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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 2ª Turma Criminal

Processo N. APELAÇÃO CRIMINAL 0714334-80.2020.8.07.0016

APELANTE(S)

APELADO(S)
Relator Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
Revisor Desembargador JAIR SOARES

Acórdão Nº 1372517

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SENTENÇA


CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINARES DE
CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADAS. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO
ACOLHIMENTO. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM AS
DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. RECURSO CONHECIDO, PRELIMINARES
REJEITADAS E, NO MÉRITO, NÃO PROVIDO.

1. O Código de Processo Penal pátrio não exige a presença de advogado durante o auto de
prisão em flagrante ou durante sua oitiva na fase inquisitorial, pois nesta fase não incidem
os princípios do contraditório e da ampla defesa, não havendo que se falar em cerceamento
de Defesa.

2. Não restou configurado o cerceamento de defesa, com base nas alegações de que a
testemunha se sentiu acuada ou amedrontada com as interrupções da Promotora de Justiça,
que agiu dentro de suas atribuições, visto que foram deferidas pelo Magistrado a quo todas
as perguntas formuladas pela Defesa.

3. O indeferimento da oitiva do psicólogo que cuida da vítima não caracteriza cerceamento


de defesa, pois o artigo 207 do Código de Processo Penal proíbe “de depor as pessoas
que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se,
desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”. Ademais, o
Magistrado é o destinatário das provas, sendo-lhe conferido o poder discricionário para
indeferir diligências que considere protelatórias ou desnecessárias.

4. Em crimes contra a dignidade sexual, normalmente cometidos longe da vista de


testemunhas, a palavra da vítima assume especial relevo probatório. As provas dos autos
são suficientes para justificar a condenação do recorrente pelo crime de estupro de
vulnerável, haja vista que as declarações prestadas pela vítima, na delegacia e em Juízo,
aliadas aos depoimentos da informante e da testemunha, atestam a violência sexual narrada
na inicial acusatória, comprovando que o apelante, padrasto da vítima, praticou atos
libidinosos.

5. Recurso conhecido, preliminares rejeitadas e, no mérito, não provido para manter a


condenação do recorrente nas sanções do artigo 217-A do Código Penal (estupro de
vulnerável), na forma dos artigos 5º, incisos I e II, e 7º, inciso III, ambos da Lei nº
11.340/2006 (Lei Maria da Penha), à pena de 12 (doze) anos de reclusão, mantidos o
regime inicial fechado e a fixação do valor mínimo de reparação a título de danos morais
em R$ 1.000,00 (mil reais).

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator, JAIR SOARES - Revisor e
ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO - 1º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, em proferir a seguinte decisão: REJEITAR AS
PRELIMINARES. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.

Brasília (DF), 23 de Setembro de 2021

Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI


Presidente e Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pela Defesa de J.M.L. contra a sentença que
condenou o réu nas sanções do artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável), na forma dos
artigos 5º, incisos I e II, e 7º, inciso III, ambos da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), nos autos
do processo nº 0714334-80.2020.8.07.0016, em curso perante o Terceiro Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher de Brasília/DF (ID 26466945).

A denúncia narrou os fatos nos seguintes termos (ID 26466598):

“[...] Entre o ano de 2018 e 05/05/2019, na [...], o denunciado praticou atos libidinosos
contra a menor impúbere C.R.P., sua enteada, que contava com cerca de 9 anos de idade,
prevalecendo-se de relações familiares e de convivência doméstica.

O denunciado convivia com a genitora da vítima por 10 anos e, nas ocasiões em que ela
estava no trabalho, o denunciado encostava o seu pênis na genitália e na região
anal/glútea da menor em questão sobre as vestes, além de tocar-lhe a genitália por
debaixo da roupa.

O denunciado costumava chamar a vítima para brincar de “aranhinha”. A brincadeira


consistia em ele, deitado, jogá-la para o alto em cima dele, mas segurando-a, com os
braços e com as pernas, antes que ela caísse sobre ele.

Numa dessas vezes, pela manhã, em dos quartos da casa, quando a mãe da vítima estava
no trabalho, ele, de propósito, não segurou a vítima durante a referida brincadeira.
Assim, ela caiu em cima da barriga dele, quando ele começou a se esfregar nela. Em
seguida, ele abaixou o short dela, que pôde claramente sentir seu short e sua calcinha
descendo, sendo que ela chegou a vê-lo tremendo e gemendo.

Nesse dia, o denunciado encostou seu pênis na genitália da vítima, o que provocou-lhe
dor, bem como colocou sua mão na região anal da vítima, tudo isto por dentro da roupa.

Ainda, durante o período acima citado, o denunciado tinha o hábito de abrir a porta do
banheiro para observar a vítima enquanto ela tomava banho. Ademais, ele costumava
dizer à vítima, de modo bem agressivo, que não contasse nada a sua mãe, dizendo que
“ela não o conhecia, que ela iria ver”.

Esses episódios foram revelados pela vítima para uma professora/babá de nome R.G.O.S.,
que cuidava da vítima em uma creche por cerca de três anos. Salienta-se que R.
desconfiou dos abusos depois que a vítima lhe revelou que estava aliviada com a saída do
denunciado do lar. E isso somente um mês após T.P.B., genitora da vítima, ter se
separado dele. [...]”.

Processada a ação penal, o Juízo a quo julgou procedente a pretensão punitiva estatal e condenou o réu
à pena de 12 (doze) anos de reclusão, pelo crime previsto no artigo 217-A do Código Penal. O
magistrado fixou o valor mínimo de R$ 1.000,00 (mil reais) a título de reparação por danos morais.
Foram indeferidas a substituição da pena privativa de liberdade e a suspensão da execução da pena. Ao
réu foi concedido o direito de recorrer em liberdade (ID 26466945).

O réu foi intimado pessoalmente da sentença (ID 26466955).

A Defesa técnica interpôs recurso de apelação (ID 26466954). Nas razões recursais, a Defesa suscitou
as seguintes preliminares de cerceamento de defesa: a) por violação ao direito do réu ser assistido por
advogado durante a fase inquisitorial, alegando que o recorrente foi informado deste direito apenas
durante sua intimação pelo oficial de justiça; b) por interrupção do Parquet às respostas das
testemunhas, sob o argumento de que esta conduta prejudicou a busca pela verdade dos fatos, “posto
que, sua defesa técnica foi impedida de formular perguntas e receber respostas da testemunha”; e c)
por indeferimento do pedido de oitiva do Psicólogo, sustentando que, “diante das diferentes versões
apresentadas, a análise comportamental da suposta vítima é vital para melhor entendimento quanto
aos fatos imputados ao Apelante”.

No mérito, a Defesa pugna pela absolvição do acusado com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código
de Processo Penal, sustentando a tese de insuficiência de provas à condenação. Alega que não restou
comprovada a materialidade dos delitos imputados ao recorrente, argumentando que o decreto
condenatório foi embasado nos depoimentos da suposta vítima e das testemunhas, que não
presenciaram o fato. Aduz que o Laudo de Exame de Corpo de Delito concluiu pela ausência de
vestígios para caracterização de violência sexual. Sustenta que as diferentes versões apresentadas não
podem ser ignoradas, sob pena de violar os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Destaca que a suposta vítima apresentou diversas versões para os fatos, inclusive, conflitantes entre si.
Por fim, salienta que o comportamento da vítima não sofreu alterações em face dos supostos abusos
sexuais, bem como que ela teria sentido saudades do recorrente após a separação de sua genitora (ID
26820604).

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios não apresentou contrarrazões formais (ID
26836586).

Parecer do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Antônio Marcos Dezan, pelo conhecimento e não
provimento da apelação (ID 27016014).

É o relatório.

À douta revisão, com sugestão de julgamento virtual.

VOTOS

O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

DAS PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA

A Defesa suscitou as seguintes preliminares de cerceamento de defesa: a) por violação ao direito do


réu ser assistido por advogado durante a fase inquisitorial, alegando que o recorrente foi informado
deste direito apenas durante sua intimação pelo oficial de justiça; b) por interrupção do Parquet às
respostas das testemunhas, sob o argumento de que esta conduta prejudicou a busca pela verdade dos
fatos, “posto que, sua defesa técnica foi impedida de formular perguntas e receber respostas da
testemunha”; e c) por indeferimento do pedido de oitiva do Psicólogo, sustentando que, “diante das
diferentes versões apresentadas, a análise comportamental da suposta vítima é vital para melhor
entendimento quanto aos fatos imputados ao Apelante”.

Não assiste razão à Defesa.

No tocante ao direito do réu ser assistido por advogado durante a fase inquisitorial, não há que se falar
em cerceamento de Defesa visto que o Código de Processo Penal pátrio não exige a presença de
causídico durante o auto de prisão em flagrante ou durante sua oitiva na fase inquisitorial, pois nesta
fase não incidem os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Destaca-se a lição de Renato Brasileiro de Lima a respeito do tema, verbis[1]:

“A presença de advogado quando do interrogatório policial pode até ser admitida pela
autoridade policial, mas daí não se pode concluir que sua presença seja obrigatória e
imprescindível. É bem verdade que a realização do interrogatório na fase judicial
demanda a presença de defensor, que inclusive terá o direito de se entrevistar prévia e
reservadamente com seu cliente antes da realização do ato processual (CPP, art. 185,
com redação determinada pela Lei nº 10.792/2009). No entanto, em se tratando de
interrogatório feito em sede policial, o art. 6º, inciso V, do Código de Processo Penal,
estabelece que a autoridade policial deve ouvir o indiciado, com observância, no que for
aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, do Livro I, do CPP (‘Do
interrogatório do acusado’). Assim, tendo-se em conta que o inquérito policial possui
natureza inquisitorial, não se faz necessária a presença do advogado quando da oitiva do
indiciado em sede de investigação preliminar.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta Corte de Justiça:

“[...] 1. É cediço que o inquérito policial possui natureza informativa. Em razão disso,
eventuais nulidades no procedimento investigativo não contaminam a instrução criminal,
tendo sido observadas, no caso, todas as garantias constitucionais e legais. Aliás, a
ausência de causídico no momento da oitiva do autuado em flagrante perante a
autoridadepolicial, por si só, não configura constrangimento ilegal capaz de anular todo
o processo, até porque não há provas nos autos das supostas ilegalidades. Preliminar
rejeitada. [...]” (Acórdão 1342906, 07058184420198070004, Relator: CARLOS PIRES
SOARES NETO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 20/5/2021, publicado no PJe:
29/5/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

“[...] 10. Aausênciadeadvogadona fase inquisitorial não representa cerceamento de


defesa, muito menos ilegalidade no procedimento, pois em sede deinquéritopolicial não
há contraditório. [...]” (Acórdão 1184871, 20171410044164APR, Relator: SILVANIO
BARBOSA DOS SANTOS, , Revisor: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª TURMA
CRIMINAL, data de julgamento: 4/7/2019, publicado no DJE: 12/7/2019. Pág.: 102/135)

Além disso, consta do auto de prisão em flagrante que foi cientificado ao recorrente “seus direitos e
garantias constitucionais, dentre os quais, o respeito a sua integridade física e moral, o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurado assistência da família e do advogado(a)” (ID 26466606).

