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FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO


SOMAR SOCIEDADE MARANHENSE DE ENSINO SUPERIOR LTDA
CNPJ 04.855.275/0001-68
GRADUAÇÃO – PÓS-GRADUAÇÃO – ENSINO À DISTÂNCIA

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E PRÁTICAS COMUNITÁRIAS

São Luís
2013
2

Santos, Luziane de Jesus Souza Lima dos

Desenvolvimento Territorial e Práticas Comunitárias/Luziane de Jesus Sousa Lima dos


Santos – São Luís, 2013.

48f.:il.

Impresso por computador (Fotocópia)

Apostila (Graduação em Serviço Social a Distância) – Curso de Graduação em


Serviço Social, Faculdade do Maranhão, 2013.

1. Práticas Comunitárias I. Título.

CDU: 711.27
3

SOMAR – Sociedade Maranhense de Ensino Superior Ltda.


FACAM – Faculdade do Maranhão

Carlos César Branco Bandeira


Diretor Geral

Thatiana Soares Rodrigues Bandeira


Diretora Executiva

Henilda Ferro Castro


Diretora Acadêmica

Heraldo Marinelli
Coordenador Geral de Ensino a Distância

MeyryJanes Costa Almeida


Supervisora Adjunta de Ensino a Distância

Paula Carolina Caetano de Moraes


Coordenadora de Serviço Social
4

FLUXOGRAMA DE ENSINO

ENTRADA

Inscrição / Seleção
TUTORIA

Orientação ao aluno Encontros


pedagógicos

Recebimento do
Processo de Estudo
material
Independente Avaliação presencial
instrucional

T
Não alcançou Alcançou
U desempenho desempenho
satisfatório satisfatório
T

R
Aluno entra em Aluno inicia Estudo
I
processo de Independente dos
A reorientação com o demais módulos
tutor

SAÍDA
5

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E PRÁTICAS COMUNITÁRIAS

Carga-horária: 36 horas

EMENTA
Trajetória histórica do Desenvolvimento de Comunidade no contexto das sociedades
de classes.

OBJETIVO

Analisar os fundamentos teóricos do Desenvolvimento Local relacionando-os ao


desenvolvimento da prática do Assistente Social.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

CAPÍTULO 1
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE ....... 6
CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE DESENVOLVIMENTO, TERRITÓRIO E
COMUNIDADE ..................................................................................................... 6
1.1 Desenvolvimento ............................................................................................ 6
1.2 Território e Comunidade ................................................................................ 7

CAPITULO 2
A QUESTÃO LOCAL E AS COMUNIDADES TRADICIONAIS ........................... 16
2.1 Comunidade e Povos Tradicionais ................................................................. 21
2.2 Populações Tradicionais e meio ambiente / Comunidades Quilombolas ...... 23

CAPITULO 3
O ASSISTENTE SOCIAL E O TRABALHO NA COMUNIDADE ......................... 27
3.1 Cidadania e educação popular ....................................................................... 28
3.1.1 A produção das Ciências Sociais sobre a educação popular e o aspecto
pedagógico ........................................................................................................... 29
3.2 A participação social e Controle social/ Participação popular no processo
de construção das políticas publicas .................................................................... 34
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 46
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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO DE


COMUNIDADE ..................................................................................................... ......7
UNIDADE 1.1 Desenvolvimento ........................................................................ ......7
UNIDADE 1.2Território e Comunidade ............................................................ ......8

CAPITULO 2 A QUESTÃO LOCAL E AS COMUNIDADES TRADICIONAIS..... 16


UNIDADE 2.1 Comunidade e Povos Tradicionais ............................................ .21
UNIDADE 2.2 Populações Tradicionais e meio ambiente / Comunidades
Quilombolas............................................................................................................23

CAPITULO 3 O ASSISTENTE SOCIAL E O TRABALHO NA COMUNIDADE .. 27


UNIDADE 3.1 Cidadania e educação popular .................................................. 28
UNIDADE 3.1.1 A produção das Ciências Sociais sobre a educação popular e o
aspecto pedagógico ........................................................................................... 29
UNIDADE 3.2 A participação social e Controle social/ Participação popular no
processo de construção das políticas publicas .............................................. 34
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 46
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CAPÍTULO 1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO DE


COMUNIDADE

CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE DESENVOLVIMENTO, TERRITÓRIO E


COMUNIDADE

Para conhecermos como se dá o trabalho do Assistente Social na


Comunidade, precisamos compreender que, antes de tudo, se faz necessário
abordar os conceitos de desenvolvimento, comunidade, local e território, com o
objetivo de explicitar as noções básicas que caracterizam tais fenômenos. Procura-
se discutir o que caracteriza a comunidade e o território na atualidade. Vamos
perceber, ao longo do nosso estudo sobre essa temática, que os conceitos estão
intrinsecamente relacionados, principalmente no tocante a local e territorial, pois
cada um se relaciona com outras dimensões espaciais e são constituídos por fatores
comuns, os quais, ao mesmo tempo, são portadores de diferenças.

UNIDADE 1.1 Desenvolvimento

O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editoradefine o


desenvolvimento como sendo a ação ou efeito de desenvolver (algo) ou de se
desenvolver. É necessário, portanto, explorar o significado do verbo “desenvolver”:
trata-se de acrescentar ou de melhorar/aperfeiçoar algo podendo ser de ordem
física, intelectual ou moral.
O desenvolvimento também faz referência à explicação de uma teoria
para a levar até às suas últimas consequências; à exposição ou discussão de forma
aprofundada de determinadas questões ou temas; à realização de operações de
cálculo assinaladas numa expressão analítica; ao estabelecimento dos termos que
conformam uma função ou série; ou, simplesmente, ao sucedimento, à ocorrência,
àquilo que tem lugar ou ao acontecimento.
Se o conceito de desenvolvimento for aplicado a uma comunidade
humana, nesse caso, está-se perante uma situação de progresso em termos
econômicos, sociais, culturais ou políticos.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é o
órgão da ONU ao qual compete, entre outras tarefas, elaborar a medida conhecida
como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Este indicador social estatístico é
composto a partir de três parâmetros: uma vida longa e saudável (esperança de vida
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à nascença), a educação (medida segundo a taxa de alfabetização de adultos e a


taxa bruta combinada de alunos matriculados no ensino primário, secundário e
superior) e um nível de vida digno (calculado pelo Produto Interno Bruto por
habitante, em dólares).
De acordo com a lista de países ordenada por IDH do ano de 2007, os
países com melhor desenvolvimento humano (países ditos desenvolvidos) são a
Islândia, a Noruega, a Austrália, o Canadá e a Irlanda. Já, os últimos lugares do
ranking são ocupados pela Guiné-Bissau, o Burkina Faso e República da Serra Leoa
(países considerados subdesenvolvidos).No que diz respeito aos países da América
Latina, a título de exemplo, a Argentina regista o melhor IDH, ao passo que a
Bolívia ocupa a posição menos favorável.

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1.Quando o conceito de desenvolvimento é aplicado a uma determinada


comunidade, qual a situação de progresso podemos visualizar?
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2.O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um índice estatístico utilizado para


fazer que tipo deavaliação dentro das comunidades?
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UNIDADE 1.2 Território

Um dos autores pioneiros na abordagem do território foi Claude Raffestin


(1993). Merece destaque na sua obra o caráter político do território, bem como a sua
compreensão sobreo conceito de espaço geográfico, pois o entende como
substrato, um palco, preexistente ao território.

De acordo com Raffestin, (1993,p.143)

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O


território se forma a partir do espaço, é oresultado de uma ação conduzida
por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator
“territorializa” o espaço.

Dentro da concepçãoenfatizada pelo autor, o território é tratado,


principalmente, com uma ênfase político-administrativa, isto é, como o território
nacional, espaço físico onde se localiza uma nação; um espaço onde se delimita
uma ordem jurídica e política; um espaço medido e marcado pelaprojeção do
trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras.

Segundo o mesmo autor, ao se apropriar de um espaço, concreta ou


abstratamente, o ator territorializa o espaço. Neste sentido, entende o território como
sendo:

[...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e


que, por consequência, revela relações marcadas pelopoder. (...) o território
se apoiano espaço, mas não é o espaço. É uma produçãoa partir do
espaço. Ora, a produção, porcausa de todas as relações que envolve, se
inscreve num campo de poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 144).

Na análise de RAFFESTIN (1993), a construção do território


revelarelações marcadas pelo poder. Assim, faz-se necessário enfatizar uma
categoria essencial para acompreensão do território, que é o poder exercido por
pessoas ou grupos sem o qual não se define o território. Poder e território, apesar da
autonomia de cada um, vão ser enfocadosconjuntamente para a consolidação do
conceito de território. Assim, o poder é relacional, pois está intrínseco em todas as
relações sociais.

Rogério Haesbaert analisa o território com diferentes enfoques,


elaborando uma classificação em que severificam três vertentes básicas: 1)
jurídico-política, segundo aqual “o território é visto como um espaço delimitado e
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controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de


caráter estatal”; 2) cultural(ista), que “prioriza dimensões simbólicas e mais
subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita
através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço”: 3)econômica,
“que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto
espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho”.
(HAESBAERT apud SPOSITO, 2004, p.18).

No panorama atual do mundo com todas as suas complexidades e


processos, muitas vezes excludentes, como a crescente globalização e a
fragmentação a um nível micro oulocal, servindo de refúgio à
globalização,HAESBAERT (2002) identifica uma multiterritorialidade reunida em
três elementos: os territórios-zona, os territórios-rede e os aglomerados de exclusão.

