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Aby Warburg e a ciência sem nome

Giorgio Agamben
O filósofo Giorgio Agamben busca tanto apresentar quanto recuperar a
especificidade da obra do historiador da arte Aby Warburg, evidenciando sua visa-
da transdiciplinar em relação à obra de arte.
História, cultura, arte.

Este ensaio visa estabelecer a situação críti- mesmo tempo em que aumentava a cele-
ca de uma disciplina “que, ao contrário de bridade do Instituto, assistia-se todavia ao
tantas outras, existe, mas não tem nome”. Já desaparecimento progressivo da imagem de
que o criador dessa disciplina foi Aby seu fundador e de seu projeto originário,
Warburg,1 somente uma análise atenta de enquanto a edição dos escritos e fragmen-
seu pensamento poderá fornecer o ponto tos inéditos de Warburg era constantemen-
de vista que tornará possível tal situação. Só te adiada, não tendo até o momento sido
assim poderemos nos perguntar se essa publicada.3 Naturalmente, essa caracteriza-
“disciplina inominada” é, ou não, suscetível de ção do método warburgiano reflete uma
receber nome e em que medida os nomes atitude diante da obra de arte, que foi
propostos até aqui cumprem bem seu papel. indubitavelmente a de Aby Warburg. Em
1889, enquanto preparava na universidade
A essência do ensino e do método de de Strasbourg sua tese sobre O nascimento
Warburg, tal como se manifesta na ativida- de Vênus e A primavera, de Botticelli, per-
de da Biblioteca para a Ciência da Cultura, cebeu que toda tentativa de compreender
em Hamburgo, que se tornaria mais tarde o o espírito de um pintor da renascença era
Instituto Warburg,2 é tipicamente identificada fútil se o problema fosse encarado apenas
com a recusa do método estilístico-formal do ponto de vista formal,4 e durante toda a
que domina a história da arte no final do sua vida ele conservou “franca repulsa” pela
século 19 e como deslocamento do ponto “história da arte estetizante”5 e pela consi-
central de investigação: da história dos esti- deração puramente formal da imagem. Essa
los e da valorização estética aos aspectos atitude, porém, não nascia nem de aproxi-
programáticos e iconográficos da obra de mação puramente erudita ou de antiquário
arte tais como resultam do estudo de fon- em relação aos problemas da obra de arte,
tes literárias e do exame da tradição cultu- nem, ainda menos, de indiferença por seus
ral. A lufada de ar fresco trazida pela visada aspectos formais: sua atenção obsessiva, qua-
warburgiana da obra de arte em meio às se iconólatra, à força das imagens, prova se Giuseppe Penone,
águas estagnadas do formalismo estético é necessário que Warburg era quase sensível Em direção ao centro da
atestada pelo sucesso crescente das pesqui- demais aos “valores formais”; e um conceito terra, 1969
sas inspiradas por seu método, que conquis- como o de Pathosformel, que torna impos-
taram, mesmo fora do domínio acadêmico, sível separar a forma do conteúdo, pois de- Fonte das imagens:
Giuseppe Penone, org.
público tão vasto, que se pode falar em uma signa o indissolúvel entrelaçamento de uma Catherine Grenier, Paris:
imagem “popular” do Instituto Warburg. Ao carga emotiva e de uma fórmula iconográfica, Centre Pompidou, 2004

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revela que seu pensamento não pode jamais Em 1923, enquanto se encontrava na casa
ser interpretado em termos de oposições de repouso de Ludwig Binswanger em
superestimadas do tipo forma/conteúdo ou Kreuzlingen, durante longa doença mental
história dos estilos/história da cultura. O que que o manteve afastado de sua biblioteca
lhe é peculiar, em sua atitude científica, é, durante seis anos, Warburg perguntou a seus
mais do que uma nova maneira de fazer a médicos se eles aceitariam deixá-lo partir
história da arte, uma tensão voltada para a caso ele pudesse provar sua cura, fazendo
superação dos limites da própria história da uma conferência aos pacientes da clínica. O
arte, tensão que acompanha logo de início tema que ele escolhe para sua conferência,
seu interesse por essa disciplina, e assim o ritual da serpente dos índios da América
podemos acreditar que ele a escolheu uni- do Norte,6 foi tirado, de forma surpreen-
camente para semear o grão que a faria ex- dente, de uma experiência de sua vida que
plodir. O “bom deus” que, segundo seu cé- remontava a quase 30 anos mais cedo e que
lebre ditado, “se esconde nos detalhes” não tinha, portanto, deixado marca bem profun-
era para ele um deus tutelar da história da da em sua memória. Em 1895, durante uma
arte, mas o demônio obscuro de uma ciên- viagem para América do Norte, quando não
cia inominada da qual começamos, só hoje, tinha ainda 30 anos, ficou alguns meses en-
a entrever os traços. tre os índios Pueblo e Navajo do Novo
México. O encontro com a cultura primitiva
americana (na qual ele fora iniciado por Cyrus
Adler, Frank Hamilton Cushing, James Mooney
e Franz Boas) o afastou completamente da
concepção de uma história da arte como
disciplina especializada, confirmando seu ra-
ciocínio, que ele amadureceu refletindo ao
longo de todo o período de estudos de
Usener e de Lamprecht cursados em Bonn.
Usener (que Pasquali dizia ser “o filólogo mais
prolífico de ideias entre os grandes alemães
da segunda metade do século 19”7), e atraiu
sua atenção para Tito Vignoli, pesquisador
italiano que, no livro Mythe et science (Mito
e scienza, Milão, 1879), enfatizava a necessi-
dade de abordagem conjunta, pela antropo-
logia, etnologia, mitologia, psicologia e bio-
logia, dos problemas do homem. As passa-
gens do livro de Vignoli contendo essas afir-
mações foram energicamente sublinhadas
por Warburg. Durante sua estada america-
na, essa exigência nascida em sua juventude
torna-se decisão a tal ponto estabelecida, que
podemos afirmar o seguinte: a obra inteira
de Warburg “historiador da arte”, incluindo
a célebre biblioteca que ele já havia come-
çado a reunir em 1886,8 não tem sentido a

