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VÍCIOS REDIBITÓRIOS E O CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Ana Lúcia Penhalbel Moraes


Professora de Direito Processual Civil no Cesumar.
Mestranda em Direito Civil pela Universidade
Estadual de Maringá. Magistrada no Paraná.

fornecedores.
I. Introdução Num primeiro momento,
acreditou-se que as próprias regras
O advento do Código de de mercado seriam protetoras das
Defesa do Consumidor relações de comércio e de
representou, para a realidade consumo, em razão da aplicação
nacional, um marco evolutivo, das chamadas leis de mercado, no
consistente no rompimento de entanto, o tempo se encarregou de
conceitos civilistas arraigados, mostrar que, quanto maior o
não somente no raciocínio progresso e a modernização das
jurídico, mas, também, no relações, maior a verificação de
entendimento da grande massa dos desigualdades, pois o poder do
consumidores. pólo ativo das relações de
As mudanças econômicas e produção e consumo passou a ser
sociais advindas do pós guerra, proporcional a hipossuficiência do
trouxeram como efeitos a pólo passivo das mesmas, uma vez
modernização dos conceitos de que as legislações inspiravam-se
produção e distribuição de no individualismo propunham-se a
produtos e serviços e a quase proporcionar uma mera igualdade
supressão das relações de consumo formal, que mostrou-se,
individuais, que não mais se posteriormente insuficiente como
coadunavam com as modernas forma de controle e proteção.
exigências do mercado, onde a Tais modificações de ordem
velocidade e a quantidade das econômica e social, determinaram
negociações de comércio exigiam, o surgimento de sistemas jurídicos
e ainda exigem, cada vez mais, a efetivamente protetivos para os
universalização dos produtores e sujeitos mais

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fracos das novas relações descaracteriza o fato de que os
verificadas, uma vez que o indivíduos possuem ampla
principal reflexo da nova realidade liberdade de contratar, podendo
social e econômica era o fazê-lo ou não, dependendo de seu
desequilíbrio, e, arbítrio, possuem ainda, ampla
conseqüentemente, a busca, liberdade de escolha de
através da legislação da correção contratante, podendo acordar-se
das desigualdades, como se pode com quem quer que seja, salvo
verificar com o surgimento, por excepcionalíssimas situações
exemplo, das legislações de previstas em lei, e possuem., por
proteção trabalhistas, último, ampla liberdade de
previdenciárias e consumeristas, estabelecimento de cláusulas e
que tem como elo de ligação a condições nos contratos,
tentativa de estabelecer uma ressalvados, por óbvio, os
igualdade real entre os pólos das princípios de ordem pública.
relações jurídicas que são objeto A importância destas tais
de suas normas. normas protetivas esbarra,
Foi a busca da justiça nas efetivamente, nesta afirmação, não
relações sociais, a necessidade da foi o fundo das relações
manutenção da ordem pública e de modificado, nem com o advento
pacificação social que da globalização da economia, nem
determinaram, as alterações com massificação do mercado e do
legislativas necessárias à exata consumo, nem com o
aplicação do princípio da estabelecimento de novos e mais
isonomia, no sentido de eficientes meios de produção, mas
representá-lo como instrumento de sim, e fundamentalmente, o foram
correção das distorções os princípios de ordem pública que
promovidas pela nova ordem instruem estas relações, que,
socioeconômica. claramente passaram a refletir
O advento destas normas inspirações mais comprometidas
protetivas e esta aparente com as necessidades de tutela
revolução na ciência jurídica, exigidas pelos menos favorecidos.
especificamente no que tange às A regulamentação em nossa
relações de consumo, não