Ademais, como bem destacado pelo Juízo a quo, rememorando a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, “os eventuais vícios do inquérito policial não contaminam a ação penal, tendo em vista ser
o inquérito policial peça meramente informativa e não probatória” (ID 26466945 - Pág. 03).

Em relação à preliminar de cerceamento de defesa por interrupção do Parquet às respostas das


testemunhas, também não assiste razão à Defesa.

Inicialmente, cumpre destacar os fundamentos adotados pelo Magistrado sentenciante ao enfrentar a


mesma preliminar suscitada em alegações finais, asseverando que as interrupções foram decorrência
da insistência da Defesa em formular perguntas que não guardavam relação com os fatos narrados na
inicial acusatória ou que não diziam respeito a documentos juntados aos autos. Confira-se (ID
26466945 – Págs. 04/05):

“Sustenta a Defesa que o Ministério Público interrompeu a Defesa em quatro diferentes


ocasiões durante a produção de prova testemunhal de modo que a acusação cerceou o
direito de defesa do réu.
Aduz a Defesa ter sido interrompida no arquivo 10/25 – 05:35, no arquivo 11/25 – 01:25,
no arquivo 12/25 – 02:35 e no arquivo 13/25 – 02:55, o que levou a uma mudança no
comportamento da testemunha R. que passou a adotar postura defensiva, com receio de
ser acusada por algum crime.

Verifico, entretanto, que não prospera a tese da defesa, pois não houve cerceamento da
defesa em razão das interpelações do parquet.

Na primeira interrupção, o advogado do réu perguntou à testemunha R.: ‘R., pelo tempo
que você conhece e acompanhou a C., você acredita que ela possa ter sido induzida de
alguma forma a contar essa versão?’ O Ministério Público interpela dizendo ‘Pela
ordem, a pergunta tem que ser objetiva’. (arquivo 10/25 – 05:26).

Cumpre observar que não houve indeferimento da pergunta da defesa, sendo que foi
solicitado que a pergunta fosse reformulada de modo a ficar mais clara.

A defesa então pergunta ‘Gostaria de perguntar para a testemunha se na visão dela a C.


tenha sido instruída pela mãe a falar alguma versão dos fatos’. O Ministério Público
interpelou afirmando ser a mesma pergunta.

Em que pese a Defesa tenha formulado pergunta que não se direciona ao esclarecimento
de fatos, o Juízo admitiu a pergunta reformulando-a da seguinte forma ‘Alguma vez a C.
falou que isso teria sido aprontado pela mãe ou se teria sido sugerido pela mãe ou se
houve alguma conversa a esse respeito?’

A testemunha respondeu normalmente à pergunta da defesa, após reformulação pelo


Juízo.

A manifestação seguinte do Ministério Público, no áudio 12/25 – 02:35, se deu em


momento que o advogado de defesa fazia perguntas à testemunha sobre documentos que
sequer constavam dos autos.

Frise-se que a audiência foi marcada com bastante antecedência e a defesa poderia ter
juntado os documentos aos autos de antemão, mas não o fez.

Nota-se, por fim, que a intervenção do arquivo 13/25 – 02:55 não configurou interrupção
do Ministério Público às perguntas da defesa, mas evidente debate entre acusação e
defesa, que em nada atrapalhou a instrução.

Com base no que foi exposto, conclui-se que as interrupções ocorridas durante as
perguntas de defesa decorreram de insistência da própria defesa em formular perguntas
que não diziam respeito aos fatos ou que não se referiam a documentos juntados aos
autos. Porém, ainda assim, foi adotada pelo juízo postura conciliatória, em homenagem
ao princípio da ampla defesa, de modo a permitir a reformulação das perguntas de modo
a satisfazer tanto a defesa do réu quanto o Ministério Público.

Diante disso, verifico que as perguntas da defesa foram devidamente reformuladas e


respondidas pela vítima, sem que houvesse qualquer prejuízo à Defesa do acusado.
Ademais, as interrupções do Ministério Público não foram indevidas, de modo que cabia
à própria defesa formular as perguntas de maneira adequada e juntar aos autos, de
antemão, documentos sob os quais quisesse fazer referência durante a instrução. Assim,
não cabendo agora à defesa arguir nulidade sob fato a que deu causa.

Nesse sentido, destaque-se jurisprudência do eg. TJDFT a respeito da aplicação do


princípio da lealdade e da boa-fé objetiva no processo penal:
APELAÇÃO CRIMINAL. LATROCÍNIO. NULIDADE. AFRONTA À AMPLA DEFESA.
NÃO OCORRÊNCIA. EXAME DE INSANIDADE MENTAL. NÃO COMPROVADA
NECESSIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. ABSOLVIÇÃO.
DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA
COMPROVADAS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO
CONFIGURADA. DOSIMETRIA. CONFISSÃO PARCIAL. REINCIDÊNCIA.
COMPENSAÇÃO INTEGRAL. CUSTAS PROCESSUAIS. SUSPENSÃO DA
EXIGIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS. I -
Cumprida a determinação de abertura de prazo para as partes se manifestarem sobre
resultado de diligências requeridas durante a audiência de instrução e julgamento,
conforme previsão dos artigos 402 e 404, parágrafo único, do CPP, não há que se falar
em violação aos princípios da ampla defesa e contraditório. II - Nos termos do art. 149
do CPP, somente será determinada a instauração de incidente de insanidade mental
quando houver dúvida fundada a respeito da higidez mental do agente. Não é suficiente
mero pedido fundado em ilações. III - Diante dos princípios da lealdade, da boa-fé
objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, não é lícito à Defesa arguir vício
para o qual deu causa ou concorreu, sob pena de violação ao princípio de que ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza, disposto no art. 565 do CPP. IV - No caso, o réu
optou pelo silêncio durante a audiência, oportunidade que poderia ter utilizado para
demonstrar a alegada incapacidade. Além disso, juntado relatório médico nos autos e
cientificada a Defesa, esta quedou-se inerte, deixando de requerer a realização da
perícia, não podendo agora alegar nulidade para a qual concorreu. V - Comprovadas
pelo acervo probatório a materialidade e autoria do crime de latrocínio, cometido em
concurso de agentes, a condenação é medida que se impõe. VI - Os depoimentos
prestados por agentes do Estado, colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa, devem ser apreciados com valor probatório suficiente para dar respaldo ao édito
condenatório, tendo em vista que sua palavra conta com fé pública e presunção de
legitimidade, somente afastada por meio de contraprova que demonstre sua
imprestabilidade. VII - Ainda que não ocorra a subtração de bens, comprovada a morte
da vítima durante a empreitada criminosa, aplica-se a Súmula 610 do STF que dispõe
que: "Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o
agente a subtração de bens da vítima." VIII - Inviável o reconhecimento da participação
de menor importância se ficou evidenciado nos autos que o réu participou ativamente do
delito, com evidente liame subjetivo e comunhão de esforços para assegurar o sucesso da
empreitada criminosa, restando configurada a coautoria. IX - Quando a confissão, ainda
que parcial, prestada na fase do inquérito e retratada em Juízo, for utilizada para a
formação do convencimento do Julgador, o réu fará jus à atenuante da confissão, a qual
deverá ser integralmente compensada com a reincidência. X - A condenação no
pagamento das custas processuais consiste em um dos efeitos da sentença condenatória
previstos na lei processual penal. A análise da alegada hipossuficiência do réu para
efeitos de suspensão da exigibilidade do pagamento é da competência do Juízo das
Execuções Penais - Súmula nº 26 do TJDFT. XI - Recursos conhecidos e parcialmente
providos. (Acórdão 1256311, 00009955920198070007, Relator: NILSONI DE FREITAS
CUSTODIO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/6/2020, publicado no PJe:
22/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifos nossos)

Diante disso, rejeito a segunda preliminar da defesa.”

Portanto, analisando os trechos apontados pela Defesa, verifica-se que não houve prejuízo para o
contraditório e ampla defesa, tendo em vista que as perguntas foram reformuladas e realizadas à
testemunha R., não se verificando qualquer ato indevido praticado pelo Parquet naquela oportunidade.

De fato, consta da oitiva da referida testemunha que o Magistrado a quo permitiu aos causídicos do
recorrente fazer as perguntas pretendidas, em especial, se a vítima teria sido induzida a contá-la os
fatos narrados na denúncia, tendo sido respondido negativamente.
Da mesma forma, os advogados de Defesa formularam perguntas a respeito de “conversas” realizadas
por aplicativos de mensagens (Messenger e Whatsapp) entre o réu e a testemunha, que foram
deferidas pelo Juiz após os advogados terem sido orientados a esclarecer o que seria questionado.

