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MINUCIANDO CONCEITOS SOBRE EDUCAÇÃO E CULTURA

ESCOLAR
BENTO, Franciele1 - UEM-PR
franb1981@hotmail.com

MEN, Liliana2 – UEM – PR3


lilian.men@hotmail.com
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo

O estudo em questão advém de pesquisas de campos que, embora distintos, aproximam-se,


por estarem interligados pela pesquisa acerca do ato educacional. O intuito deste trabalho é
minuciar as diferentes definições do conceito de Educação escolar a partir dos campos da
docência e da pesquisa, objetivando produzir um mapeamento das matrizes teóricas que
fundamentam as respectivas definições o qual contribua para a conscientização e a reflexão
dos docentes e pesquisadores no exercício de sua prática. Os procedimentos teórico-
metodológicos embasaram-se em autores que, reconhecidamente, defendem posições diversas
de educação e que possuem, sob nossa ótica, definições que, independentemente da época que
foram pensadas e instituídas, continuam sendo difundidas pelos veículos de comunicação e
apropriadas pela maioria das personagens atuantes no sistema educacional brasileiro. Entre os
resultados obtidos observou-se que não se pode falar, no campo da História da Educação, de
um húnico conceito de Educação, mas sim, de vários. Consequentemente, também não se
pode generalizar o conceito de Escola. Consideramos que nessa diversidade conceitual reside
a riqueza da Educação, pois nos fornece múltiplos meios tanto para uma prática pedagógica
significativa quanto para uma produção de pesquisa mais condizente com a realidade atual.

PALAVRAS-CHAVE: Educação; história da Educação; cultura escolar.

Introdução

Este texto foi concebido por agentes inseridas e atuantes em instâncias diferentes, mas
inter-relacionadas e interdependentes. Uma das instâncias é o interior da escola fundamental e

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
2
Mestre em educação do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá
(UEM).
3
Para a produção deste texto, contamos com a orientação da Profª Drª Fátima Maria Neves - Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
2139

a outra localiza-se no campo da pesquisa institucional e acadêmica na pós-graduação em


Educação. Destarte, o exercício docente e a pesquisa científica em nível superior de ensino
vinculada ao campo da História da Educação constituem os lócus de produção deste trabalho.
A nosso ver, situar o lugar de produção textual é imprescindível, porquanto, em nosso
entendimento, “a análise recorta”, no “tecido da história”, o objeto relativo “aos lugares de
observação”, ou lugares de produção do pesquisador, como nos lembra o historiador francês
Michel De Certeau (2006, p.42). Para esse teórico, os historiadores “[...] enquanto falam da
história, estão sempre situados na história” (CERTEAU, 2006, p.32). Em outras palavras, o
pesquisador, ao fazer a escrita da História ou historiografia, parte de um lugar ou espaço - seja
o da docência seja o da pesquisa – a partir do qual elege um objeto de estudo, no intuito de
amenizar certas inquietações e indagações pessoais.
Inserida no interior da escola, atuando como docente do primeiro ciclo do Ensino
Fundamental, defrontamo-nos com diversas tendências educacionais, cada qual com suas
distintas características. Percebemos que uma significativa parcela de profissionais do cenário
escolar, entre eles os professores, muitas vezes desempenha seu papel sem se questionar a
respeito da problemática que envolve o conceito e a noção de “educação”. Além disso,
observa-se comumente um descompasso entre o que esses educadores entendem por
“educação” e sua prática pedagógica cotidiana, ou melhor, há uma desvinculação - no mínimo
perigosa - entre seu discurso teórico e a aplicabilidade desse discurso.
No campo da pesquisa historiográfica em Educação, do mesmo modo, é possível
identificar problemas e questões quando o objeto de estudo é a Escola. Desde os anos 90,
especialmente os historiadores da educação vêm delineando o seu campo de atuação e, por
conseguinte, os objetos de estudo que emergem desse campo, a escola. Essa instituição, seja
ela pública ou privada, guarda em seu interior uma multiplicidade de objetos - como o
imobiliário, o vestuário, os cadernos e as avaliações dos alunos, as anotações dos professores,
os livros didáticos, a literatura, a imprensa pedagógica e outros - que podem ser
caracterizados como fonte histórica no campo da História da Educação (JULIA, CHERVEL,
NÓVOA, LOPES, GALVÃO, NUNES).
A riqueza dos estudos e das pesquisas a partir desses objetos, conforme ressalta a
historiografia recente, reside no fato de eles fornecerem aos docentes subsídios para a
teorização sobre os meandros da relação ensino-aprendizagem e, por outro, o reconhecimento
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de certa diversidade de interpretações sobre o conceito de escola e, por conseguinte, de


