Você está na página 1de 112

Disciplina

Didática I

Coordenador da Disciplina

Prof.ª Teresa Gurgel

7ª Edição
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser repro d u zid a ,
transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autore s.

Créditos desta disciplina

Realização

Autor

Prof. Paulo Meireles Barguil

Colaborador (es)

Prof.ª Silvany Bastos Santiago


Prof.ª Nidia Barone
Sumário
Aula 01: Escola, Sociedade, Trabalho docente e Didática..................................................................... 01
Tópico 01: Introdução à disciplina......................................................................................................... 01
Tópico 02: Função Social da Escola: Manutenção ou Transformação da Realidade? .......................... 05
Tópico 03: Trabalho Docente: Características, Especificidades e Exigências do Cenário
Contemporâneo ........................................................................................................................................... 12
Tópico 04: Didática: aspectos históricos, perspectivas atuais e contribuição para o trabalho docente. 17

Aula 02: Educação: crise de paradigmas ................................................................................................ 23


Tópico 01: Contextualizando a crise educacional.................................................................................. 23
Tópico 02: (Des)Encontros na Escola e Na Sala de Aula: Ética, Diálogo e Violência - I ..................... 34
Tópico 03: (Des)encontros na escola e na sala de aula: ética, diálogo e violência - II ......................42
Tópico 04: As teorias educacionais e contribuições para o trabalho docente ....................................... 52
Tópico 05: Relação entre as teorias de aprendizagem e as práticas educacionais ................................. 67

Aula 03: Organização do Trabalho Docente .......................................................................................... 79


Tópico 01: Interdisciplinaridade e Transposição Didática .................................................................... 79
Tópico 02: Inovações Pedagógicas ........................................................................................................ 87
Tópico 03: Planejamento Educacional .................................................................................................. 90
Tópico 04: Elementos de um Plano de Ensino....................................................................................... 94
Didática I
Aula 01: Escola, Sociedade, Trabalho Docente e Didática

Tópico 01: Introdução à disciplina

Palavra da Coordenadora da Disciplina de Didática I

VERSÃO TEXTUAL
Sou prof.ª Nidia Barone, pedagoga, psicopedagoga, especialista em educação, mestranda
em Tecnologia da Informação e Comunicação em formação para a EaD, gerente do Centro de
Produção do Instituto UFC Virtual, professora universitária ...

Estou também como professora conteudista de Didática I onde abordaremos o que vem a
ser "Ensinar". Ensinar não é apenas transmitir conteúdos, executar tarefas, avaliar e aprovar ou
reprovar. Ensinar antes de tudo é dialogar com as infinitas possibilidades do conhecimento; é
abrir mentes, é combater a cegueira da escuridão mental; é dar razão ao sentido da vida, do ser e
do mundo. É repassar firmeza, autoestima, capacidade, controle, atenção; é conduzir o ser ao
caminho certo da reflexão, da exatidão, da inexatidão, enfim, das certezas e incertezas que nos
conduzem na busca pelo saber.

Queremos também refletir sobre o seu papel enquanto educador.

Ser professor, não é apenas ser um diplomado, o dono do conhecimento. Ser professor é
mais que isso. É ser um mestre da sabedoria e do transmitir a sabedoria. É dialogar com as
múltiplas possibilidades e dificuldades do ensinar; é ser compreensível, atencioso e não ter medo
de errar ou acertar; é ser um ser humano que busca entender e ensinar o outro.

Portanto, nossa disciplina de didática, trará algumas questões importantes sobre ensino,
escola, sociedade, conhecimento, aprendizagem, professor, aluno e planejamento. Indagações
que diariamente acompanham o dia a dia daqueles que se envolvem com a educação.

Nossa disciplina de Didática será dividida em três aulas que têm por objetivo:

• Destacar a função social da escola na sociedade;


• Compreender o andamento do professor em sala de aula, bem como saberes e competências;
• Analisar as concepções de ensino e aprendizagem diante das dificuldades da atual educação
brasileira;
• Verificar o papel do professor e do alunado mediante as concepções de educação no Brasil;
• Compreender a importância do planejamento e da avaliação escolar durante o processo de ensino
e aprendizagem do aluno;
• Investigar os encontros e desencontros entre aluno, professor, sociedade e violência escolar.
Na primeira aula focaremos a escola, a sociedade, o trabalho docente e a didática. Nessa
unidade, traçaremos definições importantes sobre a Didática e de sua importância para a prática
docente em sala de aula: a didática como ferramenta do processo de ensino aprendizagem do
professor. Iremos trabalhar a relação aluno - professor; o processo do ensinar e do aprender; e
verificar a função social da escola. Nosso objetivo é compreender o papel da escola na
sociedade; do professor e sua prática de ensino; da arte de ensinar e de aprender.

Num segundo momento de nossa disciplina, discutiremos a crise educacional no Brasil,


traçando um olhar sobre a sala de aula, a estrutura escolar, a realidade social e sua influência na
educação, a violência no ambiente escolar e a relação aluno - professor - conhecimento -

1
aprendizagem. O objetivo dessa unidade 2 é compreender o processo de educação no Brasil, bem
como verificar os paradigmas educacionais que estão inseridos no processo de ensino e
aprendizagem do aluno.

Na terceira e última aula, discutiremos a organização do trabalho docente, as inovações


pedagógicas e o processo de planejamento das aulas, o currículo, a interdisciplinaridade e as
renovações do saber. Nosso objetivo é entender o seguinte: o que ensinar? Como ensinar? Por
que ensinar? Com que ensinar?

Devemos pensar no saber e na forma de repassá-lo. E é por isso que devemos traçar uma
maneira criativa, amistosa e saudável de educar. Dar aula não é uma tarefa fácil, pois exige muito
de nós. Contudo, só podemos afirmar uma coisa: existe enumeras maneiras de ensinar invente a
sua... !

Sejam todos bem-vindos à disciplina de didática!

Forte abraço a todos,

Prof.ª Nidia Barone

Nesta disciplina, estudaremos sobre a Didática, a qual se constitui


num importante aspecto do trabalho docente, que precisa ser entendido
na complexa relação escola – sociedade.

Para compreender a Didática de forma crítica, convém que o professor, constantemente, se indague:

VERSÃO TEXTUAL
• Qual é a função social da escola na atualidade?
• Que saberes e competências eu preciso ter para ser um bom profissional na sociedade
contemporânea, caracterizada pela crescente competitividade?
• O que é Didática?
• Quais são as concepções de ensino e de aprendizagem em que acredito?
• Que papéis o professor e o estudante desempenham na relação pedagógica?
• Qual é a importância do planejamento e da avaliação na minha atividade profissional?
• Quais são e como se articulam os elementos constantes de um plano de trabalho?

As respostas para tais questionamentos são variadas e expressam, dentre outros, valores éticos,
cognitivos e políticos.

O exercício da docência pressupõe coragem tanto para formular tais perguntas (e outras!) quanto
para procurar respostas, as quais são sempre parciais, tendo em vista o caráter dinâmico da vida.

Durante estas aulas, as temáticas acima serão discutidas, permitindo que vocês, num processo
individual e coletivo, (re)construam as crenças que orientarão a sua prática profisssional.

2
Didática

Fonte [1]
Quantas vezes já ouvimos (e falamos): “Fulano não tem didática!” para expressar a dificuldade
desse(a) docente em socializar os conhecimentos aos seus estudantes? Mas, o que é a Didática? É
possível aprender a ter Didática? Se sim, o que é necessário?

Didática, conforme o dicionário Aurélio, é: “[Fem. substantivado de didático.]


S. f. 1. A técnica de dirigir e orientar a aprendizagem; técnica de ensino. 2. O
estudo desta técnica.” (FERREIRA, 1993, p. 587).

De acordo com a definição supra, a Didática é uma técnica (que dirige e orienta a aprendizagem e de
ensino) que pode ser estudada. Não é de estranhar, portanto, que, muitas vezes, os estudantes, no início
desta disciplina, tenham a expectativa de apreender tal técnica, que equivaleria a receitas.
Desde o século passado, a Educação tem vivido uma crise, a qual demanda do professor uma
compreensão quanto à sua natureza, de modo que a sua atitude diante dela seja satisfatória.
Postulo que um dos fatores que contribui para este quadro educacional é de natureza epistemológica,
em virtude de o ensino, numa perspectiva tradicional, ter primazia sobre a aprendizagem. Acredito que, de
modo geral, a preocupação do professor é muito mais com o ensino do que com a aprendizagem.

As descobertas da neurociência na década recente ratificaram, de forma incisiva, as teorias de


aprendizagem que enfatizam a importância da atividade do sujeito, da valorização das suas experiências e
conhecimentos prévios, os quais são ponto de partida para os conceitos que se deseja que ele aprenda.

Tendo em vista que, conforme a definição supra, Didática é um substantivo originado de Didático,
convém conhecer, também, a definição deste:

Didático, conforme o dicionário Aurélio, é: “[Do gr. Didaktikós .] Adj. 1. Relativo


ao ensino ou à instrução, ou próprio deles: problemas didáticos . 2. Próprio para
instruir; destinado a instruir: livro didático. 3. Que torna o ensino eficiente: Bom
professor, recorre em suas aulas a todos os expedientes didáticos . 4. Típico
de quem ensina, de professor, de didata: Tem um modo didático de se
exprimir .” (FERREIRA, 1993, p. 587).

Os problemas de aprendizagem revelam, na grande maioria das vezes, problemas de ensino (de
didática), em virtude de o professor acreditar que o domínio de conteúdos e de certas técnicas é suficiente
para garantir a aprendizagem dos estudantes.

REFLEXÃO

3
Para reflexão, sugerimos a leitura do texto A volta de um personagem do século XVI ao Brasil. (clique
aqui para abrir (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.))

Como entender que a educação escolar ainda utilize, a despeito das inúmeras transformações
sociais, muitas vezes, práticas pedagógicas que se revelam, cada vez mais, inadequadas? Quais são as
consequências da continuidade dessas rotinas?

DICA
O que é Educação? (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

No próximo tópico, será analisada a relação escola e sociedade.

4
Didática I
Aula 01: Escola, Sociedade, Trabalho Docente e Didática

Tópico 02: Função Social da Escola: Manutenção ou Transformação da Realidade?

REFLEXÃO
A sociedade brasileira se caracteriza, dentre outras coisas, por profundas e históricas desigualdades,
frutos de um processo de exclusão e segregação social.

- Será que a educação pública tem algo a ver com isso?

- Será a educação mais uma expressão do descaso do Estado com as demandas da grande maioria
da população?

- Poderá a educação contribuir de alguma forma para a transformação desta situação?

A relação entre Educação e Sociedade pode ser entendida, numa perspectiva filosófica, de três
formas distintas:

Redenção
A educação é capaz de salvar a sociedade dos desvios individuais e grupais que
a ameaçam (redenção).

Reprodução
A educação reproduz a sociedade, uma vez que os determinantes econômicos,
sociais e políticos impedem que práticas pedagógicas contrárias ao sistema se
desenvolvam (reprodução).

Transformação
A educação viabiliza um projeto social, que pode ser conservador ou
transformador, tendo em vista o caráter histórico da sociedade (transformação).

As tendências redentora e transformadora expressam-se, respectivamente, nas concepções


pedagógicas liberal e progressista. Essas tendências, segundo Libâneo (1996), se diferenciam quanto:

LIBERAL

(tradicional, renovada progressivista, renovada não diretiva e tecnicista)

PROGRESSISTA

(libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos)

5
- ao papel da escola

- os conteúdos de ensino

- os métodos

- o relacionamento professor-estudante

- os pressupostos de aprendizagem

- as manifestações na prática escolar

PARADA OBRIGATÓRIA
As Tendências Pedagógicas e a prática escolar. (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)

Paulo Freire

Paulo Reglus Neves Freire (1921-


1997) - foi um educador, escritor e
filósofo pernambucano. Considerado um
dos pensadores mais notáveis na história
da pedagogia mundial, tendo
influenciado o movimento chamado
pedagogia crítica. É também o Patrono
da Educação Brasileira.

Fonte [2]

Descrição
da
imagem:
Foto
do
educador
Paulo
Freire.

6
Cabelos
brancos
que vão até
abaixo dos
ombros, e
barba
comprida,
também,
branca.
Usa óculos
de
armações
finas e
veste
paletó
preto e
camisa
lilás, com
gravata.

Acredito que a escola pública é um espaço importante que as classes trabalhadoras têm para
compreender a História do Brasil. Para tanto, elas precisam ter acesso às informações e saber interpretá-
las. Paulo Freire [3] formulou, nos anos 60, um método de alfabetização [4], que sintetiza seu compromisso
com a transformação do mundo, a qual só é possível quando as pessoas se percebem como sujeitos e
não como objetos da História (Pedagogia da Libertação).

Neste sentido, ele diferenciou a educação bancária da educação libertadora/problematizadora.

Educação bancária
O conhecimento é decorado, fruto da transmissão acrítica dos conteúdos “guardado” em gavetas.

Educação libertadora/problematizadora
O conhecimento é entendido na sua dimensão histórica, seja no que se refere à sua construção,
seja na sua relevância na realidade dos discentes (que sempre nos perguntam: “Professor, para que
eu vou estudar isto?”), possibilitando que esses elaborem significado/sentido dos saberes socializados.

Compartilho, portanto, da opinião de Freire :

Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática


de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos
e a sua comunicabilidade. É imprescindível, portanto, que a escola instigue
constantemente a curiosidade do educando em vez de ‘amaciá-la’ ou ‘domesticá- la’.
(FREIRE, 2009, p. 122-123)

7
MULTIMÍDIA
Filosofia de Paulo Freire I [5].

Filosofia de Paulo Freire II [6].

O professor é um profissional cujo trabalho é ajudar estudantes (crianças, adolescentes e adultos) no seu
processo de crescimento pessoal, o qual contempla múltiplas dimensões: cognitiva, afetiva, física, social.

Considerando que os estudantes brasileiros vivem num país de seculares injustiças, é fundamental que o
cotidiano escolar (conteúdos, práticas...) favoreça a compreensão discente quanto aos fatores que perpetuam
tal dinâmica, bem como na instauração de renovadas relações, pautadas em valores éticos.

Fonte [7]

Descrição da imagem:
Imagem ilustrativa com os seguintes dizeres:
Pretérito: eu não estudei. Tu não se responsabilizaste. Eles não
investiram em educação.
Presente: eu depredo, me drogo, agrido. Tu choras. Eles não
investem em educação.
Futuro: Eu sofrerei. Tu sofrerás. Eles se elegerão.

REFLEXÃO
Que profissional/cidadão a escola pública brasileira, que atende 85% das nossas crianças e
adolescentes, deve ajudar a formar? Entender a sociedade como resultado da ação humana e não de
fenômenos naturais pode aumentar a intensidade do compromisso na transformação daquela? É possível
aprender a ser cidadão na escola?

Edgar Morin

8
Fonte [8]

Edgar Morin - cujo verdadeiro nome é


Descrição
Edgar Nahoum, nasceu em 8 de julho
da
de 1921. Formado em Direito, Geografia
imagem: e História, ele também realizou estudos
Foto do em filosofia, sociologia e epistemologia.
educador Edgar Morin é considerado um dos
Edgar Morin. principais pensadores ainda vivo.

Cabelos
brancos, boné
preto.
Usa uma
blusa cinza
por fora e um
cachecol
xadrez
(vermelho,
preto e
branco).

Edgar Morin acredita que a Educação, em todos os níveis, precisa contemplar sete aspectos para atenderàs
demandas do futuro, o que implica na redefinição de objetivos e práticas dos cotidianos escolares.

A seguir, um breve resumo de “Os sete saberes necessários à Educação do futuro”, na concepção de
Morin:

AS CEGUEIRAS DO CONHECIMENTO: ERRO E ILUSÃO


Conhecer é interpretar, construir significado, a partir das nossas experiências. Desta forma, devem-
se considerar o erro e a ilusão, uma vez que a realidade se modifica a todo momento: objetivamente (os
acontecimentos) e subjetivamente (as nossas leituras).

9
OS PRINCÍPIOS DO CONHECIMENTO PERTINENTE
Conhecer é integrar dimensões variadas (partes) para entender a (complexidade da) realidade
(todo).

IDENTIDADE HUMANA
Resgatar a identidade humana, compreendendo-a como uma espécie organizada em sociedade que
habita a Terra, a qual participa de um cosmos repleto de mistérios (indivíduo-espécie-sociedade). Ao
mesmo tempo, somos homo sapiens , ludens , economicus , mitologicus ...

A COMPREENSÃO HUMANA
Compreender o outro e a si mesmo como indivíduos complexos. O individualismo é uma ameaça
à espécie humana, pois afasta a pessoa dos seus semelhantes e de si, gerando sérios problemas de
natureza emocional, que se revelam na qualidade dos relacionamentos.

A INCERTEZA
A incerteza e o inesperado fazem parte da vida, da ciência. A história da humanidade é uma
possibilidade e não uma determinação da natureza.

A CONDIÇÃO PLANETÁRIA
A Terra precisa ser cuidada para que possamos nela continuar. A ecologia, os conflitos religiosos
e políticos, as demandas (crises) econômicas e a escassez de alimento e de água revelam que
precisamos zelar pela perpetuação da nossa espécie.

A ANTROPOÉTICA
A antropoética enfatiza que o Homem tem três aspectos: individual, social e genético. Ela só
pode se manifestar na democracia, ao permitir que os indivíduos assumam, na medida do possível, a
sua responsabilidade social. As ONG, que funcionam sem se prender à religião e à política, permitem
que a humanidade desenvolva uma ética atenta aos imensos desafios contemporâneos.

10
MULTIMÍDIA
Os sete saberes – Edgar Morin [9].

Defendo, com vigor, que a escola tem um importante papel na difusão e na vivência de novos valores
humanos. Ela é, portanto, um espaço de formação, entendida não como um local que adapta, modela as pessoas,
de acordo com interesses estranhos a elas, mas que possibilita que cada artesão-sujeito descubra a configuração
que deseja.

Finalizo este tópico com mais uma contribuição do maior educador brasileiro:

(...) se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a


educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais,
não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que
quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da
transformação da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a
perpetuação do status quo porque o dominante o decrete. (FREIRE, 2009, p.
112)

O compromisso político demanda uma satisfatória formação técnica, o que nos remete à seguinte
indagação: “Quais são as competências que o professor precisa ter?”. É o que será abordado na próxima
seção.

LEITURA COMPLEMENTAR
Função Social da Escola (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.).

OLHANDO DE PERTO
Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra (Visite a aula online para realizar download
deste arquivo.).

Os sete saberes necessários à Educação do futuro (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.).

11
Didática I
Aula 01: Escola, Sociedade, Trabalho Docente e Didática

Tópico 03: Trabalho Docente: Características, Especificidades e Exigências do Cenário


Contemporâneo

VERSÃO TEXTUAL
• O que significa ser professor(a)?
• Quais são as características desta profissão?
• Considerando as novas tecnologias de informação e comunicação, que facilitam o acesso à
informação, o professor ainda é necessário no processo de aprendizagem dos estudantes?
• Será que os cursos de formação têm atendido aos novos desafios?
• Os professores podem atender satisfatoriamente tais crescentes mudanças?

Não existe professor sem estudante e conhecimento. O trabalho docente, portanto, demanda a
presença destes dois componentes (esta temática será abordada, sob diversos aspectos, reiteradas vezes
durante estas aulas).

O ensino é “[...] uma prática social concreta, dinâmica, multidimensional,


interativa, sempre inédita e imprevisível. É um processo que sofre influências de
aspectos econômicos, psicológicos, técnicos, culturais, éticos, políticos,
institucionais, afetivos, estéticos.” (PASSOS, 2006b, p. 01).

LEITURA COMPLEMENTAR
Características do trabalho docente. (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

Quais são os saberes que o professor precisa para desempenhar de forma satisfatória seu labor?

Diversos pesquisadores têm investigado sobre este assunto e enfatizando a sua relevância “[...] para a
formação, atuação e desenvolvimento dos professores.” (CUNHA, 2009).

Na sua prática profissional (planejamento, implementação e avaliação), o professor precisa


gerir/administrar a matéria e a sala de aula, ou seja, ele mobiliza diferentes saberes.

O quadro abaixo apresenta uma síntese das categorias dos saberes docentes formuladas por alguns
dos estudiosos mais conceituados sobre esse tema:

Categorização dos “saberes docentes ou dos professores”

12
Tardif,
Lessard
e Lahaye Pimenta Gauthier et al Saviani
(1991) (1999) (1998) (1996)

Específico e
Das disciplinas Do Disciplinares e
didático-
e currículos conhecimento curriculares
curricular

Das Ciências da
Pedagógico,
Educação, da
Da formação crítico-
Pedagógicos tradição pedagógica
profissional contextual e
e da ação
atitudinal
pedagógica

Da
Da experiência Da experiência
experiência

Descrição da Tabela:
Tardif, Lessard e Lahaye (1991): Das disciplinas e curriculares - Da
formação profissional - Da experiência.
Pimenta (1999): Do conhecimento - Pedagógicos - Da experiência. Gauthier
et AL (1998): Disciplinares e curriculares - Das Ciências daEducação, da
tradição pedagógica e da ação pedagógica - Da experiência. Saviani (1996):
Específico e didático-curricular - Pedagógico, crítico- contextual e atitudinal

A formulação de Pimenta (1999) congrega em três amplas categorias os saberes docentes. São elas:

Do conhecimento
Contempla o saber disciplinar (conteúdo a ser ensinado) e o saber
curricular (seleção e organização do conteúdo).

Pedagógicos
Refere-se às teorias da Educação, que permitem o entendimento dos
processos de ensino e de aprendizagem.

Da experiência
Contempla as representações que orientam (princípios, crenças ...) a
prática docente, as quais estão em permanente transformação, pois que se
alimentam da realidade, enquanto inspiração e espaço de validação.

13
Por entender que o saber da experiência refere-se, muitas vezes, aos saberes do conhecimento e
pedagógico, e que a dimensão subjetiva do pesquisador é ignorada, proponho a substituição do saber da
experiência pelo saber existencial, que se refere aos sentimentos, valores, crenças e ideais docentes, os
quais o (i)mobilizam na melhoria dos demais saberes.

PARADA OBRIGATÓRIA
Saberes Necessários à Prática do Professor (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)

A transformação da sociedade na contemporaneidade implica na redefinição da Educação, da escola


e do trabalho docente.

Libâneo (1998) defende a importância do professor para auxiliar o estudante a aprofundar o seu
significado da cultura e da ciência. Considerando este contexto, ele apresenta as seguintes novas atitudes
docentes:

1) Assumir o ensino como mediação: aprendizagem ativa o aluno com a ajuda pedagógica do
professor;

2) Modificar a ideia de uma escola e de uma prática pluridisciplinares para uma escola e uma
prática interdisciplinares;

3) Conhecer estratégias do ensinar a pensar, ensinar a aprender a aprender;

4) Persistir no empenho de auxiliar os alunos a buscarem uma perspectiva crítica dos


conteúdos, a se habituarem a apreender as realidades enfocadas nos conteúdos escolares de
forma crítico-reflexiva;

5) Assumir o trabalho de sala de aula como um processo comunicacional e desenvolver


capacidade comunicativa;

6) Reconhecer o impacto das novas tecnologias da comunicação e informação na sala de aula


(televisão,vídeo games, computador, internet, CD-ROM, etc);

7) Atender à diversidade cultural e respeitar as diferenças no contexto da escola e da sala de


aula;

8) Investir na atualização científica, técnica e cultural, como ingredientes do processo de


formação continuada;

9) Integrar no exercício da docência a dimensão afetiva;

10) Desenvolver comportamento ético e saber orientar os alunos em valores e atitudes em


relação à vida, ao ambiente, às relações humanas, a si próprios (LIBÂNEO, 1998, p.28-48).

14
Zabalza (2003) apresenta as seguintes competências docentes, as quais, no seu entendimento, são
imprescindíveis para quem quer atuar na escola do futuro: empática, comunicativa, cognitiva, didático-
disciplinar, institucional, criativa e cidadã. É possível alguém atender a tudo isto?

Diante de tantas adversidades (salário baixo, excesso de trabalho, indisciplina e violência na sala, pressão
dos superiores na hierarquia, desgate físico e falta de valorização) e exigências, o docente brasileiro está,
cada vez mais, doente. Este drama tem recebido a atenção de profissionais da educação e da saúde, uma
vez que interfere diretamente na qualidade do trabalho docente e da sua vida pessoal.

Descrição da imagem:
É importante compreender a natureza deste problema, o
qual tem gerado um alto custo social, seja porque, muitas
vezes, faltam profissionais habilitados na sala de aula, seja
porque o investimento do poder público na formação docente é
desperdiçado. As políticas públicas precisam, inspiradas nos
diagnósticos emanados das pesquisas sobre essa temática,
atuar de forma vigorosa na reversão do cenário acima relatado,
sob pena de continuarmos a assistir a diminuição da qualidade
de vida (pessoal e profissional) do professor.

PARADA OBRIGATÓRIA
Sob pressão (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) - O Estresse docente

REFLEXÃO
Qual é a contribuição da Didática na compreensão e superação dos desafios profissionais?

15
O papel da Didática na Educação (e no trabalho docente) tem se modificado ao longo da História,
sendo assunto do próximo tópico.

LEITURA COMPLEMENTAR
Leia os seguintes artigos para saber mais sobre o trabalho docente:

◦ Desafios e possibilidades ao trabalho docente e à sua relação com a saúde (Visite a aula online para realizar download
deste arquivo.)
◦ Educação, cultura e desporto: concepção e desafios para o século XXI (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)
◦ Experiência e competência no ensino (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)
◦ Formação docente como estratégia de superação do precarizado trabalho docente (Visite a aula online para realizar
download deste arquivo.)
◦ Globalização e Educação: ideias para um debate (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)
◦ Saberes docentes ou saberes dos professores? (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)
◦ Perspectivas atuais na Educação (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)
◦ Significado e sentido do trabalho docente (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)
◦ Trabalho docente: características e especificidades (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

16
Didática I
Aula 01: Escola, Sociedade, Trabalho Docente e Didática

Tópico 04: Didática: aspectos históricos, perspectivas atuais e contribuição para o trabalho docente

A Didática, como área de conhecimento dos cursos de formação de


professores, caracteriza-se pela mudança dos seus objetos e objetivos.

[Jan Amos Komenský – Iohannes


Amos Comeni us] (1592-1670) - foi
um bispo protestante da Igreja Morávia,
educador, cientista e escritor checo.
Como pedagogo, é considerado o
fundador da didática moderna.

Fonte [10]

Descrição
da
imagem:
Retrato
do
Comênius,
Cabelos
castanhos
que vão até
os ombros,
e barba
comprida,
também,
castanha.
Veste roupa
eclesiástica
preta,
própria para
bispo,e
uma
estola
vermelha.

17
Em 1657, Iohannes Amos Comenius [11] – João Amos Comênio, em Português – publicou, em latim,
Didactica Magna (Didática Magna – Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos), tida como a primeira
obra no mundo ocidental voltada aos processos de ensinar e de aprender, motivo pelo qual é considerado
como o pai da Didática Moderna.

A proposta educacional de Comênio – ensinar tudo a todos – afrontava a concepção escolástica


católica, que era voltada à elite e com currículo restrito, permeado de conteúdos abstratos.

Comênio acreditava no poder da educação para aproximar o Homem de


Deus, tornando-o bom cristão: sábio (erudição), crente (religião) e generoso
(virtude).

