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HETERODOXIA
RESUMO
Este texto basicamente faz uma síntese da discussão entre a ortodoxia neoclássica e a heterodoxia da ciência
econômica acerca de alguns conceitos muito utilizados na disciplina: racionalidade e equilíbrio geral. A proposta
vai no sentido de apontar equívocos de autores da heterodoxia acerca destes conceitos e acerca da própria
tradição neoclássica. São elucidados os sentidos dos axiomas neoclássicos e comparados com o sentido presente
na argumentação de textos heterodoxos. A metodologia empregada na construção deste foi a leitura de artigos e
elaboração de recortes dos argumentos utilizados por ambas as correntes de pensamento em seus textos, para
comparação, reflexão e crítica acerca das controvérsias envolvidas nesta discussão. A heterodoxia tem muitas
críticas a fazer ao que é postulado pela escola neoclássica, no entanto, um exame sobre a origem dessas críticas
revela a profunda incompreensão dos autores desta corrente acerca dos conceitos neoclássicos e da própria
historiografia epistemológica desta escola.
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Graduando em Ciências Econômicas – Universidade Federal do Pará. E-mail: enoque20oliveira@gmail.com .
1 - INTRODUÇÃO
Para que um campo do conhecimento alcance o status de ciência, ele precisa fazer uso
de métodos e através destes elaborar teorias que expliquem a realidade. O método é
importante e imprescindível porque só com a sua utilização é possível julgar se um
conhecimento é científico ou não. O método estabelece quais critérios devem ser observados
no processo da pesquisa e que tipo de conhecimento será produzido. Desta feita, ao se
apresentar uma teoria, há como verificar se ela merece tal classificação observando-se se para
sua elaboração foram atendidos os requisitos estipulados pelo método utilizado, bem como
que tipo de teoria é (se das ciências físicas e naturais, se das ciências sociais, ou exatas, e
etc.). O método indutivo, por exemplo – bastante usado nas ciências naturais, exige que sejam
observadas e registradas todas as variações em um dado objeto para só então, após se verificar
o que permaneceu inalterado, possa-se concluir o que é aquele objeto e quais suas
características. Inclusive, como sempre apresentará variações se considerado em diferentes
tempos e espaços, nunca se poderá chegar a uma verdade absoluta sobre o objeto, de acordo
como o método indutivo. Mas, então, a partir desta regra, há como comparar o processo de
elaboração de uma teoria em ciências naturais com aquilo que método apregoa. Caso o
cientista natural não tenha registrado o objeto quando apresentou uma determinada variação,
digamos, em sua cor, consistência ou temperatura, sua teoria não terá nada a dizer sobre o
objeto naquelas circunstâncias ou aquilo que dirá será falso em vista de não ter dados a
respeito, e, logo, é incompleta. Porém, neste caso ela o é por não ter atendido ao próprio
método que se propôs a seguir. Neste caso, pode ser descartada como teoria.
Na ciência econômica o aspecto teórico-metodológico se expressa através de suas
formas de pensamento: ortodoxia x heterodoxia. A primeira utiliza como abordagens
metodológicas o instrumentalismo e poperrianismo (LISBOA, 1998b, p. 2) que corroboram
para a elaboração de modelos que buscam prever a realidade até um certo ponto. As
abordagens instrumentalista e de Karl Popper são céticas quanto à capacidade humana de
compreender o real em sua totalidade, por isso os modelos. Já a segunda utiliza uma
abordagem que recebe influência de vários métodos como o Historicismo, o Materialismo-
dialético e até o método dedutivo. Segundo Bresser-Pereira (2009, p. 165), o método
heterodoxo ou da macroeconomia keynesiana é o histórico-dedutivo. Este, por sua vez,
consiste na observação da realidade histórica para se identificar padrões na manifestação dos
fenômenos sociais, econômicos e políticos. A partir destes padrões são elaboradas previsões
ou tendências e volta-se à observação da realidade para verificar-se como estas se
concretizam. A título de teoria, por tarte da ortodoxia tem-se a Teoria do Equilíbrio Geral que
estabelece a propensão da economia a igualar ou estabilizar os níveis de oferta e demanda dos
bens, pelo menos a curto prazo, como veremos. Por parte da heterodoxia tem-se o Princípio
da Demanda Efetiva elaborado por John Maynard Keynes, segundo o qual as economias
podem apresentar períodos de desnivelamento entre oferta e demanda, com a segunda sendo
escassa ocasionando desemprego e crises. Sob essas circunstâncias, e de acordo com este
Princípio, o Estado deveria intervir provocando o aumento de renda (realizando de obras
públicas, baixando a taxa de juros, gerando déficits fiscais com empréstimos para injetar na
economia), o que elevaria o nível de emprego e geraria a recuperação econômica.
Comumente encontra-se textos heterodoxos tecendo duras críticas ao método ortodoxo
e a seus princípios e teorias. No entanto, pelo menos como será defendido neste texto, essas
críticas ocorrem por uma incompreensão por parte da heterodoxia econômica acerca do que é
a tradição neoclássica (ortodoxia) e acerca do que significam seus axiomas. A primeira seção
trata dos modelos utilizados pelos autores neoclássicos e da discussão acerca do equilíbrio
geral. Faz-se uma relação entre o método neoclássico e os modelos, na tentativa de mostrar
como o uso destes é justificado pelas premissas filosóficas e metodológicas das quais a teoria
neoclássica se vale. Na sequência toca-se no tema do equilíbrio geral, acerca de como a
heterodoxia desconhece a produção científica neoclássica a respeito deste conceito. A
segunda seção aborda o axioma neoclássico da racionalidade dos agentes demonstrando que
este nada tem a ver com o entendimento dos heterodoxos acerca do que dizem ser a
racionalidade para a tradição neoclássica. Na maioria das vezes fazem uso de um espantalho
apenas para criticar os autores ortodoxos. E, na terceira seção, tenta-se desconstruir outro
equívoco heterodoxo: o de que a escola neoclássica serve à ideologia liberal. Como é
mostrado neste tópico, algumas correntes dentro da tradição neoclássica são favoráveis ao
pensamento liberal, porém dentro da mesma existem outras contrárias a essas correntes. Logo,
tal diversidade não permite que se faça, pelo menos não sem ressalvas, a relação que a
heterodoxia pretende entre teoria neoclássica e o (neo)liberalismo.
2 - A JUSTIFICATIVA METODOLÓGICA DOS MODELOS NEOCLÁSSICOS E A
DIVERSIDADE DE CONCEITOS DE EQUILÍBRIO GERAL
Ou seja, para esta tradição em economia vale utilizar modelos se eles demonstrarem
em algum grau uma compatibilidade com a realidade, não havendo necessidade de serem
realísticos, pois nenhuma forma de conhecimento o é. Então, o que define se um modelo é
correto é sua capacidade de fazer previsões, se os resultados que apresenta são similares até
um certo ponto àquilo que se manifesta na economia real.
A teoria neoclássica apresenta modelos de equilíbrio geral para explicar como os
mercados e as escolhas dos agentes funcionam. Estes modelos recebem muitas críticas dos
heterodoxos que consideram os mesmos como descolados da realidade por conta do alto nível
de matemática que incorporam ou porque trabalham com restrições determinadas:
“Os economistas clássicos ou políticos não tinham dúvidas de que seu objeto era o
sistema econômico, e estavam cientes das limitações que tal definição impunha a
suas pesquisas. Os economistas neoclássicos mudaram gradualmente essa visão.
Como seu modelo básico de sistema econômico – o modelo do equilíbrio geral – era
radicalmente abstrato, tinha pouca utilidade para explicar as realidades econômicas
No entanto, Lisboa (1998) aponta para o fato de que não existe um único conceito de
equilíbrio usado pelos neoclássicos A bem da verdade, o entendimento mais recente de
equilíbrio dentro desta tradição difere bastante daquele concebido pelos clássicos e pelos
primeiros neoclássicos. No início, compreendia-se o equilíbrio geral como um período
permanente de estabilidade entre os níveis de oferta e demanda na economia, porém, com o
passar tempo isto foi sendo modificado para um conceito mais dinâmico e restrito ao curto
prazo. Todavia, os heterodoxos quando tecem suas críticas restringem-se a este conceito mais
antigo de equilíbrio, como se ignorassem as renovações ocorridas dentro da teoria
neoclássica:
Toda relação de preferência que satisfaz estas duas restrições é dita racional.”
(LISBOA, 1998a, p. 8)
“Na medida em que eles são racionais, em segundo lugar, ela (a teoria
neoclássica)2 se obriga a pensá-los como perfeitamente racionais. Isto é, ela
precisa supor que os agentes sabem tudo o que precisam saber para tomar decisões
bem determinadas. Assim, tem de admitir que eles conhecem as suas preferências,
as suas dotações, todos os bens trocados no mercado e os seus preços, ainda que
não tudo (eles não conhecem, por exemplo, as preferências dos outros agentes).
Ademais, a racionalidade neoclássica é objetivista, pois ela supõe que o
conhecimento do agente é correto, ou seja, imagina que ele corresponde
exatamente aos fatos. Dito de outro modo, os agentes aí descritos por axiomas não
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Grifo meu.
estão limitados por qualquer ignorância relevante e não cometem erros
Está claro que a definição de racional exposta por Lisboa em momento algum se
expande para além das duas condições que estabelece, em uma tentativa de dizer se a opção
escolhida ainda será a preferida no futuro. A teoria neoclássica considera a possibilidade do
agente se arrepender da operação escolhida, sem, no entanto, deixar ser racional por causa
disso: em um primeiro momento o agente tinha um conjunto x de opções A, B e C, e, tendo a
capacidade de preferir uma a outra, escolheu a A. Se no futuro surgir a opção D ou o agente
passar a achar que a opção C teria sido melhor, isto apenas significa que podendo escolher
entre A, B, C e D ou novamente entre A,B e C, o agente escolhe D, no primeiro caso ou C, no
segundo. Ou seja, não importa se o agente mudou de ideia depois acerca de sua escolha, o que
importa é que novamente havia um conjunto de opções a serem escolhidas, e preferindo uma
a outra o agente faz sua escolha (“D seria melhor”, “C teria sido melhor”). As condições para
que a escolha seja racional são atendidas, nada tendo a ver com a consequência dessas
escolhas. Como explica Lisboa:
Este entendimento nada tem a ver com a racionalidade neoclássica propriamente dita.
Segundo esta tradição, a racionalidade do agente não apenas o permite considerar que há
outros agentes escolhendo no mercado, como a sua própria escolha depende
fundamentalmente das escolhas desses outros:
(...). A dificuldade óbvia: o que é melhor para cada agente fazer depende do que ele
espera que os demais agentes irão fazer e, em particular, do resultado do conjunto
Logo, a racionalidade neoclássica nada tem de monológica, como diz Prado. Resta
saber de onde o autor tirou essa ideia.
Outro aspecto interessante de se ressaltar acerca da racionalidade dos agentes é que a
teoria ortodoxa não estabelece que todos os indivíduos são capazes de aplicar conhecimentos
altamente técnicos no processo de decisão para o fim de realizar a melhor escolha. No
entanto, por uma pequena falta de atenção é isto que muitas vezes é entendido. O que a teoria
diz é que o agente faz uma escolha conforme as restrições que lhe são dadas – existindo
apenas A e B, ele não pode escolher C, ou preferindo A a B, e B a C, não pode preferir C a A.
Porém, ao se realizar cálculos sofisticados levando em conta as mesmas restrições, se chega a
um resultado que é idêntico ao do agente, que escolhe sem fazer cálculo algum. Por conta
dessa igualdade de resultados é que se diz que os agentes racionais fazem uso da matemática
em seus níveis mais complexos no momento da escolha, e não que porque eles tem realmente
essa capacidade. Não tem. (LISBOA, 1998a, p. 10).
“Há alguns meses, Paul Krugman perguntou: "Por que os economistas erraram
tanto?". A razão principal foi que os economistas "mainstream" adotaram o método
hipotético-dedutivo, que é próprio de ciências metodológicas como a matemática
(...). Isso lhes permitiu matematizar a teoria econômica, usar cálculo diferencial e
integral e, assim, dar-lhe uma aparência científica, mas, com essa roupagem
matemática, a teoria ortodoxa estava justificando o velho "laissez-faire" que sempre
O primeiro equívoco desta crença é não observar que a última coisa que elites
econômicas desejam é a concorrência ameaçando seus lucros. Logo, como podem ser a favor
do livre mercado se neste elas não receberiam nenhum tipo de proteção contra os concorrentes
a não ser àquela advinda de sua própria capacidade de atender com eficiência à demanda dos
agentes econômicos? No entanto, Lisboa (1998) ainda reconhece alguma compatibilidade
entre a teoria neoclássica e a ideologia liberal, porém, destaca que o sucesso desta tradição
dentro da ciência econômica é obra dos próprios resultados que ela alcançou, sobretudo a
partir da segunda metade do século XX. Além disso, ainda argumenta que as escolas
neoclássicas que poderiam ser ditas como favorecedoras do pensamento liberal foram
ofuscadas pelos estudos de outras vertentes também neoclássicas, indicando que se houvesse
tal compromisso com algum status quo, estas últimas não teriam se desenvolvido:
Lisboa (1998), no entanto, aponta para o fato de que nenhuma das objeções colocadas
pelos heterodoxos é contrária ao conteúdo da teoria neoclássica. Estes insistem em tais
críticas por, como é defendido desde o começo deste texto, não conhecerem a própria teoria
neoclássica. O que resta, então, aquele que ataca seu oponente sem mesmo saber quem ele é
(?):
5 – CONCLUSÃO
BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Os tropeços da ciência triste. Carta Capital. 2014. Disponível
em: https://www.cartacapital.com.br/revista/783/os-tropecos-da-ciencia-triste-7567.html .
Acesso em: 03/02/2018.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Por que os ortodoxos erram tanto? Folha de S. Paulo.
2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0802201006.htm . Acesso
em: 03/02/2018.