Para o mesmo autor, nos territórios-zona prevalece a lógica política; nos


territóriosrede prevalece a lógica econômica e nos aglomerados de exclusão ocorre
uma lógica social de exclusão socioeconômica das pessoas. HAESBAERT (1997)
também analisa a questão do conceito de território com um enfoque cultural, quando
estuda a desterritorialização e aidentidade na rede gaúcha no nordeste.

No entanto, é importante destacar que:

[...]esses três elementos não são mutuamente excludentes, mas


integrados num mesmo conjunto de relações sócio-espaciais, ou seja,
compõem efetivamente uma territorialidade ou uma espacialidade
complexa, somente apreendida através da justaposição dessas três noções
ou da construção de conceitos “híbridos” como o território-rede.
(HAESBAERT, 2002, p. 38).

A abordagem de Marcelo Lopes de Souza (2001) sobreo território é


política etambém cultural, visto que este autor identifica, nas grandes metrópoles,
grupos sociais que estabelecem relações de poder formando territórios no conflito
pelas diferenças culturais.
SOUZA (2001) salienta que o território é um espaço definido e delimitado
por e apartir de relações de poder, e que o poder não se restringe ao Estado e não
se confundecom violênciae dominação. Assim, o conceito de território deve abarcar
maisque o território do Estado-Nação.
Nas palavras do autor, “todo espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de
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jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”. (SOUZA, 2001,
p.11).
Após retrabalhar o conceito de território, propõe o conceito de território
autônomo como uma alternativa de desenvolvimento.Aautonomia constitui, no
entender do autor, a base do desenvolvimento, este encarado como processo
de autoinstituição da sociedade rumo a uma maior liberdade emenor desigualdade.
Segundo, Souza (2001, p.106)
Uma sociedade autônoma é aquela que logra defender e gerir livremente
seuterritório [...] Uma sociedade autônoma não é uma sociedade sem
poder [...] No entanto, indubitavelmente, a plena autonomia é
incompatível com a existência de um “Estado” enquanto instância de
poder centralizadora e separada do restante da sociedade.

Ainda para o autor, “em qualquer circunstância, o território encerra a


materialidade que constitui o fundamento mais imediato desustento econômico e
de identificação cultural de um grupo”. (SOUZA, 2001, p. 108). Mas não um território
ideologizado com um poder centralizadorcomo o Estado-Nação, mas um território
autônomo, onde as pessoas têm a liberdade de manifestar suas escolhas e
potencialidades, gerando um espaço socialmente equitativo.
Deste modo, na visão de Marcelo Lopes de Souza, o território deve ser
apreendido em múltiplas vertentes com diversas funções. Mesmo privilegiando as
transformações provenientes do poder no território, o autoraponta a existência de
múltiplos territórios, principalmente nas grandes cidades, como o território da
prostituição, do narcotráfico, dos homossexuais, das gangues e outros que podem
ser temporários ou permanentes.
Da mesma forma que em ClaudeRaffestin, a ideia de poder também é
uma constante na discussão sobre território feita por Marcos Aurélio Saquet:
O território é produzido espaço-temporalmente pelas relações depoder
engendradas por um determinado grupo social. Dessa forma, pode ser
temporário ou permanente e se efetiva em diferentes escalas,portanto, não apenas
naquela convencionalmente conhecida como o “territórionacional” sob gestão do
Estado -Nação. (SAQUET apud CANDIOTTO, 2004, p. 81).
SAQUET (2004), faz um resgatedas diferentes interpretações do
conceito de território levando em consideração as três vertentes mencionadas por
Haesbaert (jurídicopolítica, econômica e cultural), como sendo essenciais para
se fazer as interligações necessárias.
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Por sua vez, Manuel Correia de Andrade (1995), faz uma análise da
questão doterritório no Brasil, retratando o conceito de território com uma
abordagem profundamente política e econômica de ocupação do espaço.
A exemplo de Raffestin, a idéia de poder é uma constante na análise do
território feita por Andrade:
O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de
lugar, estando muito ligado à ideia de domínio ou de gestão de uma determinada
área. Deste modo, o território está associado à ideia de poder, de controle, quer se
faça referência ao poder público, estatal, quer ao poderdas grandes empresas que
estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as
fronteiras políticas. (ANDRADE, 1995, p. 19).
Nota-se, portanto, que o território pode ser entendido como o controle
administrativo, fiscal, jurídico, político, econômico, efetivo, do espaço ou de uma
região.

Comunidade

O termo Comunidade vem sendo utilizado, nos últimos tempos, de forma


desordenada, o que contribui para uma confusão conceitual que esvazia seu
significado. Qualquer agrupamento tem sido chamado de comunidade, sejam
bairros, vilas, cidades, segmentos religiosos, segmentos sociais etc.
Faz-se necessário, portanto, resgatar os conceitos clássicos de
comunidade, apanhá-los em suas reelaborações e transformações, o que fornecerá
embasamento teórico e conceitual para a compreensão do que, conceitualmente,
pode ser chamado por comunidade, hoje.
Muitos foram os autores que estudaram sobre comunidade. Entre eles:
Ferdinand Tonnies (1973), Max Weber (1973), Robert A. Nisbet (1953), Martin Buber
(1987), TalcottParsons (1969), além de contribuições mais recentes como as de
ZygmuntBauman (2003), Gianni Vattimo (2007), Roberto Espósito (2007),
DavideTarizzo (2007), Manuel Castells (1999), Marcos Palácios (2001), Raquel
Recuero (2003), além de CiciliaPeruzzo (2002) e Raquel Paiva (2003), entre outros.
Partiremos, portanto, da constatação de Palácios (2001, p. 1) de que a
“ideia ou conceito de Comunidade, tão central na Sociologia Clássica, é uma
invenção da Modernidade”. Com esta nova forma de organização social surgem
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teorizações que apresentam possíveis contraposições entre comunidadee


sociedade.
Não há como negar que a palavra comunidade evoca sensações de
solidariedade, vida em comum, independentemente de época ou de região. Como
nos mostra Bauman (2003, p. 7), “comunidade produz uma sensação boa por causa
dos significados que a palavra comunidade carrega”: é a segurança em meio à
hostilidade.
Para melhor compreendermos os aspectos fundamentais e essenciais do
conceito resgatamos alguns aspectos das contribuições teóricas de pensadores
clássicos, como Weber (1973, p. 140-143) para quem a comunidade é um conceito
amplo que abrange situações heterogêneas, mas que, ao mesmo tempo, apoia-se
em fundamentos afetivos, emotivos e tradicionais. O autor (1973, p. 140) chama de
comunidade “uma relação social quando a atitude na ação social – no caso
particular, em termo médio ou no tipo puro – inspira-se no sentimento subjetivo
(afetivo ou tradicional) dos partícipes da constituição de um todo”.
Para Max Weber (1973, p. 141), assim como Ferdinand Tonnies (1973), a
“maioria das relações sociais participa da comunidade e em parte da sociedade”.
Weber (1973, p. 140-143) fala que na comunidade os fins são racionalmente
sustentados por grande parte de seus participantes, o sentido contrapõe-se a ideia
de luta, participação comum em determinadas qualidades, da situação ou da
conduta, situação homogênea, sentimento da situação comum e de suas
consequências, mesma linguagem. Entretanto, em si, isto não implica uma
comunidade.
Comunidade só existente propriamente quando, sobre a base desse
sentimento [da situação comum], a ação está reciprocamente referida – não
bastando a ação de todos e da cada um deles frente à mesma circunstância – e na
medida em que esta referência traduz o sentimento de formar um todo (Weber,
1973, p. 142).
Tonnies (1973, p. 104), apoia-se nas relações entre mãe e filho, entre
esposos e entre irmãos e irmãs que se reconhecem filhos da mesma mãe para
explicar um tipo de comunidade. A existência de processos comunitários estaria
ligada, em primeiro lugar, aos laços de sangue, em segundo lugar à aproximação
espacial, e em terceiro lugar à aproximação espiritual. O autor ainda relaciona
comunidade a uma vontade comum, à compreensão, ao direito natural, à língua e à
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concórdia: “aonde quer que os seres humanos estejam ligados de forma orgânica
pela vontade e se afirmem reciprocamente, encontra-se alguma espécie de
comunidade” (1995, p. 239), ou seja, a vida em comunidade baseia-se em relações
sociais.
A teoria da comunidade se deduz, segundo as determinações da unidade
completa das vontades humanas, de um estado primitivo e natural que, apesar de
uma separação empírica e se conserva através desta, caracteriza-se diversamente
segundo a natureza das relações necessárias e determinadas entre os diferentes
indivíduos que dependem uns dos outros. (Tonnies, 1973, p. 98).
Tonnies (1995, p. 239), considera que as características da comunidade
podem estar relacionadas a três gêneros de comunidades: a) parentesco; b)
vizinhança; c) amizade. O parentesco relaciona-se aos laços de sangue e à vida
comum em uma mesma casa, mas podem não se limitar à proximidade física. Este
sentimento pode existir por si mesmo com o afastamento físico, entretanto, as
pessoas sempre estarão à procura da família, do parentesco. A vizinhança
caracteriza-se pela vida em comum entre pessoas próximas da qual nasce um
sentimento mútuo de confiança, de favores etc. dificilmente se mantém sem a
proximidade física. A amizade está ligada aos laços criados nas condições de
trabalho ou no modo de pensar. Nasce das preferências entre profissionais de uma
mesma área ou daqueles que partilham a mesma fé, trabalham pela mesma causa e
reconhecem-se entre si.
Nesta perspectiva, o autor parece reconhecer a existência de
comunidades na vida urbana. Inclusive, para ele, a vida urbana pode ser
representada pela comunidade de vizinhança. Trata-se de uma tendência de
Tonnies de apanhar a comunidade sempre em relação à vida em grupos coesos e
unidos por interesse em comum.
Tentando ir além da perspectiva de Ferdinand Tonnies, Martin Buber
(1987, p. 34) expressa uma visão de comunidade ideal, em que “homens maduros,
já possuídos por uma serena plenitude, sintam que não podem crescer e viver de
outro modo, exceto entrando como membros” em fluxo de doação e entrega criativa
em razão de uma liberdade maior. “A nova comunidade tem por finalidade a vida.
Não esta vida ou aquela, vidas dominadas, em última análise, por delimitações
injustificáveis, mas a vida que liberta de limites e conceitos”. Para ele, “comunidade
e vida não uma coisa só”.
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Continuando, Buber (1987, p. 34) acrescenta:

A comunidade que imaginamos é somente uma expressão de transbordante


anseio pela vida em sua totalidade. Toda vida nasce de comunidades e
aspira a comunidades. A comunidade é fim e fonte de vida. Nossos
sentimentos de vida, os que nos mostram o parentesco e a comunidade de
toda a vida do mundo, não podem ser exercitados totalmente a não ser em
comunidade. E, em uma comunidade pura nada podemos criar que não
intensifique o poder, o sentido e o valor da vida. Vida e comunidade são os
dois lados de um mesmo ser. E temos o privilégio de tomar e oferecer a
ambos de modo claro: vida por anseios à vida, comunidade por anseio à
comunidade.