No entendimento desse pensador, o cotidiano escolar deveria se inspirar no ritmo da natureza,


contemplando todas as áreas do conhecimento e valorizando as situações do cotidiano, além de atender
às necessidades e aos interesses de professor e estudantes.
Por acreditar que tudo o que se deveria saber necessitaria ser ensinado, Comênio defendia que o
professor, durante o ensino, deveria:

Gravura do próprio Comênio para um


de seus livros de texto: aprender brincando [12]

Descrição da Imagem:
Gravura feita pelo próprio Comênio para um de seus livros. A gravura
traz várais crianças se divertindo num espaço ao ar livre e cercado. Elas
são observadas por um adulto enquanto brincam.

i) ser claro e direto;

ii) utilizar aplicações práticas para facilitar o processo de aprendizagem;

iii) enfatizar as origens desse conteúdo;

iv) explicar, inicialmente, os princípios gerais;

18
v) respeitar o tempo adequado para fazê-lo.

A Didática Magna contém as características principais da escola moderna:


o entendimento da infância como momento único; a influência da relação família-
escola no desenvolvimento do estudante; a necessidade de uma metodologia de
ensino (tendo ele proposto a instrução simultânea); e o educador como uma
pessoa preparada para tal ofício.

Introdução da Didática Magna, de Comênio

TRATADO DA ARTE UNIVERSAL DE ENSINAR TUDO A TODOS


Processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades de qualquer Reino cristão,
cidades e aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém
em siveiarte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de
piedade, e, desta maneira, possa ser, nos anos da puberdade, instruída em tudo o que diz respeito à
vida presente e à futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez.

Onde os fundamentos de todas as coisas que se aconselham são tirados da própria natureza
das coisas; a sua verdade é demonstrada com exemplos paralelos das artes mecânicas; o curso
dos estudos é distribuído por anos, meses, dias e horas; e, enfim, é indicado um caminho fácil e
seguro de pôr estas coisas em prática com bom resultado.

A proa e a popa da nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os
professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho,
menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais
sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais
luz, mais ordem, mais paz e mais tranqüilidade.

Fonte: Comenius (2001)

A cronologia, a seguir apresentada, não é consenso entre os estudiosos, mas permite compreender a
trajetória percorrida na estruturação da Didática no Brasil. Destacam-se, na versão escolhida, quatro
momentos:

Primeiro Momento
Começa com a sua implantação em 1939, como curso e disciplina, e termina no
começo dos anos 50. Ela se caracteriza, inicialmente, pela dificuldade de se definir e
delimitar seu objeto e conteúdo e pela influência da Escola Nova, que enfatizou
conteúdos técnicos e metodológicos.

Segundo Momento

19
Da década de 1950 até meados dos anos 70, a Didática aprofunda a dimensão
técnica-metodológica, priorizando o caráter normativo/prescritivo, sob o manto da
neutralidade científica, e afastando-se da reflexão quanto aos determinantes e objetivos
sociopolíticos da Educação. Oliveira e André (1997, p. 8) caracterizam este momento
como “(...) o da construção da Didática na perspectiva do liberalismo”.

Terceiro Momento
Situado entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da
década seguinte, que tem como marco fundante o I Seminário “A Didática em
Questão” (1982), vê brotar críticas e denúncias à Didática Tecnicista – que mascarava
o caráter reprodutivista da escola – redundando em movimentos antagônicos: negação
e reconstrução da área. No que se refere à última perspectiva, diversos encontros
nacionais propiciaram o aporte teórico e prático necessário para redefini-la, ao
promover o intercâmbio de pesquisas e experiências pedagógicas de intelectuais e
professores.

Quarto Momento
Inicia-se na segunda metade da década de 1980 e chega até a atualidade, expressa
o esforço dos especialistas da área para articular o saber didático às questões
metodológicas, epistemológicas e ideológicas, compreendendo o ensino como prática
social concreta. Neste sentido, o ensino precisa ser analisado nas suas múltiplas
dimensões, evitando os reducionismos das fases anteriores, o que significa dizer que a
Educação deve ser contextualizada nos seus aspectos sociais, históricos, políticos e
culturais, levando à compreensão dos pressupostos que inspiram as práticas
pedagógicas e articulam teoria e prática.

Esse breve relato permite perceber os avanços que ocorreram na área no


que se refere às críticas e aos esforços de superá-las, que se expressa na
reconfiguração da área, atenta às exigências e aos desafios contemporâneos.

LEITURA COMPLEMENTA
Leia o trecho extraído de Passos (2006a).

A didática no contexto atual (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

A E ducação é um fenômeno social que pode ser vivenciado com graus diferentes de formalidade:
formal, não formal e informal.

Formal
Ministrada por instituições – colégios, escolas, faculdades, institutos,
universidades públicas e privadas, destinadas à Educação Básica e à Educação
Superior.

Não formal

20
Ministrada por instituições – empresas, escolas profissionalizantes, ONGs –
com caráter complementar e suplementar em relação à educação formal.

Informal
Ministrada no cotidiano, num processo contínuo, assistemático e não
organizado.

A P edagogia é a Ciência que busca descrever e compreender a Educação, as teorias e as práticas


educativas, com o intuito de melhorá-las.

A D idática, por sua vez, é uma disciplina pedagógica voltada ao processo de ensino, o que implica
investigar, também, o processo de aprendizagem. A ação educativa contempla aspectos cognitivos, afetivos,
éticos, políticos, dentre outros.

Na próxima aula, estudaremos sobre a crise educacional.

LEITURA COMPLEMENTAR
Didactica Magna (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.).

OLHANDO DE PERTO
O habitus professoral: o objeto dos estudos sobre o ato de ensinar na sala de aula. (Visite a aula
online para realizar download deste arquivo.)

A Trajetória Histórica da Didática (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.).

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Entreviste dois agentes pedagógicos: um docente e um discente, conforme orientações no
roteiro. (Clique aqui para seguir roteiro da atividade) (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.).

Após entrevistas e considerando as leituras e as reflexões realizadas na aula 01, redija o que você
aprendeu com essa atividade. Coloque a sua produção no seu Portfólio.

FÓRUM
Comente com seus colegas e com seu(sua) tutor(a) a relação entre Didática e o texto “ Os sete
saberes necessários à educação do futuro (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) ", de
Edgar Morin. Para o autor, esses saberes relacionam-se aos “setes buracos negros da educação”, que
são completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos.

Fontes das Imagens

21
1 - https://media.giphy.com/media/CH 4ejLIp Cfwly/gip hy.gif
2 - http://www.ufrgs.br/ufrgs/noticias /jornadas-na-faced-debatem-o-pensamento-de-paulo-freire
3 - https://brasilescola.uol.com.br/biogra fia /paulo-freire.htm
4 - https://www.infoescola.com/pedagogia/metodo-paulo-freire/
5 - http://www.youtube.com/watch?v=c0qEP5cIp _o
6 - http://www.youtube.com/watch?v=qxnNKNPeWFM
7 - http://blogorlandeli.zip.net/images/cha rge 24x11x07.jpg
8 - http://4.bp.blogspot.com/_NGfADw-06_Q/Rx _RtOh qcTI/AAAAAAAAAHc/f7lNjvtLrVY/s400/falamestre.jpg
9 - http://www.youtube.com/watch?v=C0RyOmLZ4aE
10 - http://comenius-projekte.eu/johann -am os-comenius -2/
11 - https://www.infoescola.com/biografias/jan-am os-comenius/
12 - http://3.bp.blogspot.com/-7LDxr4WioEk/T831 QrVytdI/AAAAAAAAAXk/465lFPA8qy Y/s1 600/b rinca r.jpg

22
Didática I
Aula 02: Educação: crise de paradigmas

Tópico 01: Contextualizando a crise educacional

Neste esforço de compreender a crise educacional, é necessário que sejam investigadas as


relações entre as pessoas, notadamente a relação professor-estudante.

O Homem é um ser complexo, que tem várias dimensões – física,


emocional, espiritual, cognitiva, ... – as quais precisam ser consideradas.

Neste tópico, enfatizaremos a dimensão cognitiva, que é a mais facilmente percebida na


Educação. No próximo, contemplaremos os aspectos emocionais e físicos, os quais, infelizmente, na
grande maioria das vezes, não recebem a devida atenção.

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

Descrição da Imagem:
Imagem ilustrativa de uma criança sentada de costas pra lousa,
cabisbaixa, na lousa está escrito a palavra educação, no entanto a
palavra está escrita ao contrário.

ESCOLA E SOFRIMENTO - DE RUBEM ALVES (1994)


Estou com medo de que as crianças me chamem de mentiroso...

Pois eu disse que o negócio dos professores é ensinar a felicidade. Acontece que eu não
conheço nenhuma criança que concorde com isto. Se elas já tivessem aprendido as lições da
política, me acusariam de porta voz da classe dominante. Pois, como todos sabem, mas
ninguém tem coragem de dizer, toda escola tem uma classe dominante e uma classe
dominada: a primeira, formada por professores e administradores, e que detém o monopólio
do saber, e a segunda, formada pelos alunos, que detém o monopólio da ignorância, e
que deve submeter o seu comportamento e o seu pensamento aos seus superiores, se
desejam passar de ano.

Basta contemplar os olhos amedrontados das crianças e os seus rostos cheios de


ansiedade para compreender que a escola lhes traz sofrimento. O meu palpite é que, se fizer
uma pesquisa entre as crianças e os adolescentes sobre as suas experiências de alegria na
escola, eles terão muito que falar sobre a amizade e o companheirismo entre eles, mas
pouquíssimas serão asreferências à alegria de estudar, compreender e aprender.

23
A classe dominante argumentará que o testemunho dos alunos não deve ser levado em
consideração. Eles não sabem, ainda… Quem sabe são os professores e os
administradores.

Acontece que as crianças não estão sozinhas neste julgamento. Eu mesmo só me


lembro com alegria de dois professores dos meus tempos de grupo, ginásio e científico. A
primeira, uma gorda e maternal senhora, professora do curso de admissão, tratava-nos a
todos como filhos. Com ela era como se todos fôssemos uma grande família. O outro,
professor de Literatura, foi a primeira pessoa a me introduzir nas delícias da leitura. Ele
falava sobre os grandes clássicos com tal amor que deles nunca pude me esquecer. Quanto
aos outros, a minha impressão era a de que nos consideravam como inimigos a serem
confundidos e torturados por um saber cujas finalidade e utilidade nunca se deram ao
trabalho de nos explicar. Compreende-se, portanto, que entre as nossas maiores alegrias
estava a notícia de que o professor estava doente e não poderia dar a aula. E até mesmo
uma dor de barriga ou um resfriado era motivo de alegria, quando a doença nos dava
uma desculpa aceitável para não ir à escola.

Não me espanto, portanto, que tenha aprendido tão pouco na escola. O que aprendi
foi fora dela e contra ela. Jorge Luís Borges passou por experiência semelhante. Declarou que
estudou a vida inteira, menos nos anos em que esteve na escola. Era, de fato, difícil amar as
disciplinas representadas por rostos e vozes que não queriam ser amados.

Esta situação, ao que parece, tem sido a norma, tanto que e assim que aparece
frequentemente relatada na literatura. Romain Rolland conta a experiência de um aluno:

… afin al d e contas, não entender nad a já é um hábito. Três quartas p artes do que se diz e do qu e
me fazem escrever n a escola: a gramática, ciên cias, a mo ral e mais um terço d as palavras qu e
leio, que me ditam, qu e eu mesmo emp rego – eu não sei o que elas querem dizer. Já ob servei qu e
em minhas redações as que eu m enos comp reendo são as qu e levam mais chan ces d e ser
classificadas em primeiro lugar.

Mas nem precisaríamos ler Romain Rolland: bastaria ler os textos que os nossos
filhos têm de ler e aprender. Concordo com Paul Goodmann na sua afirmação de que a
maioria dos estudantes nos colégios e universidades não desejam estar lá. Estão lá porque
são obrigados.

Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara já foram abolidos.


Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a
mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma
relação parecem ter com sua vida?

Compreende-se que, com o passar do tempo a inteligência se encolha por medo e


horror diante dos desafios intelectuais., e que o aluno passe a se considerar como um burro.
Quando a verdade é outra: a sua inteligência foi intimidada pelos professores e, por isto,
ficou paralisada.

Os técnicos em educação desenvolveram métodos de avaliar a aprendizagem e, a partir


dos seus resultados, classificam os alunos. Mas ninguém jamais pensou em avaliar a alegria
dos estudantes – mesmo porque não há métodos objetivos para tal. Porque a alegria é uma
condição interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de pensamentos e sentimentos.
A educação, fascinada pelo conhecimento do mundo, esqueceu-se de que sua vocação é
despertar o potencial único que jaz adormecido em cada estudante. Daí o paradoxo com que
sempre nos defrontamos: quanto maior o conhecimento, menor a sabedoria. T. S. Eliot fazia
esta terrível pergunta, que deveria ser motivo de meditação para todos os professores:
“Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”

24
Vai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto aflito
das crianças, dos adolescentes: lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a
sua

responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: “Por favor, me
ajude aser feliz…”.

Rubem Alves Blog não oficial [1] - Coletânea de textos desse grande Educador

Conforme foi visto na aula anterior, diversas concepções de aprendizagem têm desfilado nos
palcos escolares nos últimos séculos. Nesta seção, é reafirmado o fato de que elas expressam
uma compreensão de como o Homem produz e socializa o conhecimento, ou seja, de uma
epistemologia.

Essas teorias costumam discordar quanto ao papel que o sujeito e o objeto desempenham
na produção de conhecimento, entendendo aquele como o que conhece e esse como o que se quer
conhecer. Defendo a posição em que o saber é significativo para cada pessoa e não uma peça
decorativa (no duplo sentido), descartável, uma vez que pode ser rapidamente substituída por outra
que seja mais atraente.

Conforme Bruner (2001, p. 15/19), são duas as concepções sobre o funcionamento da mente: o
"computacionalismo" e o culturalismo.

O “computacionalismo”
O “Computacionalismo” defende o argumento de que o Homem processa
informações, como se fosse um computador, uma vez que elas estão dispostas
num código linguístico compreensível para aquele. A missão do professor é
fornecer aos alunos dados para que esses executem os comandos cerebrais
pertinentes e possam aprender.

O culturalismo
O culturalismo evidencia a capacidade que o Homem tem de simbolizar e
interpretar, uma vez que ele pertence a uma comunidade que produz cultura.
Dessa forma, a aprendizagem e o pensamento não são processos mecânicos,
idênticos para todas as pessoas, mas constituem atividades peculiares,
diretamente vinculadas ao desenvolvimento de cada uma delas num contexto
particular, motivo pelo qual os significados de um mesmo objeto/acontecimento
podem (e costumam)ser diversos para vários indivíduos.

25
Descrição da imagem:
Enquanto o “computacionalismo” se baseia no
processamento de informações, privilegiando a explicação, o
culturalismo defende a produção de significado, destacando
a interpretação.

A visão da mente humana como uma máquina não é nova na História da Humanidade. Capra
(2001, p. 66/68) relata que a ciência cognitiva, no seu início, defendeu a noção de que a inteligência
humana poderia ser entendida como um processador de informações. Tal atitude, envolta num
amplo entusiasmo de membros da academia e do público em geral, pode ser comparada com a
ideia, lançada no século XVII por Descartes, de que o funcionamento do corpo humano se
assemelhava ao do relógio.

A utilização de termos tipicamente humanos (memória, linguagem, ...) reforçou a concepção


cartesiana de que o Homem é uma máquina, embora tal crença tenha se revelado recentemente uma
falácia, pois a inteligência da máquina (a “artificial”) é totalmente diversa da humana, uma vez que o:

(...) si stem a nervoso hum ano não processa nenhuma inform ação (no sentido de
elem entos separados que exi stem já prontos no m undo exteri or, a serem apreendidos
pel o si stem a cogni tivo), mas interage com o m ei o ambi ente m odulando conti nuamente
sua estrutura. Além di sso, os neuroci entistas descobriram fortes evidênci as de que a
inteligênci a hum ana, a m em óri a hum ana e as decisões hum anas nunca são
compl etam ente racionai s, mas sem pre se m ani festam coloridas por emoções, com o
todos sabem os a partir da experi ênci a. Nosso pensam ento é sempre acom panhando por
sensações e por processos som áticos. Mesm o que, com frequênci a, tendamos a suprimi r
estes úl tim os, sempre pensam os também com o o nosso corpo; e uma vez que os
computadores não têm um tal corpo, proble mas verdadeiram ente hum anos sem pre serão
estrangei ros à inteligência deles. (CAPRA, 2001, p. 68).

Piaget também pesquisou o desenvolvimento moral da criança e concluiu que o julgamento moral
expressa a consciência que a criança tem do mundo social. Dessa forma, as experiências por ela
vivenciadas permitem avançar nos estádios descritos por ele:

i. Pré-moral (desconhecimento de regras);

ii. Moralidade heterônoma (os deveres e os valores são seguidos fielmente);

iii. Semiautonomia (início da relativização de ordens e de regras); e

iv. Moralidade autônoma (baseada na reciprocidade).

A importância dessa concepção de moralidade infantil é a recusa de entendê-la como um


processo maturacional, pois enaltece as interações que o sujeito estabelece com o meio ambiente. A
excessiva valorização das consequências das ações é, progressivamente, substituída pelas
intenções dos sujeitos, as quais passam a ser entendidas dentro de um sistema valorativo,
possibilitando que as regras e as exigências sociais sejam relativizadas, hajam vistas as
especificidades individuais, num interminável diálogo.

26
A partir dessas contribuições piagetianas, os papéis do aluno e do professor transformam-se
radicalmente: para elaborar o conhecimento, aquele deve confrontar os seus saberes com a realidade,
considerar as informações dos colegas, de modo a formular explicações mais consistentes. Agindo
assim, ele abandonará a enfadonha tarefa de guardar (por pouco tempo) conteúdos amorfos e
assumirá, cada vez mais, a responsabilidade pela sua vida, que congrega bem mais do que a área
cognitiva, num processo interminável de equilibração.

Nessa perspectiva, o professor tem grande influência na dinâmica


da sala, nas interações, motivo pelo qual ele deve abandonar a atitude de
conferencista, de divulgador de um conhecimento que só ele detém, e
propor problemas e desafios aos seus pupilos.

Para que isso ocorra, ele precisa investigar o contexto social em que o alunado vive,
permitindo que esse atinja níveis mais complexos de entendimento da dinâmica social, permeada que
é, no caso do Brasil, por inúmeras contradições e injustiças, as quais não são acontecimentos
naturais, mas acontecimentos históricos, sendo passíveis de transformação.

De um modo geral, os estudos de Piaget permitiram melhor


compreensão do universo infantil, das suas capacidades, limitações e
necessidades. Pesquisas posteriores relevam que as suas ideias quanto à
capacidade de realização das crianças pré-escolares e ao egocentrismo não
são totalmente verdadeiras. Isso não tira o mérito do esforço empreendido
por ele, mas mostram a transitoriedade do conhecimento, que se torna
cada vez mais depurado, com a formulação de mais teorias (acomodação).

PARA DOLL JR. (1997, P. 80), OS ESTUDOS DE JEAN PIAGET SÃO


A alternativa de explicação para o desenvolvimento humano em substituição à Física
newtoniana, uma vez que o modelo aberto, por ele apresentado, privilegia as relações
que os seres humanos estabelecem como o seu meio, enaltecendo a noção de que o valor
que as partes têm só pode ser entendido no sistema como um todo, e não mediante o
isolamento entre aquelas.

Suas investigações, forjadas numa perspectiva da Biologia, objetivavam desvendar a


interação das pressões que o meio ambiente situa sobre o organismo e a reação por este
apresentada a essas pressões. Rejeitou a explicação lamarckiana (as respostas
formuladas pelos indivíduos às pressões do meio ambiente são herdadas) e a darwiniana
(que entendia as pressões ambientais como suscitando respostas aleatórias, com a
sobrevivência do mais adaptado), pois, para ele, a primeira era mecanicista e a segunda não
tinha objetivo.

Segundo Doll Jr. (1997, p. 96/97), a epistemologia proposta por Piaget é o “terceiro
caminho”, que privilegia a “interação entre o organismo e seu meio ambiente”
ressaltando “a maneira pela qual o organismo busca ativamente responder ao meio
ambiente e ao mesmo tempo resiste a qualquer pressão para mudar seus próprios
padrões”. O equilíbrio nunca é plenamente alcançado, haja vista que os estímulos do meio
levam o organismo a reformular as suas estruturas. Porém, “o meio ambiente não molda o
organismo; os organismos moldam a si mesmos”, não sendo, dessa forma, passivos, como
se costumava pensar, mas dotados de uma capacidade de reagir positivamente às pressões
ambientais.

27
Antes de finalizar essa reflexão sobre as contribuições do
construtivismo para a Educação, saliento a discussão que ele fomentou
sobre o erro, notadamente no ambiente escolar, o qual só se revela como
tal quando o sujeito é capaz de confrontar o seu conhecimento com o de
outras pessoas, seja de forma verbal ou escrita. Assim, ele é uma etapa
natural na elaboração do conhecimento, não devendo ser motivo de
culpa, vergonha ou complexo de inferioridade.

Conforme o referencial piagetiano, o erro pode ser compreendido como construtivo e como
não construtivo. Essa diferença na natureza do erro demanda atitudes distintas do professor, motivo
pelo qual devem ser refutadas atitudes demasiadamente permissivas em relação aos erros
cometidos pelos alunos, notadamente quando esses forem do tipo não construtivo.

CONSTRUTIVO

(indica uma complexificação nas estruturas mentais do sujeito).

NÃO CONSTRUTIVO

(revela que não houve mudança nas estruturas mentais do sujeito).

As novas gerações têm o direito de desfrutar momentos de aprendizagem inspirados numa


nova lógica de saber, dando-lhes a oportunidade de experimentar, descobrir, errar, melhorar e
aprender com os próprios equívocos, incrementando a autoimagem e a autoestima. A degustação de
todas as formas de conhecimento permitirá que elas compreendam que o saber é histórico, pois que
resulta da jornada da Humanidade na Terra, sendo, portanto, passível de transformação, de melhoria.

Os postulados sociointeracionistas ratificam o fato de que, para que a realidade educacional seja
transformada, as práticas pedagógicas precisam considerar os processos intra e interpessoal que
caracterizam a significação do saber, a qual nunca se encerra, haja vista que:

VERSÃO TEXTUAL
“É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como
processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida que se
reconheceram inacabados” (FREIRE, 1997, p. 64).

Os atos de aprender e ensinar, portanto, são atividades que caracterizam o existir humano, não
sendoexclusividade do ambiente escolar, uma vez que ele é apenas um dos locais onde isso é
possível de

28
acontecer. O que deveria ser peculiar desse espaço é a possibilidade de que os sujeitos
estabelecessem vínculos muito mais intensos, permitindo que aqueles, por meio de uma
compreensão do mundo mais intensa (pois fruto de um processo deliberado), fossem preparados para
participar mais ativamente do mundo.

A escola precisa, portanto, considerar o cotidiano, as experiências dos seus sujeitos, professor e
alunos, de modo que o saber os ajude a decifrar as complexas ligações entre os acontecimentos.
Esse desafio, embora seja coletivo, precisa ser vivenciado pelas pessoas, pois ela necessita
decifrar, interpretar o mundo.

A experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria


vivência. Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a
partir dele. O dado não pode ser conhecido em sua essência. O que pode
ser conhecido é uma realidade que é constructo da experiência, uma criação
de sentimento e pensamento. (TUAN, 1983, p. 10).

Diante do exposto, é necessário que as relações entre os agentes pedagógicos sejam pautadas
no respeito mútuo, condição indispensável para se estabelecer um diálogo, que substitua o monólogo
que, acredito, impera na grande maioria das salas de aula.

Nessa perspectiva, a oitiva é tão importante quanto a fala, devendo


aquela preceder essa, sob pena de se produzir um monólogo estéril,
inócuo.

O ato de ensinar anda de mãos dadas com o de aprender, aquele não está na frente desse, não o
precede, mas se alimentam mutuamente. Essa também é a opinião de Freire (1997, p. 128):
“Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas
condições, precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com é
falar impositivamente”.

Reconheço que a ausência do diálogo não é privilégio da escola, mas nela os resultados são
ainda mais catastróficos, considerando que a mensagem subliminarmente difundida é a de que o
conhecimento é algo inútil e chato, que não tem nenhuma relação com a vida, com a realidade, seja
a dos alunos, seja a dos professores; mas, será que é possível sonhar com algo distinto?

Vislumbro um cenário em que professor e alunos assumam os papéis de flor e abelha, onde o
conhecimento é o mel, tal como imaginado por Gibran (1970, p. 69):

(...) o prazer da flor é entregar o mel à abelha. Pois, para a abelha, uma
flor é uma fonte de vida. E para a flor, uma abelha é mensageira de amor.
E para ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é uma necessidade
e um êxtase.

Kenski (2000, p. 137) ressalta o fato de que, numa prática apoiada nos ideais de Vygotsky, “o
poder da fala do professor é substituído pela interação, pela troca de conhecimentos e pela
colaboração grupal a fim de se garantir a aprendizagem”, fortalecendo, dessa forma, o diálogo e
as trocas de informações. Assim, na perspectiva do sociointeracionismo, “As aprendizagens, o
desenvolvimento do pensamento lógico e científico, realizam-se através da interação comunicativa, o
que possibilita a construção social do conhecimento”.

29
Descrição da imagem:
Para se compreender a natureza das críticas
ordinariamente enunciadas sobre o construtivismo, é
necessário esclarecer que ele não é uma teoria educacional,
como muitos estão habituados a pensar e propagar, mas
uma teoria do conhecimento.

Acredito que a grande dificuldade de se entender o potencial transformador do ideário


construtivista reside no fato de que ele propõe uma forma radicalmente diferente de se explicar
como o Homem aprende.

As pessoas que buscam receitas para ensinar, que podem ser seguidas por qualquer indivíduo e
em qualquer contexto social, acreditam que a mente é um processador de informações, motivo pelo
qual o conhecimento pode e deve ser transmitido, de forma clara e precisa, pelo professor aos
alunos.

Ora, não bastasse o fato de que o construtivismo não é uma pedagogia, pois afigura-se como uma
epistemologia, ele fomenta o desenvolvimento de uma teoria da aprendizagem (e do ensino) que
valoriza a interpretação, a produção de significados, o que só se efetiva quando o sujeito confronta a
sua realidade (social, emocional, cognitiva, ...) com a produção cultural a que tem acesso por via
das mais variadasformas.

O construtivismo, portanto, é um golpe no “computacionalismo”, que


acredita no poder do professor de explicar, e uma aposta no
culturalismo, que crê na capacidade do aluno de produzir sentido.

Não somente no Brasil, mas também no mundo, de um modo geral, a teoria do conhecimento que
predomina nas salas de aula e dos professores, bem como nos gabinetes dos diretores e dos
gestores, é o “computacionalismo”, expresso no intento de massificar, de produzir em série, de
apresentar a solução para a maior quantidade de pessoas possível. É por isso que a crença de
que o construtivismo seria a solução da Educação no contexto nacional se revelou um grande
fiasco.