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sistemática jurídica da vícios ou defeitos ocultos de um
responsabilidade decorrente de bem, o código Civil Brasileiro
vícios - mesmo em se tratando de prevê o instituto da redibição, que
relações de consumo antes do é regulamentado pelo seus artigos
advento do CDC -, durante quase 1.101 a 1.105.
três quartos de século foi Trata-se de receptação do
determinada sobre as bases dos direito romano, onde se verificava,
vícios redibitórios, que, em decorrência dos vícios, dois
evidentemente, serviram, e ainda tipos de ação: a redíbítoría que
servem, para a regulamentação das permitia ao adquirente a devolução
relações negociais comuns, mas se do bem maculado com vício ou
mostram insuficientes para defeito ao alienante e a restituição
responder às necessidades da quantia paga, e a quantí
protetivas das relações de minorís, que objetivava a redução
consumo, como bem lembra no preço, correspondente à
PAULO LUIZ NETO LÔBO1. diminuição do valor causado pela
Os atuais fenômenos de existência do vício.
consumo, certamente, são muito O conceito estabelecido para os
mais complexos que as relações vícios redibitórios é que são vícios
negociais inspiradoras das normas ou defeitos ocultos, que tornem a
pertinentes aos vícios redibitórios, coisa imprópria para o uso a que é
exigem, então, sistemática própria destinada ou diminuam seu valor.
de tratamento, sob pena de se A configuração do vício
imprimir igual sistematização a redibitório na regulamentação civil
situações absolutamente exige:
heterogêneas.
a) que o contrato seja
II. Os Vícios na Sistemática do comutativo2 (art. 1.101), ou como
Código Civil expressa PLANIOL3, que seja de
modo que as partes
Visando regular a situação de

_____________
1
LOBO Paulo Luiz Neto. Responsabilidade por Vícios nas Relações de Consumo,'p- 33., .
2
Sendo permitida também a proteção às doações com encargo na forma do parágrafo único do
art. 1.101 do CC.
3
apud SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol. XV, p. 340.

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possam, imediatamente apreciar os No entanto, quando não
benefícios e as perdas resultantes expressa a irresponsabilidade do
do acordo. vendedor, inadmite-se a exclusão.
mesmo nos casos em que o
b) que o vício seja grave de tal alienante desconheça ao vícios
forma que torne a coisa imprópria apresentados pela coisa, quando
para seu consumo ou diminua seu deve restituir o preço e as despesas
valor (art. 1.101); do contrato, e, quando os conheça,
além da devolução do preço fica
c) que o adquirente não tenha obrigado ao pagamento das perdas
percebido o Vício anteriormente e danos havidos pelo adquirente
ao negócio, ou seja, que se (art. 1.103).
apresente o vício ou defeito oculto, A responsabilidade em
de forma que, se o conhecesse, não decorrência de vícios redibitórios
realizaria o contrato, no entanto, é, fundamentalmente pessoal, ou
não se Exige o mesmo seja, somente pode ser exercido o
desconhecimento pelo alienante, direito de pleitear a redibição do
nem se lhe permite tal alegação contrato ou o abatimento
como defesa (art. 1.102 e 1.101); proporcional do preço em face
daquele que vendeu o bem, não
d) que o Vício ou defeito seja existindo solidariedade com
preexistente à tradição e não tenha antecessores do negócio, caso,
sido sanado (art. 1.104); e porventura, possa ser caracterizada
uma cadeia negocia!.
e) que o Exercício da ação se Exige-se, também, que o Vício
dê no prazo legal (art. 172 § 2°). da coisa exista ao tempo da
tradição, conforme se verifica do
O Código Civil, no entanto, art. 1.104 do CC, cumprindo, no
aceita, como se verifica do art. entanto, a prova de que o Vício é
1.102, que se formule cláusula de anterior, ao adquirente.
exclusão de responsabilidade pela Note-se que o critério adotado
existência vícios redibitórios, pois pela legislação civil para a
sua inspiração legislativa é liberal, devolução do preço e
e a recepção da teoria da vontade é
franca em todo o sistema.

