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ANAIS
Feira de Santana
2012
Ficha catalográfica: Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS
ISBN: 978-85-7395-210-0
Retirado do site: HTTP://
www2.uefs.br/dla/romantismoliteratura/coloquiogrupodeestudos2011
CDU 82
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
Reitor
José Carlos Barreto de Santana
Vice-reitor
Genival Corrêa de Souza
Pró-Reitor de Graduação
Rubens Edson Alves Pereira
Pró-Reitora de Extensão
Maria Helena da Rocha Besnosik
SECRETARIA
Georgia Kaline Maciel da Silva
(CPLDC/PPgLDC/UEFS)
Thais Leite da Silva Macedo
(CPgLet/UEFS)
GELC
Grupo de Estudos Literários Contemporâneos:
da literatura de jornal ao sistema literário
Site: www2.uefs.br/dla/romantismoliteratura/coloquiogrupodeestudos2011
E-mail: acoutinhocoloquio3@gmail.com
SUMÁRIO
CONFERÊNCIA e PALESTRA
MESAS
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3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
ISBN 978-85-7395-210-0
3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 6-7.
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CONFERÊNCIA
PALESTRA
3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
Eduardo F. Coutinho 2
1
Este texto foi publicado também no livro Crítica e Literatura, org. por Carmem Lúcia Negreiros de
Figueiredo, Silvio Augusto de Oliveira Holanda e Valéria Augusti (Rio de Janeiro: De Letras, 2011, p.
185-96.
2
Professor Titular da UFRJ.
ISBN 978-85-7395-210-0
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UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
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3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
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3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
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sentido estrito, em livros ou estudos, ora sob a forma militante, semanal, enciclopédica,
na imprensa, na maioria dos casos em folhetins ou rodapés. Ao primeiro tipo reservava-
se a denominação de “ensaio” e ao segundo a de “crítica”, o que gerou à época uma
série de equívocos, levando esta última a ser vista como algo superficial, e de caráter
apologético ou restritivo, à maneira da mera resenha. Imbuído do espírito acadêmico
resultante de sua formação, Afrânio Coutinho se empenhou na defesa da especialização
da crítica literária como uma disciplina científica e autônoma, mostrando como o seu
exercício não se coadunava com o espírito mais leve da imprensa diária. A crítica, para
ele, deveria estar voltada para a cátedra, a revista especializada, o livro, como era o caso
do chamado “ensaio”, e estar calcada em princípios e métodos rigorosos; à recensão ou
resenha, importante também, mas de cunho mais leve, informativo, e exercida de modo
diletante, ficariam destinadas as páginas dos jornais. Sua defesa teve um papel
expressivo na passagem da crítica para as mãos especializadas do scholar e na sua
futura institucionalização no meio universitário.
A tentativa de sistematização dos elementos que integram a estrutura da obra
literária, somada à busca de rigor na abordagem do texto, levou Afrânio Coutinho a uma
preocupação com a teoria da literatura, que ele procurou explicitar em vários de seus
livros, em especial no volume Notas de teoria literária (1976). O livro é um resumo das
principais teorias existentes sobre os pontos fundamentais do estudo da Literatura, em
nível bastante elementar, mas procurando ser informativo e, ao mesmo tempo, tentando
orientar o estudante no intricado dos problemas, sem acumulá-lo com excessos
doutrinários. Embora voltado primordialmente para o docente e o estudante de Letras, o
livro pressupõe uma filosofia da Literatura, bem como uma teoria de seu ensino. Seu
autor parte da idéia de que o aprendizado da Literatura não deve ser subordinado ao do
vernáculo, como fora prática corrente no Brasil, e, portanto, deve estar centrado nos
textos. Além disso, o que se visa não é a fornecer apenas informação de ordem
histórico-cultural, como se fez durante longa data, mas a desenvolver o gosto pela
leitura e a apreciação estética.
Essa defesa do primado do texto, presente tanto na Nova Crítica quanto no
âmbito da Teoria Literária, encontrou também terreno fértil na esfera da historiografia
literária, com a publicação, entre 1955 e 1959 de A Literatura no Brasil, obra coletiva
lapidar de história literária (em quatro volumes na primeira edição), idealizada,
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planejada, dirigida e, em grande parte, escrita por Afrânio Coutinho, com base em um
método inteiramente novo – o periodizador estilístico. Deixando de lado a perspectiva
extrínseca, remanescente do historismo lansoniano, e adotando como método em sua
estruturação a periodização estilística, baseada na primazia do texto literário e numa
abordagem centrada no caráter estético da obra, A Literatura no Brasil pôs em prática o
projeto desenvolvido por seu idealizador na campanha que desencadeara em prol da
Nova Crítica e do estudo da literatura baseado primordialmente nos elementos
integrantes da composição da própria obra, e revolucionou completamente o conceito de
historiografia literária no Brasil.