30
A culpa, todavia, não está na explicação apresentada pela teoria construtivista, mas no nefasto
uso e na distorção que dela fizeram, objetivando atingir objetivos distintos, e até mesmo
contraditórios, dos que ela formula. Da mesma forma, o responsável por esse fracasso não é o
professor, que seria incapaz de compreender e pôr em prática os seus fundamentos, mas de uma
proposta educacional que acredita que ele tem o poder de sozinho resolver todos os problemas, de
naturezas diversas, que afligem os seusalunos.

O culturalismo demanda uma organização do trabalho escolar bastante diversa da que costuma
caracterizar o cotidiano no Brasil. A autonomia do professor e do aluno não deve ser entendida como
um isolamento do sujeito da sua realidade, mas exatamente o contrário. Somente um indivíduo que
experimenta o prazer de descobrir(-se) pode contribuir e facilitar para que outras pessoas também
tenhamo privilégio de o desfrutarem.

Individualidade não é sinônimo de individualismo, uma vez que a vocação ontológica do Homem é
se encontrar (e perder-se) no e com o outro, numa perspectiva de união e não de isolamento. A
relação do professor com o aluno é apenas uma das possibilidades de encontro que toda pessoa tem
com seu ambiente (social/cultural e natural), o qual foi poeticamente descrita por Freire (1997, p.

Estar di sponí vel é estar sensí vel aos cham am entos que nos chegam, aos si nai s m ai s
diversos que nos apelam, ao canto do pássaro, à chuva que cai ou que se anuncia na
nuvem escura, ao ri so m anso da inocênci a, à cara carrancuda da desaprovação, aos
braços que se abrem para acol her ou ao corpo que se fecha na recusa. É na minha
disponibili dade perm anente à vi da a que m e entrego de corpo i nteiro, pensar críti co,
em oção, curiosi dade, desejo, que vou aprendendo a ser eu m esm o em mi nha relação
com o contrári o de mi m. E quanto mai s m e dou à experi ênci a de li dar sem m edo, sem
preconcei to, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil.

151/152) assim:

O professor, portanto, deve viver a sua autonomia (entendida por mim como sempre inconclusa,
merecedora, assim, de cuidado e dedicação ininterruptos) para que ele proponha atividades que
contribuam e favoreçam o desenvolvimento da autonomia pelo corpo discente. Para tanto, é
necessário que o ambiente e o material pedagógicos sejam ricos e diversos, possibilitando a
exploração, pelos sujeitos, de opções, com incremento da respectiva flexibilidade, respeitando a
diversidade que caracteriza o mundo, com a formulação de explicações que contemplem a
complexidade da dinâmica da vida, e rejeitando aquelas que, deliberadamente ou não, a negam.

O construtivismo, como teoria do conhecimento, favorece o desabrochar de uma ética nas


relações humanas pautada na igualdade e na diversidade, as quais não podem ser entendidas
como antagônicas, mas complementares. Afinal, a igualdade reside no fato de que se trata de seres
humanos, enquanto a diversidade de cada qual ressalta a peculiaridade do que cada um viveu, vive e
viverá.

Professor e alunos não são, portanto, oponentes, mas companheiros


de uma mesma aventura, cada um procurando desempenhar seu papel
da melhor forma possível, confiando e acreditando na lealdade de que
está ao seu lado (ou na sua frente... ou, ainda, atrás!). O fato de a autoria
da aprendizagem ser individual, em virtude de a constituição de signos
ser feita por pessoa, não significa, de forma alguma, que ela é desligada
das relações sociais.

Considerando a reflexão desenvolvida sobre o construtivismo, se é verdade que o professor não


pode ensinar, em virtude da singularidade da forma com que o Homem aprende, isso não significa
que ele não tem um papel de destaque na sala de aula. Muito pelo contrário! Sua importância é

31
ainda mais enaltecida: ele é convidado a assumir a individualidade, a expor sua sensibilidade, a
estabelecer vínculos afetivos com os seus alunos, sendo a cultura e o conhecimento pretextos para
que isso ocorra.

O erro do aluno, nesse cenário, não é visto como catástrofe, uma vez que ele nos lembra
haver sempre algo a ser aprendido, requerendo que o professor, com a sua gama de
conhecimento e sensibilidade, o interprete e formule oportunidades e desafios para o estudante,
continuamente, reelaborar a sua resposta.

Acredito que tal atitude não deve ocorrer apenas quando acontecer um erro. Tendo em vista a
crescente quantidade de saberes e a impossibilidade de dominá-la, mesmo que precariamente,
como devem ser a Educação, o ensino-aprendizagem e a relação professor-aluno?

Di ante de tantas inform ações, não há com o se absorver, intui r um conhecim ento geral,
um saber daquilo que o ser hum ano supostam ente deveri a estar ci ente. Não m e iludo
mai s com isso. A úni ca forma de se cri ar um conhecim ento geral, um conheci m ento
inteiro, é dentro de cada pessoa, e só essa pessoa sabe quai s são as informações
necessárias para que ela m esm a sej a intei ra. Isso não si gni fica isolam ento.
Continuarem os nos influenciando u ns aos outros, perm anecem os inspi rando uns aos
outros, porém não devem os querer o control e sobre o outro, m as apenas dei xar
disponí vei s para o outro as informações que temos, e que o outro si ga o própri o
caminho. (LOUREI RO JR, 1996, p. 44).

À luz das reflexões apresentadas, destaca-se o fato de que o Homem é um ser que
necessita do encontro para se realizar como tal, não significando isso que os desentendimentos, as
contradições sejam uma negação do processo. Enquanto há vida, ele está aprendendo, ampliando a
sua capacidade de interpretar, de criar significados do mundo. O ponto de chegada nunca é
definitivo, constitui-se apenas numa temporária escala para outras viagens, descobertas e aventuras.
O desconhecido está sempre à sua frente, instigando-o a prosseguir, a avançar, demandando que
cada pessoa seja movida pela fé, pela esperança e não pela certeza, a qual se revela inócua e
incompatível com a dinâmica da natureza.

A excessiva valorização da Ciência fez com que se acreditasse que o conhecimento permite
o controle do mundo. Essa pretensão é motivo de muito sofrimento e de empobrecimento para o
Homem, pois grandes são as suas frustrações (quando ele percebe, na maioria das vezes, que
algo não saiu como ele desejava e queria que acontecesse) e pequenas e efêmeras são as suas
alegrias (porque ele não está apto a dançar ao ritmo da melodia do universo e de se deliciar co m
os seus mistérios).

A não permanência não é a exceção, ela é a regra da vida. Essa verdade requer que o Homem
assuma o seu caráter finito e incompleto, o que não é nenhum demérito, nem motivo de
sofrimento, mas a condição necessária para sempre crescer, aprender e usufruir das maravilhas
que irrompem, a todo o momento, ao seu redor e no seu interior. Para desenvolver o s eu Eu ,
cada indivíduo precisa do outro, do não eu, para formar um par e deslizar nos palcos do Planeta
azul.

Postulo a ideia de que a escola possibilite às pessoas aprenderem a valorizar o outro, a se


alegrarem com o encontro, que sempre permite aprender algo. Afinal, descobrir a cultura ou o outro é,
de certa forma, desvendar a si mesmo.

Rel ação pessoal de hom em para hom em – no di álogo, no respeito e consideração, na


confiança e no amor – não é m ai s, em senti do próprio, um a relação de sujei to e objeto,
mas uma rel ação de suj eito para sujei to, de eu e tu. Daí que resul tam estruturas e
categorias compl etamente diferentes das que se encontram num esquem a rígi do de
suj ei to e objeto, dado que não se antepõe a mim um a coisa obj eti vam ente apreensível e
disponí vel, mas um a essênci a pessoal da m esm a qualidade e m esmo val or que eu, que
se abre ou se fecha livremente e que só posso ‘com preender’ na aceitação cheia de fé e
confiança de sua livre autoabertura.
32 (CORETH, 1973, p. 99).
Acredito que as ideias de Moreno e a concepção de conhecimento na Teoria de Santiago
(Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) enriqueçam e aprofundam os estudos
sobre a construção do conhecimento, motivo pelo qual os professores devem conhecê-la.

A escola, conforme as considerações aqui delineadas, constitui-se


num espaço de encontros entre pessoas com valores, crenças,
sonhos e experiências diferentes. É importante que professores e
estudantes aprendam a conviver com a diversidade, uma vez que a
sociedade é ainda mais plural.

É sobre isto que estudaremos nos próximos dois tópicos.

DICA
“Ser” aluno: o segredo do “ser” professor (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.).

PARADA OBRIGATÓRIA
O processo ensino-aprendizagem e o papel do professor como gestor do pensar (Visite a
aulaonline para realizar download deste arquivo.).

33
Didática I
Aula 02: Educação: crise de paradigmas

Tópico 02: (Des)encontros na Escola e Na Sala de Aula: Ética, Diálogo e Violência - I

A crise educacional tem um componente afetivo, que se explicita nos crescentes conflitos entre
os agentes pedagógicos, que têm como característica comum a falta de respeito.

VERSÃO TEXTUAL
• O que é necessário para se estabelecer o diálogo?
• Por que será que as pessoas se agridem cada vez mais?
• A escola pode fazer algo para diminuir a violência?

NA ESCOLA – CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Democrata é Dona Amarílis, professora na escola pública de uma rua que não vou
contar, e mesmo nome de Dona Amarílis é inventado, mas o caso aconteceu.

Ela se virou para os alunos, no começo da aula, e falou assim:

— Hoje eu preciso que vocês resolvam uma coisa muito importante. Pode ser?

— Pode – a garotada respondeu em coro.

— Muito bem. Será uma espécie de plebiscito. A palavra é complicada, mas a coisa é
simples. Cada um dá sua opinião, a gente soma as opiniões e a maioria é que decide. Na
hora de dar opinião, não falem todos de uma vez só, porque senão vai ser muito difícil eu
saber o que éque cada um pensa. Está bem?

— Está – respondeu o coro, interessadíssimo.

— Ótimo. Então, vamos ao assunto. Surgiu um movimento para as professoras


poderem usar calça comprida nas escolas. O governo disse que deixa, a diretora
também, mas no meu caso eu não quero decidir por mim. O que se faz na sala deve ser de
acordo com os alunos. Para todos ficarem satisfeitos e um não dizer que não gostou.
Assim, não tem problema. Bem, vou começar pelo Renato Carlos. Renato Carlos, você
acha que sua professora deve ou não usar calça comprida na escola?

— Acho que não deve – respondeu, baixando os olhos.

— Por quê?

— Porque é melhor não usar.

— E por que é melhor não usar?

— Porque minissaia é muito mais bacana.

34
— Perfeito. Um voto contra. Marilena, me faz um favor, anote aí no seu caderno os votos
contra. E você, Leonardo, por obséquio, anote os votos a favor, se houver. Agora quem vai
responder á Inesita.

— Claro que deve, professora. Lá fora a senhora usa, por que vai deixar de usar aqui dentro?

— Mas aqui dentro é outro lugar.

— É a mesma coisa. A senhora tem uma roxo-cardeal que eu vi outro dia na rua, aquela é
barbara.

— Um a favor. E você, Aparecida?

— Posso ser sincera, professora.

— Pode, não. Deve

— Eu, se fosse a senhora, não usava.

— Por quê?

— O quadril, sabe? Fica meio saliente...

— Obrigada, Aparecida. Você anotou, Marilena? Agora você, Edmundo.

— Eu acho que Aparecida não tem razão, professora. A senhora fica muito bacana de
calça comprida. O seu quadril é certinho.

— Meu quadril não está em votação, Edmundo. A calça, sim. Você é contra ou a favor da
calça?

— A favor 100%.

— Você, Peter?

— Para mim, tanto faz.

— Não tem preferência?

— Sei lá. Negócio de mulher eu não me meto, professora. ― Uma abstenção. Mônica,
você fica encarregada de tomar nota dos votos iguais ao do Peter: nem contra, nem a favor,
antes pelo contrário.

Assim, iam todos votando, como se escolhessem o Presidente da República, tarefa que
talvez – quem sabe? – no futuro sejam chamados a desempenhar. Com a maior
circunspeção. Avez de Rinalda.

— Ah, cada uma na sua.

— Na sua, como?

— Eu na minha, a senhora na sua, cada um na dele, entende?

— Explique melhor.

— Negócio seguinte. Se a senhora quer vir de pantalona, venha. Eu quero vir de midi, de
máxi, de short, venho. Uniforme é papo furado.

— Você foi além da pergunta, Rinalda. Então é a favor?

— Evidente. Cada um curtindo à vontade.

35
— Legal! – exclamou Jorgito – Uniforme está superado, professora. A senhora vem de
calça comprida, e a gente aparecemos de qualquer jeito.

— Não pode – refutou Gilberto – vira bagunça. Lá em casa, ninguém, anda de pijama ou
de camisa aberta na sala. A gente tem de respeitar o uniforme.

Respeita, não respeita, a discussão esquentou, Dona Amarílis pedia ordem, ordem,
assim não é possível, mas os grupos haviam se extremado, falavam todos ao mesmo tempo,
ninguém se fazia ouvir, pelo que, com quatro votos a favor da calça comprida, dois contra, e
um tanto-faz, e antes que fosse decretada por maioria absoluta a abolição do uniforme
escolar, a professora achou prudente declarar encerrado o plebiscito, e passou à lição de
História do Brasil.

Fonte: (SABINO, 2002, p. 54-57)

Diariamente, ouvimos (e falamos) sobre a falta de ética, mas...

O que é ética?

Como se aprende?

É possível ensiná-
la?

MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo do filósofo Mario Sérgio Cortella no programa do Jô Soares sobre "O que
é ética e moral?".
Acesse a aula online para visualizar este conteúdo

Ética, conforme o Dicionário Aurélio, é:


[Fem. substantivado do adj. ético.] S. f. 1. Estudo dos juízos de
apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do
ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada
sociedade, seja de modoabsoluto. (FERREIRA, 1993, p. 733)

De acordo com a definição supra, a Ética contempla o julgamento do comportamento do


Homem, à luz de determinados valores, dentre os quais se destaca o respeito (e o cuidado) pela
vida.

VERSÃO TEXTUAL
• Por que é difícil (e necessário) dialogar, principalmente na seara educacional?
• O que revela este descaso por ela?

36
Socializo a seguinte reflexão de Barguil (2006, p. 166-167):

(...) a forma como me relaciono com o outro está em sintonia com a forma como me relaciono comigo . Todo educador
precisa aprender a olhar para dentro de si, perceber o que se passa no seu i nteri or, acolhe ndo, tam bém, o nã o -eu,
tanto aquil o que já vive como o que ainda não veio à tona. Essa abertura se exerce também quando ele abraça o al uno,
com os seus saberes, peculiaridades e limitações. Cônscio das incompletudes que permeiam o seu viver, o educador
desenvolverá atividades entremeadas de um sentime nto de humildade diante do universo, que se apresenta com o
eterno desconhecido.

Ele, porta nto, precisa ter uma relação com o sa ber com patível com aquela que deseja que seus alunos te nha m
consigo mesmos e com os outros: “Com o pr ofessor não me é possível ajudar o educa ndo a s uperar sua i gnorância se
não super o permane nteme nte a minha. Não posso ensinar o que não sei”. (FREI RE, 1997: 107). Viva o diálogo! (I tálico no
original)

A despeito de objetivar a compreensão da realidade escolar, postulo o argumento de que


essas considerações possam (e devam) ser ampliadas para um contexto mais amplo, que
congregue a sociedade como um todo, pois em ambos é sintomática a negação do direito de
individuação.

Pensar sobre o homem é difícil também, porque sendo o homem, ao


mesmo tempo, sujeito e objeto da reflexão, essa tarefa significa um
desvelar do nosso próprio ser, uma compreensão das nossas crenças
e uma busca de desmistificação de ideologias que, ao longo de nossa
vida, sedimentaram-se em nossa forma de ver e pensar o mundo.
(GONÇALVES, 1994, p. 74).

O Homem se caracteriza por um movimento ambíguo, do qual dificilmente ele se apercebe.


Por um lado, ele intenta descobrir, ser diferente, inovar, aventurando-se no desconhecimento; de
outra parte, ele quer sentir-se seguro, ter certezas, sem ameaças do inesperado.

A convivência do Homem com seus semelhantes possibilita tanto a identificação como a


diferenciação, ou, pelo menos, deveria ser assim, uma vez que aquele não é mero reflexo da
realidade, pois, constantemente, interpreta-a, valora-a e cria significados, ou seja, (re)elabora a sua
subjetividade.

REFLEXÃO
Há, entretanto, uma tentativa incessante de festejar e privilegiar o ideal de homem-modelo.

• A quem interessa a padronização?


• O que leva as pessoas a não se diferenciarem umas das outras e passarem a
pensar, a almejar as mesmas coisas?
• Qual é o preço que elas pagam por essa negação de si mesmas?

Atualmente, é fácil perceber que a padronização é um dos pilares do capitalismo, que instituiu a
produção em série, tomando o lugar da manufatura, do artesanato, que se baseavam na peculiaridade
de cada peça produzida.

A escola, na maior parte das vezes, organiza as suas práticas baseadas num estudante-modelo,
tanto como ponto de partida como de chegada, as quais requerem, também, um professor-padrão.
Agindo assim, ela elimina qualquer possibilidade de os agentes pedagógicos (estudantes e
professores) se perceberem como sujeitos singulares, particulares, distintos de todos os outros, de
conceberem,continuamente, a autopercepção e a autoestima.

37
Acredito que toda pessoa tem o direito inalienável de desenvolver a sua
subjetividade, entendida não como algo estático, mas como um universo em
movimento e expansão.

Para tanto, ela precisará desenvolver uma intensa relação com o meio ambiente, a qual permitirá
que ela descubra (conheça) o que aprecia e o que rejeita, vislumbrando novos horizontes e
despertando porções interiores adormecidas.

Para que isso ocorra, o indivíduo deve estar em sintonia com os seus afetos, as suas
emoções, sob pena de viver como um autômato, que executa, mas não sente, que faz, mas não avalia,
sendo incapaz de identificar as situações que lhe são prazerosas ou não e, posteriormente, de
escolher o que gostaria de viver.

Para reaver a subjetividade e favorecer o processo de individuação, a Educação deve ensejar


situações em que o sujeito, superando a sua visão quantificadora, fragmentadora, valorize as suas
emoções, o seu corpo, superando a oposição destes em relação à mente e à razão (FONTANELLA,
1995,
p. 10), e desenvolvendo uma compreensão holística, que perceba as sutis relações entre as partes
e o todo e se renda à impossibilidade de medir as belezas da vida, não capturáveis aos formalismos
numéricos.

Para Gonçalves (1994), a corporalidade, que contempla tudo aquilo que diz respeito ao indivíduo,
costuma ser ignorada e reprimida na escola, o que enseja sua recuperação, de forma a contemplar
tanto o educando como o educador.

Michel Foucault (1926-


1984) nasceu em Paris -
FR.
Foi filósofo, historiador
das ideias, teórico
social, filólogo, crítico
literário e professor da
cátedra História dos
Sistemas do
Pensamento.

Fonte [2]

Descrição da
Imagem:
Foto em preto e
branco do
sociólogo

38
Michel Foucault. A
foto mostra apenas
o rosto de Foucault.
Careca, óculos de
armações
finas
, sorriso largo.

Foucault (2002) analisou, com detalhes, como o corpo foi tratado na História. No in ício, o
controle sobre ele era exercido com o uso da força. Posteriormente, entraram em cena a coerção e
a disciplina, que objetivavam a fabricação de corpos submissos, dóceis.

Para atingir os objetivos estabelecidos, o espaço escolar foi projetado para possibilitar que o
professor pudesse controlar os seus estudantes, verificando se eles estavam se comportando
conforme o esperado. É por isso que, além de ensinar, a escola passou a ser uma máquina
de “(...) vigiar, de hierarquizar, de recompensar”. (FOUCAULT, 2002, p. 126).

Desde os primórdios, o Homem, para conhecer o seu ambiente,


movimenta-se com o seu corpo no espaço, fazendo indagações,
vislumbrando possibilidades, avaliando resultados, buscando opções,
alargando, continuamente, seus horizontes, numa graciosa dança
existencial, ao som de uma música cuja melodia expressa a convicção
de que há sempre algo novo (BARGUIL, 2000). Privá-lo disso é, sem
dúvida, negar-lhe o direito de aprender, de transcender. A imposição de
um espaço e de um tempo tem como finalidade a submissão do sujeito.

Ao longo da História, ele tem utilizado as suas habilidades físicas, cognitivas e


emocionais de modo diverso. Nas sociedades pré-industriais, o corpo tinha grande importância na
identidade pessoal bem como para o funcionamento da sociedade, uma vez que a força, destreza
e agilidade eram importantes em torneios, em competições, na guerra e na política (GONÇALVES,
1994, p. 18).

Com a produção capitalista, o Homem inaugurou relações diferentes com a natureza,


modificando o seu corpo, bem como distanciando-se do produto (externo e interno) do seu
trabalho, uma vez que foram dissociadas as suas forças corporal e espiritual (GONÇALVES, 1994,
p. 22).

Embora o cerceamento dos corpos, dos movimentos, das emoções, seja ainda a realidade
da grande maioria das nossas escolas, muito me anima saber que os rituais escolares são
processos históricos, como tais, passíveis de mudança, de transformação. Para McLaren (1992,
p. 354), embora os ritos sejam estabelecidos pela instituição escolar e adotados pelos
professores, eles são intensamente questionados pelos estudantes, que utilizam os seus corpos e
as suas falas para expressar a sua insatisfação.

Esse desagrado em relação ao instituído, com a disciplina, com o controle dos corpos, das
mentes e dos corações não é mais aceito como o era no passado recente. A globalização, ao
tentar impor a uniformização de costumes, povos e línguas, possibilitou ao Homem valorizar as
suas diferenças e lutar pelo direito de permanecer com a sua singularidade, originando mais
conflito do quese esperava (ROCHA, 2000, p. 142).

No entendimento de Illich (1977, p. 77), a escola, ao instituir a aprendizagem em matérias,


fragmentando o conhecimento, forma “(...) dentro do estudante um currículo feito desses
39
blocos pré-fabricados”. Essa cisão do estudante é acompanhada pela negação da subjetividade,
uma vez que a avaliação normalmente efetuada é centrada no professor, retirando daquele a
possibilidade de olhar para si, de assumir a responsabilidade pela sua vida e reforçando um
padrão de subserviência à opinião, ao controle de outrem, negando o desenvolvimento da
individualidade e aprofundando a alienação.

Ao se pôr sobre alguém sentidos já prontos, não houve processos de


experimentação e criação de sentidos que, no próprio ato de irem se
fazendo obra vão se configurando. Na doação ou no estabelecimento de
sentidos (ou nem isso) há uma mecânica que simula o utilitarismo fabril
dominante. A arte na educação vai sucumbindo ao medo de produzir e
experienciar sentidos, ensaiaram-se obras (LINHARES, 2003, p. 240).

Bruner (2001, p. 44) assinala que a humanidade organiza e administra o conhecimento do


mundode duas formas:

O pensamento lógico cientifico (que a permite tratar


de coisas) e

O pensamento narrativo (que a habilita lidar com


pessoas e condições).

Para ele, é inaceitável o fato de que a maioria das escolas não valorize as artes da
narrativa (canto, drama, ficção, teatro etc.), compreendendo-as apenas como uma decoração, uma
vez que o Homem sempre utiliza o discurso narrativo para contar histórias. Isso se torna ainda
mais grave, diante da afirmação de psicanalistas de que a neurose “é um reflexo de uma história
insuficiente, incompleta ou imprópria que um indivíduo tem de si mesmo”. (BRUNER, 2001, p. 44).

A valorização da sensibilidade e da arte na escola, portanto, não é apenas um enfeite, mas


uma necessidade vital que é, há muito tempo, negada aos sujeitos pedagógicos. O espaço da
estética não pode ser de responsabilidade apenas de uma pessoa, em um momento e em um
lugar determinados, mas deve inspirar o projeto político-pedagógico da escola, sob pena de
falsear a transformação que pretende promover. Isso não quer dizer que a presença de um
profissional habilitado seja dispensável, muito pelo contrário.

Considerando a aridez da formação de quase todos os nossos professores, ele é


necessário para que esse projeto se efetive e avance com a colaboração da comunidade escolar.
Na opinião de Matos (2002, p. 18), ensinar é pensar com o outro, é ter esperanças coletivas. Diante
da constatação de que o mundo moderno privilegia o isolamento, promove o distanciamento
(físico, afetivo e cognitivo) entre as pessoas, esse autor defende a ideia de que a arte, por
expressar o inenarrável, contribui na importante aprendizagem de se colocar no lugar do outro:

Também no domínio estético, o estudante tem progressos a


realizar: que as obras das quais ele é o autor tornem-se cada vez mais
suas, respondam às preocupações de ordem e que a visão do belo
esteja cada vez mais aí presente; que sua própria iniciativa se separe,
que saia do banal, de seu banal e a seu modo, para se estabelecer
em um nível mais alto da

40
emoção estética. E paralelamente para as obras admiradas por ele.
(SNYDERS, 1988, p. 253).

Somente dialogando, é possível ao sujeito compreender o outro e a si mesmo, o que


ocorre de forma simultânea. Esse aprendizado é inesgotável, uma vez que ambos estão em
constante mudança. A identificação de novos elementos está ligada à criatividade, capacidade
de interpretar de forma distinta a situação renovada, agindo de maneira que leve em conta as
transformações ocorridas, não se limitando, portanto, à repetição do que foi feito, o que
demanda contínua flexibilidade.

A urgência do estudo da corporalidade reside no fato de que, com exceção da


Psicomotricidade e disciplinas correlatas voltadas à Educação Infantil, não há na Educação um
cuidado com o corpo, o que, acredito, diminui sobremaneira as possibilidades de verdadeira
transformação da escola e de suas práticas.

Conceber a corporali dade integrada na unidade do hom em signifi ca resgatar o


sentido do sensível e do corpóreo na vi da humana. A práxi s humana se efeti va
porque o hom em é um ser corpóreo, que possui necessi dades m ateri ai s e
espiri tuai s. S ua rel ação com o m undo não é si mpl esm ente a rel ação de um a
consci ênci a que o pensa o m undo, sem dei xar -se tocar, m as é a relação de um ser
engajado no mundo – que tem emoções, que ama, que odeia, que tem fom e, que tem
dor, que vive a solidão, a amiz ade, o desprez o etc. –, enfi m, de um ser que sente,
sol o sobre o qual o pensamento se edi fica. Da práxis hum ana e dos m odos del a
decorrentes de coexi stência entre os hom ens cri am -se form ações i deol ógi cas, que
impregnam sua maneira de ser. Assim, podem os compreender as form as ali enadas
de o homem sentir e pensar, no mundo contem porâneo, são com o que penetradas
pel o teci do econômico que se tornou, no si stema capitali sta, o pri sm a do qual as
coi sas mundanas fundam seu senti do. E ssas form as estão in“ corpo” radas em seu
ser e encerram todas as di storções e os tipos de ali enação que o hom em
contemporâneo, que se m anifestam tanto nas rel ações inter-hum anas, nas rel ações
com a naturez a e com a cultura, como nas form as de o hom em lidar com sua
corporalidade. (GONÇALVES, 1994, p. 176-177).

Outro indício da negação da subjetividade é a crescente violência escolar. Embora esse


fenômeno seja muito complexo, e contemple acontecimentos que são sociais e invadem o
espaço acadêmico, como é o caso das drogas e das gangues, é inegável que a violência
simbólica, verbal e institucional, a que são submetidos professores e estudantes, está cada vez
mais intensa.