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ressarcimento das despesas de preço, ou seja as ações redibitória
contrato é objetivo, ou seja, não se e quanti minoris oriundas do
questiona a culpa ou o direito romano, às quais já se fez
conhecimento do vício pelo referência.
alienante, e nem se admite como Finalmente, determina o
matéria de defesa tais alegações Código Civil que o prazo para a
como excludentes desta propositura das ações referentes a
responsabilidade. busca da redibição do contrato ou
No entanto, se o alienante do abatimento proporcional do
conhecia a situação viciada ou preço pago em razão de vício
defeituosa do bem, deve arcar não redibitório prescreve em quinze
só com a devolução do preço e a dias, na forma determinada pelo
indenização pelas despesas art. 178 § 2° do mesmo diploma.
decorrentes do contrato, mas Como se pode verificar, a
também com o pagamento de sistemática civil tem em linha de
indenização por perdas e danos na estima as relações negociais
forma do art. 1.103 do CC, a qual individuais ou singulares, e,
não se circunscreve à durante longa data foi o único
responsabilidade contratual mas meio de que poderiam servir-se os
abrange, também a contratantes para protegerem-se
responsabilidade aquiliana na das situações de vícios dos objetos
forma do art. 159 do CC, devendo- contratuais.
se esta determinação ao princípio
fundamental da boa fé nas relações III. Da Insuficiência da
negociais, que, inverificada deve, Sistemática Civil
segundo as disposições analisadas
ser um gravame à responsabilidade Podemos observar que, com a
do vendedor. globalização da produção de bens
As soluções propostas pelas e com a massificação das relações
normas civis são, na forma do art. de consumo, temos o surgimento
1.105 a rejeição da coisa pela de novas· formas negociais, o que
redibição do contrato ou o demonstram a insuficiência das
abatimento proporcional do disposições do Código Civil para a
regulamentação das novas

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situações apresentadas, principal- ensina o Prof. NELSON NERY
mente se tivermos em vista as JÚNIOR5. No entanto, não deixa
relações de consumo. de ser relação jurídica, ou seja, o
vínculo que une duas ou mais
Ocorre que, como ensina LUIZ pessoas decorrente de um fato,
GAST ÃO PAES DE BARROS previsto em norma que produz
LEÃES4, "como decorrência da efeitos jurídicos6 e, como tal,
fabricação em série, característica apresenta-se como continente de
da indústria contemporânea, três elementos compositivos: os
observou-se uma crescente sujeitos, o objeto e o vínculo de
desindividualização não só dos atributividade.
produtos, como também do
adquirente, passando a Nas lições de PAULO
desempenhar papéis de relevo no NADER7 temos como sujeitos os
mercado os artigos tipificados e o ocupantes da relação como
consumidor ou utente anônimos, e titulares do direito ou do dever;
não mais o bem e o comprador como objeto da relação jurídica
totalmente identificados, daí a temos o elemento ou, mais
insuficiência das técnicas precisamente o bem, sobre o qual
concebidas pela ordem jurídica recai a exigência do sujeito ativo e
para enfrentar o fenômeno da o dever do sujeito passivo; e,
produção e do consumo de finalmente, como vínculo de
massa". atributividade temos no conceito
de MIGUEL REALE8 o “poder
Com efeito, a relação de conferido a cada um dos
consumo, é uma relação jurídica, participantes da relação de
mais precisamente aquela pretender ou exigir algo
existente entre fornecedor e determinado ou determinável,
consumidor, tendo como objeto a tendo por origem o contrato ou a
aquisição de produtos ou a lei”.
utilização de serviços, como

________________
4
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. As Relações de Consumo e o Crédito ao Consumidor, p.
12.
5
NERY JÚNIOR. Nelson et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 270.
6
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do Direito, p. 268.
7
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do direito, p. 364/368.
8
Apud NADER, Paulo. Ob. cit. p. 365.