Portanto, não merece guarida as alegações de que a testemunha R. se sentiu acuada ou amedrontada
com as interrupções da Promotora de Justiça, que, frisa-se, agiu dentro de suas atribuições, visto que a
testemunha respondeu todas as perguntas formuladas pela Defesa.

Ademais, como bem fundamentado pelo Magistrado sentenciante, a suposta nulidade suscitada pela
Defesa no presente recurso foi desencadeada por sua própria insistência, não podendo ser utilizada a
seu favor.

Nesse sentido, observa-se do seguinte precedente deste Tribunal de Justiça:

“[...] 1. Rejeita-se preliminar de nulidade de ato jurídico porque não houve nenhuma
irregularidade durante o curso do processo que seguiu com a ausência do réu. Além
disso, a defesa não pode arguir nulidade a que deu causa ou para a qual tenha
concorrido, eis que o réu tentou furtar-se de todas as formas a responder ao processo.
[...]” (Acórdão 1118307, 20100111944249APR, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE
OLIVEIRA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 16/8/2018, publicado no DJE:
24/8/2018. Pág.: 157/168)

Por fim, quanto ao suposto cerceamento de defesa por indeferimento do pedido de oitiva do Psicólogo
, não merece prosperar as alegações, visto que a psicóloga foi contratada pela genitora da menor
apenas após a ocorrência dos fatos, bem como as informações relatadas durante as sessões estão
resguardadas pelo sigilo profissional.

Registra-se, nesse sentido, o disposto no artigo 207 do Código de Processo Penal que proíbe “de
depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo,
salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.

Além disso, trago à colação os argumentos apontados na sentença em relação a desnecessidade da


oitiva da psicóloga (ID 26466945 - Pág. 06):

“Ademais, considerando que a intimidade da vítima já foi exposta o suficiente nos


presentes autos por necessidade em se apurar os fatos descritos na denúncia, na medida
em que a vítima foi levada à delegacia de policial, foi submetida a exame no IML e
respondeu a tomada de depoimento especial, não pode o Estado expor ainda mais a
intimidade da vítima quanto a elementos posteriores aos fatos sem justo motivo.

Nesse contexto, destaco novamente que não foi informado qualquer fato novo que seja do
conhecimento da psicóloga que demonstraria pertinência em sua oitiva”

Cumpre destacar, ainda, que é entendimento pacífico nesta Corte de Justiça que o Magistrado é o
destinatário das provas, sendo-lhe conferido o poder discricionário para indeferir diligências que
considere protelatórias ou desnecessárias, como se depreende dos seguintes julgados:
“[...] 1. Na esteira da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o art.
400, § 1º, do Código de Processo Penal, autoriza o magistrado a indeferir as provas que
considerar irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, uma vez que é ele o destinatário
da prova a ser angariada. Dessa forma, o indeferimento fundamentado de diligências
complementares na fase do art. 402, do CPP, não revela cerceamento de defesa, quando
demonstrada sua desnecessidade para o deslinde da controvérsia. [...]" (Acórdão
1237746, 07257469020198070000, Relator: JESUINO RISSATO, 3ª Turma Criminal,
data de julgamento: 12/3/2020, publicado no PJe: 23/3/2020. Pág.: Sem Página
Cadastrada.)

“[...] 1. Nada obstante o art. 231 do Código de Processo Penal dispor que, ‘salvo os
casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do
processo’, é certo que referida norma não tem caráter absoluto, principalmente se
levar-se em consideração o que dispõe o art. 400, § 1º, do mesmo Diploma. Referida
norma autoriza o Magistrado a indeferir as provas que considerar irrelevantes,
impertinentes ou protelatórias, uma vez que é ele o destinatário da prova. Dessarte, não
há se falar em cerceamento de defesa" (HC n. 360.010/BA, Rel. Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 25/8/2016). [...]” (Acórdão n.1024120, APR
20160130104323, Relatora: ANA MARIA AMARANTE, 1ª TURMA CRIMINAL, Data de
Julgamento: 08/06/2017, Publicado no DJE: 19/06/2017. Pág.: 118/129)

“[...] 1. O artigo 402 do Código de Processo Penal permite a realização de diligências


complementares acerca de pontos conflitantes surgidos durante a instrução do processo.
Na espécie, é certo que a juntada dos documentos solicitada pela Defesa não se
enquadra na hipótese legal, pelo que não há porque admitir a juntada do referido
documento extemporâneo.

2. Além disso, é importante destacar que o indeferimento de pedidos de produção de


provas não configura cerceamento de defesa, pois compete ao magistrado, destinatário
das provas, aferir a pertinência e a necessidade de realização das diligências para a
formação de seu convencimento, nos termos do art. 400, § 1º, do Código de Processo
Penal. [...]” (Acórdão n.963486, APR 20110111362843, Relator: SILVANIO BARBOSA
DOS SANTOS, Revisor: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª TURMA CRIMINAL, Data
de Julgamento: 25/08/2016, Publicado no DJE: 05/09/2016. Pág.: 281/324)

Não há que se falar, portanto, em cerceamento de defesa, pois, já havendo elementos suficientes nos
autos, a diligência se torna desnecessária, motivo pelo qual o Juiz sentenciante indeferiu oitiva
solicitada.

Dessa forma, rejeito as preliminares arguidas.

DO MÉRITO

DO PLEITO ABSOLUTÓRIO

A Defesa pugna pela absolvição do acusado com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de
Processo Penal, sustentando a tese de insuficiência de provas à condenação. Alega que não restou
comprovada a materialidade dos delitos imputados ao recorrente, argumentando que o decreto
condenatório foi embasado nos depoimentos da suposta vítima e das testemunhas, que não
presenciaram o fato. Aduz que o Laudo de Exame de Corpo de Delito concluiu pela ausência de
vestígios para caracterização de violência sexual. Sustenta que as diferentes versões apresentadas não
podem ser ignoradas, sob pena de violar os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo
. Destaca que a suposta vítima apresentou diversas versões para os fatos, inclusive, conflitantes entre
si. Por fim, salienta que o comportamento da vítima não sofreu alterações em face dos supostos
abusos sexuais, bem como que ela teria sentido saudades do recorrente após a separação de sua
genitora

O pleito absolutório não merece prosperar.

A materialidade do crime está delineada pelos seguintes elementos: Portaria de instauração do


Inquérito Policial (ID 26466599); Comunicação de Ocorrência Policial (ID 26466600); Relatório
Policial (ID 26466601), bem como pelas declarações e depoimentos colhidos na seara inquisitiva e em
Juízo.

A autoria, do mesmo modo, é inconteste.

O réu J.M.L., na fase inquisitorial, negou a prática do delito, afirmando que não praticou qualquer
abuso sexual contra sua enteada C.R.P.. Disse que a menor tinha um banheiro exclusivo para ela e que
jamais o adentrou enquanto ela tomava banho. Relatou, também, que nunca tocou as partes íntimas da
vítima, muito menos com seu pênis. Negou ter ocorrido qualquer conduta libidinosa no quarto da
residência em que moravam. Afirmou não saber o motivo pelo qual a vítima fez tais acusações.
Mencionou que, no final do relacionamento, passou a ter reiteradas discussões com a genitora da
vítima. Rememorou que, em uma dessas discussões, a sua ex-companheira T.P.B. lhe disse que iria
sair “para beber, dançar e arrumar macho”, tendo retrucado dizendo que esta não era uma atitude de
mulher casada, mas sim de puta. Relatou que, nesta ocasião, T. disse que ele pagaria por tê-la
chamado de puta. Ao final, não soube dizer se T. induziu a vítima a imputá-lo os abusos sexuais (ID
26466606 - Págs. 01/02).

Na fase judicial, o recorrente, ao ser ouvido em Juízo, corroborou as declarações prestada na


delegacia, negando a prática delitiva. Relatou que não tirou a roupa da vítima, tampouco tocou sua
genitália ou seu ânus com as mãos, bem como negou ter observado a vítima enquanto ela tomava
banho. Disse que sempre tratou a vítima com respeito e como se fosse uma filha. Afirmou que não
brincou de “aranhinha” com a vítima, mencionando que não tem como jogar a menor para cima, tendo
em vista que ela é “fortinha”. Mencionou, ainda que não tinha o hábito de fazer brincadeiras com a
vítima que envolvesse contato físico. Confira-se a transcrição das mídias de IDs 26466918 a
26466924, nos termos da sentença:

“O réu J.M.L., interrogado em juízo, respondeu que trabalhava à época dos fatos em
escala de 12 horas por 36. Disse que quando T. estava no serviço e pedia para o acusado
pegar a vítima na creche, pegava a criança na casa da R. e aguardava a vítima na
passarela da estrutural. Disse que já pegou a vítima na escola para levá-la na creche
(casa da dona R.). Contou que a vítima saia do colégio 12h40 e levava uns 20 minutos a
pé até a creche. Disse que ia a pé para buscá-la na creche, mas ia buscar a vítima de
carro na creche. Disse que pegava a vítima na creche 18h40, no máximo. Afirmou que
ficava sozinho com a vítima no sábado, de 9h40 até umas 11h. Contou que a creche
funcionava de segunda a sexta. Relatou que na maioria das vezes nos dias de sábado a
vítima ia para o salão com a mãe dela e só algumas vezes ficava com o réu. Contou que
deixava a vítima com a cunhada da T. e o réu saia para fazer compras para a padaria.
Negou ter tirado a roupa da vítima ou ter tocado na genitália dela ou no ânus dela.
Afirmou que tratava a vítima como uma filha, com o maior respeito. Disse que discutiu
com a vítima sobre planejamento familiar e sobre responsabilidade da mulher em
relação a se abster de fumar ou beber durante a gestação, mas ao chegarem em casa, a
vítima disse ‘já que eu sou irresponsável, a partir de hoje eu vou sair para beber, fumar e
arrumar macho’ e o réu respondeu ‘isso não é atitude de mulher casada não, é atitude de
puta’, ao que a vítima respondeu ‘você vai me pagar por esse nome de puta que você tá
me chamando’ e depois ela disse ‘você vai pagar por isso’. Contou que essa discussão
aconteceu no dia 5 e no dia 6 ainda conversaram, sendo que o réu emprestou dinheiro
para a vítima, e no dia 7 já apareceram essas conversas. Afirmou que não havia outro
motivo para essa situação. Disse que mandou mensagens para R. porque ficou sem
entender nada e quis entender o que estava acontecendo quando estava entrando em
depressão. Disse que contratou advogado cerca de três ou quatro meses para contratar
advogado, pois estava esperando chegar intimação. Negou ter ficado olhando a vítima
tomar banho. Disse que o banheiro da vítima era diferente do banheiro do réu e de T.,
sendo que no banheiro da vítima há um box que sequer permitiria que o réu visse a
ofendida. Afirmou que tinha dia que nem via a vítima. Disse que não tem como jogar a
vítima para cima. Negou ter brincado com a vítima de modo que pudesse tocar nas
partes íntimas dela. Disse que não tocava carinhosamente na vítima, mesmo sem
conotação sexual. Afirmou que o vidro do box, salvo engano, é fosco e a casa era
alugada. Afirmou que as portas eram todas normais e que T. sempre teve cuidado em
dizer para vítima tomar banho de porta fechada. Contou que está pagando por uma briga
de casal. Disse que não se preocupava com o momento que a vítima se menstruasse e
afirmou que não era ciumento com a vítima. Afirmou que não praticou antes crime
sexual. Negou ter brincado de aranhinha com a vítima. Negou que a vítima inventava
histórias enquanto morava com ela. Afirmou que teve várias brigas anteriores com T.,
mas a discussão pesada, com mágoas, foi apenas a briga da separação. Disse que não
tinha hábito de brincar com contato físico com a vítima. Disse que a vítima não se
distanciava do réu, sendo que em tudo pedia para o acusado. À defesa, disse que a vítima
ficava com o réu apenas em alguns sábados pela manhã, quando a vítima não tomava
banho. Disse que durante a semana a vítima tomava banho na creche e não ficava
sozinho com o réu. Contou que um irmão da T. lhe contou que a vítima estava chorando
porque o acusado não se despediu dela.”

Não obstante a negativa do recorrente, as demais provas dos autos demonstram que o réu praticou o
crime de estupro de vulnerável descrito na denúncia.

Durante o depoimento especial, na fase inquisitorial, a vítima C.R.P. informou que foi vítima de
conduta libidinosa perpetrada pelo réu no quarto de casal da residência onde mora, na Cidade
Estrutural/DF. Relatou que J. encostou seu pênis e tocou a mão em sua genitália por cima das vestes.
Mencionou que estas condutas provocaram dor nas partes íntimas. Salientou que o fato ocorreu sem a
presença de testemunhas, haja vista que sua genitora estava no trabalho. Declarou que réu teria dito
para ela não contar o fato a ninguém, pois “poderiam acontecer coisas com sua família”. Rememorou
que, antes deste fato, o réu teria adentrado o banheiro enquanto ela tomava banho, ao menos em três
oportunidades. Disse que contou o fato à funcionária da creche onde estuda e esta relatou a sua
genitora (ID 26466602).

A vítima, ao ser ouvida sob o crivo do contraditório, narrou como ocorreu o abuso sexual cometido
pelo seu padrasto, ora recorrente. Disse que ambos estavam brincando de “aranhinha” na cama,
localizada no quarto de casal, quando o réu deixou que ela caísse sobre sua barriga e começou a se
esfregar contra seu corpo. Mencionou, ainda, que o réu teria abaixado seu short e calcinha enquanto se
esfregava nas suas partes íntimas. Afirmou que o recorrente gemia e tremia bastante durante o ato.
Relatou, também, que o acusado colocou a mão na parte íntima de trás, por baixo da roupa. Asseverou
que sentiu dor na sua genitália após este fato, bem como que o réu falava em tom ameaçador para ela
não contar a ninguém o que tinha ocorrido. Rememorou que, em três momentos diferentes, o
recorrente já havia entrado no banheiro e observado ela tomar banho. Confira-se a transcrição da
sentença, nos termos das mídias de IDs 26466865 a 26466868:
“[...] A vítima C.R.P., ouvida em juízo, afirmou que estava assistindo televisão no quarto
de sua mãe no sábado, quando sua mãe estava trabalhando e seu padrasto já havia
levantado e estava fazendo café. Afirmou que o acusado chegou e perguntou se podia
deitar. A vítima disse que podia, mas que ia ficar vendo televisão, pois havia visita em
casa que era seu tio, o qual estava usando a televisão da sala. Narrou que o réu entrou e
fechou a porta e disse que não queria ouvir o barulho do tio da vítima gritando. Relatou
que o réu disse para brincarem de aranhinha, que era uma brincadeira que a vítima fazia
com o pai dela quando ela era bem pequena. Nessa brincadeira, o adulto joga a criança
para o alto e depois a pega. Relatou que o réu começou a fazer a brincadeira, mas ‘do
nada’, ele não segurou a vítima de modo que esta caísse em cima da barriga dele.
Relatou que em seguida o acusado começou a se esfregar na vítima. Afirmou que fechou
os olhos e sentiu algo estranho em sua perna, era seu short descendo. Contou que
continuou com os olhos fechados e quando abriu viu o réu se tremendo. Relatou que
depois foi para seu quarto e fechou a porta e se sentou em cima de uma bola, pois sua
perna doía muito. Depois saiu, bebeu água e ficou na sala. Contou que uma outra vez o
réu abriu a porta do banheiro e ficou observando a vítima tomar banho. Afirmou que em
outra vez o réu abriu a porta do banheiro e ficou vendo a vítima enquanto ela escovava
os dentes. Relatou que em uma terceira ocasião o réu abriu a porta e ficou vendo a
vítima tomar banho. Relatou que não viu como estava o réu vestido porque saiu correndo
do quarto e afirmou que quando saiu da cama estava com o short um pouco caído.
Narrou que ele desceu o short e a calcinha também. Afirmou “eu fechei os olhos e ele se
esfregava em mim, bastante, na minha parte de baixo e depois ele gemia bastante e
tremia e saiu um pouco de gota assim, suor e só. Contou que não se lembra de o réu ter
mexido na roupa dele, mas se lembra que ele estava com um short azul. Narrou que sua
mãe sempre disse que não era para deixar ninguém tocar em seu corpo, mas naquele dia
não sabia que o réu estava fazendo isso, pois pensou que era só uma brincadeira, mas
depois foi perceber isso. Afirmou que o réu esfregou o negócio dele na vítima, mas não
sabe o nome e nem pra que serve. Em seguida disse que a parte íntima do acusado
encostou na parte íntima da vítima e que o réu colocou a mão dele na parte íntima de
trás da vítima por baixo da roupa. Afirmou que sentiu bastante dor na parte íntima da
frente e um pouco embaixo. Chamou essa parte íntima de flor. Narrou que o réu falava
bem bravo para a vítima não contar para sua mãe. Disse que quando ia conversar algo
com sua mãe, com porta trancada, o réu falava com voz grossa ‘não conta para sua mãe
porque senão você vai ver, você não me conhece’. Relatou que depois de um mês contou
para a moça da creche, pois ela havia perguntado o que tinha acontecido para a vítima
estar chateada. Afirmou que respondeu que estava aliviada que o réu tinha ido embora
de casa e contou sobre o ocorrido. A moça da creche explicou tudo para a mãe da vítima
que foi então correndo para a creche, depois disso foi para a delegacia. Acrescentou que
a porta do banheiro ficava fechada, mas não trancada. Disse que o tio que estava em
casa se chama N. e é irmão de sua mãe. Disse que sua mãe não disse o que a vítima
deveria contar em juízo, sendo que sua mãe pediu que a vítima contasse só o que se
lembrava e o que não se lembrava que não deveria contar.”

A informante T.P.B., genitora da vítima, na fase judicial, corroborou as declarações de C., relatando
que ela contou que o recorrente, durante uma brincadeira, se esfregou contra seu corpo e passou as
mãos em suas partes íntimas. Afirmou que a ofendida também relatou que o recorrente teria esfregado
o pênis em sua genitália. Narrou, ainda, que a vítima teria dito que o réu, ao menos três vezes, abriu a
porta do banheiro enquanto ela tomava banho. Confira-se o depoimento transcrito nos termos das
mídias de IDs 26466900 a 26466905:

“[...] A informante T.P.B., mãe da vítima, relatou em juízo que se separou do réu em um
domingo, que na segunda passou o dia inteiro com a vítima e que na terça foi o dia que a
vítima foi para a creche da R.. Na terça quando a vítima chegou da escola, por volta de
13h, a vítima contou para R. que estava alegre por sua mãe ter se separado do réu, pois
ele tinha feito essas coisas com ela. Contou que diante disso foi ao hospital, à delegacia e
ao IML. Contou que a primeira pessoa a quem a vítima contou a história foi a R.. Disse
que a informante T. foi então a segunda pessoa que ouviu o relato da vítima, na presença
de R.. Relatou que ouviu a vítima dizer que o réu tinha passado a mão nas partes íntimas
dela por, no mínimo, duas vezes e feito algumas brincadeiras com ela, com a vítima
caindo em cima da barriga dele, se esfregando, e por no mínimo três vezes ele abria a
porta do banheiro enquanto ela tomava banho. Disse também que o réu ameaçava a
vítima dizendo que ela não podia falar para ninguém senão faria coisa pior com a
informante e com a vítima. Contou que essa brincadeira na cama aconteceu quando a
vítima estava atrasada para ir para o trabalho e o réu ficou de deixar a vítima na casa
da irmã da informante. Contou que essa brincadeira consistia em o réu jogar a vítima
para cima e deixar ela cair nas pernas dele, se esfregando nela. Mas a informante não
estava presente. Relatou que a vítima estava usando um pijama, pois era pela manhã.
Contou que a vítima não relatou que o réu tirou a roupa dela, só relatou que ele colocou
a mão por debaixo da roupa. Disse que o réu espiava a vítima no banheiro pela fresta da
porta. Disse que nunca conversou com o réu sobre os fatos. Relatou que a vítima piorou
bastante na escola, sendo que a escola chegou acionar o conselho tutelar quando soube
dos fatos. Acrescentou que contratou psicólogo particular para a vítima. Disse que se
relacionou com o réu por volta de dois anos, sendo que cerca de oito meses foram
morando na mesma casa. Relatou que a vítima ficava a sós com o réu algumas vezes do
dia, alguns dias da semana. Relatou que na época não tinha percebido que a vítima não
gostava do réu. Afirmou que sua filha ficou feliz quando a informante se separou do réu,
mas, no primeiro momento, não disse o porquê. Relatou que descobriu só na terça-feira o
motivo. Intimou que a vítima chama a parte íntima de ‘babau’, na região da frente.
Contou que a vítima reclamava as vezes que estava doendo ou que estava vermelha.
Disse que a vítima não afirmou se houve toque na parte anal, só na vagina mesmo.
Relatou que o réu tinha uma preocupação enorme se a vítima lavava a calcinha ou não
quando tomava banho e quando estava perto de sua filha menstruar. Contou que a vítima
chegou a relatar que o réu chegou a esfregar o pênis dele na genitália dela. Disse que o
réu era extremamente carinhoso e ciumento da vítima. Afirmou a vítima disse que quando
ele fazia esse tipo de coisas, ela dizia que ia fazer alguma coisa de muito grave com a
informante e com a vítima se a vítima contasse para a informante ou para alguém. À
assistência da acusação, respondeu que já viu a vítima muito emocionada, sem saber se
explicar direito. Nessas ocasiões a vítima inventava alguma estória para dizer que estava
chateada com alguém, mas não contava era porque o réu estava em casa. Quando o
acusado foi embora, a vítima afirmou que não contava por causa do acusado, por temer
que ele fizesse algo. À Defesa respondeu que no dia do término discutiram porque a
informante demonstrou que achava normal fumar e tomar cerveja mesmo estando
grávida, mas o réu respondia que a ela era uma mãe que não prestava e que nunca ia
querer ter filho com ela. Contou que os dois estava dentro do carro durante a discussão.
Negou ter dito que ia acabar com a vida do réu. Negou saber de ameaças em relação às
testemunhas. Contou que o carinho do réu em relação a vítima não parecia um
comportamento de pai com filha. Disse que o carinho excessivo do réu era no sentido de
dizer que todos que se aproximassem da vítima poderiam ser estupradores. Relatou que
sempre deixou claro que sua filha tem pai. Negou que sua filha tivesse chorado de
saudade do réu, mas sua filha já chorou de medo do acusado. Disse que não testemunhou
o acusado brincar de aranhinha com a vítima. Relatou que o banheiro de sua casa é
normal, a única questão é que a vítima era orientada a não trancar a porta para não
ficar presa. Disse que tem um box de vidro transparente. Afirmou que a vítima as vezes
tomava banho na creche, a depender do horário que era buscada. Ao juízo, respondeu
que a informante tem receio de o réu fazer algum mal a ela. Disse que trabalha em salão,
com agenda, e não tinha horário fixo, enquanto o réu trabalhava a noite como porteiro
noturno, dia sim, dia não. Relatou que a vítima estudava de manhã, a moça da creche a
pegava na escola e levava para a creche e então o réu as vezes buscava a vítima na
creche para deixá-la em casa até que a informante voltasse. Contou que já aconteceu de
o réu levar a vítima para a creche. Contou que confiava o réu à época dos fatos, pois o
conheceu aos dezoito anos, namoraram por volta de oito meses e nesse tempo
terminaram e ficaram anos afastados e depois de quase doze anos se reencontraram.
Relatou que fez a ocorrência por desespero de mãe. Afirmou que soube terça-feira por
volta de 13h30 por telefone que teria que ir correndo para a creche, pois estava
acontecendo essa situação. Disse que chegou na creche por volta de 14h ou 15h, pois
estava de ônibus. Contou que foi ao hospital por volta de 17h ou 18h.”

Ainda em Juízo, a testemunha R., proprietária da creche que a vítima frequentava, narrou que ela
estava feliz em razão do réu ter saído de casa. Disse que, ao questionar sobre este fato, a menor C.
contou que o recorrente fazia uma brincadeira que ela não gostava. Mencionou que a vítima relatou
que o acusado a colocava pra cima e, antes que ela caísse, a amparava e segurava entre suas pernas.
Embora, não se recordava com exatidão do seu depoimento na delegacia, confirmou que o leu em voz
alta e assinou. Rememorou que a vítima não contou o fato a sua genitora, pois ela acreditava que sua
mãe não acreditaria. Confira-se a seguinte transcrição extraída da sentença, nos moldes das mídias de
IDs 26466906 a 26466913:

“[...] A testemunha R.G.O. relatou, em juízo, que cuida da vítima em sua creche. Contou
que a vítima chegou do colégio e foi fazer as atividades rotineiras da creche, mas a
vítima começou a chorar e relatar que a vítima estava feliz porque o réu foi embora.
Narrou que questionou a razão dela estar feliz, pois o réu a tratava como filha e a vítima
respondeu que estava feliz porque o réu brigou com a mãe dele e tinha brincadeiras que
a vítima não gostava. Relatou que a vítima então contou dessa brincadeira de jogá-la
para cima e de olhá-la pela porta do banheiro. Narrou que ficou preocupada, pois a
vítima contou que o réu a colocava para cima e antes que ela caísse a amparava, mas
travava a vítima nas pernas. Disse que a vítima contava que essas brincadeiras
aconteciam diante da T. e com roupa. Negou que a vítima tivesse relatado que sua roupa
caiu, pois ficou muito preocupada e não estendeu a conversa. Não se lembra com
exatidão o que ouviu, mas o que disse à delegacia à época foi o que a vítima lhe passou.
Afirmou que a moça da delegacia leu em voz alta o depoimento e a testemunha, de
acordo, a assinou o depoimento. Perguntou à vítima por que não contou antes à mãe,
mas a vítima respondeu que não contou por que a vítima não ia acreditar nela. Negou
que a vítima tenha relatado que o réu a ameaçou. Contou que depois de revelar o fato, a
vítima passou cerca de duas semanas na creche e depois não voltou mais porque a vítima
não quis voltar. À assistência da acusação afirmou que a vítima não era tímida, mas as
vezes era quieta. Disse que o comportamento da vítima foi sempre exemplar e nunca
houve alteração de comportamento, mas acha que a vítima ficou com olhar mais triste,
mais caído, mas depois a vítima disse que não queria mais ficar na creche. À defesa,
respondeu que conhece o acusado e a T. apenas do portão para fora. Contou que o réu
era uma pessoa tranquila e educada. Relatou que o réu sempre buscava a vítima sozinho
e ela demonstrava felicidade em ir para casa. Disse que não tinha hora para o réu
buscar a vítima da creche. Disse que a vítima tomava banho na creche, mas algumas
vezes ia embora antes do banho ou a vítima preferia tomar banho em casa. Negou que a
vítima tenha mencionado a brincadeira de aranhinha com alguma outra criança da
creche. Negou que a vítima tenha demonstrado comportamento sexual ou ter feito algum
desenho sexual. Disse que a vítima reclamou do réu apenas uma vez. Disse que a vítima
chegou a dizer que estava arrependida, mas depois voltou a confirmar, mas preferiu não
entrar em detalhes com a vítima. Contou que a vítima contou os fatos depois de ter ido à
escola, sem que houvesse interferência ou indução por parte de T.. Negou que a vítima
tenha relatado ameaça da vítima contra o réu. Disse que não entrou em contato com o
réu, ele que entrou em contato com a testemunha. Afirmou ter pedido desculpas ao réu e
que pediria novamente. Relatou que conversou com o réu pelo Messenger, mas todas as
conversas dele ele apagava. Disse que o réu chegou a procurá-la tentando colocar a
testemunha contra a vítima e contra T., mas não guardou as mensagens. Ao juízo afirmou
que a conversa no facebook ocorreu cerca de um mês depois do acontecido, pois já não
tinha o whatsapp do réu. Relatou que o réu dizia que estava sofrendo por esse motivo.”
(grifo nosso)

Destaca-se que, na fase judicial, foi ouvida a informante I.K.S., contudo seu depoimento não
contribuiu para a elucidação dos fatos. Durante sua oitiva, a informante relatou fatos atinentes à
personalidade e à conduta social do recorrente. Asseverou que a genitora da vítima disse que queria
agredi-la após tomar conhecimento que ela iria prestar depoimento como testemunha de defesa. Por
fim, mencionou que o recorrente “foi como um pai para ela”, quando tinha entre cinco e seis anos de
idade (IDs 26466916 a 26466917).

Conforme se percebe, no caso dos autos, a vítima apresentou depoimentos harmônicos e coerentes,
corroborados pela sua genitora, que também foi ouvida em Juízo, apontando que o réu praticou o
abuso sexual, nos termos narrados na inicial acusatória.

Ressalte-se, por oportuno, que as pequenas contradições nas declarações da vítima na delegacia e na
fase judicial, bem como da testemunha R. não abalam a fidedignidade da prova, tendo em vista que a
dinâmica da conduta do recorrente referente ao abuso sexual restou devidamente comprovada sob o
crivo do contraditório.

Ademais, devido ao tempo transcorrido entre a data dos fatos (Entre 01/04/2019 e 30/04/2019) e a
data da audiência de instrução e julgamento (23/02/2021), quase dois anos, é possível que haja
pequenas divergências em relação a alguns detalhes na dinâmica do delito descrito na denúncia.

Registra-se que, embora a testemunha R. tenha dito em Juízo que não se recordava com exatidão das
palavras da vítima sobre os fatos, confirmou que a vítima estava muito feliz em razão do réu ter ido
embora de casa, haja vista que não gostava de suas brincadeiras, pois ele a segurava entre as pernas. A
referida testemunha, ainda, relatou que a vítima contou que o réu a observava enquanto tomava banho.