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não ser que a compreendamos como esfor- às fronteiras, que considera a Antigui-
ço, realizado através e além da história da dade, a Idade Média e os Tempos Mo-
arte, em direção a uma ciência mais vasta; se dernos uma época interligada, que in-
ele não lhe pôde jamais achar um nome terroga os produtos das artes, quer
definitivo, trabalhou com tenacidade, até a sejam liberais ou aplicadas, como do-
morte, em sua configuração. Em suas anota- cumentos expressivos de igual dignida-
ções para a conferência de Kreuzlingen so- de, eu espero ter mostrado que esse
bre o ritual da serpente, ele definiu sua biblio- método, empenhando-se cuidadosa-
teca como “uma coleção de documentos mente em esclarecer um ponto obscu-
concernentes à psicologia da expressão hu- ro singular, esclarece também os gran-
mana”.9 Nas mesmas anotações, ele repete des momentos do desenvolvimento
sua aversão pela visada formal, aproximação geral em suas associações. Tratava-se
“incapaz de compreender a necessidade bio- menos, para mim, de encontrar uma so-
lógica da imagem, no cruzamento da religião lução elegante do que de levantar um
e da prática artística”.10 Essa posição da ima- problema novo, que eu gostaria de for-
gem, entre arte e religião, é importante para mular assim: “Em que medida se deve
fixar o horizonte de sua busca: seu objeto é considerar o evento da transformação
a imagem mais do que a obra de arte, o que estilística da figura humana, na arte ita-
a coloca decididamente fora das fronteiras liana, o resultado de uma confrontação
da estética. Já em 1912, na conclusão de sua internacional com as figuras sobreviven-
conferência “Arte italiana e astrologia inter- tes da civilização pagã dos povos do
nacional no palácio Schifanoia em Ferrare”, Mediterrâneo oriental?” O estupor en-
ele convidava a “uma ampliação metodológica tusiasta que suscita o fenômeno incom-
das fronteiras temáticas e geográficas” da his- preensível da genialidade artística não
tória da arte: pode senão ganhar em vigor se nós re-
conhecemos que esse gênio é, ao mes-
Categorias inadequadas, tomadas de em- mo tempo que uma graça, a operação
préstimo de uma teoria evolucionista consciente de uma energia crítica e
geral, impediram a história da arte de construtiva. O novo grande estilo que
pôr seus materiais à disposição da “psi- nos trouxe o gênio artístico italiano se
cologia histórica da expressão huma- enraizava na vontade social de desem-
na”, que, aliás, resta ainda a ser escri- baraçar o humanismo grego da “práti-
ta.11 Nossa jovem disciplina se proíbe ca” medieval e latina de inspiração orien-
de dar uma visão global sobre a histó- tal. É com esse desejo de restaurar a
ria universal, por causa de sua funda- Antiguidade que o “bom europeu”
mental tendência, por demais materia-
empreende seu combate pelas Luzes
lista ou por demais mística. Ela tateia
em certa época de migração internacio-
em meio aos esquematismos da histó-
ria política e das teorias sobre o gênio nal das imagens, que nós chamamos –
para achar sua própria teoria do de- de maneira um pouco mística demais –
senvolvimento. Pelo método, que é este de Renascença.12
de meu ensaio de interpretação dos
afrescos do palácio Schifanoia em É importante notar que essas considerações
Ferrare, eu espero ter mostrado que fazem parte da conferência em que ele ex-
uma análise iconológica que não se põe uma de suas mais célebres descobertas
deixa intimidar por respeito exagerado iconográficas: a identificação do conteúdo da

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faixa mediana dos afrescos do palácio bém pensar na revolução que conheceu a
Schifanoia, sobre a base das imagens dos paleografia nas mãos de Ludwig Traube, que
decanos descritas no Introductorium maius, Warburg chamava de “o Grande Mestre de
de Abu Ma’shar. Segundo Warburg, a nossa Ordem” e que soube tirar, dos erros
iconografia nunca é um fim em si (o que Kraus dos copistas e das influências caligráficas, des-
dizia a respeito do artista, a saber, que ele cobertas decisivas para a história da cultura.13
sabe transformar a solução em enigma, vale
Mesmo o tema da “vida póstuma 14” da
para Warburg também) e tende sempre,
civilização pagã, que define uma das
além da identificação de um conteúdo e de
principais linhas de força da reflexão de
suas fontes, à configuração de um problema Warburg, não se compreende a não ser que
histórico e étnico, na perspectiva do que ele o recoloquemos nesse horizonte mais vas-
chama às vezes de “um diagnóstico de ho- to: aí, as soluções estilísticas e formais
mem ocidental”. A transfiguração do méto- adotadas a cada vez pelos artistas se apre-
do iconográfico nas mãos de Warburg lem- sentam como decisões éticas definindo a
bra muito a do método lexicográfico na “se- posição dos indivíduos e de uma época em
mântica histórica” de Spitzer, em que a his- relação à herança do passado, e a interpre-
tória de uma palavra se torna, ao mesmo tação do problema histórico se torna, por
tempo, história de uma cultura e configura- isso mesmo, um “diagnóstico” do homem
ção de seu problema vital específico; para ocidental lutando para se curar de suas con-
compreender sua maneira de encarar o es- tradições e para encontrar, entre o antigo e
tudo da tradição das imagens, podemos tam- o novo, sua própria moradia vital.

Giuseppe Penone
Suturas, 1987-1990

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Se Warburg pôde até apresentar o proble- que Semon chama de engrama. A ener-
ma do Nachleben des Heidentums como gia potencial conservada nesse engrama
seu próprio problema de pesquisador,15 foi pode ser reativada e descarregada em
por ter entendido, graças a uma surpreen- certas condições. Podemos dizer então
dente intuição antropológica, que o proble- que o organismo age de uma certa
ma de “transmissão e sobrevivência” é a maneira porque ele “se lembra” do
questão central de uma sociedade “quente”, evento precedente.17
como a ocidental, tão obcecada pela histó-
ria, que gostaria de fazê-la o próprio motor O símbolo e a imagem têm, segundo
de seu desenvolvimento.16 Mais uma vez, o Warburg, igual função que, para Semon, é a
método e os conceitos de Warburg se es- do engrama no sistema nervoso central do
clarecem se os comparamos com as ideias indivíduo: neles se cristalizam carga energética
que guiaram Spitzer em suas pesquisas de e experiência emotiva que sobrevêm como
semântica histórica e o fizeram acentuar o herança transmitida pela memória social e
caráter ao mesmo tempo “conservador” e que, como a eletricidade condensada em
“progressista” de nossa tradição cultural, cujas uma garrafa de Leyden, se tornam efetivas
mudanças aparentemente maiores estão ao contato da “vontade seletiva” de uma
sempre ligadas, de uma maneira ou outra, à época determinada. É por isso que Warburg
herança do passado (o que prova também a fala frequentemente dos símbolos como
singular continuidade do patrimônio semân- “dinamogramas” transmitidos aos artistas no
tico das línguas europeias modernas, essen- estado de tensão máxima, mas não polari-
cialmente greco-romano-judaico-cristão). zados quanto a sua carga energética – ativa
ou passiva, negativa ou positiva –, sua polari-
Nessa perspectiva, pela qual a cultura é sem- zação, quando se encontram uma nova épo-
pre um processo de Nachleben, quer dizer, ca e de suas necessidades vitais,pode causar
de transmissão, recepção e polarização, com- a inversão completa de sua significação.18
preendemos por que Warburg devia fatal- Logo, para ele, a atitude dos artistas, em face
mente concentrar sua atenção no problema das imagens herdadas da tradição, não era
dos símbolos e de sua existência na memó- pensada em termos de escolha estética nem
ria social. de recepção neutra: tratava-se antes de con-
frontação, mortal ou vital dependendo do
Gombrich evidenciou a influência que exer- caso, com as terríveis energias que continham
ceram sobre ele as teorias de um discípulo essas imagens e que em si mesmas tinham a
de Hering, Richard Semon, cujo livro Mneme possibilidade de fazer regressar o homem a
ele havia comprado em 1908. Segundo estéril sujeição ou de orientar seu caminho
Semon, para a salvação e o conhecimento. Isso era
verdade, segundo ele, não só para os artis-
a memória não é uma propriedade da tas que, como Dürer, tinham humanizado a
consciência, mas a qualidade que dis- crença supersticiosa de Saturno, polarizan-
tingue a matéria vivente da inorgânica. do-a no emblema da contemplação intelec-
É a capacidade de reagir a um evento tual,19 mas também para o historiador e o
durante certo tempo; quer dizer, uma sábio. Warburg os concebia como sismó-
forma de conservação e de transmis- grafos hipersensíveis que respondem ao tre-
são de energia, desconhecida do mun- mor de agitações longínquas ou como
do físico. Cada evento que age sobre a “necromantes” que, de plena consciência,
matéria vivente deixa nela um vestígio, evocam os espectros que os ameaçam.20

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O símbolo pertencia então, em sua opinião, blioteca (e que podemos ler ainda hoje na
a uma esfera intermediária entre a consciên- entrada da biblioteca do Instituto Warburg):
cia e a reação primitiva e trazia em si tanto a Mnemosine. Gertrud Bing descreve esse pro-
possibilidade de regressão como a de co- jeto como “um atlas figurativo ilustrando a
nhecimento mais elevado; ele é um história da expressão visual na região medi-
Zwischenraum, um “intervalo”, uma espécie terrânea”.23 Warburg foi provavelmente con-
de no man’s land no centro do humano, da duzido a escolher esse estranho modelo por
mesma forma que a criação e a fruição da sua dificuldade pessoal de escrever, mas so-
arte requerem a fusão de duas atitudes psí- bretudo pelo desejo de encontrar forma que,
quicas que de hábito se excluem mutuamen- ultrapassando os esquemas e os modos tra-
te (“um abandono de si mesmo apaixonado dicionais da crítica e da história da arte, teria
e uma fria e distante serenidade na contem- sido finalmente adequada à “ciência sem
plação ordenadora”); a “ciência sem nome” nome” que ele tinha em mente.
buscada por Warburg é, como registra uma
anotação de 1929, “uma iconologia do in- Do projeto Mnemosine, deixado inacabado
tervalo”, ou uma psicologia do “movimento quando da morte de Warburg em outubro
pendular entre a posição das causas como de 1929, restam umas quatro dezenas de te-
imagens e como signos”.21 Esse estatuto “in- las de tecido negro em que estão fixadas qua-
termediário” do símbolo (e sua capacidade, se se mil fotografias; é possível reconhecer seus
o dominarmos, de “curar” e orientar o espírito temas iconográficos preferidos, mas o material
humano) é claramente afirmado em uma ano- se expandiu até incluir um anúncio publicitário
tação da época em que, preparando a confe- de companhia de navegação, a fotografia de
rência de Kreuzlingen, ele estava demonstran- uma jogadora de golfe, e a do papa e Mussolini
do, a si mesmo e aos outros, sua cura: assinando a concordata. Mnemosine, entretan-
to, é algo mais do que uma orquestração, mais
A humanidade inteira é eternamente ou menos estruturada, dos motivos que gui-
esquizofrênica. No entanto, de um ponto aram a busca de Warburg durante anos. Ele
de vista ontogenético, é possível, talvez, a definiu uma vez, de maneira um tanto enig-
descrever um tipo de reação às imagens mática, como “uma história das fantasias para
da memória, como primitivo e anterior, pessoas verdadeiramente adultas”. Se consi-
ainda que continuando sempre a viver à derarmos a função que ele atribuía à ima-
margem. Em um estado mais tardio, a gem como órgão da memória social e
memória não provoca mais um movi- engrama das tensões espirituais de uma cul-
mento reflexo imediato e prático, que tura, compreendemos o que ele quis dizer:
seja de natureza combativa ou religiosa, seu “atlas” era uma espécie de gigantesco
mas as imagens da memória são então condensador recolhendo todas as corren-
conscientemente estocadas em imagens tes energéticas que tinham animado e ani-
e signos. Entre esses dois estádios toma mavam ainda a memória da Europa, toman-
lugar um tipo de relação com as impres- do corpo em suas “fantasias”. O nome
sões, que podemos definir como a for- Mnemosine acha aqui sua razão profunda.
ça simbólica do pensamento.22 O atlas que tem esse título lembra de fato o
teatro mnemotécnico, construído no século
Só nessa perspectiva é possível perceber o 16 por Giulio Camillo, que surpreendeu seus
sentido e a importância do projeto ao qual contemporâneos como algo maravilhoso,
Warburg dedicou seus últimos anos e ao qual novo e incrível.24 O autor havia tentado en-
dera nome pego como emblema de sua bi- cerrar “a natureza de cada uma das coisas

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que podiam ser exprimidas pela palavra”, de retornar jamais ao mesmo ponto; a cada vez,
tal maneira que quem penetrasse o admirá- ele aumenta necessariamente seu raio e des-
vel edifício teria imediatamente podido do- cobre perspectiva mais alta em que se abre
minar-lhe a ciência. Da mesma forma, a um novo círculo: a curva que o representa
Mnemosine de Warburg é um atlas não é, como frequentemente se disse, uma
mnemotécnico – iniciático da cultura ociden- circunferência, mas uma espiral que se ex-
tal, e o “bom europeu” (como ele gostava pande de maneira contínua.
de dizer, utilizando as palavras de Nietzsche)
teria podido, simplesmente olhando-o, to- A ciência que recomendava procurar o “bom
mar consciência da natureza problemática de deus” nos detalhes é a que ilustra melhor a
sua própria tradição cultural e conseguir, tal- fecundidade da manutenção em seu próprio
círculo hermenêutico. Podemos assim seguir
vez assim, tratar de uma maneira ou de ou-
esse movimento de alargamento progressi-
tra sua esquizofrenia, e “se autoeducar”.
vo do horizonte nos dois temas centrais da
Mnemosine, como outras obras de Warburg, pesquisa de Warburg: o da “ninfa” e o do
incluindo sua biblioteca, poderia certamen- revival astrológico da Renascença.
te aparecer como um sistema mnemotécnico
Em sua tese sobre A Primavera e O Nasci-
de uso privado, no qual o erudito e psicótico
mento de Vênus, de Botticelli, a aparição da
Aby Warburg projetou e procurou resolver
seus conflitos psíquicos pessoais. É sem dú- figura feminina em movimento, em vestes
vida verdade, mas não impede que seja o flutuantes, tomada de empréstimo dos
signo da grandeza de um indivíduo cujas sarcófagos clássicos, e que Warburg nomeia
idiossincrasias, mas também os remédios acha- “ninfa” dando fé a certas fontes literárias,
dos para dominá-las, correspondiam às ne- discernindo aí um novo modelo iconográfico,
cessidades secretas do espírito do tempo. serve para esclarecer o assunto das pinturas
e, ao mesmo tempo, mostrar “como Botticelli
As disciplinas filológicas e históricas erigiram se confrontou com as ideias que sua época
desde então, em dado metodológico essen- tinha dos antigos”.27 Descobrir, porém, que
cial, o cerco no qual está necessariamente os artistas do Quattrocento se apoiavam
preso seu processo cognitivo. Esse cerco, cuja num Pathosformel clássico cada vez que se
descoberta como fundamento de toda tratava de representar um movimento ex-
hermenêutica remonta a Schleiermacher e terior intensificado é revelar também o polo
a sua intuição de que em filologia “o detalhe dionisíaco da arte clássica, que, no rastro de
não pode ser compreendido a não ser atra- Nietzsche, mas talvez pela primeira vez na
vés do todo e que a explicação de um deta- história da arte ainda dominada pelo mode-
lhe pressupõe sempre a compreensão do lo de Winckelmann, Warburg percebe defi-
todo”,25 não sendo, portanto, em nada um nitivamente. Em círculo ainda mais vasto, a
círculo vicioso; é antes o próprio fundamen- aparição da “ninfa” torna-se o sinal de um
to do rigor e da racionalidade das ciências profundo conflito espiritual na cultura da
humanas. O essencial, para uma ciência que Renascença, que devia conciliar com audá-
quer permanecer fiel a suas próprias leis, não cia a descoberta dos Pathosformelen clássi-
é portanto sair desse “cerco da compreen- cos, sua carga orgíaca e o cristianismo, em
são”, o que seria impossível, mas “permane- equilíbrio carregado de tensões que ilustram
cer dentro da boa maneira”.26 Graças ao perfeitamente personalidades, tais como o
conhecimento adquirido a cada passagem, a mercador florentino Francesco Sassetti, ana-
ida e volta, do detalhe ao todo, não faz lisadas por Warburg em célebre ensaio. E,