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Ocorre que a relação de física ou jurídica que adquire ou
consumo, jurisdicizada pela Lei utiliza produto ou serviço como
8.078/90, define os elementos destinatário final.
desta relação jurídica de forma "Parágrafo único. Equipara-se a
muito mais ampla do que na consumidor a coletividade de
definição apontada pela teoria pessoas, ainda que
geral do direito, tendo em vista o indetermináveis, que haja
caráter específico da norma. intervindo nas relações de
consumo.
Para a Lei 8.078/90 os sujeitos
da relação de consumo são o Art. 17 Para os efeitos desta seção,
fornecedor e o consumidor, e o equiparam-se aos consumidores
todas as vítimas do evento.
objeto na relação de consumo,
como ensina ROBERTO SENISE Art. 29 Para os fins deste Capítulo
LISBOA9, é o bem de consumo, e do seguinte, equiparam-se aos
existente na espécie produto ou consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às
serviço. práticas nele previstas.
Ocorre que a definição de Ora, logicamente, tais
consumidor, ou seja, de um dos conceitos ou "interpretações" de
sujeitos da relação jurídica consumidor não se podem
tutelada como relação de equiparar com o sujeito tutelado
consumo, não se esgota no artigo na sistemática civil atinente aos
2° do código de Defesa do vícios redibitórios, uma vez que a
Consumidor. inspiração do legislador de 1916
Com efeito, o CDC não traz, e não poderia ser equiparada a do
nem seria possível trazer em um legislador de 1990, dado o
único conceito, a figura do contexto social em que se
consumidor, pelo que se verifica encontravam um e outro.
que tal conceituação na atual Também o objeto da relação de
sistemática pátria é p1urívoca e consumo, não se circunscreve ao
plurívoca analógica10. objeto da relação contratual nos
Veja-se: moldes em que se verifica quando
da aplicabilidade das
Art. 2º Consumidor é toda pessoa

________________
9
LISBOA Roberto Senise. O Vício do Produto e a Exoneração da Responsabilidade, p. 96.
10
LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor, p. 38.

91
normas pertinentes aos vícios dos vícios na relação de consumo,
redibitórios. embora estas, reguladas
O objeto da relação civil é atualmente pelo CDC, possuem
denominado coisa, portanto, tudo como característica diferenciadora
quanto seja suscetível de posse uma maior amplitude de
exclusiva pelo homem, sendo incidência e uma maior proteção
Economicamente apreciável11, legal, não possuindo, contudo
portanto, exclui-se do campo da diferenças ontológicas.
redibição os denominados
"serviços", que, como já se IV: Os Vícios na Sistemática do
verificou, são espécie dos CDC
denominados bens de consumo,
juntamente com os produtos. O código do Consumidor, trata,
As formas negociais também no seu capítulo IV "Da qualidade
apresentam-se, modernamente, de produtos e serviços, da
desenvolvidas de forma a atender prevenção e da reparação dos
a urgência do mercado, a grande danos", que, em sua seção III,
maioria dos contratos de consumo, elenca nos artigos 18 a 25 as
diferentemente do início do disposições acerca "Da
século, tem como forma os responsabilidade por vícios do
chamados contratos de adesão, produto e do serviço".
onde os instrumentos contratuais As soluções apresentadas para
não demonstram um acordo de a verificação dos vícios são, como
vontades, mas a imposição se pode verificar, muito mais
unilateral de normas contratuais abrangentes do que as disposições
firmadas para a o aceite do CIVIS, não se limitando a simples
aderente de cláusulas de redibição do contrato com a
impossível exclusão ou devolução do preço pago, ou ao
modificação, ficando o abatimento proporcional do preço
contratante limitado à aceitação ou e a permanência do bem, mas,
não da vontade do contratado. além
Podemos, portanto, verificar
que a sistemática civil foi
insuficiente para a regularização

_________________
11
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Volume I, p. 136.

92
delas, se permite a substituição das os fornecedores se eximissem de
partes viciadas do produto (art. 18 suas responsabilidades, o que vem
caput parte final), e ainda, a vedado no art. 25, deste mesmo
substituição do produto por outro código”12.
de mesma espécie, em perfeitas Assim, o direito do
condições de uso ( art. 18, § 1°, I), consumidor de ver-se não
sendo ainda a escolha do prejudicado em razão do vício
adquirente, no caso, consumidor. apresentado pelo produto não se
A responsabilidade pelos vícios exaure na pessoa do vendedor,
do produto ou do serviço prevista mas pode ser exercido, conjunta
pelo CDC, como se pode perceber ou isoladamente, em face de
da análise dos dispositivos quaisquer daqueles que tenham
pertinentes é sem culpa, garantia intervindo na relação de
que se agiganta com a fornecimento.
determinação da solidariedade Também em relação aos vícios,
entre fornecedores perante os trata o CDC dos casos dos
consumidores. serviços, não contemplados na
Note-se que a responsabilidade sistemática dos vícios redibitórios
solidária entre os fornecedores da legislação civil.
descrita no CDC é a mesma Trata o art. 20 do CDC dos
sistematizada nos artigos 904 a vícios de qualidade dos serviços,
915 do código Civil, sendo que, no que os tornem impróprios ao
entanto, excetua-se a consumo ou que lhes diminuam o
aplicabilidade do art. 912 do CC, valor, ou os que se apresentem
uma vez que "este art. 912 diz díspares com as indicações
respeito à renúncia da constantes da oferta ou mensagem
solidariedade pelo credor. Na publicitária, sendo as soluções
vertente hipótese, a solidariedade apresentadas consistentes na
foi estabelecida neste Código para alternatividade à escolha do
a proteção do consumidor, sendo, consumidor da reexecução do
por essa exata razão, inadmissível serviço, sem custo adicional e
sua renúncia, eis que, admitindo-a,
estar-se-ia abrindo as portas a que

_______________
12
ALVIM, Arruda. et alli, Código do consumidor Comentado, p. 145.

93
quando cabível (art. 20, I), a consumidora, ou seja, são modos
restituição imediata da quantia de indução de consumo pelo
paga, monetariamente atualizada, fornecedor, verificando-se como
sem prejuízo de eventuais perdas e verdadeiros chamarizes do
danos (art. 20, II) ou o abatimento público.
proporcional do preço (art. 20, III). Tal determinação legislativa,
Conceitua ainda o CDC os tem em linha de estima a
serviços impróprios como os que preservação das informações
se mostrem inadequados para os corretas e adequadas ao
fins que razoavelmente deles se consumidor, que, inverificadas,
esperam, bem como aqueles que constituem-se em vícios do
não atendam as normas produto ou serviço por expressa
regulamentares de prestabilidade. disposição legal.
É interessante a observação que Podemos notar que o código do
o CDC não reconhece como vício Consumidor, na tratativa dos
somente os capazes de diminuição vícios do produto ou do serviço,
de valor do produto ou serviço ou implicitamente, ao contrário da lei
os que tornem inadequados aos civil que é expressa, tem como
fins, mas, também, os que são requisito da responsabilidade a
verificados em razão de comutatividade do contrato, ou
disparidade com indicações seja, exige-se que seja oneroso
constantes do recipiente, (caráter do contrato comutativo) e
embalagem, rotulagem ou que a vantagem obtida pelas partes
mensagem publicitária (no caso contratantes consista numa coisa
dos produtos) ou de disparidade certa e determinada, embora sem
com as indicações constantes na escapar dos riscos relativos à
oferta ou mensagem publicitária coisa, nem à oscilação sobre seu
(no caso dos serviços). valor, como ensina SERPA
Isto porque, são fatos que LOPES13.
determinam a atividade Como se observa, tanto em

_________________
13
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil, Volume 11, p. 36.

94
relação aos produtos, como em posteriormente é sua revelação. O
relação aos serviços, exige a vício é aparente também no
sistemática do CDC a gravidade momento da entrega, dela
do vício, de forma que seja decorrendo o prazo para o
verificada a impropriedade ou a exercício das pretensões postas à
inadequação (no caso dos disposição do comprador.
produtos), ou a diminuição de seus A proteção ao consumidor
valores, ou os que se apresentem revela-se, sobremaneira, no caso
em disparidade com a oferta ou da discussão em relação à
indicação ou mensagem preexistência do vício uma vez
publicitária. que, diferentemente da legislação
O vício, para os fins de civil, onde o ônus da prova cabe
proteção do CDC, não se ao adquirente, na sistemática do
circunscreve ao vício oculto, para CDC, mais atenta à
fins de proteção do consumidor, hipossuficiência do consumidor,
mas, também, protege-lhe quando entendendo o juiz, este será do
os vícios do produto ou do serviço fornecedor, em razão da outorga
são aparentes ou de fácil desta possibilidade pelo do art. 6°
constatação. VIII, que é uma das regras gerais
A preexistência do vício à para todas as relações de consumo.
época da tradição não é explícita Expressamente, em seu art. 23,
no código de Defesa do o CDC determina que a ignorância
Consumidor, e assim também não do fornecedor sobre os vícios de
o é no código Civil na tratativa dos qualidade por inadequação dos
vícios redibitórios, no entanto ela produtos ou serviços não o exime
decorre da própria proteção que se da responsabilidade, em razão da
quer prestar, com efeito, lembra adoção, neste dispositivo, da teoria
PAULO LUIZ NETO LOBO14 da responsabilidade por culpa
que, no que se refere a presumida, que inadmite prova em
concomitância do vício quando da contrário, ou seja,
entrega do objeto do contrato, o
vício é oculto no momento da
entrega; o que ocorre

____________
14
LOBO, Paulo Luiz Neto. Ob. cit., p. 34.

95
vigora uma presunção juris et de Código. Teleologicamente, pois,
jure, de culpa do fornecedor. interpretação permissiva de
Embora tal disposição possa invocação de ignorância do vício,
levar ao entendimento de que nos por parte do fornecedor descabe.
demais vícios a responsabilidade
do fornecedor possa deixar de ser Assim como na sistemática
objetiva, e assim ser dependente civil, a garantia da sanação do
da comprovação de culpa ou dolo, vício independe de termo
não é esta a melhor interpretação a expresso, ou seja, mesmo que nada
ser dada a matéria. convencionem as partes sobre a
Come efeito, preleciona possibilidade de quaisquer das
ARRUDA ALVIM15 que se fosse soluções previstas no diploma
admitida a alegação de ignorância legal, as mesmas podem ser
por parte do fornecedor, só por invocadas em benefício do
isso, já se estaria eximindo-o de consumidor.
sua culpabilidade. O exame da
culpa do fornecedor daria margem No entanto, uma grande
à desproteção do consumidor, ao diferença verifica-se entre as
desequilíbrio das partes em face da disposições civis e do CDC,
desigualdade delas na relação de quanto à exoneração contratual do
consumo. Assim, tendo-se fornecedor que, enquanto no
presente a vulnerabilidade do âmbito civil é possível e dotada de
consumidor, consagrada como validade, nas relações de consumo
princípio neste código, inadmite-se é vedada expressamente na forma
seja a ignorância do fornecedor, do artigo 24.
mesmo nessa hipótese, razão para
eximi-lo da responsabilidade. Assim, qualquer vício que se
fosse a inescusabilidade da refira ao produto ou serviço, em si
ignorância do fornecedor limitada mesmo considerados, desde que
a alguma espécie da vício, poderia adequado às hipóteses previstas na
ser ela invocada em outros casos, lei 8.078/90, e
o que faria, em relação a estes, cair
por terra o sistema de proteção ao
consumidor desenvolvido por este
____________________
15
ALVIM, Arruda. et alli, Ob.cit., p. 166
.