Importante registrar ainda que, para Buber (1987, p. 39), a humanidade


se originou em uma comunidade primitiva, passou pela escravidão da sociedade e
“chegará a uma nova comunidade, mas sim a comunhão de escolhas, a vontade
comum, a partilha de um mesmo ideal, noções atualmente primordiais para se
estender as comunidades virtuais.
Robert E. Park e Ernest W. Burgess (1973, p. 148) defendem que uma
comunidade deve ser considerada a partir da “distribuição geográfica dos indivíduos
e instituições de que são compostos”. Trabalhando na perspectiva de Tonnies, para
os autores “toda comunidade é uma sociedade, mas nem toda sociedade é uma
comunidade”.
Autores, como R.R MacIver e Charles Page (1973, p. 122-123), já
disseram que a noção do locus territorial específico não é condição sinequa non
para a existência da vida comunitária, mas sim a participação na vida comum
da comunidade.
E no mundo atual, o que pode ser considerado comunidade?
Ao discutir as formas de organização social na sociedade contemporânea,
Marcos Palácios (2001, p. 4) defende que alguns elementos fundamentais
caracterizam uma comunidade na atualidade: a) sentimento de pertencimento; b)
sentimento de comunidade; c) de permanência (em contraposição à efemeridade);
d) territorialidade (real ou simbólica); e) forma própria de comunicação entre seus
membros, através de veículos específicos. Para ele (2001, p. 7) a questão da
territorialidade assume novo sentido:
O sentimento de pertencimento, elemento fundamental para a definição
de uma Comunidade, desencaixa-se da localização: é possível pertencer a
distância. Evidentemente, isso não implica a pura e simples substituição de um tipo
16

de relação (face a face) por outro (à distância), mas possibilita a coexistência de


ambas as formas, com o sentido de pertencimento sendo comum às duas.
Neste sentido, a territorialidade pode assumir caráter físico ou simbólico.
A localidade geográfica passa a não ser considerada característica intrínseca de
uma comunidade, porque mesmo a distância pode-se se sentir parte.
Não é que o território não possui mais valor para a comunidade, mas
agora este território pode ser físico-geográfico ou simbólico. Assim, adquire
relevância o sentimento de pertença, já que se pode pertencer à distância. O que
está em jogo é a vontade e os interesses dos membros.
Para José Marques de Melo (1981, p. 58), comunidade é um fenômeno
social inexistente no Brasil, ao menos em áreas urbanizadas e alfabetizadas já que
A nossa estrutura política, autoritária e desmobilizante, não tem permitido
a disseminação dos ideais democráticos, indispensáveis a qualquer aglutinação
comunitária. Talvez as experiências propriamente comunitárias no Brasil (além das
sociedades tribais isoladas da sociedade nacional) sejam aquelas que encontram na
miséria um fator de aglutinação: nas favelas das grandes cidades e nos povoados
das áreas rurais, constituídas respectivamente por migrantes e imigrantes
potenciais.
Estas reflexões de Marques de Melo datam o início da década de 1980,
época do Regime Militar no Brasil, contexto social de repressão política e social.
Atualmente, vive-se outra conjuntura, marcada pela globalização e democracia, mas
que as condições apontadas em parte persistem, como o acirramento de tendências
individualistas, por exemplo, embora outras sejam agregadas haja vista o aumento
da violência e, ao mesmo tempo, surgem sinais agregadores e de revitalização das
identidades locais e de laços comunitários os mais diferentes.
Segundo Manuel Castells (1999, p. 79), é justamente nas condições
globalizantes do mundo que “as pessoas resistem ao processo de individualização e
atomização, tendendo a agrupar-se em organizações comunitárias que, ao longo do
tempo, geram um sentimento de pertença e, em última análise, em muitos casos,
uma identidade cultural, comunal”. A hipótese do autor é de que, por meio de um
processo de mobilização social, as pessoas participem de movimentos urbanos
defendendo interesses em comum. Trata-se de uma dinâmica de fortalecimento de
identidades, como mostrou Stuart Hall (2006, p. 85): “o fortalecimento de identidades
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locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles membros dos grupos
étnicos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de outras culturas”.
São movimentos de construção de identidades, como ressalta Castells (1999,
p. 24):

a) Identidade legitimadora: representada pelas instituições dominantes


interessadas em expandir sua dominação:
b) Identidade de resistência: representada pelas pessoas em condições
desvalorizadas e que resistem à dominação;
c) Identidade de projeto: quando as pessoas se mobilizam, criando uma
identidade capaz de buscar a transformação social.
Ainda de acordo com Castells (1999, p. 84), no mundo atual as
comunidades são construídas a partir dos interesses e anseios de seus membros, o
que faz delas fontes específicas de identidades. Essas identidades podem nascer da
intenção em manter o status quo, ou de resistir aos processos dominantes e às
efemeridades do mundo globalizado, ou ainda de buscar a transformação da
estrutura social. Em todas elas existem processos de identidade, objetivos e
interesses em comum, a participação em prol deste objetivo, o sentimento de
pertença, oriundo da identidade em questão. Talvez, nestas ideias de Castells
(1999) e Hall (2006), estejam pistas para se entender os processos comunitários da
contemporaneidade, algumas presentes desde as abordagens originárias.
Em perspectiva correlata, já demonstramos (PERUZZO, 2002, p. 288-
292), que entre as várias formas de agregação solidária, no contexto da mobilização
popular no Brasil nas últimas décadas, estão aquelas de caráter comunitário
inovador, capitaneadas por redes de movimentos sociais, associações comunitárias
territoriais, associações de ajuda mútua, cooperativas populares, grupos religiosos,
grupos étnicos, entre milhares de outras manifestações. Neste nível se desenvolvem
práticas coletivas e de organização comunitária, além de elementos de uma nova
cultura política, na qual passa a existir a busca pela justiça social e pela participação
do cidadão. Esse tipo de mobilização e articulação popular se diferencia das
concepções tradicionais de comunidade porque constrói características
comunitaristas inovadoras, e sem o sentido de perfeição atribuídos àquelas, as quais
podem se percebidas na:
18

Passagem de ações individuais para ações de interesse coletivo, desenvolvimento


de processos de interação, a confluência em torno de ações tendo em vista alguns
objetivos comuns, constituição de identidades culturais em torno do desenvolvimento
de aptidões associativas em prol do interesse público, participação popular ativa e
direta e, maior conscientização das pessoas sobre a realidade em que estão
inseridas (PERUZZO, 2002, p. 290).

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1. De acordo com Claude Reffestin, como pode ser tratado o território?

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2. Qual o elemento fundamental para a definição de uma comunidade?

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ATIVIDADEAVALIATIVA

1.Faça uma análise do termo COMUNIDADE de acordo com a concepção de Max


Weber.

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CAPÍTULO 2 A QUESTÃO LOCAL E AS COMUNIDADES TRADICIONAIS

A complexidade da questão advém da impossibilidade em se delimitar a


localidade, estabelecer limites e demarcações. Primeiro porque se trata de um
espaço no qual estão em jogo não apenas aspectos geográficos e territoriais, mas
também elementos de ordem cultural, histórica, linguística, política, jurídica, de fluxo
informacional e econômico etc. Devido às interrelações entre comunidade, região e
comunidade, há ainda dificuldades em se estabelecer fronteiras entre estes
espaços, o que pode criar algumas confusões conceituais. Além disso, na prática, as
características destes espaços acabam se misturando, principalmente entre o local e
o comunitário.
Neste sentido, Bourdin (2001, p. 13) esclarece queas delimitações da
localidade são múltiplas e contingentes. A vizinhança, o bairro, a cidade ou a região
urbana constituem pontos de referência relativamente estáveis, mas conforme os
contextos, estes níveis se definem diferentemente, e muitas coisas ou quase nada
pode ocorrer aí.
Primeiramente, deve-se considerar que não existem territórios imutáveis e
com demarcações absolutas, como já disseram Bourdin (2001) e Peruzzo (2006). Os
contornos do local são efêmeros, transitórios, passíveis de mudanças e, muitas
20