Continuaremos esta temática no tópico seguinte.

DICA
Clique aqui (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) para ler o texto
“Ensinar a Alegria”, de Rubem Alves.

41
Didática I
Aula 02: Educação: crise de paradigmas

Tópico 03: (Des)encontros na Escola e Na Sala de Aula: Ética, Diálogo e Violência - II

No Brasil, é assustadora a quantidade de matérias nos diversos meios de comunicação que


relatam fatos de violência que acontecem na escola: “Ameaças e agressões dos alunos contra
professores, violência sexual entre alunos e alunas, uso de armas, consumo de drogas, roubos, furtos
e assaltos, violência contra o patrimônio” (ABRAMOVAY E RUA, 2004, p. 22). Ressalto que esses
acontecimentos não são privilégio do contexto nacional, mas estão globalizados.

A escola pública tem se surpreendido como o fato de ser subitamente


assaltada por uma população crescente de gangue de subúrbio. Os
educadores não parecem distinguir simples agrupamentos da rapaziada
de grupos já com funcionamento mais ostensivo, que utilizam violência.
(LINHARES, 2003, p. 147).

A UNESCO, no Brasil, promove, desde 1997, inúmeras pesquisas sobre temas diversos –
juventude, violência e cidadania – com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de políticas
públicas que possam, efetivamente, resolver os diversos problemas que atingem essa parcela da
nossa população:

• mercado de trabalho,

• família,

• educação,

• participação social .......(ABRAMOVAY E


RUA, 2004, p. 32).

Na opinião de Debarbieux (apud ABRAMOVAY, 2003, p. 18-19), a violência no cotidiano das


escolasestá associada a três dimensões:

42
• degradação do ambiente escolar;

• violência que entra na escola, pela ação das gangues,


das drogas;

• componente interno da escola.

A partir de uma pesquisa realizada em 2001 em quatorze capitais brasileiras, Abramovay (2003,
p. 73- 74) propõe que a violência seja entendida de duas formas:

Violência Física
Intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a integridade de
outro(s) ou de grupo(s) e também contra si mesmo, incluindo suicídio,
espancamentos, roubos, assaltos, homicídios, acidentes de trânsito, agressões
sexuais.

Violência Simbólica
São manifestações de violência simbólica: abuso de poder baseado no
consentimento obrigado por meio de símbolos de autoridade, violência verbal,
violência institucional – marginalidade, discriminação, estratégias e práticas de
poder para fazer com que os outros se sintam inferiorizados e menosprezados.

Para uma análise mais apropriada da violência no ambiente escolar, é necessário, portanto,
perceber- se que ela tem várias origens, motivo pelo qual ela deve ser entendida a partir de várias
perspectivas. Inicialmente, é de fácil constatação o fato de que a violência está presente em toda
a nossa sociedade,não sendo um privilégio da escola.

A insatisfação é sentida tanto pelos jovens como pelos membros do


corpo técnico-pedagógico. Há mútuas críticas e acusações e a escola
aparece, ao mesmo tempo, como causa, consequência e espelho dos
problemas aos quais, muitas vezes, não consegue responder e cuja
solução não se encontra ao seu alcance. (ABRAMOVAY, 2004, p. 93-94).

Isso, porém, não significa que ela nada pode fazer a respeito, como se estivesse à mercê dos
acontecimentos. É necessário identificar as práticas escolares que, por meio de amplo e profundo
processo de segregação, fomenta, silenciosamente, a violência nos (e dos) agentes pedagógicos.
Acredito que a tristeza, a apatia e a indiferença que muitos daqueles sentem nas nossas escolas
revelam uma insatisfação com o que nelas vivem.

Conforme Abramovay (2003, p. 78), a relação professor-aluno, o


centro do processo educacional, está bastante deteriorada, desgastada,
não somente na escola pública!

Os jovens da pesquisa reclamaram que os professores estão afastados da sua cultura, os seus
códigos culturais não são compreendidos, eles não são escutados, eles são etiquetados, fazendo
com que

43
sintam haver um “(...) enorme buraco que os separa dos adultos”. Por sua vez, os professores e os
membros do corpo-técnico se ressentem com a falta de respeito, ameaças e humilhações proferidas
pelo corpo discente. Dessa forma, é fácil entender a razão pela qual as relações de confiança são
quase inexistentes e por que é tão difícil haver diálogo.

(...) [O] conheci m ento do outro não quer diz er apenas que é o outro que o possui m as
que m eu conhecim ento comporta dentro del e esse olhar do outro e, tam bém, que o outro
possui saber e essa relação que eu estabel eço sempre envol ve a dim ensão desiderati va,
além da cogniti va. Na E scol a, onde o suj ei to epi stêmico se relaciona com seus pares e
com o educador, a sociali dade vai sendo escul pida nos corpos. É nessa i nsti tui ção o
lugar onde se passa o saber si stem atiz ado e, nel a, um suj eito se constrói com a
mediação do outro que é o grupo (no senti do lato). Nesse lugar de passagem do
conhecim ento (porque o conhecim ento é al go que mi gra) tam bém vai -se esculpi ndo nos
suj ei tos a vestidura da sociali dade com seus silêncios, confli tos, l acunas, palavras, ritos.
Na escol a, ao operarmos com os aspectos l ógi cos e lingüí sticos, da linguagem e do
número, costum amos excluir da cena todo um cam po de expressão que não envol ve
apenas esse modo de estruturação do pensamento. (LINHARES, 2003, p. 205).

OBSERVAÇÃO
Embora a escola seja, presumidamente, o local privilegiado do conhecimento na
sociedade, parece que ele não é usufruído pelas pessoas que a frequentam. Esta constatação
revela um profundo desconhecimento do outro, da sua realidade, da sua necessidade, dos
seus sentimentos, expresso na falta de cuidado, de atenção.

Diversos estudos constatam o fato de que a cultura dos educandos não é devidamente
considerada pela escola, que a rejeita sistematicamente, seja ignorando-a, seja desqualificando-a. A
consequência dessa atitude pedagógica é, como relatei há pouco, a impossibilidade dos alunos
constituírem a sua subjetividade, com a reinterpretação da sua cultura. Até quando ela permanecerá
surda, estática e insensível a tais denúncias?

Exi ste nas escol as um a mul tipli cidade de voz es, de corpos e m ovim entos. Movim entos e
corpos que se apresentam de forma diferenci ada nas posturas de professores e al unos.
Sem preci sar diz er, é possí vel saber que pel a “ fala” do corpo a identi dade de seu dono e
a sua posi ção no contexto educati vo: os que “ ensi nam” e os que “ aprendem”. E stes
últim os, crianças e j ovens em geral, possuem hábitos, atitudes e comportam entos que
revelam um nova cul tura, em m ui tos casos ignorada (em al guns casos, rej ei tada) pel a
escola. (KENSKI, 2000, p. 126).

Observei, então, em um movimento de construção teórica que foi se urdindo aos poucos,
que a expulsão da cultura do educando, em suas formas expressivas, poéticas e o trabalho co m
esta forma de conhecer que é a arte, se fazia a expensas da mutilação de dimensões vitais. O
modo como as classes populares se situavam socialmente no mundo do trabalho e a forma de a
escola pública funcionar como agenciadora de mão de obra fazia com que a cultura escolar fosse
uma cultura do sacrifício. Já que para as classes populares trabalho é sacrifício, a escola
funcionaria como um treinamento para a sujeição. (LINHARES, 2003, p. 27).

REFLEXÃO

44
“De que forma desenvolver uma experiência educativa que estabeleça a relação direta
com o mundo real, com o trabalho, seus fins e conseqüências para o homem, a sociedade
humana e a natureza?”. (SOARES, 2000, p. 53).

Para confrontar essa alienação, dentre outras coisas, é necessária uma nova compreensão da
relação entre as partes e o todo, que, superando a visão mecanicista, reducionista, atomística, que
enfatiza as partes, privilegie o todo, o organismo, a ecologia, instaurando, dessa forma, uma
perspectiva holística, sistêmica, expressa no “pensamento sistêmico” (CAPRA, 2001, p. 33).

Outro aspecto que pode contribuir para essa transformação é que a ideia de ordem estabelecida
pela Física não newtoniana chegue à escola, permitindo que as relações entre professores e alunos
mudem drasticamente, as quais “(...) exemplificarão menos o professor instruído que informa os
alunos não instruídos, e mais um grupo de indivíduos interagindo juntos na mútua exploração de
questões relevantes” (DOLL JR, 1997, p. 37).

Profícuas também são as investigações sobre a satisfação que os alunos têm com o (ou no)
prédio escolar. Loureiro (1999, p. 69-70) relata que as crianças das escolas pública e particular “têm
diferentes formas de estruturar sua satisfação com o prédio escolar – o foco central para os dois
grupos é a experiência direta com a sala de aula”. Para as primeiras, porém, a disponibilidade de
biblioteca e quadra de esporte é valorizada, enquanto que para as outras, a satisfação depende da
qualidade do ensino ministrado.

As im agens falam por si m esm as. A “ escol a-j aula” está aí a nos lembrar a necessidade
de superar a escola que priva da liberdade, que adestra por m eios de castigo e, m ai s
ainda, que produz o “tédio e a revolta” própri a aos ani mai s enj aul ados: por um lado, a
“escol a-açougue”, este lugar que destrincha, que di vide, que esquartel a, que tortura
físi ca e m entalm ente, preci sa ser superado por um a escol a que tenha como função
soci al a produção da uni dade e da hom ogenei dade. Nesse ambi ente, a diferenciação,
base da hi erarquia educativa, é fruto da ação dos próprios sujei tos – as cri anças –,
observados e conduzi dos pelo professor, que, é bom observar, também incorporou
outras funções e qualifi cações na nova ordem escolar: a de psicólogo e a de analista.
(FARIA FILHO, 2000, p. 79).

A violência simbólica na (e da) escola, portanto, se manifesta no seu distanciamento em relação à


realidade, permeada de contradições. Para romper esse isolamento, essa atitude de dar as costas aos
conflitos e às demandas crescentes (atingíveis?), é preciso desenvolver uma Educação
transformadora, crítica, que não tem medo de enfrentar os desafios de quem luta por uma sociedade
mais justa, verdadeira e livre (GONÇALVES, 1994, p. 124).

Essa também é a opinião de França (1994, p. 67), pois, diante do divórcio entre a vida e a
universidade, denunciada pelos alunos, advoga a noção de que os valores educacionais devem ser
repensados. Por isso, ela postula a noção de que a escola seja utilizada como “um território da
contradição, onde pode surgir uma contracorrente, uma contraideologia, ou qualquer outra variação
semântica”, permitindo-nos formular, assim, uma perspectiva de mudança (FRANÇA, 1994, p. 99).

Ao longo da sua existência, a escola desenvolve, em virtudes de motivações diversas (políticas,


religiosas, epistemológicas), as quais devem ser entendidas de forma contextualizada e numa
perspectiva relacional, práticas que objetivam o disciplinamento, o controle do corpo.

Rocha (2000) elaborou cuidadosa e detalhada pesquisa sobre as


formas de como o exercício do controle, da vigilância na escola se
transformou. Embora as estratégias, os meios, tenham se atualizado, a
intenção permaneceu

45
a mesma: “disciplinar, manter, aprisionar, anestesiar,
acalentar, educar” (ROCHA, 2000, p. 144).

Essa mudança dos meios, que se tornaram, pelo menos no discurso, mais doces, justos,
científicos, humanos e fraternos, vislumbravam, na verdade, ser “mais econômicos, mais produtivos,
mais abrangentes, menos violentos (entendendo-se sempre violência como força, coação física)”.
Para tanto, o aparato tecnológico é indispensável (ROCHA, 2000, p. 144-145).

A pesquisadora gaúcha propõe que a escola exerce três tipos de vigilância: “repressora,
disciplinadora e tecnológica” (Itálico no original). Embora, para formular tais conceitos, ela tenha se
inspirado nas escolas que pesquisou, a autora declara que essa reflexão precisa ser ampliada para o
cenário social mais amplo, considerando que “outros locais públicos e privados de convivência
social” têm sido contemplados com medidas que visam ao controle (ROCHA, 2000, p. 145-146).

No iní cio da escol ariz ação de massa, dadas as peculi ari dades das pri m eiras escol as –
ligadas ao cl ero, com rí gidas regras e hi erarqui as a serem segui das –, mas tam bém o
perfil do al uno a que se destinavam – poucos e nobres homens que deveri am aprender
como m elhor governar outros hom ens e que, portanto, deveri am saber exercer o control e
de si e dos outros para obter de todos o máxi mo proveito possí vel (sem di scórdi as nem
insatisfações) – tí nhamos um ti po de vigil ânci a repressora: coati va, coerci tiva, que usava
a força fí si ca para im pedir, im por limi tes, regrar, regul ar, norm alizar. (ROCHA, 2000a, p.
145) (Itálico no original).

O crescimento e a diversidade da clientela, a ampliação das instâncias responsáveis pela


Educação e as novas organizações socioeconômicas e culturais contribuíram para a mudança no
padrão de vigilância exercido, que passou a ser menos direta: “ disciplinadora (que disciplina por
‘convencimento’, explicando, argumentando, assujeitando o outro através do saber socialmente
aceito, pois ir à escola dizem ser um bem universal a que todos têm direito)”. (ROCHA, 2000, p. 145)
(Itálico no original).

Recentemente, temos “a vigilância tecnológica (que disciplina por ‘impedimento’, que impede sem
violentar, através de meios invisíveis, de alta tecnologia, ampla cobertura, grande velocidade e
acumulação de informações)”. (ROCHA, 2000, p. 145) (Itálico no original).

A vigilância, seja ela qual for, transforma a perspectiva que o Homem tem do espaço, pois seu
acesso e uso são limitados, controlados, com a formatação de quadrículos físicos ou imaginários. A
escola, também, tem seu espaço transformado, porque:

(...) quanto mais organizado, distribuído, delimitado, previsto, quanto


melhor determinadas suas ocupações e funções, menor será o exercício do
controle externo, arbitrário, totalitário, único e unilateral. (ROCHA, 2000, p.
146).

Por isso, ela assevera que a tipologia do espaço escolar reflete uma forma de exercício de
vigilância:

As escolas que necessi tam de control es mai s ostensi vos constroem determi nados
espaços fí sicos (fechados, fortem ente hi erárqui cos, com pl exos, deli mitados). As escol as
que ensinam seus alunos a ocuparem os espaços que lhes são permiti dos, que lhes
ensi nam a tom ar as m el hores decisões, a vi ver com sabedori a, justi ça, paz, fraternidade,
igualdade, democraci a (e todos os dem ai s val ores uni versai s tão constantemente
inculcados nesta e por esta soci edade) geralm ente constroem espaços fí sicos onde os
próprios alunos sabem o quê e quando fazer. As escol as que exercem o control e de
form a anônim a (i dentifi cável ou não), constroem seus espaços prevendo este ti po de
vigilância, dispondo instrumentos tecnológicos em locais

46
estratégicos, dispondo móveis, utensílios, paredes, muros e cercas de outras maneiras.
(ROCHA, 2000, p. 146).

Conforme vimos durante esta aula, a crise educacional é complexa e requer que o professor
esteja atento a inúmeros aspectos, embora, em sua grande maioria, ele pouco possa fazer.

Refletir coletivamente sobre a realidade é uma contribuição


importante que os profissionais da Educação devem empreender com
afinco, possibilitando que as novas gerações tenham um olhar mais
crítico sobre a sociedade.

MULTIMÍDIA
Acesse a aula online para visualizar este conteúdo

47
LETRA DA MÚSICA ESTUDO ERRADO
Estudo Errado

1
Gabriel O Pensador

Eu tô aqui Pra quê?

Será que é pra aprender?

Ou será que é pra aceitar, me acomodar e

obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu

pai não me bater Sem recreio de saco cheio

porque eu não fiz o dever

A professora já tá de marcação porque sempre me

pega Disfarçando espiando colando toda prova dos

colegas

E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo

E quando chega o boletim lá em casa eu me

escondo Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola

de gude

Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e

"estude!" Então dessa vez eu vou estudar até decorar

cumpádi

Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais

tarde Ou quem sabe aumentar minha mesada

Pra eu comprar mais revistinha (do

Cascão?)Não. De mulher pelada

A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada

E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa

pirralhada!) A rua é perigosa então eu vejo televisão

(Tá lá mais um corpo estendido no chão)

Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação

- Ué não te ensinaram?

- Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho

inútil Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..

(Vai pro colégio!!)

Então eu fui relendo tudo até a prova

48
começarVoltei louco pra contar:

Manhê! Tirei um dez na prova

Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova

Decorei toda lição

Não errei nenhuma questão Não

aprendi nada de bom Mas tirei

dez (boa filhão!)

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já

esqueciDecorei, copiei, memorizei, mas não

entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu

já esqueciDecorei, copiei, memorizei, mas

não entendi Decoreba: esse é o método de

ensino

Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino

Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os

fatos Desse jeito até história fica chato

Mas os velhos me disseram que o "porque" é o

segredo Então quando eu num entendo nada, eu

levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra

ficar inteligente

Eu sei que ainda num sou gente grande, mas eu já sou

genteE sei que o estudo é uma coisa boa

O problema é que sem motivação a gente enjoa

O sistema bota um monte de abobrinha no programa

Mas pra aprender a ser um ingonorante (...)

Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu

dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre

Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste

- O que é corrupção? Pra que serve um

deputado? Não me diga que o Brasil foi

descoberto por acaso! Ou que a minhoca é

hermafrodita

Ou sobre a tênia solitária.

49
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...)

Vamos fugir dessa jaula!

"Hoje eu tô feliz" (matou o

presidente?)Não. A aula

Matei a aula porque num

dava Eu não agüentava mais

E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais

Mas se eles fossem da minha idade eles

entenderiam(Esse num é o valor que um aluno

merecia!)

Íííh... Sujô

(Hein?)O

inspetor!

(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)

Achei que ia ser suspenso mas era só pra

conversar E me disseram que a escola era meu

segundo lar

E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente

Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra

sempre!Então eu vou passar de ano

Não tenho outra saída

Mas o ideal é que a escola me prepare pra

vida Discutindo e ensinando os problemas

atuais

E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus

pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada

E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada

Refrão

Encarem as crianças com mais seriedade

Pois na escola é onde formamos nossa personalidade

50
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância a exploração e a indiferença
são sócios

Quem devia lucrar só é prejudicado

Assim cês vão criar uma geração de

revoltados Tá tudo errado e eu já tou de

saco cheio

Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...

GABRIEL O PENSADOR. Estudo errado. Intérprete: Gabriel O Pensador. Ainda é só o


começo.
Chaos/Sony Music. 1995. Faixa 06.

DICA
Clique aqui (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) e veja uma série de
relatos sobre violência na escola.

REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam (Org.). Escola e Violência. 2. ed. Brasília: UNESCO, UCB, 2003.

ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças (Orgs.). 4. ed. Violências nas Escolas. Brasília:
UNESCO, 2004.

ALVES, Rubem. A Alegria de ensinar. 5. ed. São Paulo: Ars Poética, 1994.
. A Escola da Ponte (3). In: . A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que
pudesse existir. 5. ed. Campinas: Papirus, 2003. p. 51-55.

BACHELARD, Gaston. O Novo espírito científico. Tradução Juvenal Hahne Júnior. 2. ed. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.

BARGUIL, Paulo Meireles. Avaliação – momento de angústia ou oportunidade de crescimento


pessoal? In: PASCUAL, Jesus Garcia; DIAS, Ana Maria Iorio (Orgs.). Construtivismo e Educação
contemporânea. Fortaleza: Brasil Tropical, 2006. p. 145-173.

. Há sempre algo novo! – Algumas considerações filosóficas e psicológicas sobre a


avaliação educacional. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000.

BENITO, Agustín Escolano. Tiempos y espacios para la escuela – Ensayos históricos. Madrid:
Biblioteca Nueva, 2000.

BRUNER, Jerome. A Cultura da Educação. Tradução Marcos A. G. Domingues. Porto Alegre:


ArtMed, 2001.

CAPRA, Fritjof. A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução
Newton Roberval Eichemberg. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.

CORETH, Emerich. Questões fundamentais de Hermenêutica. Tradução Carlos Lopes de Matos.


São Paulo: EPU, 1973.

DIAS, Ana Maria Iorio. Concepções de ensino e aprendizagem. Fortaleza. 2008. Notas de aula.

51
DOLL Jr., William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Tradução Maria Adriana Veríssimo
Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos Pardieiros aos palácios: cultura escolar e urbana em Belo
Horizonte na Primeira República. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2000.

FONTANELLA, Francisco Cock. O Corpo no limiar da subjetividade. Piracicaba: Editora


Unimep, 1995.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. Tradução: Raquel Ramalhete. 25.
ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

FRANÇA, Lilian Cristina Monteiro. Caos – Espaço – Educação. São Paulo: Annablume, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa . 35. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2007.

GAIARSA, José Ângelo. O Espelho mágico: um fenômeno social chamado corpo e alma. 12. ed.
São Paulo: Summus, s/d.

GIBRAN, Gibran Khalil. O Profeta. Tradução: Mansour Challita. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1970.

GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, pensar, agir – corporeidade e educação. Campinas:
Papirus, 1994.

HALL, Edward T. La Dimension oculta – enfoque antropológico del uso del espacio. Traducción
Joaquin Hernandez Orozco. Madrid: Instituto de Estudios de Administración Local, 1973.

ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Tradução Lúcia Mathilde Endlich Orth. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 1977.

KAMII, Constance. Autonomia: a meta da Educação Piagetiana. In: KAMII, Constance; JOSEPH,
Linda Leslie. Aritmética: novas perspectivas – implicações da teoria de Piaget. Tradução Marcelo
Cestari Terra Lellis, Marta Rabioglio e Jorge José de Oliveira. Campinas: Papirus, 1992. p. 71-80.

KENSKI, Vani Moreira. Múltiplas linguagens na escola. In: CANDAU, Vera Maria (Org.).
Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 123-140.

LINHARES, Ângela Maria Bessa. O Tortuoso e doce caminho da sensibilidade: um estudo


sobre Arte e Educação. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2003.

LOUREIRO, Claudia. Classe, controle, encontro: o espaço escolar. 1999. Tese (Doutorado em
Arquitetura). USP, São Paulo.

LOUREIRO JR., Eduardo. Uma coisa leva a outra. 1996. Dissertação (Mestrado em Educação).
UFC, Fortaleza.

MACHADO, Nilson José. Epistemologia e didática. São Paulo: Cortez, 1995.

SNYDERS, Georges. A Alegria na escola. Tradução Bertha Halpren Gozovitz e Maria Cristina
Caponero. São Paulo: Manole, 1988.

SOARES, Suely Galli. Arquitetura da identidade: sobre educação, ensino e aprendizagem. São
Paulo: Cortez, 2000.

52
Didática I
Aula 02: Educação: crise de paradigmas

Tópico 04: As teorias educacionais e contribuições para o trabalho docente

É consenso a crise que permeia as escolas, não


somente no Brasil, mas também em todo o mundo.

VERSÃO TEXTUAL
• Como deve ser ela entendida?
• Estaria, também, o mundo em crise?
• Afinal, que crise é essa, a perpassar a vida em quase todos os lugares do mundo,
independentemente de nação, cor, sexo, idade e religião?
• O que as escolas podem (se é que podem!) fazer diante dela?

Nesta aula, discutiremos sobre a crise educacional, dirigindo nosso olhar para a sala de aula, em
especial sobre: as teorias de aprendizagem que orientam as práticas pedagógicas; a relação
professor- conhecimento-estudante; e os (des)encontros no ambiente escolar, que revelam o quanto
a realidade social o influencia, mas não o determina.

Crise educacional

Para Hall (1973, p. 289), a crise tem três facetas – racial, urbana e
educativa – as quais por estarem intimamente relacionadas, devem ser
consideradas conjuntamente.

Esse quadro, segundo ele, é causado pelo excessivo desenvolvimento do Homem, que produziu a
dimensão cultural, sendo que a maior parte dela lhe permanece oculta. Preocupado, o autor indaga
por quanto tempo pode o Homem se permitir ignorar deliberadamente esse aspecto da sua vida.

Na mesma perspectiva, é a opinião de Najmanovich (2001, p. 66):


A crise atual não se caracteriza só pela emergência de novos
paradigmas na ciência ou pela revolução tecnológica permanente. As
mudanças em nossa forma de conceber a relação humano-mundo são
o “sistema nervoso central” das transformações deste final de
modernidade.

Alinhando-me a esses pensadores, acredito ser indispensável investigar os intricados vínculos


que o Homem estabelece com o meio ambiente, ou seja, entender como ele produz cultura. Creio que
essa perspectiva mais ampla é necessária para que se compreenda a dinâmica ocorrente no espaço
escolar.

E, quanto à crise na Educação? Uma interessante linha de investigação é se indagar sobre o


funcionamento das escolas. Para tanto, exponho duas descrições:

53
Como são e tem sido as escolas?
A imagem: uma casa, várias salas, crianças separadas em grupos chamadas
“turmas”. Nas salas, os professores ensinam saberes. Toca uma campainha.
Terminou o tempo da aula. Os professores saem. Outros entram. Começa uma
nova aula. Novos saberes são ensinados. O que os professores estão fazendo?
Estão cumprindo um “programa”. “Programas” é um cardápio de saberes
organizados em seqüência lógica, estabelecido por uma autoridade superior
invisível, que nunca está com as crianças. Os saberes do cardápio “programa”
não são “respostas” às perguntas que as crianças fazem. Por isso as crianças
não entendem por que têm de aprender o que lhes está sendo ensinado. (ALVES,
2003, p. 51-52).

Que nos diz a memória?


No silêncio da sala de aula ecoa a voz do mestre. Alunos calados escutam e
copiam suas palavras. Pausadamente, o professor dita a sua versão da matéria
com o estatuto de verdade absoluta. Alguns dos alunos permanecem com os
olhos fixos no ambiente da sala, mas o pensamento viaja. Estão espacialmente
presentes, mas mentalmente ausentes, distantes, embalados pelo som constante
e monotônico da preleção. A hora e vez desses alunos nos espaços pedagógicos
são restritas e definidas. Reproduzir nos exercícios, trabalhos e provas o
pensamento do professor que “ensina”. Para esquecê-los depois. (KENSKI, 2000,
p. 136).

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

Descrição da Imagem:
magem ilustrativa de uma criança sentada de costas pra lousa,
cabisbaixa, na lousa está escrito a palavra educação, no entanto a
palavra está escrita ao contrário.

Inspirados nestes alertas-denúncias, que sintetizam bem o que (não) acontece na escola, os
educadores não podem nos limitar a perpetuar rituais castradores e limitantes das
potencialidades humanas, lamentando as dificuldades que permeiam a nossa atividade laboral.
Precisamos avançar no desvelamento dos valores que orientam nosso exercício profissional, com
o fito de identificar aquelas que, ao contrário do pensamento anterior, atrapalham a instauração
de uma nova dinâmica social, bem como o desenvolvimento da subjetividade dos agentes
pedagógicos envolvidos.
54
A Educação, independentemente da forma e do conteúdo, tem consequências para todos os
que estão nela envolvidos, uma vez que habilidades diversas são socializadas, seja numa perspectiva
de alienação/negação do sujeito ou numa perspectiva que possibilite a constituição como indivíduo
(ou, ainda, em ambas!), motivo pelo qual ela jamais é neutra, mas tem sempre uma conotação política,
num sentido mais amplo.

