

Entre cerca de 81 a.C. a 330 d.C., escultores gregos, que trabalham em


vários postos do Império Romano, produziram inúmeras réplicas e adaptações
de famosas esculturas gregas para conhecedores, bem como o mercado de massa.

107
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 32 – VÊNUS DE MÉDICI

FONTE: Disponível em: <https://bluenotesinblackandwhite.com/


tag/venus-de-medici/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

A Vênus de Médici, mostrada aqui, foi baseada em uma famosa estátua


em tamanho natural de Afrodite, a deusa grega do amor. O bronze grego original
não sobrevive mais e é conhecido hoje apenas através de cópias de mármore
como esta.

O reinado do Imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.) iniciou uma era


de filelenismo (amor à cultura grega) na arte romana. O realismo sóbrio, que
distinguiu a escultura antiga da era republicana, e o idealismo grego, criaram um
estilo híbrido distintivo.

Para melhor situarmos a dinâmica do classicismo durante o Império


Romano, iremos nos concentrar neste período augusto para observarmos o
desenvolvimento das artes clássicas na arquitetura, escultura e pintura.

108
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

2 O CLASSICISMO ROMANO NO REINADO DE AUGUSTO


Segundo R. J. A. Wilson (1993), quando Octaviano, um pouco antes de
assumir o título de Augusto, surgiu triunfante da batalha de Actium, em 31
a.C., ele se empenhou em um programa de construção com o qual Roma nunca
antes havia visto. O reinado de Augusto foi de enorme fervor arquitetônico e
artístico, em que o conservadorismo cauteloso era combinado com novas ideias
revolucionárias.

O estabelecimento do Principado criou, pela primeira vez, uma estabilidade


que permitiu a elaboração de um programa de planejamento coerente a longo
prazo para os monumentos da capital.

O imperador, sua família e associados forneceram uma forte patronagem,


que atraiu arquitetos, escultores e pintores para a capital, uma patronagem
que era vital para criar condições adequadas para obras de arte e edifícios em
grande escala. Com o patrocínio imperial, veio o controle centralizado dos fundos
estaduais.

Vejamos o mapa do Império Romano durante o reinado de Augusto (27


a.C. - 14 d.C.).

FIGURA 33 – O IMPÉRIO ROMANO SOB O DOMÍNIO DE AUGUSTO

FONTE: Disponível em: <https://www.ancient.eu/image/4334/>. Acesso em: 20 jan.


2018.

109
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

O mapa mostra regiões dominadas (Europa, Oriente Médio e Norte da


África) ao redor do Mar Mediterrâneo. As áreas amarelas indicam o império
antes do reinado de Augusto, as áreas verdes adquiridas posteriormente e as
áreas violetas são estados-clientes de Roma.

Tais condições, obviamente, existiam antes no mundo antigo, como na


Atenas de Péricles, por exemplo, e especialmente nos reinos helenísticos, como
Pergamum, mas para Roma eram essencialmente novos. Augusto também não
demorou a conhecer outro generoso programa arquitetônico e escultural.

Júlio César já havia mostrado o caminho com sua ótima visão de uma
monumental reorganização do coração de Roma, e alguns de seus projetos foram
devidamente preenchidos por Augusto.

O filho adotivo de César lançou um programa de construção em uma


escala ainda mais ambiciosa, que transformou totalmente a aparência física
da capital. Mobilizar a indústria da construção era uma forma de estimular a
economia, construindo teatros e anfiteatros, banhos, foros e templos para uma
população inquieta.

Ainda, nas demonstrações do programa de Augusto, o potencial para usar


monumentos como veículos de propaganda foi explorado ao máximo.

FIGURA 34 – ESTÁTUA DE AUGUSTUS DE PRIMAPORTA, SÉCULO I D.C.,


MUSEU DO VATICANO

FONTE: Disponível em: <https://www.dailymaverick.co.za/article/2014-08-


26-op-ed-the-enduring-legacy-of-augustus/#.Wm-p7qinFdg>. Acesso em: 20
jan. 2018.

Augusto foi o fundador do Principado Romano e é considerado como o


primeiro imperador romano. Exerceu seu poder de 27 a.C. até a sua morte, em 14
d.C., ou seja, há pouco mais de 2000 anos.

110
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

Seu tio, por parte de mãe, Júlio César, foi assassinado em 44 a.C., e
foi nomeado, segundo a própria vontade de César, como seu filho adotivo e
herdeiro. Augusto é conhecido pelas suas obras arquitetônicas e artísticas, e por
ter transformado a aparência de Roma em um modelo grego clássico.

Na estátua de Augusto, traços faciais reconhecíveis identificam claramente


o indivíduo representado, mas a fisionomia aperfeiçoada e a expressão de calma
servem um propósito propagandístico, reforçando um senso de nobreza e do
comando “sobre-humano” do governante.

Uma ideia da escala do novo programa de construção pode ser julgada


pela surpreendente afirmação de Augusto, de que ele construiu ou restaurou não
menos de 82 templos em apenas um ano, além de outros tipos de construção.

Se acrescentarmos os projetos patrocinados por outros construtores


enérgicos em sua família, podemos ter alguma impressão da febre de obras que
tomava Roma naquela época. Muitas das novas estruturas eram essencialmente
conservadoras, repetindo as fórmulas já experimentadas e testadas na República.

O teatro de Marcellus, por exemplo, iniciado por César, mas não terminado
até cerca de 13-11 a.C., com seus assentos levantados em subestruturas de concreto
e com uma fachada exterior de arcadas sobrepostas (cada linha emoldurada por
uma colunata contínua de colunas engajadas, uma fórmula que muito influenciou
os arquitetos do século XVI em diante), era essencialmente o tipo de construção já
estabelecido em Roma pelo teatro anterior de Pompeu (55 a.C.).

FIGURA 35 – O TEATRO DE MARCELLUS, ROMA, SÉCULO XII A.C.

FONTE: Disponível em: <http://www.aviewoncities.com/img/rome/kveit0348s.


jpg>. Acesso em: 1 abr. 2018.

111
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Muitos dos templos também continuaram a usar materiais tradicionais,


seja travertino, uma pedra calcária branca dura extraída perto de Tivoli, ou uma
das variedades de pedras vulcânicas locais totalmente cobertas de estuque.

Tal conservadorismo, no programa de construção de Augusto, teria


encantado o arquiteto Marcos Vitruvius Pollio (c. 80-15 a.C.), cujos dez livros
sobre arquitetura, escritos entre 30 e 15 a.C., gozavam de uma enorme fama
desde o Renascimento, especialmente como um livro-fonte para as ordens gregas
clássicas.

Consciente, mas descontente com as mudanças radicais que o rodeiam,


Vitruvius retém as restrições contra a pressa e a ousadia da nova geração de
arquitetos, ao mesmo tempo que elabora elogios não diluídos sobre o uso de
pedra silhar (lavrada em formato quadrangular), sobre os materiais das pedreiras
locais, mesmo na utilidade do tijolo de barro. A era de Augusto era uma era de
experiência, usando novos materiais e explorando novos usos para a época.

A qualidade do concreto, por exemplo, foi constantemente melhorada, e


arquitetos inovadores estavam tentando um novo método de coberturas, como a
cúpula hemisférica em concreto, que deveria desempenhar uma parte tão vital na
revolução arquitetônica romana nos próximos 150 anos. O primeiro exemplo de
sobrevivência, provavelmente augustiniana, é o chamado "Templo de Mercúrio",
em Bayas.

FIGURA 36 – TEMPLO DE MERCÚRIO" EM BAYAS, ITÁLIA

FONTE: Disponível em: <https://destinoinfinito.com/bayas-la-ciudad-romana-


hundida/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

112
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

Outro material novo e duradouro foi o tijolo queimado em forno, não um


material recém-inventado como tal, mas empregado agora, pela primeira vez,
como um revestimento contínuo para o concreto. Em Roma, parece ter sido usado
até depois da morte de Augusto. A confiança real em lidar com o novo material
foi obtida em outros lugares, especialmente em cidades italianas, como Turim.

Com a alvenaria, por exemplo, a construção das cúpulas, o desenvolvimento


significativo ainda estava por vir, mas os arquitetos da era augusta merecem
crédito por apontar o caminho a seguir.

Um impacto mais imediato na cena arquitetônica foi feito pelo mármore.


Augustus se vangloriou do fato de ter encontrado Roma como uma cidade de
tijolos de barro e ter deixado como uma cidade de mármore.

César provavelmente foi o primeiro a perceber o potencial das ricas


pedreiras de mármore de Carrara, perto de Luna, no norte da Itália, mas sua
exploração de alta escala começou apenas com o reinado de Augusto. Branco,
cristalino e limpo, o bonito material ganhou popularidade imediata e generalizada.

Ao lado de Luna, apareceu uma crescente gama de mármores policromos


do exterior, como mármore amarelo africano, mármore rosa salmão de Chios e
cipollino verde-azul de Eubeia, bem como mármore frígio da Ásia Menor.

O mármore tinha vindo para ficar, e embora o uso de efeitos policromáticos,


tanto para colunas, quanto em pavimentos e folheados de parede, manteve-se
restringido pela comparação com as modas posteriores, o novo material deu um
toque bem-vindo de elegância e sofisticação, bem como um toque de cor, que
faltava na arquitetura da capital do Império Romano até então.

Entretanto, a exploração do mármore trouxe um problema: a falta de


conhecimentos romanos no manejo do material. Assim, um exército de artesãos
gregos foi recrutado para a capital. Seu papel na formação das criações no
programa de Augusto foi de grande valia.

Uma nova e precisa linguagem de ornamento arquitetônico, baseada na


Grécia Clássica, mas com novas variações e combinações, deu o tom para o resto
do Império e, por sua vez, foi uma fonte de inspiração para gerações de arquitetos
renascentistas e neoclássicos. A contribuição romana original para as ordens
clássicas fez sua primeira aparição conhecida em Roma na época de Augusto, e é
associada ao gênio criativo dos artesãos gregos na capital.

113
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 37 – AS ORDENS ARQUITETÔNICAS GRECO-ROMANAS

Dórica Jónica Coríntia Toscana Compósita

FONTE: Disponível em: <http://desenho-classico.blogspot.com.br/2016/05/as-ordens-


arquitetonicas.html>. Acesso em: 20 abr. 2018.

O casamento das habilidades, tradições gregas, do gosto e das demandas


romanas está bem visível em dois monumentos, que marcam o ponto culminante
do programa de Augusto, o Ara Pacis Augustae (dedicado em 9 a.C.) e o Fórum
de Augusto (2 a.C.).

O fórum, em conceito e planejamento, é quintessencialmente romano.


O grande templo, de estilo itálico do mármore de Luna, em um pódio elevado,
domina um espaço aberto flanqueado por pórticos, com um layout formal e axial,
seguindo os princípios rígidos já estabelecidos na arquitetura republicana.

UNI

Em arquitetura, um pórtico é o local coberto na entrada de um edifício, de um


templo ou de um palácio. Pode se estender ao longo de uma colunata, com uma estrutura
cobrindo uma passarela elevada por colunas ou fechada por paredes.

FIGURA 38 – FÓRUM DE AUGUSTO - IMAGEM DE RECONSTRUÇÃO DIGITAL

FONTE: Disponível em: <https://en.wikiarquitectura.com/building/


augusto-forum/>. Acesso em: 20 jan. 2018.
114
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

Bem romano também é o uso do fórum como uma galeria de retratos dos
grandes nomes da história romana, incluindo o próprio Augusto, identificado
como apenas outro herói em uma longa série de republicanos.

FIGURA 39 – RUÍNAS DO FÓRUM DE AUGUSTO, ROMA, II A.C.

FONTE: Disponível em: <http://oquevidomundo.com/rumo-roma-n-2-frum-


romano-fruns-imperiais-etc/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Como uma peça engenhosa de propaganda imperial e como um modelo


para o planejamento arquitetônico, o fórum de Augusto era inequivocamente
romano, ainda que seus detalhes não fossem gregos.

Os capitais coríntios, de pilastras zoomórficas, com figuras de Pegasus


nos cantos, mais obviamente de toda a linha de cariátides – figuras femininas
esculpidas servindo como um suporte de arquitetura tomando o lugar de uma
coluna – acima das colunatas, estão intimamente acompanhados na arquitetura
clássica ou tardia helenística de Ática.

FIGURA 40 – CARIÁTIDES NO ERECHTHEION (“VARANDA DAS DONZELAS”),


ACRÓPOLES DE ATENAS

FONTE: Disponível em: <http://brewminate.com/the-rebirth-of-athens-in-the-


roman-empire/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

115
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

O andar superior da colunata, que encerra o fórum, foi articulado com


uma série de figuras femininas esculpidas e copiadas diretamente da varanda
da cariátide do Erechtheum, em Atenas, um exemplo claro do elemento grego
clássico na decoração arquitetônica de Augusto.

O monumento conhecido como “Altar da Paz”, de Augusto, é um


testemunho ainda mais eloquente do intercâmbio cultural da Grécia e de Roma.
O próprio altar, colocado em uma plataforma escalonada, estava cercado por
todos os lados por altas paredes e por entradas em leste e oeste.

FIGURA 41 – O ALTAR DA PAZ DE AUGUSTO (9 A.C.)

FONTE: Disponível em: <https://www.khanacademy.org/humanities/ancient-


art-civilizations/roman/early-empire/a/ara-pacis>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Vejamos um detalhe do Altar da Paz, que mostra os painéis mitológicos, que


decoravam cada entrada com a Mãe Terra, com crianças no colo e personificações
do Oceano e Água ao seu lado, uma cena esculpida completamente na tradição
helenística e exalando as bênçãos da tranquilidade e renovada fertilidade que
acompanhava a paz de Augusto, além de Aeneas sacrificando, no local onde ele
começou a pisar, em solo italiano.

FIGURA 42 – DETALHE DE UM PAINEL MITOLÓGICO DO ALTAR DA PAZ DE


AUGUSTO: A TERRA MÃE

FONTE: Disponível em: <https://pt.dreamstime.com/foto-de-stock-editorial-


detalhe-ara-pacis-augustae-roma-do-bas-relevo-image58721618>. Acesso em:
20 jan. 2018.
116
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

Perto da cabeça da procissão no lado sul, Augustus está no mesmo ato de


sacrifício solene. A mensagem de propaganda aqui seria que Augusto é o novo
Aeneas, o portador da esperança e o arquiteto de uma Roma renascida.

O resto do lado sul mostra membros de sua família, enquanto os


magistrados e suas famílias preenchem o lado norte. É uma comemoração em
mármore de uma procissão real e de um sacrifício que aconteceu em 13 a.C., em
ação de graças para o retorno seguro do Imperador após uma turnê provincial.
A ideia de usar a escultura histórica de alto relevo para registrar um evento
específico tinha sido explorada durante o final da República, mas encontrou
expressão plena somente durante o Império.

FIGURA 43 – DETALHE DE UM PAINEL MITOLÓGICO DO ALTAR DA PAZ DE AUGUSTO: A


PROCISSÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.nationalgeographic.com.es/historia/grandes-


reportajes/ara-pacis_9037>. Acesso em: 20 jan. 2018.

O relevo de um dos lados do altar mostra uma procissão de sacerdotes,


com sua característica toga (peça do vestuário civil grego) pontiaguda e membros
da família imperial.

Como um exercício de propaganda política, o Ara Pacis sucede


brilhantemente ao apresentar alguns dos valores essenciais que Augusto
representava: grauitas (rigor), representada por testemunhas pela solenidade da
ocasião; humanitas (humanidade), representada por uma criança cansada que
puxa a toga de seu pai e pelo sabor geral de uma "ocasião familiar" e, acima de
tudo, pax (paz), tanto na Itália quanto no mundo em geral. Como monumento
escultural, os frisos dos Ara Pacis também são simplesmente perfeitos, um tributo
às habilidades dos escultores gregos que trabalharam neles.

A influência, sobretudo de Atenas, é primordial, na forma geral do altar,


uma cópia em uma escala mais monumental do Altar da Piedade na ágora
ateniense (C. 420), nos frisos processuais que recordam os do Parthenon, na

117
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

solenidade silenciosa, reminiscente, talvez, dos átrios graciosos da era clássica,


inspirados provavelmente no estilo helênico da Ásia Menor, como os antigos
modelos Áticos agora perdidos.

O Ara Pacis simboliza a alta capacidade romana em reinterpretar o


repertório grego clássico, moldando-o e adaptando-o em algo novo e distintamente
romano.

Outro elemento vital da nova máquina de propaganda romana foi


a construção de imagens. Os escultores gregos desempenharam um papel
fundamental na criação de uma série de retratos de tipos de Augusto, que foram
copiados em grandes números para que todos os cantos do Império pudessem ser
bombardeados sistematicamente com a imagem do Imperador.

FIGURA 44 – A FAMÍLIA IMPERIAL: AUGUSTO, LÍVIA E O JOVEM


NERO. CAMAFEU, MUSEU DO ERMITÃO. SÃO PETERSBURGO

FONTE: Disponível em: <http://www.nationalgeographic.com.es/


historia/grandes-reportajes/ara-pacis_9037/2>. Acesso em: 20 jan.
2018.

Os tipos agora criados para Augusto e sua família não eram os retratos
realistas da república tardia, mas uma mistura delicada de realismo e estado-
ideal viril. O humor pode variar da determinação sombria do Capitão Octaviano,
formado em um momento antes da consolidação total de sua posição, através
da sobriedade de autoridade de Augusto como pontifex maximus, esculpida cerca
de 30 anos depois, com pouca sugestão de envelhecimento, ao autoconfiante
Augusto.

O imperador, com gesto expansivo, acaba se expressando para uma


população invisível, mas a impressão primordial de um líder determinado,
eficiente e autêntico é comum a todos.

118
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

FIGURA 45 – ESTÁTUA DE AUGUSTO COMO PONTIFEX


MAXIMUS

FONTE: Disponível em: <http://www.romanemperors.com/


images/18-high-priest-of-ancient-romans.jpg>. Acesso em:
20 jan. 2018.

Na vida privada, Augusto tinha fama de ter sido um homem de hábitos


simples, que optou por habitar em uma casa modesta, com pouca decoração.
Nas pinturas ao ar livre desta e de outras propriedades da família imperial, os
esquemas arquitetônicos dominantes, que caracterizam o segundo estilo pleno,
cedem à decoração com um toque mais leve, o que favorece a arquitetura de
forma menos substancial e a crescente ênfase na grande central imagem de
"painel" mitológico como o ponto focal de cada parede.

O ponto culminante lógico da tendência foi negar completamente a ilusão


de profundidade e enfatizar a solidez da parede.

O novo esquema de decoração que assim surgiu dependia de seu efeito


em detalhes decorativos intrincados e muitas vezes fantásticos, especialmente
desenhos florais e abstratos, geralmente intercalados com quadros figurativos
que variaram muito em tamanho e número, enquanto elementos arquitetônicos,
se eles sobreviveram, tornaram-se frágeis e irreais.

O novo esquema decorativo pode ser visto totalmente desenvolvido em


outra propriedade imperial, a casa de campo, em Boscotrecase, perto de Pompeia.
A elegância e a restrição dos afrescos aqui, em contraste com os excessos do
Segundo Estilo em seu mais extravagante, marcam o ponto culminante de uma
revolução silenciosa, mas decisiva no gosto artístico, alcançada pela habilidade
dos pintores de corte.

119
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 46 – AS PINTURAS SACRO-IDÍLICAS DE BOSCOTRECASE

FONTE: Disponível em: <https://sites.google.com/site/ad79eruption/


neighbouring-area/boscotrecase>. Acesso em: 20 jan. 2018.

As pinturas de parede geralmente compõem um único fundo


monocromático, como vermelho, preto ou branco, com detalhes arquitetônicos
e vegetais elaborados. Pequenas cenas figurativas e de paisagem aparecem no
centro da parede como parte do esquema decorativo geral. As melhores pinturas
conhecidas são os afrescos da Vila Imperial, em Boscotrecase.

Os ingredientes individuais do novo estilo de pintura refletem o ecletismo


da arte de Augusto como um todo. Os esquemas de parede, adotados pelos
decoradores de Augusto, com suas imagens de painéis mitológicos, grandes e
pequenos, foram copiados de antigos mestres clássicos e helenísticos, e serviram
também de inspiração para a pintura mural romana para o próximo século.

Outro ingrediente era o elemento egípcio. Ocorreu após a anexação do


Egito ao Império Romano, em 30 a.C., em uma época em que havia um alto
modismo egípcio na Itália. Alguns dos recursos decorativos recorrentes nas
composições do Terceiro Estilo, como esfinges, íbis, objetos de culto e figuras
de Isis, bem como vinhetas de cenas nilóticas, relacionadas ao Rio Nilo, foram
diretamente derivados do repertório egípcio.

Mais controversa ainda é a fonte de outro ingrediente popular na fase


augusta e posterior a esta, como a pintura, além das paisagens sonhadoras,
vagamente conhecidas como "sacro-idílicas", porque geralmente se centram
em torno de uma coluna "votiva" fantasiosa ou um santuário frágil, com uma

120
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

variedade de figuras presentes. A ideia de fazer uso das estruturas artificiais


com pastores, rebanhos e cães parece começar apenas com as impressionantes
imagens sacro-idílicas de Boscotrecase.

Aqui, o nome de Spurius Tadius, também conhecido como Studius, é


relevante. Ele foi o primeiro que teria feito pinturas muito encantadoras de
jardins paisagísticos com pessoas envolvidas nas tarefas da vida cotidiana.
Repercute como o tipo de coisa que surge em várias residências augustas, como
figuras pequenas, retratadas de forma impressionante em plano monocromático,
caminhando e pescando, conversando e fazendo negócios diários, em um cenário
de pontes, pórticos e pavilhões.

Certamente, Studius não inventou a paisagem como tal, nem seu


nome pode ser associado a uma obra-prima da pintura augusta, o "Jardim de
Lívia", de sua vila, em Primaporta. Não há figuras humanas, e longe de serem
impressionistas, a fruta e as flores da região selvagem, de um jardim paradisíaco,
são executadas com um cuidado por detalhes naturalistas.

FIGURA 47 – O JARDIM DE LÍVIA

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/


pin/424253227374308651/?lp=true>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Os principais avanços da arte e da arquitetura augustas foram elaborados


principalmente na capital, mas a era de Augusto viu, além disso, uma enorme
efusão de energia de construção em outros lugares da Itália e do Império,
especialmente nas províncias ocidentais.

Em muitos casos, de fato, temos que recorrer às áreas para exemplos


preservados de edifícios, que são apenas fragmentários, ou desapareceram
completamente, em Roma. Um deles é o Arco do Triunfo, um monumento
característico da propaganda imperial, e vários exemplos iniciais ainda estão no
norte da Itália e no sul da Gália.

121
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 48 – ARCO DO TRIUNFO DE ROMA

FONTE: Disponível em: <http://reynaldocesar.blogspot.com.br/2010/06/arco-


do-triunfo-roma.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Arcos comemorativos de uma espécie tinham sido conhecidos na


Roma republicana, mas a forma desenvolvida, articulada com colunas e sótãos
com inscrição, é essencialmente uma criação de Augusto. Muitos dos edifícios
recentemente erguidos nas províncias, naquele momento, foram baseados
diretamente em planos metropolitanos ou em modelos em outros lugares da
Itália.

Um dos mais conhecidos de todos os monumentos romanos é o majestoso


aqueduto de Pont du Gard, perto de Nimes, na França, uma estrutura harmoniosa
que demonstra vividamente que a estética da aparência não precisa ser separada
da função prática. Também é um monumento augusto, erguido no último quarto
de primeiro século a.C.

FIGURA 49 – PONT DU GARD PERTO DE NIMES, NA FRANÇA

FONTE: Disponível em: <https://learnodo-newtonic.com/pont-du-gard-facts>.


Acesso em: 20 jan. 2018.

122
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

No Oriente, onde a urbanização já estava profundamente enraizada,


o impacto de Augusto era menos dramático, mas no Ocidente, acima de tudo
na criação de um sistema rodoviário e no estabelecimento ou refundação de
inúmeras cidades cuidadosamente escolhidas na antiga Iugoslávia, na Gália, na
Península Ibérica e ao longo do litoral norte-africano, Augusto deixou uma marca
clara de estética civilizatória na Europa Ocidental.

3 O COLAPSO ROMANO E O RENASCIMENTO DA ESTÉTICA


CLÁSSICA NO SÉCULO XIV NA EUROPA
O colapso político do Império Romano ocorreu em 476 d.C., quatro
anos depois que os bárbaros do Norte derrubaram a capital pela terceira vez e
paralisaram a autoridade do governo imperial. A guerra tomou um preço contínuo
nos magníficos edifícios e monumentos da capital e seus postos avançados.

Novas visões religiosas sofreram ainda mais danos. Acreditando que é


herético permitir a sobrevivência de templos e estátuas dedicadas aos deuses
pagãos, os líderes da igreja primitiva cristã encorajaram os fiéis a destruírem
todos os vestígios do politeísmo, sistema ou crença religiosa que admite mais de
um deus.

O papa Gregório Magno (c. 540-604), de acordo com um historiador


da igreja inicial, "resolveu e ordenou que as cabeças e os membros de todas as
imagens de demônios, que poderiam ser encontradas dentro e fora da cidade
de Roma, fossem amputadas e quebradas em pedaços, de modo que o plano da
verdade eclesiástica fosse mais exaltado, com a erradicação das raízes da heresia
perversa "(BUDDENSIEG, 1965, pg. 45).

Estátuas quebradas foram usadas como materiais de construção,


queimadas para produzir lima ou empilhadas em navios como lastro. Os templos
dedicados aos deuses pagãos foram cooptados pelo culto cristão ou desmontados
para que suas pedras pudessem ser recicladas para serem erguidas novas igrejas.

Oito séculos mais tarde, após o final da Idade Média, houve uma forte
mudança de paradigma cultural na Europa, conhecida por Renascimento. A
palavra "renascimento" se refere não apenas ao generalizado florescimento da
literatura e das artes na Itália do século XV, mas também ao ressurgimento da
cultura clássica antiga como força vital na época.

123
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 50 – O NASCIMENTO DE VÊNUS, DE SANDRO BOTICELLI,


C.1485. GALERIA UFFIZI EM FLORENÇA - ITÁLIA

FONTE: Disponível em: <https://www.art.com/products/p11725254-


sa-i1350780/sandro-botticelli-the-birth-of-venus-c-1485.htm>. Acesso em:
20 jan. 2018.

O nascimento de Vênus é uma pintura icônica do Renascimento, de


Sandro Botticelli (1445-1510), provavelmente feita em meados da década de 1480,
na Itália. Ele retrata a deusa Vênus chegando à costa depois do seu nascimento,
após ter emergido do mar.

Embora existam sutilezas na pintura, seu significado principal é um


tratamento direto de uma cena tradicional da mitologia grega. Observem o
tratamento clássico do corpo e da paisagem similar às pinturas sacro-idílicas do
período de Augusto, na Grécia.

Os artefatos antigos agora se tornaram fontes de criatividade potente,


motivando artistas a imitarem as realizações do passado. Os artistas renascentistas
encontraram, nos vestígios da Roma antiga, imagens e ideias que estimulavam
novas invenções.

Poucas pinturas gregas ou romanas já haviam saído à luz, mas uma série
de objetos tridimensionais mais duráveis, como moedas, medalhas, estatuetas e
gemas, forneceram um vasto léxico de formas e motivos clássicos para cotação
direta ou adaptação imaginativa. Determinados artefatos também ajudaram os
artistas a reunirem reconstruções plausíveis da Roma antiga.

Com base em suas próprias imaginações férteis para preencher as lacunas


no registro fragmentado da antiguidade, os artistas desenvolveram interpolações
inventivas de artefatos antigos e textos literários que, por sua vez, geraram modos
inteiramente novos de pintura e escultura.

A apreciação pelo tratamento ideal do corpo em antiguidades, como


Diomedes e o Palladium, inspirou os pintores renascentistas para que retratassem
os nus clássicos. A obra “São Sebastião”, uma pintura de c.1500 atribuída para
Gian Francesco, de Maineri (1489-1506), reproduz as proporções ideais e a postura
de contraposto assimétrico que os artistas renascentistas admiraram na escultura
antiga. Na verdade, o santo martirizado parece com uma escultura clássica feita
de carne e osso.
124
TÓPICO 3 | O CLASSICISMO NA ARTE E ARQUITETURA ROMANA

FIGURA 51 – SÃO SEBASTIÃO, UMA PINTURA RENASCENTISTA


DE GIAN FRANCESCO DE MAINERI

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/


pin/521221356854506333/?lp=true>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Gian Francesco cultivou a semelhança, colocando a figura diante de


um nicho arqueado, um modo comum de exibir estatuetas antigas durante o
Renascimento. Um nicho foi projetado especificamente para uma das estátuas
antigas mais influentes conhecidas no século XV, o Apollo Belvedere, quando o
grande colecionador Giuliano della Rovere a transferiu de seu jardim privado para
o palácio Belvedere, mais acessível após sua eleição, como Papa Julius II, em 1503.

FIGURA 52 – NASCIMENTO DE VÊNUS DE WARHOL, 1984

FONTE: Disponível em: <https://www.masterworksfineart.com/artists/


andy-warhol/lithograph/warhol-birth-of-venus-1984/id/W-5527>.
Acesso em: 20 jan. 2018.

As conquistas dos artistas renascentistas não reproduziram, mas


revalorizaram as conquistas do passado antigo, acrescentando um brilhante
capítulo moderno à história da tradição clássica. Como vimos no início desta
unidade, a herança foi novamente reacendida durante o Neoclassicismo, e
subsiste entre nós, mesmo que de maneira desapercebida, até os dias de hoje.
125
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A arte e a arquitetura floresceram durante o Império Romano, entre 27 a.C. e 476


d.C. Sob o domínio romano, ambiciosos programas de construção, melhorias
civis e monumentos escultóricos transformaram a capital e seus territórios
dependentes em toda a Itália, Europa e Mediterrâneo. Trabalhando no estilo
clássico, aperfeiçoado da Grécia durante o século V a.C., os romanos aplicaram
sistemas gregos de proporção, simetria e harmonia ideais para seus próprios
objetivos e preferências.

• O uso inovador do arco, da abóbada e da cúpula permitiu que os arquitetos


avançassem além da construção dos gregos para projetos mais complexos,
compatíveis com a predileção romana de grandeza e massividade. O uso
extensivo de concreto, geralmente somado ao uso de tijolo, pedra ou mármore,
alcançou a força e a durabilidade, tornando a construção romana lendária.

• O reinado de Augusto foi de enorme fervor arquitetônico e artístico, e o


conservadorismo cauteloso era combinado com novas ideias revolucionárias.
O imperador forneceu um forte patrocínio que atraiu arquitetos, escultores e
pintores para a capital, um patrocínio que era vital para serem criadas condições
adequadas para obras de arte e edifícios em grande escala.

• Uma ideia da escala do novo programa de construção pode ser julgada pela
surpreendente afirmação de Augusto, de que ele construiu ou restaurou não
menos de 82 templos em apenas um ano, além de outros tipos de construção.
Um impacto mais imediato na cena arquitetônica foi feito pelo mármore.
Augusto se vangloriou do fato de ter encontrado Roma como uma cidade de
tijolos de barro e a ter deixado como uma cidade de mármore.

• O nome de Spurius Tadius, também conhecido como Studius, é relevante. Ele foi
o primeiro que teria feito pinturas muito encantadoras de jardins paisagísticos,
com pessoas envolvidas nas tarefas da vida cotidiana. Repercute como o tipo
de coisa que surge em várias residências augustas, como figuras pequenas,
retratadas de forma impressionante em plano monocromático, caminhando e
pescando, conversando e fazendo negócios diários, em um cenário de pontes,
pórticos e pavilhões.

• Séculos mais tarde, a apreciação pelo tratamento ideal do corpo em antiguidades,


como Diomedes e o Palladium, inspirou os pintores renascentistas na Europa
a retratarem os nus clássicos. A herança clássica foi novamente reacendida
durante o Neoclassicismo, e subsiste entre nós, mesmo que de maneira
desapercebida, até os dias de hoje, na contemporaneidade.

126
AUTOATIVIDADE

1 Na sua opinião, quais seriam as semelhanças da arte grega e romana?

2 Respeitando as características de Roma, que detestava profundamente a


monarquia, Augusto soube combinar com inteligência a tradição e a reforma
ao criar, no Império, uma nova forma de governo, em que o imperador não
seria rei nem tirano, mas o primeiro dos senadores, destinado a garantir
o bem-estar de todos. Qual das alternativas a seguir não condiz com as
contribuições de Augusto à arquitetura clássica romana?

( ) Augusto forneceu um forte patrocínio, que era vital para criar condições
adequadas para obras de arte e edifícios em grande escala.
( ) Augusto construiu não menos de 82 templos em apenas um ano, além de
outros tipos de construção.
( ) Augusto se vangloriou do fato de ter encontrado Roma como uma cidade
de tijolos de barro e a ter deixado como uma cidade de mármore.
( ) Augusto provavelmente foi o primeiro a perceber o potencial das ricas
pedreiras de mármore de Carrara, perto de Luna, no norte da Itália.

127
128
UNIDADE 2
TÓPICO 4

A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

1 INTRODUÇÃO
A estética musical, como um todo, procura entender as propriedades
percebidas da música, em particular aquelas que levam as experiências de valor
musical para o ouvinte. Pode também ser entendida, mais amplamente, como
sinônimo da filosofia da música, incluindo, assim, questões de ontologia musical,
epistemologia, ética e sociologia.

Uma área específica de foco dentro da estética musical é a estética da


música clássica, que aborda questões relativas às propriedades estéticas e ao
valor estético da música na tradição clássica ocidental.

O termo "música clássica" não apareceu até o início do século XIX, em


uma tentativa de canonizar distintamente o período de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) até Ludwig van Beethoven (1770-1827) como uma idade de ouro. A
referência mais antiga à "música clássica" registrada pelo “Dicionário de Língua
Inglesa de Oxford” é de aproximadamente 1829.

O termo clássico outorgado à música não tem uma correlação direta com
a estética clássica greco-romana, mas enfatiza a continuidade de um estilo, de um
cânone musical europeu de longa duração.

Dada a ampla gama de estilos na música clássica europeia, do canto


medieval cantado pelos monges para sinfonias clássicas e românticas, da orquestra
a partir dos anos 1700 e das composições atonais de vanguarda para piano solo
desde 1900, é difícil listarmos características que podem ser atribuídas para todas
as obras do tipo em questão.

No entanto, existem características que a música clássica contém que


poucos ou nenhum dos outros gêneros de música contêm, tais como o uso de
partituras e de desempenho de formas complexas de obras com solo instrumental,
como a fuga.

Ainda, embora a sinfonia não existisse antes do final do século XVIII, o


conjunto da sinfonia e as obras escritas para ela se tornaram uma característica
forte da música clássica.

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UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Que conteúdo estético a música clássica tem a oferecer? Consiste


simplesmente em padrões agradáveis que não têm significado fora das próprias
estruturas musicais? Pode expressar emoções, sentimentos ou outros tipos de
estados interiores? A música clássica oferece insights sobre a vida através de outras
formas de arte? Pode possuir significados identificáveis ou conteúdo conceitual,
histórico ou simbólico significativo? Se sim, como poderiam ser alcançados, dado
que seus materiais parecem ser de natureza não significativa? Segundo Bazemore
(2018), são algumas das principais questões que dizem respeito à estética da
música clássica.

2 FORMA MUSICAL
Os relatos de compreensão da música clássica abordam a questão de
como os padrões do som geram significado para o ouvinte. Eles têm a ver com
o desdobramento dos padrões no tempo durante a experiência auditiva e com a
percepção do ouvinte sobre as relações entre as ideias musicais na peça.

Na medida em que eles se concentram no processo de compreensão, eles


abordam, apenas parcialmente, a questão mais geral de que tipo de conteúdo
estético uma estrutura musical é capaz de transmitir.

O conteúdo estético da música clássica estaria limitado à apreciação


de padrões e às relações presentes na estrutura formal, ou a forma musical se
relaciona de algum modo significativo com nossa experiência fora da música?
A experiência estética é primordial ou totalmente de natureza intelectual, como
afirma o cognitivista, ou o ouvinte experimenta o conteúdo em termos emocionais
por meio das qualidades expressivas da música?

O fato de a música conter significado, apesar de não conter palavras, e


não possuir ferramentas adequadas para representação ou significação, torna a
resposta para as perguntas especialmente desafiadora.

A questão de saber se a música significa ou expressa algo além de si


mesma está presente na estética musical desde a época das primeiras discussões
sobre o assunto, na primeira metade do século XVIII. Kant (1724-1804) propôs o
conceito formalista, demonstrando que a beleza estética se limita ao conteúdo da
forma, uma forma sem propósitos, mas repleta de intencionalidades.

Hanslick (1986) desenvolve ainda mais a linha de pensamento, ao afirmar


que o conteúdo estético da música clássica é melhor compreendido através da
analogia de um arabesco em movimento.

Meyer (1961) enfatiza a importância fundamental das estruturas formais,


embora reconheça o conteúdo extramusical como um aspecto legítimo da música.
Relatos contemporâneos influentes do valor estético e do conteúdo da estrutura
formal foram oferecidos por Malcolm Budd, Peter Kivy e Nick Zangwill.

130
TÓPICO 4 | A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

Implícita para cada um deles está a intuição formalista, de que as


qualidades esteticamente significativas da música, como forma de arte, resultam
da apreciação de aspectos da própria estrutura musical, como estrutura, e que
a música, como tal, não tem significado além dos padrões e relacionamentos
presentes nela.

Enquanto Budd (1985), em última análise, parece reservar julgamento sobre


a possibilidade de que a música possa ter conteúdo emocionalmente expressivo
ou extramusical, além do conteúdo puramente musical que defende, Kivy (1980) e
Zangwill (2007) assumem uma posição mais forte, argumentando que o conteúdo
esteticamente significativo na música é estritamente musical por natureza.

3 MÚSICA COMO ARTE ABSTRATA


Em “Valores da Arte”, Budd (1995, p. 36) caracteriza a música como a “arte
dos sons não interpretados”, argumentando que a música é essencialmente uma
arte abstrata e que a essência da música é a estrutura musical audível percebida
pelo ouvinte.

Budd não nega que a música possa conter outros elementos e servir para
outros propósitos, como quando um instrumento musical, passagem ou motivo
é usado para significar algo extramusical, ou quando um trabalho musical de
alguma forma representa coisas ou eventos extramusicais, ou quando a música é
combinada com outras formas de arte.

Sua alegação é que tais elementos na música não são adequados à arte,
que eles não fazem parte da música como tal. O conteúdo musical na música está
presente em uma estrutura audível abstrata cujo significado não é determinado
por significados ou referências ao mundo externo.

Assim, a música não representa nada, não faz referência para nada, e não
é sobre outra coisa se não for ela mesma. O autor restringe o que é essencial para
entender a música com a percepção dos padrões estruturais audíveis presentes
em uma peça e suas relações musicalmente significativas entre si. Todo o outro
conteúdo é excluído.

Chama a forma de "estrutura musical" da peça. Para ele, a música é


abstrata, no sentido de que não depende de seu sucesso como forma de arte sobre
uma relação referencial com outras áreas de nossa experiência ou conhecimento,
seja referência por meio de representação, imitação, significação ou por alguma
outra técnica que vincula referencialmente sons musicais com coisas do mundo
exterior ou com a nossa experiência.

É importante notar que, de acordo com a maioria dos que escrevem na


área, colocando ênfase exclusivamente no conteúdo musical, os significados

131
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

referenciais não são considerados como esteticamente significativos para a música


como uma forma de arte.

A música pode possuir uma variedade de significados referenciais, desde


a imitação de sons extramusicais até significados culturalmente estabelecidos,
ligados a tipos específicos de sons ou melodias, a imitações de conteúdo fornecidos
por um programa ou por palavras que acompanham.

A maioria dos escritores argumentaria, no entanto, que tais significados


referenciais não são adequados ao conteúdo estético da música clássica, uma
vez que eles se baseiam em sua especificação de elementos extramusicais, como
palavras e convenções culturais.

Para Budd, a estrutura musical por si só constitui todo o conteúdo


musicalmente significativo da música. Outros elementos podem ser adicionados
para o aprimoramento artístico. Exemplos de elementos estruturais incluiriam
melodia, ritmo e harmonia, assim como outros julgados pelo ouvinte como
musicalmente significativos, tais como padrões formais claramente identificáveis;
relações entre partes, incluindo movimento de contraponto, imitação etc; textura
harmônica, polifônica, homofônica, heterofônica etc; variações no número de
partes e nas forças de execução, e similares.

Além dos fatores apresentados, aspectos sonoros da música, incluindo o


tipo e a qualidade do instrumento, a qualidade da técnica do artista e as escolhas
artísticas que o intérprete faz são secundários ao que está contido na música.

Ao definir a música como a arte dos sons não interpretados, Budd localiza
o conteúdo estritamente musical da música em primeiro lugar na percepção do
ouvinte sobre as relações entre as estruturas musicais.

Ouvir a música em um trabalho consiste em perceber a relação de


características estruturais. É um desdobramento de padrões e relacionamentos
no tempo e, principalmente, uma experiência dinâmica, energias geradas pelo
desdobramento temporal das relações de frequência musical e padrões rítmicos.

4 FORMALISMO MUSICAL
A alegação de que a música é uma arte abstrata pode significar que ela não
contém nada além de sons e suas relações entre si. Em outras palavras, podemos
dizer que a música possui apenas conteúdo formal, de modo que qualquer
conteúdo que não seja assim é de importância secundária e uma adição opcional
por parte do ouvinte e, portanto, não faz parte da música em si.

Um relato permitiria que formas musicais possuíssem conteúdo emocional


como uma propriedade expressiva apreendida pela percepção intelectual e que

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TÓPICO 4 | A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

formas musicais pudessem produzir um estado afetivo no ouvinte em resposta a


qualidades esteticamente significativas, como beleza ou impressão, como definiu
Gurney (1966).

No entanto, o relato negaria que a música expressa emoções em qualquer


sentido normal do termo. O formalismo musical sustenta que todo o conteúdo
estético da música é de natureza puramente musical.

Assim, também nega que a música seja capaz de transmitir experiências


ou valores humanos, bem como qualquer tipo de conteúdo conceitual mais amplo
relacionado à vida humana.

Kivy (2006), um proeminente defensor da abordagem, argumenta que,


em essência, a música é uma estrutura “quase-sintática”, que é compreensível
apenas em termos musicais, “sem conteúdo semântico ou representacional, sem
significado, fazendo referência para nada além de si” (p. 276).

Oferece um argumento sustentado para o ponto de vista em “Music


Alone” (1980) e desenvolve sua discussão em “New Essays on Musical
Understanding” (2001). Deve-se notar que, ao defender o que ele descreve como
"purismo musical", Kivy (2001) reconhece que a música pode possuir algumas
características expressivas, desde que elas não sejam representacionais, não
referenciais e não possuam outro significado que não seja puramente musical.

Sugere que, embora a música não expresse emoções, nem as desperte em


nós, ela pode possuir propriedades expressivas por semelhança.

Uma peça central do argumento de Kivy é sua "teoria do contorno", da


expressividade musical, articulada pela primeira vez em “The Corded Shell”.
Argumenta que a experiência do conteúdo expressivo na música consiste não na
experiência emocional de tal conteúdo, mas no reconhecimento de qualidades
emocionais através de uma semelhança entre a forma musical e a forma
característica de enunciados ou gestos corporais.

Fazemos a associação, segundo Kivy, porque estamos determinados


psicologicamente a representar o que percebemos e interpretamos em termos
humanos. A percepção da emoção na música é, portanto, coletiva, individual e
objetiva.

Também identifica alguns exemplos de conteúdo expressivo que não


podem ser explicados por seu modelo de contorno, como nossa experiência das
respectivas qualidades das escalas maior e menor.

Ele argumenta que as instâncias, quaisquer que sejam suas origens, são
estabelecidas por convenção e, portanto, têm o mesmo caráter objetivo que as que
se assemelham a expressões comportamentais humanas de emoção.

133
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

Embora reconhecendo a força da perspectiva de Kivy, DeBellis (2001)


sugere que um apelo à semelhança, através do contorno, carece de poder
explicativo, já que dizer que percebemos a música e a fala como tendo a mesma
qualidade expressiva é meramente reafirmar o problema do caráter expressivo.

DeBellis (2001) também aponta para a possibilidade da música se


assemelhar a ações humanas, que causam a emoção mais parecida com a expressão
da emoção em si, como na satisfação resultante da percepção de luta seguida de
resolução. Ele questiona se as afirmações de Kivy sobre a natureza convencional
dos modos principais e secundários podem ser verificadas.

Recentemente, Kivy modificou sua posição para uma de "formalismo


aprimorado", sustentando que a música instrumental pura é uma "caixa preta"
sobre a questão de como ela possui propriedades expressivas e sugerindo que
a questão importante é entender o papel que as propriedades desempenham na
estrutura formal.

Seguindo uma concepção semelhante do conteúdo estético da música para


o de Kivy, e de acordo com Scruton (1997) sobre a natureza metafórica de nossas
descrições de qualidades musicais, Zangwill (2007) defende a "tese da metáfora
estética". Sustenta que, exceto em casos excepcionais, as descrições emocionais da
música são descrições metafóricas das propriedades estéticas da música.

Assim, como dizemos, sem controvérsias, que uma passagem é delicada,


da mesma maneira metafórica, podemos também descrever uma passagem
musical como serena. Zangwill (2007) reconhece que temos respostas estéticas
intensamente valiosas para algumas obras de música, mas nega que sejam
emocionais por natureza.

O erro, segundo Zangwill (2007), é tomar as nossas descrições


metafóricas literalmente e confundir os sentimentos envolvidos na experiência
da música com as emoções. De acordo com Kivy (2006), Zangwill sustenta
que a música absoluta não pode evocar emoções muito variadas e argumenta
que, ao ouvir música, experimentamos sentimentos especificamente estéticos,
que compartilham algumas, mas não todas as características encontradas em
experiências emocionais reais.

5 BELEZA, PRAZER SUBLIME E SENSUAL NA MÚSICA


Independentemente da posição tomada sobre se a música é ou não capaz
de expressar emoções ou outros tipos de conteúdo extramusical, existe um acordo
universal entre os teóricos, de que a música clássica oferece experiências únicas e
altamente valiosas da beleza musical. Historicamente, a tendência predominante
tem sido limitar a beleza musical à percepção de relações existentes na estrutura
formal da obra, excluindo suas qualidades sensoriais.

134
TÓPICO 4 | A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

O tipo mais comum de beleza musical atribuído à música clássica é


encontrado na melodia. A maioria das melodias individualmente identificáveis
que descrevemos como belas possui certas características que são facilmente
reconhecíveis.

Incluem um movimento conjunto, contornos graciosos, elegância do


design, uma duração tal que o todo pode ser apreendido na consciência imediata
do ouvinte, uma sensação de chegada ou retorno ao final da melodia, um ritmo
moderado a lento e uma qualidade na produção do som e fraseado, como o estilo
do bel canto.

Os detalhes do estilo evoluem ao longo do tempo, mas as características


gerais sustentam belas melodias durante o Período da Prática Comum e além,
bem como exemplos de beleza melódica que antecedem a tonalidade da Prática
Comum. A beleza musical, no sentido de padrões que agradam ao intelecto e à
imaginação, também pode ser encontrada na percepção de formas musicais de
maior escala.

UNI

Na história da música artística europeia, o período da prática comum é a era


entre a formação e a dissolução do sistema tonal. Embora não existam datas exatas para
o fenômeno, a maioria das características do período de prática comum persistiu do meio
ao período barroco tardio, através dos períodos clássico, romântico e impressionista, ou
aproximadamente de 1650 a 1900.

A avaliação do significado varia dependendo do peso concedido às


características arquitetônicas na experiência musical. No mínimo, certas estruturas
formais prontamente perceptíveis, como aquelas presentes em cânones e ostinatos
harmônicos, podem ser incluídas sem controvérsias em aspectos padronizados
da beleza musical na música clássica.

Um "contraponto" bem trabalhado é um terceiro tipo comumente


identificado de beleza musical. Em tempos mais lentos e, especialmente, em
registros mais baixos, o contraponto também é reconhecido por muitos teóricos
para contribuir para as percepções da profundidade musical.

Relacionada à profundidade musical está a experiência do sublime. Na


estética musical clássica, como em outras artes, o sublime é geralmente usado
para se referir à evocação daquilo que está além da compreensão humana.

135
UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

De acordo com a análise influente de Burke (1998), a experiência da


sublimidade, na música clássica, é mais associada a sentimentos como temor,
espanto, obscuridade e terror. Passagens musicais foram consideradas para
evocar o sublime através de qualidades, que incluem a complexidade, seja de
design geral ou de interação entre elementos musicais, expressão emocional e
humor, que pode envolver intenso conflito ou turbulência, mas também pode
estar presente como transcendência, e poder criativo, a partir de uma impressão
criativa no poder do compositor em escopo ou impressividade do trabalho, ou
através de qualidades, que evocam criatividade no próprio trabalho, como em
uma fantasia.

Em contraste com o foco tradicional nas qualidades formais, os próprios


músicos clássicos, bem como os ouvintes contemporâneos da música clássica,
incluiriam quase universalmente qualidades sensoriais, como importantes
contribuintes para a beleza e para a sublimidade musical.

De fato, um objetivo primordial, para o músico clássico, é desenvolver a


beleza do tom. Ainda, os timbres e efeitos colorísticos desempenham um papel
cada vez mais importante nas composições clássicas, começando no final do
século XIX, como visto no impressionismo e no minimalismo musical, bem como
na paleta expandida disponível através do uso de forças de performances maiores
e mais variadas a partir do período romântico em diante.

Parece difícil negar que a qualidade tonal e a experiência do ouvinte de


combinações simultâneas e sucessivas de timbres sejam possíveis objetos de
beleza musical e contribuintes para a experiência da sublimidade musical.

No caso da sublimidade, a dinâmica e a textura também parecem ter


um papel importante, assim como, em alguns casos, a articulação e o ataque.
Uma questão adicional seria: até que ponto elementos virtuosos e exibições
de virtuosismo musical por solistas constituem ou aumentam a beleza ou a
sublimidade na música? Uma analogia comum observa que tais exibições são o
equivalente auditivo dos fogos de artifício.

136
TÓPICO 4 | A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

LEITURA COMPLEMENTAR

Trajetória da Vênus: leituras do corpo feminino na arte, do classicismo


à biopaisagem

Ladjane Bandeira Ermelinda Maria Araújo Ferreira

O corpo feminino talvez seja o tema mais explorado ao longo da história


da arte ocidental, e a diversidade de suas representações oferece um painel
significativo dos papéis simbólicos a ele atribuídos através dos tempos.

Alguns estudiosos, como W. J. T. Mitchell, chegam a afirmar que uma


das mais fortes motivações que G. E. Lessing encontra no seu famoso tratado
“Laocoonte: sobre os limites da pintura e da poesia”, para estabelecer a distinção
entre as artes espaciais e as artes temporais, é a rígida noção de poder e hierarquia
entre os sexos. Assim, toda a arte pictórica em geral, por tender à imobilidade,
seria tida como inferior à literatura.

A mesma discussão ocorre nos discursos sobre o sublime. Os grandes


estilos artísticos são definidos em uma terminologia que resgata o masculino
(forte, vasto, poderoso), assim como os estilos ornamentais são definidos em uma
terminologia que resgata o feminino (delicado, gracioso, suave).

É marcante, por exemplo, a relação entre o gênero natureza-morta, na


pintura a óleo europeia, e o espaço feminino. O gênero natureza-morta, com seus
retratos de interiores domésticos e de objetos inanimados, não só foi considerado
“feminino e menor” em oposição à pintura dita “elevada e masculina” – de
temática mitológica, bíblica ou histórica –, mas também o único “apropriado”
para o exercício da pintura por mulheres.

Embora comumente despovoadas e silenciosas, as naturezas-mortas, às


vezes, não se conformam em aludir ao humano de forma indireta, através dos
seus adornos e/ou despojos materiais, e acabam recorrendo à representação
direta de personagens. Coerentemente, os seres humanos, em geral mulheres,
que invadem as pinturas do gênero, são aqueles cujas individualidades tendem
a zero.

Confundidas com o ambiente, transformadas em uma categoria espacial,


as mulheres figuram ao lado das coisas tidas como decorativas, como as flores nos
vasos, ou apetitosas; os frutos nas cestas; retratados com a mesma imobilidade,
silêncio e beleza que envolvem os objetos e seres com os quais elas lidam, sendo
os utensílios, os alimentos, as crianças e os animais.

Ainda, como diz John Berger, o gênero por excelência, no qual a mulher
é o tema principal, é o nu. Os nus femininos, da tradição pictórica ocidental, têm

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UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

origem nas belas estátuas gregas, que esculpiram no mármore não só a arquitetura
de uma perfeição de formas concebidas, mas também os gestos fundadores
de uma estética da ambiguidade feminina, presente na atitude de velamento e
desvelamento da intimidade física, fartamente reproduzida no decorrer dos
séculos.

Basta comparar uma das muitas reproduções da clássica Vênus com a série
deflagrada a seguir. No Renascimento, com o mitológico Nascimento de Vênus
(1480), de Botticelli e, no Barroco, seja com a Eva (1550) das Sagradas Escrituras,
seja com a profana Vênus de Urbino (1536), ambas de Ticiano.

No último quadro, ao mudar a posição da mulher, deitando-a sobre um


leito, Ticiano acrescenta um detalhe postural definitivo à tradição, que passa a ser
copiado na modernidade, tanto pelos românticos, como pelos realistas.

FIGURA 53 – COMPARAÇÃO FIGURA 54 – COMPARAÇÃO ENTRE A


ENTRE A VÊNUS DE MÉDICI VÊNUS DE MÉDICI COM A VÊNUS DE
COM A VÊNUS DE BOTICELLI BOTICELLI

FONTE: Disponível em: <https: FONTE: Disponível em: <http://


//en.wikipedia.org/wiki/Venus_ michelleheaton.info/venus-de-milo-
de%27_Medici>. Acesso em: 1 painting-botticelli/venus-de-milo-
abr. 2018. painting-botticelli-18-best-sandro-
botticelli-images-on-pinterest-italian-
art/>. Acesso em: 1 abr. 2018.

138
TÓPICO 4 | A ESTÉTICA DA MÚSICA CLÁSSICA

Goya, por exemplo, transforma-a na Maja Desnuda (1800), uma idealizada


musa completamente exposta e languidamente oferecida, entre sedas e rendas, à
fruição dos espectadores/compradores, enquanto Manet a transforma na fria e
calculista prostituta Olympia (1865), cujo olhar perdeu toda a inocência da Maja
e já se percebe plenamente uma mercadoria, refletida no espelho da arte, também
mercantilizada.

De forma irônica, o surrealista René Magritte põe um ponto final na tradição


do clichê pictórico, com a sua releitura do quadro Madame Récamier (1800), de
David, ao substituir o corpo da mulher convencionalmente representada no leito
pela imagem de um caixão, em um quadro de 1950.

FIGURA 56 – RELEITURA DO QUADRO


MADAME RÉCAMIER DE DAVID (1800), POR
FIGURA 55 – OLYMPIA DE MANET, 1863 RENÉ MAGRITTE (1950)

FONTE: Disponível em: <https://en.wikipedia. FONTE: Disponível em: <http://www.artnet.


org/wiki/File:Manet,_Edouard_-_Olympia,_ com/artists/ren%C3%A9-magritte/perspec
1863.jpg>. Acesso em: 1 abr. 2018. tive-madame-r%C3%A9camier-de-david-
jGxjl-NFu4UVtPRDdlAPkg2>. Acesso em: 1
abr. 2018.

A pequena escultura de Rodin, intitulada Mão, com torso feminino


(1917), parece resumir a natureza da atitude de apropriação das artes plásticas
sobre a temática do corpo feminino, ao longo de uma tradição que se estende da
antiguidade à modernidade, quando só então começa a ser questionada.

Uma mão masculina, de proporções avantajadas, segura um frágil,


recurvado e miniaturizado torso feminino. Acéfalo e mutilado, ele foi reduzido à
matéria, que interessa à representação, seios e púbis, em uma óbvia evocação das
funções sexuais e reprodutivas, postas em um corpo atraente, mas inerte, sem
identidade, emoção ou pensamento.

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UNIDADE 2 | RAIZES HISTÓRICAS DA ESTÉTICA CLÁSSICA OCIDENTAL: GRÉCIA E ROMA ANTIGAS

FIGURA 57 – VIOLAÇÃO, DE MAGRITTE, 1935

FONTE: Disponível em: <http://pt.wahooart.com/art.nsf/


Buy?Open&RA=8XYUAJ>. Acesso em: 1 abr. 2018.

Uma autêntica Violação (1934), como sugeriria Magritte, em seu retrato


de um rosto feminino rasurado pelos elementos do torso, que denuncia a postura
dominante do gênero nu na história da arte ocidental, reveladora de uma estética
da subjugação e da depreciação da mulher na reprodução exaltada de seu corpo
coisificado.

FONTE: Trajetória da Vênus: leituras do corpo feminino na arte, do classicismo à biopaisagem.


Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4846174.pdf>. Acesso em: 1 jan.
2018.

140
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O termo "música clássica" não apareceu até o início do século XIX, em uma
tentativa de canonizar distintamente o período de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) até Ludwig van Beethoven (1770-1827) como uma idade de ouro.

• Existem características que a música clássica contém que poucos ou nenhum


dos outros gêneros de música contêm, tais como o uso de partituras e de
desempenho de formas complexas de obras com solo instrumental, como a
fuga. Ainda, embora a sinfonia não existisse antes do final do século XVIII, o
conjunto da sinfonia e as obras escritas para ela se tornaram uma característica
forte da música clássica.

• Para Budd (1995), o conteúdo musical está presente em uma estrutura audível
abstrata, cujo significado não é determinado por significados ou referências ao
mundo externo. Budd chama a forma de "estrutura musical" da peça.

• O formalismo musical sustenta que todo o conteúdo estético da música é


de natureza puramente musical. Peter Kivy, um proeminente defensor da
abordagem, argumenta que, em essência, a música é “uma estrutura quase-
sintática”, que é compreensível apenas em termos musicais, “sem conteúdo
semântico ou representacional, sem significado, fazendo referência para nada
além de si”.

• Nick Zangwill defende a "tese da metáfora estética", que sustenta que as


descrições emocionais da música são descrições metafóricas das propriedades
estéticas da música. Assim como dizemos, sem controvérsias, que uma passagem
é delicada, da mesma maneira metafórica podemos também descrever uma
passagem musical como serena.

• Na estética musical clássica, como em outras artes, o sublime é geralmente


usado para se referir à evocação daquilo que está além da compreensão
humana. De acordo com a análise influente de Burke (1998), a experiência da
sublimidade, na música clássica, é mais associada a sentimentos como temor,
espanto, obscuridade e terror.

141
AUTOATIVIDADE

1 Segundo Eduard Hanslick, Leonard Meyer e Malcolm Budd, quais


conteúdos estéticos a música tem a oferecer?

2 Peter Kivy argumenta que a música é “uma estrutura quase-sintática”, que


é compreensível apenas em termos musicais, “sem conteúdo semântico ou
representacional, sem significado, fazendo referência para nada além de si”.
Qual das sentenças a seguir não contempla o pensamento de Kivy a respeito
da estética da música?

a) Kivy reconhece que a música pode possuir algumas características


expressivas, desde que elas sejam representacionais e referenciais.
b) Segundo a "teoria do contorno" da expressividade musical, Kivy
argumenta que a experiência do conteúdo expressivo na música consiste
no reconhecimento de qualidades emocionais através de uma semelhança
entre a forma musical e a forma de gestos corporais.
c) A percepção da emoção, para Kivy, é coletiva, individual e objetiva.
d) Kivy argumenta que nossas experiências de conteúdos expressivos musicais,
como o das qualidades das escalas maior e menor, têm o mesmo caráter
objetivo que as que se assemelham a expressões comportamentais humanas
de emoção.

142
UNIDADE 3

ESTÉTICA MODERNA E
CONTEMPORÂNEA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• compreender a trajetória filosófica da estética artística no Ocidente, a par-


tir da implementação do estado laico e da priorização da subjetividade
com o advento da modernidade;

• entender as concepções estéticas e seus impactos na história da arte, a par-


tir do pensamento dos filósofos e intelectuais modernos e contemporâneos,
como Immanuel Kant, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Johann Christoph
Friedrich von Schiller, Friedrich Wilhelm Nietzsche, Martin Heidegger,
Maurice Merleau-Ponty, Hans-Georg Gadamer e Gilles Deleuze;

• compreender o motivo, na contemporaneidade, que faz com que a estética


caminhe com a subjetividade, procurando contornos no que Ferry (1994,
p.19) chama de “a era da interrogação sem fim”, em um incansável proces-
so de revisão das tradições.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Em cada um deles, você encontra-
rá autoatividades que o ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 - ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

TÓPICO 2 - ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE,


HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

TÓPICO 3 - ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E


DELEUZE

143
144
UNIDADE 3
TÓPICO 1

ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

1 INTRODUÇÃO
As reflexões filosóficas sobre beleza e arte têm sido relevantes no
pensamento ocidental desde Platão (428-348 a.C.), e as ideias platônicas
influenciaram claramente Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e outros
filósofos, mas é apenas em meados do século XVIII, na Europa, que a noção de
uma área distinta da filosofia chamada Estética se desenvolve.

Entre o final do século XVIII e o final do século XIX, a relação entre arte e
o resto da filosofia sofre uma transformação radical, uma transformação que está
ligada, como veremos, às mudanças vitais, tanto na produção como na recepção
das artes.

A filosofia moderna começa quando se descarta a divindade como base


primordial de análise. A nova tarefa filosófica é, portanto, para a razão humana,
estabelecer sua própria legitimidade como o fundamento da verdade.

A transformação ocorre durante o século XVII, quando Descartes institui


o "eu penso, logo existo", o principal ponto de certeza sobre o qual a filosofia pode
se legitimar, mas Descartes ainda depende da concepção divina para garantir a
conexão de nós mesmos com a ordem do universo.

No final do século XVIII, Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão e


fundador da “Filosofia Crítica”, visa, frente aos argumentos de Descartes sobre a
autoconsciência, a descrever as estruturas compartilhadas de nossa consciência
subjetiva, que são a "condição de possibilidade" do conhecimento objetivo, e ele
tenta sem recorrer a uma divindade que garanta a ordem do mundo.

Para Kant, a única certeza que a filosofia pode fornecer é fundamentada


em nós mesmos, e não em algo fora de nós. No entanto, para estabelecer vínculos
mais substanciais entre o mundo exterior da natureza e o mundo interno da
autoconsciência, ele se preocupa posteriormente com o que nos faz apreciar e
criar a beleza.

O novo enfoque da filosofia, sobre a subjetividade estabelecida por Kant,


acompanha as mudanças complexas e contraditórias feitas pela "modernidade,
como a rápida expansão do capitalismo, o surgimento do individualismo moderno,

145
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

o sucesso crescente do método científico na manipulação da natureza para fins


humanos, o declínio de autoridades tradicionais legitimadas teologicamente e a
aparência, juntamente com a estética como um ramo da filosofia, da "autonomia
estética", surgindo a ideia de que as obras de arte implicam regras produzidas
livremente, que não se aplicam a nenhum outro objeto natural ou produto
humano.

Ao ser uma parte da filosofia preocupada com os sentidos e não


necessariamente com a beleza, a nova "estética" centra-se agora no significado
da beleza natural e da arte. Uma reflexão sobre estética não apenas envolve um
avivamento dos pensamentos de Platão sobre a beleza como o símbolo do bem.

A nova partida crucial está na forma como a estética está ligada ao


surgimento da subjetividade como a questão central da filosofia moderna, e é aqui
que se destaca a relevância deste tópico para as preocupações contemporâneas.

Muitas teorias recentes consideraram o sujeito humano como sendo


"subvertido", por sua falta em proporcionar um terreno estável para a filosofia,
através, por exemplo, de sua dependência da linguagem ou do inconsciente. O
ponto é, no entanto, que tais ideias não são as ideias radicalmente novas como as
que muitas vezes foram apresentadas. As ideias relacionadas já desempenham um
papel central em algumas das reflexões sobre a subjetividade, que imediatamente
seguem Kant e estão implícitas em alguns de seus argumentos.

Ainda, as teorias do início do período moderno são importantes na


medida em que ajudaram a promover as ideias que informam os debates atuais
e, às vezes, são superiores a muitas teorias atuais. O fato importante é que elas
consideram a experiência da beleza natural e artística e a produção estética como
vitais para a compreensão da autoconsciência.

A capacidade de aprender algo tão bonito e a capacidade de fazer algo


bonito, bem como a capacidade de criar novos significados sem seguir regras
fixas, são vistas como aspectos envolventes do eu, que não podem ser teorizados
em termos do subjetivo se tornar transparente para si como seu próprio objeto
de conhecimento. As maneiras pelas quais a auto-objetificação parece ter limites
inerentes são um fator essencial nas mais significativas das teorias de estética.

A importância, muitas vezes hiperbólica atribuída à arte, até o final do


século XVIII, tem raízes no declínio da teologia e na desintegração de ordens
sociais legitimadas teologicamente. Como Marx colocou no Manifesto Comunista,
"tudo o que é sólido se desmancha no ar", e as novas ordens das coisas não podem
reivindicar o mesmo tipo de autoridade que era fornecida pela tradição e pela
teologia.

A perda de uma natureza, cujo significado é assumido como inerente a


ela, e cuja estrutura é divinamente garantida, leva a uma busca por outras fontes
de significado e orientação. A nova experiência da natureza, bela em si mesma,

146
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

e não como manifestação da deidade, e a nova consciência do fato de que os


seres humanos podem criar produtos estéticos, cujas partes inter-relacionadas
são significativas de maneira que não pode ser explicada através das ciências
naturais, são essenciais para a unidade.

Os novos aspectos da modernidade são, porém, abertos para uma grande


variedade de interpretações. Uma vez que se torna aceito, no mundo ocidental,
que qualquer coerência que existe no mundo, inclusive em nós mesmos, não
pode mais ser assumida como subscrita por Deus, a relação entre o humano e o
natural se torna um problema sério. A tarefa definida pela filosofia da época é a
criação de um mundo coerente com quaisquer capacidades naturais e quaisquer
capacidades inovadoras que possamos desenvolver.

A interrogação da natureza da subjetividade é, portanto, uma reflexão


sobre o que são determinadas capacidades e sobre como se relacionam com a
natureza em nós mesmos e fora de nós.

A reflexão possui dois gumes: o entusiasmo gerado pela libertação de


restrições teológicas pode dar lugar para uma suspeição da liberdade resultante
e ao sentido de que o universo é inerentemente sem sentido, porque qualquer
significado que existe pode ser apenas uma projeção meramente humana.

Apesar de sua oposição, as respostas à modernidade atribuem significância


considerável à arte, seja como aquela que fornece imagens do que o mundo
poderia parecer se devêssemos realizar nossa liberdade e assim estabelecer uma
relação apropriada com o resto da natureza ou como o único meio remanescente
de criar ilusões que nos permitirão enfrentar uma existência sem sentido.

Determinadas posições não são necessariamente opostas. Ambas


compartilham a suspeita de que o domínio das formas quantificadoras de
racionalidade, como o princípio cada vez mais exclusivo da vida moderna, faz
parte do que dá origem às crises de significado na modernidade.

No momento em que a filosofia se torna preocupada, de forma rigorosa


com o método científico e com a capacidade de desmitificação das ciências
naturais, também se torna preocupada com aquilo que é excluído pela ciência.

Nada nas ciências fornece o senso de significado existencial que a natureza


pode ter para o sujeito individual. O ponto da ciência é a produção de leis gerais
que subsumam casos individuais e permitem a manipulação e o controle da
natureza. Em consequência, a natureza vista com os olhos da ciência moderna
pode parecer com uma máquina que está sendo respondida de maneira mecânica.

Juntamente com a suspeita dos possíveis efeitos das novas ciências, surge
a consciência de que, com as novas formas de capitalismo, a natureza passa a ser
vista não mais como fonte de inspiração, mas como fonte de lucro.

147
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Uma das ideias, no novo campo da estética, é precisamente a ideia de


que a beleza de um dado objeto não tenha relação com sua utilidade prática ou
seu valor de troca. Embora as obras de arte claramente se tornem produtos de
consumo, nem seu valor de uso, nem seu valor como produto podem constituí-
los como obras de arte.

O processo de racionalização, que leva à penetração de procedimentos


vinculados e quantificados pelas regras em todas as áreas da ciência é, então, o
fundamento insubstituível dos avanços da modernidade e a fonte de grandes
incertezas. A estética filosófica responde ao processo, fornecendo uma lembrança
de que existem outras formas de ver a natureza e a atividade humana, além das
visões instrumentais oferecidas pelas ciências e pelo comércio. A nova ideia
central é que a beleza da natureza não precisa ter uma função ulterior e pode ser
seu próprio propósito.

De forma análoga, as regras da arte são vistas como produtos


autolegitimados da liberdade humana, não como resultado da tentativa
instrumental de compreender necessidades objetivas ou questões naturais. Em
relação à crise ecológica contemporânea, as questões levantadas pela estética
passaram a ser cada vez mais importantes hoje.

A concentração renovada sobre o que pode ser aprendido com a estética


deixa claro que não há motivos necessários para assumir que a preocupação com
a estética deve, como sempre aconteceu no período moderno, estar conectada à
rejeição da racionalidade.

A arte e a compreensão da arte podem permitir o que foi reprimido por uma
concepção limitada da razão a ser articulada. Vamos agora conhecer alguns dos
principais filósofos e intelectuais que definiram a trajetória da estética artística na
modernidade, e que, supostamente, influenciam o pensamento contemporâneo.

2 IMMANUEL KANT E O JULGAMENTO ESTÉTICO


Immanuel Kant (1724-1804), segundo Gaiger (2002), é considerado como
a figura central da filosofia moderna. Ele sintetizou o racionalismo e o empirismo
moderno desde o início, definiu os termos para uma grande parte da filosofia do
século XIX e do século XX e continua a exercer uma influência significativa na
metafísica, epistemologia, ética, filosofia política e na estética.

A ideia fundamental da "filosofia crítica" de Kant, especialmente em suas


três Críticas: a Crítica da Razão Pura (1781, 1787), a Crítica da Razão Prática (1788)
e a Crítica do Poder do Juízo (1790), é a autonomia humana.

Ele argumenta que a compreensão humana é a fonte das leis gerais


da natureza, que estruturam toda a nossa experiência e que, através da razão
humana, se dá a lei moral, que é nossa base para a crença em Deus, liberdade

148
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

e imortalidade. Portanto, o conhecimento científico, a moralidade e as crenças


religiosas e a função da natureza seriam, segundo Kant, mutuamente consistentes
e seguras, por se ampararem no mesmo fundamento da autonomia humana,
como cosmovisão teleológica do julgamento refletivo que Kant introduz para
unificar o lado prático e teórico de seu sistema filosófico.

Na “Crítica da Razão Pura” (1770), Kant abordou a questão do que


podemos conhecer, estabelecendo limites para a especulação metafísica e, ao
mesmo tempo, fornecendo um relato da contribuição ativa da mente humana
para o nosso conhecimento do mundo. Na “Crítica da Razão Prática” (1788), ele
considerou o problema da ação correta, estabelecendo uma ética universalista
com base no respeito pela lei moral e uma teoria da autonomia da vontade.

A publicação, em 1790, da “Crítica do Juízo”, de Immanuel Kant, como


a terceira de suas três grandes críticas, pareceu conferir à estética um status
comparável ao que tradicionalmente foi apreciado pela epistemologia e filosofia
moral.

Na primeira parte da “Crítica do Juízo”, a "crítica ao julgamento estético",


Kant estabelece o status distintivo dos julgamentos de gosto. A terceira crítica
pode assim ser vista como complemento para suas investigações anteriores sobre
a verdade e a moral, ao abrir o domínio da beleza ao exame crítico.

A principal preocupação de Kant é com o caráter de nossa faculdade de


julgamento como tal, e o tratamento do problema se estende muito além dos
assuntos tradicionais de estética. As reflexões sobre a beleza, a sublimidade e as
Belas Artes, que compõem a primeira parte da “Crítica do Juízo”, estão inseridas
em uma teoria maior e mais ambiciosa do julgamento "reflexivo", que se estende
para cobrir os julgamentos teleológicos e o julgamento estético.

NOTA

Na área da filosofia, são usados vários termos que possibilitam explicações


diversas. Vamos conhecer o que é "teleológico". Teleológico é um adjetivo que, em filosofia,
refere-se a argumento, conhecimento ou à explicação que relaciona um fato à causa final.

De fato, Kant sugere que uma compreensão adequada da faculdade de


julgamento pode, de alguma forma, unificar as diferentes partes de seu sistema
filosófico, fornecendo uma ponte importante entre suas teorias de "verdade" e
"bondade".

149
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

É determinado contexto maior que explica as dificuldades consideráveis


encontradas por alguém que se aproxima do texto de Kant pela primeira vez. A
Crítica do Julgamento é um trabalho extremamente técnico e sua interpretação
correta continua sendo objeto de controvérsia, mesmo entre os estudiosos de
Kant.

Kant começa a "Crítica do Juízo Estético" ao distinguir o que ele chama de


julgamento do gosto (o julgamento da beleza de algo) de uma mera expressão.
Ele ressalta que, quando fazemos um julgamento de gosto, não declaramos
nossa preferência subjetiva por algo, mas levantamos uma reivindicação que
consideramos válida para outras pessoas também.

No caso de um simples gosto por algo, permanecemos imperturbáveis se


as preferências de outras pessoas diferirem da nossa. Acontece quando gostamos
de vinhos secos, enquanto outras pessoas preferem o doce. Entretanto, quando
afirmamos que algo é belo, torna-se importante para nós, se nossos julgamentos
não coincidirem, pois falamos de beleza como se fosse uma propriedade do
objeto. Embora a apreciação estética seja baseada em nossos próprios sentimentos
subjetivos, consideramos determinados sentimentos como possuindo uma
peculiar forma de necessidade.

Ao fazer um julgamento de gosto, exigimos implicitamente às outras


pessoas que elas também respondam da mesma maneira. Kant sustenta que não
faz sentido insistir que "a pintura é bonita para mim". Ao declarar que algo é
bonito, eu vou além dos meus gostos e desgostos subjetivos e expresso algo que
eu seguro ser válido para todos os outros também.

Ao fazer um julgamento de gosto, falo em uma "voz universal" e estendo


meu próprio julgamento a todos os outros assuntos de julgamento. A afirmação
de "universalidade" não é fundamentada diretamente no próprio objeto, mas em
um consenso assumido entre todos aqueles que são capazes de julgar.

Um julgamento de gosto, então, levanta uma reivindicação de validade


intersubjetiva. Pode parecer, em primeiro lugar, como se julgamentos de gosto
possuíssem o mesmo status de julgamento de fato ou de julgamento moral.
No entanto, um julgamento de gosto permanece diferente de ambos os tipos,
na medida em que sua principal fonte de justificação deve ser encontrada no
sentimento de prazer (ou desagrado) do sujeito individual diante do objeto.

Não podemos ser persuadidos por razões ou argumentos para aceitarmos


que algo seja belo se não sentirmos determinada beleza. O julgamento de que
algo é belo é um juízo logicamente singular, que deve ser feito na presença (ou
lembrança pessoal) do próprio objeto. Da nossa apreciação de uma bela flor
em particular, não podemos concluir que todas as flores do tipo são belas. Um
julgamento de gosto é, afinal, um julgamento estético, dependente da experiência
sensorial e não conceitual, ou de conhecimento racional.

150
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

O problema que Kant pretende resolver é de um julgamento do gosto,


que se baseia no sentimento subjetivo de prazer ou desagrado do indivíduo em
resposta a um objeto, que pode levantar uma reivindicação de universalidade.
Sua explicação para o fenômeno é encontrada em um relato complexo de um
estado de harmonia ou "jogo livre", em nossas faculdades mentais, dando origem
à experiência da beleza.

Localiza o último fundamento do nosso prazer na beleza, não em qualquer


resposta meramente fisiológica ao estímulo fornecido pelo objeto, mas em uma
sintonização dinâmica entre as faculdades de imaginação e compreensão. O
relato de Kant sobre determinadas faculdades, e a relação entre elas, baseia-se na
teoria da mente que ele desenvolveu na “Crítica da Razão Pura”.

Na cognição normal, o papel da imaginação é sintetizar a variedade de


dados que é dada na intuição, enquanto o papel do entendimento é subscrever
esses dados sob algum conceito definido. No caso de um julgamento de gosto, no
entanto, as faculdades são trazidas para um estado de sintonização, que permite
uma forma de engajamento cognitivo com o objeto sem ainda submetê-lo sob
um conceito determinado. Em um sentido importante, nossa resposta ao objeto
permanece aberta e exploratória.

A "dedução" de Kant ou a justificação da reivindicação de validade


universal, que é levantada com um julgamento de gosto, baseia-se em demonstrar
que um julgamento emprega os mesmos recursos mentais como um cognitivo
normal, embora empregue os recursos de forma significativamente diferente.

Ele argumenta que, uma vez que os recursos comuns a ambas as formas
de julgamento representam um requisito indispensável de todo conhecimento,
temos o direito de assumir que qualquer pessoa deve possuir os recursos
necessários para fazer um julgamento de gosto. Uma vez que é uma expectativa
que todo ser humano normal pode ser levado a satisfazer, Kant demonstra que
temos o direito de exigir que as outras pessoas também experimentem o prazer
no objeto que decorre da harmonia ou do jogo livre das faculdades cognitivas.

O que Kant não conseguiu demonstrar, no entanto, é que a mesma relação


entre as duas faculdades ocorre em todas as pessoas e nas mesmas circunstâncias.
A simples posse das condições subjetivas para o conhecimento em geral pode
ainda não ser suficiente para aproveitar a experiência estética do tipo que Kant
descreve. A experiência da beleza poderia variar entre as pessoas ou poderia
exigir uma aptidão especial ou capacidade de resposta para determinados tipos
de objetos.

Assim, foram levantadas dúvidas sobre o sucesso da "dedução" de Kant,


da validade universal dos julgamentos de gosto. No entanto, a sua explicação
sobre o prazer estético, em termos de realização de um estado de harmonia ou
de jogo livre das faculdades, revelou-se sugestiva. Para Kant, nosso prazer com a
beleza não é um fenômeno meramente sensorial, mas envolve um engajamento
livre e aberto dos recursos fundamentais da mente humana.
151
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

A imagem de uma capacidade de resposta dinâmica, que é intrinsecamente


prazerosa e que é apreendida como coerente ou significativa de uma forma
bastante distinta do conhecimento conceitual, parece capturar algo verdadeiro
da experiência estética e continua a ser um modelo importante para pensar tanto
sobre o nosso interesse em objetos de beleza natural quanto nas obras de arte.

Kant vai além da explicação básica a respeito do prazer com a beleza,


oferecendo o que podemos chamar de "critérios identificatórios", para o que
podemos contar como julgamento de gosto. Sustenta que temos o direito de
levantar uma reivindicação de universalidade em relação ao julgamento de gosto
somente quando confiamos que o nosso prazer no objeto se dá unicamente devido
à harmonia das nossas faculdades cognitivas.

Há, é claro, muitos outros motivos para o prazer em um objeto, e a


demonstração de Kant da validade intersubjetiva dos julgamentos de gosto
envolve restrições altamente exigentes sobre o que pode ser considerado um
exemplo de um julgamento do tipo.

É ao estabelecer as condições que Kant apresenta o que provou ser


alguns dos seus pontos de vista mais controversos, mas também alguns dos mais
influentes. É essa parte de seu argumento, acima de tudo, que foi adotada por
pensadores posteriores e que levou à sua reputação como um dos pais fundadores
de uma abordagem estreitamente formalista à estética. No entanto, permanecem
dúvidas quanto ao fato de o formalismo de Kant necessariamente obedecer à sua
explicação fundamental do prazer estético e, de fato, se a imposição de restrições
formalistas é compatível com o relato mais rico e mais matizado da experiência
estética que ele elabora em outros lugares no texto.

Kant oferece dois critérios identificatórios para o julgamento de gosto. O


primeiro exige que nosso julgamento seja "desinteressado". Insiste que, ao julgar
a beleza de um objeto, devemos abstrair de todos os interesses morais e sensuais
e atender unicamente à aparência do objeto, pois a intervenção de tais interesses
exteriores destruiria a imparcialidade do julgamento do gosto.

O segundo critério exige que atendamos apenas à forma de "um


propósito" no objeto ou o que Kant define como "finalidade da forma". É mais
difícil de entender e está ligado à discussão sobre o julgamento teleológico, na
segunda metade do livro. Sustenta que um objeto bonito deve ter a forma de "um
propósito" sem ter ainda um propósito, ou seja, deve ter uma aparência de ordem
e racionalidade que, no entanto, não aponta para nenhum fim ou propósito
específico.

Kant parece pensar que um conhecimento determinado do que é um


objeto interferiria com a nossa capacidade de respondê-lo esteticamente. Nossa
consciência de que um prédio se destina a servir como igreja ou como um quartel,
por exemplo, inibiria nossa capacidade de julgar livremente sua beleza.

152
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

Assim, ele apresenta, como instâncias paradigmáticas de julgamentos


puros de gosto, coisas como a folhagem, que se entrelaça, cristais e até crustáceos,
que provocam apreciação apenas em relação à forma. Segundo Kant, ao considerar
a beleza de um objeto, devemos nos preocupar apenas com as propriedades
formais do objeto, sem pressupor qualquer conceito do que se pretende significar.

Embora as observações de Kant sejam dirigidas principalmente a objetos


de beleza natural e não às obras de arte, elas acabaram estabelecendo as linhas
de abordagem estritamente formalista da estética. Uma resposta corretamente
estética de uma obra de arte exige que atendamos apenas à apresentação externa
ou aparência em abstração de qualquer conteúdo moral, social ou político que
possa ser visto para expressar e, em segundo lugar, que dirijamos nossa atenção
exclusivamente para suas características formais, e não para suas características
de representação.

Apesar do trabalho de Kant ser visto como uma fonte filosófica importante
para tais pontos de vista, a estética formalista pareceu particularmente apropriada
para explicar as obras de arte modernistas produzidas muito tempo depois da
morte de Kant.

Na verdade, não é coincidência que uma das mais vigorosas defesas do


formalismo tenha sido apresentada nos primeiros anos do século XX, por dois
dos organizadores de uma exposição inovadora de arte pós-impressionista: Roger
Fry (1920) e Clive Bell (1914).

NOTA

Clive Bell (1881-1964), crítico britânico de arte, conheceu, em 1910, Roger Fry
(1866-1934), pintor e crítico de arte, e logo se tornou seu principal aliado para ajudar a difundir
uma apreciação do pós-impressionismo na Grã-Bretanha.

Bell ajudou na organização da primeira exposição pós-impressionista de Fry (1910), e escolheu


a seção britânica da segunda (1912). As ideias estéticas de Bell, expressas mais amplamente
em seu livro Art (1914), estavam muito preocupadas com a teoria da "forma significativa".

Ele inventou o termo para denotar a qualidade que distingue as obras de arte de todas as
outras classes de objetos, uma qualidade nunca encontrada na natureza, mas comum para
todas as obras de arte e existente independentemente do conteúdo representacional ou
simbólico.

Ambos os intelectuais alegaram que as supostas "distorções", encontradas


no trabalho de artistas contemporâneos como Paul Cézanne (1839-1906) e Paul
Gauguin (1948-1903), poderiam ser explicadas em termos da prioridade, dadas
as propriedades formais do trabalho, além dos requisitos de representação
ilusionista. Vejamos a pintura a seguir:
153
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

FIGURA 1 – NATUREZA MORTA DE PAUL CÉZANNE: A MESA DA


COZINHA (1888)

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.com/


pin/333759022358270320/?lp=true>. Acesso em: 1 fev. 2018.

A ênfase da pintura cubista não está somente no uso da cor, da textura


e da geometria dos objetos, mas também na intencional da negação do uso da
perspectiva clássica, através da planicidade da imagem, ou seja, da valorização
do aspecto bidimensional da pintura na representação de todos os seus elementos
em um mesmo plano.

Bell, em particular, procurou negar a importância das características


narrativas ou de representação das obras de arte, mantendo que o único critério
de qualidade artística é encontrado no que ele denomina por "forma significativa".

Na visão de Bell (1916), uma forma significativa pode ser localizada em


fenômenos tão diversos quanto nas janelas da catedral de Chartres, em uma
tigela persa e nas pinturas de Nicolas Poussin. Onde quer que seja encontrada,
determinada forma significativa dá origem a "emoção estética" específica e que
explica o alto valor que atribuímos a certas obras de arte.

Bell (1916) nos oferece uma versão forte do realismo estético. Para ele,
a forma significativa é uma propriedade que é inerente ao próprio objeto e é a
presença da propriedade que justifica a afirmação de que um objeto é belo ou
esteticamente "convincente".

A ligação entre a forma significativa e a resposta estética é causal. São


as propriedades formais do objeto e as relações entre elas que despertam,
no espectador, a emoção estética apropriada. As propriedades existem
independentemente da pessoa que as percebe e fornecem uma justificativa
adequada para nossos julgamentos estéticos. Em contraste, Kant sustenta que um
julgamento de gosto possui apenas uma "necessidade universal subjetiva".

154
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

A tarefa da "Crítica do Juízo Estético" é demonstrar a validade da


reivindicação de validade intersubjetiva, que é levantada com um julgamento de
gosto, não para estabelecer uma declaração de fato objetiva. O fundamento final
dos julgamentos do gosto não se encontra em nenhuma propriedade supostamente
objetiva do próprio objeto, mas nas faculdades cognitivas compartilhadas por
todos os sujeitos de julgamento.

A teoria de Bell da "forma significativa" é essencialmente histórica, dando


origem à mesma "emoção estética" em diferentes culturas e em diferentes períodos
históricos. Embora diferentes sociedades tenham sido mais ou menos sensíveis à
dimensão da forma, resultando em uma série de picos e caminhos na história da
arte, a verdadeira fonte de valor estético permanece constante.

No entanto, os escritos de Bell também trazem uma sutil mudança de


ênfase entre duas teses complementares e não é apenas um pequeno passo para
afirmar que todas as obras de arte devem ser valorizadas, principalmente por
suas propriedades formais à afirmação de que as melhores ou mais valiosas obras
de arte são aquelas que exibem suas propriedades formais mais perspicazes.

É a segunda tese que forneceu a base para o formalismo, como uma


categoria avaliadora ou ideológica que poderia ser empregada em apoio à arte
modernista. Ao afirmar que o valor estético não residia em características como
conteúdo representacional, verossimilhança, profundidade psicológica ou mesmo
virtuosismo técnico, o trabalho de Bell e Fry também forneceu uma justificativa
teórica para as inovações estilísticas e técnicas de pintura e escultura modernistas.

Determinada ideia de que a arte modernista pode ser caracterizada em


termos de uma preocupação maior ou mais exclusiva, com as propriedades
distintivamente formais da arte, foi subsequentemente retomada e radicalizada
pelo crítico de arte americano Clement Greenberg (1909-1994).

O que é distintivo para a teoria do modernismo de Greenberg, no entanto,


é que agora se torna uma tese explicitamente histórica. O desenvolvimento da
pintura modernista é apresentado como um processo contínuo de "purificação"
do classicismo, através do qual as características extrínsecas às preocupações
formais da pintura são gradualmente excluídas ou eliminadas. Incluem as
convenções pictóricas herdadas de tradições mais antigas de pintura acadêmica
ou representacional, de estética clássica, bem como propriedades tomadas ou
emprestadas de outras mídias artísticas.

Para alcançar a "pureza", a pintura não deve excluir apenas todas as


preocupações narrativas, ou meramente anedóticas, que pertencem propriamente
ao meio da literatura, mas também a evocação direta do espaço tridimensional e
das entidades na rodada, motivo de preocupação de escultura.

A tendência inerente da pintura modernista é a "planicidade", como vimos


na obra de Cézanne, abrangendo um reconhecimento franco da forma do suporte

155
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

e das propriedades do pigmento. Embora as propriedades formais permaneçam


em todas as pinturas bem-sucedidas, Greenberg sustenta que é apenas com o
desenvolvimento do modernismo, e com o surgimento da arte abstrata em
particular, que as propriedades são liberadas de todos os enredos não essenciais
e se tornaram o foco exclusivo da atenção.

E
IMPORTANT

Clement Greenberg alcançou proeminência, pela primeira vez, com a


publicação de um ensaio intitulado “Avant-Garde e o Kitsch”, na edição de outono de 1939,
da Partisan Review. No ensaio, Greenberg, um declarado marxista trotskista, afirmou que o
modernismo de vanguarda era "a única cultura viva que temos agora" e que foi ameaçado
principalmente pelo surgimento de produções "kitsch" sentimentalizadas. Para Greenberg, o
kitsch era endêmico para as sociedades industriais do capitalismo e do socialismo e, em sua
opinião, era dever da arte e da literatura oferecer um caminho mais elevado.

No início dos anos 1940, Greenberg conseguiu um emprego como crítico de arte regular
de “The Nation” (1942-1949), onde se tornou o primeiro escritor a defender o trabalho do
artista expressionista abstrato Jackson Pollock. Em 1960, Greenberg publicou a articulação
mais completa de suas bases para o julgamento estético, em um ensaio intitulado “Pintura
Modernista”. O ensaio retornou para o tema que inicialmente era abordado em “Avant-
Garde e o Kitsch”, elogiando o desenvolvimento contínuo de uma arte em suas “áreas de
especialização”. Enfoca as qualidades intrínsecas da mídia de sua criação, como o óleo e a
tela, em vez de “conteúdo”.

Da perspectiva de Greenberg, a história da arte ocidental, no século XX, podia ser vista como
uma marcha quase positivista, como das experiências de Paul Cézanne com a planura e a
cor no início do século, através das telas gestuais dos expressionistas abstratos, em direção
à arte abstrata.

A compreensão de uma progressão em direção à pura abstração não deixava espaço para
movimentos conceituais influentes como Dada e Pop Art, os quais ele rejeitou. Em 1961,
Greenberg publicou “Arte e Cultura”, uma coletânea de seus ensaios que codificava o que se
tornou sua crítica persuasiva e coerente à arte do século XX.f

Enquanto a estética de Kant é muitas vezes vista como uma fonte


importante de teorias formalistas da arte, há uma série de características da
sua narrativa que não podem ser facilmente acomodadas por esses pontos de
vista. De fato, as seções da “Crítica do Juízo”, especificamente dedicadas às Belas
Artes, apresentam uma teoria da arte, que é particularmente incompatível com
a abordagem. Uma atenção cuidadosa ao relato de Kant, a respeito do "gênio" e
à teoria das "ideias estéticas", fornece uma importante correção às interpretações
unilaterais de seus pontos de vista.

Ele começa sua discussão abordando o que parece ser uma dificuldade
considerável para sua posição. Como produto da atividade humana intencional,

156
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

as obras de arte são necessariamente criadas com um objetivo ou propósito


específico em mente. Não podem exibir a "intenção sem propósito" que sua teoria
do gosto exige.

Kant responde à dificuldade ao introduzir, na sua narrativa, a noção de


gênio. Ele sustenta que uma obra de Belas Artes, em oposição ao que é meramente
útil ou agradável, não pode ser produzida mecanicamente, seguindo um conjunto
de regras predeterminadas. Deve ser o produto de um gênio, uma capacidade
inata para criar novas regras, ao invés de seguir as existentes. Assim como o
julgamento de que algo é belo não pode ter sua base determinante na aplicação de
um conceito pré-dado, a produção de Belas Artes, através de um gênio, também
não pode ser baseada em preceitos ou regras preexistentes.

O filósofo caracteriza o princípio animador do gênio como a capacidade de


exibir o que ele chama de "ideias estéticas". Uma ideia estética é algo que contém
e promove um rico conjunto de associações, mas que não pode ser capturada
por qualquer pensamento ou conceito determinado. Kant está explicitamente
preocupado com o conteúdo das obras de arte.

Em termos semelhantes àqueles em que ele descreve a resposta prazerosa


na base dos julgamentos da beleza, ele sustenta que as ideias estéticas aceleram
ou animam a mente, abrindo um amplo domínio de imagens conectadas.

Nossos poderes mentais são definidos em um "impulso intencional" que


é autossustentável e aberto. O jogo livre da imaginação está ligado a conceitos ou
ideias racionais, mas sua atividade permanece sem restrições pela exigência de
cognição. Parece, então, que Kant não deseja excluir o conteúdo da criação ou da
apreciação de obras de arte.

Em ambos os casos, sua principal preocupação é elucidar o delicado


equilíbrio entre a demanda de ordem da mente e a liberdade da imaginação
que, conjuntamente, formam o motivo subjacente ao nosso prazer na beleza. Na
verdade, Kant continua a reivindicar que a liberdade de restrição externa, que
caracteriza a relação entre imaginação e compreensão, pode servir de símbolo
da liberdade da vontade da determinação externa e, assim, como símbolo da
liberdade moral.

Kant (1963) identifica quatro pontos de comparação entre o belo e o


moralmente bom:

• nosso gosto por ambos é imediato;


• ambos, sem nenhum interesse ou desejo prévio em seu objeto;
• ambos levantam uma reivindicação de validade universal;
• ambos envolvem o exercício da liberdade, pois o exercício da escolha moral
exige a liberdade da vontade e a apreensão da beleza através da liberdade da
imaginação.

157
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Kant inicialmente se propõe a estabelecer o significado e a validade


independentemente dos julgamentos do gosto em distinção entre julgamentos
cognitivos e morais. No entanto, torna-se claro que a tarefa de diferenciar o bem,
o verdadeiro e o belo, é apenas um primeiro passo necessário na tarefa mais
ambiciosa de elaborar as relações complexas que pertencem entre esses diferentes
domínios do conhecimento humano e experiência. As abordagens anteriores da
estética de Kant foram tipificadas pela tentativa de extrair uma teoria da arte e da
beleza, que poderia ser dada uma justificativa independente.

Estudos mais recentes, no entanto, tendem a reconhecer que o significado


duradouro das ideias de Kant depende crucialmente da compreensão do contexto
mais amplo em que foram originalmente articuladas.

Assim, a estética pode ser vista para oferecer não só uma maneira
importante de entender as características distintivas do nosso prazer no belo, mas
uma maneira para entender o significado mais profundo da arte e da beleza em
relação a outros domínios da experiência humana.

2.1 KANT E A ESTÉTICA NA MÚSICA


Após as primeiras explorações do tema, o primeiro grande contribuinte
para a estética da música clássica é Immanuel Kant, em sua “Crítica do Juízo”.
Ao aplicar sua teoria estética à música, a principal preocupação de Kant é com a
questão de saber se, ou em que grau, a música pertence ao belo ou às belas artes.
Sustenta que os juízos estéticos consistem em sentir prazer desinteressado em
perceber a forma de intencionalidade em um objeto, além de charme, emoção ou
qualquer conceito definido do que o objeto deveria ser.

Ele afirma que a percepção da forma de intencionalidade coloca a


imaginação e a compreensão em harmonia, de tal forma que elas são capazes de
brincar livremente umas com as outras. O estado de jogo livre, na medida em que
pode ser percebido na sensação, é a base do prazer que sentimos em resposta à
beleza.

Kant considera a possibilidade de que a imaginação possa apreender uma


forma na composição musical que, quando comparada por um julgamento reflexivo
à faculdade de referir intuições a conceitos, coloca a imaginação em harmonia
com o entendimento. Na música, a forma, apreendida independentemente
de qualquer concepção de um objeto, é puramente um padrão de intervalos
melódicos e harmônicos.

A concordância harmoniosa entre a imaginação e o entendimento, na


percepção da forma da composição permitiria, desde que fosse possível, que a
música fosse percebida como propositiva para o julgamento reflexivo. Também
significaria que a música merece ser classificada como integrante das belas artes.

158
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

Inicialmente, Kant identifica a música como objeto de julgamentos estéticos


puros, classificando “toda música sem palavras” como um tipo de beleza livre,
e não dependente. Em sua discussão mais detalhada sobre a música nas seções
51-54, da “Crítica do Juízo”, Kant parece vacilar entre a possibilidade da música
pertencer às belas artes e a possibilidade de não fornecer um conteúdo formal
adequado a julgamentos estéticos, sendo assim meramente uma arte agradável.

Se a música pode ser qualificada como bela, a composição como uma


forma em si deve constituir o objeto de julgamento estético. Fatores como os
instrumentos usados para tocar a composição e a qualidade de seu timbre podem
adicionar charme à peça e podem até aprimorar nossa experiência de sua beleza,
mas, por si mesmos, tais fatores não constituem objetos de julgamento estético.

Enquanto Kant explora a possibilidade de que a composição como um


padrão abstrato de relacionamentos possa apresentar uma forma proposital
e assim se qualificar como bela, ele parece concluir que a apreensão da forma
intencional na música é, na melhor das hipóteses, difícil. Na ausência da
apreensão de tal forma, a música é limitada ao prazer e não ao belo, consistindo
principalmente em um jogo mutável de sensações auditivas.

Assim, a música pode produzir prazer e emoção, mas não é assunto


para julgamentos puros de gosto. Além de sua enorme influência no campo da
estética como um todo, a escrita de Kant tem sido influente por sua ênfase nas
propriedades puramente formais e sua concomitante rejeição do valor da emoção
e das qualidades sensoriais à experiência auditiva. Ainda, estabelece claramente
as bases para abordagens mais explicitamente formalistas no século XIX.

3 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL E O VALOR DA ARTE


Um engajamento contínuo com a estética prossegue no período posterior
através do pensamento do alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831),
e suas reflexões sobre o assunto pressupõem e se desenvolvem em seu sistema
filosófico. Gaiger (2002) expõe que, ao contrário de Kant, que se dedicou à estética
em uma de suas obras apenas, discussões importantes de obras de arte particulares
e do significado filosófico da arte podem ser encontradas em outros escritos de
Hegel, incluindo a “Fenomenologia do Espírito” (1807) e a “Enciclopédia das
Ciências Filosóficas” (1817).

Hegel primeiro lecionou sobre estética em 1818, realizando mais quatro


séries de palestras antes de sua morte em Berlim, em 1831. Foram compostas em
um único texto e publicadas após sua morte, com base nos manuscritos de Hegel
e nas transcrições feitas por seus alunos.

A erudição recente enfatizou a inevitável imprecisão e seletividade do


texto publicado e procurou identificar mudanças significativas no pensamento
de Hegel nas diferentes séries de palestras. O lugar da arte, no sistema de Hegel,
já estava estabelecido na Enciclopédia, no entanto, seu pensamento maduro sobre
159
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

o assunto deve ser visto como representando uma extensão e elaboração de seus
pontos de vista estabelecidos.

Enquanto o ponto de partida para a estética de Kant tinha sido o status


ou a validade da resposta do sujeito individual aos objetos de beleza, Hegel volta
sua atenção para o significado e o conteúdo das obras de arte. As palestras são
caracterizadas por um conhecimento extraordinariamente amplo da arte e dos
costumes de diferentes idades e povos, combinando um tratamento sistemático
dos diferentes tipos ou formas de arte com um relato histórico do desenvolvimento
dela através de diferentes estágios ou períodos.

Hegel começa abordando a questão de saber se as Belas Artes são, de fato,


passíveis de tratamento filosófico. A arte não deve ser considerada um mero luxo
ou diversão, sem conexão com preocupações humanas práticas? E não é, em todo
caso, muito diversa e desregulada para ser capturada pela análise filosófica?

Responde a objeções observando que a arte é uma maneira pela qual os


"interesses mais profundos da humanidade" e as "verdades mais abrangentes da
mente" são revelados à consciência. Para Hegel, a arte ocupa o seu lugar ao lado
da religião e da filosofia, como uma forma de autocompreensão, através da qual
os seres humanos chegam ao conhecimento sobre eles e o mundo em que habitam.

Ainda, sugere que uma das formas como o conhecimento é adquirido


é através de um processo de "externalização". Ao trabalhar e mudar as coisas
externas, nós nos reconhecemos nas mudanças que trouxemos.

As obras de arte podem ser vistas como resultado de uma habilidade


altamente desenvolvida para articular e tornar explícita a vida da mente. Hegel se
preocupa principalmente com a arte como produto da autoconsciência humana,
ou seja, como uma forma de atividade gratuita e intencional. Em contrapartida, os
produtos da natureza pertencem ao domínio da necessidade e da uniformidade.

Assim, ele exclui de sua estética a consideração de beleza natural, mesmo


que tenha formado um dos principais objetivos de Kant. A beleza artística é "mais
alta" do que a beleza natural, pois expressa um conteúdo reconhecível que pode
ser considerado uma consideração filosófica.

Na visão de Hegel (apud GAIGER, 2002), o caráter mutável da arte


está intimamente ligado às visões religiosas de diferentes povos, articulando
diferentes formas de autocompreensão humana, bem como diferentes concepções
do fundamento divino e da existência humana.

Na verdade, Hegel (apud GAIGER, 2002) afirma que a arte difere da


religião e da filosofia apenas no modo em que as ideias mais profundas são
expressas. Enquanto a filosofia opera no nível do pensamento ou do conceito e da
religião sobre a imaginação ou a representação, Hegel identifica o caráter sensual
ou material da arte como sua característica distintiva. O reino da arte é definido
como a "aparência sensual" da ideia.

160
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

As obras de arte sustentam, portanto, uma tensão produtiva entre o


conteúdo ou as ideias que expressam e a forma particular através da qual o
conteúdo é dado. Na visão de Hegel, o conteúdo e a forma podem ser inadequados
e ambos podem ser inadequados em relação uns aos outros. É com base na relação
cambiante que ele desenvolve seu relato das diferentes formas de arte e das
mudanças históricas que sofreram. Como o primeiro e mais primitivo estágio ele
designa o simbólico, aqui ele se preocupa principalmente com a arte das antigas
civilizações orientais e do antigo Egito.

A principal característica da arte simbólica é a incongruência entre a ideia


e a forma com que ela é expressa. Na fase em questão, Hegel (apud GAIGER,
2002) afirma que o divino é concebido apenas como algo abstrato, como um poder
absoluto que está "além" do mundo da experiência.

Assim, por exemplo, enquanto as grandes pirâmides envolvem um


significado interno, esse significado está completamente envolvido e escondido
pela forma externa. As formas em que o divino é representado permanecem
arbitrárias ou são distorcidas, como nas figuras dos deuses na arte indiana, com
seus múltiplos membros e combinação de diferentes partes de animais.

O segundo estágio clássico é o da Grécia antiga. A luta pela expressão e


a busca sem fim de um meio adequado de representação dão lugar à calma e à
serenidade, ideais da arte grega e da escultura grega em particular.

O divino é agora concebido em termos da individualidade concreta e o


caráter dos diferentes deuses e é expresso pela primeira vez na forma humana.
A vida interior do espírito é tornada visível na superfície animada do corpo
humano, em que encontra seu próprio veículo de expressão. Para Hegel (apud
GAIGER, 2002), o tipo clássico de arte representa a "excelência máxima" que a
arte pode alcançar, conseguindo, mesmo que por curta duração, uma unidade de
conteúdo perfeita.

Como terceiro e último estágio, Hegel nomeia o romântico. Em contraste


com o nosso uso atual da palavra, emprega o termo para descrever toda a arte
desde a antiguidade grega, ligando-a de perto ao surgimento do cristianismo.
A chave para a discussão é a sua afirmação de que a nova concepção do divino,
articulada na fé cristã, não pode mais encontrar uma expressão adequada em
forma sensível. No caso da arte grega, a consciência religiosa e a expressão
artística permaneceram totalmente unificadas.

Em contraste, o conteúdo da fé cristã é articulado doutrinariamente, e a


doutrina possui uma existência anterior e independente de qualquer tentativa
de representá-la artisticamente. Ainda, Hegel (apud GAIGER, 2002) sustenta
que, com a propagação do cristianismo, surgiu uma nova forma de interioridade
subjetiva e de autorreflexão, cujo meio de expressão adequado não pode mais ser
encontrado na forma sensível da arte, mas apenas no domínio do pensamento.

161
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

A unidade alcançada pela arte grega é perdida para sempre e surge em seu
lugar uma nova e irreconciliável divisão de forma e conteúdo. A arte do período
romântico continua a ser além de si mesma, indicando ser, porém, incapaz de
representar um conteúdo que nunca pode se articular completamente.

Hegel sugere que o tempo em que a arte podia representar nossas mais
altas necessidades e interesses definitivamente passou e que a arte foi substituída
pela religião e pela filosofia.

A tese muito mal interpretada de Hegel do "fim da arte" tem dois domínios
de aplicação diferentes. O primeiro relaciona, como vimos, com a transição do
período clássico para o período romântico. É somente no período clássico que a
arte alcança uma perfeita correspondência de forma e conteúdo. A era pós-clássica
ou romântica é marcada por novas formas de conhecimento, que não podem
mais ser articuladas adequadamente de forma sensual. O segundo domínio de
aplicação, no entanto, situa-se na própria época vivida por Hegel.

Ele sustenta que a cultura altamente reflexiva da vida contemporânea, que


aprendeu a regular suas práticas em termos de regras e códigos de comportamento
formalizados, não pode mais apreciar a mesma resposta imediata às obras de
arte que a de uma idade mais precoce. O "joelho não mais se dobra" e já nós,
ocidentais, não veneramos obras de arte como expressões da revelação divina. Ao
invés, consideramos a arte como algo que queremos entender e que procuramos
compreender por meio do pensamento e do sentimento.

As palestras de Hegel sobre a estética são marcadas por uma profunda


ambivalência quanto ao status e à função da arte em relação à filosofia. Por um
lado, Hegel distingue a arte do mero desvio ou do entretenimento, reconhecendo-a
como um modo no qual nossas ideias mais profundas sobre nós mesmos e nossa
relação com o mundo são articuladas. Por outro lado, a arte é identificada como
um estágio anterior e subordinado ao desenvolvimento da "ideia" filosófica, que
engloba e substitui todas as formas anteriores de expressão.

Da mesma forma, embora Hegel reconheça a natureza sensual ou material


da arte como característica distintiva, a arte expressa um "conteúdo" que pode ser
articulado de forma mais adequada, na forma de representações religiosas ou
de pensamento conceitual. A tentativa de compreender a arte do ponto de vista
supostamente "mais alto" da filosofia foi sujeita a críticas vigorosas.

Muitos artistas e filósofos são altamente resistentes à ideia de que a arte


pode ser substituída pela filosofia, insistindo que ela representa uma forma
distinta e irredutível de autoexpressão humana que não pode ser "ocupada" por
qualquer outra forma de representação. Da mesma forma, Hegel foi criticado por
relacionar a arte com as preocupações da religião e da filosofia, negligenciando os
muitos outros papéis importantes que ela cumpre.

Muitos dos julgamentos de Hegel agora podem ser compreendidos como


reflexos dos gostos e dos preconceitos da sua época, ao invés de formarem as

162
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

consequências necessárias de algum ponto de vista filosófico absoluto. Ainda, há


um ceticismo generalizado quanto à possibilidade e ao desejo de fornecer o tipo
de narrativa histórica e filosófica que depende da sua estética.

No entanto, o reconhecimento de Hegel, de que toda obra de arte pertence


à sua época e é o produto de uma constelação historicamente específica de ideias
e valores, tornou-se um pré-requisito indispensável para qualquer estudo sério
da arte. Com Hegel, o estudo empírico da arte do passado foi combinado, pela
primeira vez, com a reflexão filosófica sobre as causas da mudança histórica.

Da beleza clássica grega ao niilismo da arte contemporânea: a importância


de compreender as radicais transformações da arte através do tempo

FIGURA 3 – O PRAZER DA CARNE, DE CAROLEE


FIGURA 2 – VÊNUS DE MILO, 200 A.C. SCHNEEMANN, 1964

FONTE: Disponível em: <https://www. FONTE: Disponível em: <http://viraltime777.


boutiquesdemusees.fr/en/shops/muse com/the-weirdest-grossest-and-most-shocking-
e-du-louvre/aphrodite-known-as-the- art-through-the-ages/>. Acesso em: 1 fev. 2018.
venus-de-milo-poster/2812.html>.
Acesso em: 1 fev. 2018.

A abordagem foi extremamente influente em uma geração posterior de


estudiosos, incluindo figuras como Alois Riegl, Heinrich Wolfflin e Aby Warburg,
que efetivamente fundaram a história da arte como uma disciplina acadêmica nas
últimas décadas do século XIX. O reconhecimento de Wolfflin, de que nem tudo
é possível em todos os momentos, reflete um reconhecimento essencialmente
hegeliano da historicidade fundamental da criação e apreciação da arte.

A posição de Hegel marca o ponto alto e o ponto final da tentativa de


articular o conhecimento humano em um "sistema" de filosofia completo e
interligado. A ruptura subsequente dos grandes sistemas idealistas, em uma
pluralidade de disciplinas distintas ou ciências especiais, sendo que cada foi
necessária para garantir sua própria metodologia e status como forma de
conhecimento, também mudou nossa compreensão das artes.

163
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Considerando que Hegel ainda podia combinar uma discussão de todas


as várias artes, incluindo pintura, poesia, música, arquitetura e escultura, com
um relato da mudança da função social e religiosa que a arte realizou desde o
início da história humana, o amplo campo tem agora se fragmentado em uma
pluralidade de disciplinas diferentes. A recente preocupação com o cruzamento,
ou com a quebra de barreiras disciplinares, reflete uma crescente insatisfação com
os custos de tal especialização.

Na estética ou na teoria da arte, a abordagem de Hegel oferece uma


alternativa poderosa ao formalismo, estabelecendo a importância do conteúdo
para a nossa compreensão e apreciação das obras de arte. Seguindo de forma
consistente, no entanto, também deve levar-nos a reconhecer que a reflexão
sobre o caráter e o valor da arte também deve abranger a reflexão sobre as
importantes mudanças históricas, que tanto a prática como o conceito de arte
foram submetidos. O estudo da arte é, ao mesmo tempo, o estudo de sua história
e das diferentes categorias conceituais através das quais foi feita e compreendida.

4 FRIEDRICH SCHILLER E A EDUCAÇÃO ESTÉTICA


“A formação da sensibilidade é, portanto, a necessidade mais
premente da época, não apenas porque ela vem a ser um meio de
tornar o conhecimento melhorado eficaz para a vida, mas também
porque desperta para a própria melhora do conhecimento”
SCHILLER (2002, p. 51).

As cartas sobre Educação Estética, de Johann Christoph Friedrich von


Schiller  (1759-1805), que foi um filósofo e historiador alemão, segundo o olhar
de Moland (2017), destilam uma série de conceitos das ideias de Kant sobre
estética. Para Schiller (2002), a estética é inerentemente política porque, para o
filósofo, a beleza equipara-se com a bondade e o treinamento estético também é
um treinamento político, o que pode sugerir uma utopia de influência fascista.

Ao escrever as cartas, após a Revolução Francesa, Schiller (2002) responde


diretamente ao meio político de seu tempo. Ele defende o estudo da arte em um
tempo de revolução, alegando que seu estudo não é trivial, pois somente a beleza
nos mostra o caminho para a liberdade.

Como Kant, Schiller vê a estética como uma espécie de interesse de


transição no caminho para uma política utópica e uma espécie de desenvolvimento
teleológico da história, em que a totalidade do intelecto e da natureza se converteu
em práticas fragmentadas e especializadas. Embora tenhamos progredido
coletivamente, Schiller indaga se o ser humano se beneficiou, de algum modo, de
determinado processo político.

Por que a revolução falhou? O fracasso parece prejudicar Schiller e outros


pensadores da época. "Viva em seu século, mas não seja sua criatura", ele escreve
na carta. Schiller admira as ideias de Kant, mas pensa que ele só pode surgir em
uma sociedade tão fragmentada que precisa teorizar a leitura da poesia.
164
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

Ele tenta explicar o uso e o abuso da razão, para o corpo e para o sentimento.
Se somos apenas sensuais, estamos em um empirismo completo e não temos
um "self". Se somos apenas intelectuais, estamos no solipsismo egoísta, e somos
todos nós um "self". A beleza é a forma equilibrada do sensual e do intelectual
e leva-nos para um espaço entre a matéria e a forma, sentimento e pensamento,
experiência e razão.

Para Schiller (2002), o indivíduo e o estado se colocam em posições


paralelas. Um estado pode impor a condição pela força ou os cidadãos lentamente
se adaptam ao ideal através de um longo e lento processo de adaptação para se
ajustarem à ideologia do Estado.

As "Cartas sobre a Educação Estética do homem", de Schiller, muitas


vezes referidas simplesmente como "Cartas estéticas", é talvez o seu trabalho
teórico mais conhecido. Publicado em seu jornal Horen, em 1795, e escrito sob a
forma de cartas para seu novo patrono, para o Príncipe de Schleswig-Holstein-
Augustenburg, são assustadoramente ambiciosas, abrangendo um diagnóstico
da Revolução Francesa, uma crítica ao Iluminismo, uma análise transcendental
de beleza, uma análise da psicologia humana, uma avaliação da importância
psicológica e política da arte e uma imagem de uma nova e ideal forma de governo
destinada a permitir que os humanos alcancem todo seu potencial.

As "Cartas estéticas" começam com uma análise quase desanimada


da condição humana moderna. O Estado está cambaleando, suas fundações
apodrecidas estão cedendo. As esperanças, para a liberdade e o progresso,
revelam-se inúteis diante de instintos grosseiros e sem lei entre alguns cidadãos,
e um espetáculo repugnante de letargia entre outros (PETERSEN, 1943).

Schiller elogia os gregos por sua relação simples e harmoniosa com


seu mundo e lamenta a escravização da sociedade moderna às necessidades
fabricadas. A história recente mostrou com clareza dolorosa que, se o caráter
moral das pessoas não for desenvolvido, mesmo a revolução mais idealista
falhará. Um ciclo vicioso sugere que, sem o Estado, não pode haver moral e, sem
moral, não pode haver Estado.

Apesar dos altos objetivos do Iluminismo, Schiller lamenta que “vemos


o espírito da época vacilante entre a perversidade e a brutalidade, entre a
naturalidade e a mera natureza, entre superstição e descrença moral, e é somente
através de um equilíbrio de males que tudo se mantém sob controle” (PETERSEN,
1943, p. 320). A possibilidade moral falta, Schiller conclui.

Entre os culpados a serem responsabilizados pela condição estão a


excessiva ênfase do Iluminismo sobre a razão e a prevenção de fatores de
sentimento que, Schiller sugere, levaram aos excessos bárbaros da Revolução
Francesa. "O desenvolvimento da capacidade de sentimento do homem é,
portanto, a necessidade mais urgente da nossa idade" (PETERSEN, 1943, p. 332).

165
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

O que é necessário é um instrumento que pode desenvolver a capacidade


de sentir sem negligenciar as capacidades racionais dos seres humanos. Na Carta
nove, ele oferece a solução: "Este instrumento é uma bela arte" (PETERSEN,
1943, p. 333). O artista, então, é chamado para influenciar o mundo para o bem,
resistidas às distrações do presente no interesse da própria humanidade.

Schiller exorta seus colegas artistas a cercarem seus contemporâneos


com as grandes e nobres formas de gênio, e as englobam com os símbolos da
perfeição, até a aparência conquistar a realidade e a arte triunfar sobre a natureza
(PETERSEN, 1943). No entanto, Schiller admite um problema. Historicamente
falando, a arte tem, muitas vezes, um efeito corruptor. Talvez devêssemos resistir
a ser "entregues à influência enervante" (PETERSEN, 1943, p. 340).

Antes de tirar determinada conclusão e abandonar a arte como uma


solução para os males do mundo moderno, no entanto, devemos avaliar qual a
definição de arte que estamos usando para avaliar suas falhas. Contudo, contra
o que devemos avaliar as definições históricas da arte? Tal inquérito parece
pressupor um conceito de beleza e se o conceito em si vem de exemplos históricos,
a questão de como avaliar a arte objetivamente permanece não resolvida.

Uma análise adequada do potencial da arte, então, parece exigir uma


definição não histórica de beleza. Mais uma vez, canalizando o método transcendente
de Kant, Schiller então sugere que "talvez a experiência não seja o tribunal através
do qual tal questão possa ser decidida" (PETERSEN, 1943, p. 340).

Qualquer definição de beleza "deveria ser deduzida das potencialidades


de nossa natureza sensuo-racional" (PETERSEN, 1943, p. 340). A busca da beleza
exige um "conceito puro de natureza humana como tal". Uma vez que o conceito,
por sua vez, não pode ser derivado da experiência, devemos seguir "o caminho
transcendental" para a verdade (PETERSEN, 1943).

Assim, Schiller começa, na Carta 11, com um exame da natureza humana.


No mais alto nível de abstração, ele sugere que devemos encontrar, nos seres
humanos, uma distinção entre a pessoa e sua condição ou "o self e seus atributos
determinantes" (PETERSEN, 1943, p. 341).

O conceito de “self”, de Schiller, associa-se à personalidade autônoma, à


independência e forma; associa com encarnação, dependência e matéria. Os dois
lados opostos, no entanto, coexistem nos seres humanos, resultando no imperativo
de serem colocados em harmonia. Cada pessoa deve "externalizar tudo o que há
dentro dela e dar forma a tudo que há fora dela" (PETERSEN, 1943, p. 344).

Na Carta 12, Schiller afirma que os humanos são impulsionados para o


cumprimento de determinado imperativo por duas unidades correspondentes:
o impulso da forma e o impulso dos sentidos. O impulso sensorial "procede da
existência física do homem" (PETERSEN, 1943, p. 344). Situa o humano dentro do

166
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

tempo e, portanto, dentro da mudança: O homem, neste estado, não é senão uma
unidade de quantidade, um momento de tempo ocupado ou ao contrário, não
é do todo, pois sua personalidade está suspensa enquanto ele é governado pela
sensação (PETERSEN, 1943).

O impulso da forma por contraste afirma que a pessoa é constante durante


a mudança. Anula o tempo e anula a mudança, quer que o real seja necessário e
eterno, e o eterno e o necessário, reais. Em outras palavras, insiste na verdade e
no direito (PETERSEN, 1943).

Ainda, está dedicado à dignidade, enquanto o impulso dos sentidos


está dedicado à autopreservação. Na política, o impulso da forma resulta em
princípios abstratos, já o impulso dos sentidos resulta em anarquia.

Na Carta 14, Schiller sugere que, quando um humano experimenta


ambos os impulsos em equilíbrio, quando é "ao mesmo tempo consciente de sua
liberdade e sensível à existência" e pode "sentir-se importante e conhecer-se como
uma mente", um novo impulso é despertado, “o impulso do jogo” (PETERSEN,
1943, p. 353). No impulso do jogo, as outras unidades funcionam em conjunto.

São "direcionadas para anularem o tempo dentro do tempo, reconciliando


o tornar-se com o ser absoluto e a mudança com a identidade" (PETERSEN, 1943,
p. 353). Ao manter as duas primeiras unidades em harmonia, o impulso de jogo
libera os seres humanos da dominação de cada um.

Na medida em que priva os sentimentos e as paixões de seu poder


dinâmico, isso os harmonizará com as ideias da razão; e na medida em que priva
as leis do motivo de sua compulsão moral, as reconciliará com os interesses dos
sentidos (PETERSEN, 1943).

Se puder ser alcançado, o ser humano receberá "uma intuição de sua


natureza humana, e o objeto que lhe proporcionou determinada visão se tornaria
para ele um símbolo de seu destino consumado" (PETERSEN, 1943, p. 353).

O que, então, pode despertar o impulso do jogo? Na Carta 15, Schiller


sugere que cada impulso também tenha um objeto. O objeto do impulso dos
sentidos é a vida, o da forma é a própria forma. Como o impulso de jogo permite
que atuem em conjunto, seu objeto é a forma viva (PETERSEN, 1943).

A forma viva, por sua vez, é nada menos do que a beleza. Objetos belos,
então, podem colocar os seres humanos no estado em que percebemos nosso
maior potencial. Quando, para usar o exemplo de Schiller, contemplamos o
Juno Ludovisi, sentimos que o nosso impulso dos sentidos e de forma estão em
equilíbrio. Em tal momento, "nos encontramos ao mesmo tempo em um estado
de absoluto repouso e de agitação extrema" (PETERSEN, 1943, p. 360).

167
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

FIGURA 4 – A COLOSSAL CABEÇA ROMANA EM MÁRMORE DE


JUNO LUDOVISI, 01 D.C.

FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.pt/pin/78109993


23692633/>. Acesso em: 1 fev. 2018.

Uma vez que a contemplação da beleza não nos deixa dominados nem
pelo impulso sensorial nem pelo impulso de forma, o impulso de jogo "dá origem
à liberdade" (PETERSEN, 1943, p. 373) e permite que a vontade, que existe
independentemente de ambos impulsos, escolha entre elas (PETERSEN, 1943). A
liberdade não se correlaciona com nossa capacidade de articular e seguir a lei moral.

A liberdade é, antes, a capacidade de examinar tanto essa lei, como


nossos desejos sensuais e escolher entre eles. Ao facilitar a habilidade e permitir
a liberdade, a contemplação da beleza completa o conceito de natureza humana
(PETERSEN, 1943). Assim que a razão "pronuncia que a humanidade exista,
com esse mesmo pronunciamento também promulgou a lei: que haja beleza"
(PETERSEN, 1943, p. 356).

O jogo, então, para Schiller, permite que os seres humanos atinjam suas
próprias naturezas. "O homem só joga quando atinge seu potencial como um ser
humano, e ele é apenas um ser humano quando ele joga" (PETERSEN, 1943, p. 359).

A capacidade da beleza de liberar nossas mentes de determinações


explica um paradoxo aparente. Por um lado, a beleza não produz conhecimento
ou constrói caráter. Entretanto, por outro lado, precisamente porque a beleza
não realiza nada, algo é alcançado; quando nossos impulsos são convertidos em
harmonia, nossa vontade pode realmente escolher livremente.

Assim definindo, o estado estético é "o mais frutífero de todos em relação


ao conhecimento e à moralidade; ao comprometer-se a não formar nem importar,
e contém o potencial máximo para ambos” (PETERSEN, 1943, p. 379).

168
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

A elevada equanimidade e liberdade do espírito, combinada com poder e


vigor, diz Schiller, é o clima em que uma verdadeira obra de arte deve nos libertar.
Depois de testemunhar a arte, "devemos, com a mesma facilidade, tornar-nos sérios
ou jogar, repousar ou mover, cumprir ou resistir" (PETERSEN, 1943, p. 380).

Ao facilitar a condição, a beleza nos dá o "dom da própria humanidade",


diz Schiller, é o nosso "segundo criador" (PETERSEN, 1943, p. 378). Nosso status,
como criaturas finitas, mostra que o estado permanecerá apenas um ideal, que
cada arte em particular deve lutar para se aproximar a seu modo (PETERSEN,
1943). Toda arte genuína produzirá um estado de equilíbrio, que coloca à vontade
em uma posição de poder máximo e autodeterminação (BEISER, 2005).

O tipo de experiências necessárias, para que cada humano atinja a condição


estética, variará. Para resolver o fato, Schiller postula uma dicotomia dentro da
própria beleza. A beleza energizante, diz ele, nos acentua, prepara nossa natureza
e encoraja uma rápida reação. É necessária para o "homem sensível", que sente
demais e pode ser levado ao equilíbrio pela exposição à forma ou ao pensamento.

A beleza que derrete, ao contrário, libera, relaxa nossa natureza e é


especialmente necessária para o "homem espiritual", que pensa demais e precisa
ser levado à beleza pelos seus sentidos. Ambos os tipos de beleza podem ser
perigosos: a beleza energética pode se tornar extravagante e a beleza derretida
pode resultar em energia ou vazio sufocante (PETERSEN, 1943). Quando se
combinam para produzir uma harmonia que cancela os respectivos extremos,
podem permitir que humanos individuais alcancem seu maior potencial.

Com base nas distinções, Schiller afirma, na Carta 24, que os seres humanos
e a humanidade devem seguir três estágios de desenvolvimento: físico, estético
e moral (PETERSEN, 1943). Em seu estado natural inicial, os seres humanos são
governados pela natureza. Quando a razão começa a agitar, "o homem deixa os
limites estreitos do presente em que a mera animalidade permanece encadernada,
a fim de se esforçar para um futuro ilimitado" (PETERSEN, 1943, p. 390).

Como a razão parece totalmente contrária à vida natural, as leis


incondicionais são vivenciadas apenas como coercivas. Os humanos, então,
resistem à lei da razão, recorrem ao eudemonismo ou se escravizam para ela,
negando inteiramente suas naturezas sensuais.

A beleza, ao contrário, pode unir os lados naturais e racionais dos seres


humanos e pode facilitar a nossa entrada no "mundo das ideias", mas sem deixar
para trás "o mundo dos sentidos" (PETERSEN, 1943). Pode, então, convencer-
nos de que a lei moral não é uma imposição estrangeira e nos permite viver em
harmonia com os seus ditames.

169
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

E
IMPORTANT

Eudemonismo: doutrina que considera a busca de uma vida feliz, seja em


âmbito individual, seja coletivo. O princípio e fundamento dos valores morais, julgando
eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade.

Nas cartas 26 e 27, Schiller imagina as circunstâncias que devem ter sido
necessárias para que os primeiros humanos desenvolvam um sentido estético.
Traços de jogo podem ser encontrados na natureza, sempre que houver uma
abundância de recursos. Os leões jogam quando eles têm excesso de energia e
não estão sob ameaça. As plantas enviam mais brotos do que o necessário quando
são adequadamente alimentadas, desperdiçando energia "em um movimento de
alegria despreocupada" (PETERSEN, 1943, p. 406).

Uma abundância de recursos, entre os seres humanos, inspira indiferença


à realidade e ao interesse da aparência, em uma nova camada de significado que
os humanos reconhecem como sua própria criação. A aparência é posicionada
entre a "estupidez" e a verdade, que buscam apenas o real. Uma natureza que se
delicia com a aparência, em contraste, não está mais tendo prazer no que recebe,
mas no que faz (PETERSEN, 1943).

A aparência é evidente nas armas adornadas, na transição do movimento


para a dança e na evolução do desejo para o amor. Quando encontramos os
vestígios de uma apreciação desinteressada e incondicional da aparência pura,
as pessoas em questão "começaram a se tornar verdadeiramente humanas"
(PETERSEN, 1943, p. 405).

Em um conjunto final de distinções, Schiller aplica suas análises tripartidas


aos estados políticos. No "estado dinâmico dos direitos", os humanos limitam
o comportamento do outro através da força. No "estado ético", os humanos
impedem seus desejos por respeito a uma lei moral abstrata. A terceira opção,
"estado estético" que, segundo ele, tem o maior potencial, consuma a vontade do
todo através da natureza do indivíduo (PETERSEN, 1943).

No estado estético, os cidadãos fazem o seu dever por inclinação,


acabam por encorajar o equilíbrio das capacidades racionais e sensuais dos seus
concidadãos e ainda, atuam como seres humanos unificados e harmoniosos.
Em tal estado, nenhum privilégio ou autocracia pode ser tolerado. Schiller
admite, no último parágrafo, que o estado de aparência estética é raro, mas
existe em "alguns círculos escolhidos, em que os humanos são governados pela
sua natureza estética e, portanto, existem em liberdade e cooperação com os
outros” (PETERSEN, 1943, p. 412).

170
TÓPICO 1 | ESTÉTICA E MODERNIDADE: KANT, HEGEL E SCHILLER

O final das Cartas deixou muitos leitores confusos e insatisfeitos. Schiller


parece não ter deixado claro se o estado estético é um meio para a conquista da
humanidade plena ou se é um fim. Ele parece, em suma, não ter respondido a
uma de suas perguntas originais, a saber, qual viria primeiro, um bom estado ou
bons cidadãos.

Schiller também foi acusado de encorajar o elitismo e retirar o apoliticismo


através da imagem de um estado estético, uma acusação mais poderosa no
próximo século por críticos marxistas. Outros, pelo contrário, veem as Cartas
como um testemunho do engajamento político e do republicanismo de Schiller.
Em todo caso, não há dúvida de que as “Cartas Estéticas” foram extremamente
influentes.

O conceito de jogo foi assumido e desenvolvido por filósofos como


Charles Sanders Peirce e Hans-Georg Gadamer. A ideia de jogo como uma
cura para a alienação influenciou a Escola de Frankfurt através dos escritos de
Herbert Marcuse.

Eagleton (1991) mencionava que a tradição estética radical de Coleridge


a Herbert Marcuse sustenta a profética de [Schiller] denúncia da condição
moderna. Jürgen Habermas encontrou, na ideia de Schiller sobre um estado
estético, uma visão de uma "força de arte comunicativa, construtiva e solidária"
(HABERMAS, 1985, p. 59-64), na qual a arte é capaz de "revolucionar as condições
do entendimento mútuo" (HABERMAS, 1985, p. 46). Uma visão que, por mais
problemática que seja, é uma fonte de percepção da natureza da política moderna.

171
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Para Kant, a experiência do prazer na beleza se dá a partir de uma sintonização


dinâmica, de um jogo livre entre as faculdades de imaginação e compreensão, e o
julgamento de gosto se reivindica através de uma qualidade intersubjetiva. Kant
utiliza dois critérios para o julgamento estético: a necessidade de um julgamento
desinteressado, livre de interesses morais e sensuais, e a preocupação apenas
com a "finalidade da forma", ou seja, apenas com as propriedades formais
do objeto. Na visão, uma experiência estética de uma obra de arte exige que
atendamos apenas à sua apresentação externa ou aparência em abstração de
qualquer conteúdo moral, social ou político, que possa ser visto para expressar
e, em segundo lugar, que dirigimos nossa atenção exclusivamente para suas
características formais, e não para suas características de representação.

• O formalismo, ou a estética formalista, preconizada por Kant, foi apropriada


para explicar as obras de arte modernistas produzidas muito tempo depois de
sua morte. A estética de Kant pode ser vista para oferecer não só uma maneira
importante de entender as características distintivas do nosso prazer no belo,
mas uma maneira para entender o significado mais profundo da arte e da
beleza em relação a outros domínios da experiência humana.

• Para Kant, a estética de uma obra de arte se situava na resposta do sujeito


individual aos objetos de beleza, enquanto Hegel se concentra mais no significado
e no conteúdo das obras de arte. Sua proposta de estética se caracteriza por
um conhecimento amplo da arte e dos costumes de diferentes idades e povos,
juntamente com um relato histórico, que analisa o desenvolvimento da arte
através de diferentes épocas.

• O mundo da arte é definido por Hegel como a "aparência sensual" da ideia.


Ao mesmo tempo, a arte expressa um "conteúdo" que pode ser articulado de
forma mais adequada na forma de representações religiosas ou de pensamento
conceitual. Através das ideias de Hegel, o estudo da arte do passado foi
combinado, pela primeira vez, com a reflexão filosófica e histórica.

• Como Kant, Schiller vê a estética como uma espécie de interesse de transição


no caminho para uma política utópica, ou seja, a dinâmica estética também
seria uma dinâmica política, de jogo, e o indivíduo e o estado se colocam em
posições paralelas. A beleza, para o filosofo, seria a forma equilibrada do
sensual e do intelectual. Em suas “Cartas Estéticas”, Schiller faz uma crítica

172
à modernidade, ao expor que “vemos o espírito da época vacilante entre a
perversidade e a brutalidade, entre a naturalidade e a mera natureza, entre
superstição e descrença moral; e é somente através de um equilíbrio de males
que tudo se mantém sob controle” (PETERSEN, 1943, p. 320).

• As obras de arte, através da beleza, poderiam colocar, segundo Schiller, os


seres humanos em um estado de maior potencial. O jogo estético e político,
para Schiller, permite que os seres humanos atinjam suas próprias naturezas,
e “o homem só joga quando atinge seu potencial como um ser humano, e ele é
apenas um ser humano quando joga" (PETERSEN, 1943, p. 359).

• Para Schiller, os seres humanos e a humanidade devem seguir três estágios de


desenvolvimento: físico, estético e moral. No estado estético, os cidadãos fazem
o seu dever por inclinação, encorajam o equilíbrio das capacidades racionais
e sensuais dos seus concidadãos e atuam como seres humanos unificados e
harmoniosos. Tal estado de aparência estética seria raro e apenas presente em
alguns "alguns círculos escolhidos", em que os humanos são governados pela
sua natureza estética e, portanto, existem em liberdade e cooperação com os
outros.

As principais teorias estéticas de Kant, Hegel e Schiller

Autor Período Conceito

Formalismo: o foco na aparência do objeto e na


finalidade da forma. Arte é ligada à lógica e à ética
Kant Século XVIII
e vista como um conhecimento reflexivo, autônomo
e de validade universal.

Arte com conteúdo e como reflexão filosófica a


respeito da espiritualidade e da mudança histórica.
A arte, como aparência sensual da ideia, ocupa o seu
Hegel Século XIX lugar ao lado da religião e da filosofia, como uma
forma de autocompreensão através da qual os seres
humanos chegam ao conhecimento sobre eles e o
mundo em que habitam.

A estética é vista como fator político, uma vez que


a beleza se equipara com a bondade. O objeto do
impulso dos sentidos é a vida, e o objeto do impulso
da forma é a própria forma. Como o impulso de jogo
Schiller Século XVIII
permite que tais impulsos atuem em conjunto, seu
objeto é a forma viva. A forma viva é a beleza. A arte,
então, pode colocar os seres humanos em seu melhor
potencial.

173
AUTOATIVIDADE

1 Kant, Hegel e Schiller se posicionam de maneiras similares e/ou diferentes


a respeito da relevância histórica em suas teorias estéticas? Explique.

2 As ideias de Kant, Hegel e Schiller foram muito influentes para a modernidade


na arte. Assim, associe as duas colunas, estabelecendo relações entre os
filósofos e suas principais teorias da arte:

I - O formalismo de Kant.
II - A historicidade de Hegel.
III - A estética política de Schiller.

( ) O homem só joga quando atinge seu potencial intelectual e sensível como


um ser humano.
( ) Ao considerar a beleza de um objeto, devemos nos preocupar apenas com
as propriedades formais do objeto, sem pressupor qualquer conceito do
que se pretende significar.
( ) O estudo empírico da arte do passado foi combinado, pela primeira vez,
com a reflexão filosófica sobre as causas da mudança histórica.

A sequência correta da associação é:


a) III-II-I.
b) I-II-III.
c) III-I-II.
d) II-III-I.

174
UNIDADE 3
TÓPICO 2

ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE,


HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

1 INTRODUÇÃO
Em meados do século XX, o mundo ocidental havia experimentado uma
grande mudança de paradigma. Duas guerras mundiais devastadoras, milhões de
vidas perdidas, ideologias comunistas destruídas e armas nucleares utilizadas. O
otimismo modernista, que havia dominado um mundo pré-guerra, agora parecia
irrelevante, desatualizado e fadado ao fracasso. A Europa não era mais o centro
da arte moderna ou da vanguarda.

O foco do mundo da arte se mudou para a cidade de Nova York e para


os expressionistas abstratos, que estavam florescendo em uma nova era de
capitalismo revigorado do pós-guerra. Determinado grupo, no entanto, ainda
era muito marcado por seu modernismo, com o movimento firmemente apoiado
por Greenberg, como uma alta arte para a qual toda a arte estava se movendo
inexoravelmente desde o século XIX.

Assim, fora do enclave de arte, a América, na década de 1950, vivia um


‘boom’ consumista e cultural, além de um clima político tempestuoso. Uma vez
que o expressionismo abstrato se tornou um movimento convencional, os jovens
artistas começaram a questioná-lo por sua falta de referência tanto ao estado do
mundo quanto à florescente cultura popular da qual seus artistas faziam parte.

Motivados por tais sentimentos e com o desejo de uma arte que reconhecesse
a vida cotidiana, artistas como Jasper Johns (1930) e Robert Rauschenberg (1925-
2008) começaram a experimentar novos estilos, que emprestavam e recriavam
imagens da cultura de massa que os rodeava.

O estilo Neo-Dada, com o qual eles se tornariam associados, foi o primeiro


dos movimentos artísticos genuinamente pós-modernos. Os artistas foram
influenciados por John Cage (1912-1992), e muitos de seus experimentos dariam
origem à Pop Art e ao Minimalismo.

O pós-modernismo é melhor compreendido definindo o etos modernista


que ele substituiu, o da vanguarda que atuava de 1860 a 1950. Os vários artistas
foram impulsionados por uma abordagem radical e progressista, ideias de

175
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

positividade tecnológica e grandes narrativas de dominação e progresso


ocidentais. A chegada de Neo-Dada e Pop Art, na América do pós-guerra, marcou
o início de uma reação contra a mentalidade que veio a ser conhecida como pós-
modernismo.

A reação assumiu múltiplas formas artísticas pelas próximas quatro


décadas, incluindo arte conceitual, minimalismo, videoarte, arte performática
e arte de instalação. Os movimentos são diversos e díspares, mas conectados
por certas características, como o tratamento irônico e lúdico de um sujeito
fragmentado, a quebra de hierarquias de alta e baixa cultura, o enfraquecimento
dos conceitos de autenticidade e originalidade e a ênfase na imagem e no
espetáculo. Ainda, muitos artistas e tendências menos pronunciadas continuam
na veia pós-moderna até hoje.

Para melhor compreender a passagem da modernidade para a pós-


modernidade em termos estéticos, vamos agora analisar algumas das principais
ideias de filósofos de arte desse período controverso e agitado, como Nietzsche,
Heidegger e Merleau-Ponty.

2 NIETZSCHE E O ARTISTA
“Arte é nada além de arte! É o grande meio de tornar possível a vida,
a grande sedução da vida, o grande estímulo da vida”
Nietzsche, “A Vontade de Poder” (1968).

Em “Além do Bem e do Mal”, Nietzsche (1844-1900), filósofo, crítico


cultural e poeta alemão, deu uma descrição clara de sua visão do homem como
sendo a unificação entre a criatura e o criador (NIETZSCHE, 1973). Complementou
as tendências de seus escritos para enfatizar, de certo modo, o lado instintivo
e natural do animal humano forçado a sobreviver em um mundo cruel e sem
sentido e, por outro lado, dar um alto valor ao lado artístico do homem, que
poderia forjar significado de uma experiência tão caótica.

A originalidade de Nietzsche, segundo White (2002), foi ver os dois polos


humanos como criaturas e como criador, de forma entrelaçada uma com a outra,
e não em oposição. Enquanto ele herdou, da tradição romântica alemã, a ideia
de que a arte oferece um momento de percepção da existência, rejeitou qualquer
ideia de que a visão pudesse oferecer uma libertação da vida ou uma intuição
transcendental. Enfatizou a existência criativa e viu o artista como o antídoto para
o ideal ascético da religião e da metafísica.

É claro que certas tendências modernistas, notadamente o expressionismo


alemão, deram sua ênfase ao imediatismo e à superabundância da vitalidade
do vocabulário altamente carregado de Nietzsche, exemplos dos quais serão
discutidos a seguir.

176
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

Tais exemplos nos levaram à concepção popular do artista nietzscheano


como uma força natural que só responde a si mesmo, uma figura de poder físico
e energia espontânea. Além da imagem bombástica do artista como um super-
homem, no entanto, existe uma sutileza real no relato de atividade criativa de
Nietzsche, que se envolve com teorias estéticas que remontam para Platão e para
Aristóteles.

Ele também teve uma profunda influência sobre pensadores posteriores,


como Freud, Martin Heidegger e Jacques Derrida. Por sua descrição do artista,
Nietzsche conseguiu combinar dois elementos que são incompatíveis: um relato
fisiológico do corpo criativo e um conceito de arte como o que dá sentido à
existência.

Se a manufatura da arte é vista como uma questão de fisiologia e o


subproduto do sistema nervoso ou de algum outro processo corpóreo, como
pode criar valor por conta própria ou determinar os padrões pelos quais podemos
viver nossas vidas? A resposta será encontrada a distância que Nietzsche tem de
qualquer noção mecanicista ou biologicamente determinista de fisiologia. O físico
é, para ele, sempre algo que já é psicológico e tipificado na atividade do artista.

2.1 DIONISÍACO E APOLÍNEO


Na primeira obra publicada por Nietzsche, “O Nascimento da Tragédia”,
de 1872, ele introduziu duas disposições necessárias para a possibilidade da arte:
os conceitos de dionisíaco e apolíneo.

Foram encontrados nos estados corporais de intoxicação e de sonho,


respectivamente. A realização da tragédia grega deveria ter colocado as duas
atitudes em uma relação correta. A intoxicação dionisíaca, como um exagero
de energia sensual, é acompanhada por um aumento do sentimento de poder e
conexão com os outros.

Por sua vez, o sonho apolíneo, que coloca o corpo em calma, é atendido por
belas ilusões na consciência de quem se entrega. Dado que o assunto de Nietzsche
era ostensivamente a arte híbrida do drama trágico, as duas tendências se inclinam
para a música, por um lado, e as imagens visuais, por outro. O dionisíaco se
manifesta na dança e no movimento e, o apolíneo, na criação de imagens. O
envolvimento total é complementado pela distância e pela contemplação.

177
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

FIGURA 5 – BACCHUS (1595), DO PINTOR RENASCENTISTA MICHELANGELO


MERISI DA CARAVAGGIO (NA ESQUERDA) E APOLO BELVEDERE, CÓPIA
ROMANA DE UM ORIGINAL GREGO QUE SE PERDEU (ARTISTA E DATA
DESCONHECIDA, NA DIREITA)

FONTE: Disponível em: <http://evolucaolgbt.blogspot.com/2015/08/forcas-


apolineas-e-forcas-dionisiacas.html>. Acesso em: 1 fev. 2018.

O aspecto dionisíaco (de Dioniso, rei grego do vinho), representado na


criação artística, remete às características simbólicas ligadas à escuridão, à noite,
ao desejo carnal e à embriaguez. O aspecto apolínio (deus grego Apolo, rei da
beleza) remete às características ligadas à luz do dia, à clareza, à razão e ao
equilíbrio.

A interpretação da civilização clássica, oferecida na obra “Nascimento da


Tragédia” (1967), foi um desafio radical que prevaleceu em Johann Wolfgang von
Goethe ou na Alemanha de Johann Joachim Winckelmann, um século antes. A
redescoberta de Nietzsche do dionisíaco apresentou a Grécia pré-socrática como
tendo uma atitude saudável em relação às forças instintivas e sua arte emergindo
de um excesso de energia, que mais tarde se comparou com os mistérios da
sexualidade (NIETZSCHE, 1968).

No entanto, a descrição do apolíneo, como o prazer da contemplação


da ilusão, também foi uma desvantagem dos valores de ordem e racionalidade
normalmente associados à antiguidade clássica.

Entretanto, depois de ter descrito o nascimento, Nietzsche procedeu a


descrever o desaparecimento da tragédia que ele viu nas peças de Eurípides.
No "socratismo estético" do último, como ele descreveu, Nietzsche testemunhou
o apolíneo corrompido e dominado por argumentos fundamentados na razão.
Quando o estado dos sonhos apolíneos está perdido, o acesso ao dionisíaco
também é bloqueado.

178
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

O pensamento filosófico sobrepõe a arte e obriga-a a se aproximar do


tronco da dialética. A tendência apolínea se retirou no casulo do esquematismo
lógico; assim como no caso de Eurípides, observamos algo análogo, bem como a
transformação do dionisíaco em efeito naturalista.

“Sócrates, o herói dialético do drama platônico, lembra-nos a natureza


amável do herói euripideano, que deve defender suas ações com argumentos e
contra-argumentos e, no processo, muitas vezes arrisca a perda de nossa piedade
trágica” (NIETZSCHE, 1967, p. 91).

Em resumo, na tragédia, Nietzsche viu as duas forças do apolíneo e


do dionisíaco trabalhando em combinação. O dionisíaco alcançou as forças
caóticas da natureza, excitantes e aterrorizantes, e a visão arrebatadora apolínea
proporcionou a forma suportável, de fato bonita, através da qual o caos poderia
encontrar expressão. Ele fala de "simbolização da sabedoria dionisíaca através
dos artifícios apolíneos" (NIETZSCHE, 1967, p. 113).

Na sua visão da tragédia, Nietzsche também contestou a célebre teoria


da catarse de Aristóteles, que colocou grande ênfase no teatro e, acima de tudo,
na práxis (ação), chegando a definir a tragédia como "a imitação de uma ação". A
audiência foi removida de emoções perigosas, compreendendo intelectualmente
as reversões na trágica narrativa.

Nietzsche colocou a música acima do teatro e viu pathos (identificação


emocional) em vez de práxis (prática) como o principal veículo da tragédia.

Ao invés de uma libertação da emoção, a tragédia, para Nietzsche, aumenta


o sentimento e afirma a vida, mesmo na sua forma mais aterrorizante. Ao mesmo
tempo, sua descrição do dionisíaco e do apolíneo, como estados fisiológicos,
levou-o a correlacionar o processo criativo, o produto artístico e seus efeitos.

Nietzsche estava menos interessado na lógica do enredo do que nas


origens do impulso artístico. A boa tragédia, como modelo da obra bem-sucedida
de arte em geral, é aquela que recupera o caminho da própria vida.

O dionisíaco precisava ser percebido através do véu do apolíneo. O efeito


total da tragédia, como Nietzsche descreve, é destruir o artifício pelo qual Apollo
fala finalmente a linguagem de Dionísio. A experiência da audiência receptiva é
precisamente a mesma do poeta trágico, um êxtase coletivo que se sente como um
aumento no vigor corporal.

“Toda arte exerce o poder de sugestão sobre os músculos e os sentidos,


que no temperamento artístico são originalmente ativos: sempre fala apenas aos
artistas – fala para esse tipo de flexibilidade sutil do corpo [...]. Todos os trabalhos
de arte aumentam a força, inflamam o desejo [...]. Até hoje, ainda se ouve com os
músculos, até se lê com os músculos” (NIETZSCHE, 1968, p. 427-428).

179
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

FIGURA 6 – O PINTOR JACKSON POLLOCK FIGURA 7 – A BAILARINA INDIANA DE DANÇA


EM SEU ESTÚDIO CONTEMPORÂNEA HEMABHAEATHY PALANI

FONTE: Disponível em: <https://www. FONTE: Disponível em: <https://eastmidland


pinterest.com.au/mamoworks/art/>. stheatre.com/2017/08/12/outlands-uk-tour-
Acesso em: 1 fev. 2018. 2017-a-triple-bill-of-contemporary-dance-by-
and-for-three-female-choreographers-from-
india-and-the-uk/>. Acesso em: 1 fev. 2018.

O retorno à experiência do artista não só colocou o maior valor na origem


do impulso artístico, mas também marcou uma pausa, como Nietzsche viu, com
a tradição de estética que enfatizava a contemplação distanciada e privilegiava
o papel do espectador. Nietzsche se imaginou escrevendo contra a tradição
kantiana, embora sua leitura do próprio Kant pareça ter sido parcial.

Um texto que ele leu em profundidade foi o “Mundo como Vontade e


Representação”, de 1819, de Arthur Schopenhauer (1788-1860). O livro definiu a
agenda para os primeiros escritos de Nietzsche, mas sua eventual conclusão, de
que o julgamento estético só pode ser feito a partir do ponto de vista do máximo
interesse, contradiz a posição de Schopenhauer (1999).

Em o “Nascimento da Tragédia” (1967), Nietzsche reconheceu


diretamente a correspondência da distinção dionisíaca e apolínea através das
ideias de Schopenhauer, entre o querer e a representação. No primeiro termo,
Schopenhauer (1999) descreveu a natureza do mundo como energia cega, pelo
segundo a disponibilidade do mundo para a percepção humana.

Forçados a viver no mundo da representação, um reino de mera aparência,


os objetos que podemos perceber são meramente um elenco de véu sobre a
vontade. A leitura de Nietzsche, de Schopenhauer, centrou-se nos dois momentos
que o último descreveu quando o querer era mais manifesto para a consciência
humana.

A primeira é a experiência que temos de nossos próprios corpos. Como


o objetivo de nossa própria vontade, o corpo é o local onde experimentamos
o conflito entre nossa disposição e a vontade como a necessidade infinita de
satisfazer os desejos, cuja frustração causa angústia e dor.

180
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

O segundo, e mais significativo para Schopenhauer (1999), encontra-se


na experiência estética, nomeadamente a da música, que ele considerou ser uma
cópia imediata da vontade. O autor distinguiu os dois momentos uns dos outros.

A experiência corporal ainda estava ligada ao mundo das aparências


individuais, enquanto a contemplação estética poderia abordar a "percepção pura",
e o sujeito foi temporariamente liberado da identidade pessoal e se fez uno com a
vontade. Reflete na declaração duas vezes repetida de Nietzsche no “Nascimento
da Tragédia” (1967), de que é "apenas como um fenômeno estético que a existência
e o mundo estão eternamente justificados" (NIETZSCHE, 1967, p. 52).

2.2 O DESEJO DE PODER


Enquanto o dionisíaco tinha conexões óbvias com os instintos vitais,
a origem de seu parceiro, o apolíneo, era mais dificilmente explicada por
Nietzsche, fora de uma oposição tradicional de essência e existência, forma e
aparência. Mesmo que o apolíneo fosse considerado secundário, o vestígio de
seus fundamentos metafísicos era muito forte.

Em seus escritos subsequentes, portanto, Nietzsche subsumiu o apolíneo


sonhando no estado dionisíaco de intoxicação e estabeleceu oposição para a
decadência que ele associou à moral religiosa e à metafísica. Assim, transformou
a relação dos dois termos de um esquema metafísico a um psicológico central, ao
qual era o conceito de sublimação.

Dionísio e Apollo já não eram qualitativamente distintos, mas havia


a expressão de uma unidade básica em diferentes níveis, uma unidade para a
qual ele finalmente daria o nome de 'vontade de poder'. Em outra transcrição de
Schopenhauer, Nietzsche adaptou a objetivação da vontade através da arte, ao
invés da contemplação da obra de arte, como o canal para a vontade de poder e
sua sublimação na atividade criativa.

Nas notas coletadas para formar o livro “O Desejo de Poder” (2001),


Nietzsche frequentemente equivale a intoxicação como o estado de criação de
arte com a sexualidade e sugere que a arte nos lembra “estados de vigor animal”.

Em uma associação não atípica para o século XIX, ele comparou diretamente
a criatividade com a potência sexual e chegou a correlacionar "o instinto criativo
do artista e a distribuição do sêmen em seu sangue" (NIETZSCHE, 1968, p. 424).
Declarações assim foram tomadas como a fonte de nossa imagem do artista
nietzscheano, como a encarnação de uma força viril da natureza.

É determinado aspecto da escrita de Nietzsche, sobre a arte e o artista, que


tem correlação mais próxima com as tentativas de artistas alemães de renovarem
ou regenerarem as artes visuais no início do século XX. Os artistas de Die Brücke
(A Ponte), grupo fundado em Dresden, em 1905, estavam convencidos de que a
arte tinha suas raízes em instintos vitais e não no intelecto.
181
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

O "Programa da Ponte" clama diretamente pela libertação do impulso


criativo. Também afirma o desejo de liberar nossas vidas e membros (do corpo)
dos poderes mais antigos estabelecidos. A última exigência, para a emancipação
do corpo, pode ser encontrada em conteúdos sensuais de algumas pinturas do
grupo Die Brücke.

Certos comentaristas encontraram a marca de Die Brücke como a celebração


do sexo através da arte ou mesmo, seguindo um princípio de sublimação,
"transposição de instintos para arte socialmente aceitável" (GORDON, 1987, p. 14).

FIGURA 8 – DEBAIXO DAS ÁRVORES, DE MAX PECHSTEIN, 1911

FONTE: Disponível em: <http://www.theartstory.org/movement-die-brucke-


artworks.htm>. Acesso em: 1 fev. 2018.

Entre as filosofias radicais, o movimento artístico Die Brücke defendeu o


naturismo (nudismo) como contraponto à industrialização da cidade moderna.
Pintado no ano em que o grupo Die Brücke se mudou para a metrópole de Berlim,
a obra “Debaixo das Árvores” é um exemplo icônico do impulso anti-urbano, da
aceitação do corpo humano e da sexualidade, como parte da natureza.

A sublimação deve ser entendida, portanto, não como a liberação da


tensão, mas como uma abertura para fontes de prazer negadas e um ganho de
excitação sexual. Na “Vontade de Poder” (1872), Nietzsche observa que o efeito
de obras de arte "é excitar o estado que cria arte – intoxicação" (NIETZSCHE,
1968, p. 434).

Enquanto o princípio da sublimação sugere a transformação da unidade


original, Nietzsche acredita que pode nos levar de volta à fonte do estímulo.
Assim, as imagens das pinturas do grupo e de outros expressionistas tiveram um
intuito de expor ao público o dionisíaco, em um nível emocional direto.

182
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

A intoxicação e o prazer são uma e a mesma coisa em determinado


esquema e, como já foi mencionada, a arte deve encorajar o vigor corporal. No
entanto, Nietzsche dedicou uma atenção considerável em sua escrita ao feio, ao
doloroso e ao horrível.

A tragédia foi, para ele, um reforço da vida e uma intensificação do


sentimento. O prazer não é, portanto, um fim em si mesmo, mas um subproduto
do conflito de forças, que Nietzsche entendeu como vontade de poder. O prazer
não exclui a dor, pois a vontade de poder, por sua natureza, busca resistência e
obstáculos a serem superados. A atividade do artista tem o poder de transformar
a feiura e levar ao prazer. No entanto, é importante notar que a vontade de poder
é distinta de qualquer propósito ou intenção por parte do artista.

O estado de intoxicação é experimentado em êxtase, e o artista se torna "o


ponto alto de comunicação e transmissão entre criaturas vivas" (NIETZSCHE, 1968,
p. 428). A obra de arte não é mencionada por Nietzsche. O que é constantemente
afirmado é o estado de criação de arte, que é tão significativo para o criador, como
para o observador.

A tendência encontra interpretação literal não apenas no expressionismo,


mas em fenômenos artísticos do final do século XX, como na arte performática.
O Teatro de Mistérios das Orgias de Hermann Nitsch (1938), iniciado em Viena,
em 1962, por exemplo, usa a dor ritualizada como meio de experiência coletiva.

Embora o dionisíaco tenha chegado a dominar o pensamento posterior de


Nietzsche, ainda encontrou lugar para o apolíneo dentro do reino da intoxicação,
como sendo uma "intoxicação do olho". Em “O Nascimento da Tragédia”, a
disposição visionária é descrita em termos de sonhos. É o prazer profundo da
contemplação, mas acompanhado pela sensação de que o que está envolvido é
meramente aparência.

Contudo, embora ilusória, a visão apolínea era "ao mesmo tempo o


análogo simbólico da faculdade devastadora e das artes em geral, o que torna a
vida possível e que vale a pena ser vivida" (NIETZSCHE, 1967, p. 35).

Passando da noção de justificação do mundo como um fenômeno estético,


algumas das declarações mais intrigantes de Nietzsche, quanto à necessidade da
decepção para a vida, são de 1882, do livro “A Gaia Ciência”. Já figurada no título,
é uma forma de conhecimento oposto ao empírico.

No entanto, se fosse ser ciência do ponto de vista do artista, também seria


a constatação de que "a ilusão e o erro são condições do conhecimento humano"
(NIETZSCHE, 1974, p. 163). A arte não é apenas um "culto do falso", mas garante
que "como um fenômeno estético, ainda é suportável para nós" (NIETZSCHE,
1974, p. 163).

183
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

O ataque sem remorso, de Nietzsche, aos dualismos, alinhava a verdade


e o erro ao longo de um único contínuo. "Possuímos arte para que não morramos
com a verdade" (NIETZSCHE, 1968, p. 435). Da mesma forma, a celebração da
falsidade não deve ser entendida como escapismo.

“A arte é uma consequência da insatisfação com a realidade? Ou uma


expressão de gratidão pela felicidade usufruída? No primeiro caso, o romantismo;
no último, auréola e ditirambo (em suma, arte de apoteose). Rafael também
pertence aqui; Ele simplesmente tinha a falsidade para deificar o que parecia a
interpretação cristã do mundo” (NIETZSCHE, 1968, p. 445).

FIGURA 9 – A DEPOSIÇÃO, PINTURA RENASCENTISTA DE RAFAEL


SANZIO DA URBINO, 1507

FONTE: Disponível em: <http://www.italymagazine.com/featured-story/


italys-treasures-raphael-sanzio-da-urbino>. Acesso em: 1 fev. 2018.

Nietzsche observou, nas obras de Rafael, uma característica dionisíaca,


disfarçada por outra apolínea. Perceba aqui como uma temática supostamente
religiosa, como a morte de Cristo, foi usada como pretexto para a criação de uma
obra plena de contrastes formais e emocionais.

Em termos formais havia a sombra e a luz, o choque de cores


complementares (vermelho e verde), o movimento e o repouso, os movimentos
em linhas diagonais opostas. Em termos emocionais, a vida e a morte, a luta, a
resignação, o amor e a dor.

A equação do pintor renascentista Raffaello Sanzio da Urbino (1483-1520),


conhecido como Rafael, com o ditirambo, classificando a pintura renascentista
com o hino extático para Dionísio, mostra o quão longe Nietzsche foi para
entrelaçar o apolíneo com sua contraparte e impedir que se endurecessem em
uma dicotomia.
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TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

Sua rejeição do romantismo também deve ser devidamente observada e


foi associada ao ascetismo. O arrebatamento apolíneo ainda conterá a sexualidade
e a voluptuosidade melhor associada ao dionisíaco, mas agora transposta para
"calma, simplificação, abreviatura, concentração" (NIETZSCHE, 1968, p. 420).

E
IMPORTANT

Você sabe o que é o ditirambo? E os Ditirambos de Dionísio de Nietzsche?

O ditirambo, na origem do teatro grego, consistia em uma ode, em um canto coral entusiástico,
executada por personagens vestidos de faunos e sátiros, considerados companheiros do
deus Dionísio, em honra do qual se prestava a homenagem ritualística.

Os Ditirambos de Dionísio são também poemas de caráter lírico, compostos por Friedrich


Nietzsche, finalizados em 1888, e publicados em um único volume em 1900, após a morte
do autor.

Referindo-se à dicotomia proposta por Nietzsche, entre o carácter apolíneo e dionisíaco da


arte, proposta em "A Origem da Tragédia", os poemas fazem a apologia da sedução estética e
da característica sensorial da figura do deus tomado como referência (Dionísio).

A fisiologia da arte de Nietzsche, na verdade, chega até a conectar o físico e


o lógico, para afirmar o prazer corporal tomado na ordem em que a "simplificação
lógica e geométrica é uma consequência do reforço da força" (NIETZSCHE, 1968,
p. 420).

Para reafirmar o ponto, a sublimação da vontade de impulsionar a arte não


permitiu, para Nietzsche, resultar em apenas um tipo de produto. Sua contínua
ênfase no estado criativo e na experiência do artista o deixou aberto a variadas
formas de expressão, algumas das quais podem parecer surpreendentes para o
leitor contemporâneo.

Se a intoxicação dionisíaca como comunicação sensível direta parece


fornecer o elemento essencial para a estética expressionista, o apolíneo ainda
pode ser encontrado em sua tendência acompanhante para a estilização e a
abstração. Nietzsche concedeu louvores significativos à habilidade de um artista
para impor estilo, conectando-o à incorporação do poder e até mesmo à realização
do autocontrole.

É o processo de obrigar o mundo a assumir uma determinada forma, que


é a melhor indicação da vontade de poder em ação. Quando ele discutiu a arte
em seu sentido essencial e definitivo, Nietzsche usou a frase "o grande estilo", que
se encontra na capacidade de "compelir o caos de alguém para tornar-se forma:
tornar-se lógico, simples, inequívoco, matemática, lei" (NIETZSCHE, 1968, p. 444).

185
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Se soa como um manifesto para um neoclassicismo rígido, devemos


lembrar até que ponto Nietzsche já havia ido a redefinir a base da antiga civilização
grega. O amor apolíneo da forma não tem conexão privilegiada com a verdade,
mas é, de fato, sua renúncia gloriosa.

“Ah, esses gregos! Eles sabiam como viver. O que é necessário é parar com
coragem na superfície, na dobra, na pele, adorar a aparência, acreditar em formas,
tons, palavras, em todo o Olimpo da aparência. Aqueles gregos eram superficiais
– na profundidade” (NIETZSCHE, 1974, prefácio à segunda edição, p. 38).

Como escritor, Nietzsche foi um grande estilista e, no seu texto


autobiográfico “Ecce Homo” (1979), chegou a proclamar que possuía "a mais
variada arte de estilo que qualquer homem tinha à disposição" (NIETZSCHE,
1979, p. 74).

A pluralidade estilística era um meio de alcançar um tipo de filosofia não


sistemática e não dispersiva, mas arriscava a carga da decadência. Suas referências
persistentes ao "grande estilo" ocorrem no contexto do ecleticismo do final do
século XIX, que julgou ser uma indicação de declínio físico. O estilo serviu para
Nietzsche para não ser bom por si só, mas "comunicar um estado, uma tensão
interna do pathos através dos sinais" (NIETZSCHE, 1979, p. 74).

Mais uma vez, o fisiológico não está longe pois, mesmo por escrito,
Nietzsche viu o estilo conectado ao ritmo, ao tempo, ao gesto e, de fato, à noção
de comportamento corporal. O artista, cujo corpo manifesta a vontade de poder,
é contrastado por Nietzsche com a histeria, que viu como falta de vontade, além
da cuja incapacidade de se comunicar, que observou como uma indicação de
degeneração.

O expressionismo herdou a obsessão de Nietzsche com o estilo e seu


julgamento de que o século XIX foi uma era de decadência cultural (GORDON,
1987, p. 10). Pode haver a reflexão em documentos, como no “Almanaque
do Cavaleiro Azul”, de 1912, editado por Franz Marc (1880-1916) e Wassily
Kandinsky (1866-1944). A multidão de ilustrações, desenhada não apenas pela
tradição ocidental, mas também pelas culturas não europeias, arte popular e arte
das crianças, contradiz a ideia de um único estilo válido para todos os tempos.

A presença, no entanto, é para confirmar que todos fazem parte de um


impulso. No artigo “Duas Imagens”, Marc afirma categoricamente que o estilo
artístico, que era a possessão inalienável de uma era anterior, experimentou um
colapso catastrófico em meados do século XIX. Não houve estilo desde então.
Está perecendo em todo o mundo como se fosse apreendido por uma epidemia.
(KANDINSKY; MARC, 1974).

O próprio Kandinsky perseguiu questões semelhantes em suas próprias


contribuições ao almanaque, especialmente no ensaio “Sobre a Questão da
Forma”. Ao enfatizar a "necessidade interior" expressada em obras de arte, ele

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TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

concluiu que em princípio, não há questão de forma ou, pelo menos, não é uma
questão de disparidade entre um significado interno e uma aparência externa
(KANDINSKY; MARC, 1974).

A busca é, como vimos nos termos de Nietzsche, de ordem genealógica,


que remonta à vontade de poder. Kandinsky também estabelece uma distinção
entre o estilo e a forma, que se aproxima do obscuro comentário de Nietzsche em
“O Desejo de Poder”. "Uma pessoa só é um artista quando considera, ao contrário
dos não artistas, a forma como conteúdo, como a matéria em si" (NIETZSCHE,
1968, p. 433).

Tendo tornado a arte uma questão de volição, seu valor é derivado da sua
capacidade de conduzir de volta a uma força pela qual o artista é o canal. Um
dos poucos artistas visuais que Nietzsche elogia diretamente em seus escritos é o
pintor Rafael.

Nietzsche não via Rafael como um cristão, ou como propagador do


cristianismo, pois acreditava que sua arte, sua capacidade de transformar o
mundo, não era portadora de uma mensagem moral, mas a indicação de um
poder excessivo que se deleita em si mesmo.

3 OS TRÊS PILARES DA ESTÉTICA DE HEIDEGGER


“A Fonte Romana, de Conrad Ferdinand Meyer”
Jorra para o alto o jacto, e, ao cair,
Enche a marmórea taça até a borda,
E esta, coifando-se de um véu, desborda.
Para a outra taça a seguir
Esta outra, já por demais rica.
Dá à terceira a onda refluente,
E cada qual recebe e dá conjuntamente
E transborda e fica.
Tradução de Paulo Quintela (MEYER, 2001).

A “Origem da Obra da Arte”, um texto que o filósofo, escritor e professor


alemão Martin Heidegger (1889-1976) preparou entre 1935 e 1936 é, de longe,
segundo Thomson (1968), a fonte mais importante para entender a tentativa de
articular uma alternativa à compreensão estética da arte, embora diversas outras
obras, como contemporâneas e posteriores, também fornecem pistas importantes
para sua visão.

Na versão final do famoso ensaio, Heidegger analisa três obras de arte


diferentes: a pintura de “Um Par de Sapatos”, de Vincent van Gogh (1853-1890);
um poema intitulado “A Fonte Romana”, de Conrad Ferdinand Meyer (1825-
1898) e um templo grego não especificado em Paestum (provavelmente o templo
de Hera).

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UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Os principais estudiosos de Heidegger, como Hubert Dreyfus e Julian


Young, dependem quase inteiramente da interpretação de Heidegger, do antigo
templo grego, para explicarem sua visão inovadora do potencial historicamente
revolucionário da arte, sua capacidade de se concentrarem e transformarem
nosso senso do que é e do que importa.

A análise de Heidegger de cada uma das três obras contribui com algo
importante para a tentativa geral de orientar os leitores para um encontro
fenomenológico com a arte, que é capaz de nos ajudar a transcender a estética
moderna a partir da essência. Simplificando, o templo motiva e ajuda a desenvolver
os detalhes do projeto maior de Heidegger.

O poema contextualiza e explica de maneira explícita e a pintura


exemplifica-a diretamente. A reconstrução imaginativa de Heidegger, do templo
perdido, ajuda a motivar a busca por um encontro não estético com a arte, mas
não porque ele busca algum retorno nostálgico ao mundo grego.

FIGURA 10 – TEMPLO DE HERA DE PAESTUM, ITÁLIA, 530 A.C.

FONTE: Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/173529391876344270/>.


Acesso em: 1 fev. 2018.

Heidegger descarta tal avivamento como uma impossibilidade, pois o


templo antigo, assim como a catedral medieval, não reúne seu mundo histórico em
torno dele e, portanto, não funciona como uma arte maravilhosa, e tal "retirada do
mundo e desintegração do mundo nunca podem ser revertidas” (HEIDEGGER,
1971, p. 32).

O templo grego mostra que a arte já se encontrou de uma maneira diferente


da experiência estética intensa de um sujeito e, assim, sugere que, enquanto esses
mundos antigos e medievais se perderam, outras obras de arte ainda podem ser
encontradas não esteticamente no nosso mundo moderno tardio.

188
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

Heidegger, portanto, elabora sua visão filosófica de como o templo


trabalhou por um tempo para unificar um mundo histórico coerente e significativo
em torno de si, a fim de sugerir que um encontro não estético com a arte ainda
pode fazer o mesmo uma vez mais.

Uma obra de arte ainda pode ajudar a reunir um novo mundo histórico
em torno de si mesma, focalizando e iluminando uma compreensão de ser que
não reduz as entidades para objetos modernos a serem controlados ou a recursos
a serem otimizados em uma modernidade tardia.

Embora o projeto de Heidegger seja inspirado no passado, essa inspiração


tem, como objetivo, ajudar-nos a avançar para o futuro. Sua esperança, como
vimos, é a de que um encontro não estético, com uma obra de arte contemporânea,
ajudará a aprendermos a compreender o ser das entidades não como objetos
modernos ("subjetivismo") ou como recursos modernos tardios, mas como uma
forma genuinamente pós-moderna, propondo assim um outro começo histórico.

Então, qual a obra de arte que Heidegger pensa que pode nos ajudar a
transcender a estética moderna e assim nos ajudar a descobrir um caminho que
nos leve para além da modernidade? Existem apenas duas obras viáveis para
preencher tal papel crucial na “Origem da Obra de Arte”: o poema de Meyer e a
pintura de Van Gogh.

Então, por que Heidegger dá um lugar tão importante ao poema de


Meyer? A resposta ao quebra-cabeça é que o poema apresenta o contexto filosófico
mais amplo do projeto de Heidegger, transmitindo sua compreensão emergente
da historicidade, a doutrina segundo a qual o nosso sentido fundamental da
realidade muda ao longo do tempo.

A "verdade" ontológica que o poema de Meyer encarna e se ajusta para o


trabalho, na aceitação criativa de Heidegger do poema, é que a própria verdade
é essencialmente histórica e, além disso, essa história essencial da verdade forma
três "épocas" sucessivas da mesma forma que o "jato" de água preenche as três
"bacias" consecutivas na fonte de Meyer. Para Heidegger, as relações que o
poema de Meyer descreve entre o "jato" original da fonte e suas três bacias de
água sucessivas iluminam as relações entre o "ser", ou seja, a fonte ontológica
inesgotável da inteligibilidade histórica e as três principais "épocas" históricas
da compreensão ocidental da humanidade, a saber, a "Grécia Antiga", "a Idade
Média" e "a Idade Moderna", (HEIDEGGER, 1971).

Assim, por exemplo, como o "jato" original de água "cai" nas bacias
sucessivas da fonte, então as riquezas ontológicas "transbordantes", escondidas
no mundo antigo, foram primeiro diminuídas no mundo medieval.

"A Origem da Obra da Arte" faz o argumento contencioso de que


a diminuição ontológica "começa" quando os conceitos fundamentais para

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UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

o entendimento da Grécia antiga foram traduzidos para o latim, sem um


conhecimento mais profundo acerca do que os conceitos revelaram originalmente.
Daí o apelo óbvio de Heidegger acerca da frase sugestiva de Meyer: "ao se lavar,
esta [primeira bacia] transborda/no chão de uma segunda bacia" (HEIDEGGER,
1971, p. 43).

O que restava das "riquezas" ontológicas no mundo medieval foi então


transposto e reduzido ainda mais na época moderna que, como a terceira bacia da
fonte, fica mais afastada de sua fonte original. Parece claro, portanto, que Heidegger
incluiu o poema de Meyer, porque acreditava que iluminava sugestivamente a
forma como a história se desdobrava em uma história de declínio, uma "queda"
que resulta do crescente esquecimento da história da fonte, de onde ela finalmente
brota (a "origem" do título do ensaio de Heidegger), em uma palavra: "ser", o
famoso nome de Heidegger para a fonte da qual toda inteligibilidade histórica se
origina, por meio de sua compreensão da essência "poética" da arte.

Em outras palavras, Heidegger usa o poema de Meyer para aludir ao


contexto filosófico mais amplo, que ajuda a explicar e motivar o início histórico
que ele espera que a arte nos ajude a inaugurar. O uso de Heidegger do poema
particular sugere que para realizar o "outro começo", a humanidade ocidental
precisa aprender a voltar para a fonte original, ontológica (o "jato" transbordante
do ser), e que essa reconexão com a origem da inteligibilidade histórica é algo que
a arte ainda pode nos ensinar.

Enquanto o templo como o poema permanece importante, apenas a


pintura de Van Gogh exemplifica diretamente o que Heidegger acha que significa
deparar com a arte, de uma maneira que nos permita transcender a estética
moderna a partir de sua essência. Significa que a interpretação de Heidegger
da pintura de Van Gogh, longe de ser irrelevante é, na verdade, a parte mais
importante de seu texto.

É apenas a partir da interpretação fenomenológica de Heidegger, da obra


de arte de Van Gogh, que os modernos tardios podem aprender a transcender a
estética moderna de dentro para fora e compreender com a arte o que significa se
encontrar de forma pós-moderna.

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TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

FIGURA 11 – O PAR DE SAPATOS DE VINCENT VAN GOGH, 1886

FONTE: Disponível em: <https://bridgetwhelan.com/2018/02/16/the-


stories-old-boots-can-tell-and-a-decent-pair-of-jimmy-choos-art-for-
writers/>. Acesso em: 1 fev. 2018.

A introdução de Heidegger de "uma pintura bem conhecida de Van Gogh,


que pintou vários sapatos várias vezes" (HEIDEGGER, 1971, p. 45) é notoriamente
abrupta e desconcertante para muitos. Olhando para trás, em “A Origem da Obra
da Arte”, dois anos depois, em 1938, Heidegger escrevera que:

A questão da origem da obra de arte não visa a estabelecer uma


determinação atemporal da essência da arte, que também poderia
servir como fio orientador para um esclarecimento historicamente
retrospectivo da história da arte. A questão está intimamente
relacionada com a tarefa de superar a estética, o que também significa
superar uma certa concepção de entidades como o que é objetivamente
representável” (HEIDEGGER, 1971, p. 354).

A estética tenta descrever as obras de arte como objetos que expressam e


intensificam as experiências de vida dos seres humanos, sendo que a abordagem
começou em um período tardio. A estética moderna pressupõe a perspectiva de
um sujeito que enfrenta um objeto externo e, portanto, perde a maneira como
a arte trabalha discretamente no fundo da existência humana, para moldar e
transformar nosso senso do que é e do que importa.

Heidegger expande a crítica para incluir a "representação", pois as


representações são o que a filosofia moderna geralmente usa para tentar unir a
divisão que René Descartes (1596-1650) abriu entre sujeitos e objetos. Não nega
que elas, às vezes, intermedeiam nossa experiência do mundo. O que ele nega
é que as representações possam realmente alcançar todas as profundezas da
existência.

191
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Elas pressuporiam um nível de existência que não poderia ser


completamente explicado. É em determinado nível primordial de existência
engajada e de representação estética que Heidegger situa a pintura de Van Gogh.
Segundo Heidegger, a pintura de Van Gogh nos permite encontrar a própria
essência da arte.

Como expõe Heidegger, o seu ensaio não procura estabelecer uma


"determinação intemporalmente válida" da essência da arte, que se aplicaria
retrospectivamente para toda a história da arte, mas é apenas porque ele não
acredita que as essências fossem "determinações atemporalmente válidas", da
maneira como foram entendidas por Platão a Saul Kripke.

De fato, “A Origem da Obra da Arte” tenta descobrir e comunicar a


"essência" histórica da arte, permitindo que a arte se revele de maneiras diferentes,
na medida em que se desenvolve no entendimento humano ao longo do tempo.

O que é confuso para muitos leitores é que a essência histórica da arte


não é uma substância subjacente às diferentes formas de arte ou mesmo uma
propriedade fixa que nos permita distinguir a arte da não-arte mas, em vez disso,
uma mudança insubstancial em fluxo, um conflito essencial que é incorporado na
estrutura de toda inteligibilidade, a estrutura pela qual as entidades se tornam
inteligíveis como entidades.

Ao invés de forçar Heidegger a desenvolver toda uma história de arte, as


demandas normativas de seu projeto crítico exigem apenas que ele se concentre
em dois momentos históricos cruciais na mudança da humanidade ocidental na
compreensão histórica da arte. Uma espécie de antes e depois, por assim dizer,
que contrasta a plenitude do que foi possível, no passado, com a estreiteza do que
é a arte na atualidade.

Heidegger está, portanto, preocupado principalmente em mostrar,


primeiro, como os antigos gregos encontraram arte de forma não estética (e
assim consagraram-no em seus templos) e, segundo, como a arte é tipicamente
compreendida e experimentada por nós, modernos tardios, que permanecemos
presos no auge da estética moderna e, portanto, sob a influência do "subjetivismo
moderno" (HEIDEGGER, 1971).

Enquanto que a ambição ilimitada do subjetivismo se estabelece como


um "domínio sobre a totalidade do que é" (HEIDEGGER, 1971, p. 132) e trabalha
para objetivar até mesmo o celebrado sujeito da modernidade, ela transforma
cada vez mais o subjetivismo moderno em uma característica central do período
moderno tardio.

Na “A Origem da Obra da Arte”, Heidegger sugere que o subjetivismo


moderno pode ser compreendido como sintoma da contínua incapacidade da
humanidade ocidental de aceitar a sua finitude existencial. A ambição ilimitada
de nossa busca subjetivista, para dominar toda realidade, resulta de nossa recusa

192
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

em possuir, estabelecer a paz e encontrar maneiras não niilistas de afirmar a


trágica verdade que Heidegger conhece dos antigos.

Muito do que não pode ser trazido sob o domínio da humanidade,


apenas um pouco se torna conhecido. O que se sabe permanece
aproximado; o que é dominado permanece instável. O que realmente
é nunca é algo [inteiramente] feito pelo homem ou mesmo apenas uma
representação, pois tudo pode aparecer facilmente” (HEIDEGGER,
1971, p. 53).

Heidegger retirou o trecho da segunda ode coral do Antígona de Sófocles,


que ele discutiu extensamente na Introdução à Metafísica, de 1935. Para os anciãos
de Tebas de Sófocles, a única coisa que a humanidade não poderia dominar era
a morte. Para Heidegger, pensar em morte nos abre até a visão terrivelmente
"incrível" de que o conhecido repousa sobre o desconhecido, dominado no
desmascarado, como um pequeno navio flutuando em um "mar" profundo e
tempestuoso (HEIDEGGER, 2000).

Gostamos de acreditar que a humanidade está bem no caminho para


dominar o universo, mas a arte nos ensina que estamos longe de ter esgotado as
possibilidades inerentes à inteligibilidade.

E
IMPORTANT

Antígona é uma tragédia grega de Sófocles, composta por volta de 442 a.C.


É cronologicamente a terceira peça de uma sequência de três, tratando do ciclo tebano,
embora tenha sido a primeira a ser escrita. A personagem do título é Antígona, filha de Édipo,
e irmã de Etéocles e Polinice.

No entanto, ao invés de nos levar ao desespero sobre a nossa finitude


humana essencial, em relação ao fato de que nunca vamos dominar a totalidade
da existência, a arte nos ajuda a aprender a adotar a finitude lembrando-nos do
outro lado, ou seja, o fato de que a inteligibilidade nunca esgotará sua fonte.

É possível continuar a se tornar recém-inteligível apenas se não puder se


tornar totalmente inteligível. A arte assim nos ensina a abraçar a percepção de
que os significados nunca serão esgotados tão precisamente, o que nos permite
continuar a descobrir novos significados.

Assim, a arte nos ajuda a ver que a finitude humana não é algo pelo qual
devemos desesperar ou procurar negar as fantasias subjetivistas compensatórias.
Claro, a afirmação de que devemos desistir, pensando que nunca saberemos de
tudo, não implica que devemos desistir de conhecer coisas novas.

193
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Se o heroico é o que nos ajuda a afirmar e assim transformar o trágico,


como o famoso discurso de Sarpedon na Ilíada de Homero sugere, o pensamento
de Heidegger sobre a arte é heroico: a arte nos ensina a abraçar a visão inicialmente
trágica de que a existência jamais será totalmente revelada completamente a
tempo, pois a única coisa que nos faz compreender a natureza das coisas está nas
maneiras novas e potencialmente mais significativas.

Em suma, a intenção da justaposição de Heidegger da modernidade com


a antiguidade clássica não é a de exigir o renascimento impossível do passado
grego perdido, mas sim a de ajudar a motivar um novo entendimento pós-estético
sobre o que a arte ainda poderia significar para nós, agora e no futuro.

Se, ao invés de tentarmos obter uma espécie de domínio cognitivo sobre


a arte através da estética, ou usar a estética para estender o nosso conhecimento
tardio-moderno de tudo o que é, como um recurso intrinsecamente sem sentido,
devemos simplesmente nos permitir experimentar o que está acontecendo dentro
de uma obra de arte de qualidade.

Heidegger acredita, assim, que poderemos encontrar os "conflitos


essenciais" onde uma verdadeira obra de arte paradoxalmente "descansa" e
encontra seu "repouso". Quando encontramos o "movimento" que repousa
paradoxalmente na "compostura" magistral de uma grande obra de arte,
descobrimos uma "instabilidade" subjacente para toda a ordem inteligível, para
uma tensão ontológica (entre revelação e dissimulação, emergência e retirada)
que nunca podem ser permanentemente estabilizadas e, portanto, permanecem
mesmo no que é "dominado".

Na verdade, o que realmente é dominado artisticamente, sugere Heidegger,


é o que de alguma forma captura, preserva e comunica determinada tensão na
estrutura da inteligibilidade, permitindo-nos encontrar e compreender a tensão
essencial de uma forma, que nos ajuda a aprender a transcender os limites de
nossos modos modernos, em compreender a natureza dos seres.

4 MERLEAU-PONTY E A HISTORICIDADE DA ARTE


Há uma noção de significado que é central no discurso histórico-artístico.
Ela sustenta que o significado de um artefato ou obra de arte é uma função da
relação que existe entre a obra e as circunstâncias históricas específicas de sua
produção, como vimos antes. A noção-relação externa do significado é adequada
se a tomamos para significar não mais do que um significado histórico da obra
como uma obra de arte.

Em tempos pós-modernos, no entanto, determinada noção tem sido cada


vez mais usada para representar o significado da arte como tal. Entretanto, há
realmente muito mais por trás do significado da arte.

194
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

Na realidade, qualquer momento ou fase da consciência possuem um papel


na interação entre circunstâncias históricas específicas e os recursos constantes da
condição humana. As questões são, muitas vezes, ligadas às relações entre uma
atividade significante e às competências físico-corporais básicas.

A estrutura filosófica geral que sustenta a abordagem provém, segundo


Crowther (2002), das ideias de Kant e da filosofia europeia pós-kantiana, exposta
pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961).

Merleau-Ponty é de particular importância para a compreensão da arte,


pois ele fornece uma fenomenologia rigorosa das origens experimentais da
obra de arte e sua expressão física no objeto feito. Menciona que "é a operação
expressiva iniciada na menor percepção do corpo que se amplifica na pintura e
na arte" (MERLEAU-PONTY, 1974, p. 83).

A significação é um processo de conclusão ao invés de uma simples


tradução do sujeito do estado em uma forma mais duradoura. A manipulação do
meio do artista é de importância decisiva, pois no ato de pintar, montar, escrever
ou o que quer que seja, o artista é capaz de reunir e focar suas opiniões perceptivas
ou de interpretação do mundo. O trabalho do artista exemplifica "o emblema de
uma certa relação com o ser" (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 54).

Merleau-Ponty enfatiza o significado duradouro da arte como uma força


produtiva que articula possíveis modos de percepção e de atuação no mundo.
Como um objeto, de fato, a obra de arte tem sua própria historicidade distintiva
através da sua relação com a tradição.

Esta é a historicidade que vive no pintor durante o seu trabalho,


quando com um único gesto ele liga a tradição que ele recaptura e a
tradição que ele encontra. É a historicidade que de um golpe o conecta
com tudo que já foi pintado antes no mundo, sem ter que deixar seu
lugar, seu tempo ou o seu abençoado ou maldito trabalho” (Merleau-
Ponty, 1964, p. 63).

Entretanto, porque será que a ideia se tornou tão importante na época? Há


vários fatores envolvidos. O primeiro é o declínio do formalismo, defendido por
Kant. No início do século XX, críticos argumentaram que a base de um significado
artístico distinto era a posse de qualidades harmoniosas formais (BELL, 1916;
FRY, 1968).

Na segunda metade do século, as preocupações formalistas do crítico


de arte Clement Greenberg expressaram-se de maneira mais sofisticada. Em
particular, Greenberg afirmou a importância da forma, ao declarar o que era mais
característico da pintura: o seu aspecto bidimensional ou plano.

195
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

E
IMPORTANT

O formalismo, na teoria da arte, é a crença de que os valores estéticos podem


subsistir por si mesmos e que o juízo da arte pode ser isolado de outras considerações
estéticas, culturais ou sociais. Em outras palavras, que o significado da arte pudesse existir em
sua forma, independentemente de seu contexto histórico ou cultural. A característica principal
do formalismo é a austeridade, que passa além dos valores geométricos, combinando a
forma e conteúdo.

Os primeiros ataques significativos ao formalismo se originaram, em


realidade, dentro da própria arte. Movimentos como o futurismo, o dadaísmo
e o surrealismo são extremamente difíceis de se assimilar em termos puramente
formais, pois possuem significados simbólicos atrelados ao universo do
subconsciente. As tendências nas décadas de 1950 e 1960, como o "Neo-Dada",
a Pop Art e, no outro extremo, a Arte Minimalista, são ainda mais resistentes às
abordagens formalistas.

Ao mesmo tempo, temos que considerar a influência dos efeitos


do utopismo político dos anos 1960. Figuras como Joseph Beuys buscaram
ativamente, através do trabalho, da ação e da propaganda, colocar um fim na
barreira entre a arte e a vida e, ao removerem a base elitista e especializada da
produção artística, desejaram democratizar a criação e o consumo da arte.

Outro fator envolvido no ataque sobre os valores formalistas tem sido


uma recente reafirmação do significado da arte de Marcel Duchamp (1887-1968).
Em particular, sua ênfase na primazia da ideia sobre a elaboração de um objeto
pelo artista provou ser extremamente importante para estimular o surgimento
da arte conceitual.

E
IMPORTANT

A arte conceitual é uma vanguarda artística moderna e contemporânea que


surgiu nos anos 60 e 70, na Europa e nos Estados Unidos e, como o próprio nome indica,
trata-se de uma expressão artística mais pautada nos conceitos, reflexões e ideias, em
detrimento da própria estética (aparência) da arte, do formalismo na arte. Em outras palavras,
a arte conceitual é uma “arte-ideia” em detrimento da “arte-visual”, sendo o principal material
da arte a "linguagem". Assim, os artistas conceituais se preocupam em criar reflexões visuais
para seus espectadores.

196
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

As negações do formalismo foram profundamente complementadas


por outros desenvolvimentos no mundo intelectual mais amplo. Na década de
1970, a teoria textual e cultural, conhecida como pós-estruturalismo, tornou-se
amplamente influente além de seus contextos contextuais.

As obras de Roland Barthes, Jacques Lacan, Jacques Derrida e Michel


Foucault também receberam uma dimensão extra de significado, através da sua
apropriação pelos críticos culturais feministas, tais como Julia Kristeva, Luce
Irigaray e, mais especificamente no campo das artes visuais, por escritores como
Laura Mulvey, Griselda Pollock, Norman Bryson e Victor Burgin.

Apesar das diferenças significativas entre eles, os teóricos têm um


denominador comum decisivo. É a visão derivada de Ferdinand de Saussure, de
que o significado é uma função das diferenças entre sinais em um campo mais
amplo, que é composto pelos próprios sinais, regras para aplicá-los, mudança do
contexto e contexto da aplicação. As implicações de tal posição para a noção de
significado são bastante radicais.

E
IMPORTANT

O pós-estruturalismo indica uma tendência à radicalização e à superação da


perspectiva estruturalista nas mais diferentes áreas do conhecimento, incluindo nas artes,
e sua emergência está relacionada, sobretudo, aos eventos contestatórios que marcaram
a primeira metade do ano de 1968, em especial na França. No campo filosófico, podemos
citar como representantes: Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Jean-François
Lyotard.

O pós-estruturalismo é definido por sua relação com seu predecessor, o estruturalismo,


um movimento intelectual desenvolvido na Europa no início até metade do século XX, que
defendia que a cultura humana pode ser entendida através da estrutura (modelada pela
língua) que diferencia a realidade concreta da abstração de ideias, como uma "terceira ordem"
que medeia entre as duas.

O prefixo “pós” não é, todavia, interpretado como sinal de oposição ao estruturalismo. De


fato, os pensadores levaram às últimas consequências os conceitos e desenvolvimentos do
estruturalismo, até dissolvê-los no desconstrutivismo, construtivismo ou no relativismo e
no pós-modernismo.

Tal posição torna o significado da arte algo muito mais instável do que o
pressuposto. As diferentes categorias e conceitos em que entendemos o mundo
são vistos como intercalados e sobrepostos, e não definidos e distintos uns dos
outros. Na medida em que a autoconsciência é inseparável do uso de sinais
linguísticos, o “eu” passa a ser bastante instável e excêntrico.

197
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

A conjunção de determinado princípio fundamental pós-estruturalista


e os desenvolvimentos antiformalistas no mundo da arte constituem um ataque
maciço sobre o que é comumente chamado de "essencialismo".

No contexto da arte não são incluídas apenas abordagens formalistas,


mas qualquer tentativa de definir a arte como uma forma única de significado.
A posição antiessencialista, em contraste, sustenta que a arte deve ser vista
como uma rede em constante mudança de práticas visuais representativas ou
discursivas.

Para privilegiar, digamos, a forma, a expressão ou o artifício como


características definitivas que distinguem a arte do mero significado visual como
tal, devemos realizar um ato de "fechamento", para elevar uma característica
transitória que consolida os interesses da classe dominante, racial ou de gênero
em uma verdade "essencial" atemporal.

Esse antiessencialismo não se tornou apenas um tipo de ortodoxia entre


os historiadores e críticos da arte contemporânea, mas também reforçou um tipo
específico de clima teórico no próprio mundo da arte e favorece formas flexíveis
de conceitualismo e de arte performática.

Tais tendências, de fato, muitas vezes levam a questionar as características


essencialistas da prática artística, criando um espaço social e cultural para as
vozes das mulheres e minorias marginalizadas. Mesmo os idiomas artísticos
tradicionais, como a pintura abstrata e figurativa, encontram-se recontextualizados
pelo antiessencialismo.

O imediatismo de seu impacto sensível é rebaixado em favor do suposto


significado social mais amplo desse impacto. As questões de habilidade, técnica
e qualidade dificilmente desempenham um papel efetivo, a não ser para serem
estigmatizadas como consolidadoras dos interesses do patriarcado eurocêntrico,
heterossexual da classe média masculina e branca.

A ênfase antiessencialista transforma a energia produtiva do mundo


da arte em esfera curatorial. “Curadoria" não designa apenas as atividades dos
curadores, embora sejam de grande importância.

A noção também deve ser tomada para abranger todos os aspectos do


gerenciamento de artes, de críticas e da história, porém toda arte é passível de
interpretação por curadores, críticos e historiadores. As mediações curatoriais
são, de fato, um elemento vital em qualquer cultura artística viva. No entanto,
é importante enfatizar que os atos de intervenção curatorial não são uma
condição suficiente e nem necessária do significado básico da arte como arte ou
representação.

198
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

Com a maioria dos trabalhos conceituais e de desempenho, em contraste,


as questões são bastante diferentes, pois apenas com uma interpretação curatorial
adequada é possível reconhecer a reivindicação de um status artístico e o
significado específico da obra.

Considere, por exemplo, Deus, uma obra de Damien Hirst, de 1989. É


composta por um gabinete contendo garrafas e pacotes de medicamentos.
Aparentemente, o trabalho é um comentário sobre a natureza da mortalidade.

FIGURA 12 – OBRA DEUS, DE DAMIEN HIRST, 1989

FONTE: Disponível em: <http://www.damienhirst.com/god-1>. Acesso


em: 1 fev. 2018.

No entanto, a configuração da referência específica curatorial não pode


ser alcançada com base nos recursos visuais internos do próprio trabalho. O
artista simplesmente se apropria ou justapõe objetos prontos, conhecidos como
readymades.

A natureza da afirmação "artística" particular é inteligível apenas através


de intervenção curatorial, ou seja, através de uma rede de intenções, teorias e
condições culturais que não estão fisicamente inscritas no trabalho através de um
processo de elaboração, mas que são essenciais para a interpretação da obra.

Obras assim criam não somente um problema de comunicação, mas


também um problema de recepção e de divulgação. Para ser notado, o artista tem
que fazer algo surpreendente e encontrar alguma ratificação curatorial adequada

199
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

para o seu gesto, o que envolve um relacionamento maior com a mídia e não tanto
com os outros artistas. Um sinal é o crescente status de celebridade concedido aos
curadores, galeristas e colecionadores.

Tais dinâmicas podem ser bem-vindas na medida em que sejam


apoiadas pelas "verdades" do antiessencialismo. No entanto, o que surge de
tais desenvolvimentos é apenas uma arte que exemplifica produção e valores
curatoriais. Basta dizer que a estrutura diferencial de significância descrita
anteriormente é uma abstração do nível de interação direta incorporada com o
mundo.

A instabilidade do significado, a sobreposição de categorias e a


"excentricidade" do eu são apenas como o mundo aparece, quando um aspecto da
estrutura lógica de significância é uma descrição suficiente de nosso envolvimento
perceptual e psicológico real com o mundo. Mas não é bem assim. As relações
diferenciais perceptivas e semânticas do campo cognitivo são estabilizadas por
referência ao corpo (CROWTHER, 1993).

Dadas as considerações, estamos agora em posição de perguntar se uma


arte pós-curatorial é possível. Significa, na verdade, decidir se a produção artística
poderá, novamente, tornar-se mais centrada no artista, do que no curador. A
resposta é sim, mas sua substância é complexa. É improvável que haja um retorno
simples à arte clássica, baseada sobretudo na pintura e na escultura feitas à mão.

Ao mesmo tempo, não é cabível um retorno ao formalismo como base


na crítica, uma vez que o formalismo é uma doutrina tão distorcida como o
antiessencialismo que o substituiu. Necessitamos repensar a natureza da arte do
século XXI, de modo a poder vislumbrar um caminho possível para o futuro.

A objeção sustenta que toda arte modernista que abandona ou se desvia


da representação pictórica deve necessariamente envolver a mediação curatorial
para ser inteligível. O artista deve fornecer um manifesto ou o crítico/curador
deve explicar acerca da natureza do trabalho. A objeção é, no entanto, infundada.

A multiplicidade de manifestos e textos, que explicam a respeito da


natureza de trabalhos de arte não figurativos, não é absolutamente necessária
para que as obras sejam inteligíveis, pois há um código além da posse de uma
forma significativa "intuitivamente" reconhecida, que toda a arte, incluindo obras
não figurativas, exemplifica (CROWTHER, 1997).

O código é centrado em um princípio da reciprocidade. Consiste em


relações mutuamente dependentes, como as de figura/chão, presença/ausência,
real/possível, real/ideal e contenção/excesso. Se um trabalho segue os formatos
atuais de pintura ou escultura, significa que assumimos que o trabalho seja a
respeito de "algo".

200
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

Na representação pictórica, o elemento mais básico do trabalho é a sua


temática reconhecida e específica, mas tal representação também exemplifica as
relações recíprocas do tipo que acabamos de mencionar.

Em obras que se afastam das convenções comuns da representação


pictórica, de fato, as relações recíprocas são colocadas em evidência. O seu
significado artístico não consiste em uma articulação do trabalho ou de estruturas
recíprocas, mas no estilo distintivo com que uma determinada estrutura é
produzida pelo trabalho individual.

Considere, por exemplo, o formato estrutural básico adotado por Barnett


Newman (1905-1970), após 1948. Consiste em um campo de cores dividido por
verticais de diferentes largura, densidade e textura.

FIGURA 13 – QUEM TEM MEDO DO VERMELHO, AMARELO E AZUL? OBRA DE


BARNETT NEWMAN, 1948

FONTE: Disponível em: <https://alchetron.com/Barnett-Newman>. Acesso em: 1


fev. 2018.

O efeito óptico de tais dispositivos formais não é simplesmente uma


declaração estética daquilo que é essencial para a pintura como uma base plana.
É uma exploração aguda de uma relação que é a base de toda percepção de figura
e fundo.

Newman explora as ambiguidades da relação, principalmente a


interdependência dos dois termos. Podemos, por exemplo, às vezes, conceber
as verticais como superpostas no campo (como figura) e, em outros momentos,
como espaço através da luz por trás do campo (o fundo).

É importante enfatizar que tais relações recíprocas não são atemporais.


Elas são inerentes à estrutura da percepção e autoconsciência, mas o modo e o
significado de sua articulação são historicamente específicos. São, na verdade,
princípios funcionais. Newman, por exemplo, usa a figura e o fundo de uma
maneira estilística tão distinta que também sugere uma relação entre presença
e ausência, e relaciona-se com um estoque cultural comum de associações com
mortalidade.

201
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Kasemir Malevich (1879-1935), em contraste, muitas vezes usa a relação


entre figura e fundo para dar a ilusão de formas em movimento através do
espaço. Nesses e em outros casos, os artistas usam algumas relações ou relações
recíprocas identificáveis para poderem gerar significados específicos. Tais
significados serão reconhecidos dentro dos recursos internos do próprio trabalho,
mas também podem atuar como portadores de outras noções históricas e teóricas
mais específicas, que são apenas reconhecíveis por referência a fontes externas,
como textos ou contextos originais de geração e recepção.

FIGURA 14 – SUPREMIUS 50. TELA DE KASEMIR MALEVICH,


1915

FONTE: Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/


artes-visuais/kazimir-malevich-recebe-maior-retrospectiva-de-
sua-obra-em-quase-30-anos-13281766>. Acesso em: 1 fev. 2018.

Vamos agora analisar as ideias de Merleau-Ponty acerca da historicidade


distintiva da arte visual. Primeiro, como uma prática iterável, toda representação
visual se refere ou exemplifica aspectos do mundo que são externos a ela.

Na representação pictórica, tal referência é conseguida através da


codificação de um fenômeno natural, a saber, semelhança visual entre uma
coisa e outra. Assim, a perspectiva atua como uma sintaxe básica em que tais
semelhanças podem ser conectadas dentro do trabalho pictórico individual.

Agora, na tradição da representação visual ocidental, determinada


estrutura sintática sofreu uma série de mudanças de paradigma (padrão a ser
seguido). Na antiguidade clássica grega e romana, o agrupamento das formas
envolve uma espécie de perspectiva agregada com uma intensa diminuição das
imagens rumo ao horizonte, mas sem que as formas diminuam na proporção exata
uma da outra. Na representação medieval, ocorria um outro paradigma sintático,
a conformidade com a estrutura plana da representação era mais enfatizada.

202
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

No Renascimento, ocorre uma nova mudança de paradigma, para


a realização de uma perspectiva matematicamente exata em que os objetos
diminuem em relação a um ponto de fuga na proporção exata uns dos outros. O
significado das outras mudanças de paradigma é que cada uma delas abre novas
possibilidades para os artistas.

Oferecem estruturas de regras sintáticas iteráveis em que a representação


pode servir novos propósitos iconográficos e, assim, transformar os contextos
institucionais dentro dos quais os artistas operam. Os artistas que contribuem
diretamente para tais transformações podem ser descritos como instigadores da
diferença histórica paradigmática.

É claro que nem todas as mudanças históricas são tão importantes.


Precisamos, portanto, apresentar algumas subdivisões. Podemos considerar as
consequências da conquista da perspectiva matemática.

Artistas como Rafael Sanzio, Leonardo da Vinci, Michelangelo di


Lodovico Buonarroti Simoni, Peter Paul Rubens e Nicolas Poussin, por exemplo,
oferecem diferentes explorações de luz, cor e estrutura pictórica. Operam dentro
do paradigma da perspectiva matemática, mas abrem novas maneiras pelas quais
o paradigma pode ser exemplificado.

Em alguns casos, como os de Rafael e Poussin, podemos ver suas obras


como refinamentos extraordinários daqueles de seus predecessores, enquanto em
outros, como Michelangelo e Rubens, vemos obras que são surpreendentemente
inovadoras.

Em ambos os casos, poderemos ver artistas como instigadores da efetiva


diferença histórica. Consiste na abertura de possibilidades estilísticas, ou seja,
novas regras para manipular o meio que são aprendíveis apenas olhando as obras
de outros artistas. Uma vez aprendidas, as regras podem então ser aplicadas em
muitos contextos geográficos e iconográficos diferentes.

Novamente, nem todas as mudanças históricas são dessa ordem. Há muitos


artistas que figuram na arte renascentista e pós-renascentista, cujo contributo é
pouco mais do que a conquista de um estilo individual. Podemos ver tais obras
como instâncias, as quais chamaremos de diferença histórica normal.

O termo "normal" é justificado na medida em que artistas desse tipo, como


Taddeo Gaddi, Paul Signac e Nicolas Lancret, trabalham dentro dos parâmetros
definidos pelo paradigma e os vetores estilísticos da diferença histórica efetiva
que acabamos de descrever. Eles são membros de escolas e movimentos em arte,
ao invés de instigadores de tais escolas e movimentos.

Finalmente, é preciso mencionar os exemplares de diferença histórica


neutra. Constituem a grande maioria dos artistas. Produzem um trabalho que
é diferente do de outros, mas muitas vezes tal diferença terá pouco efeito. Na

203
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

melhor das hipóteses, podem existir alguns traços estilísticos ou idiossincrasias,


que permitem ao historiador da arte identificar o trabalho do artista.

Devemos enfatizar que é apenas um esboço de mudanças históricas. No


entanto, temos o suficiente para compreendermos como o modelo pode se aplicar
em relação à arte do século XX. O cubismo de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges
Braque (1882-1963) é o movimento para trazer a diferença histórica paradigmática.
No cubismo, encontramos uma transformação da estrutura semântica e sintática
representacional.

Toda representação pictórica envolve relações recíprocas do tipo observado


anteriormente, mas no cubismo e depois, tornam-se a base da representação e
não de algo indiretamente contido na estrutura representacional.

Todas as principais tendências e movimentos do século XX exemplificam


relações recíprocas de maneiras diferentes. As figuras principais e menores em
tais tendências e movimentos incorporam a conquista de diferenças históricas
efetivas, normais e neutras.

FIGURA 15 – A MULHER QUE CHORA, DE PABLO PICASSO, 1937

FONTE: Disponível em: <http://dymvue.blogspot.com/2011/06/


tense-nervous-headache-relax-yourre.html>. Acesso em: 1 fev. 2018.

Na obra cubista de Picasso, observamos a total quebra do paradigma


classicista através do uso de um retrato não realista, que salienta as linhas e
formas geométricas, cores diferentes e ausência do uso da perspectiva.

Agora, pode parecer que, a teoria, favoreceria a noção de arte curatorial,


pois não poderíamos argumentar que os readymades, de Duchamp, provocam
uma diferença histórica paradigmática, cujas implicações completas só foram
desenvolvidas após a década de 1960? A resposta é não.

204
TÓPICO 2 | ESTÉTICA E O PENSAMENTO PÓS-MODERNO: NIETZSCHE, HEIDEGGER E MERLEAU-PONTY

A implicação real dos readymades de Duchamp é como antiarte, um gesto


crítico irônico contra o prestígio dado à arte. Podemos repetir o gesto de maneiras
diferentes e em momentos diferentes, mas o ponto que ele está fazendo já foi
feito. A repetição infinita acrescenta pouco ou nada a ele.

O problema é que se permitimos que os readymades sejam considerados


arte, então segue, em princípio, que qualquer coisa pode ser arte. Não pode haver
mais experimentação artística real porque o resultado do experimento é conhecido
antecipadamente. "Sim, é arte; qualquer coisa pode ser arte”. Se o “artista” quer
dizer ainda mais, então temos que procurar uma intervenção curatorial para
explicar o que está acontecendo.

Faz com que muitos intelectuais da arte se posicionem contra as obras


curatoriais, chamando-as de pseudoarte, porque não permitiriam uma mudança
contínua nos níveis da diferença histórica paradigmática e efetiva. Eles não podem
existir como uma verdadeira tradição contínua de criatividade, mas apenas como
repetições do gesto antiarte original de Duchamp. Lyotard afirmou que o que é
significativo sobre a criatividade artística real, nas eras moderna e pós-moderna,
é, entre outras coisas, a invenção de novas regras (LYOTARD, 1984).

205
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Nietzsche acreditava que a arte oferecia um momento de percepção da


existência, mas rejeitou qualquer ideia de que a visão pudesse oferecer uma
libertação da vida, ou uma intuição transcendental. Enfatizou a existência
criativa e viu o artista como o antídoto para o ideal ascético da religião e da
metafísica. Assim, o artista nietzscheano ficou sendo visto como uma força
natural que só responde a si mesmo, uma figura de poder físico e energia
espontânea. Apesar da imagem do artista como um super-homem, a atividade
criativa de Nietzsche remonta às teorias estéticas de Platão e Aristóteles.

• Nietzsche introduziu duas disposições necessárias para a possibilidade da


arte: os conceitos de dionisíaco e apolíneo. O aspecto dionisíaco (de Dioniso,
rei grego do vinho) representado na criação artística, remete às características
simbólicas ligadas à escuridão, à noite, ao desejo carnal e à embriaguez. O
aspecto apolíneo (do deus grego Apolo, rei da beleza) remete às características
ligadas à luz do dia, à clareza, à razão e ao equilíbrio.

• Para o filósofo, o dionisíaco precisava ser percebido pelo artista através do véu
do apolíneo, e a experiência da audiência deveria ser a mesma do poeta trágico,
um êxtase coletivo que se sente como um aumento no vigor corporal. “Todos
os trabalhos de arte aumentam a força, inflamam o desejo [...]. Até hoje, ainda
se ouve com os músculos, até se lê com os músculos” (NIETZSCHE, 1968, p.
427-428). O estado de intoxicação é experimentado como em um êxtase, e o
artista se torna "o ponto alto de comunicação e transmissão entre criaturas
vivas" (NIETZSCHE, 1968, p. 428). A tendência encontra interpretação literal
não apenas no expressionismo, mas em fenômenos artísticos do final do século
XX, como na arte performática.

• Na versão final do ensaio “A Origem da Obra da Arte”, Heidegger analisa


três obras de arte diferentes: a pintura de “Um Par de Sapatos”, de Vincent
van Gogh (1853-1890), um poema intitulado “A Fonte Romana”, de Conrad
Ferdinand Meyer (1825-1898) e um templo grego não especificado, em Paestum
(provavelmente o templo de Hera).

• A análise de Heidegger de cada uma das três obras contribui com algo
importante para sua tentativa geral de orientar os leitores para um encontro
fenomenológico com a arte, que é capaz de nos ajudar a transcender a estética

206
moderna a partir de sua essência. O templo ajudaria a desenvolver os detalhes
do projeto maior de Heidegger. O poema contextualiza e explica de maneira
explícita e a pintura exemplifica-a diretamente. Heidegger propõe assim que
um encontro não estético com uma obra de arte contemporânea nos ajuda a
compreender o ser das entidades não como objetos modernos ("subjetivismo")
ou como recursos modernos tardios, mas como uma forma genuinamente pós-
moderna, propondo assim um outro começo histórico.

• Heidegger situa a pintura dos sapatos de Van Gogh em um nível primordial


de existência engajada e de representação estética que nos permite, segundo o
filósofo, encontrar a própria essência da arte.

• Heidegger nos indica, primeiro, como os antigos gregos encontraram arte


de forma não estética, e assim consagraram-na em seus templos e, segundo,
como a arte é tipicamente compreendida e experimentada por nós, modernos
tardios, que permanecemos presos no auge da estética moderna e, portanto,
sob a influência de um subjetivismo moderno.

• Merleau-Ponty fornece uma fenomenologia rigorosa das origens experimentais


da obra de arte e sua expressão física no objeto feito. Segundo o filósofo, no ato
de pintar, montar, escrever ou o que quer que seja, o artista é capaz de reunir e
focar suas opiniões perceptivas ou de interpretação do mundo. O trabalho do
artista exemplifica o emblema de uma certa relação com o ser.

• Merleau-Ponty contribuiu acerca da historicidade distintiva da arte visual e


para a criação de novos parâmetros de representação pictórica, que não fossem
ditados apenas pela codificação de um fenômeno natural, ou seja, pelo realismo
e o uso da perspectiva. Abriu novas possibilidades para os artistas através do
uso de novas estruturas de regras sintáticas iteráveis para a representação, que
pode servir novos propósitos iconográficos.

• A posição antiessencialista, assumida por Merleau-Ponty, sustenta que a


arte deve ser vista como uma rede em constante mudança de práticas visuais
representativas ou discursivas. O antiessencialismo não se tornou apenas um
tipo de ortodoxia entre os historiadores e críticos da arte contemporânea, mas
também reforçou um tipo específico de clima teórico no próprio mundo da
arte, o que favorece formas flexíveis de conceitualismo e de arte performática.

As principais teorias estéticas de Nietzsche, Heidegger e Merleau-Ponty

207
Autor Período Conceito
Artista como uma figura de poder físico e energia
espontânea e como antídoto para o ideal ascético da
Nietzsche 1844-1900 religião e da metafísica. Aspecto dionisíaco e apolíneo
da arte. Arte significativa tanto para o criador quanto
para o observador.

Arte com conteúdo e como reflexão filosófica a respeito


da espiritualidade e da mudança histórica. A arte,
como aparência sensual da ideia, ocupa o seu lugar
Heidegger 1889-1976 ao lado da religião e da filosofia como uma forma de
autocompreensão através da qual os seres humanos
chegam ao conhecimento sobre eles e o mundo em
que habitam.

Propõe encontro não estético com uma obra de


Merleau- arte e uma historicidade distintiva da arte visual.
1908-1961
Ponty Antiessencialista e antiformalista. O trabalho do artista
exemplifica o emblema de uma certa relação com o ser.

208
AUTOATIVIDADE

1 Com suas palavras, como Nietzsche, Heidegger e Merleau-Ponty


influenciaram a arte pós-moderna através de suas principais teorias?

2 Em “A Origem da Obra da Arte”, Heidegger analisa três obras de arte


diferentes: a pintura de “Um Par de Sapatos”, de Vincent van Gogh (1853-
1890); um poema intitulado “A Fonte Romana”, de Conrad Ferdinand Meyer
(1825-1898), e um templo grego não especificado em Paestum. Analise as
sentenças a seguir:

I- A análise de Heidegger não oferece subsídios que transcendam a estética


moderna a partir de sua essência.
II- As teorias de Heidegger se ocupam somente do passado da arte grega.
III- O poema de Meyer, interpretado por Heidegger, foca nas três principais
"épocas" históricas da compreensão ocidental da humanidade: a "Grécia
Antiga", "a Idade Média" e "o Renascimento".
IV- Em sua análise da obra “Um Par de Sapatos”, de Vincent van Gogh, Heidegger
acredita que as representações sempre alcançam todas as profundezas da
existência.

Escolha a alternativa correta:

a) Todas as sentenças são corretas.


b) Todas as sentenças são falsas.
c) Apenas as questões I e IV são corretas.
d) Apenas a questão II é falsa.

209
210
UNIDADE 3
TÓPICO 3

ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E


DELEUZE

1 INTRODUÇÃO
A maneira mais fácil de descrever a estética contemporânea é dizer
que ela se preocupa com tudo o que é feito atualmente, no tempo presente, na
disciplina acadêmica assim denominada. É verdade no nível rudimentar, mas
abre várias outras questões: que tipo de entidade estamos tentando compreender
quando falamos de estética contemporânea? Qual é a natureza e o escopo
do “contemporâneo”? É sinônimo de “presente”? Onde e como a estética
contemporânea se manifesta? Onde estão os limites da disciplina? A estética é
sempre e somente uma disciplina acadêmica? A estética de hoje é diferente da
estética das últimas décadas e séculos, e de que maneira?

São questões importantes em um mundo que está se tornando cada vez


mais global, no sentido de que não há centros de campo acadêmicos, geográficos,
linguísticos ou ideológicos óbvios, mas atores concorrentes que possam ter ideias
muito diferentes sobre as respostas. Estudiosos e professores devem ser capazes
de comunicar claramente o que é sua concepção sobre a estética contemporânea
e o porquê.

É importante pois a nossa ideia sobre o que é contemporâneo revela o


que achamos relevante e o que vale a pena centrar na nossa própria sociedade
hoje. Ainda, o que consideramos importante por qualquer motivo tende a definir
o que é contemporâneo para nós. Ideias diferentes de contemporaneidade estão
relacionadas a ideias diferentes das características mais importantes do campo
atual.

Quando procuramos nossas próprias respostas, é útil prestar atenção em


três temas: o tempo, o espaço e o conteúdo da estética, ou seja, quando, onde
e quais aspectos da estética contemporânea são significativos. Além de nos
ajudarem a definir nossas próprias noções de estética contemporânea, os pontos
de vista podem ser usados ​​na análise da questão da contemporaneidade em
outros campos. Para melhor compreendermos a fluidez conceitual da estética
na contemporaneidade, e sua preocupação fenomenólogica no “aqui e agora” ,
vamos nos concentrar agora no trabalho de Gadamer e Deleuze.

211
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

2 GADAMER E A SUBSTÂNCIA DA SUBJETIVIDADE ESTÉTICA


O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002) não fornece uma
descrição da estética em nenhum sentido habitual. Sua abordagem à arte corre, em
muitos aspectos, contra expectativas filosóficas convencionais. Segundo Davey
(2016), as qualidades estéticas não são debatidas à maneira da tradição analítica
da filosofia moderna, nem elas se preocupam abertamente com os problemas do
prazer estético.

A abordagem de Gadamer para a experiência estética é diretamente na


tradição fenomenológica. Está principalmente preocupado com o lugar da arte
em nossa experiência do mundo. Ainda, sua abordagem à teoria estética é uma
das raras realizações intelectuais que são simultaneamente desconstrutivas e
construtivas. Ele desmantela os elementos da grande tradição da estética platônica,
kantiana e hegeliana e, no entanto, oferece uma reconstrução fenomenológica de
muitas das ideias centrais da tradição, para demonstrar sua relevância contínua
para a nossa experiência contemporânea de arte.

Gadamer está principalmente preocupado com a dimensão cognitiva de


tal experiência, com o que as obras de arte abordam e o que elas colocam em
questão.

E
IMPORTANT

Fenomenologia é o estudo da essência dos fenômenos e da maneira em que se


manifestam no tempo e no espaço. É uma matéria que consiste em estudar a essência das
coisas e como são percebidas no mundo.

Faz com que uma abordagem filosófica flexível seja capaz de se expandir
livremente sobre uma série de formas e estilos de arte, discutindo a singularidade
das obras e seu significado mais amplo. A abordagem é claramente hermenêutica
na medida em que se empenha em nos familiarizar novamente com os significados
e preocupações que estão subjacentes à nossa experiência com a arte. Abertamente
influenciada por Heidegger, a estética de Gadamer está longe de ser tradicional.
Suas principais reivindicações são as seguintes:

• A estética não é o estudo dos tipos específicos de prazeres subjetivos derivados


da arte. É um estudo sobre o que objetivamente informa para a nossa consciência
subjetiva da arte.
• A estética hermenêutica procura atravessar as distrações prazerosas da
consciência estética, a fim de divulgar as realidades culturais e linguísticas que
se manifestam dentro dela.

212
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

• Pressupõe o envolvimento fenomenológico com os assuntos da arte em vez do


desapego desinteressado.
• Considera a aparência estética não como uma distração do real, mas como o
veículo através do qual assuntos reais se revelam. A noção é contrária à ideia
de que as obras de arte são removidas da realidade.
• É de caráter dialógico. Reconhece que o praticante e o teórico compartilham em
trazer um assunto para debate e minimizar qualquer divisão de teoria/prática
nas artes. A interpretação é um meio para a realização de um trabalho.
• Não é uma teoria da arte em si mesma, mas um conjunto de notas práticas
contemplativas para melhorar o encontro com a arte. A finalidade da estética
hermenêutica não é a de chegar em um conceito de arte, mas aprofundar
nossa experiência de arte. Na estética hermenêutica, a teoria é implantada
para aprofundar a contemplação de obras de arte, em vez de categorizar sua
natureza.
• A estética de Gadamer é profundamente respeitosa da capacidade da arte de
perturbar e desafiar as expectativas habituais. Atribui um significado ético à
arte como capaz de revelar as limitações da expectativa cultural fixa e abrir o
espectador para o outro, ou seja, para a diversidade e para o que é diferente.

A estética de Gadamer promove uma atenção para o mistério de uma


obra e de suas possibilidades inesperadas de significado. Os argumentos de
Gadamer são variados, levando o leitor para uma atenção estética ao invés de
fazer declarações iconoclastas sobre o que é a estética.

Abraça leituras próximas dos poetas Rainer Maria Rilke e Paul Celan,
bem como amplas manobras estratégicas que defendem o status cognitivo dos
julgamentos estéticos e hermenêuticos. Hermenêutica (arte e disciplina de
interpretação), da qual Gadamer é um dos expoentes mais formidáveis do século
XX, está profundamente envolvida em disputas filosóficas sobre a legitimidade
de reivindicações de compreensão nas artes visuais e literárias. Não se opõe aos
modos de conhecimento "científicos", mas resiste aos seus privilégios culturais.

A estética de Gadamer se fundamenta em modos de aprendizado


acumulados, que orientam e fundamentam o julgamento sadio nas artes. A
conversa e as suas voltas imprevisíveis são, adequadamente, um fio central
dentro da estética hermenêutica.

Gadamer (1993) insiste que uma imagem que merece ser chamada de obra
de arte tem o poder de nos afetar imediatamente. A arte nos aborda. Segundo
Palmer (2001), a afirmação de que uma obra de arte "diz algo a alguém" alude à
surpresa, ao choque ou à consternação por ser diretamente afetada pelo conteúdo
de uma obra. A pessoa é forçada assim a refletir sobre seu significado, que se
torna mais compreensível tanto para si mesmo como para os outros.

Gadamer argumenta que "a experiência da arte é uma experiência de


significado e, como tal, essa experiência é algo que é provocada pela compreensão"

213
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

(PALMER, 2001, p. 70). Então, "a estética é absorvida pela hermenêutica"


(PALMER, 2001, p. 76). Tal afirmação distancia Gadamer de justificativas mais
convencionais da estética, demonstrando que a arte oferece um tipo especial de
prazer.

O ensaio “A Relevância da Beleza” sugere que "o simples espectador que


se entrega ao prazer estético ou cultural a uma distância segura, seja no teatro, na
sala de concertos ou no isolamento da leitura solitária, simplesmente não existe"
(GADAMER, 1986, p. 23).

Uma pessoa que se sujeita a ser apenas um espectador comete um


equívoco consigo mesma. "A autocompreensão estética é indulgente com o
escapismo, quando considera o encontro com a obra de arte como nada além
do encantamento, no sentido da libertação das pressões da realidade, através do
gozo de uma liberdade espúria" (GADAMER, 1986, p. 31).

As observações separam o pensamento de Gadamer de Wilhelm Dilthey


(1833-1911), em que as obras de arte são proclamadas no local da experiência
intensa, mas momentânea, desfrutadas por sua própria causa, independentemente
do seu conteúdo cognitivo. A personalização hedonista da resposta estética tem
duas consequências alienantes.

Por um lado, o julgamento de que a experiência estética é puramente


subjetiva separa o indivíduo das redes comunais de significado, capazes de
iluminar a experiência pessoal da perspectiva do que é socialmente compartilhado.
Por outro lado, as tentativas de tornar a experiência subjetiva academicamente
legítima, apresentando-a como um produto social, afastam ainda mais o indivíduo
de sua experiência, ao traduzir em termos de terceira pessoa, e a pessoa acaba não
reconhecendo o seguinte fato: as experiências individuais de beleza podem se
tornar formas de realização do preconceito de classe.

Em contraste com Dilthey, Gadamer defende que, como experiências de


vida significativas, nossas relações com obras de arte são profundas e contínuas.
Revisitamos e, assim, a compreensão é continuamente renegociada. Gadamer fala
da interminabilidade de tal experiência (PALMER, 2001). O processo seria sempre
aberto devido ao movimento cognitivo. A natureza cumulativa de tal experiência
é uma instância de Bildung (formação e aprendizagem através da experiência) e é,
como tal, um processo existencial.

A estética de Gadamer é estritamente anti-kantiana. Abandona o


desinteresse fenomenalista por causa do envolvimento fenomenológico. É
também anti-idealista. Recusa a ideia de que, na experiência estética, percebemos
"uma integração pura do significado". Sua estética é consequentemente anti-
representacionalista. Há na obra de arte algo que Gadamer descreve como sua
resistência a ser reduzida para um conceito (PALMER, 2001).

214
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

Para Gadamer, a definição de Hegel da beleza, como "aparência sensível da


ideia”, pressupõe que a experiência estética é capaz de alcançar o tipo específico
de aparência para sua ideia subjacente. No modelo, a experiência estética se
torna a expectativa de uma realização semântica. Uma vez que a ideia por trás da
aparência é compreendida, "todo o seu significado teria sido entendido de uma
vez por todas e assim trazido para nossa posse por assim dizer " (PALMER, 2001,
p. 71).

A obra de arte se torna um portador de significado, para ser abandonada


uma vez que a história principal foi compreendida. Entretanto, segundo Gadamer,
"nossa compreensão das obras de arte não ocorre de tal maneira. Todo mundo sabe
disso, desde os seus próprios encontros com arte, de concertos, visitas a museus e
de sua leitura” (PALMER, 2001, p. 71). Determinada negação da estética idealista
se baseia na afirmação de que uma obra de arte é essencialmente enigmática, ou
seja, que não pode ser totalmente explicada ou decifrada.

A oposição de Gadamer ao idealismo estético é apoiada pela afirmação de


que a arte "não pode ser traduzida satisfatoriamente em termos de conhecimento
conceitual" (GADAMER, 1986, p. 69). Um trabalho não se refere apenas ao
significado, que é independente de si mesmo. Seu significado não deve ser
entendido de tal forma que possa ser simplesmente transferido para outro idioma.

Na verdade, porque convida muitas interpretações, uma obra de arte


adquire uma ideia de significados possíveis que não podem ser evitados por
qualquer realização possível (GADAMER, 1986).

O trabalho tem, portanto, uma autonomia que não pode ser substituída
por qualquer outra coisa ou, por outras palavras, o trabalho é sempre superior
às leituras, seus significados são sempre mais do que suas interpretações. É
congruente com as teses de Gadamer de que o Ser excede o conhecimento e, da
mesma forma, que o Ser linguístico transcende a consciência linguística.

Gadamer concebe a arte como uma ferramenta de apresentação e não de


representação. No ensaio "Palavra e Imagem" (1992), ele afirma que tenta "minar
a ideia de que a imagem é uma mera cópia" (GADAMER, 1993, p. 374).

Como um trabalho não representa nada além de si próprio, os significados


que ele carrega só podem aparecer na sua autoapresentação. No entanto, o
significado emergente nunca é dado em sua totalidade e nem evitado por
qualquer realização.

É consistente com a eventual natureza da arte. Quando uma obra de


arte verdadeiramente se apodera de nós, ela não é um objeto que está em nossa
frente e que olhamos na esperança de ver através de um significado conceitual
pretendido. O trabalho é um Ereigniss, um evento que "nos apropria" para si
mesmo. Sacode-nos, derruba-nos e configura um mundo próprio, para o qual
somos atraídos (PALMER, 2001).

215
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Revelação e ocultação não são contrários à estética de Gadamer, mas


mutuamente dependentes. O revelado revela a presença do não revelado na
revelação. "É na presença da obra de arte que nosso entendimento experimenta
as profundezas e a insondabilidade do significado" (PALMER, 2001, p. 72).

A afirmação de que o significado de uma obra nunca pode ser completamente


decifrado é apoiada por uma analogia linguística acerca do que é especulativo.
A arte tem um idioma em que seus signos e símbolos funcionam como unidades
semânticas. Gadamer comenta sobre a virtualidade viva do significado contida
em cada palavra, uma dimensão interna da multiplicação. Consequentemente,
o idioma não é a representação de um conjunto de significados pré-dados,
mas uma aproximação ao idioma, de uma reserva constante de significados
(PALMER, 2001). A finitude da expressão linguística é tal que nenhum enunciado
pode ser completo. Nada surge em um sentido que nos é simplesmente oferecido
(GADAMER, 1976). "O único que constitui a linguagem é o fato de uma palavra
levar a outra, assim, cada palavra é, por assim dizer, convocada, e paralelamente
existe o progresso da fala" (PALMER, 2001, p. 67).

Nenhum significado pode ser completamente revelado. Como podemos


voltar a visitar obras de arte repetidamente, o significado divulgado inicialmente
pode ser expandido ou alterado. A natureza parcial de qualquer divulgação
de significado determinado aumenta, ao invés de diminuir a possibilidade de
significado dentro de uma obra. "A obra de arte consiste em abrir-se de forma
ilimitada a integrações de significado sempre novas” (GADAMER, 1976, p. 98).
Ainda, "a inesgotabilidade que distingue a linguagem da arte de toda tradução
para conceitos recai sobre um excesso de significado" (GADAMER, 1976, p. 102).

A conversa de Gadamer sobre a estética define seus temas mais ousados.


A arte é interrogativa por natureza, as obras de arte funcionam através de
uma divulgação de significado. Revelações de significado estabelecem o status
cognitivo da arte, é parcialmente inteligível e parcialmente enigmático, e as
obras de arte estão sempre abertas para reinterpretação. No entanto, não são
argumentos independentes.

A posição de Gadamer é hermenêutica não por causa de uma tese


subjacente que não é marcada, mas porque é informada por uma constelação de
vários argumentos que moldam a posição central. Vamos agora conhecer seus
argumentos mais amplos.

A determinação de Gadamer, de revelar o conteúdo cognitivo da


experiência estética, exige que ele exponha o fundamento ontológico da
subjetividade. Para abordar obras de arte unicamente com base em respostas
subjetivas a elas ou, para lê-las apenas em termos de intenção de um artista é,
para Gadamer, sempre um erro.

De forma hermenêutica, o foco filosófico deve ser o que molda a


subjetividade e orienta suas expectativas. Há o início de uma refusão especulativa
da subjetividade estética. Na “Verdade” e no “Método”, ele escreve que:
216
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

Todo o autoconhecimento surge do que é historicamente pré-dado, o


que, com Hegel, chamamos de "substância", porque está subjacente
a todas as intenções e ações subjetivas e, portanto, prescreve e
limita todas as possibilidades para entender qualquer tradição em
sua alteridade histórica. Quase define o objetivo da hermenêutica
filosófica: sua tarefa é retraçar o caminho da fenomenologia da mente
de Hegel até descobrir em tudo o que é subjetivo a substancialidade
que a determina (GADAMER, 1989, p. 302).

Na “Relevância da Beleza”, Gadamer elucida a substância entendida como


algo que nos apoia. Embora não apareça, na luz da consciência reflexiva, é algo
que “nunca pode ser totalmente articulada, embora seja absolutamente necessária
para a existência de toda a clareza, consciência, expressão e comunicação”
(GADAMER, 1986, p. 78).

Descobrir os fundamentos ontológicos da experiência estética não


prejudica o primado que Gadamer dá ao endereço imediato da arte. O objetivo
é demonstrar a legitimidade cognitiva da experiência subjetiva, revelando como
a experiência estética está envolvida em algo maior que ela própria e, de fato,
reflete essa realidade maior em si mesma. A capacidade da experiência estética,
para expressar estruturas fenomenológicas transindividuais, explica o que se
entende por substância e sua atitude especulativa em relação a ela.

A estética de Gadamer está devidamente preocupada com a expectativa


do que está subjacente a seus conceitos mais abstratos. Não se trata de nomear
ou descrever a realidade que se manifesta na experiência estética, mas de tentar
dizer algo sobre a experiência que um indivíduo possui.

As reflexões de Gadamer começam com o imediatismo da reivindicação


da arte, sua natureza contemporânea, e depois exploram o que influencia a
experiência da afirmação. O objetivo é aparentemente paradoxal: entender o que
forma, o que está além, mas apenas "se revela" através da experiência estética.

2.1 A EXPERIÊNCIA DA ARTE NA CONTEMPORANEIDADE


De todas as coisas que nos fascinam, a obra de arte é a linguagem mais
forte, mais direta (GADAMER, 1976). O imediatismo fenomenológico da arte,
que inicia a investigação hermenêutica de Gadamer sobre a experiência estética,
pode não parecer um ponto de partida promissor a partir de uma perspectiva
hermenêutica.

Declara uma abordagem hermenêutica não convencional à arte. "Se


definimos a tarefa da hermenêutica como a ponte da distância pessoal ou histórica
entre as mentes, então a experiência da arte parece estar inteiramente fora de sua
proveniência (hermenêutica)” (GADAMER, 1976, p. 97).

217
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

No entanto, Gadamer não define hermenêutica de tal forma. Não é a


reconstrução da intenção artística que é objeto do seu inquérito, mas a questão
do que informa o imediatismo da reivindicação de uma obra de arte. A obra de
arte é um objeto de investigação, não por causa de qualquer origem em eventos
psicológicos, mas pelo fato de nos dizer alguma coisa (GADAMER, 1976). O
envolvimento é necessário porque o significado transmitido nunca pode ser
totalmente completo e inequívoco. Exige envolvimento interpretativo.

A hermenêutica é necessária sempre que houver uma transposição


restrita de pensamento. A finitude histórica do significado e o fato de que
nenhum significado pode ser dado necessitam completamente de envolvimento
hermenêutico em nossa experiência de uma obra de arte. A tarefa de interpretação
é investigar os possíveis significados realizados na experiência de uma obra e,
com base neles, trazer a experiência para uma maior completude.

Devemos notar que a ideia de Gadamer, de integrar o desconhecido no


que é entendido como significativo, não deve ser entendida como uma inclusão
definitiva. A assimilação não é o equivalente da tradução do desconhecido em um
conjunto estável de significados que não mudam como consequência da inclusão.
A integração implica em uma reciprocidade. Muda seu caráter e o caráter do todo
dentro do qual a integração ocorre.

Ainda, tudo o que é dado na consciência subjetiva, como contemporânea,


tem dimensões de significado que transcendem o que a consciência inicialmente
apreende. Gadamer está preocupado em investigar as dimensões ônticas (relativas
ou pertencentes ao ser) da experiência estética.

A tese de que a experiência da contemporaneidade da arte nos envolve em


mais do que estamos conscientes, ou seja, a "substância" das práticas linguísticas e
culturais transindividuais subjacentes e em curso, é apoiada pelos três argumentos
da analogia relativos ao caráter do jogo, do festival e do símbolo.

2.2 JOGO E ARTE


A discussão de Gadamer sobre a relação entre arte e jogo não deve ser
equiparada para qualquer argumento de que a arte é um jogo trivial ou um
passatempo. Segue o precedente das “Cartas de Schiller sobre Educação Estética”,
que afirma que as obras de arte são dramáticas na medida em que colocam algo em
jogo. O motivo subjacente é que a consciência estética está longe de ser autônoma,
mas é mais atraída para o jogo de algo muito maior para o que é evidente para a
consciência subjetiva.

A analogia com o drama, e também com os eventos esportivos, implica


que a arte é eventual, uma ocasião em que a consciência se entrega e participa. A
participação de espectadores (como muita pesquisa de arte) exige imersão naquilo
que não pode ser totalmente antecipado ou controlado pela consciência individual.

218
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

O jogo e a obra de arte são ambas formas de automovimento, que exigem que o
espectador jogue junto com o que eles trazem para o jogo (GADAMER, 1986).

Gadamer afirma o "primado do jogo" sobre a consciência. "Os jogadores


são apenas a forma como o jogo (ou a peça teatral) entra em apresentação"
(GADAMER, 1989, p. 98). A participação tira os jogadores individualmente de
si mesmos. O assunto individual é aquele sobre o qual o sucesso, a satisfação ou
a perda são impostos dentro do jogo. Por analogia, a obra de arte também é "o
jogo".

Um evento autônomo é criado, algo vem em seu próprio direito que


"muda tudo o que está diante dele" (GADAMER, 1986, p. 25). Como os teóricos
antigos, o espectador não participa apenas do evento, que é a obra de arte, mas é
potencialmente transformado por ele (GADAMER, 1986).

A analogia do jogo também serve para minar as abordagens da arte que


são exclusivamente intencionais, materiais e convencionais. Em primeiro lugar,
a subjetividade de um artista não pode ser um ponto de partida interpretativo
apropriado. Agarrar o que acontece na consciência de um jogador não revela a
natureza do jogo que está sendo jogado. Reconstruindo a vida consciente de um
artista, o ritmo da hermenêutica da reativação pode revelar aspectos interessantes
das intenções de um artista, mas não revela o que informa a subjetividade.

Em segundo lugar, como no jogo, a arte não deve ser entendida por
referência apenas às ferramentas e equipamentos. A arte exige materiais e uma
apreciação de como uma ferramenta específica pode ser usada. No entanto, nem
o jogo e nem a arte são constituídos por seus equipamentos.

Em terceiro lugar, compreender um jogo ou uma obra de arte exige uma


apreciação das regras ou convenções apropriadas. O que constitui um jogo justo
ou sujo depende de um conjunto de princípios pré-compreendidos, exatamente
como aquilo que é considerado como de excelente qualidade na arte, que requer
expectativas normais de avaliação. No entanto, a vitalidade da arte claramente
não reside no seguimento de convenções fixas.

O argumento não assume que o jogo ou obra de arte não possa ser
reduzido para uma intenção, material ou convenção, mas sim que cada um desses
elementos tem um papel no jogo ou na prática que é a arte. É o jogo que atrai o
espectador, o jogador, a intenção, o material e convenção para o único evento.
Promove uma visão interativa da arte como um evento comunicativo. Dá uma
dimensão dialógica para a arte.

Uma obra de arte envolve mais de uma voz, assim como implica o sentido
de interpretação. Ainda, a concepção da arte como evento requer uma estrutura
ontológica diferente das narrativas da experiência estética fundamentadas apenas
na subjetividade. Uma obra não é um objeto completamente independente do
espectador, mas de alguma forma cedido ao espectador por sua satisfação pessoal.

219
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Pelo contrário, a analogia do jogo sugere que o ato de espectador contribui


para o aprimoramento do ser da arte, trazendo o que está sendo desempenhado
dentro dele para uma realização mais completa.

O espectador, tanto quanto o artista, desempenham um papel crucial


no desenvolvimento dos assuntos que a arte promove. O espectador estético
é varrido por sua experiência da arte, absorvido no jogo e potencialmente
transformado por aquilo que o ajuda a constituir. Embora o argumento de
Gadamer se distancie dos paradigmas tradicionais do sujeito-objeto, ele retém
certos aspectos da estética de Kant.

Enquanto Kant atribui uma racionalidade não intencional à atitude


estética, Gadamer atribui a racionalidade ao processo lúdico da própria prática
artística. Tanto a arte como o jogo compartilham um movimento de ida e volta
que não está vinculado ao objetivo específico (GADAMER, 1989). Ninguém
sabe como um jogo vai acabar e ninguém sabe ao certo qual a finalidade da arte
(LAWN, 2006).

No entanto, o que importa é o que ocorre quando uma obra de arte está
em dinâmica de jogo. Muitas vezes, contrariamente ao seu desejo e disposição, o
espectador é assumido por um evento substancial que transcende os limites da
consciência cotidiana.

2.3 O FESTIVAL
Descrições convencionais de experiência estética enfatizam a natureza
intensa e individualizadora. No entanto, apesar da sua intimidade, Gadamer
enfatiza que, dentro da experiência, o espectador está sempre participando,
talvez involuntariamente, de algo além de si mesmo.

O envolvimento estético é, em alguns aspectos, uma atividade comunal.


A analogia entre a experiência estética e o festivo é reveladora. O trabalho é algo
que nos separa e divide. Por toda a cooperação exigida pela empresa comum
e a divisão do trabalho em nossa atividade produtiva, ainda estamos divididos
como indivíduos, tanto quanto nos propósitos do cotidiano. A celebração festiva,
por outro lado, é claramente distinguida pelo fato de que aqui não estamos
principalmente separados, mas reunidos (GADAMER, 1986).

O pensamento de Gadamer trai uma outra inflexão kantiana. A concepção


kantiana do prazer estético, como uma variedade de experiências que surge
somente onde os interesses egoístas que constituem o comércio da vida cotidiana
não estão em jogo, sugere a possibilidade de uma comunidade se formar em
torno de prazeres não hostis que são compartilhados. O relato de Gadamer sobre
a experiência estética não está preocupado com um reino de futuro putativo, mas
com a redescoberta e a construção de nossa comunalidade.

220
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

Apesar da diferença, a experiência estética estabelece para ambos os


pensadores um espaço meditativo dentro e através do qual algo pode ser
ocasionado. O ponto subjacente permanece, considerando que, para Kant, é uma
mudança na disposição da consciência subjetiva, ou seja, a adoção de uma atitude
estética, que desencadeia uma melhor disposição em relação à comunidade. Já
para Gadamer, é a participação em um evento trans-subjetivo que promove uma
mudança nas disposições de subjetividade na comunidade.

Quando Gadamer (1986, p. 57) argumenta que "o mistério da celebração


festiva reside na suspensão do tempo", ele se refere ao modo como a festa
suspende o tempo de trabalho. Assim, durante o "tempo de jogo", surge outra
ordem de eventos.

É neste momento que uma obra de arte se revela independentemente de


ser uma pintura, drama ou sinfonia. O festivo "representa uma criação genuína,
[para] algo tirado de dentro de nós mesmos, que toma forma diante de nossos
olhos de uma forma que reconhecemos e experimentamos como uma apresentação
mais profunda de nossa própria realidade" (GADAMER, 1986, p. 60).

Distancia Gadamer da visão de que a experiência estética é a resposta


solitária e pessoal frente a obra de arte. No festivo, com uma analogia para as
dimensões comunais da experiência estética, o sujeito individual se situa de
forma diferente em relação aos outros.

Assim como a obra de arte se destaca no festival, também promove aos


espectadores uma experiência comunitária. "No festivo, o espírito comunal que
sustenta a todos e transcende cada um de nós, representa individualmente o
poder real do festivo e de fato, o poder real do trabalho de arte" (GADAMER,
1986, p. 63).

O festival ocasiona indivíduos a superarem sua visão cotidiana de


si mesmos como concorrentes potencialmente hostis e faz ver como uma
comunidade formada em torno de um interesse compartilhado trazido pela arte.
É uma analogia para algo mais fundamental.

As concepções instrumentais de linguagem nos convencem de que


a palavra falada e a palavra escrita são ferramentas comunicativas, mas, para
Gadamer, a participação na linguagem reconhece que um indivíduo está
localizado dentro de um horizonte substantivo de significados que transcende a
consciência subjetiva.

As preocupações pragmáticas encorajam o esquecimento de tal


interconexão, mas quando o individualismo é suspenso pelo festival ou, na
verdade, pela adoção de uma atitude estética, a redescoberta de si mesmo
como pertencente à extensa comunidade de significados e envolvimentos
compartilhados se torna possível.

221
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

A capacidade comunicativa da obra de arte desperta a percepção de


que, na medida em que eu me entendo como sendo abordado, devo reconhecer
que já pertenço para algo maior que eu. Os festivais de arte revelam nosso
endividamento pessoal às comunidades de significado passadas e futuras. A
tese de que pertencemos ao coletivo hermenêutico, que é o suporte efetivo da
capacidade de comunicação da arte, é elaborada ainda mais na discussão de
Gadamer sobre o símbolo.

2.4 O SÍMBOLO
Uma discussão sobre o símbolo constitui o terceiro aspecto do caso de
Gadamer de que a experiência estética envolve um ex-estase do sujeito estético.
Fornece uma analogia adicional para a dimensão especulativa da experiência
estética.

A palavra "símbolo" é um termo grego para um sinal de lembrança


que poderia ser quebrado em dois, de modo que se um descendente de um
ex-convidado entrasse em sua casa, as peças juntas entrariam em um ato de
reconhecimento (GADAMER, 1986).

O símbolo conota (explicitamente) o que reconhecemos de forma


implícita. Está associado ao fragmentado, além da promessa de completude que,
"por sua vez, alude à beleza e à ordem potencialmente completa e sagrada das
coisas" (GADAMER, 1986, p. 32). O símbolo está associado, então, com noções
de repetição e a esperança de uma abundância de significado. A conexão com o
especulativo é melhor apreciada por referência ao sinal.

Se a função adequada do sinal é se referir ao seu referente, passa a não


ser eficiente. Em outras palavras, o sinal de uma placa na estrada, que é tão
atraente ao ponto de distrair do perigo que provoca um novo perigo, levando os
motoristas a se distraírem, não funciona adequadamente. O símbolo, no entanto,
não se refere a algo fora de si. Ele apresenta seu próprio significado.

O símbolo material é, de fato, o lugar onde tal significado se torna


presente. No entanto, o significado transmitido simbolicamente nunca é dado
completamente. As referências ao símbolo como fragmentárias, no entanto,
antecipam a possibilidade da totalidade. A dimensão especulativa de tal raciocínio
reside na premissa de que cada significado declarado envolve produzir mais do
que é realmente falado.

A capacidade "especulativa" de uma imagem ou palavra diz respeito à


capacidade de transmitir ou insinuar o nexo não declarado de significados que
sustentam uma determinada expressão, mas que não são diretamente dados nele.

222
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

O poder especulativo de uma imagem ou frase tem algo em comum com o


sublime: ilumina na imagem falada ou visual uma penumbra de significados não
declarados, cuja presença pode ser sentida, mas nunca totalmente compreendida
ou conceituada. Por conseguinte, uma obra de arte sempre pode significar mais,
ou seja, insinuar uma dimensão transcendente de significado que, embora nunca
esgotada pelos símbolos que a carregam, não existe além dos símbolos que a
sustentam.

O símbolo é ressonante com a sugestão de significado, pois invoca


constantemente o que não é dado imediatamente. O não-dado não existe
além do dado, mas é inerente a ele. Assim, o sublime hermenêutico, o excesso
de significado, a promessa de significar mais e significar algo diferente que é
evidenciado pelo símbolo são mantidos dentro, são imanentes no dado.

3 GILLES DELEUZE E O DOMÍNIO TRANSCENDENTAL DA


SENSIBILIDADE
“Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos com sensações.
Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos sensações”
(DELEUZE; GUITARRI, 1997, p. 216).

Deleuze (1925-1995) foi um dos mais influentes e prolíficos filósofos


franceses da segunda metade do século XX. Concebeu a filosofia como a produção
de conceitos, e se caracterizou como um "metafísico puro". Smith e Protevi (2015),
na obra “Diferença e Repetição”, tentam desenvolver uma metafísica adequada
à matemática contemporânea e à ciência, uma metafísica em que o conceito de
multiplicidade substitui a substância, o evento substitui a essência e a virtualidade
substitui a possibilidade.

Deleuze também produziu estudos na história da filosofia em Hume,


Nietzsche, Kant, Bergson, Spinoza, Foucault e Leibniz, e nas artes, sendo um
estudo de dois volumes do cinema, livros sobre Proust e Sacher-Masoch.

Ainda, um trabalho sobre o pintor Francis Bacon e uma coleção de


ensaios sobre a literatura. Considerou as últimas obras como pura filosofia e não
críticas, pois buscava criar os conceitos que correspondem às práticas artísticas de
pintores, cineastas e escritores.

223
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

3.1 DELEUZE E AS ARTES


Kant tinha dissociado a estética em duas partes: a teoria da sensibilidade
como forma de experiência possível (a "Estética Transcendental" da “Crítica da
Razão Pura”) e a teoria da arte como reflexão sobre a experiência real (a "Crítica
do Juízo Estético", "Na Crítica do Juízo”).

No trabalho de Deleuze, as duas metades da estética são reunidas. Se o


objetivo mais geral da arte é produzir uma sensação, os princípios genéticos da
sensação são, ao mesmo tempo, os princípios da composição das obras de arte.

Por outro lado, são as obras de arte as mais capazes de revelar as condições
de sensibilidade. Deleuze, portanto, escreve sobre as artes não como um crítico,
mas como um filósofo, e seus livros e ensaios sobre as várias artes, incluindo o
cinema (Cinema I e II), literatura (Ensaios Críticos e Clínicos) e pintura (Francis
Bacon: The Lógica da sensação), devem ser lidos como explorações filosóficas do
domínio transcendental da sensibilidade.

O cinema, por exemplo, produz imagens que se movem. O movimento no


tempo, próprio do cinema, foi analisado por Deleuze em “A Imagem Movimento
e A Imagem Tempo: "O que exatamente o cinema nos mostra sobre o espaço e o
tempo que as outras artes não mostram?". Deleuze descreve assim a sua obra de
dois volumes como um livro de lógica, uma lógica do cinema "que estabelece"
isolar certos conceitos cinematográficos, conceitos específicos para o cinema, mas
que só podem ser formados filosoficamente.

Francis Bacon (1561-1626), em “A lógica da sensação”, também cria uma


série de conceitos filosóficos, cada um dos quais se relaciona com um aspecto
particular das pinturas de Bacon, mas que também encontra um lugar na "lógica
geral da sensação".

Em geral, Deleuze localizará as condições de sensibilidade em uma


concepção intensiva do espaço e em uma concepção virtual do tempo, que são
necessariamente atualizadas em uma pluralidade de espaços e em um ritmo
complexo de tempos, por exemplo, nos espaços não estendidos e tempos não
lineares de matemática e física moderna.

Para Deleuze, a tarefa da arte é produzir "sinais" que nos impeçam de


nossos hábitos de percepção nas condições de criação. Quando percebemos
através da recognição das propriedades das substâncias, vemos com um olho
obsoleto pré-carregado com clichês. Nós pedimos ao mundo o que Deleuze
chama de "representação".

Ele cita Francis Bacon, pois estamos atrás de uma obra de arte que produz
um efeito no sistema nervoso e não no cérebro. O que ele quer dizer é que, em
um encontro de arte, somos forçados a experimentar o "ser do sensível". Obtemos
algo que não podemos reconciliar, algo que é "imperceptível”, que não se encaixa

224
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

no modelo de percepção hilemórfica. A "forma" da sensação é ordenada pela


submissão à forma conceitual.

A arte, no entanto, não pode ser reconhecida, mas só pode ser percebida.
Em outras palavras, a arte divide o processamento perceptual, proibindo o
movimento para a ordem conceitual. É exatamente o que Kant, na “Terceira
Crítica”, chamou de julgamento reflexivo, quando o conceito não é dado
imediatamente na apresentação da arte. Com a arte, alcançamos a "sensação", ou
o "ser do sensível", o sentiendum.

E
IMPORTANT

Hilemorfismo, em Filosofia, é a teoria elaborada por Aristóteles e desenvolvida


na filosofia escolástica, segundo a qual todos os seres corpóreos são compostos
por matéria e forma.

Deleuze fala sobre determinado efeito da sensação como o "exercício


transcendente" da faculdade de sensibilidade. No terceiro capítulo de “Diferença
e Repetição”, Deleuze estabelece uma teoria diferencial das faculdades não
kantianas.

Na teoria notável, a intensidade é a "diferença em si", o que leva as


faculdades aos seus limites. As faculdades estão ligadas em ordem. Vemos o que
Deleuze chama de privilégio da sensibilidade, como origem do conhecimento, a
"verdade do empirismo".

Na teoria diferencial das faculdades, a sensibilidade, a imaginação, a


memória e o pensamento, todos "comunicam uma violência" de um para o outro.
Com a sensibilidade, a pura diferença de intensidade é apreendida imediatamente
no encontro como o sentiendum. Com a imaginação, a disparidade no fantasma é
aquilo que só pode ser imaginado. Com a memória, por sua vez, o memorando é
o dissimilar na forma pura do tempo, ou o imemorial da memória transcendente.

Com o pensamento, um eu fraturado é constrangido a pensar "diferença


em si" através de ideias. Assim, a "forma livre de diferença" move cada faculdade
e comunica sua violência ao próximo.

Você deve ser forçado a pensar, começando com um encontro de arte em


que a intensidade é transmitida em sinais ou sensações. Ao invés de um "senso
comum", em que todas as faculdades concordam em reconhecer o "mesmo"
objeto, encontramos, nesta violência comunicada, uma "harmonia discordante"
que destrói o assunto.

225
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

3.2 PERCEPTOS E AFECTOS


Os filósofos pós-modernos franceses Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix
Guattarri (1930-1992) identificaram, através de sua obra conjunta “O que é
Filosofia” (1997), dois aspectos estéticos que são capazes de analisar a arte
contemporânea a partir de um bloco de sensações. Para os autores, “o que se
conserva, a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sensações, ou seja, um composto
de perceptos e afectos” (1997, p. 213).

Assim, através de uma perspectiva artística inovadora, entenderam que a


arte não poderia mais ignorar o subjetivo, o abstrato, ou seja, as sensações próprias
que nascem entre a obra, o artista e o público. Para Deleuze e Guattarri (1997, p. 213):

Os perceptos não mais são percepções, são independentes do estado


daqueles que os experimentam; os afectos não são mais sentimentos ou
afectos, transbordam a força daqueles que são atravessados por eles.
As sensações, perceptos e afectos são seres que valem por si mesmos e
excedem qualquer vivido. Existem na ausência do homem.

Deleuze e Guattarri (1997, p. 217) acreditavam que o objetivo da arte,


como “os meios do material, é arrancar o percepto das percepções do objeto e dos
estados de um sujeito percipiente, arrancar o afecto das afecções, como passagem
de um estado a um outro”. É interpretado como um bloco de sensações, ou seja,
um puro ser de sensações.

Em outras palavras, os filósofos nos fizeram indagar acerca das percepções


sensíveis que as obras de arte contemporâneas poderiam provocar a partir das
concepções estéticas. “A obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela existe
em si” (DELEUZE; GUATTARRI, 1997, p. 213).

Para eles, toda sensação se constrói não a partir do material ou da obra


em si, mas através dos perceptos e afectos. A arte se cria independentemente do
artista, o percepto seria vinculado ao motivo para a obra, e o afecto à força de
criação. Os artistas seriam assim, para os filósofos, apenas criadores de afectos
para a concretização de perceptos, ou visões que brotariam de uma obra de arte,
com vida própria. O público seria participante da manifestação artística. Para
Deleuze e Guattarri (1997, p. 227):

E assim, de um escritor a um outro, os grandes afectos criadores podem


se encadear ou derivar, em compostos de sensações que se transformam,
vibram, se enlaçam ou se fendem: são estes seres de sensação que dão
conta da relação do artista com o público, da relação entre as obras de
um mesmo artista ou mesmo de uma eventual afinidade de artistas
entre si. O artista acrescenta sempre novas variedades ao mundo.

A criação artística envolve os perceptos e afectos, como devires não


humanos do homem. O olho pensa e o olhar traz o invisível para a luz da
existência. O bloco de sensações é criado a partir das categorias estéticas que a
arte possa expressar, através de uma experiência provocada.

226
TÓPICO 3 | ESTÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE: GADAMER E DELEUZE

LEITURA COMPLEMENTAR

Arte, só na aula de arte?

Mirian Celeste Ferreira Dias Martins

No emaranhado de fios que tecem os conceitos, é preciso decifrar o da estética


e a necessidade dele puxar novos fios. Muitas vezes, o conteúdo de estética não
parece ser diferenciado da disciplina História da Arte, nos cursos de Arte. Misturada
à história da arte, a estética pode se condicionar à visão das mudanças estilísticas
fundamentadas, evidentemente, pela filosofia que guia cada movimento histórico.

O termo estética se origina etimologicamente do grego clássico aesthesis,


referindo-se ao conhecimento sensível, através dos sentidos, das sensações. O seu
uso ganhou designações diferenciadas desde que Baumgarten o empregou em
1735 como “a arte de pensar de modo belo”, conforme Gadamer (1985, p. 30).

É mais fácil expor sobre uma estética romântica do que diagnosticar


uma estética pós-moderna, caracterizada por uma falta de porto seguro para
os conceitos. A obra de arte já não pode mais ser lida dentro de movimentos
estilísticos, nem procura mais descobrir o mundo, pois é o prolongamento
do próprio artista, com sua subjetividade mergulhada nas ambiguidades e
diversidades culturais do mundo contemporâneo.

Entretanto, o belo é uma questão que continua sendo abordada como


integrante do termo estética. Sobre o termo, Morais (1998), em “Arte é o que eu e
você chamamos arte: 801 definições sobre arte e o sistema da arte”, oferece-nos
definições que relacionam estética ao belo, beleza.

Em uma recente videoconferência nacional, um professor de Tocantins


solicitou que eu falasse mais sobre a arte não apenas como prática estética, mas como
agregadora de valores na formação de indivíduos. O pedido suscitou uma série de
questões que animaram a conversa. Por que separar os objetivos estéticos de outros
ligados à formação? Estaria a estética desligada de preocupações mais amplas?

Em tempos em que a palavra estética cada vez mais se relaciona à beleza do


corpo, com tratamentos e cirurgias, com esteticistas cada vez mais especializados,
o termo parece se distanciar de sua ligação com a educação ou com a experiência
estética ou, ainda, é travestido de uma intenção de beleza, frequentemente
conectado com obras ditas bem feitas, que reproduzem a realidade do mundo.

Afinal, o que temos chamado de “olhar de missão francesa”, preso a valores


acadêmicos da arte, ainda está presente nas escolas como a melhor e verdadeira
arte. Um exemplo é o modo como as releituras são muitas vezes traduzidas pela
ação de cópia de originais, ou melhor, de reproduções de obras que nem sempre
têm boa qualidade de impressão ou digitalização e das quais a materialidade e
sua dimensão nem sempre são percebidas.

227
UNIDADE 3 | ESTÉTICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Olham-se pinturas em grandes telas e fazem cópia em giz de cera em


papel A4. Evidentemente, não acontece entre arte-educadores e estudiosos da
arte. Todavia, preocupo-me cada vez mais com aqueles cujo contato com a arte
move-se pela beleza e encantamento que ela desperta, seja pela técnica apurada,
pela reprodução fiel da realidade, pela significação facilmente oferecida.

Superar as aparências e tratar a realidade para além de sua “reprodução”


são algumas das prerrogativas do artista contemporâneo que deseja criar um
mundo, desvelando sua subjetividade, rompendo com todas as representações
“clássicas” da ideia de belo. Superando a busca modernista da originalidade,
reapropriando-se de si pelo conhecimento histórico, enlaçando a objetividade e a
subjetividade, o homo aestheticus contemporâneo instaura seu modo particular
de ser/estar no mundo. Afinal, não há mundo objetivo, apenas interpretações.

Hoje, em tempos de muitas transformações, a estética procura seus


contornos. Os marcos de referência herdados do passado, sob o olhar de Platão,
Aristóteles, Kant e de tantos outros teóricos, vão sendo pulverizados no que Ferry
(1994, p. 19) chama de “era da interrogação sem fim”: vida cotidiana e intelectual
colocada sempre em confronto com critérios esgarçados”, em permanente revisão
das tradições.

Para além de uma “história do declínio das tradições”, a contemporaneidade


marca a “história das múltiplas faces da subjetividade”. No cenário, a estética se
apresenta como campo de observação privilegiado dessa subjetividade, em suas
diversas concepções e nas relações entre o individual e o coletivo.

Talvez, possamos compreender melhor porque Dewey (1959, 2010) e


Stenhouse (1987) viram o ensino como uma arte e os professores como artistas. Há
uma sintonia entre o fazer, o pensar, o conteúdo e a forma, interconectando os fins
e os meios na unicidade de ação e consequências: os fins são criados no próprio
processo (EISNER, 1985, 1998); há aprendizagem na própria ação, na reflexão sobre
a própria ação (SCHÖN, 1992); há envolvimento total (GARDNER, 1996).

As ideias e as ações se fundem na produção e nelas são comprovadas. Há,


no fazer artístico, estético, uma sintonia entre o pensar e o fazer, entre a prática e
a teoria, entre o conteúdo e a forma. “A ideia se sintoniza com a forma da arte e a
forma se emprega como expressão da ideia”, diz Stenhouse (1987, p. 138). Existe
uma unicidade na experiência estética e um pensar na própria ação, presente em
processos educativos.

Dentre as inúmeras possibilidades de investigar o campo, dirijo meu olhar


para a experiência e para a educação estética, buscando nelas a especificidade do
que as torna estética. Proponho um exercício de mediação com você, leitor.

FONTE: MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Arte, só na aula de arte? Educação, Porto Alegre,
v. 34, n. 3, p. 311-316, set./dez. 2011. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/
index.php/faced/article/viewFile/9516/6779>. Acesso em: 12 mar. 2018.

228
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Gadamer, ao seguir uma tradição fenomenológica, preocupa-se principalmente


com o lugar da arte em nossa experiência do mundo, ou seja, com a dimensão
cognitiva de tal experiência, com o que as obras de arte abordam e o que elas
colocam em questão.

• Ao mesmo tempo que ele desmantela os elementos da grande tradição da estética


platônica, kantiana e hegeliana, oferece uma reconstrução fenomenológica de
muitas das ideias centrais da tradição, para demonstrar sua relevância contínua
para a nossa experiência contemporânea de arte. Gadamer argumenta que "a
experiência da arte é uma experiência de significado e, como tal, é algo que é
provocado pela compreensão" (PALMER, 2001, p. 70).

• Para ele, a arte é interrogativa por natureza, as obras de arte funcionam através
de uma divulgação de significado. Revelações de significado estabelecem o
status cognitivo da arte. É parcialmente inteligível e parcialmente enigmático,
e as obras de arte estão sempre abertas para reinterpretação. A posição de
Gadamer é hermenêutica porque é informada por uma constelação de vários
argumentos que moldam a posição central.

• A discussão de Gadamer sobre a relação entre arte e jogo não deve ser
equiparada para qualquer argumento de que a arte é um jogo trivial ou um
passatempo. Segue o precedente das “Cartas de Schiller sobre Educação
Estética”, afirmando que as obras de arte são dramáticas na medida em que
colocam algo em jogo.

• O símbolo, por sua vez, não se refere a algo fora de si, mas apresenta seu
próprio significado. O símbolo material é, de fato, o lugar onde esse significado
se torna presente. No entanto, o significado transmitido simbolicamente nunca
é dado completamente, é indeterminado. As referências ao símbolo como
fragmentárias, no entanto, antecipam a possibilidade da totalidade.

• Para Deleuze, a tarefa da arte é produzir "sinais" que nos impeçam de nossos
hábitos de percepção nas condições de criação. Quando percebemos através
da recognição das propriedades das substâncias, vemos com um olho obsoleto
pré-carregado com clichês. Nós pedimos ao mundo o que Deleuze chama de
"representação".

229
• Deleuze fala sobre o efeito da sensação como o "exercício transcendente" da
faculdade de sensibilidade. No terceiro capítulo de “Diferença e Repetição”,
Deleuze estabelece uma teoria diferencial das faculdades não kantianas. Na
teoria, a intensidade é a "diferença em si", o que leva as faculdades aos seus
limites. Estão ligadas em ordem, vemos o que Deleuze chama de privilégio da
sensibilidade como origem do conhecimento, a "verdade do empirismo".

• Para Deleuze e Guattarri (1997), a arte não poderia mais ignorar o subjetivo,
o abstrato, ou seja, as sensações próprias que nascem entre a obra, o artista e
o público. Faz com que possamos indagar a respeito das percepções sensíveis
que as obras de arte contemporâneas podem provocar a partir das concepções
estéticas. Para eles, “a obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela existe
em si” (p. 213).

As principais teorias estéticas de Gadamer e Deleuze

Autor Período Conceito

O lugar da arte em nossa experiência do mundo,


a dimensão cognitiva de tal experiência com o que
as obras de arte abordam e o que elas colocam em
questão. Uma obra de arte sempre pode significar
Gadamer 1900-2002
mais, ou seja, insinuar uma dimensão transcendente
de significado que, embora nunca esgotada pelos
símbolos que a carregam, não existe além dos
símbolos que a sustentam.

Deleuze e Guattarri entenderam que a arte não


poderia mais ignorar o subjetivo, o abstrato, ou
seja, as sensações próprias que nascem entre a obra,
Deleuze 1925-1995 o artista e o público. Assim, fizeram-nos indagar
acerca das percepções sensíveis que as obras de arte
contemporâneas poderiam provocar a partir das
concepções estéticas. A obra de arte existe em si.

230
AUTOATIVIDADE

1 Gadamer se ocupa, em seu trabalho, com o lugar da arte em nossa experiência


do mundo e a sua abordagem da experiência estética é diretamente na
tradição fenomenológica. Neste sentido, escolha a alternativa correta que
melhor representa o pensamento estético de Gadamer:

a) Identifica-se totalmente com a tradição da estética platônica, kantiana


e hegeliana e defende a relevância contínua desta tradição para a nossa
experiência contemporânea de arte.
b) A arte não é interrogativa, assim as obras de arte velam o seu significado.
Assim, as obras de arte nunca são passíveis de reinterpretação.
c) A estética de Gadamer está devidamente preocupada com a expectativa do
que está subjacente a seus conceitos mais abstratos. Ele foca na experiência
que um indivíduo tem com a estética.
d) A tarefa de interpretação é investigar os possíveis significados realizados
na aparência de uma obra e, com base neles, trazer a experiência para uma
maior completude.

2 Gadamer e Schiller afirmam que as obras de arte são dramáticas na medida


em que colocam algo em jogo. Com suas próprias palavras, explique esta
analogia do jogo e da arte presente na obra destes dois filósofos.

231
232
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