Portanto, a prova oral demonstra de maneira indene de dúvidas que o réu praticou abuso sexual sob o
pretexto de praticar uma brincadeira com a menor, saciando sua lascívia mediante o contato com as
partes íntimas da vítima, que tinha apenas nove anos à época dos fatos.

Destaca-se, ainda, que a versão apresentada pelo réu em juízo mostra-se isolada nos autos, pois a
versão dos fatos apresentada por ele não encontra qualquer respaldo no conjunto probatório em
análise.

A propósito, peço vênia para transcrever os bem lançados fundamentos da sentença sobre a questão,
adotando-os como parte integrante do presente voto:

“[...] Por outro lado, a versão prestada pelo acusado em juízo consistente em negar os
fatos e afirmar que mal ficava sozinho com a criança e que ela é “fortinha”, de modo
que ele não poderia jogá-la para cima não prospera. Ao que tudo indica, o acusado é
forte o suficiente para levantar uma criança de 10 (dez) anos e não juntou qualquer
prova de que tenha alguma deficiência que não o permita levantar uma criança ou
mesmo um adolescente quando apoiado em superfície plana, como uma cama. Além
disso, restou demonstrado ao longo da instrução que o réu ficava na casa com a vítima
em ocasiões que T. trabalhava, pois, segundo relato do próprio acusado, ele trabalhava
como porteiro em escala de 12 por 36 horas e as vezes ficava sozinho com a vítima pelas
manhãs aos sábados. T., por sua vez, relatou que trabalhava em um salão, sem hora
definida, por agenda, o que demonstra que o réu ficava em casa com a criança quando a
mãe estava longe. Ademais, R., responsável pela creche, disse que o acusado as vezes
buscava a criança na creche, sendo que algumas vezes a vítima não lanchava ou tomava
banho na creche, pois saia mais cedo.

Portanto, malgrado o acusado negue veementemente os fatos, a análise acurada dos


autos revela contradições que afastam a credibilidade de seu relato. [...]” (ID 26466945
- Pág. 11)

Insta consignar ser pacífico na jurisprudência que, em crimes contra a dignidade sexual, a palavra da
vítima – desde que as declarações sejam seguras, coerentes e corroboradas por outras provas – possui
inegável alcance, já que cometidos quase sempre sem a presença de testemunhas.

Nesse sentido:

“[...] 2 - Nos crimes sexuais, geralmente praticados às ocultas e sem a presença de


testemunhas, são de especial relevância as declarações da vítima, máxime se coerentes
com as demais provas. [...]” (Acórdão 1195820, 20170910125149APR, Relator: JAIR
SOARES, Revisora: MARIA IVATÔNIA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento:
22/8/2019, publicado no DJE: 26/8/2019. Pág.: 120/127)

“[...] 1. Nos crimes contra a dignidade sexual, por ocorrerem geralmente às ocultas, sem
a presença de testemunhas oculares, a palavra da vítima possui especial relevância, a
qual, se harmônica e coesa com as demais provas produzidas, é suficiente para embasar
a condenação. [...]” (Acórdão 1187418, 20181010012364APR, Relator: WALDIR
LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Revisor: SEBASTIÃO COELHO, 3ª TURMA CRIMINAL,
data de julgamento: 18/7/2019, publicado no DJE: 22/8/2019. Pág.: 141/143)

“[...] 1. Nos crimes contra a dignidade sexual, frequentemente cometidos às ocultas, sem
testemunhas, as declarações das vítimas, quando uniformes e coesas, em consonância
com os demais elementos de informação do processo, possuem especial relevância para
fundamentar a condenação, mormente quando corroboradas por outros elementos
probatórios, como prova testemunhal e relatórios técnicos. [...]” (Acórdão 1192094,
20110110392254APR, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Revisor: GEORGE
LOPES, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 25/7/2019, publicado no DJE:
14/8/2019. Pág.: 96 - 109)

“[...] 3. Em crimes contra a dignidade sexual, as palavras da vítima revestem-se de


especial valor probante, especialmente quando em harmonia com os demais elementos
dos autos, como o caso em comento, formando um conjunto probatório suficientemente
hábil a fundamentar o decreto condenatório.[...]” (Acórdão n.1122384, APR
20111210022620, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Revisor: JOÃO
TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 06/09/2018,
Publicado no DJE: 11/09/2018. Pág.: 175/195)

Nesse mesmo sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, verbis:


“[...] 4. A jurisprudência pátria é assente no sentido de que, nos delitos contra a
liberdade sexual, por frequentemente não deixarem vestígios, a palavra da vítima tem
valor probante diferenciado. Precedentes. (HC 428.251/SP, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 24/04/2018)

“[...] 2. Consoante a jurisprudência deste Sodalício, "em delitos sexuais, comumente


praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja
em consonância com as demais provas acostadas aos autos" (REsp 1699051/RS, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 06/11/2017 - grifo nosso).

3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 1222844/ES, Rel. Ministro


REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe
18/04/2018)

“[...] 1. Não há irregularidade no édito condenatório que utilizou, como elementos de


prova, o depoimento da vítima, os depoimentos das demais testemunhas e os laudos
(psicológico, psicossocial e de exame de corpo de delito), notadamente quando essas
provas foram produzidas na fase processual, em que há respeito ao contraditório.[...]”
(REsp 1465219/RN, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 13/03/2018, DJe 26/03/2018)

“[...] 4. Consoante a jurisprudência deste Sodalício, "em delitos sexuais, comumente


praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja
em consonância com as demais provas acostadas aos autos" (REsp 1699051/RS, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe
06/11/2017).

In casu, consta do aresto combatido que a palavra da vítima foi corroborada pelos
depoimentos da mãe, dos avós e de uma amiga da escola. Ademais, o psicólogo e a
assistente social disseram, em juízo, "que entrevistaram L. e ela relatou os fatos
conforme seu depoimento policial. Asseveraram que não havia indícios de que L. pudesse
estar inventando ou fantasiando os fatos". (AgRg no HC 425.744/RO, Rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe
08/03/2018)

Não bastasse a palavra da vítima, coerente e harmônica, respaldada nos elementos de convicção
colhidos na seara inquisitiva e nos depoimentos colhidos em Juízo, não merece prosperar a alegação
defensiva de que o resultado do Laudo de Exame de Corpo de Delito nº 17869/19 – Atos Libidinosos
e Lesão Corporal (ID 26466605), que atestou a ausência de vestígios de conjunção carnal, ato
libidinoso diverso da conjunção carnal ou lesões, seria capaz de afastar a caracterização do crime de
estupro.

De fato, cumpre ressaltar que a materialidade delitiva dos crimes sexuais pode ser comprovada por
outros meios, sobretudo pelos depoimentos da vítima coerentes com os depoimentos colhidos na fase
judicial, conforme ocorreu nos presentes autos.

Nesse diapasão:
“[...] 6. Inviável pedido de absolvição pelo fato de o Laudo de Exame de Corpo de Delito
não ter sido conclusivo para a constatação técnica de ato libidinosos diverso da
conjunção carnal, visto que tais atos dificilmente deixam vestígios materiais. [...]”
(Acórdão 1194575, 20180510038832APR, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS
SANTOS, Revisor: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de
julgamento: 15/8/2019, publicado no DJE: 21/8/2019. Pág.: 101-119)

“[...] 2. Nos crimes sexuais, a materialidade pode ser provada por várias maneiras.
Mesmo porque, ‘os crimes contra a dignidade sexual nem sempre deixam vestígios
identificáveis, motivo pelo qual a ausência de constatação de vestígios no laudo pericial
não acarreta necessariamente a absolvição.’ (Acórdão n.973806, 20120310003157APR,
Relator: ANA MARIA AMARANTE, Revisor: ESDRAS NEVES, 1ª TURMA CRIMINAL,
Data de Julgamento: 13/10/2016, Publicado no DJE: 24/10/2016. Pág.: 413/427).
Ademais, é comum que a perícia técnica ocorra após longo tempo depois de ocorridos os
abusos, inviabilizando a prova pericial. [...]” (Acórdão 1190600, 20161010049558APR,
Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Revisor: GEORGE LOPES, 1ª TURMA
CRIMINAL, data de julgamento: 25/7/2019, publicado no DJE: 9/8/2019. Pág.: 147-156)

“[...] IV - Nos crimes contra a dignidade sexual, por serem praticados às ocultas, sem a
presença de testemunhas oculares, e por vezes não deixarem vestígios capazes de serem
identificados por exames periciais, confere-se especial relevância à palavra da vítima, a
qual, se harmônica e coesa com as demais provas produzidas, é suficiente para lastrear a
condenação. [...]” (Acórdão 1187298, 20161310017426APR, Relatora: NILSONI DE
FREITAS CUSTODIO, Revisor: JESUINO RISSATO, 3ª TURMA CRIMINAL, data
de julgamento: 18/7/2019, publicado no DJE: 23/7/2019. Pág.: 149/160)

Nota-se, portanto, que o conjunto probatório coligido aos autos é robusto e evidenciou, sem nenhuma
dúvida, que os fatos atribuídos ao réu são verdadeiros.

Desse modo, tendo em vista que a prova produzida nos autos demonstra que o réu praticou abuso
sexual contra sua enteada C.R.P. quando ela tinha nove anos de idade, restou comprovada a prática
delitiva disposta no artigo 217-A do Código Penal.

Portanto, a análise do acervo probatório leva à conclusão diversa daquela adotada nas razões recursais
da Defesa, uma vez que a prova oral destoa da negativa apresentada pelo acusado na fase judicial,
inexistindo dúvida a respeito da prática do crime sexual contra a vítima C.R.P., nos termos indicados
na sentença condenatória.

Dessa forma, inviável o pleito absolutório.

DA DOSIMETRIA DA PENA

Quanto à dosimetria da pena, nenhum reparo merece a sentença, uma vez que os dispositivos legais
pertinentes foram bem observados pelo Juízo monocrático.
Na primeira fase da dosimetria, analisadas favoravelmente todas as circunstâncias judiciais, a
pena-base foi fixada no mínimo legal de 08 (oito) anos de reclusão.