vezes, vagos. Assim, vales, montanhas, rios etc. tornam-se fronteiras relativas, que
não dão conta de definir localidades.
Resta-nos, então, segundo Bourdin (2001, p. 20), apanhar esta questão
nas suas interrelações entre os diferentes segmentos do contexto e da estrutura
social, como o econômico, jurídico, político, de intercomunicabilidade, os poderes de
aglomeração e descentralização.
Neste mesmo sentido parecem caminhar as ideias de Milton Santos
(2006, p. 38) quando chama o espaço de um conjunto de fixos e fluxos. Os
elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio
lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as
condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são resultados direto ou
indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua
significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que também se modificam.
Pode-se perceber que o local é um espaço que apresenta certa unidade,
certa especificidade, mas que pode se modificar, como também se modificam seus
fluxos, ou seja, possuem características que podem ser transitórias: em dado
momento apresentam uma unicidade, em outro momento não mais. Na prática, a
América Latina pode ser tomada como uma comunidade, localidade, região,
continente.
Nesta perspectiva, pode-se compreender o local pelos contrastes entre o
aqui e o alhures, o próximo e o distante, o concidadão e o estrangeiro, o autêntico e
o apócrifo. E ainda, apanhá-lo nas relações dicotômicas entre o local e o regional, o
local e o global. Para Ortiz (1999, p. 60-61), basta entender as interrelações entre
cada entidade espacial, uma vez que, nas palavras de Milton Santos (2006, p. 218)
“a localidade se opõe a globalidade, mas também se opõe à globalidade, mas
também se confunde com ela. O mundo, todavia, é nosso estranho. Entretanto se,
pela sua essência, ele pode esconder-se, não pode fazer pela sua existência, que se
dá nos lugares”, ou seja, o global e o local fazem parte de um mesmo processo
social com características sinérgicas, no qual, cada dimensão espacial é
transformada, umas pelas outras.
Contudo, torna-se evidente que o local implica também em um espaço
com características peculiares, que evoca sentimentos de familiaridade e vizinhança,
que congrega certa identidade e história, hábitos e linguagem comuns, como
demonstrou exageradamente Ortiz (1999, p. 59):
21

Um espaço restrito, bem delimitado, no interior do qual se desenrola a


vida de um grupo ou de um conjunto de pessoas. Ele possui um contorno preciso, a
ponto de se tornar baliza territorial para os hábitos cotidianos. O “local” se confunde,
assim, com o que nos circunda, está “realmente presente” em nossas vidas. Ele nos
reconforta com sua proximidade, nos acolhe com sua familiaridade. Talvez, por isso,
pelo contraste em relação ao distante, ao que se encontra à parte, o associemos
que naturalmente à ideia de autêntico.
Importa dizer que, devido às relações sociais, econômicas e políticas, às
configurações midiáticas e às novas tecnologias e aos processos comunicativos
delas decorrentes, contornos físicos e gerenciais precisos não se prestam como
regra universal para caracterização de uma localidade ou região. Talvez, possa ter
validade para situações específicas, entretanto, não é o caso de abandonar as
fronteiras físicas, nem, tampouco, limitar-se a elas.
Bourdin (2001, p. 25) ao discutir o lugar da dimensão local na sociedade
contemporânea por meio de um paradigma do local, propõe pensar quea localidade
às vezes não passa de uma circunscrição projetada por uma autoridade, em razão
de princípios que vão desde a história a critérios puramente técnicos. Em outros
casos, ela exprime a proximidade, o encontro diário, em outro ainda, a existência de
um conjunto de especificidades sociais, culturais bem partilhadas...
A noção de local engloba desde aspectos técnicos como os limites físicos,
como rios, oceanos, lagos, montanhas, diferenças climáticas, características de solo,
aspectos político e econômicos, até diversidade sociocultural, histórica, de
identidade, linguística, de tradições e valores etc., ou seja, estão em jogo as várias
singularidades nas quais se constroem as práticas sociais.
Em Molina Argandoña e SoletoSelum (2002, p. 7) encontramos que, em
geral, “o local se associa à proximidade física, quase cotidiana, entre pessoas e
grupos, e destes com processos, organizações, instituições e um território concreto.
Os autores (2002, p. 8) também definem o local a partir do encontro permanente
entre indivíduos e da possibilidade destes assistirem, com a “própria carne”, cara a
cara, às decisões políticas.
A nosso ver, como já discutimos, proximidade física e territórios concretos
não são encarados como característica universal do local, pois com o avanço da
tecnologia e das redes de comunicação, é possível existir proximidade, mesmo a
distâncias físicas, além da “proximidade de identidades”, já que os sentimentos de
22

pertença e proximidade independem de recortes físicos e geográficos. Na


perspectiva de Peruzzo (2006, p. 144),
O local se caracteriza como um espaço determinado, um lugar específico de uma
região, no qual a pessoa se sente inserida e partilha sentidos. É o espaço que lhe é
familiar, que lhe diz respeito mais diretamente, muito embora as demarcações
territoriais não lhe sejam determinantes.
Bourdin (2001, p. 25-57), por sua vez, acredita que a vulgata localista
pode ser apanhada em três dimensões: a) o local necessário; b) o local herdado; c)
o local construído. O local necessário é caracterizado pelo sentimento de pertença a
um grupo comunitário, que poderia ser caracterizado pelos vínculos de sangue, da
língua e do território. Para o autor, este vínculo comunitário estaria apoiado em uma
antropologia localista que é composta por fatores históricos, etnológicos e pelo que o
autor chamou de “evidência de falta”.
A evidência da falta nos é oferecida pelas diásporas contemporâneas:
ainda quando a situação de uma minoria emigrada é satisfatória, o sentimento de
exílio, a nostalgia, o desejo de encontrar novamente sua terra, de estar na própria
casa muitas vezes se afirmam. Eles se exprimem facilmente numa reivindicação
nacional, particularmente entre as minorias em perigo, mas também na dolorosa
ausência de um “em casa”, no lar, no bairro, na aldeia (BOURDIN, 2001, p. 32)
Em última instância, é a busca pelas raízes, em satisfazer o sentimento
de pertença que existe no âmago dos indivíduos, de viver-junto, de vida em família,
do pertencer a um “nós”. O local herdado relaciona-se aos aspectos históricos e
representa o peso que o passado pode ter sobre o presente, portanto, leva em conta
a genealogia e suas relações familiares: “o local é, pois, um lugar privilegiado de
manifestação delas, se admitirmos que as estruturas antropológicas
sãoprincipalmente um conjunto de representações e de códigos transmitidos pela
prática, como os mitos se exprimem nos ritos” (BOURDIN, 2001, p. 43).
São locais herdados de fatores históricos e de identidade local que podem
estar manifestados nos bens culturais e no conjunto de regras comuns vividas por
seus membros, expressos na religião, na cultura, na etnia, etc. como bem disse
Castells (1999) são refúgios de identidade construídos como reação defensiva
contra a desordem e a inconstância global.
Por fim, o local construído é visto comoUma forma social que constitui um
nível de integração das ações edos atores, dos grupos e das trocas. Essa forma é
23

caracterizada pela relação privilegiada com um lugar, que varia em sua intensidade
e em seu conteúdo. A questão se desloca então da definição substancial do local à
articulação dos diferentes lugares de integração, à sua importância, à riqueza de seu
conteúdo (BOURDIN, 2001, p. 56).
Carlos Camponez (2002, p. 35) defende que por mais que se fale que a
globalização trouxe o fim das fronteiras e a abolição dos limites geográficos, o local
ainda possui a sua geometria: o principal efeito da globalização e o de criar uma
nova “gramática do espaço”, já que a globalização tende ser uma ideia um tanto
metafísica. É esta gramática do espaço que dá novos significados ao local, ao
espaço. Para Camponez (2002, p. 50): os “infoexcluídos”, aqueles que estão à
margem do acesso à informação e os que estão à margem da informação de
qualidade.
Convém ainda, abordar dois erros que, segundo o autor (2002, p. 59)
devem ser evitados na abordagem da questão global-local. O primeiro seria
entender a globalização como um processo capaz de promover a homogeneização
cultural de forma global. O segundo seria limitar o local às relações de face a face,
em um território específico. Esta falsa antinomia teria a função ideológica de conter
as tensões contraditórias do sistema mundial.
Sobre a questão da homogeneização cultural, há que se recorrer a Hall
(2006, p. 77), para quem esta visão parece exageradamente simplista. Ele propõe
pensar a partir das novas articulações entre o global e o local pelo global, o que
implica no fortalecimento das identidades locais e na produção de identidades
híbridas, originadas do processo de Tradução Cultural: pertence-se a mais de uma
identidade, fala-se mais de uma linguagem cultural (HALL, 2006, p. 89).
Faz-se oportuna uma reflexão sobre a comunidade, já que esta tangencia
algumas características do local, pois, como dissemos, o local relaciona-se com
outras dimensões espaciais. Contudo, didaticamente, pode-se dizer que a
comunidade pode estar inserida em um espaço local, assim como o local faz parte
de um espaço regional. Na comunidade os laços são mais fortes e apresenta uma
maior coesão entre os seus membros quando comparados ao local, enquanto que o
espaço local, por sua vez, apresenta características mais uniformes se colocado em
contraste com a região.
24

UNIDADE 2.1 Comunidades e Povos Tradicionais

A Constituição Federal de 1988 diz que:

Povos e Comunidades Tradicionais são grupos que possuem culturas


diferentes da cultura predominante na sociedade e se reconhecem como tal.
Estes grupos devem se organizar de forma distinta, ocupar e usar territórios
e recursos naturais para manter sua cultura, tanto no que diz respeito à
organização social quanto à religião, economia e ancestralidade.

O Brasil caracteriza-se por sua multiplicidade sociocultural, expressada


por cerca de 522 etnias, com modos próprios de conduzir sua vida e de entender o
mundo, o que as destaca da “sociedade nacional”. Dessa forma, os chamados
povos e comunidades tradicionais (correspondentes a oito milhões de brasileiros os
quais ocupam ¼ do território nacional) são excluídos do processo democrático e das
políticas públicas.
O Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, conceitua as
comunidades e povos tradicionais como grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais. Possuem formas próprias de organização social, ocupam e
usam territórios tradicionais, além de recursos naturais, como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Para tanto, se utilizam
de conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição. Assim,
são comunidades tradicionais: povos indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas,
ciganos, povos de terreiro, dentre outras.
A Constituição de 1988 abriu o diálogo democrático com as comunidades
tradicionais por meio da consagração do pluralismo jurídico e democrático, bem
como o reconhecimento dos seus direitos. Assim, acompanhou a evolução do
modelo baseado no Estado Nacional para o “Estado Plural e Multiétnico”, que é fruto
do processo histórico e mundial de efetivação dos direitos destas comunidades.
Para entender melhor a questão das populações tradicionais é
fundamental entender sua cultura que está intimamente dependente das relações de
produção e de sobrevivência. O professor Diegues enumera as seguintes
características das culturas tradicionais:
- Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os
recursos naturais renováveis a partir do qual se constrói um "modo de vida";
25

- Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na


elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse
conhecimento é transferido de geração em geração por via oral;
- Noção de território ou espaço onde o grupo se reproduz econômica e
socialmente;
- Moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns
membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado
para a terra dos seus antepassados;
- Importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de
mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica numa relação
com o mercado;
- Reduzida acumulação de capital;
- Importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de
parentesco ou de compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e
culturais;
- Importância de mito e rituais associados à caça, à pesca e a atividades
extrativistas;
- A tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o
meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo
o trabalho artesanal. Nele, o produtor e sua família, dominam o processo de trabalho
até o produto final;
- Fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos
centros urbanos;
- Autoidentificação ou identificação pelos outro de se pertencer a uma cultura
distinta das outras.

Para ser reconhecido como comunidade tradicional, precisa trabalhar com


desenvolvimento sustentável.Em 2004, foi criada a Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, subordinada ao
Ministério do Meio Ambiente com a finalidade, entre outras, de estabelecer e
acompanhar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades
Tradicionais.
Estima-se que cerca de 4,5 milhões de pessoas fazem parte de
comunidades tradicionais atualmente no Brasil, ocupando 25% do território nacional,
26

representados por caboclos, caiçaras, extrativistas, indígenas, pescadores,


quilombolas, ribeirinhos, entre outros.

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1.O que se entende por comunidades tradicionais?

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2.A partir de quando as comunidades tradicionais passaram a ter seus direitos


reconhecidos?

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UNIDADE 2.2 Populações Tradicionais e Meio Ambiente

A relação entre as populações tradicionais e o meio ambiente é positiva


quando há possibilidade de manter o progresso humano, de maneira permanente
até um futuro longínquo.
Trata-se, portanto, de concretizar um desenvolvimento econômico
sustentável, incrementando o padrão de vida material dos pobres. A pobreza, a
miséria são inimigos potenciais do meio ambiente, na medida em que as
necessidades de sobrevivência obrigam muitas vezes as populações tradicionais a
agredirem o meio ambiente.
Para tornar tais populações aliadas na conservação, é necessário
incrementar a oferta de alimentos, a renda real, os serviços educacionais, os
27

cuidados com a saúde etc. Isto é, torna-se necessário executar junto com tais
populações projetos de desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento destes projetos exige em primeiro lugar a organização
social das populações para que o processo seja plenamente participativo e as
comunidades se sintam engajadas e responsáveis pela conservação dos recursos
naturais.
Os projetos devem visar principalmente:
- aumentar a produção e a produtividade dos recursos naturais existentes;
- reduzir as perdas no processamento de tais recursos;
- melhorar o sistema de comercialização no mercado local;
- agregar valor aos produtos no local de produção e descentralizar o processo
produtivo incentivando o processamento local;
- desenvolver novos mercados para os produtos existentes;
- desenvolver mercados para novos produtos;
- abaixar os custos de implantação de sistema agroflorestais, mediante o
aproveitamento de áreas já desmatadas;
- reorganizar o sistema de abastecimento de tais populações, mediante
atividades associativas que eliminem os intermediários.
Populações Tradicionais Brasileiras:
- Caboclos;
- Caiçaras;
- Caipiras;
- Indígenas;
- Quilombolas;
- Pescadores.

Comunidades Quilombolas

Existem pelo menos 24 estados no Brasil com comunidades quilombolas:


Amazonas, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Piauí,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina,
São Paulo, Sergipe e Tocantins.
28

Segundo o Centro de Cultura Negra do Maranhão, existem 527


comunidades quilombolas no Estado do Maranhão, distribuídas em 134 municípios.
Elas concentram-se principalmente nas regiões da Baixada Ocidental, da Baixada
Oriental, do Munim, de Itapecuru, do Mearim, de Gurupi e do Baixo Parnaíba.
O Estado do Maranhão é um dos cinco no Brasil cuja constituição
reconhece às comunidades quilombolas o direito à propriedade da terra. Essa
garantia é fruto da luta do movimento negro, que conseguiu a inclusão do artigo
229 na Constituição Estadual do Maranhão, promulgada em 1989.
Até outubro de 2007, 20 comunidades quilombolas maranhenses haviam
conquistado o título de propriedade de suas terras. Os títulos foram outorgados pelo
governo do estado por meio do Instituto de Terras do Maranhão (Iterma).

TERRAS DE QUILOMBO TITULADAS NO MARANHÃO


(até setembro de 2007)

Comunidades Hectares Município Expedidor Ano

Eira dos Coqueiros 1.012 Codó Iterma 1999

Mocorongo 163 Codó Iterma 1999

Santo Antônio dos 2.139 Codó Iterma 1999


Pretos

Genipapo 589 Caxias Iterma 2002

Cipó dos Cambaias 2.440 São João do Iterma 2002


Soter

Santa Helena 345 Itapecuru-Mirim Iterma 2006

Jamary dos Pretos 6.613 Turiaçu Iterma 2003

Olho D‟Água do 188 Caxias Iterma 2005


Raposo

Altamira 1.220 Pinheiro Iterma 2005

São Sebastião dos 1.010 Bacabal Iterma 2005


Pretos

Usina Velha 1.162 Caxias Iterma 2006

Agrical II 323 Bacabeira Iterma 2006


29

Santo Inácio 1.364 Pedro do Iterma 2006


Rosário

Santana 202 Santa Rita Iterma 2006

Queluz 256 Anajatuba Iterma 2006

Rio dos Peixes 542 Pinheiro Iterma 2006

Imbiral 404 Pedro do Iterma 2006


Rosário

Bom Jesus dos Pretos 217 Cândido Iterma 2006


Mendes

Santa Isabel 838 Cândido Iterma 2006


Mendes

Lago Grande 907 Piritoró Iterma 2006

20 comunidades 21.935
30

RESERVA EXTRATIVISTA DO QUILOMBO FRECHAL

A Comunidade Frechal teve suas terras transformadas em reserva extrativista por


meio do Decreto Federal N° 536/1992. Essa área não consta na tabela de terras
tituladas porque a mesma não é de propriedade dos quilombolas. A reserva
extrativista é uma categoria de unidade de conservação. É de domínio público
com uso concedido às populações extrativistas tradicionais.

O Maranhão é o segundo estado brasileiro com maior número de terras de quilombo


tituladas, atrás apenas do Pará. Essas e outras conquistas são fruto da árdua luta dos
quilombolas maranhenses articulados na Associação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ). Nessa trajetória os quilombolas contam com o
apoio de valiosos parceiros como o Centro de Cultura Negra do Maranhão, a Sociedade
Maranhense de Direitos Humanos e o Ministério Público Federal.

Muitas comunidades quilombolas no Maranhão lutam nesse momento pela garantia de


seus territórios. Em setembro de 2007, tramitavam no Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) 89 processos para a titulação de terras quilombolas situadas no
Maranhão.

O cotidiano da maior parte das comunidades é marcado por disputas e conflitos


envolvendo seus territórios. Especialmente preocupante é a situação enfrentada pelos
quilombolas de Alcântara que, nos anos 1986 e 1987, foram vítimas de deslocamentos
compulsórios promovidos pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Segundo o
Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos, a expansão do CLA pode resultar no
deslocamento forçado de mais 1.500 quilombolas em Alcântara.

Não falta, porém, disposição aos moradores das comunidades para lutar por seus direitos,
tampouco alegria de viver. Um símbolo da resistência cultural é o Tambor de Crioula, uma
manifestação de várias das comunidades maranhenses e que envolve muita música e
dança.

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1.Faça um comentário sobre a importância dos Projetos de Desenvolvimento


Sustentável para as comunidades tradicionais.

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2.Qual é a realidade das comunidades quilombolas no Maranhão?

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ATIVIDADE AVALIATIVA

1.Faça um texto dissertativo sobre a intervenção do assistente social nas


comunidades tradicionais.