Além disso, com o seu caráter coletivo – os capítulos específicos sobre autores
ou movimentos literários foram confiados a especialistas distintos sob a supervisão de
Afrânio Coutinho –, a obra adquiriu uma abrangência extraordinária, oferecendo um
panorama crítico-evolutivo da literatura brasileira desde suas primeiras manifestações
até os dias em que foi publicada, com estudos de profundidade sobre figuras ou
movimentos específicos, até então nunca vistos em obras de história literária no Brasil.
Seus capítulos foram estruturados com base em critérios intrínsecos à área dos estudos
literários e divididos em subcapítulos específicos, voltados para tópicos ou autores, nem
sempre restritos ao chamado “cânone” da literatura brasileira. Na obra, que se foi
ampliando nas edições subseqüentes, sob a organização do mesmo autor, há estudos
específicos sobre folclore, literatura oral e popular, sobre gêneros como o ensaio, a
crônica e o drama, e modalidades como a chamada “literatura infanto-juvenil”, e há
estudos de teor comparativo como “literatura e filosofia” e “literatura e artes”. Estes
estudos são em geral produzidos por autores diversos e conseqüentemente oferecem no
conjunto da obra uma multiplicidade de visões que complementam o cunho abrangente
que lhe quis dar o seu idealizador.
Com o sucesso de sua primeira edição, A Literatura no Brasil teve até o presente
mais seis, revistas e atualizadas, e encontra-se agora em sua sétima edição, em seis
volumes, publicada em 2004 pela Global, de São Paulo, já após seu falecimento. Mas
observe-se que os capítulos introdutórios de cada parte do livro, escritos todos eles por
Afrânio Coutinho, foram reunidos por ele mesmo em um volume, a Introdução à
Literatura no Brasil, publicado pela primeira vez em 1959, mas que já conta com mais
de quinze reedições e se encontra traduzido para o inglês e o espanhol. Este livro, que
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Onze anos fez, em 2011, ano do centenário de seu nascimento, que Afrânio
Coutinho faleceu, e sua contribuição aos estudos literários no Brasil segue viva e
rendendo frutos preciosos. Afrânio Coutinho foi escritor, professor, pesquisador,
jornalista, educador, humanista, bibliófilo, criador da primeira Faculdade
exclusivamente de Letras do país, e membro da Academia Brasileira de Letras, mas foi
antes de tudo um homem de seu tempo e lugar, dotado de grande talento filosófico, que
revolucionou, com sua escrita fina, a Crítica, a Teoria e a Historiografia literárias, e
mudou o rumo do ensino das Letras no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
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________, org. Caminhos do pensamento crítico. 2. ed., 2 vols. Rio de Janeiro: Pallas;
Brasília: INL, 1980.
________, org. A Literatura no Brasil. 7. ed., 6 vols. São Paulo: Global 2004.
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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2011 é um ano importante para a história da crítica literária brasileira, uma vez
que há cem anos, no dia 15 de março, nascia em Salvador, Afrânio Coutinho (1911-
2000), e, em 29 de outubro, falecia em Fortaleza, Tristão de Alencar Araripe Júnior
(1848-1911). Ambos, homens de letras, críticos, cujas obras constituem marcos
relevantes para a história da crítica literária brasileira.
Como leitor da obra crítica desses dois grandes escritores, cujas trajetórias em
momentos diversos eventualmente vieram a se cruzar, não poderia deixar de registrar a
curiosa relação que entre eles se estabeleceu.
Cada um em seu tempo contribuiu com competência para a renovação dos
estudos literários no Brasil, deixando sua marca no exercício da atividade crítica e
historiográfica, a ponto de se imortalizarem em tempos diferentes na Academia
Brasileira de Letras.
Araripe Júnior fundou a cadeira de número 16 e Afrânio Coutinho ocupou a
cadeira que teve como patrono Raul Pompéia (1863-1895). Araripe mantinha laços de
amizade com Pompéia. Afrânio tomou a si a tarefa de organizar em dez volumes a obra
1
Professor Doutor da F.C.L. ― UNESP ― Campus de Assis
Pesquisador CNPq (1D)
ISBN 978-85-7395-210-0
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de Pompéia e em cinco volumes a obra crítica de Araripe Júnior, tornando-se seu leitor
mais sensível ao apresentar o trabalho “Araripe Júnior e o nacionalismo literário”, como
tese à Faculdade Nacional de Filosofia, em 1957, para concorrer à docência livre de
Literatura Brasileira.
II
O primeiro contacto que tive com a crítica literária brasileira se deu através de
um texto de Afrânio Coutinho, em 1961, nas aulas de português de duas inesquecíveis
mestras do Colégio Estadual Severino Vieira, Maria Helena e Candolina Rosa, quando
fazia o Curso Colegial - na modalidade Científico - em Salvador. Ambas me levaram a
ler o capítulo referente ao Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, d’A literatura no
Brasil.
Para quem estava então habituado a pesquisas feitas apenas em livros seriados
didáticos, aquela leitura aliada às performances brilhantes das duas mestras que nos
introduziram uma, no universo psicológico de Raul Pompéia, outra, na linguagem
sedutora de Machado de Assis, despertou o encanto pela literatura e pelas humanidades,
que me conduziram respectivamente, aos cursos de Direito, em 1963, e Letras, em 1969.