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no círculo supremo da espiral hermenêutica, Luzes, por oposição ao sombrio período da
a “ninfa”, relacionada com a figura jacente Idade Média. Na voluta mais extrema da es-
cinza que os artistas da Renascença toma- piral, a aparição das imagens dos decanos e
ram emprestado das representações gregas a nova vida da Antiguidade demoníaca, logo
de um deus fluvial, torna-se a marca de uma no início da idade moderna, tornam-se o sin-
polaridade perene da cultura ocidental, toma do conflito no qual se enraíza nossa
cindida por trágica esquizofrenia, fixada por civilização e de sua impossibilidade para do-
Warburg em uma das anotações mais densas minar sua própria tensão bipolar. Na apre-
de seu jornal: “Me parece às vezes que, como sentação de uma exposição de imagens as-
historiador da psique, eu tentei fazer o diag- trológicas no Congresso do Orientalismo em
nóstico da esquizofrenia da civilização ociden- 1926, Warburg declarou que essas imagens
tal através de seu reflexo autobiográfico: a mostravam “além de toda contestação que
ninfa estática (maníaca) de um lado e o me- a cultura europeia é o resultado de tendên-
lancólico deus fluvial (depressivo) do outro”.28 cias conflituosas, um processo no qual, no
que concerne a essas tentativas astrológicas
Podemos seguir ainda igual expansão pro- de orientação, nós não devemos procurar
gressiva da espiral hermenêutica através do os amigos nem os inimigos, mas a rigor, sin-
tema das imagens astrológicas. O círculo mais tomas de um movimento de oscilação
estreito, propriamente iconográfico, coinci- pendular entre dois polos distantes, o da
de com a identificação do conteúdo dos prática mágico-religiosa e o da contempla-
afrescos do palácio de Schifanoia em Ferrare, ção matemática”.29
nos quais Warburg reconhece, como havía-
mos lembrado, as figuras dos decanos do O círculo hermenêutico de Warburg pode
Introductorium maius, de Abu Ma’shar. No ser assim representado como uma espiral
plano da história e da cultura, essa desco- que se desenrola sobre três níveis principais:
berta se torna assim a da renascença da as- o primeiro é o da iconografia e da história
trologia na cultura humanista a partir do sé- da arte; o segundo é o da história da cultura;
culo 14 e, portanto, da ambiguidade da cul- o terceiro, o mais vasto, é precisamente o
Giuseppe Penone tura da Renascença, que Warburg foi o pri- da “ciência sem nome”, que visa a um diag-
Anatomia 2, 1993, meiro a perceber, em época na qual a Re- nóstico do homem ocidental através de suas
Anatomia 5, 1994 nascença ainda era considerada a Idade das fantasias, a cuja configuração Warburg dedi-
cou toda a sua vida. O círculo no qual se
revelava o bom deus escondido nos deta-
lhes não era um círculo vicioso, nem
tampouco, no sentido nietzschiano, um
circulus vitiosus deus.

Se quisermos agora nos perguntar, seguin-


do nosso projeto inicial, se a “ciência
inominada”, cujos traços fundamentais no
pensamento de Warburg temos procurado
esclarecer, pode receber um nome, deve-
mos imediatamente observar que nenhum
dos termos que ele utilizou no curso dos
anos (“história da cultura”, “psicologia da
expressão humana”, “história da psique”,

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“iconologia do intervalo”) parece tê-lo satis- re, assim, o risco de ser reduzida ao domí-
feito completamente. A tentativa mais im- nio da estética tradicional, que considerava
portante que foi feita, depois de Warburg, essencialmente a obra de arte expressão
para nomear essa ciência é certamente a que da personalidade criadora do artista. A fal-
Panofsky elaborou no âmbito de suas pes- ta de uma perspectiva teórica mais ampla
quisas, nomeando “iconologia” (por oposi- em que colocar os “valores simbólicos” di-
ção a iconografia) a abordagem da imagem ficulta realmente o alargamento do círculo
a mais profunda possível. A difusão desse hermenêutico além da história da arte e da
termo (que já fora empregado por Warburg, estética (o que não significa que Panofsky
como vimos) foi tal, que o utilizamos hoje não tenha sido frequente e brilhantemente
para fazer alusão não só aos trabalhos de bem-sucedido).32
Panofsky, mas a todo trabalho que se colo-
que na esteira de Warburg. No entanto, Quanto a Warburg, ele jamais teria podido
basta uma análise sumária para mostrar o considerar a essência da personalidade do
quanto os objetivos que Panofsky atribui à artista o conteúdo mais profundo de uma
iconologia estão longe daqueles que imagem. Os símbolos, a serem compreendi-
Warburg tinha em mente para sua ciência dos como esfera intermediária entre a cons-
do “intervalo”. Panofsky, como sabemos, dis- ciência e a identificação primitiva, lhe pareci-
tingue três momentos na interpretação da am significantes não tanto (ou ao menos não
obra, que correspondem, por assim dizer, a somente) para a reconstrução de uma per-
três camadas de significação. À primeira, a do sonalidade ou de uma visão do mundo, mas
“conteúdo natural ou primário”, corresponde pelo fato de não serem, dizendo propria-
a descrição pré-iconográfica; à segunda, a do mente, conscientes nem inconscientes: ofe-
“conteúdo secundário ou convencional”, recem, assim, o espaço ideal para aproxima-
constituindo “o mundo das imagens, das his- ção unitária da cultura capaz de superar a
tórias e das alegorias”, corresponde a análi- oposição entre história, ou estudo das “ex-
se iconográfica. A terceira camada, a mais pressões conscientes”, e antropologia, ou
profunda, é a da “significação intrínseca ou estudo das “condições inconscientes” em
conteúdo, constituindo o mundo dos valo- que, mais de 20 anos depois, Lévi-Strauss
res simbólicos”. “A descoberta e a interpre- viu o núcleo central das relações entre essas
tação desses valores simbólicos são objeto duas disciplinas.33
do que poderíamos chamar de iconologia,
A palavra antropologia poderia ter apareci-
por oposição à iconografia”.30
do com mais frequência ao longo de todo
Mas se procurarmos precisar o que são para este estudo. Sem dúvida, o ponto de vista
Panofsky esses “valores simbólicos”, veremos do qual Warburg considerava os fenôme-
que ele os considera às vezes “documentos nos humanos coincide singularmente com o
do sentido unitário da concepção do mun- das ciências antropológicas. A forma menos
do”, às vezes “sintomas” de uma personali- infiel de caracterizar sua “ciência sem nome”
dade artística. No ensaio O Movimento seria talvez inseri-la no projeto de uma futu-
neoplatônico e Michelangelo, ele parece ra “antropologia da cultura ocidental”, para
definir os símbolos artísticos como “sinto- a qual convergirão a filologia, a etnologia, a
mas da essência íntima da personalidade de história e a biologia, com vistas a uma
Michelangelo”.31 A noção de símbolo, que “iconologia do intervalo”: o Zwischenraum,
Warburg tomou dos pintores de emblemas em que trabalha sem cessar o tormento sim-
da Renascença e da psicologia religiosa, cor- bólico da memória social. A urgência de tal

140
vros que ele pedisse. Max aceitou, sem imaginar que a em Paleografia quale scienza dello spirito, Nuova Anto-
brincadeira infantil iria tornar-se realidade. Warburg clas- logia, I giugno 1931, retomado in G. Pasquali, op. cit.:115.
sificava seus livros não apenas por ordem alfabética ou
14 A palavra alemã Nachleben utilizada por Warburg não
aritmética utilizada nas maiores bibliotecas, mas segun-
significa exatamente “renascimento”, como é por ve-
do seus interesses e seu sistema de pensamento, a pon-
zes traduzida, tampouco “sobrevivência”. Implica a ideia
to de trocar a ordem a cada variação de seus métodos
dessa continuidade da herança pagã, que era essencial
de pesquisa. A lei que o guiava era a do “bom vizinho”, para Warburg.
segundo a qual a solução de seu problema estaria con-
tida não no livro que ele procurava, mas naquele que 15 Em carta a seu amigo Mesnil, que tinha formulado o pro-
estava ao lado. Dessa forma ele fez de sua biblioteca blema de Warburg de maneira tradicional (“O que re-
uma espécie de imagem labiríntica de si mesmo, cujo presentava a Antiguidade para os homens da Renascen-
poder de fascinação era enorme. Saxl relata a história ça?”), Warburg especificou “que mais tarde, ao longo
de Cassirer que, entrando pela primeira vez na bibliote- dos anos, o problema se amplia para tentar compreen-
der o sentido da vida póstuma do paganismo para a
ca, declarou que se tinha ou que fugir imediatamente,
civilização europeia inteira”. Cf. Gombrich, op. cit.:307.
ou lá ficar trancado durante anos. Tal qual um verdadei-
ro labirinto a biblioteca conduzia o leitor ao destino, 16 Sobre a oposição entre sociedade “fria” (ou sem história)
levando-o de um “bom vizinho” a outro por uma série e sociedade “quente” que multiplica a incidência de fa-
de desvios no final dos quais ele reencontrava fatalmen- tores históricos, ver o que escreveu Lévi-Strauss in La
te o Minotauro, que o esperava desde o início e que Pensée sauvage. Paris: Plon, 1962:309-310.
era, em certo sentido, o próprio Warburg. Os que tra- 17 Cf. Gombrich, op. cit.:242.
balharam na biblioteca sabem o quanto tudo isto é ver-
dade ainda hoje, apesar das concessões que no curso 18 “Os dinamogramas da arte antiga são transmitidos aos
dos anos foram feitas às exigências da biblioteconomia. artistas que imitam, lembram ou respondem em um es-
tado de tensão máxima, sem que eles tenham ainda po-
9 Cf. Gombrich, op. cit.:222. larizado suas cargas ativas ou passivas; somente o conta-
10 Cf. Gombrich, op. cit.:89. to com a nova época produz a polarização. Ela pode
levar a um desarranjo radical (inversão) da significação
11 É característica da forma mentis de Warburg apresentar, que eles tinham para a Antiguidade clássica (...) A essên-
frequentemente, seus escritos como contribuição a cia dos engramas tiasóticos é como as cargas concen-
ciências ainda não fundadas. Seu grande estudo sobre a tradas em uma garrafa de Leyden antes de seu contato
adivinhação na época de Luther é anunciado como con- com a vontade seletiva da época.” Cf. Gombrich, op.
tribuição a um “manual”, ainda hoje inexistente, Da ser- cit.:248-249.
vidão do homem moderno supersticioso, que deveria
19 A interpretação warburgiana da Melancolia de Dürer como
ser precedido por uma pesquisa científica, ela também “tábua do alento humanista contra a crença de Saturno”,
inacabada, A renascença da Antiguidade demoníaca na que transforma a imagem do demônio planetário, de-
época da Reforma Alemã. Desse modo ele conseguia, terminou fortemente as conclusões do estudo de
de um lado, produzir em seus escritos uma tensão Panofsky-Saxl: Dürers Melencolia I, Eine quellen- und
direcionada à autossuperação, o que em parte constitui typengeschichtliche Untersuchung, Leipzig, 1923.
seu charme e, por outro lado, fazer aparecer seu proje-
to global, através de uma espécie de “presença pela fal- 20 As páginas em que Warburg desenvolve essa visão so-
ta” que nos lembra o princípio aristotélico segundo o bre as figuras de Burckhardt e de Nietzsche estão en-
qual “a privação, ela também, é uma forma de posses- tre as mais belas que escreveu: “Nós devemos apren-
são” (Mét. 1019 B, 5). der a ver Burckhardt e Nietzsche como captores de
ondas mnemônicas e compreender que eles tomaram
12 Arte italiana e astrologia internacional no palácio Schifanoia consciência do mundo de duas formas fundamentalmen-
em Ferrare in L’Italia e l’arte straniera. Atti del X Con- te diferentes (...) Ambos são sismógrafos muito sensí-
gresso Internazionale de Storia dell’Arte, 1912; tradu- veis, cujas fundações tremem quando eles devem ver e
ção italiana in Warburg, A. La Rinascita del paganesimo transmitir as ondas. Mas há uma diferença importante
ântico. Florenze: La Nuova Itália, 1996:268; tradução fran- entre eles: Burckhardt recebia as ondas que vinham do
cesa de Sibylle Muller, revista por D. Loayza, in Warburg, passado, ele sentia o inquietante abalo e procurava re-
A. Ensaios florentinos. Paris, 1990:215-216. forçar as fundações de seu próprio sismógrafo (...) Sen-
tiu claramente o perigo de sua profissão e o risco de
13 Ver também L. Spitzer, em particular os Essays in Historical sucumbir, mas não se rendeu ao romantismo (...)
Semantics, New York: SF Vianni, 1948. Para um julga- Burckhardt era um necromante plenamente consciente;
mento sobre a obra de Traube, ler o que escreve Pasquali evocou os espectros que o ameaçavam serenamente,

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mas os venceu construindo para si uma torre de obser- redescoberta da noção de polaridade, que vem de
vação. Foi vidente como Lyncée: ele ocupa sua torre e Goethe, utilizada com vistas a uma compreensão global
fala (...) era e é ainda um iluminador, mas não quis ser de nossa cultura, está entre as heranças mais fecundas
nada além de um simples mestre (...) Que gênero de deixadas por Warburg à ciência da cultura. É de extre-
vidente é Nietzsche? Ele é do mesmo tipo que o de ma importância pelo fato de a oposição do racionalismo
Nabi, o antigo profeta que corria na rua, rasgava suas e do irracionalismo ter frequentemente falseado a inter-
vestes, ameaçava e arrastava algumas vezes o povo com pretação da tradição cultural do Ocidente.
ele. Seu gesto deriva daquele do portador de tirso que
30 Panofsky, E. L’Œuvre d’art et ses significations. Paris:
obriga todo mundo a segui-lo. Daí as observações so-
Gallimard, 1969, tradução francesa de Bernard e Marthe
bre a dança. Nas figuras de Nietzsche e Burckhardt, dois
Teyssèdre. Esse texto foi posto no início da edição fran-
antigos modelos de profetas se confrontam no lugar de
cesa de Essais d’iconologie, em versão ligeiramente dife-
encontro das tradições latina e alemã. A questão é sa-
rente da citada por Agamben. (N.E.)
ber qual dos dois suporta melhor o peso de sua voca-
ção. Um procura transformá-la em chamado. A ausên- 31 Panofsky, E. Essais d’iconologie, Paris: Gallimard, 1967; tra-
cia de resposta ameaça sempre suas fundações: afinal dução francesa de Claude Herbette e Bernard Teyssèdre.
ele era um mestre. Dois filhos de pastor reagem de duas
maneiras opostas ao sentimento da presença divina no 32 Nem Panofsky, nem outros pesquisadores que, mais do
mundo.” Cf. Gombrich, op. cit.:254-257. que ele, conviveram com Warburg e asseguraram de-
pois de sua morte a continuidade do Instituto, tais como
21 Gombrich, op. cit.:253. F. Saxl, G. Bing e E. Wind (quanto ao atual diretor, E.
Gombrich, ele entrou no Instituto depois da morte de
22 Gombrich, op. cit.:223. A concepção warburgiana dos sím-
Warburg), jamais pretenderam ser os sucessores de
bolos e de sua vida na memória social pode lembrar a
Warburg em sua busca de uma ciência sem nome, além
ideia de arquétipo em Jung. O nome de Jung, entretanto,
das fronteiras da história da arte. Cada um deles
não aparece nunca nas anotações de Warburg. Não se
aprofundou, quase sempre com genialidade, a herança
pode esquecer, de resto, que as imagens são para Warburg
deixada por Warburg na fronteira da história da arte,
realidades históricas, inseridas em um processo de trans-
mas sem nunca dar lugar à superação temática dessa
missão da cultura, e não entidades a-históricas.
fronteira, em aproximação global dos feitos gerais da
23 Na introdução a Aby Warburg, La rinascita, op. cit.:XVII. cultura. Isso correspondia provavelmente também a uma
objetiva necessidade vital para a organização do Institu-
24 Sobre Giulio Camillo e seu teatro, ver Frances Yates, L’Art to, cuja atividade marcou, de toda forma, incomparável
de la memoire, tradução francesa de Arasse, D. Gallimard, renovação dos estudos da história da arte. Não deixan-
1975:chap. VI. do também de ser verdade no que concerne à “ciência
25 Sobre o cerco hermenêutico, ver as belíssimas observa- sem nome”, o Nachleben de Warburg espera ainda o
ções de L. Spitzer, in Linguistics and Literary History, encontro polarizador com a vontade seletiva da época.
Princeton, 1948, tradução italiana in Critica stilistica e A propósito da personalidade dos pesquisadores liga-
semântica storica, Bari, 1966, p. 93-95. dos ao Instituto Warburg, ver Ginzburg, C. Da A.
Warburg a E. H. Gombrich, Studi Medievali, v.VII, n.2,
26 Observação de Heidegger, que fundou filosoficamente o 1966; tradução francesa de Christian Paolini in De A.
círculo hermenêutico in Sein und Zeit, Tübingen, 1927 Warburg à E. H. Gombrich, Mythes, Emblèmes, Traces,
(L’être et le temps, tradução francesa de Rudolph Boehm Paris: Flammarion, 1989.
e Alphonse de Waelhens, Paris: Gallimard, 1964:187-
190). 33 Lévi-Strauss, C. Histoire et ethnologie, Revue de
métaphysique et de morale, n.3-4, 1949. Retomado in
27 Warburg, A. Sandro Botticelli “Geburt des Venus” und Lévi-Strauss, Anthropologie structurale, Paris: Plon,
“Frühling”, Hamburgo/Leipzig, 1893; tradução em 1958:24-25.
Warburg, La Rinascita, op. cit.:58.
34 A afirmação de P. Valéry (in Regards sur le monde actuel,
28 Gombrich, op. cit.:303. Paris: Gallimard, 1945) vai bem além do simples sentido
geográfico.
29 Orientalisierende Astrologie, Zeitschrift der Deutschen
Morgenländischen Gesellschaft, N. F. 6, Leipzig, 1927. Já 35 Der Eintritt des antikisierenden Idealstils in die Malerei der
que se deve sempre, e de novo, preservar a razão dos Früh Renaissance, Kunstchronik, v.XXV, 8 maio 1914;
racionalistas, é bom precisar que as categorias que utili- tradução in Warburg, A. La Rinascita, op. cit.:307.
za Warburg para seu diagnóstico são infinitamente mais
sutis do que a oposição corrente entre racionalismo e
irracionalismo. O conflito é, de fato, interpretado por
ele em termos de polaridade e não de dicotomia. A

DOSSIÊ • ABY WARBURG 143

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