Assim, é necessário se alargar a compreensão dos laços entre escola e sociedade, pois esses
são por demais estreitos, havendo entre elas intenso e rico vínculo de influências e contribuições de
toda ordem. A escola, portanto, não está a salvo das pressões e demandas sociais, de nada
valendo, nesse sentido, os seus muros. Da mesma forma, não é ela uma vítima indefesa, que nada
pode fazer diante dos acontecimentos, embora seu poder de transformação não seja tão grande
quanto muitas vezes alguns enunciam... Ela deve descobrir o poder que tem no complexo jogo social
e aproveitá-lo ao máximo.

Diante dessa falta de sentido, que atinge tanto o corpo discente quanto o docente, o desafio atual
é vislumbrar (e propor) opções propiciadoras de um diálogo entre as diferentes manifestações
culturais, principalmente as dos alunos, que costumam ser ignoradas pela escola. Para tanto, é
necessário que o Homem investigue a sua relação com a natureza, a qual é mais do que o seu lar; é
o seu útero. Quanto mais o Homem se separa dela, mais ele pode se tornar consciente de si, sabendo-
se um ser histórico, temporal (FONTANELLA, 1995, p. 15).

Porém, ele precisa voltar, ininterruptamente, seu olhar para sua criadora, sob pena de desperdiçar
a chance de aprofundar a sua capacidade de compreensão, pois somente quando ele se percebe
separado da natureza, ele pode buscar a ligação, a relação, a integração com ela, a qual acontece,
coetaneamente,em dois níveis: dentro e fora de si.

Descrição da Imagem:
Até quando o Homem continuará a francionar a sua
existência em categorias estanques?

Urge, pois, a busca de novos fundamentos propiciadores de uma educação que valorize o
aluno, os seus conhecimentos, a sua história, os seus sonhos, a sua avaliação sobre o seu
desempenho no cotidiano, não mais como realidades desunidas e quase sem relação, mas como
elementos de um todo. Para tanto, é indispensável considerar que a questão curricular,
porquanto o cotidiano escolar (onde o prédio é um aspecto material da maior importância) é
consideravelmente influenciado por ela.

55
A recuperação da subjetividade e a valorização de uma visão integral do Homem são
necessárias para que possa ocorrer uma aprendizagem significativa:

(...) o único aprendizado que influencia signi ficati vamente o comportam ento é o aprendizado
autodescoberto, auto-apropriado. (...) Um conhecimento autodescoberto, essa verdade que
foi pessoalmente apropriada e assimilada à experiênci a de um modo pessoal, não pode se
comunicar diretamente a outra pessoa. (ROGERS, 1991, p. 254).

Da mesma opinião é Illich (1977, p. 76):

Na realidade, a aprendizagem é a atividade humana menos


necessitada de manipulação por outros. Sua maior parte não é resultado
de instrução. É, antes, resultado de participação aberta em situações
significativas. A maioria das pessoas aprende melhor estando «por
dentro»; mas a escola faz com que identifiquemos nosso crescimento
pessoal e cognoscitivo com orefinado planejamento e manipulação.

A partir da certeza de que “O acontecer é global e simultâneo. Ao passo que o verbal é sucessivo
e linear...” (GAIARSA, s/d, p.13), pugno pela necessidade de se buscar, com fé e amor, uma Educação
que valorize não mais somente a inteligência linguística e/ou lógico matemática. Compreendendo
que o Homem é organismo extremamente complexo e misterioso, essa disciplina precisa possibilitar
àquele desenvolver também (e principalmente, digo, diante do excessivo racionalismo) as demais
inteligências – intrapessoal, interpessoal, musical, espacial, corporal-cinestésica e naturalística –
afinal a aprendizagem acontece de modo mais consistente quando contempla as diversas maneiras
como a pessoa apreende a realidade.

Imagem

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

Uma das relevantes contribuições da Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner,
não é a descoberta de inteligências, conforme a figura ao lado, com a ampliação das
classificações das pessoas, mas exatamente a certeza de que o Homem não pode ser reduzido a
um rótulo, a uma habilidade, a uma competência. Infelizmente, a substituição de paradigmas, de
procedimentos, requer mais do que a mera leitura de novos postulados, uma vez que tais
construtos passam por um crivo valorativo, cujas raízes estão incrustadas no íntimo do ser,
alimentando-se de emoções e crenças.

Tipos de Inteligências Múltiplas

Musical

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Musical

56
Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Sensibilização e Compõe Cantar; tocar Ao adicionar Produtor,


entonações, músicas, instrumentos; ritmos aos instrumenta-
melodias, memoriza identificar sons, textos que lê, ao lista,
ritmos, timbres as letras e ritmos e tonalidades. escrever as compositor,
e tons. canta no letras enquanto maestro,
ritmo. as escuta e crítico
criando versos e musical.
quadras sobre a
matéria.

Descrição da Tabela:
Inteligência musical tem como atributo: Sensibilização e entonações, melodias,
ritmos, timbres e tons. Os sinais: Compõe músicas, memoriza as letras e canta
no ritmo. Facilidades: Cantar; tocar instrumentos; identificar sons, ritmos e
tonalidades. Aprende melhor: Ao adicionar ritmos aos textos que lê, ao
escrever as letras enquanto as escuta e criando versos e quadras sobre a
matéria. Talento: Produtor, instrumenta-lista, compositor, maestro, crítico
musical.

Linguísta

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Na leitura, sem
problemas, em
Gosta de
Domínio da matemática, Poeta,
trocadilho e
linguagem, Memorizar nomes, talvez. escritor,
rimas,
Linguísta escrita e lugares e efemérides; Então, ajude jornalista,
conta
percepção de ler; escrever e redigir. pedindo-lhe que político, ator,
histórias
significados. leia uma receita professor.
coerentes.
e meça os
ingredientes.

Descrição da Tabela:
Inteligência linguista tem como atributo: Domínio da linguagem, escrita e
percepção de significados. Os sinais: Gosta de trocadilho e rimas, conta
histórias coerentes. Facilidades: Memorizar nomes, lugares e efemérides; ler;
escrever e redigir. Aprende melhor: Na leitura, sem problemas, em matemática,
talvez. Então, ajude pedindo-lhe que leia uma receita e meça os ingredientes.
Talento: Poeta, escritor, jornalista, político, ator, professor.

57
Lógico-matemática

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Ao classificar e
Estimar
categorizar tudo
valores, Programador
Raciocínio o que faz. Na
fazer Raciocínio; fazer de
ordenado, leitura, é bom
Lógico- cálculos, conta; resolver computador,
elaboração de ensiná-lo a
matemática criar problemas e cientista,
conceitos, reconhecer os
métodos charadas. auditor,
pesquisa. padrões de
para o que engenheiro.
gramática e de
faz.
síntese.

Descrição da Tabela:
Inteligência Lógico-matemática tem como atributo: Raciocínio ordenado,
elaboração de conceitos, pesquisa. Os sinais: Estimar valores, fazer cálculos,
criar métodos para o que faz. Facilidades: Raciocínio; fazer conta; resolver
problemas e charadas. Aprende melhor: Ao classificar e categorizar tudo o que
faz. Na leitura, é bom ensiná-lo a reconhecer os padrões de gramática e de
síntese. Talento: Programador de computador, cientista, auditor, engenheiro.

Espacial

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Soletrando as
Desenha palavras com
Arquiteto,
Boa memória com todo blocos de letras,
designer,
visual, tipo de Leitura de mapa e fazendo
inventor,
Espacial facilidade de material e plantas; quebra- desenhos e
pintor,
reconhecer gosta de cabeças; desenhos. colagens com as
cineasta,
lugares. organizar imagens
escultor.
coisas. correspondentes,
comparando.

Descrição da Tabela:
Inteligência Espacial tem como atributo: Boa memória visual, facilidade de
reconhecer lugares. Os sinais: Desenha com todo tipo de material e gosta de

58
organizar coisas. Facilidades: Leitura de mapa e plantas; quebra-cabeças;
desenhos. Aprende melhor: Soletrando as palavras com blocos de letras,
fazendo desenhos e colagens com as imagens correspondentes, comparando.
Talento: Arquiteto, designer, inventor, pintor, cineasta, escultor.

Interpessoal

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Quando pode se
relacionar e se
Facilidade
Perceber nos comparar com Professor,
em fazer
outros liderar; organizar; outras crianças. vendedor,
amigos,
Interpessoal diferenças de mediar conflitos; Sugira grupos terapeuta,
gosto por
ânimo e comunicar-se. de estudo e político, líder
atividades
motivações. brincadeiras de religioso.
em grupo.
escolinha com a
turma.

Descrição da Tabela:
Inteligência Interpessoal tem como atributo: Perceber nos outros diferenças de
ânimo e motivações. Os sinais: Facilidade em fazer amigos, gosto por
atividades em grupo. Facilidades: liderar; organizar; mediar conflitos;
comunicar-se. Aprende melhor: Quando pode se relacionar e se comparar com
outras crianças. Sugira grupos de estudo e brincadeiras de escolinha com a
turma. Talento: Professor,vendedor, terapeuta, político, líder religioso.

Intrapessoal

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Ao estudar
sozinho e relatar
Sensibilidade Saber Poeta,
Estabelecer metas; as próprias
para captar o expressar, conselheiro,
reflexão; agir com experiências e
Intrapessoal sentido de com clareza, terapeuta,
intuição e viagens
gestos e os próprios filósofo,
originalidade. interiores. Dá-se
expressões. sentimentos. religioso.
bem como
autodidata.

59
Descrição da Tabela:
Inteligência Intrapessoal tem como atributo: Sensibilidade para captar o
sentido de gestos e expressões. Os sinais: Saber expressar, com clareza, os
próprios sentimentos. Facilidades: Estabelecer metas; reflexão; agir com
intuição e originalidade. Aprende melhor: Ao estudar sozinho e relatar as
próprias experiências e viagens interiores. Dá-se bem como autodidata.
Talento: Poeta, conselheiro, terapeuta, filósofo, religioso.

Corporal Cinestésica

Aprende
Tipo Atributo Sinais Facilidades melhor Talento

Precisa se
movimentar
Capacidade de Coordenação enquanto Dançarino,
usar o corpo motora bem Atividades físicas; estuda. Pode atleta em
Corporal
para se desenvolvida, expressão corporal; dramatizar o qualquer
Cinestésica
expressar e habilidade artesanato. que lê e recortar modalidade,
atingir metas. em esportes. letras e números ator, artesão
apenas com os
dedos.

Descrição da Tabela:
Inteligência Corporal Cinestésica tem como atributo: Capacidade de usar o
corpo para se expressar e atingir metas. Os sinais: Coordenação motora bem
desenvolvida, habilidade em esportes. Facilidades: Atividades físicas;
expressão corporal; artesanato. Aprende melhor: Precisa se movimentar
enquanto estuda. Pode dramatizar o que lê e recortar letras e números apenas
com os dedos. Talento: Dançarino, atleta em qualquer modalidade, ator,
artesão.

Como é possível assistir, simultaneamente, a dois


grandes movimentos antagônicos no que se refere à
elaboração e à vivência do conhecimento?

Acredito que a compreensão distinta do papel do erro pela ciência – etapa natural do processo do
conhecimento – e pela escola – uma erva daninha, que precisa sempre ser erradicada, por atrapalhar
o sucesso das atividades – oferece boa pista para a forma diferenciada como o cientista, o educador e
o estudante valoram o conhecer, o aprender.

60
O cientista
Para o cientista, a tarefa de conhecer é permeada de mistérios, ilusões,
esperanças, explicações parciais (BACHELARD, 1985, p. 147).

O educador
Para o educador, é uma responsabilidade que deve ser executada da forma
mais perfeita possível, numa rotina massacrante, sem espaços para equívocos
e/ou dúvidas, sob pena de ser massacrado pelos estudantes ou pelo seu mito
interno de infalibilidade.

Estudante
Para o estudante, enfim, é uma etapa obrigatória que precisa ser
ultrapassada, mesmo que desprovida de significado para si, evitando ser
ridiculizado pelo professor e/ou seus colegas.

Considerando as recentes descobertas científicas reveladoras do caráter complexo e dinâmico da


formação do conhecimento (MACHADO, 1995, p. 296), torna-se imperativa a busca de práticas
educacionais – entendidas sempre para além das que acontecem na escola – baseadas no diálogo e
na valorização da curiosidade, que recobrem a subjetividade dos autores do processo de ensino-
aprendizagem, propiciando o crescimento e respeito mútuos, além de favorecer o desenvolvimento
danoção de totalidade.

A compreensão do caráter histórico do conhecimento permite que o sujeito estabeleça com o


primeiro uma relação menos tensa e angustiante, pois ele está cônscio de que a sua missão é
interminável: sempre haverá algo a ser descoberto, refeito e ampliado (BARGUIL, 2000), fazendo
com que o foco da sua atenção saia do produto (ele sabe nunca ser final) e se volte ao processo,
permitindo-se desfrutar do privilégio que é aprender. Nesse sentido, a Educação deixa de ter um
caráter meramente decorativo (no duplo sentido) e passa a contribuir no processo investigativo e
exploratório do universo, bem como na constituição da subjetividade da pessoa.

A Pedagogia é a reunião de vários campos de conhecimento – Filosofia, Sociologia, História,


Psicologia – dentre outros. Cada um deles, de acordo com suas especificidades, contribui para a
melhoria constante daquela. A força de cada uma dessas disciplinas é potencializada quando se
busca criar elos entre estas, descobrindo vínculos efetivados ininterruptamente.

O distanciamento entre o mundo do aluno e as práticas escolares


explica, em grande parte, a apatia, o desânimo e a tristeza de aprender
característicos das salas de aula, problemas que não são privilégio do
Brasil. O que pode ser feito para que alunos e professores proclamem,
não somente

61
com palavras, a beleza e o prazer de aprender (ALVES, 1994)? Nesse
contexto de dramaticidade, a discussão sobre o currículo se revela
importante e urgente.

As propostas pedagógicas precisam valorizar a participação do aluno (de acordo com as suas
possibilidades) em todas as etapas do processo educativo, desde a escolha dos conteúdos a serem
estudados (que devem, sempre que possível, ter relação com a sua vida), passando pela
multiplicidade de recursos, até a forma como a avaliação se efetivará, objetivando responder
àquela antiga (mas sempre atual) indagação dos alunos sobre a importância de determinados
conteúdos para a sua vida.

OBSERVAÇÃO
A meta educacional da Teoria de Piaget, segundo Kamii (1992):

É o desenvolvimento da autonomia (moral e intelectual), em oposição


à heteronomia. Defendo a ideia de que a autonomia dos autores
pedagógicos seja um princípio da práxis educacional, o que só é
possível com a mudança do ensino centrado no educador, o que demanda
a transformação das relações pedagógicas, nas quais o ensino
desenvolva, cada vez mais, a competência dos educando, permitindo-lhes
assumir a responsabilidade pela sua vida.(KAMII, 1992)

O presente é filho do passado, sobre o qual, costumeiramente, pouco se conhece. Pior do que
isso é o fato de que nós, educadores, costumamos desdenhar da importância que a História tem na
clarificação da gênese de determinada realidade. Não basta, porém, apenas constatar essa
negligência, sendo imperioso diligenciar-se, com perseverança, no sentido de mapear, embora que
de forma insatisfatória e incompleta no início, a disposição das variáveis que compõem um contexto
social.

Mais grave, ainda, é o fato de que, conforme alerta Gonçalves (1994,


p. 14-15), na escola o futuro costuma ser privilegiado em detrimento do
presente: “Todo o ensino caracteriza-se por constituir-se numa
preparação para o futuro, esquecendo o momento existencial presente
que a criança vive”. Agindo assim, ela contribui para que a alienação
se aprofunde cada vez mais, tanto pela negação do presente como pelo
fato de que o futuro éuma abstração, que nunca se realiza!

Assim, as dimensões temporais – passado, presente e futuro – são merecedoras de uma teoria
e de uma prática pedagógica que as contemplem de modo saudável, percebendo e valorizando as
ligações entre elas, o que só acontece quando os agentes pedagógicos problematizam a sua vida. Só
assim, creio, terá sentido se falar e pensar em amanhã...

Destarte, o objetivo da interpretação deve ser a compreensão e não a explicação, uma vez que
aquela, ao contrário dessa, admite a multiplicidade de visões. A narração de histórias é uma forma de
permitir que cada pessoa elabore o significado do que ouve, de acordo com as suas experiências,
valores e sonhos. Assim, a polissemia é o tempero permitido (e necessário) nessa prática (BRUNER,
2001, p. 92).

Da mesma opinião é Doll Jr. (1997, p. 185):


62
O modo narrativo requer interpretação. Uma boa estória, uma grande
estória, encoraja, desafia o leitor a interpretar, a iniciar um diálogo com o
texto. Numa boa estória existe exatamente a quantidade suficiente de
indeterminância para incitar o leitor ao diálogo. (DOLL JR, 1997, p. 185)

Para tanto, o aluno deverá ser capaz de


• analisar e comparar informação;
• produzir conhecimento e expressá-lo de modo variado;
• integrar conhecimento de fontes e disciplinas variadas em narrações;
• elaborar perguntas para fomentar uma pesquisa produtiva;
• expor as suas ideias de maneira rigorosa, criativa e convincente.

Ao professor cabe a tarefa de


• fomentar essas tarefas do corpo discente;
• no momento avaliativo, estar apto a aceitar uma diversidade de respostas
adequadas;
• entender a avaliação como um processo e não como um veredicto final.

Essa diversidade cultural, porém, não é aceita pela estrutura social que privilegia a padronização,
a uniformidade de valores, crenças e sonhos de consumo. Para mascarar os graves conflitos
sociais, que nos alertariam para a urgência da necessidade de se lutar pela transformação das
relações de produção de bens, aqui entendidas no sentido amplo, somos seduzidos por várias
promessas fantasiosas...

Para Reimer (1983, p. 61-69), as sociedades modernas possuem quatro mitos – igualdade de
oportunidades, liberdade, progresso e eficiência – os quais tentam impedir que se veja, respectivamente,
a:

Desigualdade Uma vez que as “chances maiores são as de permanecer na


imposta base da escada do que chegar ao topo”;

Crescente Que, na maioria das vezes, silenciosamente permeia as


repressão e relações entre o Estado e o cidadão;
dominação

Uma vez que (...) estamos nos ap roximand o dos limites de


absorção d o calor pela atm os fera e de absorçã o de poluição
Falácia d a pelos oceanos, os limites da capa cidade d o planeta de
melhora d a sustentar a população, os limites da paciência d os p ob res
qualidade de em sob revir às custas das dádivas d os ricos, os limites dos
vida próprios ricos em suportar as peias impostas por si mesmos
ou de aguentar os próprios luxos que inventaram; e

Problemática Pode ser resolvida, desde que utilize a solução adotada nos
humana problemas de produção, por meio de eficiente organização.

63
Descrição da Tabela
Desigualdade imposta: Uma vez que as “chances maiores são as
de permanecer na base da escada do que chegar ao topo”;

Crescente repressão e dominação: Que, na maioria das vezes,


silenciosamente permeia as relações entre o Estado e o cidadão;

Falácia da melhora da qualidade de vida: Uma vez que (...)


estamos nos aproximando dos limites de absorção do calor pela
atmosfera e de absorção de poluição pelos oceanos, os limites da
capacidade do planeta de sustentar a população, os limites da
paciência dos pobres em sobrevir às custas das dádivas dos ricos, os
limites dos próprios ricos em suportar as peias impostas por si
mesmos ou de aguentar os próprios luxos que inventaram; e

Problemática humana: Pode ser resolvida, desde que utilize a


solução adotada nos problemas de produção, por meio de eficiente
organização.

A escola, com seus ritos, é utilizada para esconder tais abismos, uma vez que, enquanto as
criançasestiverem ocupadas com diversas atividades, elas não pensarão neles.

O sistema escolar, para Illich (1977, p. 37-38), repousa, também, sobre a grande ilusão

(...) de que a m ai ori a do que aprende é resultado de ensino. O ensi no, é verdade, pode
contribuir para determi nadas espéci es de aprendiz agem sob certas circunstâncias. Mas a
mai ori a das pessoas adquire a m ai or parte de seus conhecim entos fora da escola; na
escol a, apenas enquanto esta se tornou, em alguns países ri cos, um lugar de
confinamento durante um período sempre maior de sua vida. (ILLICH, 1977, p. 37-38)

REFLEXÃO
• Qual é o preço que as novas gerações pagam por esse confinamento?
• Será que as vantagens superam as desvantagens?
• É possível a escola desempenhar um papel diverso dessa concepção de escola-prisão?
• Se sim, o que ela precisa modificar, nos mais variados aspectos (físico, simbólico...)?
• Será razoável supor que a escola pode ser transformada tendo em vista as determinantes estruturais?

Embora concorde com o pensador austríaco, no que concerne ao papel desempenhado pela
escola na maioria das vezes, acredito, ao contrário dele, ser possível que ela possa contribuir na
elucidação dos engodos culturais, motivo pelo qual não aceito a sua postulação de que, em virtude
das inúmeras práticas desprovidas de significado para os seus agentes, ela é mais maléfica do que
benéfica, devendo, por isso, ser fechada.

Snyders (1988, p. 23) também admitia que

Há formas de cultura que são adquiridas fora da escola, fora de toda autoformação
metódica e teorizada, que não são o fruto do trabalho do esforço, nem de nenhum
plano: nascem da

64
experi ênci a direta da vi da, nós a absorvem os sem perceber; vamos em direção a el as
seguindo a incli nação da curiosidade e dos desejos; ei s o que cham arei de cul tura
primeira. (SNYDERS, 1988, p. 23)

Conforme o mesmo autor, a cultura elaborada, que circula (ou que deveria circular) na escola,
permite que os valores da cultura primeira sejam vividos com plenitude, fomentando, ainda, a reflexão
sobre a relação entre elas, permeada de continuidade e ruptura (SNYDERS, 1988, p. 24).

MULTIMÍDIA
Acesse a aula online para visualizar este conteúdo

Link [3]

LETRA DA MÚSICA OUTRO TIJOLO NO MURO (ANOTHER BRICK IN THE WALL –


PART 2)
Outro Tijolo no Muro

Rogers Waters

Nós não precisamos de nenhuma educação Nós


não precisamos de nenhum controle de pensamento
De sarcasmo sombrio na sala de aula
Professores deixem as crianças em paz
Ei, professores, deixem as crianças em paz!
De qualquer maneira, é apenas mais um tijolo no muro De
qualquer maneira, você é apenas mais um tijolo no muro

“Errado, faça de novo!”


“Se você não comer carne, não terá pudim.
Como você espera ter pudim se você ainda não comeu a carne?”
“Você. Sim, você atrás do bicicletário, fique parado garoto!”

Traduzido do original Another Brick in the Wall – Part 2 [4]

Afinal, qual é o papel que a escola desempenha e, ainda, pode desempenhar em virtude das
circunstâncias? Se é verdade que a escola costuma ser utilizada para reproduzir uma cultura, de
formatar corpos para a produção, também é verossímil que ela pode desempenhar um papel
revolucionário, preparando os alunos para lidar com um mundo em transformação, embora seja
necessário se indagar como decidiremos esses conteúdos e práticas, em virtude da transitoriedade
das demandas (BRUNER,2001, p. vii).

INSTITUTO UNIVERSIDADE VIRTUAL

Essa abertura da escola para a vida não deve ocorrer de modo que ela perca a sua
65
especificidade, o quinhão que lhe pertence, mas exatamente o contrário, permitir que ela seja
enriquecida. A escola, na opinião de Snyders (1988, p. 274), corre dois riscos: continuar fechada
ou assimilar acriticamente o mundo. O desafio é conseguir se transformar, remontando às origens
da vida e da especificidade,elaborando uma síntese particular, fonte de uma alegria original.

Não bastassem todas essas questões filosóficas, a escola é invadida pelos computadores
e outros aparatos tecnológicos, os quais, por proporcionarem diversas maravilhas, nos
fazem, na maioria das vezes, esquecer de indagar sobre esse acontecimento, o qual, acredito,
de modo geral, favorece apenas uma mudança (superficial) das práticas e do ambiente
escolares, perpetuando sua antiga crença de que a aprendizagem é um ato mecânico,
prescindindo, assim, de motivação, interesse e curiosidade!

Para Benito (2000, p. 43), a tecnologia modifica o universo da Educação, contemplando não
apenas o cenário material onde esta se realiza, mas, também, a ecologia da aula, as interações dos
atores envolvidos no processo pedagógico, o papel desempenhado pelos professores, os modelos
de comunicação e os mecanismos de avaliação e controle. Essas transformações, ocorrentes em
espaços e tempos convencionais, proporcionam mudanças das teorias e das práticas didáticas,
levando, provavelmente, a escola a se conectar a um espaço e um tempo em movimento.

A Educação, atualmente, é marcada por três grandes temas, (NAJMANOVICH, 2001, p. 97-98):

Tema I
A compreensão de que ela não se encerra com um diploma, devendo,
portanto, ser permanente. Assim, ela precisa ser entendida juntamente com
formação e capacitação, numa rede de elaboração e socialização cognitiva.

Tema II
Uma nova concepção epistemológica do conhecimento propicia e fomenta
uma revolução na produção, divulgação e avaliação do saber.

Tema III
As novas tecnologias de informação e comunicação contribuem para que
as formas utilizadas pela Humanidade para interagir sejam profundamente
modificadas.

Segundo Bruner (2001, p. 25), a mudança no mundo contemporâneo é a norma, motivo pelo
qual, para que a educação desenvolvida na escola seja eficaz, ela deve possibilitar que os
alunos corram riscos, exercitem sua flexibilidade cultural. Para tanto, ela deve abandonar os
ritos impedientes de os sujeitosampliarem sua capacidade interpretativa, condição necessária para
se adaptar aos novos tempos.

O que significam, porém, esses "novos tempos"? Quais são as


esperanças e os temores que são trazidos por esses ventos? Para
responder a essas indagações, é necessário voltar um pouco (ou muito...)
no espaço- tempo e compreender como surgiu e se desenvolveu o "velho
tempo"...
Afinal, a visão crítica sobre o passado possibilita um prisma (e
uma atitude) menos arrogante no presente e mais esperançoso e
cuidadoso para o futuro. Esse é o desafio sempre renovado e atual.

No próximo tópico, será analisada a relação entre as teorias de aprendizagem e as metodologias

66
de ensino.

OLHANDO DE PERTO
Selecione o material para saber mais sobre:

A Teoria Inteligências múltiplas e suas implicações para a Educação [5]

Mudança de paradigmas (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

FÓRUM 1
Tomando como referência o que foi abordado, discuta com os colegas o tema: “crise
educacional”.

67
Didática I
Aula 02: Educação: crise de paradigmas

Tópico 05: Relação entre as teorias de aprendizagem e as práticas educacionais

Neste tópico, aprofundaremos o entendimento da relação entre as


teorias de aprendizagem e as práticas educacionais.

Durante séculos, o processo de aprendizagem foi entendido como consequência “natural” do


processo de ensino (daí a expressão processo ensino-aprendizagem). As revelações da neurociência
permitem que os educadores compreendam melhor como as pessoas aprendem, permitindo-os
repensarem as suas estratégias de ensino.

Sobre o Ensino

VERSÃO TEXTUAL

Fonte [6]

Descrição da Imagem:
Desenho ilustrativo de um professor dando aula

Depois um professor disse, Fala-nos do

Ensino.E ele [o Profeta] respondeu:

Ninguém vos poderá revelar nada que já não esteja meio adormecido na aurora do
vossoconhecimento.