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32

CAPÍTULO 3 O ASSISTENTE SOCIAL E O TRABALHO NA COMUNIDADE

O profissional de Serviço Social possui uma formação generalista,


respaldado na Lei 8662/93, possibilitando uma atuação em diversas áreas; saúde,
família, idoso, ONGs, gênero, criança e adolescente, empresa, justiça, no estado,
em recursos humanos, meio ambiente, educação e comunidade. Convém destacar a
atuação educativa, crítica e reflexiva deste profissional nas diversas instâncias
comunitárias.
Os assistentes sociais devem ter o compromisso com os princípios ético-
político do seu Código, ou seja, um projeto pautado na equidade, justiça social e
sem nenhuma forma de discriminação. E, além disso, é de suma importância ser
competente nas dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e investigativa
(planejando e executando pesquisas), intervindo na realidade da comunidade,
consolidando de forma democrática o acesso e a garantia dos direitos sociais e
sendo um mobilizador de recursos comunitários.
No que tange ao Desenvolvimento de Comunidade é importante apontar
que esta é uma forma de desenvolver a autonomia da população. E essa autonomia
deve se dar através da tentativa de uma abordagem reflexiva em busca de uma
autoconscientização da população sobre sua condição de subalternidade no
contexto da estrutura dominante. O povo deve ter uma participação ativa, pois ele se
coloca como sujeito da sua própria história, sendo capaz de refletir, questionar sua
realidade e modifica-la, desta forma é capaz de melhorar suas condições de vida.
Este tipo de DC tem um caráter crítico, reflexivo e politizante. O assistente social
deve buscar dentro da realidade concreta de cada comunidade elementos que
propiciem a população uma reflexão sobre sua realidade, para que esta cresça e
tenha a sua autonomia.
As comunidades por serem um espaço complexo, pois a realidade é
complexa, exige do assistente social uma postura criativa, versátil, dinâmica,
reflexiva, flexível e prepositiva, bem como estratégias de intervenção que
possibilitem diversas ações diante das realidades vivenciadas pelas comunidades
para alcançar seus objetivos, porque em cada comunidade surgem demandas
específicas, e o profissional deve estar atento para identifica-las. As formulações das
estratégias devem ser construídas conjuntamente com a população para responde-
las de maneira eficaz. Sendo necessário desenvolver com a comunidade ações
33

sócio-educativas para que esta tenha como refletir e buscar alternativas,


descortinando a ideologia dominante de naturalização dos fatos sociais.
A articulação tanto com entidades da sociedade civil, quanto a órgãos
públicos é de suma relevância no desencadear do assistente social dentro da
comunidade, pois deve estar assessorando e apoiando os movimentos sociais,
fazendo valer os princípios da sua legislação e acima de tudo, buscando não apenas
mudanças na micro realidade, mais também na macro realidade – transformação
social.
Dentro deste contexto, a Educação Popularaparece como uma estratégia
fundamental para o fortalecimento e a valorização da teoria produzida pela camada
popular, bem como servindo para a conscientização do DC como ideologia que sirva
ao crescimento e a autonomia da classe dominada.

UNIDADE 3.1 Cidadania e Educação Popular

Inicialmente os movimentos populares eram vistos apenas como grupos


que reivindicam questões básicas relativas ao problema da habitação, uso do solo,
serviços etc. Na contra mão dessa informação está outra vertente, que apresenta
um movimento sociocultural como potencial para uma cultura de ruptura com a
alienação, com a cultura dominante, no sentido de construir sua própria história.
Conforme Gohn (2003) é atribuído aos “movimentos populares urbanos
um papel de destaque no processo de transformação social, como novos agentes
que buscam construir uma identidade coletiva, fundada nos interesses dos
subordinados” (p. 163).
No entanto, é importante ressaltar que essa forma renovada da educação,
não ocorre por meio de um programa previamente estabelecido, mas sim, por meios
de princípios que são formulados por agentes institucionais oriundos da articulação
da igreja, de partidos políticos, universidades, sindicatos entre outros. E sua
aplicação e difusão se dão a partir do trabalho das lideranças da parcela da
população organizada.
Os trabalhos científicos que tratam desta questão se baseiam em artigos,
teses e resenhas que foram realizadas sobre a literatura da educação popular.
34

UNIDADE 3.1.1A produção das ciências sociais sobre a educação popular

Na primeira fase da educação popular no Brasil, os principais textos eram


produzidos pelas ciências sociais, abordando a formação da identidade nacional e
as fases do desenvolvimento brasileiro.
A década de 1960 sofre influência da sociologia francesa, promovendo uma safra de
estudos brilhantes sobre a realidade brasileira.
Outro aspecto importante desse período, para Gohn (2005, p. 46) é a fase da
teoria da modernização que “ocorreu paralelamente aos programas de educação
popular. Isto porque a educação era um dos pilares fundamentais daquela teoria, na
transição da sociedade arcaica para a moderna.” Ou seja, no processo de
apresentação a educação era um instrumento técnico, que continha na realidade
características políticas. Ocorrendo, então, na década de 1970 as críticas dos
programas e métodos de educação popular, por parte de vários estudiosos.
Por outro lado, a conjuntura política daquele período se voltava para a busca
de alternativas para saída do regime militar. E tudo que estimulasse o saber dos
oprimidos, as energias da sociedade civil, a fala do povo era incorporado como
alternativa política possível (GOHN, 2005), tornando a educação popular o centro
das discussões. Visando a que fosse ainda mais consistente esse saber, os grupos
de assessoria deixam de levar material pronto e passam a produzi-lo com o grupo, a
partir de sua própria realidade, construindo saberes e estimulando a produção desse
conhecimento.
Para Gohn (2005) a partir deste momento tanto a prática social quanto a
produção teórica se reestrutura. Haja vista que na área da educação, “os programas
„alternativos‟ da educação popular se transformam em trabalhos coletivos de
equipes junto a populações pobres de áreas específicas: os Sem Terra da Zona
Leste, os filhos da Terra da Zona Norte, os Favelados do Ipiranga etc.” (p. 47).
Nesse contexto a educação assume um caráter político dos trabalhos e
“desassume” seu caráter educacional estritamente vinculado à escolarização,
realizando algo mais entrecortado pela politização. Pressupõe-se que foram os
princípios do sistema Paulo Freire que embasaram os programas tidos como
progressistas na área da educação popular. Cabe ressaltar que se adotou como
princípio básico da educação popular o desenvolvimento de uma ação pedagógica
conscientizadora, que atuaria sobre o nível de cultura das camadas populares em
35

termos explícitos do interesse delas. O caráter educativo de fato


Segundo Gohn (2005, p. 51) o caráter educativo dos movimentos populares
reside no fato de que a educação é autoconstruída no processo, surgindo diferentes
fontes do educativo, a saber:
1. Da aprendizagem gerada com a experiência de contato com fontes de
exercício do poder.
2. Da aprendizagem gerada pelo exercício repetido de ações rotineiras que a
burocracia estatal impõe.
3. Da aprendizagem das diferenças existentes na realidade social a partir da
percepção das distinções nos tratamentos que os diferentes grupos sociais recebem
de suas demandas.
4. Da aprendizagem gerada pelo contato com as assessorias contratadas ou
que apoiam o movimento.
5. Da aprendizagem da desmistificação da autoridade como sinônimo de
competência, a qual seria sinônimo de conhecimento.
Na medida em que essas fontes e formas de saber vão se constituindo em
instrumento das classes populares, os movimentos detêm determinado poder para
atingirem seus objetivos, gerando mobilizações e inquietações que podem por em
risco o poder constituído, ainda que seja um poder nos ditos populares.
Mas o saber popular politizado se torna uma ameaça para as classes dominantes,
quando reivindica espaço nos aparelhos estatais, por estar invadindo o campo de
construção da teia de dominação das redes de relações sociais e da vida social. (cf.
GOHN, 2005).

O aspecto pedagógico

A questão da participação gera preocupações pedagógicas que se


definem de acordo com as diferentes percepções e posições assumidas ante a
realidade social. A maior questão pedagógica a ser trabalhada, segundo Souza
(2008) é a ultrapassagem do cotidiano. Os interesses e preocupações que se
revelam no cotidiano são em geral parcial e mecanicamente percebidos.
A realidade percebida parcialmente leva as ações de enfrentamento a
serem definidas de acordo com o imediato, e posteriormente a se encerrarem em si
mesmas. A percepção global implica em uma perspectiva crítica, criar condições
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para que ações simples e mesmo da ordem do imediato possam ser geradas de
outras tantas ações na direção dos problemas fundamentais da população.
Na compressão da realidade cotidiana e nas ações sobre ela, a
ultrapassagem significa rever a posição inequívoca sobre a participação. Tal
ultrapassagem pode ser trabalhada através de um processo educativo determinado,
cujo objetivo é interferir na dinâmica social da realidade de participação existente em
dada situação social.
Souza (2008, p. 84) define processo educativo como, o processo que se
expressa através da conscientização, organização e capacitação contínua e
crescente da população ante a sua realidade social concreta. Como tal é um
processo que se desenvolve a partir do confronto de interesses presentes a esta
realidade e cujo objetivo é a sua ampliação enquanto processo social. Alguns grupos
subempregados que tem como referência suas áreas de moradia, outros grupos
consideram suas situações de trabalho e discutem problemas maiores que tem a
enfrentar em sua realidade cotidiana, concluindo que “a maior dificuldade para
enfrentar os problemas do dia a dia é a da participação”. (SOUZA, 2008, p. 85)
Os motivos das dificuldades da participação costumam ser diversos,
dentre os quais pode-se citar: medo de perderem o emprego, da repressão sobre as
diversas formas que costumam atingir a pobreza; falta de confiança em si; o uso da
televisão e do lazer que distanciam cada vez mais as pessoas das preocupações
para com as necessidades e interesses principais; falta de segurança e legitimidade
em suas reivindicações; falta de segurança e ou clareza quanto à significação das
leis e das políticas que o Estado vai criando em função do trabalhador.
Tais considerações revelam problemas sérios a serem enfrentados, se
fazendo necessário um processo de troca de conhecimento e experiência para
encontrar meios de fazê-lo. A ausência, a indiferença, o mutismo se apresentam
como características maiores que dificultam a reflexão e a apatia da população na
não participação. Por vezes essas situações se apresentam como único caminho
que a população dispõe para dizer não a uma realidade não aceita.
Considera-se que a “educação é um direito de todas as pessoas
resguardado pela Política Nacional de Educação independente de gênero, etnia,
religião ou classe social” (BRASIL, 1988). O acesso à escola extrapola o ato da
matrícula e implica apropriação do saber e das oportunidades educacionais
oferecidas à totalidade dos alunos com vistas a atingir as finalidades da educação, a
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despeito de qual seja a população escolar.