educação. É oportuno registrar que, embora essa produção venha divulgando a existência
dessas “novas” fontes e suas infinitas possibilidades de estudos, ainda são poucos os
pesquisadores que se aventuram por este caminho.
A carência de reflexões sobre o conceito de educação por parte dos educadores em seu
exercício, aliada a certa indiferença dos pesquisadores em relação às “novas” fontes, causou-
nos certa inquietação, levando-nos a buscar na produção historiográfica conceituações acerca
do termo educação, com vista a ampliar o olhar dos atores presentes no cenário educacional
que atuam no processo ensino-aprendizagem e, ainda, no campo da pesquisa histórica e
historiográfica da educação. Tal empreitada justifica-se, por um lado, pelo fato de esse
conceito possuir múltiplas compreensões, tanto entre a comunidade interpretativa quanto entre
os professores e os demais funcionários das instituições escolares, e por outro, por ser a
identificação dessa compreensão conceitual, a nosso ver, imprescindível tanto para os
professores, que se encontram mais próximos da sala de aula, quanto para o pesquisador que
envereda pelo campo da investigação da História da Educação, já que tal definição interfere
diretamente na relação pesquisador-fonte e professor-aluno.
Assim, o interesse desta apresentação é expor as diferentes definições do conceito de
Educação e, ainda, produzir um panorama das matrizes teóricas que fundamentam as várias
definições. Contudo, é oportuno esclarecer que o objetivo deste texto não é identificar e
propor um conceito unívoco de Educação, mas mapear as formas de interpretação desse
conceito, objetivando a conscientização e a reflexão dos docentes e pesquisadores no
exercício de sua prática.

2 Educação: suas definições

Grosso modo, o termo educação é definido no dicionário de Aurélio Buarque de


Holanda Ferreira, como “[...] o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual
e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e
social” (FERREIRA, 2004, p.272). A partir dessa compreensão, veiculada por um dicionário
utilizado pelo grande público, entende-se a educação como uma prática em que se dá o
aprimoramento das habilidades infantis e adultas, objetivando torná-las socialmente
aceitáveis.
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Visando ao aprofundamento da investigação, buscamos autores que,