O professor que caminha na sombra do templo, entre os seus discípulos, não dá a


suasabedoria, mas antes a sua fé e amor.

Se for realmente sábio, não vos convida a entrar na casa da sua sabedoria, mas
antes vosconduz ao limiar do vosso próprio espírito.

O astrônomo pode falar-vos do seu entendimento do espaço, mas não vos pode dar
o seuentendimento.

68
O músico pode cantar-vos o ritmo do espaço, mas não vos pode dar o ouvido que faz
parar oritmo, ou a voz que dele faz eco.

E aquele que é versado na ciência dos números, pode falar-vos de pesos e medidas,
mas nãopode levar-vos até lá.

Pois a visão de um homem não empresta as suas asas a outro homem.

E, mesmo que cada um de vós esteja sozinho no conhecimento de Deus, também


cada umde vós deve estar sozinho no seu conhecimento de Deus e na sua compreensão da
Terra.

Fonte: (GIBRAN, 1970, p. 53-54)

Na disciplina Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem na Adolescência, vocês


estudaram sobre as teorias de aprendizagem, motivo pelo qual faremos, apenas, uma breve revisão
sobre as ideias de Piaget e Vygotsky.

A Educação no século XX foi palco de grandes debates, notadamente


a partir das pesquisas de Piaget e Vygotsky, as quais propiciaram o
questionamento do que vinha sendo até então. É interessante perceber que
ambos não eram educadores, motivo pelo qual suas descobertas devem ser
estudadas com muito cuidado, de modo a evitar que as novas práticas
supostamente nelas inspiradas não as contradigam.

Breve revisão de Piaget e Vygostsky

Jean Piaget

Jean William Fritz


Piaget (1896-1980),
nasceu em Neuchâtel -
Suiça.
Foi um biólogo,
psicólogo e
epistemólogo suíço,
considerado um dos
mais importantes
pensadores do século
XX.

69
[7] Fonte [8]

Descrição da
Imagem:
Foto em
primeiro plano e em
preto e branco de
Jean Piaget. Ele
tem os cabelos
brancos e
penteados para
trás. Usa óculos de
armações redondas
e
pretas.

Jean Piaget, após concluir o doutorado em Ciências Naturais, trabalhou com Èdouard Claparède
no então recém-inaugurado Instituto de Ciências Educativas Jean Jacques-Rousseau, aplicando
testes de inteligência para crianças. Embora contar as respostas certas e erradas fosse tarefa
repetitiva, ele buscou compreender os motivos que levavam os respondentes a escolher
determinados itens e não outros.

Portanto, a pesquisa psicogenética iniciada por Piaget objetivava deslindar a elaboração do


conhecimento pelo sujeito, o qual, no seu entendimento, é um organismo ativo em constante
interação com o meio, que tenciona estabelecer com esse um relação de equilíbrio, utilizando-se, para
tanto, de operações mentais.

Segundo Piaget (1991), as estratégias básicas são:

A assimilação
Esforço do indivíduo para compreender o mundo – físico, cultural, ... – a partir
desuas estruturas cognitivas.

A acomodação
Mudança que ocorre nas suas estruturas em virtude da complexidade da
realidade.

Considerando que o sujeito está sempre incrementando a sua adaptação ao ambiente, os


esquemas mentais (as estruturas) são transitórios, daí ele nomear esse processo de equilibração
sucessiva: equilíbrio-desequilíbrio-reequilibração.

O Epistemólogo suíço postula a ideia de que toda pessoa desenvolve suas estruturas cognitivas
de acordo com uma sequência linear, mediante de sucessivos estádios: sensório-motor, pré-
operatório, operatório concreto e operatório formal.

As idades indicadas não são marcos fixos, obedecidos por todos os seres, mas servem como
referência para compreender o desenvolvimento da mente humana.

70
ESTÁDIO SENSÓRIO-MOTOR
O estádio sensório-motor – do nascimento aos dois anos de vida – é marcado pelas ações
sensoriais e motoras, as quais possibilitam intensas transformações quantitativas e qualitativas
na mente.

No início, os reflexos automáticos – sugar, chorar, agarrar... – compõem a grande maioria


das ações do bebê, as quais lhe permitem, em seguida, desenvolver os primeiros esquemas
sensório- motores, ampliando exponencialmente as suas possibilidades de exploração e
entendimento do espaço circundante.

Por meio de imitações e situações criadas a partir do faz de conta, ela torna-se capaz de
manipular símbolos. Para Piaget, a maior limitação da criança nessa fase é o egocentrismo, uma
vez que ela é incapaz de imaginar, de entender a realidade a partir de outro ponto de vista que
não seja o seu.

ESTÁDIO PRÉ-OPERATÓRIO
Estudos posteriores sobre o egocentrismo autorizaram os cientistas a afirmar que a
capacidade de se colocar no lugar do outro não é mera questão cognitiva, mas possui forte carga
emocional. A dificuldade de descentrar, de reconhecer outras leituras, explicações do mundo,
elaboradas por outros olhos e mentes, não é exclusividade das crianças, uma vez que o grande
desafio é utilizar a flexibilidade das estruturas cognitivas e não simplesmente tê-las.

Rogers (1991, p. 255) já alertara para o fato de que o diferente, o não eu, não é uma ameaça à
existência das pessoas, mas uma fonte de crescimento, por isso anota:

Julgo que uma das melhores maneiras, mas das mais difíceis,
para mim de aprender é abandonar minhas defesas, pelo menos
temporariamente, e tentar compreender como é que a outra pessoa
encara e sente a sua própria experiência. (...) uma outra forma de
aprender é confessar as minhas próprias dúvidas, procurar esclarecer
os meus enigmas, a fim de compreender melhor o significado real da
minhaexperiência. ROGERS,1991, p. 255)

ESTÁDIO OPERATÓRIO CONCRETO


O estádio operatório concreto – dos sete aos catorze anos – caracteriza-se pela
reversibilidade, que a ele enseja visualizar uma ação mental nos dois sentidos: indo e voltando.

Essa flexibilidade também se manifesta na capacidade da cri ança de prestar atenção,


quando diante de um problema, em mais de uma característica (um aspecto, uma dimensão)
de um objeto, conforme atestam os testes de conservação de número, massa e líquido,
elaborados por Piaget, superando o comportamento da fase anterior em que se fixava em
apenas um deles.

71
Há outras importantes
conquistas:

Capacidade de classificar objetos, resultado da


constituição do conceito de transitividade, quando
A seriação
objetos são comparados de acordo com alguma
qualidade (tamanho, peso ...)

Capacidade de relacionar a parte com o todo, quando


A inclusão de ela compreende que há uma hierarquia entre
classes diferentes categorias, as quais podem ser agrupadas
de inúmeras maneiras.

Descrição da Tabela:
A seriação: Capacidade de classificar objetos, resultado da
constituição do conceito de transitividade, quando objetos são
comparados de acordo com alguma qualidade (tamanho, peso ...)
A inclusão de classes: Capacidade de relacionar a parte com o
todo, quando ela compreende que há uma hierarquia entre
diferentes categorias, as quais podem ser agrupadas de
inúmeras maneiras.

ESTÁDIO OPERATÓRIO FORMAL


Quando alcança o estádio operatório formal – dos 14 anos em diante – o indivíduo é capaz
de pensar de forma muito mais versátil e flexível do que no estádio anterior, como atesta o
desenvolvimento da capacidade de pensar em problemas hipotéticos e ideias, ampliando a
manipulação mental para além do mundo concreto.

Ele, também, começa a empreender uma busca sistemática de soluções, mediante a


consideração de inúmeras possibilidades.

Lev Semenovich Vygotsky

72
Lev Semenovich
Vygotsky (1896 - 1934),
nasceu em Orsha,
Bielorrússia
Foi um psicólogo,
proponente da
Psicologia cultural-
histórica. Pensador
importante em sua área
e época, foi pioneiro no
conceito de que o
desenvolvimento
intelectual das crianças
Fonte [9] ocorre em função das
interações sociais e
condições de vida.
Descrição da
Imagem:
Foto em
primeiro plano e
em
preto e branco
Lev de
Cabelo Vygotsky.
curto e
s s
bem pretos, rosto
comprido,
nari
z afilado. Aparenta
uns
30 anos. Veste um
terno escuro,
camisa
branca e gravata.

O caráter processual do conhecimento é fortemente defendido pela Teoria Sociointeracionista, de


Lev Semenovich Vygotsky, conhecida como histórico-cultural ou sociohistórica, que enfatiza a
importância do meio social no desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores, uma vez que
“(...) o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as
crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam”. (VYGOTSKY, 1991, p. 99). (itálico no
original).

Nos princípios do século passado, os psicólogos comportamentalistas (Pavlov e Watson)


afirmavam que o comportamento do Homem assemelhava-se ao do animal, que funciona num
esquema de estímulo- resposta. Levantando-se contra esses, os gestaltistas (Wertheimer, Kohler,
Koffka e Lewin) defendiam a ideia de que as funções psicológicas superiores – pensamento,
linguagem e comportamento volitivo – não se estruturavam da mesma forma que as simples,
resultado da maturação da base instintiva.

Vygotsky (1991, p. 33), influenciado pelo materialismo dialético de Marx e Engels, advogava que o
contexto social, que é histórico, exerce grande importância no desenvolvimento das funções
superiores humanas:

Desde os prim eiros di as do desenvolvi m ento da cri ança, suas ati vidades adquirem um
signifi cado própri o num si stem a de com portam ento soci al e, sendo dirigi das a objetos
defini dos, são refratadas através do pri sma do ambi ente da cri ança. O caminho do objeto
até a cri ança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. E ssa estrutura hum ana
complexa é
73
o produto de um processo de desenvolvi m ento profundam ente enraizado nas ligações
entre história individual e história social.

Para Vygotsky (1991, p. 95/97), cada pessoa tem dois níveis de desenvolvimento mental:

O Real
Revela as funções cognitivas que já amadureceram, caracterizando-o
retrospectivamente.

O Proximal
Revala as funções que ainda não amadureceram, que estão em maturação,
caracterizando-o prospectivamente.

Metaforicamente, enquanto o primeiro é o fruto, o segundo é a flor do desenvolvimento mental.

No entendimento desse pesquisador bielo-russo, o desenvolvimento da fala e da inteligência


prática ocorre simultaneamente. Para ele, a linguagem, durante a vida humana, tem duas funções:

Descrever (Acompanhando a ação)

Planejar (Precedendo a ação)

Descrição da Tabela:
Descrever: (Acompanhando a
ação) Planejar:(Precedendo a
ação)

A segunda função (planejar) só ocorre no desenvolvimento humano após alguns anos do


nascimento
– e permite duas formas de comunicação para cada pessoa:

A linguagem, portanto, permite que a noção de espaço seja (continuamente) refeita, revelando
novas dimensões, pois a pessoa “(...) começa a perceber o mundo não somente através dos olhos,
mas também através da fala” (VYGOTSKY, 1991, p. 36).

O mundo é visto (e compreendido) pelo homem não somente pelas


cores e formas, mas também pelos sentidos e significados (VYGOTSKY,
1991, p. 37), os quais são sempre reelaborados, influenciando na forma
como ele se relaciona com o mundo.

A cultura, que reúne as produções individuais e coletivas, é um


conjunto de signos, os quais permitem o incremento da capacidade do
Homem de se
74
relacionar com o mundo nas suas diversas formas. Muitas vezes, os
profissionais da Educação desconhecem o fato de que a cultura é um
signo, que para ter sentido para o sujeito precisa ser manipulado, afetiva
e cognitivamente, permitindo, assim, que ele desfrute da beleza e
suavidade do seu cotidiano.

Nessa perspectiva, a natureza não é inerte à ação do ser humano, mas transforma -se e
demanda transformações na forma como o homem se relaciona consigo mesmo, com o seu
semelhante e com o meio ambiente. A linguagem utilizada por ela para expressar sua mensagem
é silenciosa, mas nem por isso pouco compreensível, conforme atestam os crescentes desastres
naturais em todo o Planeta.

Síntese de algumas teorias de aprendizagem


- Extraído de Dias (2008)

BEHAVIORISMO
Centrada apenas nos “comportamentos objetivamente observáveis”, negligenciando as
atividades mentais. A aprendizagem é simplesmente definida como a aquisição de um novo
comportamento.

habituação, isto é, a diminuição da tendência para responder aos


estímulos que, após uma exposição repetida, se tornaram familiares; o
Princípios
“condicionamento” é um processo universal de aprendizagem:
condicionamento clássico, condicionamento instrumental (operante).

a) não considera algumas capacidades intelectuais; b) não explica alguns


Críticas tipos de aprendizagem; c) não explica alguns dados conhecidos de
adaptação.

Descrição da Tabela:
Princípios: habituação, isto é, a diminuição da tendência para
responder aos estímulos que, após uma exposição repetida, se
tornaram familiares; o “condicionamento” é um processo universal
de aprendizagem: condicionamento clássico, condicionamento
instrumental (operante).
Críticas :a) não considera algumas capacidades intelectuais; b) não
explica alguns tipos de aprendizagem; c) não explica alguns dados
conhecidos de adaptação.

CONSTRUTIVISMO

75
Parte do pressuposto de que todos nós construímos nossa concepção do mundo em que
vivemos a partir da reflexão sobre as próprias experiências. Cada um de nós utiliza “regras” e
“modelos mentais” próprios (que geramos no processo de reflexão sobre a nossa experiência
pessoal), consistindo a aprendizagem no ajustamento desses “modelos”, “acomodando”,
“adaptando” as novas experiências...

1) a aprendizagem é busca do significado das coisas, por isso deve


começar pelos acontecimentos em que os alunos estão envolvidos e cujo
significado procuram construir...; 2) a construção do significado requer
não só a compreensão da “globalidade” / totalidade, como das “partes”
Princípios que a constituem e a integram num “contexto”; 3) para se poder ensinar
bem é necessário conhecer os modelos mentais que os alunos utilizam e
os pressupostos que suportam esses modelos; 4) aprender é construir
seu próprio significado e não encontrar as “respostas certas” dadas por
alguém.

Descrição da Tabela:
Princípios: 1) a aprendizagem é busca do significado das coisas,
por isso deve começar pelos acontecimentos em que os alunos
estão envolvidos e cujo significado procuram construir...; 2) a
construção do significado requer não só a compreensão da
“globalidade” / totalidade, como das “partes” que a constituem e a
integram num “contexto”; 3) para se poder ensinar bem é
necessário conhecer os modelos mentais que os alunos utilizam e
os pressupostos que suportam esses modelos; 4) aprender é
construir seu próprio significado e não encontrar as “respostas
certas” dadas por alguém.

A PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA DE PIAGET


O ser humano, no seu desenvolvimento, constrói estruturas cognitivas sofisticadas –
que vão dos reflexos do recém-nascido até às complexas atividades mentais do adulto. A
estrutura cognitiva é um “mapa” mental interno, um “esquema” ou uma “rede” de conceitos
construídos pelo indivíduo para compreender e responder às experiências dentro do seu meio
envolvente.

P rincípios: quatro estágios de desenvolvimento e um conjunto de processos através dos


quais o ser humano progride:

conceito de permanência do objeto; esquemas sensório-


* Sensório-M otor motores coordenados; imitações até chegar a representações
mentais complexas.

* Pré-Operatóri os

76
pensamento representativo, mas carente de operações
mentais (ordenação e organização).

* Operações conceptualização e criação de “estruturas lógicas” para a


Concretas explicação de experiências, sem abstração.

* Operações raciocínio abstrato, com hipóteses possíveis e capacidade de


Formais pensar cientificamente.

Descrição da Tabela:
Sensório-Motor: conceito de permanência objeto;
do
sensório-motores coordenados; imitações esquemas
representações mentais complexas. até chegar a
Pré-Operatórios pensamento representativo, mas carente
deoperações mentais (ordenação e organização).
Operações Concretas:conceptualização e criação de “estruturas
lógicas” para a explicação de experiências, sem abstração.
Operações Formais: raciocínio abstrato, com hipóteses
possíveis e
capacidade de pensar cientificamente.

O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOSTKY
O desenvolvimento do indivíduo é resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o
papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. A aquisição de conhecimentos se
dá pela interação do sujeito com o meio – questão central da teoria. Destaque para a formação de
conceitos, que remetem às relações entre pensamento e linguagem no processo de construção
de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na
transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida
cotidiana. A formação das funções psíquicas superiores é resultado de internalização mediada
pela cultura.

Assim, a interação social e o instrumento linguístico são decisivos para o


desenvolvimento, que tem, pelo menos, dois níveis: real, já adquirido ou formado, que determina
o que o ser humano é capaz de fazer por si próprio, e potencial, ou seja, a capacidade de
aprender com outra pessoa.

A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas de


desenvolvimento proximal (distância entre aquilo que o ser humano faz sozinho e o que é capaz
de fazer com a intervenção/interação de outro; o desenvolvimento cognitivo é produzido pelo
processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, num
processo que se constrói de fora para dentro, a partir de uma mediação).

Os problemas de aprendizagem revelam, na grande maioria das vezes, problemas de ensino (de
didática), em virtude de o professor acreditar que o domínio de conteúdos e de certas técnicas é
suficiente

77
para garantir a aprendizagem dos estudantes. Nesta concepção, crê-se que o conhecimento pode ser
transmitido.

Conforme vimos, Vygotsky, no início do século passado, diferenciou signo de significado:

Signo
O signo é de domínio social (por exemplo, a escrita dos algarismos) e pode
sersocializado.

Significado
O significado é construído pelos sujeitos, num processo de mediação social,
noqual a atividade do sujeito é fundamental.

De modo geral, infelizmente, os educadores ignoram este fato e continuam a utilizar


expressões que explicitam sua compreensão equivocada sobre o processo de aprendizagem (e,
por conseguinte, também do de ensino) – “passar o conteúdo”, “transmitir a matéria” ... –
perpetuando e aprofundando o fracasso escolar.

Outros teóricos têm contribuído para clarear a compreensão quando ao processo de


aprendizagem. Oportuno, neste sentido, apresentar, mesmo que de forma sucinta, a Teoria da
Aprendizagem Significativa de Ausubel (o artigo sobre essa teoria se encontra na seção “Parada
Obrigatória” desta aula).

Na próxima aula, será analisada a relação professor-estudante.

DICA
Quer aprender mais sobre algo?

Carrossel dos Sentidos (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

Inserção da Neurobiologia na Educação (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)

Linguagem e aprendizagem significativa (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)

PARADA OBRIGATÓRIA
Leia algum desses artigos para aprofundar seus conhecimentos:

Evolução dos conceitos sobre o cérebro e o processo de aprendizagem (Visite a aula online
para realizar download deste arquivo.).

Teoria da aprendizagem significativa segundo Ausubel (Visite a aula online para realizar
download deste arquivo.).

FÓRUM 2

78
Após leitura e estudo, argumente com seus colegas e tutor sobre a relação entre as
teorias de aprendizagem e as práticas educacionais.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO 1
Com base no conteúdo da Aula 2, descreva sugestões que podem minimizar a crise
educacional, dirigindo seu olhar para a sala de aula, em especial sobre: as teorias de aprendizagem
que orientam as práticas pedagógicas. (mínimo de 25linhas)

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO 2
Descreva os principais pontos das teorias de Piaget e Vygotsky sobre educação. (mínimo
de 25 linhas)

Fontes das Imagens

1 - http://rubemalves.wordpress.com/2007 /10/03/escola-e-sofrimento/
2 - https://zahar.com.br/sites/default/files/styles/thumb -livros/public/img _colabora /Foucault.jpg?itok=zRs7gd Yp
3 - https://www.youtube.com/watch?v =H rx X9TBj2zY
4 - http://www.pink-floyd-lyrics. com /html/an other-b rick-2-wall.html
5 - http://www.homemdemello.com.br/psicologia/intelmult.html
6 - http://2.bp.blogspot.com/_u5T1VKWyw1g/TE MqoAfcH ZI/AAAAAAAAB S4/qFZ90DIYbeo/s1600/Method_Paulo_Freire.jpg
7 - http://1.bp.blogspot.com/-YYH6Yo_baE M/UCO TTCpd N4I/AAAAAAAAhH o/WeRtL7 WA0pQ/s1 600/JeanPiaget.jpg
8 - http://1.bp.blogspot.com/-YYH6Yo_baE M/UCO TTCpd N4I/AAAAAAAAhH o/WeRtL7 WA0pQ/s1 600/JeanPiaget.jpg
9 - http://1.bp.blogspot.com/-g7Rp7esSZT4/TsWm Atx_Gp I/AAAAAAAADV8/jUs SlDPko-c/s400/vygotsky.jpg

79
Didática I
Aula 03: Organização do Trabalho Docente

Tópico 01: Interdisciplinaridade e Transposição Didática

Nesta aula, refletiremos sobre a organização do trabalho docente, contemplando os seguintes


aspectos: interdisciplinaridade, transposição didática, inovações pedagógicas e planejamento.

Interdisciplinaridade
A missão da escola é ensinar. Essa tarefa, todavia, não é uma receita que possa ser aplicada
igualmente em quaisquer tempo e espaço. Para que ela alcance o seu intento, é necessário que os
profissionais que nela laboram se indaguem.

VERSÃO TEXTUAL
• O que ensinar?
• Como ensinar?
• Por que ensinar?
• Com que ensinar?

Embora essas perguntas façam parte de uma tarefa epistemológica global, esforço-me para
responder à primeira delas, que contempla o currículo.

Currículo: Entendido como o conjunto de saberes e valores que são


socializados, mediante várias atividades, ao corpo discente.

Descrição:
Currículo: Entendido como o conjunto de
saberes e valores que são socializados, mediante
várias atividades, ao corpo discente.

A crítica dos conteúdos lecionados revela-se cada vez mais premente, haja vista que eles não são
naturais, mas que contemplam uma visão de Homem, de sociedade, de natureza, de cultura,
ensejando (ou não!) o desenvolvimento da individuação dos atores pedagógicos em prejuízo da sua
alienação. É como afirma Costa:

“O currículo escolar é um dos mecanismos que compõem o


caminho que nos torna o que somos”. (COSTA, 1999, p. 38)

80
O surgimento das primeiras instituições de ensino atende a uma necessidade de socializar
uma série de conhecimentos (currículo) que não eram disponíveis na convivência. Esses saberes
eram escolhidos pela autoridade que detinha o poder.

A atual formatação do currículo foi forjada no final do século XVI e início do século XVII, motivo
pelo qual, para entendê-lo, é preciso “resgatar práticas esquecidas, documentos obscuros, discursos
já silenciados”, com o fito de compreender os seus pressupostos ao longo do tempo (VEIGA-NETO,
1999, p. 101).

No Ocidente, durante séculos, a Igreja Católica teve a primazia na divulgação da explicação e


finalidade da vida, influenciando o nosso presente e futuro, livrando uma parcela significativa da
humanidade da angústia da incerteza. Esse poder eclesial foi tremendamente abalado com as
descobertas e explicações de Galileu, as quais possibilitaram uma mudança na concepção de mundo,
transferindo para a Ciência o poder antes usufruído pela Igreja.

Não se pode, todavia, concluir que houve uma libertação do Homem, porquanto o que,
efetivamente, ocorreu foi uma mera mudança de seara (da eclesial para a científica), pois ele
continuou à mercê das verdades divulgadas por outrem.

Para Galileu, o mundo é um livro aberto... escrito em linguagem geométrica, ou seja, somente
aquilo que pode ser reduzido à formula, à expressão aritmética, à quantificação, é conhecimento. O
que não se enquadra nessas determinações não é digno de adentrar o prestigioso império da razão:

O programa de Galileu oferece-nos um mundo morto: extinguem-se a visão, o som, o


sabor, o tato e o olfato, e junto com el es vão-se também as sensibilidades estéti ca e ética, os
valores, a qualidade, a alma, a consciência, o espírito. A experiência como tal é expulsa do
domínio do discurso ci entífico. É improvável que algo tenha mudado mais o mundo nos
últimos quatrocentos anos do que o audacioso program a de Galileu. Tivemos de destrui r
o mundo em teoria antes que pudéssemos destruí-lo na prática. (R. D. LAING apud CAP RA,
2001, p. 34).

A falta dos sentidos na interpretação (e degustação) do mundo pelo Homem explica a falta de
sentido que o atormenta, a despeito dos inúmeros avanços que o cercam, mas que não acalentam as
suas ânsias (talvez, até as tornem mais profundas!).

Ainda sob essa manta galileana, desenvolveu-se a crença de que o conhecimento (produção
e socialização) e o cientista são neutros, pois o que distingue uma pessoa das demais é
exatamente aquilo que é desprezado: os valores, as crenças, os sentimentos e o compromisso
social.

Isso não é tudo! Para conhecer o mundo, Descartes criou o método do pensamento analítico,
que defende a quebra dos fenômenos complexos em pedaços pequenos, de modo que as
propriedades das partes expliquem o comportamento do todo. Para ele, a natureza tinha dois
domínios independentes: a mente, e a matéria.

E mais, o universo material é uma máquina, que para ser compreendida precisa ser analisada em
suas diminutas partes (CAPRA, 2001, p. 34-35).

81
Na década de 1980, ocorreu interessante debate sobre a disciplinaridade do currículo, uma
vez que ela não permitia a compreensão total de um fenômeno, mas apenas de uma parte do todo.
Ora, isso não é um acidente, um desvio, mas o fruto mais legítimo da Ciência Moderna, que fraciona a
realidade, sob a promessa de melhor entendê-la.

(...) as di sci plinas ci entífi cas são constituídas por discursos especi aliz ados e deli mitam
um determinado terri tório diretam ente associ ado aos mecani smos institucionai s da
comunidade ci entífi ca em seu processo de produção do conhecim ento. Nesse senti do,
as di sci plinas têm seu próprio cam po intelectual de textos, práti cas, regras de i ngresso,
exam es, tí tulos para o exercí cio profi ssional, bem como de di stri bui ção de prêmios e
sanções (BE RNS TEI N, 1998). É por interm édio de um m ecani sm o di sci plinar que as
ciências se organiz am coleti vam ente, definem espaços de poder, de alocação de
recursos e de reprodução dos métodos e princípi os de construção do conhecim ento.
(LOPES, 2000, p. 156).

A adoção, por parte da escola, dessa visão mecanicista e mensurada da realidade foi levada às
últimas consequências, com a adoção de currículos que reservavam ao professor a missão de
conduzir o estudante a alcançar a aprendizagem esperada, de acordo com um roteiro (objetivos e
planejamento) elaborado por aquele, privilegiando a linearidade: uma tarefa depois da outra, sem
lacunas e vazios.

No currí cul o di sciplinar tudo pode ser control ado: o que o estudante aprende, com o
aprende, com que velocidade o processo acontece e assi m por di ante. Tudo pode ser
avali ado: o desempenho d o estudante, a ‘produti vidade’ do professor, a efi cácia dos
materi ais di dáti cos etc. Da mesma form a, todo o processo pode ser m etri ficado e o
desem penho do estudante traduzido num a nota, às vezes com requintes de
fragmentação, incorporados no número de casas decimais. (GALLO, 2000, p. 169).