96
inverificadas as situações produto ou serviço.
expressas de exclusão de Em havendo qualquer
responsabilidade, determinam a mitigação ou exoneração da
aplicação das medidas destinadas a obrigatoriedade da indenização, a
proteção do consumidor. mesma valor algum terá, devendo
O que se permite, é, ser considerada como inexistente.
exclusivamente, na forma do art. § Determina ainda o artigo 25 a
2° a possibilidade de ampliação ou solidariedade entre todos os
redução dos prazos 'e garantia, que responsáveis pela causação do
no entanto, não poderá ser inferior dano, responsabilidade esta,
a sete ou superior a cento e oitenta ressalte-se é objetiva.
dias, e nos casos desta cláusula São também restritos os prazos
estar inserta em contrato de para o exercício do direito de ação
adesão, deverá ser convencionada do consumidor, pois , determina o
em separado, por meio de art. 26 do CDC que os prazos para
manifestação expressa do a reclamação do consumidor,
consumidor. quando se tratar de vício aparente
O que se deve verificar é que ou de fácil constatação, são de 30
resta absolutamente vedada a dias em se tratando de
exclusão da responsabilidade, pois fornecimento de serviços e de
não há que se admiti-Ia visto que produtos não duráveis e de 90
se reveste de princípio de ordem dias, tratando-se do fornecimento
pública, inspirado na necessidade de serviços e de produtos duráveis,
protetiva do hipossuficiente da iniciando-se a contagem do prazo
relação de consumo. a partir da entrega do produto ou
Proíbe também o CDC, na do término da execução dos
forma de seu artigo 25 a serviços e em se tratando de vício
estipulação contratual de cláusula oculto o prazo inicia-se na data de
que impossibilite, exonere ou evidência do defeito.
atenue a obrigação de indenizar, Caso os prazos supra referidos
ou seja, da obrigação decorrente não sejam cumpridos pelo
de perdas e danos em razão do consumidor, verifica-se a

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caducidade do seu direito de contratantes acerca dos vícios
reclamação. determinam a comutatividade do
contrato, no entanto, a exigência
V. Elementos Distintivos do CC é expressa, enquanto a do
CDC é inferida do sistema.
Como se pode observar vários
elementos caracterizadores dos Quanto ao objeto do Contrato:
vícios redibitórios, na forma da No CC, o objeto do contrato
sistemática civil foram adotados, que permite a aplicabilidade das
ou repetidos pelo Código de normas referentes aos vícios
defesa do Consumidor, de modo a redibitórios é denominada "coisa",
buscar uma melhor adaptabilidade que pode ser conceituada como
das normas protetivas às relações tudo quanto seja suscetível de
de consumo, em razão da posse exclusiva pelo homem,
modernização destas, possuindo valor econômico.
principalmente visando o menos
favorecido de seus sujeitos, ou No CDC, o objeto do contrato,
seja, seu pólo consumidor. ou melhor dizendo, da relação de
No entanto, a sistemática dos consumo que possibilite a
vícios na lei civil e no CDC, aplicabilidade das normas
embora ambas em vigência, de referentes aos vícios são os
forma alguma se confundem, denominados "bens de consumo",
possuindo elementos distintivos ou seja todo e qualquer produto ou
claros o que pode ser demonstrado serviço.
da comparação entre os elementos
já analisados e da amplitude de Quanto à preexistência do vício:
incidência das regras de um e
outro diploma como podemos Tanto o CC como o CDC,
verificar: exigem a preexistência do vício. O
Código Civil quando da tradição
Assim temos: da coisa, e o Código de Direito do
Consumidor quando do
Quanto ao contrato:
recebimento do produto ou
prestação de serviço, quer se trate
Tanto o Código Civil como o
de vício oculto ou aparente
CDC para a proteção dos

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ou de fácil constatação, uma ao consumidor mesmo em se
vez que a preexistência não se tratando de vício aparente
confunde com a evidenciação do Quanto Ignorância do vendedor
mesmo. ou fornecedor:
Quanto à gravidade do vício: É inadmitida, como
Exige o CC que o vício, para a excludente de responsabilidade
permitir a redibição do contrato pelo vício, no código Civil, salvo
seja de tal forma grave que torne a se convencionado entre as partes
coisa imprópria para o consumo expressamente.
ou lhe diminua o valor No CDC é, também,
J'à. \) CDC 'f1:C\\lI:'f C\\ll: () inadmitida, como excludente de
'lk\.() seja de forma a que torne o responsabilidade pelo vício,
produto ou o serviço impróprios mesmo que expressamente
para o consumo, ou produto convencionada entre as partes,
inadequado, ou diminua o valor do pois, sendo objeto de estipulação
produto ou serviço, ou, ainda que qualquer exclusão há de ser
se apresente na forma de considerada não escrita.
disparidade do produto ou serviço Quanto ao prazo de
com a oferta ou indicação ou reclamação:
mensagem publicitária, e no caso Conforme a sistemática civil
de produtos, que ainda se será de 15 dias a partir da tradição
apresentem os mesmos em da coisa.
disparidade com as indicações No CDC, será de 30 dias ou 90
constantes do recipiente, da dias, respectivamente em se
embalagem, rotulagem. tratando de bens ou serviços não
duráveis ou duráveis, se aparentes
Quanto à ocultação do vício: ou de fácil constatação, contados
da data da entrega ou término da
Exige-se a ocultação prestação do serviço, e, em se
expressamente no CC. O CDC não tratando de vício oculto, contando-
exige que o vício seja oculto, se da data da evidenciação do
admitindo a proteção defeito.

99
Quanto ao sujeito passivo da Devidos, segundo o CDC,
reclamação: independentemente da ciência do
Para fins de aplicação dos alienante do vício, inadmitida
vícios redibitórios a pretensão qualquer forma de mitigação ou
somente pode ser oposta em face exclusão desta responsabilidade.
do alienante, sem a possibilidade
de integração como devedores Quanto às medidas cabíveis:
solidários de outros integrantes da
cadeia de negociação acaso Determina o CC que ao
existentes. adquirente poderá rejeitar a coisa
Conforme determina o CDC, a redibindo o contrato ou reclamar o
responsabilidade é solidária para abatimento proporcional do preço.
todos os integrantes da cadeia de O CDC, estabelece que, em
consumo, portanto, o produtor, o casos de vícios de produtos
distribuidor, o fornecedor etc., duráveis ou não duráveis, o
excetuando-se o caso do art. 18 § consumidor poderá exigir a
5° para os casos dos produtos substituição das partes viciadas do
fornecidos "in natura", onde o bem, e, em caso de não sanação do
responsável, em caso de vício em trinta dias poderá a sua
impossibilidade de identificação escolha e alternativamente exigir a
clara do produtor, a substituição do produto por outro
responsabilidade será do da mesma espécie, em perfeitas
fornecedor imediato. condições de uso; ou a restituição
imediata da quantia paga,
Quanto às perdas e danos: monetariamente atualizada, sem
prejuízo de eventuais perdas e
Devidos somente se ciente o danos; ou ainda, o abatimento
alienante do vício, conforme proporcional do preço.
estatui o CC, o que, incorrendo Ainda, em relação aos vícios de
determina exclusivamente sua quantidade, dispõe o CDC que fica
responsabilidade à devolução do ao arbítrio do consumidor exigir o
preço pago e das despesas do abatimento proporcional do preço,
contrato ou do abatimento do
preço pela estimativa.

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a complementação de peso ou norma de proteção ao consumidor
medida, a substituição do produto vigente, embora entre um e outro
por outro da mesma espécie, instituto temos pontos de
marca ou modelo, sem os aludidos convergência, e, pode-se dizer
vícios, ou, ainda a restituição da uma ampliação em todos os
quantia paga, monetariamente sentidos de proteção e incidência
atualizada. da regulamentação civil em
Em relação aos vícios de relação à Lei 8.078/90, pelo que se
serviços, dispõe o CDC que a poderiam incluir nesta conclusão
escolha do consumidor poderá todas as comparações feitas no
recair à sua escolha entre exigir: a item anterior
re-execução dos serviços, sem Observa-se que ambos os
custo adicional quando cabível; a institutos continuam em vigência,
restituição imediata da quantia sendo que o que determina a
paga, monetariamente atualizada, incidência de um ou outro na
sem prejuízos de eventuais perdas regulamentação das situações é a
e danos; ou o abatimento verificação da chamada relação de
proporcional do preço. consumo, ou seja a retificação dos
sujeitos, objeto e vínculo de
VI. Conclusão atributividade da relação jurídica
em exame, assim, pela via da
Do exposto, verifica-se que não exclusão da regra especial.
se confundem a sistematização
civil dos vícios, denominados
redibitórios, com a sistemática da

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