reconhecidamente, defendem posições diversas de educação e possuem, sob nossa ótica,
definições genéricas, que, independentemente da época em que foram pensadas e instituídas,
continuam sendo difundidas pelos veículos de comunicação e apropriadas de forma
generalizada pela maioria das personagens que atuam no sistema educacional brasileiro. Entre
as diversas concepções de educação instituídas ao longo da história destacam-se, nesta
apresentação, aquelas advindas dos autores chamados clássicos pela historiografia recente:
Erasmo de Roterdã (1466-1536) Emmanuel Kant (1724-1804) e Émile Durkheim (1858-
1917), e, no cenário brasileiro, o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão (1940-) e o filósofo
Paulo Ghiraldelli (1957-).
Respeitando essa organização, apresentamos primeiramente a concepção de Educação
para o pensador moderno Erasmo (1990). No entendimento desse teórico a Educação deve
corrigir as atitudes espontâneas do corpo, uma vez que o homem possui uma tendência natural
de seguir o caminho do mal, por isso carece de disciplina. Sendo assim, é necessário
transmitir a educação formal às crianças desde a mais tenra idade e ao maior número possível
de indivíduos. Em suma, educação é o cultivo do corpo e do espírito (ERASMO, 1990).
Representante do pensamento pedagógico iluminista, Kant (1996) enfatiza que o
homem é uma criatura que precisa ser educada, pois como a espécie humana não possui os
instintos animais, é necessário formar o “projeto de sua conduta”. O homem, portanto,
necessita da intervenção de outros membros da sociedade, pois por si só não possui a
capacidade de se educar; ao contrário, “por vir ao mundo em estado bruto, outros homens
devem educá-los” (KANT, 2002, p.12).
Do mesmo modo que Erasmo (1990), Kant (1996) defende a tese de que o ser humano
nasce com disposições naturais e inclinado à liberdade, e somente por meio da disciplina e da
educação ele se tornará homem. Por isso as crianças devem ser enviadas à escola desde a mais
tenra idade, para que sejam submetidas a regras de conduta, a valores morais, à disciplina
física e à prática. Para o autor, quando se deixa o homem seguir livre e plenamente a sua
vontade durante a juventude, não lhe restringindo nada, ele conserva certa selvageria por toda
a vida (KANT, 1996, p.14). Em suma, para esse teórico, “[...] a disciplina que é dada por
meio da educação transforma a animalidade em humanidade” (KANT, 1996, p.12).
Para Durkheim (1975), denominado “pai” do realismo sociológico (1975), a educação
é a ação exercida pelo adulto sobre a criança e tem por finalidade desenvolver nela as aptidões
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físicas, morais e intelectuais impostas pela sociedade na qual está inserida. Desse modo, a
educação é concebida por esse estudioso como um processo de socialização nas novas
gerações.
É oportuno ressaltar, não obstante, que a definição de educação dada por Durkheim
(1975) diferencia-se da apresentada por Kant (1996). Segundo Durkheim (1975), a concepção
de kantiana é de certo modo idealista, compreende a educação de uma única forma, o que, em
sua visão, é um equívoco, pois se considerarmos a história, perceberemos que nunca existiu
uma educação ideal, que servisse para todos os povos em todos os tempos.
Reportando-nos neste momento ao cenário brasileiro atual, destacamos a concepção de
educação do antropólogo Carlos Rodrigues Brandão (1984), com vasta publicação nos
campos da cultura e da educação popular. Embasando-se na definição dada pelo sociólogo
Emile Durkheim (s/d), ele define a educação como “uma prática social”. Em outras palavras,

O que existe são exigências socais de formação de tipos concretos de pessoas na e


para a sociedade. São, portanto, modos próprios de educar – por isso, diferentes de
uma cultura para outra – necessários à vida e à reprodução da ordem de cada tipo de
sociedade, em cada momento da história. Não se trata de dizer que a educação tem,
também, de modo abstrato e muito amplo, um compromisso com a “cultura”, com a
“civilização”, ou que ela tem um vago “fim social”. O que ocorre é eu ela é
inevitavelmente uma prática social que, por meio da inculcação de tipos de saber,
reproduz tipos de sujeitos sociais (BRANDÃO, 1984, p.71).

Cabe então observar que, para ambos - Durkheim e Brandão -, as postulações sociais
têm supremacia sobre os indivíduos e sobre os princípios e as propostas educacionais.
Na perspectiva do filósofo brasileiro Paulo Ghiraldelli (2007), a palavra educação é
caracterizada como um termo designado para referenciar o ato educativo, uma prática social
compreendida somente como um determinado ato relativo ao tempo e ao espaço no qual se dá
a relação ensino-aprendizagem. Para esse estudioso, a relação ensino-aprendizagem é sempre
orientada por alguma teoria, de acordo com os objetivos almejados (GHIRALDELLI, 2007).
Percebe-se que, tal como Brandão (1984), esse intelectual concebe a escola como uma
instância determinada socialmente.
Ampliando nosso olhar sobre o conceito de Educação, apresentamos outra perspectiva,
a qual percebe o ato educativo como emergente da prática docente e encharcado de
procedimentos, em que se destacam a mediação, a criação e a construção do saber. Para tal,
selecionamos intelectuais que, apesar de pertencerem a bases filosóficas distintas,
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aproximam-se ao conceberem propostas educacionais pautadas nesses pressupostos (a