No entanto, a educação formal segundo Bourdieu (1998), serve para que
sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos,
posto que é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos
do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de
avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes
sociais” (p. 53). Sendo que, a igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve
como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades
reais diante do ensino e da cultura transmitida.
Deve-se considerar que a tradição pedagógica só se dirige a alguns
segmentos sociais, por trás das ideias inquestionáveis de igualdade e da
universalidade. Mas ela não somente exclui as interrogações sobre os meios mais
eficazes de transmitir a todos os conhecimentos e as habilidades que a escola exige
de todos e que as diferentes classes sociais só transmitem de forma desigual
(BOURDIEU, 1998).
Para cumprir o previsto por lei como direito de todo cidadão, necessita-se
de uma nova escola que aprenda a refletir criticamente sua função social, bem como
seu papel enquanto formadora de pessoas, ou seja, uma escola que não tenha
medo de se arriscar, mas coragem de criar e questionar o que está estabelecido, em
busca de rumos inovadores. Segundo Gohn (2005, p. 108), a nova escola deve
reconhecer a existência de demandas individuais e coletivas, orientar-se para a
liberdade do sujeito pessoal, para a comunicação intercultural e para gestão
democrática da sociedade e suas mudanças. Deve aumentar a capacidade dos
indivíduos de ser sujeitos, de compreender o outro em sua cultura.
E é neste campo que a preocupação com o saber, com o conhecimento
transmitido pela escola, com o acesso aos bens culturais e com um currículo capaz
de ajudar na construção de uma sociedade mais humana e menos excludente faz
com que os educadores avaliem suas práticas individuais e coletivas.
Segundo Pereira (2008), se pretendemos oferecer aos alunos de hoje um
conhecimento significativo, o papel do educador é desconstruir o conhecimento
produzido pela cultura dominante e ajudar a construir um outro saber com a
participação dos segmentos menos privilegiados de nossa sociedade, ou seja, é
necessário que esses segmentos sejam protagonistas desse processo.
Paulo Freire (2004) lutava contra um tipo de educação alienada da
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realidade dos educandos, a qual ele denominava bancária, enfatizando a


necessidade de construção de uma pedagogia da resistência aos processos de
opressão no Brasil e na América Latina, como uma preocupação ética.Ele acreditava
na possibilidade de se construir a lógica de uma ética universal do ser humano, que
condena a exploração da força de trabalho e as atitudes racistas, fundamentalistas e
sexistas. “Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos
oprimidos” (2004, p. 41). Ele acreditava em uma práxis autêntica, uma práxis que
criasse tensão em relação aos valores estabelecidos, que fosse dotada de reflexão e
ação e que se empenhasse na transformação.
Diante destas demandas por uma educação inclusiva, destacamos as
práxis de origem popular, ou seja, a Educação Popular que traz uma pluralidade de
perspectivas, concepções teóricas e conceitos acerca dessa modalidade educativa,
sobre o que há concordância nas abordagens de diferentes autores (GOHN, 2001,
1994; MELO NETO, 1999; SALES, 1999; WANDERLEY, 1994). Ou seja, a educação
popular pode-se manifestar em vários espaços formais e não formais, numa
multiplicidade de dimensões sociais nas quais são tecidas as relações cotidianas.
É ao compreender a educação popular como uma prática independente,
que se concretiza como uma metodologia coletiva que potencializa as condições de
captação, apreensão e leitura crítica da realidade, tem-se a perspectiva dos
protagonistas dessa ação educativa na esfera social (econômica, política, cultural),
objetivando transformá-la.
Diante desse contexto Sales (1999, p.115) ressalta que sua concepção de
educação popular, pode ser definida da seguinte forma:

“a Educação Popular é um modo de atuar e tem uma perspectiva: a


apuração, organização, aprofundamento do sentir/pensar/agir dos excluídos
do modo de produção capitalista, dos que estão vivendo ou viverão do
trabalho, bem como dos seus parceiros e aliados em todas as práticas e
instâncias da sociedade.”

Ou seja, ela não se restringe ao espaço escolar, ela vai além, pois os
processos de aprendizagem são gerados em experiências cotidianas de luta
organizada, no qual o saber é cultura.Os espaços das atividades de educação não
formal distribuem-se em inúmeras dimensões, incluindo desde as ações das
comunidades, dos movimentos e organizações sociais, políticas e não
governamentais até as do setor da educação e da cultura.
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Essas atividades se desenvolvem em duas vertentes principais: a


construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em
ações coletivas, tendo a cidadania democrática como foco central.
Nesse sentido, movimentos sociais, entidades civis e partidos políticos
praticam educação não formal quando estimulam os grupos sociais a refletirem
sobre as suas próprias condições de vida, os processos históricos em que estão
inseridos e o papel que desempenham na sociedade contemporânea.

Então, o assistente social dentro de uma Educação Popular que tenha


como objetivo favorecer a classe dominada deve estar dispostoa construção de
novos conhecimentos produzidos também por esta classe, derrubando a visão
preconceituosa de que o conhecimento produzido pela ciência é o verdadeiro e o
mais importante. Os conhecimentos científicos juntamente com o popular devem se
somar em prol de um desenvolvimento desta comunidade. A Educação Popular é
uma prática política e o assistente social deve atuar conjuntamente coma população
para reforçar seu poder de luta e resistência.

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1.Qual a importância da educação popular para as comunidades tradicionais?

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2.De acordo com o texto, qual era a práxis defendida por Paulo Freire?

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UNIDADE 3.2 A Participação Social e o Controle Social

Nosso país foi construído dentro de uma tradição excludente e autoritária,


a partir da colonização portuguesa, que só foi superada quando os brasileiros se
uniram e atuaram no processo de restauração da democracia e do Estado de direito
ao fim do regime militar.
Em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã,
resultado de um histórico de mobilizações da sociedade brasileira e da atitude de
homens e mulheres que desejavam um novo Brasil, com igualdade para todos.
Em seu primeiro artigo, no parágrafo único, temos destacada a
importância de cada cidadão: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente.
Criada para vivermos com igualdade e justiça, a Constituição Brasileira de
1988 definiu formas de participação popular. São elas:
NO PODER LEGISLATIVO os cidadãos podem participar por meio do
voto em eleições, referendos, plebiscitos, da proposição da legislação por iniciativa
popular e do encaminhamento de denúncias de irregularidades ao Tribunal de
Contas da União (TCU). Ao eleger seus representantes, você está confiando a eles
o papel de lutar pelos seus direitos de cidadão, o que não esgota sua participação
direta.
NO PODER JUDICIÁRIO a participação popular pode ocorrer por meio do
júri popular com a finalidade de julgar crimes dolosos contra a vida e pelo direito de
proposição de ação popular para anular atos lesivos ao patrimônio público.
NO PODER EXECUTIVO a participação popular ocorre por meio dos
conselhos e comitês de políticas públicas, bem como da legitimidade de apresentar
denúncias de irregularidades perante a Controladoria Geral da União – CGU.
A participação social (ou participação popular) pode ser entendida como
formas de expressão da vontade individual e coletiva da sociedade com o objetivo
de contribuir com propostas de mudança e de interferir nas tomadas de decisão do
poder público. Nesse sentido, os conselhos e as conferências são espaços
privilegiados de participação popular.
Uma das grandes conquistas que vem exemplificar a possibilidade da
sociedade influenciar na agenda pública, foi o que aconteceu com a
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campanhanacional pelo inclusão da alimentação como direito social na constituição,


liderada pelo CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).
A campanha contou com a participação de entidadescivis, movimentos
sociais, órgãos públicos e privados, organizações não governamentais, artistas,
cidadãs e cidadãos de todo o país. Qual foi o resultado? A aprovação da emenda
constitucional 64 aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional no dia 04 de
fevereiro de 2010.
Com isso, a Carta Constitucional passa a assegurar como direitos sociais
o acesso à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, a moradia, ao lazer, à
segurança, à previdência social, à proteção a maternidade, à infância e à assistência
aos desamparados como direitos sociais.
Essa conquista foi fruto do espaço ativo e participativo da sociedade na
construção do país, no combate à pobreza, à fome e à exclusão social e na redução
das desigualdades. A participação e o controle social continuam sendo fundamentais
para concretização dos direitos sociais.
Essa nova cultura participativa aponta para novos temas na agenda
pública e para a conquista de novos espaços. O cidadão tem assegurado o direito
de participação no processo de tomada de decisões e também no acompanhamento
das políticas públicas.
A participação contínua na gestão pública permite que os cidadãos não só
atuem na formulação das políticas públicas, como também verifiquem o real
atendimento às necessidades da população e fiscalizem de forma permanente a
aplicação dos recursos públicos.
A participação não é uma idéia alheia aos sujeitos que estão se
constituindo, que ao se auto-formarem enquanto cidadãos democráticos repensam
as suas origens, as suas identidades e seus destinos. É uma nova condição o que
sustenta essa afirmação, uma tentativa de construir um diálogo com estudiosos da
democracia participativa no Brasil, para pensar os ciclos da participação em uma
escala histórica mais longa.
Para Avritzer (2009) pensar em ciclos de conjunturas de participação é
pensar em ciclos históricos mais longos do processo de mobilização social do povo
brasileiro. Neste sentido, pode-se dizer que estamos vivendo o segundo grande
ascenso do processo de auto-formação do povo brasileiro, o primeiro grande
ascenso teve início nos anos 1950 e foi brutalmente interrompido em 1964. O
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segundo grande momento de mobilização, pensando em períodos históricos mais


longos, é aquele que começa nos anos 1970, na resistência ao regime militar, e se
prolonga, de forma contínua e inacabada, até os dias de hoje. (AVRITZER, 2009)
No entanto, a participação é requisito de realização do próprio ser
humano; os processos de cooptação existem, no entanto, não significa que se deva
deixar de considerá-la em sua importância e de resgatar o seu verdadeiro
significado. Nesse processo é necessário resgatar o desenvolvimento social do
homem nas definições e decisões da vida social.
Entre os mecanismos de cooptação pode-se destacar as formas
ideológicas de pensar a existência, as formulações quanto à própria natureza do
homem, as formulações quanto às predeterminações sociais de outros. Essa forma
de pensar é repassada a população muitas vezes como uma forma importante de
participação.
Assim, a cooptação dever ser compreendida com os seus mecanismos, a
fim de que se possa tentar encontrar formas de ação sobre ela e não ser uma
justificativa para se negar a participação.