Conhecer, nessa perspectiva, é simplesmente descobrir um mundo preexistente, determinado,


expresso num sistema fechado, mediante o uso da razão, e não criar uma interpretação pessoal, com
os sentimentos e as experiências, de uma realidade em constante mudança, indeterminado,
representado por um sistema aberto (DOLL JR., 1997, p. 48). Essa lógica é maximizada com os
princípios formulados por Tyler:

i) Que propósitos educacionais as escolas devem tentar atingir?;

ii) Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para tornar mais
provável que esses propósitos sejam atingidos?;

iii) Como essas experiências educacionais podem ser efetivamente organizadas?;

82
iv) Como podemos determinar se esses propósitos estão sendo atingidos?
(DOLL JR., 1997, p. 68)

Para atingir os objetivos almejados, as experiências devem ser cuidadosamente


selecionadas e organizadas, assim como a avaliação que verifica se aqueles foram
contemplados. Dessa forma, os objetivos estão presentes em todo o processo e não somente no
início (DOLL JR., 1997, p. 69).

O método analítico, sobre o qual se desenvolve a disciplinaridade, teve os primeiros abalos


quando algumas verdades científicas começaram a ser desmontadas. Na Física, a estabilidade do
universo é substituída por noções como indeterminação, incerteza e relatividade, as quais
caracterizam a vida.

Sobre a disciplinaridade, Crema (1993, p. 132) declara que:

(...) o reducionismo e a insuficiência desse enfoque suscitaram


inteligentes alternativas reparadoras, como as abordagens multi, pluri e
interdisciplinar. Como os termos indicam, entretanto, sempre ainda na órbita
disciplinar: uma produtiva e ampliada dialogicidade entre os muitos
discursos e enfoques domesmo racionalismo científico.

A interdisciplinaridade, do ponto de vista epistemológico, “aponta


para a possibilidade de produção de saberes em grupos formados por
especialistas de diferentes áreas”, enquanto que, na seara pedagógica,
ela “indica um trabalho de equipe, no qual docentes de diferentes áreas
planejam ações conjuntas sobre um determinado assunto”. (GALLO,
2000, p. 173).

No âmbito educacional, essas opções oferecem a esperança de que os atores pedagógicos


(professores e estudantes) consigam, enfim, estabelecer as relações entre as diversas áreas do
conhecimento, dificuldade essa que não é peculiar do corpo discente, uma vez que o próprio corpo
docente padece da mesma incapacidade.

Na opinião de Crema (1993, p. 132), a transdisciplinaridade possibilita que sentem, lado a


lado, na mesa do conhecimento, cientistas e poetas, técnicos e filósofos, racionalistas e místicos,
permitindo o nascimento não somente de uma nova concepção de conhecimento, mas também de
conhecedor.

Penso que, apesar das ótimas intenções, em sua grande maioria, as propostas
inter/multi/transdisciplinar fracassaram. A causa principal é que elas requerem dos profissionais uma
abertura ao desconhecido, num esforço que vai além da questão teórica, mas que contempla os
afetos, bem como a diversidade das linguagens empreendidas. Para tanto, eles precisam de uma
formação radicalmente distinta da que lhes foi oferecida.

Outra causa é que elas não convidaram para essa festa epistemológica a Arte, a Filosofia e a
Religião, mas somente os rebentos da Ciência – Matemática, Física, Química, Biologia e História –
perpetuando, dessa forma, o distanciamento entre razão e emoção, mente e corpo. A disciplinaridade,
portanto, só pode ser superada por uma concepção de conhecimento que congregue todas as
modalidades de saber e promova animada roda e não institui uma fila indiana.

A concepção clássica tom ava a separação radi cal sujei to-obj eto como um a verdad e
inquestionável e não como um a perspecti va parti cul ar, entre m uitas outras possí veis. O
conhecimento humano poderia chegar
83 a abarcar tudo, podiam chegar a ser estabeleci das
teori as com pl etas sobre o mundo. Contudo, hoje nos dam os conta de que ao expul sar o
qualitativo e pri vil egi ar excl usivam ente o quanti fi cável ; ao m ecanizar o cosmo e separar o
corpo e a alm a do hom em ; fi caram de fora do m undo da ciência a em oção e a bel ez a, a
éti ca e a estéti ca, a cor e a dor, o espíri to e a fé, a arte e a fil osofia, o corpo em oci onal e o
mundo subjetivo. O sujeito da objetividade não podia dar conta de si mesmo, porque não se via,
era um homem desencarn ado . E ssa di cotomi a radi cal entre arte e ciência, raz ão e em oção,
corpo e al ma, ati ngi u fortemente o desenvol vim ento das ciências hum anas: como faz er
ciência dos suj ei tos sem consi derar a subjeti vidade? Como descrever o qualitativo a
parti r do quantitati vo? O homem qu e acreditava ter domesticado o un iverso, se h avia
perdido a si mesmo . (NAJMANOVI CH, 2001, p. 83-84).(I táli co no original).

A recuperação da corporalidade do sujeito demanda novas teorias e práticas pedagógicas, as


quais devem valorizar aspectos que foram historicamente desprezados (emoção, intuição,
solidariedade, ...), bem como diminuir a importância de outros que até aqui receberam todas as
honras (razão, competição,
...). Alinho-me a Doll Jr. (1997, p. 22):

“Um currículo criativo e transformativo precisa combinar


ocientífico com o estético.”

Para que um currículo seja transformador, o conhecimento deve ser visto não como um prédio,
uma acumulação, mas feito uma rede, que modifica continuamente as suas estruturas, bem como as
relações entre elas, num processo auto-organizativo (DOLL JR., 1997, p. 83-84). Assim, a linearidade é
substituída pela não linearidade, a qual se revela bem mais próxima da dinâmica da vida do que
aquela.

Segundo Doll Jr. (1997, p. 193-199), um currículo nessa nova perspectiva deve privilegiar:

a riqueza
A riqueza consiste no fato de que cada saber tem seu contexto, conceitos e
vocabulários próprios. A multiplicidade de linguagens desenvolve essa riqueza
ao se dedicar à interpretação de metáforas, mitos e narrativas.

a recursão
A recursão revela que um final não é absoluto, pois pode ser, sempre, um
ponto de partida para descobertas. Cada atividade – trabalho, teste, diário de
campo – não pode ser desvinculada, desligada de um processo maior de
conhecimento.

as relações
As relações devem ser entendidas numa perspectiva pedagógica e cultural,
que são complementares. Na primeira, por instituírem práticas que possibilitam a
troca, a parceira entre os atores envolvidos. Na segunda, por se referirem àquelas
manifestações cosmológicas, não contempladas pelo currículo.

o rigor
O rigor evita que o currículo “caia ou num ‘relativismo extravagante’ ou num
solipsismo sentimental”. Indica a busca intencional de diferentes alternativas,
relações e conexões.

84
Dewey defendia o argumento de que a escola deveria ser uma comunidade crítica e
apoiadora. Para que ela se transforme nesse ideal, é necessário que os objetivos educacionais sejam
desenvolvidos num processo que valorize as experiências, as criações e as inovações e se afaste
da concepção de Tyler, que se baseia na execução de um planejamento construído por uma pessoa
sem levar em conta as peculiaridades dos estudantes e numa avaliação que contempla a
quantificação (DOLL JR., 1997, p. 69).

As teorias críticas do currículo possibilitaram que as experiências, os valores e os


conhecimentos dos atores pedagógicos sejam contemplados, não como verdades que devem se r
veneradas, mas como matéria-prima do trabalho acadêmico a ser desenvolvido no ambiente
escolar.

No Brasil, isso é ainda mais necessário, haja vista a diversidade sociocultural do nosso País,
revelando-se um absurdo todas as propostas de unificação cultural. Como devem ser entendidos os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)? Embora os seus autores declarem que eles não devem
ser lidos como uma prescrição, mas como um guia, que fornece várias informações, transferindo ao
leitor o direito de escolher o que lhe aprouver, Lopes (1999) entende que os PCN revelam o desejo
de homogeneizar a cultura nacional, esconder os seus contrastes, que revelam uma sociedade
profundamente injusta.

Essa diversidade social é contemplada pela emergência dos Estudos Culturais, que ressaltando
as diferenças culturais, de gênero, raça, cor, sexo etc., postulam currículos que as valorizem e não
as ignorem e tentem sufocá-las (BERTICELLI, 1999, p. 173).

Os Estudos Culturais têm muito a contribuir na formulação de um currículo que respeita as


diferenças dos sujeitos, contribuindo para o seu desenvolvimento e não para a sua submissão
(intelectual, social e cultural):

Desde a úl tim a década, com eçamos a desenvolver uma consci ênci a cósmi ca e i nter -
rel acional. O desafi o deste reconhecim ento é dupl o: por um l ado, respei tar o caráter l ocal
das nossas percepções e, por outro, perceber que as nossas perspectiva l ocai s estão
integradas num a m atriz cul tural, ecol ógi ca e cósmi ca m uito m ai s am pla. O nosso
progresso e a nossa existênci a
– como i ndi víduos, com o comunidades, como uma raça, com o um a espéci e, como um a
form a de vida – dependem da nossa capaci dade de cri ar um a harm oni a com pl em entar
entre essas duas perspectivas. (DOLL JR., 1997, p. 199).

OBSERVAÇÃO
Diversos pesquisadores entendem que atrás do currículo anunciado, divulgado, há outro,
implícito, “oculto”. Enquanto o primeiro contempla as disciplinas e os programas explicitados, o
segundo refere- se ao que, embora não propagado, está presente no ambiente escolar – valores,
crenças, espaços, tempos ... – influenciando e participando significativamente do processo de
ensino-aprendizagem.

O desenvolvimento pessoal ocorre em duas dimensões – individual e social – as quais, embora


sejam singulares, devem ser compreendidas na intensa dinâmica que as vincula: por um lado, o
indivíduo precisa percorrer uma singular estrada para desabrochar suas aptidões tipicamente
humanas e, por outro, é somente na convivência com seus semelhantes e com a natureza que aquela
jornada se realiza (VYGOTSKY, 1991).

O meio ambiente, porém, não é somente a base física da existência humana, uma vez que cada
pessoa está constantemente elaborando significados daquele, num intenso processo de organização,
classificação, descrição e disciplinamento, que ocorre dentro e fora dos tempos e espaços
escolares:
85
O controle físico e corporal exercido através do currículo e seus
dispositivos espaço-temporais nos ensinam gestos, movimentos, posições
possíveis, formas de nos dirigirmos e nos relacionarmos aos/com os outros,
lugares de pertencimento, regras de sociabilidade. (ROCHA, 2000, p. 23).

O espaço escolar é um currículo “oculto” que contribui para que os estudantes não sejam vistos
como sujeitos, isolando-os intelectual e afetivamente, mas como objetos de (e para o) consumo,
desprovidos de subjetividade, de paixão, dotados apenas do desejo de ter mercadorias.

Antes de finalizar, expresso a minha convicção de que todas essas ideias só se efetivarão se o
Homem mudar a forma como percebe e se relaciona com o meio ambiente. O método científico
fomentou a ilusão de que a natureza pode ser entendida e controlada pela humanidade, pois ela
seria apenas mais um objeto que se renderia aos poderes do sujeito.

Essa Ecologia antropocêntrica, porém, precisa, urgentemente, ser substituída por uma
ecocêntrica, pois o Homem tem profundo vínculo com o meio ambiente, o qual influencia, de forma
significativa, o seu bem-estar (físico, psíquico, emocional).

Transposição didática
O saber científico/acadêmico para ser ensinado aos estudantes precisa ser transformado num
objeto do saber escolar.

Esta adaptação foi chamada por Chevallard de transposição didática, que contempla três
diferentes tipos de saber:

Sábio
Produzido pelos cientistas e intelectuais.

A ensinar
Conteúdo científico nos livros e materiais didáticos.

Ensinado
Apresentado na sala de aula.

Percebe-se, portanto, que na transposição didática há uma intensa preocupação com a


articulaçãoentre epistemologia e pedagogia.

O professor, inicialmente, seleciona um conteúdo, que contempla vários conceitos, os quais têm
importância variada, merecendo, por isso, graus de atenção diferenciada. O tempo é organizado para
permitir a socialização, com recursos múltiplos, dos temas escolhidos.

Percebe-se, portanto, que a disciplina escolar não é a cópia do conhecimento científico,


tanto em virtude das modificações necessárias para a sua compreensão pelos estudantes, como por
considerar os recursos didáticos utilizados para propiciar a aprendizagem.

A transposição didática será tanto mais eficaz quanto melhor o professor conseguir articular os
saberes que vimos na aula anterior:

86
Conhecimento
(disciplina e currículo)
Domínio do conteúdo, seleção dos seus principais conceitos, relação dele com
outras áreas e a contextualização.

Pedagógico
Escolha de estratégias e recursos didáticos que permitam aos estudantes,
em diversas situações, construírem significado do conteúdo.

Experiência
Reflexão sobre as suas práticas bem como as de seus pares.

Professor, para melhorar a transposição didática, precisa, ao longo da sua prática, melhorar nos
três campos acima descritos, o que demanda uma atitude permanente de humildade e avaliação,
ao admitir asua incompletude, que se expressa, inexoravelmente, na sua práxis.

OLHANDO DE PERTO
Aprendizagem de conteúdos por meio da transposição didática (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.)

Transposição Didática, Interdisciplinaridade e Contextualização (Visite a aula online para


realizar download deste arquivo.)

Um novo tipo de conhecimento - transdisciplinaridade (Visite a aula online para realizar


downloaddeste arquivo.)

Usos e abusos do conceito de transposição didática (Visite a aula online para realizar
downloaddeste arquivo.)

87
Didática I
Aula 03: Organização do Trabalho Docente

Tópico 02: Inovações Pedagógicas

A crise educacional, que foi assunto da aula passada, demanda alternativas para a sua superação.

VERSÃO TEXTUAL
• Qual é a importância das inovações pedagógicas?
• Que critérios o professor deve observar para adotá-las?

Na nossa vida, a rotina/repetição tem um caráter estruturador, pois permite ao Homem viver com
um nível mínimo de incerteza, a qual é fonte de insegurança. Por outro lado, ele também tem a
necessidade de desenvolver sua capacidade criativa, a qual é indispensável para superar limitações
e desafios do cotidiano, ou seja, ser um profissional cidadão, capaz de agir de forma interativa e
responsável na sociedade.

Os processos de ensino e de aprendizagem de um conteúdo, por envolverem pessoas, são


sempre diferentes, peculiares. Desta forma, o professor sempre pode ter algo para melhorar na sua
prática –seja no material escolhido, que está relacionado à metodologia, seja nos objetivos, que se
vinculam aos seus valores e crenças, seja nos procedimentos avaliativos – de modo a incrementar a
aprendizagem dos estudantes.

Conforme o Dicionário Aurélio, Inovar é:


"[Do lat. innovare.] V. t. d.
1. Tornar novo; renovar. 2. Introduzir novidade em.” (FERREIRA, 1993, p.
948).

88
Descrição da imagem
Como relacionar novo, inovar, renovar e novidade com o
conhecimento?

O estudante para aprender precisa compreender a nova informação com sua estrutura cognitiva,
ou seja, dar significado. Cabe ao professor escolher estratégias/recursos que possibilitem ao corpo
discente, caracterizado pela diversidade, estabelecer as conexões necessárias do conteúdo – a novidade
– com as experiências prévias, sob pena dele ser esquecido, por não ter relevância para a sua vida.

A cada aula, o professor tem a oportunidade de verificar em que intensidade as suas escolhas –
metodologia, recursos didáticos, atividades – foram adequadas e, se for o caso, pensar sobre o que
precisa ser incrementado/inovado para torná-las mais eficientes.

Tendo em vista que a definição de inovar remete a renovar, continuemos nossa pesquisa na obra
supra:

PARA FERREIRA (1993, P. 1485), RENOVAR É: [DO LAT. RENOVARE.] V.T.D.


1. Tornar novo; dar aspecto ou feição de novo a; mudar ou modificar para melhor: “ se não
tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires ”
(Machado de Assis, História sem Data, pp. 4-5). 2. Substituir por novo, por coisa nova. 3.
Recomeçar, reinicar, restaurar: Os agressores renovaram a luta. 4. Dizer ou fazer de novo; repetir:
O suplicante renovou os apelos . 5. Consertar, reformar, corrigir, melhorar em todos os aspectos ou
praticamente em todos: Os sábios renascentistas renovaram a ciência medieval . 6. Fazer
novamente; refazer: renovar um contrato; uma promissória. 7. Excitar de novo; tornar a excitar. 8.
Consertar, reparar; reformar: Mandou renovar o motor do carro. 9. Pôr novamente em vigor;
restaurar, restabelecer: renovar um regulamento esquecido. 10. Dar novo brilho a. 11. Dar novas
forças a: O sol renova a vegetação. 12. Trazer de novo a lembrança; relembrar: Renovava com
saudade os seus tempos de criança. T. d. e. i.
13. Fazer de novo; repetir; reiterar: Renovarei o pedido às autoridades . Int. 14. Deitar novos
rebentos ou renovos; brotar: As plantas renovam na primavera . 15. Surgir de novo; vir novamente;
reaparecer, restabelecer-se, renovar-se: Com a falta de providências sanitárias, a epidemia renovou.
16. Sobrevir; suceder-se; renovar-se: Os ataques inimigos renovam a cada dia . P. 17. Rejuvenescer,
juvenescer, revigorar-se: Renovou-se com a medicação geriátrica. 18. Aparecer de novo; repetir-se:
Observações astronômicas prevêem que a aparição do cometa renovar-se-á em 80 anos .”
(FERREIRA, 1993, p. 1485).

Do extrato acima, renova-se algo quando este é transformado, modificado, restaurado, repetido, ... O
professor, para propor e implementar inovações pedagógicas, precisa:

• refletir sobre os processos de ensino e de aprendizagem;

• experimentar/experienciar/prop or práticas múltiplas;

• avaliar a sua práxis, contemplando o seu planejamento, a sua implementação


e os resultados.

89
REFLEXÃO
Mais importante do que inovar é o professor saber o que quer atingir com tal mudança, ou
seja, osobjetivos, a intenção.

• Baseado em que informações o professor implementa uma novidade no seu trabalho?

• Posteriormente, como saber se a inovação foi positiva?

O trabalho docente, portanto, possibilita e requer do professor uma constante reflexão sobre a sua
práxis, que contempla o planejamento, a implementação e a avaliação.

Isto será analisado mais detalhadamente na próxima seção, bem como na próxima aula.

PARADA OBRIGATÓRIA
Basta implementar inovações nos sistemas educativos? (Visite a aula online para realizar
downloaddeste arquivo.)

90
Didática I
Aula 03: Organização do Trabalho Docente

Tópico 03: Planejamento Educacional

Descrição da imagem
Por que um profissional precisa planejar a sua
prática? Qual é a importância do planejamento para
atividade docente?

Planejamento, conforme o Dicionário Aurélio, é: “S. m. 1. Ato ou efeito de


planejar. 2. Trabalho de preparação para qualquer empreendimento, segundo
roteiro e métodos determinados; planificação: o planejamento de um livro, de uma
comemoração. 3. Bras. Elaboração, por etapas, com bases técnicas
(especialmente no campo sócio-econômico), de planos e programas com
objetivos definidos; planificação. (FERREIRA, 1993, p. 1342).

Planejar, conforme o Dicionário Aurélio, é: “V. t. d. 1. Fazer o plano ou planta


de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o edifício. 2. Fazer o
planejamento de; elaborar um plano ou roteiro de; programar, planificar: planejar
um roubo. 3. Fazer tenção ou resolução de; tencionar, projetar: ‘Mesmo antes
do dia nascer, levantara- se, planejando uma vistoria aos serviços’ (Nélson de
Faria, Cabeça-Torta, p.135).” (FERREIRA, 1993, p. 1342).

Clique sobre a imagem para ampliar.

91
Fonte [1]

Descrição da imagem
Tirinha explicando como as ideias chegam de forma diferente
na mente de cada pessoa.

O PLANEJAMENTO – SEGUNDO PASSOS


O planejamento, na maioria das vezes, é visto como mais uma exigência burocrática, um
documento a ser arquivado, que só é elaborado para se desobrigar dessa cobrança, e não
porque se perceba necessidade ou algum sentido em realizar. As reflexões a seguir buscam
superar essa compreensão de planejamento, percebê-lo como uma atividade inerente à
ação docente e ir além de uma perspectiva meramente formal e burocrática que o limita ao
preenchimento de formulários e ao atendimento de exigências administrativas.

O planejamento é a previsão, a projeção de uma prática. Contribui para guiar,


orientar uma ação em busca de resultados. No caso do ensino, planejar envolve decidir sobre
o quê e o como ensinar, com base nas concepções do por quê e do para quê ensinar. Não
são, portanto, decisões meramente técnicas, uma vez que envolvem escolhas, interesses e
fundamentam-se em valores.

92
Para além do desobrigar-se de uma exigência burocrática, planejar é refletir sobre a
prática pedagógica, para adequá-la a seu contexto, solucionar problemas que se apresentam,
superar dificuldades, enfim para aperfeiçoar a ação docente. Ao planejar o professor torna-
se protagonista de sua ação, negando-se a ser simples executor de esquemas elaborados
por outrem. Mesmo partindo de propostas pensadas longe do espaço de sua sala de aula,
o professor pode tomá-las como objeto de reflexão, avaliando-as, ressignificando-as,
redirecionando-as, apropriando-se crítica e criativamente delas, imprimindo-lhes o
significado desejado.

Planejar é dar sentido à ação, é questionar sobre a importância das práticas


pedagógicas, do conteúdo ensinado, das exigências feitas ao aluno, do tipo de avaliação
empregado, das atividades propostas. É perguntar-se: qual o significado de cada um desses
elementos na formação do meu aluno? Somente a partir dessa concepção de
planejamento é possível evitar uma ação docente fundada na reprodução de rotinas
descontextualizadas e desmotivantes. A reflexão, a problematização e o questionamento
do significado da ação desenvolvida permitem sua dinamização e renovação de acordo com
a realidade para qual se destina.

É através do planejamento que é possível encontrar caminhos para a efetivação dos


princípios pedagógicos assumidos. O planejamento é a mediação entre aquilo que pensamos
teoricamente ser a educação e o ensino, e a realidade concreta, como nos lembra Luckesi
(1992,
p. 168): “Para planejar torna-se necessário ter presentes todos os princípios pedagógicos a
serem operacionalizados, de tal forma que sejam dimensionados para que se efetivem na
realidade educativa”.

O planejamento deve ser flexível, contínuo e participativo. A flexibilidade deve ser uma
característica inerente ao planejamento do ensino, pois trata-se de prática social, interativa,
imprevisível. Traçar princípios norteadores para a ação não significa que seja possível
prevê-la em todos os seus detalhes. Não se trata, portanto, de uma camisa de força, um
esquema rígido de ação, mas um roteiro flexível de orientação para a ação. É como um mapa
que orienta aviagem, mas não representa a totalidade da viagem.

Como prática social, o ensino apresenta sempre situações que não se repetem, portanto
previsões rígidas não se encaixam nessa realidade. Estamos sempre lidando com a
contingência, com o inesperado. Isso exige uma constante revisão, adaptação,
contextualização do foi previsto inicialmente. Planejar é, pois, uma atividade contínua que
percorre todo o processo, e não apenas realizada no início para não ser mais retomada.

Dar ao planejamento uma perspectiva participativa garante que a ação a ser vivenciada,
não seja esteja centrada na concepção de uma única pessoa ou de um grupo específico,
valorizando apenas sua percepção da realidade, discriminando e excluindo outras leituras
possíveis. Os alunos dão constantes evidências de sua percepção sobre o desenvolvimento
do ensino aprendizagem, assim como outros sujeitos como: pais, outros professores,
comunidade, demais profissionais da escola, pedagogos podem oferecer importantes
elementos a serem considerados durante o planejamento.

Do exposto, concluímos que, o planejamento numa perspectiva crítica, mais do que uma
previsão técnica de objetivos, conteúdo, metodologia e avaliação, implica numa tomada de
posição sobre a educação e o ensino, para, a partir de então, organizar a ação no sentido
pretendido. Planejar é refletir sobre a ação docente, compreendê-la em seus determinantes,
limites e possibilidades, e propor, com base nessa compreensão as possibilidades de
construçãode uma prática em constante superação.

Extraído de Passos (2006).

93
O planejamento educacional, portanto, pressupõe que o docente
tenha uma disposição permanente para refletir sobre a prática, no
sentido de avaliar em que medida os elementos constantes do plano
foram satisfatórios e o que precisa ser modificado/melhorado. Convém,
portanto, que ele seja um professor reflexivo, conforme defendem
inúmeros estudiosos (Schön, Nóvoa, dentre outros).

No próximo tópico, estudaremos sobre os diferentes tipos de plano de ensino, bem como os
seuselementos constituintes.

DICA
Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.)

Celso dos Santos Vasconcellos fala sobre planejamento escolar

[2] O Planejamento deve ser flexível [3]

Vamos estudar juntos? [4]

PARADA OBRIGATÓRIA
Planejamento de ensino: peculiaridades significativas (Visite a aula online para realizar
downloaddeste arquivo.)

OLHANDO DE PERTO
O professor pesquisador e reflexivo (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)

94
Didática I
Aula 03: Organização do Trabalho Docente

Tópico 04: Elementos de um Plano de Ensino

Conforme vimos no tópico anterior, o planejamento é uma atividade indispensável para o trabalho
docente, o qual visa à aprendizagem do estudante. A avaliação da aprendizagem do estudante revela,
portanto, não somente o que este aprendeu, mas permite saber em que medida as metas
estabelecidas(no plano) pelo professor foram alcançadas.

Planejar-implementar-avaliar: este é o cotidiano do professor


comprometido com a qualidade do seu trabalho, que acredita que a
Educação pode, de alguma forma, como preconizava Paulo Freire, em
citação apresentada no tópico 2, da Aula 1, contribuir para a transformação
da realidade.

Qual a diferença entre planejamento, plano de ensino e plano de aula?

As expressões planejamento, plano de ensino e plano de aula, apesar de estarem, em educação,


diretamente articuladas umas às outras, necessariamente, não têm o mesmo significado. Veja abaixo:

Planejamento
Como já definimos no tópico anterior, o planejamento consiste no processo
de organização de determinada ação; é a previsão, a projeção de uma prática.
Contribui para guiar, orientar uma ação em busca de resultados. No caso do
ensino, planejar envolve decidir sobre o quê e o como ensinar, com base nas
concepções do por quê e do para quê ensinar. Não são, portanto, decisões
meramente técnicas, uma vez que envolvem escolhas, interesses e
fundamentam-se em valores.

Plano de ensino
Consiste na sistematização do processo de organização da ação. Devem
estar sistematizadas as ações que se pretende desenvolver, informações e
princípios que balizam e sustentam essas ações. O plano de ensino se configura,
portanto, num registro escrito, apresentado sob a forma de um documento.

Plano de aula
Documento necessário no cotidiano docente, pois registra vários
componentes sobre o ensinar – o que (conteúdo), por que (justificativa), para
que (objetivos – geral e específicos), como (metodologia), com que (recursos) e
quando (as atividades e o tempo) – além das estratégias de análise da
aprendizagem (avaliação) e das fontes utilizadas (bibliografia).

Na Educação, temos vários tipos de planejamento, de acordo com o tempo contemplado:

• disciplina (semestre e/ou ano)

95
• unidade

• aula

O docente, no planejamento educacional, deve considerar os meios (recursos) e os fins


(objetivos), os quais estão intimamente vinculados, bem como as etapas e os caminhos, que
precisam considerar o tempo disponível.