mediação, a criação e a construção do saber). São eles, no âmbito internacional, Lev
Semenovich Vigotski (1896-1934), e no nacional, Paulo Reglus Neves Freire (1937-1997).
Vigotski (1998), teórico russo com formação em Direito, Medicina e Psicologia,
reconhecido pela historiografia atual como pioneiro da psicologia do desenvolvimento, define
o ato educativo como pautado na construção de saberes. Para esse autor, a educação é o
processo de construção do conhecimento por mediação. Para ele, o aprendizado vem antes do
desenvolvimento, “assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente
humanas” (VIGOTSKI, 1998, p. 118). O sujeito se desenvolve quando aprende, e esse
aprendizado se dá na interação do sujeito com o meio social e cultural em que ele vive.
Devido a este fato, a teoria vigotskiana é chamada de sociointeracionista.
A ação de aprender, para Vigotski, ocorre desde o primeiro dia de vida de um ser
humano, antes de ele frequentar a escola, pois esse autor percebe o meio em que o sujeito vive
como cheio de significados, carregado de história e cultura, um local em que as pessoas
aprendem por meio da imitação e da interação com as outras pessoas. Depois a criança atinge
a idade de frequentar a escola e se depara com outra forma de aprendizado, o aprendizado
escolar. Nessa percepção, o aprendizado escolar desempenha um papel de grande importância
na formação dos conceitos de um modo geral e dos científicos em particular, uma vez que a
escola é capaz de proporcionar ao aluno um conhecimento sistematizado, o qual nem sempre
está associado ao campo de vivência dessa criança.
No processo ensino-aprendizagem, Vigotski (1998) trabalha com a ideia de níveis de
desenvolvimento, que são: a) o nível de desenvolvimento real - aquele conhecimento que a
criança já possui; b) o nível de desenvolvimento potencial - o conhecimento que está em vias
de elaboração; e c) a zona de desenvolvimento proximal - a distância que existe entre o
potencial e o real. A zona de desenvolvimento proximal é caracterizada como uma espiral,
responsável por interligar o conhecimento que está em construção no ser humano,
denominado potencial, com o saber real, aquele já existente no interior da pessoa. Esse
processo é contínuo, está sempre em movimento. As dúvidas criam conflitos cognitivos, então
o que é real se torna potencial outra vez, ocasionando a busca por aprofundamentos e
encadeando o conhecimento real novamente. Nas palavras do autor,
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[...] a zona de desenvolvimento proximal [...] é a distância entre o nível de


desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto
ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1998, p.
112).

Nesse cenário, o professor desempenha um papel fundamental na aprendizagem de seu


aluno. De acordo com Vigotski (1998), ele pode intervir na zona de desenvolvimento
proximal, atuando como orientador e mediador do processo ensino-aprendizagem, permitindo
que o conhecimento potencial se torne real. Logo se pode afirmar que, na abordagem
sociointeracionista de Vigotski, o ser humano aprende a partir de suas relações com o meio
em que vive e se constrói intelectualmente por meio da cultura na qual está inserido.
Pensando no termo orientar, reportamo-nos ao paradigma de Paulo Reglus Neves
Freire (1921-1997), estudioso brasileiro com formação em Direito, tal como Vigotski, e com
titulação de doutor em Filosofia e História da Educação, reconhecido pelo seu trabalho no
campo da educação popular, e ainda, considerado um dos pensadores mais notáveis na
história da pedagogia mundial.
Esse intelectual, conhecido como Paulo Freire, defendeu e disseminou a alfabetização
de jovens e adultos, procurando viabilizar um conceito de educação como espaço em que se
constrói o individual e o social e no qual o aluno não é passivo, e sim, agente do processo.
Partindo desse conceito de educação, Paulo Freire propõe uma prática educativa
construída sobre o diálogo entre educador e educando, na qual existem partes de cada um no
outro. Isso significa que o processo de ensino não pode começar com o educador trazendo
pronto, do seu mundo, o saber, para impô-lo ao seu aluno, o que Freire denomina de
“educação bancária” (FREIRE, 1987). Desse modo, cabe ao educador a tarefa de atuar
dialogicamente, trabalhando de maneira interdisciplinar o universo temático do aluno,
recolhido na “[...] investigação da temática como ponto de partida do processo educativo,
como ponto de partida de sua dialogicidade” (FREIRE, 1987, p.102-103). Dessa forma o
objetivo é desenvolver tal universo como conflito, não como dissertação, gerando assim
inquietações, que poderão provocar a busca pelo conhecimento.
Na concepção freireana, na relação pedagógica estabelecida entre os atores do
processo ensino-aprendizagem, ao educador cabe o papel de contribuir com os educandos em
seu processo de edificação do conhecimento. Nesse processo o professor não deve aniquilar a
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criatividade dos educandos, que possuem responsabilidade na construção de seu


conhecimento (FREIRE, 2003, p. 19).
Essa ideia se fundamenta em algo que o autor em questão considera como base para a
se arquitetar o conhecimento: a curiosidade. A curiosidade, inserida no corpus teórico de
Paulo Freire, pode levar os seres humanos a admirarem o mundo, e em alguns, gerar
inquietações e questionamentos, podendo assim resultar na busca por percepções, pelo saber.
Exemplifiquemos essa relação da seguinte maneira: quando um professor sugere um tema em
suas aulas, ele deve instigar seus alunos, despertar neles a curiosidade, estimular
questionamentos, permitir que eles reflitam sobre suas perguntas. Tal prática se configura
como uma oportunidade de fazer com que os alunos não fiquem passivos em seu aprendizado
e se tornem sujeitos críticos, que deixam vir à tona suas potencialidades. Conforme salienta
Paulo Freire (1996, p.85), “a construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o
exercício da curiosidade”.
Sob a ótica de Paulo Freire, percebe-se que a curiosidade é um dos principais
“motores” da construção do conhecimento. Ele, como educador, relata: “[...] devo saber que
sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem
ensino” (FREIRE, 1996, p. 85). Esse tipo de prática educativa pode levar o educando a
construir o seu saber, e não apenas a receber as informações transmitidas por um professor,
sem se utilizar a curiosidade como meio de arquitetar saberes. O educador que enxerga o
educando como agente de seu processo ensino-aprendizagem não impõe conteúdos: ele é um
guia, um elo entre o educando e o conhecimento.
Partindo do exposto, concluímos que não se pode falar, no campo da História da
Educação, de um conceito de educação, mas sim, de vários; consequentemente, também não
se pode generalizar o conceito de escola. Não é novidade que existem várias concepções de
educação e de escola. Entre os diversos estudos que vêm sendo realizados no campo da
História da Educação pode-se destacar a tendência que concebe a escola como uma instância
de manutenção e reprodução da sociedade burguesa. Essa concepção é defendida por um dos
teóricos de maior expressão da atualidade, Pierre Bourdieu (1930-2002), filósofo francês que
se dedicou a investigar temas que estão mais próximos da Antropologia e, principalmente, da
Sociologia. Bordieu é uma figura polêmica. Seus contemporâneos, na construção de seus
espaços profissionais, sentiam-se obrigados a se definir em relação a ele, como reconheceu
Bernard Charlot (1944 -), outro francês e sociólogo da educação. Para Bourdieu, o
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recrutamento de alunos, os conteúdos programáticos e as formas de avaliação são mecanismos