Na segunda fase, ausentes atenuantes ou agravantes, a pena intermediária foi mantida no mínimo
legal de 08 (oito) anos reclusão.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição de pena e, presente a causa de aumento prevista no
artigo 226, inciso II, do Código Penal (padrasto), a reprimenda foi exasperada em 1/2 (metade),
restando fixada definitivamente em 12 (doze) anos de reclusão.

Adequada a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena imposta ao réu, com
fulcro no artigo 33, § 2º, alínea ‘a’, do Código Penal.

Dado o quantum da pena aplicada, escorreito o indeferimento da substituição da pena privativa de


liberdade por restritiva de direitos, bem como da suspensão condicional da pena, nos termos do
artigo 44, inciso I, c/c artigo 77, caput, ambos do Código Penal.

Mostra-se razoável a fixação como valor mínimo de reparação a título de danos morais a quantia de
R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos da sentença.

O apelante permaneceu solto por este processo, não havendo que se aplicar o artigo 387, § 2º, do
Código de Processo Penal (incluído pela Lei nº 12.736/2012).

Diante do exposto, conheço do recurso, rejeito as preliminares e, no mérito, nego-lhe provimento


para manter a condenação do recorrente nas sanções do artigo 217-A do Código Penal (estupro de
vulnerável), na forma dos artigos 5º, incisos I e II, e 7º, inciso III, ambos da Lei nº 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha), à pena de 12 (doze) anos de reclusão, mantidos o regime inicial fechado e a fixação
do valor mínimo de reparação a título de danos morais em R$ 1.000,00 (mil reais).

Nos termos do Provimento n.º 29 - CNJ e da Lei Complementar n.º 64/1990, a presente condenação
gera inelegibilidade em relação ao réu, de modo que seus dados devem ser incluídos no Cadastro
Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique
Inelegibilidade - CNCIAI do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Intime-se a ofendida acerca da manutenção da condenação do recorrente, nos termos da


Portaria-Conjunta 78/2016 – TJDFT.

É como voto.

[1] LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, Volume Único. 2ª Ed., rev., ampl. e atual.
Salvador: Editora Juspodvm, 2014, p. 129.

O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Revisor

A defesa argui, em preliminar, cerceamento de defesa, ao argumento de que o acusado prestou


declarações, na delegacia, desacompanhado de advogado; a parquet impediu a defesa técnica de
formular perguntas na audiência de instrução e julgamento; e indeferida a oitiva da psicóloga
contratada pela mãe da vítima.

A falta de advogado durante a oitiva do réu na delegacia não leva à nulidade do processo, haja vista a
natureza informativa e inquisitiva do inquérito.

Em se tratando de procedimento administrativo de investigação, prescindível a presença do advogado


do acusado, mesmo porque não há acusação, mas apenas o indiciamento do investigado, sendo
desnecessário o contraditório, que será exercido perante o juiz.

Não é outro o entendimento do Tribunal:

“(..) 1. Por ter o interrogatório policial natureza inquisitorial, sem acusação, mas apenas indiciamento,
não é obrigatória a presença de advogado. (...)” (Acórdão 1316205, 00035152320188070008, Relator
Des.: Sebastião Coelho, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/2/2021, publicado no PJe:
18/2/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.);

“(...) 1. Inexiste nulidade do interrogatório colhido em sede inquisitorial, uma vez que o recorrente foi
cientificado de seu direito constitucional ao silêncio e a presença de defensor em sede inquisitorial não
é obrigatória. Preliminar rejeitada. (...)” (Acórdão 1152428, 20160310120296APR, Relator Des.:
Maria Ivatônia, Revisor Des.: Roberval Casemiro Belinati, 2ª Turma Criminal, data de julgamento:
14/2/2019, publicado no DJE: 20/2/2019. Pág.: 179/197).

Não bastasse, eventuais vícios no inquérito policial não são capazes de macular os demais atos na
ação penal, em que foram produzidas provas e observados o direito ao silêncio e os princípios do
contraditório e da ampla defesa.

Compete ao juiz, como destinatário final da prova, valendo-se de sua discricionariedade regrada,
avaliar quais provas são pertinentes e úteis ao deslinde da causa.

Decidiu o Tribunal que “Não se mostrando a realização de perícia ou o questionamento à vítima das
perguntas impertinentes indeferidas imprescindíveis ao deslinde dos fatos, não há falar em nulidade
por ofensa aos princípios da ampla defesa e da verdade real, uma vez que o juiz pode indeferir as
provas entendidas desnecessárias e/ou protelatórias.” (Acórdão 1310227, 07131042520198070020,
Relator: Desembargador Waldir Leôncio Lopes Júnior, 3ª Turma Criminal, data de julgamento:
17/12/2020, publicado no PJe: 24/12/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Na audiência de instrução e julgamento, a defesa perguntou se a testemunha R. R. acreditava que a


vítima fora induzida a acusar o réu.

A representante do Ministério Público interveio, pedindo que a pergunta fosse feita de forma objetiva
(vídeo, ID 26466910).

A defesa reformulou, dizendo: “Gostaria de perguntar a testemunha se na visão dela C. tenha sido
instruída pela mãe a falar alguma versão dos fatos?” A representante do Ministério Público
interrompeu novamente, afirmando tratar-se da mesma pergunta (vídeo, ID 26466911).

O MM. Juiz então perguntou à testemunha se “alguma vez a C. falou que isso teria sido aprontado
pela mãe ou se teria sido sugerido pela mãe ou se houve alguma conversa a esse respeito?” (vídeo, ID
26466911).

A defesa perguntou à testemunha, ainda, sobre troca de mensagens entre ela e o réu. A parquet se
insurgiu em razão de referidas mensagens não terem sido juntadas aos autos (vídeo, ID 26466912).

Conquanto seja facultado ao julgador indeferir perguntas impertinentes ao deslinde da causa, note-se,
que o MM. Juiz não o fez.

Diante das manifestações do Ministério Público, no que tange a eventual direcionamento das
declarações da vítima por sua mãe, reformulou a pergunta feita pela defesa, tendo a testemunha a
respondido em seguida (vídeo, ID 26466911).

E, embora a defesa não tenha apresentado mensagens trocadas entre a testemunha e o réu por meio de
aplicativo ou pelo Facebook, esclarecida a pertinência da pergunta, o MM. Juiz permitiu que a
testemunha a respondesse (vídeo, ID 26466912).

Não houve prejuízo à defesa do réu. Todas as perguntas foram respondidas pela testemunha.

As pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, são
proibidas de depor, salvo se desobrigadas pela parte interessada (CPP, art. 207).

A mãe da vítima, representante legal da vítima absolutamente incapaz, não autorizou a psicóloga a
prestar declarações em juízo.

E a defesa não demonstrou que ela detivesse novas informações, diversas das apresentadas pela vítima
na delegacia e em juízo, capazes de justificar sua oitiva em juízo.

A alegação genérica de que o depoimento da profissional da área de saúde é prova imprescindível


para a defesa – sem que apontados elementos concretos que evidenciem o prejuízo –, por si só, não é
suficiente para se declarar nulidade (art. 563 do CPP).

Rejeito a preliminar.

Segundo a denúncia, o réu, entre o ano de 2018 e 5.5.19, praticou atos libidinosos diversos da
conjunção carnal com a vítima, sua enteada e menor de 14 anos à época dos fatos.

O réu foi condenado a 12 anos de reclusão, em regime fechado, e indenização por danos morais de R$
1.000,00, pelo crime do art. 217-A c/c art. 226, II, do CP c/c arts. 5º, I e II, e 7º, III, da L. 11.340/06.

A vítima, ouvida na delegacia especializada com 9 anos de idade, disse que foi abusada sexualmente
pelo réu, companheiro de sua mãe, na casa onde residiam, localizada na cidade Estrutural - DF. O réu
encostou o pênis na sua vagina e ânus sobre a roupa, além de “mexer” nas partes íntimas dela, por
baixo da roupa.

Em três ocasiões, ele entrou no banheiro, enquanto ela tomava banho. E a ameaçou dizendo que
“coisas” poderiam ocorrer com sua família, caso revelasse os fatos. Mas acabou contando à
empregada da creche que frequentava (ID 26466602, p. 4).

Em juízo, a vítima confirmou que sofreu abusos sexuais praticados pelo réu, companheiro de sua mãe
à época. Estava no quarto da mãe assistindo televisão, pois o tio estava usando o aparelho da sala. O
réu entrou, fechou a porta e pediu para se deitar ao lado dela.

Durante brincadeira denominada “arainha”, ele a lançou para o alto e a segurou de modo que ela
caísse sobre a barriga dele. Em seguida, o réu começou a se esfregar nela. “Eu fechei os olhos e ele se
esfregava em mim, bastante, na minha parte de baixo e depois ele gemia bastante e tremia e saiu um
pouco de gota assim, suor, e só”.

Sentiu os shorts e a calcinha descendo. A parte íntima do acusado encostou na sua parte íntima. E ele
passou a mão nas suas nádegas, por debaixo da roupa. Sentiu bastante dor “na parte da frente”.

Quando ia conversar com sua mãe, o réu falava com a voz grossa: “não conta para sua mãe porque
senão você vai ver, você não me conhece”. Contou os fatos à empregada da creche após ela perguntar
por que estava chateada. Disse que estava aliviada, porque o réu saiu de casa.

Não trancava a porta do banheiro porque poderia ficar presa. E sua mãe não disse o que deveria contar
em juízo. Falou que ela deveria falar apenas o que se lembrasse (vídeo, IDs 26466865/8).

A mãe da vítima, T. P. B., disse em juízo que se separou do réu em um domingo. Na terça-feira
seguinte, a vítima revelou os abusos à empregada da creche onde estudava.
Soube pela empregada da creche que o réu passou a mão no corpo da filha, no mínimo duas vezes, e
realizou brincadeiras consistentes em deixar a vítima cair sobre sua barriga para se “esfregar” nela. A
empregada relatou, ainda, que três vezes, o réu abriu a porta do banheiro, enquanto a filha tomava
banho.

A vítima não disse se o réu tirou a roupa dela, apenas que passou a mão sob sua roupa, tocando na sua
vagina.

Levou a filha à delegacia, ao hospital e ao IML. Nunca conversou com o réu sobre os fatos. A escola
acionou o Conselho Tutelar em razão do baixo desempenho escolar da vítima. Contratou psicóloga
particular para a vítima.

O réu era carinhoso, mas tinha muito ciúme da vítima. Ele se preocupava de maneira excessiva se ela
lavava a calcinha, tomava banho ou estava próxima de menstruar.

Acrescentou que a vítima disse não ter revelado os fatos por temer o réu. Discutiu com réu, mas não
disse que iria acabar com a vida dele (vídeos, IDs 26466900/6).

A testemunha R. R. afirmou, em juízo, que a vítima chegou à escola para suas atividades diárias.
Percebeu que ela estava chorosa, mas disse que estava feliz porque o réu saíra de casa.

A vítima esclareceu que ele fazia brincadeiras que ela não gostava. Ele a jogava para cima e prendia
em suas pernas. E a olhava pela porta do banheiro. Não quis saber maiores detalhes do caso.

A vítima apresentava comportamento exemplar. Depois ficou com “olhar triste”. Duas semanas após
revelar os fatos, a vítima deixou de frequentar a escola.

O réu lhe enviou mensagem para tentar colocá-la contra a vítima e mãe dela. Não guardou as
mensagens (vídeos, IDs 264669007/13).

A informante I. K. S. B. afirmou, em juízo, que conhece o réu há mais de vinte anos e acompanhou o
relacionamento dele com a mãe da vítima. Ele a criou como filha e sempre foi muito respeitoso. A
mãe da vítima ao saber que a informante seria ouvida em juízo, disse: “queria dar na cara” (vídeo, ID
26466916/7).

O réu, em juízo, disse que ficava sozinho com a vítima aos sábados das 9h40 às 11h00. Negou que
tenha tirado as roupas ou tocado nas genitálias da vítima. Não teria condições de lançar a vítima para
o alto porque ela é bem “fortinha”. Acredita que inventaram os abusos porque ele, durante discussão,
xingou a mãe da vítima. Ela revidou dizendo que “você vai me pagar por esse nome de puta que você
tá me chamando”.

Mandou mensagens para a testemunha R. R. porque ficou sem entender o que estava acontecendo.
Nunca tocou a vítima com conotação sexual nem a olhou enquanto ela tomava banho. Soube pelo tio
da vítima que ela estava chorando porque ele (réu) não se despediu dela (IDs 26466918/22).

Nos crimes sexuais, geralmente praticados às ocultas e sem a presença de testemunhas, é de real valor
probatório o depoimento da vítima, máxime se coerente com o que foi apurado na fase investigatória e
com as demais provas, como ocorreu no caso.

Nesse sentido, os seguintes julgados do e. STJ e do Tribunal:

“(...)

10. A jurisprudência é assente no sentido de que, nos delitos contra liberdade sexual, por
frequentemente não deixarem testemunhas ou vestígios, a palavra da vítima tem valor probante
diferenciado, desde que esteja em consonância com as demais provas que instruem o feito.” (REsp
1659662/CE, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/04/2017, DJe 19/04/2017);
“(...)

II. O delito de estupro de vulnerável possui amplas formas de consumação, que nem sempre deixam
vestígios, sendo dispensável a prova pericial, quando for suprida por outros meios de prova, como
ocorre na hipótese em apreço.

III. É cediço que, em crimes desta natureza, comumente praticados longe de testemunhas oculares e
sem deixar vestígios detectáveis por perícia, a palavra da vítima guarda especial relevância probatória,
sendo suficiente para embasar a condenação, ainda que se trate de vítima de tenra idade, quando
aliada a outras provas produzidas nos autos.

(...)” (Acórdão n.1018679, 20120510056132APR, Relatora: Desa. Ana Maria Amarante, 1ª Turma
Criminal, Data de Julgamento: 18/05/2017,Publicado no DJE: 25/05/2017. Pág.: 348/364);

“(...)

1. Nos crimes contra a dignidade sexual, por serem, na maioria dos casos, praticados sem a presença
de testemunhas, e, por vezes, não deixarem vestígios capazes de serem identificados por exames
periciais, confere-se especial relevância à palavra da vítima, principalmente se for harmônica e coesa
com as demais provas produzidas nos autos.

(...)” (Acórdão n.1012996, 20140410038805APR, Relator: Des. João Timóteo de Oliveira, 2ª Turma
Criminal, Data de Julgamento: 20/04/2017, Publicado no DJE: 03/05/2017. Pág.: 129/144).

A vítima afirmou, na delegacia e em juízo, que o réu se aproveitou de alguns momentos em que
estavam desvigiados na casa para praticar os atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Seus
relatos foram corroborados pela testemunha R. R. e pela mãe dela.

A versão do réu de que a mãe da vítima inventou os fatos para se vingar, em razão de ele tê-la
xingado, não encontra respaldo nas demais provas dos autos.

Embora o réu e a mãe da vítima tenham discutido poucos dias antes do registro do boletim de
ocorrência, a vítima relatou os fatos à empregada da creche depois que o réu já havia saído de casa.

Não é crível que criança de tenra idade iria conspirar com sua mãe contra o réu e inventar fatos de
tamanha gravidade, mantendo a narrativa com detalhes, e se submeter a tratamento psicológico, sem
que os fatos realmente fossem verdadeiros.

Aliás, tais revelações causaram prejuízo à mãe da vítima, na medida em que a escola acionou o
Conselho Tutelar a fim de verificar o baixo desempenho escolar da vítima, que deixou a creche após
revelar os fatos.

Conquanto não se tenha notícia de abusos do acusado contra outras crianças do seu convívio, tal
circunstância não é suficiente para enfraquecer as provas em seu desfavor.

O réu confirmou que ficava sozinho com a vítima nas manhãs de sábado. Ainda que houvesse outra
pessoa na casa no dia em que ocorreu o abuso, certo é que esse ocorreu às escondidas, pois, ao entrar
no quarto onde a vítima estava, o réu fechou a porta.

E os abusos sofridos – encostar o pênis da vítima e tocar suas partes íntimas, justificam o fato de o
laudo de exame de corpo de delito ter resultado negativo (ID 26466605), o que não prejudica em nada
a prova do crime -- em que praticados atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

As provas não deixam dúvidas de que o apelante cometeu o crime do art. 217-A do CP. Não é o caso
de absolvê-lo.

Nos crimes sexuais contra vulnerável, a pena é aumentada de metade, se o agente é ascendente,
padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da
vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela (inciso II, art. 226, do CP).

Incide a causa de aumento do art. 226, II, do CP se o agente é padrasto da vítima e exerce autoridade
nas relações domésticas, de coabitação e de hospitalidade, sobre a vítima.

Não é outro o entendimento do Tribunal:

“(...) 4. Comprovada pela prova oral que o réu, como companheiro da avó materna, convivia com a
infante e tinha vínculo afetivo com esta, fator determinante para a prática dos delitos, pois exercia
sobre esta autoridade, deve ser mantida a causa de aumento prevista no artigo 226, inciso II, do
Código Penal (...).”

(Acórdão n. 582277, 20100310086545APR, Relator: Des. Roberval Casemiro Belinati, 2ª Turma


Criminal, Data de Julgamento: 26/04/2012, publicado no DJE: 02/05/2012. Pág.: 181);

“(...) 1. Mantém-se a condenação pelo crime de estupro de vulnerável se o acervo probatório, colhido
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, mormente as declarações da ofendida, corroboradas
por outras provas testemunhais harmônicas, são incontestes no sentido de que o réu praticou ato
libidinoso com menor de 14 anos.

2. Se o apelante é avô por afinidade da ofendida e sobre ela exercia autoridade, consoante confirmado
nos autos, mantém-se a causa de aumento prevista no art. 226, inciso II, do Código Penal.

3. Recurso conhecido e desprovido.”

(Acórdão 1144054, 20180310029197APR, Relator Des.: João Batista Teixeira, Revisor Des.: Jesuino
Rissato, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 6/12/2018, publicado no DJE: 17/12/2018. Pág.:
177/185).

O réu, companheiro da mãe da vítima, tinha autoridade sobre a ofendida, tanto que tinha autorização
para buscá-la na creche.

Incide, pois, a causa de aumento de pena do art. 226, II, do CP.

Individualização da pena.

Na primeira fase, a sentença considerou favoráveis as circunstâncias judiciais e fixou a pena-base no


mínimo legal - 8 anos de reclusão.

Sem circunstâncias atenuantes e agravantes, mantenho a pena fixada na fase anterior.

Na terceira fase, inexistente causa de diminuição e presente a causa de aumento do art. 226, II, do CP,
mantém-se o aumento – na metade – e a pena definitiva em 12 (doze) anos de reclusão.

O regime prisional é o fechado, nos termos ao art. 33, § 2º, “a”, do CP.
O quantum da reprimenda não autoriza sua substituição por restritiva de direitos ou a suspensão
condicional da pena (arts. 44 e 77 do CP).

Consideradas as condições econômicas do acusado – porteiro -, mantenho o valor mínimo de R$


1.000,00 (mil reais) a título de indenização por danos morais.

Nos termos da Portaria Conjunta 60, de 9 de agosto de 2013, do TJDFT, a condenação pelo crime de
estupro deve ser incluída no Cadastro Nacional de Condenados por ato de improbidade administrativa
e por ato que implique inelegibilidade – CNCIAI, instituído pelo CNJ.

Nego provimento.

O Senhor Desembargador ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO - 1º Vogal


Com o relator

DECISÃO

REJEITAR AS PRELIMINARES. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.

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