A participação popular no processo de construção das políticas públicas

Para abordarmos essa discussão vamos primeiro entender o que é


democracia, a partir da definição de Bobbio (2000, p. 56), que define a democracia
representativa por meio da participação indireta da população nos processos
decisórios. Nessa forma de governo, a população elege seus representantes e lhes
confere poder de decisão. Em geral, a expressão „democracia representativa‟
significa que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito a
coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte,
mas por pessoas eleitas para esta finalidade.
Ou seja, um dos elementos fundamentais da democracia representativa é
o voto, alcançado mediante sufrágio universal, que atribui poder aos eleitos para a
tarefa da representação. Este tem sido, durante muito tempo, o principal indicador
usado para medir o desenvolvimento democrático. No entanto, o que deve ser
considerado nos dias atuais são os espaços políticos e não o número de votantes,
pois, “para dar um juízo sobre o estado da democratização num dado país, o critério
não deve mais ser o de „quem‟ vota, mas o de „onde‟ se vota” (BOBBIO, 2000, p.
43

68).
No Brasil, os movimentos sociais, nas décadas de 1970 e 1980, tinham
como objetivo a mudança social, configurada em inúmeras lutas populares, dentre
as quais aquela para inserir suas reivindicações no texto final da Constituição
Federal de 1988. A esta agregou as reivindicações sociais no tocante aos princípios
da participação da população nos processos decisórios e a mudança das práticas de
elaboração e execução de políticas públicas. A Constituição de 1988 representou
um marco no processo de descentralização político-administrativo do país.
O conjunto de inovações trazidas pela nova constituição não significou a
efetivação imediata dos espaços departicipação na gestão pública. Por outro lado,
ainda se têm resquícios da cultura patrimonialista, mas Gohn (2005, p. 211) ressalta
que “os conflitos sociais contemporâneos tem encontrado novas formas de se
expressar, diferentes das tradicionais, baseadas na conciliação, na negociação
pessoal. Trata-se do surgimento da forma Conselho como órgão de mediação povo-
poder”.
A inserção da sociedade civil nos mecanismos de controle do governo,
por meio dos conselhos, viabilizou a participação irrestrita das pessoas, com a
participação popular nestes novos espaços sendo entendida como envolvimento
efetivo da sociedade, assumindo o compromisso de trabalhar pela defesa do bem-
estar coletivo. Podemos usar como exemplo, a participação no campo da saúde
pública, na qual a proposta de participação popular surgiu como consequência da
redução da confiança da população nas instituições governamentais e se configurou
como uma tendência identificada em várias reformas no setor, implementadas em
diferentes países, ainda que nem sempre com a mesma denominação.
Vários estudos sustentam a participação popular na elaboração de
políticas públicas de saúde como instrumento de aperfeiçoamento dos serviços
oferecidos (JACOBI, 2002; SERAPIONI, 2003). Outro exemplo evidente desse
compasso entre governo e sociedade civil é a experiência do orçamento
participativo, o qual revela uma visão otimista do ser humano, na qual a participação
dos cidadãos na tomada das decisões públicas somente não ocorre se não existirem
mecanismos institucionais apropriados.
A participação popular, entendida como o envolvimento da sociedade
mediante conselhos na discussão, análise, acompanhamento e avaliação de
políticas e programas da área, é uma condição essencial para o seu funcionamento,
44

conforme previsto em lei.


No caso do conselho, essa participação prevê que usuários, comunidade
científica, profissionais e trabalhadores da área, prestadores de serviço (público e
privado) e gestores tenham representatividade neste fórum, definidos pelas
entidades, associações e grupos mobilizados e reconhecidos pela sociedade.
Eles assumem a missão de trabalhar pela defesa do bem-estar coletivo.
As instituições participativas no Brasil Segundo Avritzer (2009), as instituições
participativas no Brasil têm influenciado as ações do governo por meio dos
conselhos de políticas e os orçamentos participativos. Essa participação é resultado
das legislações especificas que regulamentam os artigos da Constituição de 1988 no
que diz respeito à criança e ao adolescente, à assistência social, à saúde, entre
outros, pois esses artigos expressam a necessidade da participação na construção
das políticas públicas, entretanto não especifica de que forma deve acontecer.
Sendo assim, o formato conselho emergiu das legislações
infraconstitucionais nas áreas de saúde, assistência social e criança e adolescente.
A LOS –Lei Orgânica da Saúde, a Loas – Lei Orgânica da Assistência Social, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Cidade são as legislações
federais que estabeleceram a participação em conselhos nos diferentes níveis
administrativos (AVRITZER, 2009, p. 34).
A participação é definida de forma diferente pela legislação a partir de
1990, ocorrendo principalmente através dos conselhos, cujo formato institucional é
definido por legislação local, ainda que os parâmetros para a estruturação sejam
dados pela legislação federal.
Cabe ressaltar que todos os conselhos adotam a paridade como princípio,
mesmo que a forma específica da paridade varie de uma área temática para outra.
O orçamento participativo é outra instituição participativa, cuja criação não é
decorrência direta da Constituição de 1988, mas, é uma forma de balancear a
articulação entre representação e participação ampla da população por meio da
cessão da soberania por aqueles que a detêm enquanto resultado de um processo
eleitoral (AVRITZER, 2009).
É por isso que discutir o papel da sociedade civil, enquanto espaço de
construção de hegemonia para incidência dos direitos humanos, é mais que refletir
sobre como a sociedade civil está e/ou pode se organizar e responder às demandas
das pessoas em geral. É entender como a cartilha do capitalismo neoliberal articula
45

os direitos humanos nessa mesma sociedade civil, espaço dos movimentos sociais,
que historicamente se consolidaram e se relacionam.
A compreensão e a relação entre essas categorias – neoliberalismo,
sociedade civil e direitos humanos – são pressupostos para analisar as implicações
da desigualdade social nas relações cotidianas e as respostas que muitas
organizações sociais podem oferecer a essa problemática.
Esse é um caminho que, pensado pela ótica das políticas públicas, torna
possível (re)pensar as estratégias em execução e as ações que estruturalmente
possam ser arquitetadas no âmbito da sociedade civil para uma intervenção
qualificada na garantia dos direitos humanos.
Vale ressaltar que as experiências educativas não formais estão sendo
aperfeiçoadas conforme o contexto histórico e a realidade em que estão inseridas.
Nesse processo ocorre o avanço da democracia, a ampliação da participação
política e popular e o processo de qualificação dos grupos sociais e comunidades
para intervir na definição de políticas democráticas e cidadãs. A compreensão e a
relação entre essas categorias – neoliberalismo, sociedade civil e direitos humanos
– são pressupostos para analisar as implicações da desigualdade social nas
relações cotidianas e as respostas que muitas organizações sociais podem oferecer
a essa problemática.
Esse é um caminho que, pensado pela ótica das políticas públicas, torna
possível repensar as estratégias em execução e as ações que estruturalmente
possam ser arquitetadas no âmbito da sociedade civil para uma intervenção
qualificada na garantia dos direitos humanos.
Com essa atitude de participação, o acompanhamento e a fiscalização, o
cidadão exerce o controle social, interferindo no direcionamento das políticas
públicas, exigindo e promovendo a transparência e o uso adequado dos recursos
públicos. Esse exercício ocorre em espaços públicos de articulação entre governo e
sociedade, constituindo importante mecanismo de fortalecimento da cidadania.

Mas o que é controle social?

O controle social é a participação da população na gestão pública que


garante aos cidadãos espaços para influir nas políticas públicas, além
de possibilitar o acompanhamento, a avaliação e a fiscalização das
instituições públicas e organizações não governamentais, visando
assegurar os interesses da sociedade.
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EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1.Qual a importância da participação popular no processo de construção das


políticas públicas?

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2.Qual o papel dos conselhos dentro do controle social?

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AVALIAÇÃO PROCESSUAL

1.De acordo com GOHN (2003), “ Os movimentos populares urbanos tem um papel
de destaque no processo de transformação social...” Faça um comentário sobre
essa afirmativa.

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REFERÊNCIAS

a) Básica

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de


Janeiro: Jorge Zajar Ed. 2003.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

BOURDIN, Alain. A questão local. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

b) Complementar

BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987.

CAMPONEZ, Carlos. Jornalismo de proximidade. Coimbra: Minerva Coimbra,


2002.

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. A era da informação: a economia,


sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999, vol. 2.

ESPOSITO, Roberto. Niilismo e Comunidade. In: PAIVA, Raquel (org.). O retorno


da comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. P.
15-30.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro:


DP&A, 2006.

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