Embora seja impossível a qualquer pessoa prever todas as possibilidades de uma situação, a
improvisação na ação docente deve ser evitada a priori, ou seja, o professor precisa estar ciente de
que o seu plano é uma orientação, um guia, mas que nem tudo sairá como planejado, sendo
necessário, porvezes, criar uma alternativa para contornar uma situação inusitada.

Nesta disciplina, nos deteremos mais no plano de aula.

Existem vários modelos de plano, cujas principais diferenças residem na nomenclatura dos
elementos e na disposição dos mesmos.

Nesta disciplina, adotamos um modelo que contém os seguintes


elementos: conteúdo, justificativa, objetivos, metodologia, recursos
didáticos, atividades-tempo, avaliação e bibliografia. Eles serão
explicados, a seguir, um por um.

Alerto, todavia, que esta opção didática não nos permite concluir que os elementos podem ser
entendidos separadamente, uma vez que é exatamente o contrário:

VERSÃO TEXTUAL
O entendimento deles só emerge quando interligados, posto que eles compõem um todo.

Neste sentido, é a reflexão de Barguil (2006, p. 77):

A compreensão da realidade não é alcançada com o seu fracionamento


em partes menores (para facilitar o entendimento) e com o seu isolamento
(para garantir que variáveis externas não influenciarão o estudo), como
defendia Descartes, mas com a consideração dos vínculos, das relações que
as partes estabelecem entre si e entre o todo. Tal ênfase inaugura uma
perspectiva holística, global, e se expressa num pensamento orgânico,
sistêmico.

Conteúdo (Ementa)
Apresenta o conteúdo, em formas de tópicos e em frases nominais (sem verbos), que será
trabalhado no período indicado no plano, que, conforme vimos, pode ser de disciplina, de unidade e
de aula.

96
Tradicionalmente, os conteúdos se restringiam à capacidade cognitiva. Zabala (1998, p. 30)
defende a ideia de que eles devem contemplar, também, as dimensões motora, afetiva, de relação
interpessoal e inserção social. Col (1986 apud ZABALA, 1998, p. 31) divide os conteúdos em três
categorias: conceituais (saber ), procedimentais (saber fazer ) e atitudinais (saber viver ). Penso que o ser
pode ser substituído por saber viver.

Os componentes de cada conteúdo, conforme Zabala (1998, p. 32), são:

Conceituais
Fatos, conceitos e princípios

Procedimentais
Procedimentos, técnicas e métodos

Atitudinais
Valores, atitudes e normas

COMO ESCOLHER CONTEÚDO – SEGUNDO PASSOS


É com base nos conteúdos (conhecimentos, saberes) que se procura alcançar os
objetivos. A escolha dos conteúdos que devem compor o plano, não é uma questão
meramente técnica, já que no processo de seleção alguns conhecimentos são incluídos e
outros são excluídos. Essa decisão se dá, com base em certas compreensões que se te m
desses saberes e do seu papel na formação dos alunos. Não se pode, nesse sentido,
esquecer o caráter de construção social próprio da seleção dos conteúdos
programáticos de um plano de ensino.

É necessária uma constante reflexão sobre os conteúdos a serem trabalhados, se


quisermos realmente superar uma concepção de ensino baseada apenas na
transmissão/reprodução de conhecimentos. Para isso torna-se imprescindível criar e
ocupar espaços para que os conteúdos:

◦ sejam instrumentos de compreensão e intervenção crítica na realidade, para isso precisam estar articulados com
essa realidade;
◦ superem a fragmentação e permitam uma visão de totalidade, através de uma perspectiva interdisciplinar;
◦ sejam dinâmicos, atualizados e oportunizem o desenvolvimento o desenvolvimento das capacidades cognitivas,
éticas, afetivas, atitudinais e psicomotoras do educando;
◦ oportunizem a manifestação e o respeito à diversidade.
Extraído de Passos (2006).

Conclui-se, portanto, que a seleção dos conteúdos, por estar fortemente vinculada aos objetivos,
expressa uma concepção política, a partir do momento que pode (ou não) contribuir para a formação
profissional de indivíduos, entendendo-os como sujeitos sociais. O próximo elemento – Justificativa –
contempla este aspecto.

Justificativa (Introdução/Apresentação)

97
Exposição sobre o conteúdo da disciplina e a sua importância, no contexto educacional do
estudante. Deve responder aquela famosa pergunta dos estudantes: “Para que eu estou
estudando isso, professor(a)”?.

Objetivos – Geral e Específicos


Os objetivos devem expressar as capacidades/habilidades (cognitiva, motora, afetiva, de relação
interpessoal e inserção social) que devem ser desenvolvidas pelos estudantes durante o processo
de ensino. Há somente um objetivo geral, que se desmembra em vários objetivos específicos. Eles
são escritos com o verbo no infinitivo para indicar a competência a ser alcançada (por exemplo:
refletir, analisar, aprofundar, compreender, diagnosticar, identificar, elaborar, redigir, desenvolver,
construir, valorizar, diferenciar, conhecer, estabelecer ...), podendo serem complementados com outro
verbo no gerúndio. Os objetivos, conforme dissemos, estão relacionados aos conteúdos.

Segundo Passos:

Os objetivos indicam as aprendizagens que se pretende desenvolver como consequência do


processo de ensino. Constituem-se numa direção norteadora para a ação (não devem ser entendidos
como previsão de um produto acabado). São os resultados buscados pela ação educativa. É a partir
da definição dos objetivos que se pode acionar os meios adequados para atingi-los. Na definição dos
objetivos devem ser considerados: as características dos alunos para os quais se dirige o ensino
(nível de desenvolvimento, necessidades, interesses), a realidade social e institucional e as
características da disciplina.

Numa perspectiva crítica os objetivos devem propiciar o desenvolvimento: das capacidades


mentais, do espírito crítico e da criatividade, de processos participativos, da relação teoria-prática, da
solidariedade, do conhecimento cultural e científico. Neste enfoque a meta é superar níveis de
aprendizagem que se limitem à reprodução de conhecimentos, à memorização de informações.

É preciso ter consciência que as aprendizagens não se esgotam na dimensão cognitiva. O


desenvolvimento do cidadão e do profissional (de qualquer área) envolve também as dimensões
afetiva, ética, atitudinal, e em muitos casos envolve também aprendizagens motoras. A formação de
um cidadão e de um profissional não se limita aos conhecimentos técnicos e científicos é, portanto,
fundamental que os objetivos expressem isso.

Cabe ainda esclarecer que, quanto à abrangência, os objetivos podem ser:

Objetivo Geral
Geral: que se constitui em diretrizes gerais para o trabalho pedagógico; expressa um
posicionamento político sobre a relação da instituição formadora com a sociedade. Alguns
autores denominam de finalidades. É definido pelo sistema escolar (sistema federal de ensino -
LDB, diretrizes curriculares - estadual ou municipal); pela instituição que define princípios e
diretrizes através de uma proposta pedagógica; e pelos professores da disciplina. Nesse nível de
abrangência são definidos: o papel da educação, do ensino ou da disciplina na formação dos
sujeitos.

Objetivo Específico
Específicos: são os pequenos passos em direção ao alcance das finalidades. Referem-se a
resultados de aprendizagens alcançáveis num espaço de tempo menor. Os objetivos mais amplos
(formação de consciência crítica, desenvolvimento da criatividade, da capacidade de expressão,
de atitudes de preservação e respeito ao ambiente; compreensão da organização do espaço;
desenvolvimento do raciocínio lógico, dentre outros) são construídos a partir da combinação de
aprendizagens alcançáveis num tempo menor, mas que são fundamentais para que se atinjam as
grandes metas.

98
Extraído de Passos (2006).

Metodologia
Definidos os conteúdos e os objetivos, o professor precisa escolher as estratégias/ações de
ensino, ou seja, o “como” fazer. São várias as metodologias: aulas expositivas(-dialogadas),
dinâmicas, debates, seminários, exercícios, análises, situações-problemas, ... O professor precisa
conhecê-las e utilizá-las de acordo com a idade dos seus estudantes, o conteúdo a ser
apresentado, o grau de conhecimento dos estudos sobre o mesmo, os recursos disponíveis, dentre
outros.

A seguir, duas reflexões de pesquisadoras cearenses sobre a metodologia.

EXTRAÍDO DE PASSOS (2006)


A metodologia refere-se ao como desenvolver a ação pedagógica e só pode ser
entendida articuladamente ao por quê e ao para quê dessa ação.

Há uma grande expectativa de que a partir de mudanças na metodologia se possa


conseguir resultados positivos na aprendizagem. Entretanto, uma mudança significativa
demanda uma reflexão da prática pedagógica em sua totalidade, seus princípios e
fundamentos. Uma mudança significativa não resultará de um acréscimo superficial e
fragmentado de novas tecnologias e procedimentos de ensino. A metodologia é um recurso
encaminhador de uma proposta pedagógica, neste sentido deve ser considerada em sua
relação com os demais elementos que compõem a ação pedagógica, e não de forma auto-
suficiente. É nesse contexto que se inserem novas metodologias, procedimentos e
tecnologias.

A escolha dos encaminhamentos metodológicos não deve ser aleatória,


desvinculada dos objetivos e dos conhecimentos que se pretenda trabalhar. Também
não é uma escolha neutra, pois o modo como se conduz a ação pedagógica
compromete-se com uma concepção de realidade e de educação; contribui com a
formação de um determinado tipo de cidadão.

Se a intenção do plano é superar uma concepção reprodutora/conservadora de


ensino a metodologia deve respeitar os seguintes princípios:

• compreensão da metodologia como parte de uma proposta pedagógica mais abrangente


• relação professor-aluno dialógica
• criação de espaço para a pergunta, a dúvida e a problematização
• o aluno percebido como sujeito ativo de sua aprendizagem, alguém que constrói
conhecimento (observa, relata, lê, resolve problemas, investiga, produz, cria, analisa,
interpreta, tira conclusões, posiciona-se, experimenta, questiona, busca informações – ou
seja, sai da posição de mero ouvinte)
• relação teoria-prática
• contextualização do objeto ou assunto em estudo
• visão de totalidade
• variação das situações de aprendizagem

EXTRAÍDO DE SILVEIRA (2005)


99
Metodologia é o estudo dos métodos. Metodologia de ensino significa o
conjunto de métodos aplicados à situação didáticopedagógica.

Método de ensino é o caminho escolhido pelo professor para organizar as situações


ensinoaprendizagem. A técnica é a operacionalização do método. No planejamento, ao
elaborar o projeto de ensino, o professor antevê quais os métodos e as técnicas que
poderá desenvolver com seu aluno em sala de aula na perspectiva de promover a
aprendizagem. E, juntamente com os alunos, irão avaliando quais são os mais adequados
aos diferentes saberes, ao perfil do grupo, aos objetivos e aos alunos como sujeitos
individuais. Nesse processo participativo o professor deixa claro suas possibilidades
didáticas e o que ele pensa e o que espera do aluno como sujeito aprendente, suas
possibilidades, sua capacidade para aprender, sua individualidade.

Quando o professor exacerba um método ou uma técnica, poderá estar privilegiando


alguns alunos e excluindo outros, e, mais ainda, deixando de realizar singulares
experiências didáticas que o ajudariam aperfeiçoar sua prática docente e possibilitar ao aluno
variadas formas de aprender. Ainda arriscar a trabalhar o saber de diferentes formas,
percorrendo criativos trajetos em sala de aula.

O medo de mudar, às vezes, impede o professor de arriscar novos caminhos


pedagógicos. Daí o significado didático-pedagógico na formação do professor. Os
paradigmas das experiências anteriores podem ser as referências de muitos professores.
Assim posto, é válido para o docente buscar novas técnicas, desbravar novos caminhos,
numa investida esperançosa de quem deseja fazer o melhor, do ponto de vista metodológico
e didático. Tal atitude implica em estudar sobre a natureza didática de sua prática educativa.

Donal d Schon tem sido uma referência teórico-metodol ógica dos profissionais que atuam na área de
formação de pr ofessores por afir mar que os bons profissionais utiliza m um conj unto de processos que
não de pendem da l ógica, da racionalidade técnica, mas sim, são ma nifestações de sagacidade, i ntuição e
sensibilidade artística. Schon orienta para que se observe estes professores para averiguar mos com o
desenvolvem suas prá ticas, como fazem e o que fazem, para c olherm os lições para nossos pr ogra mas de
formação.

O professor deve refletir didaticamente sobre sua prática, pensar no cotidiano sobre o
saberfazer em sala de aula, para não escorregar na mesmice metodológica de utilização dos
mesmos recursos e das invariáveis técnicas de ensino. É importante que o professor
estude sobre essa temática, uma vez que há uma diversidade metodológica que pode ser
trabalhada em sem sala de aula e/ou numa situação didático-pedagógica. Exemplo: exposição
com ilustração, trabalhos em grupos, estudos dirigidos, tarefas individuais, pesquisas,
experiências de campo, sociodramas, painéis de discussão, debates, tribuna livre, exposição
com demonstração, júri simulado, aulas expositivas, seminários, ensino individualizado.

Recursos Didáticos
Os recursos didáticos devem ser escolhidos a partir de um referencial psicopedagógico que
possibilite aos estudantes compreenderem o conteúdo estudado, ampliando a explicação do
professor. Eles precisam ter: orientações pedagógicas, aspectos motivacionais,
indagações/exercícios que permitam o aprofundamento/a síntese do assunto.

Na escolha do recurso didático, o professor precisa considerar os seguintes aspectos:

Primeiro Aspecto

100
1. Características do público a quem se destina.

Segundo Aspecto
2. Características do recurso que será utilizado, considerar principalmente,
a adequação, a pertinência e a linguagem.

Terceiro Aspecto
3. Características da situação em que o recurso será utilizado.

Os recursos didáticos podem ser obtidos, basicamente, através de três formas: seleção,
adaptação e confecção.

Quanto ao uso, eles podem ser:


• fartos (atendem vários estudantes),
• variados (estimulam diferentes áreas do cérebro e ampliam as
experiências)
• significativos (contemplam aspectos do conteúdo)

Toda sala de aula deve dispor de material básico (cartolina, revista, caneta hidrocor, cola, tesoura,
fita gomada ...) para permitir a realização de atividades rápidas.

O professor, para escolher o recurso didático, deve observar os seguintes critérios:

os materiais devem ser confeccionados ou selecionad os


em tamanh o ade quad o à faixa etária dos alunos.
Materiais excessivamente pequenos nã o ressaltam
* Tamanho:
detalhes de suas partes comp onentes ou pe rdem -se com
facilidade. O exagero no tamanho pode prejudicar a
apreensão da totalidade (visão global).

o material p recisa p ossuir u m relevo pe rceptível e, tanto


quant o p ossível, constituir-se de diferentes textu ras pa ra
* Significado Tátil: melhor destacar as pa rtes componentes. Cont rastes do
tipo: liso/áspero, fino/espesso, permitem distinções
adequadas.

o material não deve provocar reações alérgicas ou


* Segurança: irritação da pele e não devem oferecer perigo para os
alunos.

* Estimulação
o material deve ter cores fortes e contrastantes.
Visual:

* Facilidade de os materiais devem ser simples e de manuseio fácil,


Manuseio: proporcionando ao aluno uma prática utilização.

101
* Durabilidade: os recursos didáticos devem ser confeccionados com
materiais que não se estraguem com facilidade,
considerando o frequente manuseio pelos alunos.

Descrição da Tabela:
* Tamanho: os materiais devem ser confeccionados ou
selecionados em tamanho adequado à faixa etária dos alunos.
Materiais excessivamente pequenos não ressaltam detalhes de
suas partes componentes ou perdem-se com facilidade. O exagero
no tamanho pode prejudicar a apreensão da totalidade (visão
global).

* Significado Tátil: o material precisa possuir um relevo perceptível


e, tanto quanto possível, constituir-se de diferentes texturas para
melhor destacar as partes componentes. Contrastes do tipo:
liso/áspero, fino/espesso, permitem distinções adequadas.

* Segurança: o material não deve provocar reações alérgicas


ou irritação da pele e não devem oferecer perigo para os alunos.

* Estimulação Visual: o material deve ter cores fortes e


contrastantes.

* Facilidade de Manuseio: os materiais devem ser simples e de


manuseio fácil, proporcionando ao aluno uma prática utilização.

* Durabilidade: os recursos didáticos devem ser confeccionados


com materiais que não se estraguem com facilidade, considerando o
frequente manuseio pelos alunos.

Desde o final do século passado, as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm
sido, cada vez mais, utilizadas para facilitar os processos de ensino e de aprendizagem. Com a internet,
as possibilidades se multiplicaram, com a criação dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA),
como é ocaso do SOLAR, desenvolvido pela UFC Virtual.

O desafio atual é identificar em que aspectos os recursos tecnológicos contribuem e, eventualmente,


atrapalham a Educação. A tecnologia redimensiona os papéis de docente e de estudantes, os quais, em
sua grande maioria, precisam de algum tempo para compreender que a dinâmica muda.

Fonte [5]

102
Não é, porém, somente o aparato tecnológico que redesenha as relações em sala de aula. Outros
recursos didáticos, a depender dos objetivos pretendidos pelo docente, têm a capacidade de permitir que
os estudantes superem a passividade típica do ensino tradicional, que se caracteriza, principalmente,
pela passividade do corpo discente.

Em relação a isso, convém conhecer o cone da aprendizagem, proposto pelo psicólogo Edgar
Dale, nos idos de 1960. Não devemos nos prender aos percentuais, mas perceber a importância da
atividade para a aprendizagem.

Descrição da imagem
Imagem de uma tabela trazendo o cone de aprendizagem,
mostrando que o professor não deve se prender aos
percentuais, mas perceber a importância da atividade para a
aprendizagem do aluno.

Desta forma, os recursos didáticos – quadro, cartaz, painel, retroprojetor, tv, dvd, computador,
datashow, internet e suas possibilidades (sites, e-mail, hipertextos, webconferências... ) – devem estar a
serviço daproposta pedagógica do professor, que se expressa em vários elementos do plano de ensino.

Atividades e Tempo
O próximo passo é descrever as atividades e alocar o tempo disponível para elas.

Esta etapa é indispensável para evitar que, no caso de:


I) uma aula, o professor ultrapasse o tempo previsto, bem como
fiquesem saber o que propor aos estudantes;
II) uma disciplina, o docente ensine alguns conteúdos com mais
profundidade e outros, igualmente importantes na sua compreensão,
de forma superficial.

103
Com o passar dos anos, o professor vai adquirindo experiência e aperfeiçoando a distribuição
do tempo para as atividades, recorrendo aos seus planos anteriores e às respectivas avaliações
quanto à eficácia dos mesmos. Muito importante, também, é a troca de ideias com os colegas, que
possibilitam uma reflexão do que se faz, bem como o conhecimento de outras estratégias.

Para estimar o tempo de cada atividade, o professor deve considerar que os estudantes precisam
de tempo para entender a atividade, organizarem-se e realizarem-na de acordo com as orientações. É
recomendável não planejar muitas atividades para pouco tempo, uma vez que é interessante que os
estudantes possam trocar ideias com os colegas e apresentarem, de alguma forma, os resultados, os
quais devem ser fontes de avaliação docente, tema a ser discutido a seguir.

Avaliação
Embora venha formalmente no final do plano, a avaliação está presente em toda a sua elaboração.
Neste momento, o docente deve indicar quais serão as opções adotadas (por exemplo: participação,
análise de caso, atividades práticas, situações-problemas, provas, experimentos) para acompanhar o
processo/grau/nível de aprendizagem dos estudantes.

Ressalte-se que a aprendizagem não pode ser medida e que um


instrumento pode ser adequado a alguns indivíduos e revelar-se
inconveniente para outros. Desta forma, é importante que, sempre que
possível e a depender de diversas variáveis (idade dos estudantes,
conteúdo,
....), o professor realize mais de uma verificação de aprendizagem, a qual
permitirá que ele (re)planeje sua atuação.

A avaliação pode ter três funções:

Pedagógico-didática
Cumprimento dos objetivos geral e específicos da disciplina.

Diagnóstica
Identificam-se os progressos e as dificuldades dos estudantes, provocando
mudanças na atuação do/a professor/a.

Formativa
Mediante sucessivas avaliações, para assegurar a ampliação de conhecimentos
porparte dos estudantes, qualificando os resultados escolares.

Abaixo, as pesquisadoras cearenses apresentam suas considerações sobre a avaliação.

AVALIAÇÃO – SEGUNDO PASSOS (2006)


A avaliação tem sido usada como instrumento de poder, mecanismo ameaçador,
disciplinador, punidor, gerando medo, tensão e inibição. Apesar do título avaliação, o
processo esgota-se no ritual de aplicação, correção, entrega de testes e provas; reduz-se a
função de atribuir notas tornando-se fator de seleção e exclusão; limita-se a ser
classificatória e burocrática; rotula os alunos (os que sabem e os que não sabem, os que
acertam e os que erram).

104
A avaliação tem polarizado o processo de escolarização tornando-se um fim em si
mesma, ou seja, tudo na instituição de ensino acaba girando em torno da avaliação, da nota
e da preparação para processos seletivos: o que é importante, é importante porque cai na
prova ou no vestibular; o que mais interessa ao aluno é saber como o professor vai avaliar,
como será a prova; o importa é passar. A aprendizagem, o desenvolvimento do aluno, seu
progresso em relação a níveis mais complexos de compreensão da realidade ficam em segundo
plano.

Com essas características a avaliação reduz-se a procedimentos que constatam problemas


de aprendizagem, mas pouco ou nada fazem para solucionar tais problemas. Depois de realizada
s as provas e entregues as notas, passa-se ao conteúdo seguinte sem que nenhuma providência
seja tomada em relação às dificuldades que foram evidenciadas no instrumento de avaliação
aplicado.

Para que a avaliação deixe de ser um mecanismo de exclusão e de produção do fracasso


escolar e possa contribuir para a inclusão, e a superação das dificuldades de aprendizagem
diagnosticadas, é preciso ressignificá-la como parte de uma prática pedagógica. Mudanças
significativas só ocorrem quando se repensa a postura pedagógica como um todo, mudar a
avaliação isoladamente não leva a uma mudança consistente. Por exemplo: incluir outros
instrumentos de avaliação como seminários, relatório sem repensar o seu papel dentro do
processo de ensino aprendizagem tende a ser uma mudança superficial.

É fundamental resgatar a essência da avaliação, isso significa torná-la um meio para o


crescimento do aluno, identificando suas dificuldades, como primeiro passo para sua superação;
torná-la contínua e diagnóstica, o que leva a uma tomada de decisões, ao redirecionamento da
prática, à reflexão do fazer pedagógico, para a busca de resultados satisfatórios. Nesta
perspectiva, o erro que o aluno comete deve servir para construir a superação e não para
desqualificá-lo ou ridicularizá-lo.

Os resultados da avaliação oferecem evidências sobre o encaminhamento do processo


de ensino aprendizagem, são subsídios que devem implicar num redirecionamento da ação,
num replanejamento da ação pedagógica. O que revelam esses resultados? Houve
aprendizagens? Quais os erros mais incidentes? O que significam esses erros? Que decisão
se deve tomar? Retomar os conhecimentos que não repercutiram em aprendizagens?
Prosseguir independente do que informam os resultados da avaliação? São decisões que
implicam em reflexão sobre a ação pedagógica, que envolvem planejamento.

Resgatar o papel da avaliação como subsídio para a superação das dificuldades de


aprendizagem implica ir além do papel que tem cumprido de limitar-se a uma função de
classificaçãoe seleção. Para tanto há que se considerar alguns aspectos como:

• Estabelecimento de critérios para a avaliação e correção dos instrumentos de avaliação,


evitando decisões arbitrárias, ou avaliação de aspectos irrelevantes. Neste sentido os objetivos
são elementos norteadores (se quero desenvolver o raciocínio a capacidade de análise crítica,
qual o sentido de perguntar aspectos irrelevantes só para “pegar” o aluno?);
• Utilização de vários instrumentos e vários momentos de avaliação, coletando evidências da
aprendizagem (ou das dificuldades de aprendizagem) em várias situações;
• Oportunizar situações variadas para a recuperação da aprendizagem e superação das
dificuldades identificadas;
• Evitar utilizar a prova como recurso de punição e coerção do aluno.

A avaliação, considerando os aspectos levantados, pode contribuir para o crescimento do


aluno, deixando de se constituir num ato definitivo, estático e seletivo para se converter num
processo de investigação para a construção de resultados positivos de aprendizagem. (Luckesi,
1995; Esteban, 1999).

105
As reflexões acima pretenderam oferecer elementos para o professor repensar o
planejamento passando a percebê-lo para além da formalidade do cumprimento de uma
exigência burocrática, com potencialidade para se constituir num instrumento de
aperfeiçoamento do ensino, para a superação de uma prática pedagógica engessada,
repetitiva, descontextualizada, incapaz de responder aos desafios da contemporaneidade à
educação, à formação dos cidadãos.

Tomando por base os elementos sugeridos o planejamento (e seu resultado, o plano)


pode ser um fator dinamizador da ação docente e contribuir para melhoria da qualidade de
ensino, ao lado de outros fatores indispensáveis na busca dessa qualidade: valorização do
trabalho docente e melhores condições de realização desse trabalho.

AVALIAÇÃO – SEGUNDO SILVEIRA (2005)


A avaliação é uma etapa presente quotidianamente em sala de aula, exerce uma função
fundamental, que é a função diagnóstica. O professor deverá acolher as dificuldades do aluno no
sentido de tentar ajudá-lo a superá-las, a vencê-las. Evitar a função classificatória, comparando
sujeitos entre sujeitos. A avaliação deverá considerar o avanço que aquele aluno obteve
durante o curso.

Há muito que estudar sobre avaliação. Um das dicas é a de realizar as articulações


necessárias para que se possa promover testes, provas, relatórios, e outros instrumentos a partir
de uma concepção de avaliação que diz respeito ao aluno como sujeito de sua aprendizagem,
uma vez que planejar é uma ação dinâmica, interativa, e acontece antes de se iniciar o processo
de ensino, durante e depois do processo. É uma ação reflexiva, que exige do professor
permanente investigação e atualização didático-pedagógica.

Bibliografia
É interessante que o professor consulte livros universitários e didáticos, bem como sites e outros
(revistas, mapas, ...), para revisar seus conhecimento e elaborar seu plano. Ela pode ser dividida em
bibliografia básica e complementar. Ressalte-se a sua importância ao indicar para outras pessoas fontes
de aprofundamento, caso assim queiram.

Antes de finalizar esta aula e a disciplina Didática I, enfatizo o fato de que o


trabalho docente não deve ser entendido como individual, uma vez que ele
pertence a uma comunidade acadêmica, motivo pelo qual ele deve, sempre que
possível, buscar articular-se com os colegas que lecionam na mesma turma,
bem como com aqueles que lecionam a mesma matéria nos anos anterior e
posterior.

O planejamento educacional, infelizmente, costuma ser visto como um ato burocrático, esvaziado de
sentido, pois que reduz, muitas vezes, a encontros nos sábados, nos quais os professores pouco ou nada
conversam sobre as suas práticas curriculares.

Neste sentido, o projeto pedagógico representa a oportunidade que a comunidade tem de discutir
sobre as escolhas e as estratégias, bem como se avaliá-las a longo prazo, implementando as
mudanças que se

106
fizerem necessárias e lutando para melhorar as condições de trabalho, as quais sempre podem ser
melhoradas, notadamente se se tratar de uma escola pública.

DICA