Em 1973, como não houvesse Programa de Pós-graduação em Letras, em
Salvador, fui ao Rio de Janeiro e em seguida a São Paulo, para informar-me sobre o
funcionamento dos Programas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da
Universidade de São Paulo. Foi aí então que tive a oportunidade de conhecer Afrânio
Coutinho, a quem fui gentilmente apresentado por sua filha Graça, Bibliotecária da
Faculdade de Letras da UFRJ.
Foi um contacto rápido, mas estimulante. Além de gentil e acolhedor como
costumava ser com os baianos, que o procuravam, Mestre Afrânio me passou todas as
informações de que precisava a respeito do Mestrado em Letras da UFRJ.
Em seguida, fui para São Paulo, onde conheci na Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da USP, o crítico pernambucano João Alexandre Barbosa (1937-
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2006) que, curiosamente, aconselhou-me a fazer minha dissertação sobre a obra crítica
de Araripe Júnior, o que me reconduziu à leitura da obra do Mestre Afrânio, desta vez,
dos seus textos sobre o crítico cearense.
III
IV
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Isto, por sua vez, gerou o que Afrânio Coutinho chamou de “alienação do
escritor”, ou seja:
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(...) literatura requintada, feita por uma classe para divertimento dessa
mesma classe, levando-se em conta o enorme abismo que separa elite
e povo no Brasil, elite cultivada, e dona da vida, povo distante,
analfabeto e deserdado. (1986, I, p. 37).
Mas o risco perdura, pois a ninguém será permitido asseverar que essa
ascensão não se fará em detrimento dos valores estéticos, com um
desnivelamento dos padrões de cultura para adaptar-se às exigências
da mesma massa. Assim, o conflito entre as tendências highbrow e
lowbrow se resolveria por baixo. O divórcio com o público resultou
em uma literatura a que falta o público. (1986, I, p. 37)
É bom que se diga, porém, que, a partir da terceira edição d’A literatura no
Brasil, datada dos anos 80, o crítico acrescenta que: “Esse divórcio acentua com o
desenvolvimento dos órgãos de cultura de massa, apesar dos benefícios indiretos que
propiciam.” (1986, I, p. 37)
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Não se deve censurar o crítico por isso, em nenhuma hipótese, pois esta é ainda
hoje, início da segunda década do século XXI, uma questão bastante polêmica.
Naquela mesma época, Antonio Candido, crítico carioca radicado em São Paulo,
escreveu o ensaio “O escritor e o público” (1955), que constitui um dos capítulos d’A
Literatura no Brasil, dirigida por Afrânio Coutinho, onde defendeu a existência de uma
tradição auditiva que perpassou a história da literatura no Brasil desde o século XVI.
Em sua opinião:
Convém registrar que Antônio Candido percebeu também neste texto a ausência
de comunicação entre o escritor e a massa ao observar que:
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Nos anos 50, os textos desses dois críticos - Afrânio Coutinho e Antonio
Candido – alicerçaram efetivamente novos rumos para a literatura brasileira, por isso
são divisores de águas, promoveram a ruptura dos estudos literários no Brasil com o
passado de tradição historicista.
Vale lembrar, porém, que a ruptura, traço característico daquele momento,
significou como insistiu Antonio Candido, nos textos escritos em quase três décadas, - e
eu me refiro principalmente aos anos 50, 60 e 70, em que alertava para o perigo das
“pretensões excessivas do formalismo” (Candido, 1971, I, p. 33) - o encontro do crítico
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A necessidade de rever o cânone sob esta perspectiva, hoje, aos olhos de alguns,
iluminista, pode ter sido o motivo que levou, nos anos 60, Afrânio Coutinho a publicar a
Antologia Brasileira de Literatura (1965, 1966, 1967) e Antonio Candido e José
Aderaldo Castello (1921-2011) a Presença da Literatura Brasileira (1964), onde, de
maneira mais pragmática, puderam ilustrar as idéias propostas, respectivamente, em A
Literatura no Brasil e no longo ensaio Formação da Literatura Brasileira. As duas
antologias têm preocupação didática, apresentando um extenso corpus, organizado
diacronicamente. A primeira reúne clássicos brasileiros e portugueses e a segunda reúne
apenas os brasileiros. Posturas diferentes, conforme se pode perceber, mas que
efetivamente contribuíram para a revisão do cânone, que por sua vez desencadeou novas
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atitudes no modo como o leitor brasileiro passou a olhar e repensar o texto literário, na
passagem do século XX para o XXI.
O caminho do crítico e historiador é sempre árduo porque feito de erros e
acertos, no caso de Afrânio Coutinho mais acertos que erros, o que o levou a dizer sobre
“seu fôlego tão pouco comum entre escritores brasileiros”, em entrevista, concedida ao
poeta e jornalista baiano Ildásio Tavares, em 27 de agosto de 1991: “Meu trabalho na
área de crítica literária tem sido a tônica da minha vida. Espero que tenha frutificado, e
que os seus frutos sejam permanentes.” (Coutinho, 2003, p.43)
RESUMO
BIBLIOGRAFIA
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 21-30.
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
1
Doutor em Teoria da Literatura, pela PUCRS.
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mergulhar no ofício de homem que lida com as palavras, que vive da e para a literatura
junto com a perspectiva da leitura crítica que especifico como uma forma ácida de não
ser contemplativo com o status quo social e acadêmico. Diante de seu tempo, o crítico
deve atuar como um cartógrafo. Precisa levantar vários mapeamentos de sua realidade
para fixá-los em rede como sugestão a uma resposta do tempo. Ao ler o mundo,
Santiago relembra que Borges lhe dissera “que não precisava ter vergonha de ser leitor,
que os livros não são propriedade privada. Somos todos, em arte e artes, grileiros”
(SANTIAGO, 2001, p. 434).
Nas décadas de 1970 e 1980, como professor da PUC do Rio de Janeiro,
Silviano Santiago abriu caminho entre seus pares com a noção de desconstrução
segundo Derrida. Ficou famoso, entre os alunos da instituição, certo texto do professor
recém-chegado do exterior, provavelmente uma ementa de aula, ou relatório de pesquisa
em andamento, significativamente chamado pelos alunos de “o texto da semente”. Nele,
estariam os princípios sobre os quais Silviano construiria a sua crítica e a sua didática.
Naquele momento, no meio acadêmico carioca, encontravam-se na disciplina de
literatura a vertente historicista e os conceitos estruturalistas. No choque entre os
instrumentos utilizados para a análise da literatura, Silviano Santiago se identifica com a
possibilidade de explicitar as margens do sistema literário brasileiro e a sua
historiografia ortodoxa. Mais do que alojar o seu interesse nessa perspectiva crítica, ele
dava mostras de estar adentrando aos estudos para além das discussões que na época se
faziam presentes. De certa forma, no campo teórico dos estudos literários estavam
também as primeiras notas do que hoje chamamos de estudos pós-coloniais.
Nos seus ensaios iniciais, Silviano Santiago relia o passado literário brasileiro
detectando o etnocentrismo e as relações hierarquizantes da sociedade colonial, como
ele faz na leitura crítica do romance de José de Alencar, Iracema, em que aponta,
significativamente, em anotações às margens do texto impresso, a força de um discurso
europeizante, branco e dominante. Nele, demonstra as diferenças nos rituais de batismo
entre Martim, que se “torna” um coatiabo, pintando a pele. Portanto, um batismo
epitelial. Já o índio Poti é batizado segundo as regras da religião católica que prescreve
mais do que uma relação superficial. Ela exige do outro uma entrega total,
principalmente a um só deus, um só coração; a tão procurada e impossível unidade. A
chave interpretativa do crítico para os estudos literários se baseava na retomada de um
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passado que fora registrado somente do ponto de vista do colonizador, para realocá-lo
na perspectiva do colonizado.
Na segunda metade do século 20 em que se viveu, não só, mas mais
intensamente, a experiência da transição da ideia de contínuo temporal, representado
pela história e pelo processo em si, em favor da ideia de descontínuo, de estrutura, de
tempo dividido em partículas, de fragmentação, de deslocamento e descentramento,
muitos pesquisadores pensavam as relações de domínio, já no âmbito dos estudos
culturais e/ou da crítica cultural e/ou do pós-colonialismo. Homi Bhabha, Stuart Hall,
Marc Auge, Edward Said e Hugo Achugar, entre outros (cada um dentro de seu espaço,
do seu posicionamento ideológico, de suas memórias, do seu tempo e da sua cultura),
cunharam conceitos que servem como delimitadores das vivências culturais por uma
sociedade que está em desenvolvimento e à procura de suas definições atuais, mas não
fixadoras. De uma forma ou de outra, a mesma perspectiva está presente na escrita e no
pensamento de Silviano Santiago, tanto que ele afirma que “trabalha por um movimento
de descentramento” e que tal deslocamento, tanto físico quanto temporal e abstrato só
podia levá-lo a compreender, cedo demais, “que tinha nascido em um país
extremamente contraditório: pobre e cosmopolita. Como, sendo pobre, não ser
cosmopolita de araque?” (HELENA, 1992, p. 94).
O movimento de descentralizar, tornando-se mais independente, para Silviano
Santiago, começa desde o momento em que ele decide deixar sua terra natal para
compreender o vasto espaço geográfico, que acaba por ser traduzido em sua escrita,
tanto crítica quanto ficcional. Sua constante procura por uma resposta pode estar
reunida na pergunta a que se fez em ter nascido em país periférico, mas com
pensamentos cosmopolitas. Paradoxo sobre o qual refletirá nos seus ensaios levantando
as ideias de Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Sérgio Buarque de Hollanda, entre
outros. A preocupação é de entender as questões formadoras da cultura brasileira
através da literatura, não se esquecendo do viés ideológico e político, necessário em um
país em que o cosmopolitismo leva a instâncias de pura alienação.
Enquanto Affonso Romano de Sant´Anna, Luiz Costa Lima e Gilberto
Mendonça Teles orientavam teses produzidas na PUC do Rio de Janeiro adotando uma
perspectiva formalista, Silviano Santiago, como professor de Literatura Francesa nos
Estados Unidos e no Canadá (vejam bem, um brasileiro dando aulas de literatura
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O tema da dependência cultural seria retomado por ele 11 anos depois em ensaio
intitulado “Apesar de dependente, universal”. A ideia central é a mesma do texto
anterior, o conceito de “entre-lugar”: a cultura dominada pode contribuir com a arte
afrontando a cultura dominante. Do embate, a consequente produção cultural se insere
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Em Stella Manhattan, Eduardo da Costa e Silva, abandonado pelos pais que não
o aceitavam devido a sua orientação sexual, reside fora do país. O ano é o de 1969,
época da ditadura militar no Brasil. Viver em Nova Iorque dá a Eduardo/Stella a
oportunidade de ser quem é, de exprimir a sua vontade mais íntima. Dependendo da
ocasião e da necessidade, Eduardo incorpora a personagem Stella Manhattan, um misto
de Carmem Miranda e Poliana, inocência e glamour.
Em Uma história de família temos um narrador que procura resgatar o passado
de seu tio Mário, um renegado pelos seus por ter sido esquizofrênico, popularmente
chamado de louco. Tio Mário e o sobrinho são frente e verso de uma mesma realidade.
O narrador também é rejeitado pela família por ser aidético. A vida contada de tio Mário
é o disfarce para a vida não narrada do protagonista.
A relação do homossexual com o núcleo família e com a sociedade está presente
de forma explícita ou, sintomaticamente, pela falta de um deles, a família, nos contos de
Keith Jarrett no blue note, que retratam, mais do que o estilo gay, uma forma de se
viver e de se relacionar com o outro e com o mundo.
Da obra ficcional de Silviano Santiago não se pode deixar de falar de duas outras
personagens, Graciliano Ramos em Em liberdade e Antonin Artaud em Viagem ao
México. Dois livros de dois personagens da história cultural mundial. Duas ficções que
recriam “vazios” das vidas biografadas. Em liberdade é romance, diário, ensaio
literário, autobiografia e biografia, o que faz dele uma escrita sem gênero definido,
proporcionando a que seu autor dê-lhe o título de “uma ficção”. Em Viagem ao México,
Silviano parte da relação entre Europa e América, assim como a noção de cultura
inferior e cultura superior (colonizador e colonizado), ficcionalizando a viagem de
Artaud e problematizando a questão do narrador pós-moderno, aquele que vive e/ou
aquele que assiste e narra.
Como podemos perceber, a ficção do escritor é muito parelha com a crítica do
ensaísta. A ficção contém teorias da narrativa, amplia e dá suporte para as interpretações
dos ensaios literários e culturais, assim como esses alargam o horizonte para a escrita da
ficção. O diálogo entre ensaio e ficção também se faz, por diversas vezes, dentro de
cada texto, extrapolando as fronteiras que delimitam os diferentes discursos. Os textos
são intercambiáveis. Trocam informações e expressões entre si, confeccionando uma
malha de referências que podem ser analisadas como representativas de certa cultura do
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RESUMO
ABSTRACT
BIBLIOGRAFIA
ALENCAR, José de. Iracema. Notas e orientação didática por Silviano Santiago. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1975.
CUNHA, Eneida Leal (Org.). Leituras críticas sobre Silviano Santiago. Belo Horizonte:
UFMG; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008.
HELENA, Lucia. Olhares em palimpsesto. In: SOUZA, Eneida Maria de; MIRANDA,
Wander Melo (Orgs.). Navegar é preciso, viver: escritos para Silviano Santiago. Belo
Horizonte: UFMG; Salvador: UFBA; Niterói: UFF, 1997.
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SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
______. A palavra de Deus. Barroco, Belo Horizonte, n. 3, p. 7-13, 1971.
______. Keith Jarrett no Blue Note: (improvisos de jazz). Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
______. Ora (direis) puxar conversa!: ensaios literários. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
______. Vale quanto pesa: ensaios sobre questões político-culturais. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982.
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MESAS
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Uma das primeiras experiências com Afrânio Coutinho vem da visão da coleção
A literatura no Brasil vendida na livraria da PIDL, na Universidade Estadual de Feira
de Santana. No início dos anos 1990, os seis volumes da publicação orgulhosamente
mostrada e comentada pelo professor e diretor da livraria Raimundo Luiz, tornaram-se
para os estudantes mais aplicados do curso de Letras da UEFS um objeto de desejo.
Comprávamos aos poucos, volume a volume, como numa coleção. Os exemplares
volumosos eram consumidos primeiro pelos olhos, depois pela leitura e, ao final,
descobríamos os autores, os ensaios de peso. A narrativa no plural era fato, lembro que
mais colegas chegavam à livraria interessados no conjunto de ensaios, principalmente,
sobre Antonio Vieira, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Jorge
Amado. Alguns próximos podem também testemunhar, como Valéria Soares, Maria da
Conceição Araújo, Jecilma Alves, Maria Valdilene, Glória Mendes, Francisco Fábio de
Vasconcelos e José Francisco da Silva (esses últimos não lembro que compravam, mas
queriam ter). Aliás, uma das poucas fontes de estudo sobre o romancista baiano que irá
comemorar centenário no ano próximo.
Como tínhamos manias que parecem desaparecidas ultimamente, discutíamos
em sala de aula, biblioteca e mesas de bares sobre os ensaios e, pasmem, conseguíamos
identificar ensaístas como o famigerado Luis Costa Lima, Barreto Filho, Brito Broca,
Lúcia Miguel Pereira, Antonio Candido, e o polêmico Eugênio Gomes, que
evidentemente não sabíamos que era baiano e, com justiça ou não, oscila entre os mais
notáveis vilões ou perseguidos da história literária brasileira. Estão neste pódio
Sousândrade, Lima Barreto, José do Patrocínio, Coelho Neto, Monteiro Lobato.
Ignorávamos a tumultuada querela do papel da história da literatura no contexto, nos
1
Texto apresentado no III Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um
cosmopolitismo nos trópicos e 100 Anos de Afrânio Coutinho (1911-2011): a crítica literária no Brasil,
Universidade Estadual de Feira de Santana/PPGLDC, 15 e 16 de dezembro de 2011.
ISBN 978-85-7395-210-0
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Estavam presentes ao evento o filho de Afrânio Coutinho, Eduardo de Faria Coutinho, Jorge de Souza
Araújo, professor da UEFS, que realizou estudos de pós-graduação junto a Afrânio Coutinho, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Roberto Veloso Cairo, professor da Unesp de Assis/SP e
egresso da UFBA, e passou a juventude na Bahia em tempos ideológicos e de regime militar.
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literatura no Brasil, dos modelos de pesquisa, também promover avaliação de tais obras
e estudiosos. Os alunos de letras, nos quais eu me incluía, discutiam, através daquela
obra, literatura, escolhiam os melhores momentos, muitas vezes não os mais populares:
parnasianismo, pré-modernismo. A contragosto, meus colegas elegiam o modernismo
sobre o qual eu indagava “quem ele havia lançado?” Não se preocupem, todos nos
uníamos em torno de Guimarães Rosa, Jorge Amado e Clarice Lispector.
Gostaria de justificar um pouco do meu entusiasmo com Afrânio Coutinho na
conta da sua baianidade. Se a pertença a esta parte do país pouco importou para ele (a
afirmação merece estudo mais apurado), para a minha pesquisa é fundamental. Naquele
momento de estudante de Letras, ao que me lembro, não sabíamos disso e nem se
tornava informação digna de constar em nossa pauta de apreciação da literatura. As
lições de literatura como sistema de Candido não faziam efeito, mas o estudo do estilo e
o comparatismo com as grandes obras ocidentais eram a tônica de desvendamento.
Também, se nossa via de entrada para o debate a respeito do autor de Tieta do
agreste e Gabriela, cravo e canela tinha outro mestre na figura da caixa iluminada da
televisão e do cinema, são questões ainda por resolver. Era o tempo, os anos 1990, das
adaptações populares da literatura para um público mais amplo. De fato, o Brasil
tomava conhecimento de O tempo e o vento, de Erico Verissimo; de Grande sertão,
veredas, de Guimarães Rosa; de O primo Basílio, de Eça de Queiroz; de Tieta do
agreste, de Jorge Amado, através dos seguidos capítulos da teledramaturgia.
Transformados em folhetim muito bem elaborados, adaptados e encarnados por atores e
atrizes famosos do público, velhos conhecidos do sofrer e das paixões de outros
personagens, tais livros gloriosos da nossa galeria literária chegavam ao conhecimento
do público brasileiro em geral. Se os leitores atuais podem ser chamados de geração
internet ou das redes sociais, a nossa facilmente se reconhece como geração TV.
Em se tratando de literatura, indiferenciáveis de outros leitores mais
cosmopolitas, tínhamos nossos hábitos de leitura clandestina, como diz Roger Chartier.
Explico-me. Nossos professores mandavam ler Machado, Graciliano, Drummond, João
Cabral, líamos também Jorge Amado, Marquez, Kundera, Sidney Sheldon, quiçá Paulo
Coelho. Os anos 1990 também tinham a marca do livros populares, geralmente
divulgados pelas listas dos mais vendidos das revistas Veja, Isto é e dos grandes jornais,
como Estadão, Folha e JB. Os bestsellers até faziam divulgação em intervalos
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erguer, nas suas inúmeras pesquisas, principalmente nas obras A Literatura no Brasil e
Enciclopédia da Literatura Brasileira, um rol imenso de autores e obras ligadas ao
sistema literário do Estado. Sendo assim, me utilizo das ideias da Teoria da Recepção,
dos estudos culturais e da nova história da literatura.
PALAVRAS-CHAVE: Afrânio Coutinho; Amadurecimento Cultural; Sistema Literário;
Bahia.
BIBLIOGRAFIA
BELÉM, Odilon. Afrânio Coutinho: uma filosofia da literatura. Rio de Janeiro: Pallas,
Didática e Científica, 1987.
CALMON, Pedro. História da Literatura Bahiana. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1949.
JOBIM, José Luís (Org.). Palavras da crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1992. (Col.
Biblioteca Pierre Menard).
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SAID, Edward. Orientalismo. Tradução por Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
1989.
SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. 5. ed. São Paulo: Duas Cidades/ Ed. 34,
2000.
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A intensa atividade literária nos jornais foi uma marca significativa do período
compreendido entre o último quartel do século XIX e as duas primeiras décadas do
século XX, ou seja, entre as reformas do fim do século e Primeira Guerra Mundial,
como situa Werneck Sodré na sua História da Literatura Brasileira ― Seus
Fundamentos Econômicos.
Durante essa fase, os textos literários passam a ser um dos pilares da atividade
jornalística. De maneira geral, todo periódico possuía espaços dedicados à produção
literária. A indústria do livro no país era praticamente inexistente. A edição francesa
dominava o mercado brasileiro, seguida pela produção portuguesa. A circulação de
exemplares ocorria de forma limitada.
Essa lacuna viria justamente a ser amenizada pelas publicações literárias
veiculadas nos jornais. Sobre essa mesma fase da atividade literária brasileira, aponta
Werneck Sodré (1964, p.433):
1
Professora adjunta de Literatura Portuguesa da Universidade Estadual de Feira de Santana.
ISBN 978-85-7395-210-0
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 55-60.
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Fruto das páginas dos jornais, a crônica vem cada vez mais ocupando as páginas
dos livros em antologias das mais variadas, prova incontestável de que ela pode trair o
caráter efêmero do tempo e eternizar-se.
João do Rio, pseudônimo do jornalista fluminense Paulo Barreto (1881-1921),
foi um dos grandes nomes ligados à crônica do início do século XX. Segundo Renato
Cordeiro Gomes (1996), a produção desse autor é bastante significativa para ilustrar o
período, já que seus textos foram publicados em diversos jornais (O Dia, Gazeta de
Notícias, O País) e em diversas colunas literárias (Cinematógrafo, O Instante) da
capital. Para Brito Broca, João do Rio foi o cronista por excelência dos “1900” no
Brasil. Entre outros méritos o autor instituiu a transformação da crônica em reportagem
(“por vezes líricas e com vislumbres poéticos”), assim o cronista deixava o gabinete
para extrair o seu texto diretamente das ruas, sendo o nosso primeiro flâneur.
Esse espírito flâneur, de buscar nas ruas a inspiração para seus textos, vai, de certa
forma, influenciar a produção dos outros cronistas posteriores a João do Rio. O
espetáculo das ruas vai funcionar como fonte inesgotável de temas para o
desenvolvimento da atividade dos cronistas. Cabe a eles flagrar no turbilhão das ruas as
cenas que podem ser registradas e transformadas em páginas literárias.
João do Rio foi o primeiro cronista a perceber que novos tempos exigiam uma
nova linguagem literária, preconizando um estilo que representava a modernidade
crescente que se anunciava através do modelo urbano da então capital federal, já
naquela época fazendo uso de recursos visuais próprios do cinema e da fotografia.
Assim, saindo do seu gabinete, o cronista também se destacou por realizar
espécies de pesquisa de opinião, ou enquetes, como se denominava na época. Em uma
dessas enquetes, intitulada de O Momento Literário, realizado em 1905, João do Rio
lançava aos escritores brasileiros a seguinte pergunta: O jornalismo, especialmente no
Brasil, é um fator bom ou mau para a arte literária? Tal questionamento denota a
importância da relação entre a literatura e o jornalismo naquele período, já que esse era
o principal veículo para a circulação literária.
Outro nome que se destaca nas colunas literárias é Olavo Bilac (1865-1918). O
príncipe dos poetas brasileiros não concentrou sua lavra apenas nos impecáveis sonetos
parnasianos. Ele também fez da crônica uma profissão de fé. Assinou no início do
século XX, na Revista Kosmos (1904-1906), a crônica de abertura que vinha assinada
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
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pelas suas iniciais O. B.. Kosmos era, segundo Brito Broca(1955), uma revista de
cultura na qual predominava a parte literária e artística. Muitos outros exemplos de
colunas literárias destinadas à publicação de crônicas poderiam aqui ser elencados, pois,
de fato, essa foi uma marca cultural desse período e assim continua até a
contemporaneidade.
A tradição da coluna literária de crônicas no Brasil invadiu o século XX,
perpetuando-se ao longo dos anos e chega até nós com o mesmo frescor das rotativas do
século XIX. O gênero parece ter se ambientado de tal maneira no país, que um estudo
detalhado de sua evolução revelaria muito da identidade nacional, pois a crônica revela
uma profunda intimidade com o cotidiano do brasileiro.
Podemos afirmar que a crônica literária representa um tipo de narrativa que
possui um itinerário de destaque para a História da Literatura Brasileira. Ainda que
injustamente inferiorizada nos cânones do nosso sistema cultural, ela vem, ao longo dos
anos, fazendo parte do universo intelectual do país, e, sobretudo, do repertório textual e
afetivo dos nossos leitores. E se ela obteve destaque através das penas dos dois maiores
historiadores da nossa literatura é um sinal de que merece mais atenção, aqui pois fica
registrado nosso elogio à crônica, a Antonio Candido e, sobretudo, a Afrânio Coutinho
nosso homenageado.
RESUMO
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 55-60.
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ABSTRACT
The present study intends to demonstrate the importance of the chronicle in the
Brazilian literary system. Since its beginning in the 19th century, through the columns
in periodicals to contemporaneity, this narrative modality dwells in the preferences of
the readers and has been going through many changes along the years. This aspect is not
noticed by many of the Literature historians in our country. However, Afranio Coutinho
and Antonio Candido highlight the greatness of this genre in their works.
KEYWORDS: Chronicle. Literature History. Periodicals.
BIBLIOGRAFIA
BROCA, Brito. A Vida Literária no Brasil ― 1900. Rio de Janeiro: José Olympio,
1955.
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Janeiro: Relume Dumará, 1996.
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
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1
Doutor em Letras pela PUCRS com Pós-Doutorado em Estudos Literários na UFRGS. Professor de
Literaturas Hispânicas no Curso de Letras e de História e Literatura no Mestrado em Linguagens e
Representações da UESC. Docente-colaborador no Mestrado em Literatura Comparada da URI-FW.
2
Mestre em Letras, área de concentração Literatura pela Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões ― URI. Professora Titular de Língua Inglesa no Instituto Federal Farroupilha,
Campus Santo Augusto-RS.
ISBN 978-85-7395-210-0
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Não havendo uma teoria que responda a todas as interrogações, é tarefa dos
críticos refletir sobre as diversas possibilidades que um texto pode fazer surgir. “A vida
da crítica se alimenta de um movimento interminável de interrogação, por se negar a
seguir à risca um método fixo ou idéias congeladas” (SOUZA, 2002, p. 12). A era das
informações digitais traz nova reconfiguração para o meio literário e cultural. Os
centros acadêmicos não mais definem os critérios de preferência e valores estéticos,
novas regras são ditadas pelas propagandas, pela mídia e a internet. Os leitores passam a
ser, em grande maioria, virtuais.
O momento atual apresenta critérios híbridos e mais abrangentes: “os cânones e
a tradição literária atuam sorrateiramente sobre a experiência singular do fazer artístico,
atividade secular que se nutre de revivals e revisitações” (SOUZA, 2002, p. 90). Teorias
e abordagens da crítica literária brasileira alargam seus campos, todavia, os intérpretes
desses estudos devem ser cautelosos frente a mudanças que acabam “provocando os
questionamentos dos lugares dos produtores de saber, assim como dos conceitos
operatórios responsáveis pela produção de paradigmas e de metodologias críticas” (Id.
Ibid. p. 105).
A crítica literária, por enfocar tanto obra quanto autor, transcende dimensões
puramente literárias:
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literatura brasileira:
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seja pela condição sócio-econômica, seja por seu papel intelectual à época. Por isso,
apresentamos dados e fatos significativos a sua história editorial e individual em uma
espécie de biobibliografia fragmentária que visa abarcar tempos anteriores ao
lançamento de seu livro A rua dos cataventos (1940).
A partir das edições anteriormente referidas, com finalidade biográfica, crítica ou
biobibliográfica, mapeamos a produção literária que o poeta não publicou em livro ou que
reformulou em edições posteriores. Assim, podemos considerar suas contribuições para
com a revista Hyloea, da Sociedade Cívica e Literária do Colégio Militar de Porto Alegre
(Cf. IEL, 2006, p. 19) no qual estudou como interno, entre 1919 e 1924. Nesse ano, durante
teria divulgado uma composição poética na terra em que nascera (REMÉDIOS, 2006, p.
40). Valendo-se também de um falso nome ― J. B. de Sá ―, homenageava sua paixão
prematura, filha do agente funerário local. O periódico em que devia constar tal registro
não pôde ser localizado.
Entretanto, na década de 1980, o já celebrado escritor ainda sabe de cor o
mencionado soneto, um de seus pioneiros: “Que linda estavas, Maria/ no dia da
comunhão [...]” (CASTRO, 1985, p. 38). Mais tarde, ao mesmo tempo em que assiste a
inúmeras comemorações pela passagem dos 80 anos de seu nascimento, Quintana grava
essa parcela da sua memória de vida e do seu trabalho autoral no livro Baú de espantos
(QUINTANA, 1986, p. 16-17). