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APELANTE(S)
APELADO(S)
Relator Desembargador J. J. COSTA CARVALHO
Revisor Desembargador GILBERTO DE OLIVEIRA
Acórdão Nº 1364700
EMENTA
2. “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a
fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da
acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de
instrução probatória." (REsp 1675874/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 08/03/2018)
3. Revela-se razoável e proporcional o montante arbitrado a título de indenização mínima por danos
morais, já que atende à gravidade dos fatos e à capacidade econômica do réu.
6. Carece de interesse recursal o pleito de revogação da prisão preventiva quando o próprio magistrado
sentenciante concede o direito de recorrer em liberdade ao réu.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por H. R. d. B., contra a r. sentença proferida pelo
d. Juiz da MM. do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Samambaia/DF, pela
qual julgou procedente apretensão punitiva estatal proposta e o condenou como incurso na prática do
crime descrito no art. 217-A, caput, c/c artigo 226, inciso II e art. 71, todos do Código Penal, tudo na
forma do art. 5º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, a cumprir uma pena de 20 (vinte) anos de reclusão,
no regime inicial fechado e, ainda, à indenização por danos morais no valor mínimo de R$ 10.000,00
(dez mil reais) (ID nº 16611233).
Não se conformando com os termos da r. sentença monocrática, dela apelou a d. defesa do acusado (ID
nº 15769613), requerendo nas razões recursais que foram apresentadas seja revista a dosimetria da
pena, pugnando, em suma: i) pela fixação da pena-base no mínimo legal; ii) seja reconhecida a
ocorrência de bis in idem em razão do reconhecimento da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal
e da majorante do art. 226, II, do CPB; iii) pelo afastamento da aplicação da continuidade delitiva; iv)
pela fixação de regime mais brando de cumprimento de pena; v) pelo reconhecimento do direito de
recorrer em liberdade; e; vi) pela minoração do valor arbitrado a título de indenização por danos
morais.
É o relatório.
VOTOS
Conforme consta do relatório, cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por H. R. d. B.,
contra a r. sentença proferida pelo d. Juiz da MM. do Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher de Samambaia/DF, pela qual julgou procedente apretensão punitiva estatal proposta
e o condenou como incurso na prática do crime descrito no art. 217-A, caput, c/c artigo 226, inciso II
e art. 71, todos do Código Penal, tudo na forma do art. 5º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, a cumprir
uma pena de 20 (vinte) anos de reclusão, no regime inicial fechado e, ainda, à indenização por danos
morais no valor mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (ID nº 16611233).
Este o teor da peça inicial acusatória que fora ofertada em desfavor do acusado (ID nº 16610550):
“(...) Em datas que não se pode precisar, mas que se sabe ocorridas entre os anos de
2012 e 2018, na QR, Conjunto, Casa, Samambaia/DF, o denunciado, de modo consciente
e voluntário, por diversas vezes, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal
com sua enteada T.V. d. A.S., nascida em 14/03/2004, menor de 14 anos à época dos
fatos.
Nas condições acima mencionadas, o denunciado, por diversas vezes, acariciou as partes
íntimas e introduziu seu dedo no ânus da vítima, enquanto se masturbava.
Em outras ocasiões, o denunciado obrigou a vítima a nele praticar sexo oral, além de
masturbá-lo.
Não satisfeito, em uma oportunidade, o denunciado chegou a tentar introduzir seu pênis
no ânus da vítima, que, devido a dor, pediu que o padrasto cessasse o ato.
Embora a autoria e a materialidade da prática do crime que foi imputada ao acusado, ora apelante, não
ter sido temas objeto de insurgência recursal, certo é que restaram devidamente demonstradas pela
provas existentes nos autos, notadamente pela confissão do acusado, pelaPortaria de instauração de
Inquérito Policial nº 104/2018 – DPCA (ID nº 16610551 – fls. 4/5), Ocorrência Policial 127/2018 –
DPCA, Relatório nº 36/2019 – DPCA (ID nº 16610552 – fls. 48/54), depoimentos na fase instrutória,
e os demais elementos coligidos durante a tramitação processual, tudo formando um sólido conjunto
probatório suficiente e seguro para provar a prática do crime descrito na denúncia e apontar o acusado
como o seu autor.
Nas razões recursais que foram apresentadas, a d. defesa do acusado requer somente que seja revista a
dosimetria da pena, pugnando, em suma: i) pela fixação da pena-base no mínimo legal; ii) seja
reconhecida a ocorrência de bis in idem em razão do reconhecimento da agravante do art. 61, II, “f”,
do Código Penal e da majorante do art. 226, II, do CPB; iii) pelo afastamento da aplicação da
continuidade delitiva; iv) pela fixação de regime mais brando de cumprimento de pena; v) pelo
reconhecimento do direito de recorrer em liberdade; e; vi) pela minoração do valor arbitrado a título
de indenização por danos morais(ID nº 15769613).
Quanto a alegação de ocorrência de bis in idem, em razão do reconhecimento da agravante do art. 61,
II, “f”, do Código Penal e da majorante do art. 226, II, do Código Penal, vejo que a irresignação
carece de amparo, conforme será visto adiante.
Ora, a partir de uma interpretação teleológica da Lei nº 11.340/06, extrai-se que o legislador objetivou
dar uma maior proteção às mulheres, estabelecendo mecanismos de salvaguarda dos direitos de pessoa
do sexo feminino, quando sujeitas às situações de violência previstas na norma.
Nesse passo, importante consignar que a jurisprudência oriunda desta egrégia Corte de Justiça e do c.
STJ é firme no sentido de não se caracterizar bis in idem a aplicação da agravante do art. 61, II, “f”, do
CP em relação à dosimetria, em situações que tais, in verbis:
(...)
3. A Lei 11.340/06 buscou trazer maior tutela para as vítimas de violência doméstica e
familiar, criando mecanismos para coibir e eliminar todas as formas de discriminação
contra as mulheres. Desse modo, ‘não caracteriza bis in idem a incidência da agravante
prevista na alínea 'f', II, do art. 61 do CP nos crimes cometidos em contexto de violência
doméstica’ (TJDFT, Acórdão n.1033847, 20150610131828APR, Relator: JAIR SOARES
2ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 27/07/2017, Publicado no DJE:
01/08/2017. Pág.: 205/224).
(...)
Sendo assim, tratando-se de circunstâncias distintas, já que uma é utilizada na segunda fase da
dosimetria em função do ambiente doméstico, e a outra é usada na terceira fase por cuidar da condição
de padrasto, não há que se falar em bis in idem.
Quanto ao pleito de afastamento da continuidade delitiva, a d. defesa assevera não ser possível dizer
que os requisitos objetivos e subjetivos restaram preenchidos, mas a meu sentido sentido, sem razão.
No ponto, a leitura atenta do minucioso depoimento prestado pela vítima, evidencia diferentes e
diversas situações de constrangimento que ela teria sofrido, quando o acusado executava atos
revestidos de conotação sexual, tendentes à satisfação de sua lascívia.
Se isso não bastasse, a narrativa da vítima converge, com efeito, com o interrogatório do próprio
acusado, onde ele confirma os relatos expostos, confirmando que acariciou as partes íntimas da vítima
por mais de 10 (dez) vezes.
(...)
(...)
7. Writ não conhecido. (HC 542.306/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 14/02/2020 – g.n.)".
Desse modo, narrando a denúncia que “Em datas que não se pode precisar, mas que se sabe
ocorridas entre os anos de 2012 e 2018, na QR, Conjunto, Casa, Samambaia/DF, o denunciado, de
modo consciente e voluntário, por diversas vezes, praticou atos libidinosos diversos da conjunção
carnal com sua enteada T.V. d. A.S., nascida em 14/03/2004, menor de 14 anos à época dos fatos"
(...) e, ainda, levando-se em consideração que, tanto a vítima quanto o próprio apelante/réu, afirmaram
que os fatos ocorreram em 10 (dez) situações distintas, a aplicação da fração máxima prevista em lei,
em virtude do reconhecimento da continuidade delitiva, deve ser mantida.
De outra banda, em relação ao pedido de indenização por danos morais propriamente dito, o c.
Superior Tribunal de Justiça, por meio da egrégia 3ª Seção, decidiu/aprovou o tema nº 983, nos
moldes da sistemática do recurso repetitivo, fixando a tese no sentido de que: “Nos casos de violência
contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte
ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”. A
ementa lavrada para o julgado ficou assim redigida:
5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais
experimentados pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a
inarredável compreensão de que a fixação, na sentença condenatória, de indenização, a
título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, independe de indicação de
um valor líquido e certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser
fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu prudente arbítrio.
6. No âmbito da reparação dos danos morais - visto que, por óbvio, os danos materiais
dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza -,
a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já
mencionada, passou a permitir que o juízo único - o criminal - possa decidir sobre um
montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil
mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada.
8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos
com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte
processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência
doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência
institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos.
10. Recurso especial provido para restabelecer a indenização mínima fixada em favor
pelo Juízo de primeiro grau, a título de danos morais à vítima da violência doméstica.
Ora, provado o fato lesivo, despiciendo falar-se em outra prova, haja vista a consumação do dano
moral ter-se operado com o cometimento do delito em situação de violência doméstica (dano in re
ipsa). Ou seja, para efeitos de indenização por danos morais o dissabor da vítima é presumido,
segundo um juízo de razoabilidade, tendo em vista a gravidade do ilícito penal em si praticado pelo
réu.
No que tange ao quantum indenizatório, convém frisar que inexiste critério científico para se medir
quantitativamente a intensidade do dano moral. Cumpre ao julgador sopesar tanto o caráter de
indenização à vítima, quanto o de sanção ao causador do dano, para que o quantum indenizatório seja
efetivamente adequado e proporcional ao prejuízo efetivamente experimentado.
Entretanto, a fixação do montante no processo penal restringe-se a um valor mínimo, o que não
impede a vítima de buscar sua liquidação no juízo cível para majorar o quantum mínimo aqui a ser
fixado.
Limitados estes marcos e ao considerar as peculiaridades do caso concreto, entendo que o valor fixado
na sentença (R$ 10.000,00 – dez mil reais) encontra-se adequado e satisfaz minimamente a vítima,
encontrando-se compatível com um patamar do vulto dos interesses em conflito e compatível com os
dissabores e transtornos experimentados, os quais foram suficientes a desarticular os valores morais e
éticos, que restaram maculados.
Já no que pertine ao pleito para fixação de regime mais brando de cumprimento de pena e de
reconhecimento do direito de recorrer em liberdade, analiso-os no decorrer da dosimetria da pena.
- PRIMEIRA FASE:
- SEGUNDA-FASE:
Presentes a agravante do art. 61, II, “f”, do CPB e a atenuante da confissão espontânea, foi promovida
a compensação entre ambas e mantida a pena intermediária em 08 (oito) anos de reclusão. Nada a
reparar.
- TERCEIRA FASE:
Ainda nessa fase, imperioso registrar a presença da causa de aumento de pena do art. 226, inciso II, do
CPB, por se tratar o acusado de padrasto da vítima à época dos fatos, motivo pelo qual a pena foi
aumentada de metade, por exercer autoridade sobre ela. Assim, foi fixada a reprimenda em 12
(doze) anos de reclusão. Conservo.
DA CONTINUIDADE DELITIVA:
Ao fim, atento ao fato de que o delito fora cometido em continuidade delitiva (art. 71 do CP) e,
conforme restou demonstrado, por 10 (dez) ocasiões distintas, foi acrescido 2/3 (dois terços), elevando
a sanção, fixando-a, definitivamente, em 20 (vinte) anos de reclusão. Mantenho.
Por expressa previsão legal, o regime inicial deve ser o fechado, tendo em vista o quantum da pena
corporal, nos termos do art. 33, § 2º, “a”, do CP.
Inviável a concessão dos benefícios do art. 44 e do art. 77 do Código Penal, em razão do tempo
totalizado pela pena corporal.
Por fim, quanto ao pleito de reconhecimento do direito de recorrer em liberdade do apelante, verifico
não haver interesse recursal neste ponto. Na verdade, o acusado respondeu ao processo em liberdade e
a ele foi concedido o direito de recorrer nesta condição.
É como voto.
DECISÃO