institucionais de reprodução social.
Não obstante, compreende-se com mais tranquilidade o entendimento de Bourdieu
sobre a escola e seus mecanismos quando se relacionam tais temas com o debate que ele
promove sobre Campo. Para esse intelectual, a noção de Campo compreende as possibilidades
de identificar as crenças, os valores, os habitus que construíram e edificaram os campos; é
perceber o jogo de expressões próprias, é “explicar, tornar necessário, subtrair o absurdo do
arbitrário e do não-motivado os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não,
como geralmente se julga, reduzir ou destruir” (BOURDIEU, 2000, p. 69).
O Campo, para Bourdieu (2000), não é unívoco, mas sim, possui vários sentidos
diferentes. Ele o considera dinâmico, com elasticidade, uma vez que, na sua perspectiva, se
fosse estático não seria Campo. No interior do Campo existe uma luta de ideias, em que nem
tudo pode ser objetivo e nem tudo pode ser subjetivo. Em outras palavras, para esse estudioso,
não se pode dizer que o individuo é passivo, que as estruturas lhe impõem tudo; mas também
não podemos dizer que o individuo é completamente livre, autônomo e sem nenhum tipo de
dependência para com as estruturas.
A historiografia tem registrado, nas últimas décadas, vários defensores da tendência
que concebe a escola como produtora de cultura escolar, dentre eles os franceses André
Chervel e Dominique Julia, historiadores do campo da História dos Campos Disciplinares e
da Cultura Escolar. Os estudos desenvolvidos por esses intelectuais revelam que, embora a
instituição escolar seja estruturada pela sociedade na qual se insere, “os professores dispõem
de uma ampla liberdade de manobra” (JULIA 2001, p.33). Destarte, para os intelectuais em
referência, a escola não é o “[...] lugar da rotina e da coação e o professor não é o agente de
uma didática que seria imposta de fora”, pois, mesmo sob pressão, o professor “[...] sempre
tem a possibilidade de questionar a natureza de seu ensino” (JULIA, 2001, p.33).
Diversas tendências concebem a cultura escolar “como um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitam a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”
(JULIA 2001, p. 10). O autor ressalta que essas normas e práticas são determinadas pelas
finalidades que são postas às escolas, as quais variam de acordo com o momento histórico a
que pertencem.
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Julia (2001) acrescenta ainda que por cultura escolar se podem entender também “as
culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de
recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares” (JULIA, 2001,
p.11). Contudo, o autor nos lembra que “a cultura escolar não pode ser estudada sem a análise
precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história
[...]” (JULIA, 2001, p.10).
Para Julia (2001), a cultura escolar é constituída por três elementos essenciais, “[...]
primeiro, a construção do espaço escolar específico; segundo, a implementação de cursos
graduados em níveis e, o terceiro, o corpo profissional específico” (JULIA, 2001, p.14).
Sendo a cultura popular composta dessa maneira, o estudo sobre esse conceito apenas é
possível, como já mencionado anteriormente, se o pesquisador ultrapassar os muros das
instituições escolares e fizer emergir deste espaço fontes e objetos de estudos mais peculiares
desse sistema, como material didático, cadernos de anotações de professores, programa das
disciplinas, recursos didáticos, os cadernos dos alunos e outros.
Adverte-se, todavia, que dentre tais fontes de pesquisa, é imprescindível para o
estudo das culturas escolares a produção discente, ou seja, os cadernos, atividades, trabalhos e
tarefas de casa dos alunos. Não obstante, o autor alerta “[...] que este material, na maioria das
vezes é descartado tanto pelos alunos e pais, bem como pelos professores ou as instituições
educativas” (JULIA, 2001, p.16). Desse modo, cabe aos estudiosos - sejam eles oriundos do
campo da docência ou da pesquisa - realizar um inventário sistemático das práticas
pedagógicas a partir dessas fontes, o que, “[...] permitiria compreender as modificações,
frequentemente insensíveis, que surgem de geração em geração” (JULIA, 2001, p.34).
Chervel (1990) admite que a escola tem como função formar indivíduos, e para
cumprir tal tarefa ela reproduz os conhecimentos que lhe são impostos “pela sociedade que a
rodeia e pela cultura na qual ela se banha” (CHERVEL, 1990, p.180). Entretanto, ele observa
que a escola também “forma uma cultura que adentra, adapta e transforma a cultura da
sociedade que a permeia” (CHERVEL, 1990 p.184). Na visão desse intelectual, o lugar de
produção no qual se encontra cada professor e cada aluno faz com que a reprodução de
conhecimentos dentro do universo escolar não se torne regra, e se tal reprodução acontecer,
não ocorrerá sem resistências nem sempre da mesma maneira.
Identificada com Chervel (1990), Bittencourt (2004) também firma posição quanto
ao papel desempenhado pela instituição escolar. A autora destaca que Chervel (1990)
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reconhece os limites da escola e, sobretudo, sabe que ela tende a obedecer a “uma lógica
particular e específica da qual participam vários agentes internos e externos”
(BITTENCOURT, 2004, p.39). Apesar disso, essa autora compreende a instituição escolar
como “lugar de produção de um saber próprio”
Chervel (1990) e Julia (2001) consideram que o “único limite verdadeiro com o qual
se depara a liberdade pedagógica do mestre é o grupo de alunos que se encontra diante de si”.
Aliás, como acrescenta o autor, é a mudança deste público “que impôs frequentemente a
mudança dos conteúdos ensinados” (JULIA, 2001, p.34). Nesse mesmo debate e sob o mesmo
viés, os historiadores da educação, na visão de Nóvoa (s/d), precisam transferir os seus
olhares para o interior da realidade educativa: “[...] chegou o tempo de olhar com mais
atenção para a internalidade do trabalho escolar, nomeadamente nos momentos de conflitos e
rupturas” (NÓVOA, s/d, p.05).
Levando em consideração o exposto, é oportuno frisar que o ato educativo ganha
visibilidade quando pensamos a escola não como reprodutora de conhecimentos científicos,
mas como produtora de cultura propriamente escolar. A partir disso, questionamos: quanto e
como essas postulações teóricas são apropriadas no interior das práticas escolares? De que
forma elas podem contribuir para uma prática docente significativa? A nosso ver, essas
questões ganham possibilidades de problematização quando as práticas e os saberes escolares
se tornam objeto de estudo. Uma das alternativas pode ser analisada por meio do conceito de
cultura escolar.
Procurando possíveis respostas para tais questões, tramitamos por tendências
diversas de escola e de educação e, ainda, pelo espaço da cultura escolar. A partir do trajeto,
em linhas gerais, pudemos destacar duas grandes formas de conceder o conceito de Educação.
A primeira, a nosso ver, aproxima-se da noção educatio, termo latino que significa uma
educação entendida como instrução, formação, em outras palavras, transmissão de
conhecimentos (FAITANIN, 2007). Essa concepção, a nosso ver, tradicional, é necessária em
alguns momentos, especialmente na imposição de regras, na abordagem de conteúdos
sistematizados desconhecidos dos alunos. É defendida - como referido anteriormente - por
autores como Erasmo de Roterdã (1466-1536), Emmanuel Kant (1724-1804) e Émile
Durkheim (1858-1917), e no cenário brasileiro, pelo antropólogo Carlos Rodrigues Brandão
(1940-) e pelo filósofo Paulo Ghiraldelli (1957-).
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A segunda forma de conceber a Educação se afasta da noção educatio, aproximando-


se da noção de educere. Termo igualmente latino, educere significa “[...] extrair,
desabrochar, desenvolver algo no indivíduo” (ARAÚJO, 1999, p.08). Educere sugere uma
educação em que o educador exerce o papel de guia no processo ensino-aprendizagem e o
educando é agente atuante desse processo. Por esse prisma, a atividade educacional é
concebida como meio para o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo. Isso implica
compreender o conhecimento como algo inserido no próprio sujeito, entender que cabe ao
educador o papel de instigar esse saber para que ele se revele.
Ultimando este artigo, consideramos oportuno registrar novamente que seu objetivo
não foi identificar nem propor um conceito unívoco de educação, mas sim, mapear essas
formas de interpretar esse conceito, objetivando a conscientização e a reflexão dos docentes e
pesquisadores no exercício de sua prática. A nosso ver, reconhecer essa multiplicidade de
interpretações sobre uma mesma concepção não deve se configurar como um problema aos
olhos dos professores, muito menos para os historiadores da educação. Se pensarmos em uma
sala de aula, notaremos que cada aluno tem um desempenho, uma maneira de se apropriar do
conhecimento, o que exige do professor uma diversificação na maneira de ensinar. Utilizar
uma única teoria no processo ensino-aprendizagem não garante que todos os alunos
aprenderão da mesma forma. Assim, acreditamos que é na diversidade que reside a riqueza
da educação, pois esta nos fornece múltiplos maios tanto para uma prática pedagógica
significativa quanto para uma produção de pesquisa mais condizente com a realidade atual.

Referências

ARAUJO, Deuzimar Serra. Uma metodologia dialógica e proativa para alfabetização de


jovens e adultos. Mestrado. Universidade Estadual do Maranhão – Ciência da Educação:
Maranhão, Caxias, 1999.

BAQUERO, Ricardo. Vigotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas,


1998.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São


Paulo: Editora Cortez, 2004, p.33-55.

BOURDIEU. Pierre. A gênese dos conceitos de habitus e de campo. IN: O poder simbólico.
Tradução de Fernando Tomaz (português de Portugal). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

BRANDÃO, Carlos R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1984.


2150

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2006;

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.


PA: Teoria & Educação, n. 02, 1999, p. 177-229.

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 10ª ed. Trad. de Lourenço Filho. São Paulo,
Melhoramentos, 1975.

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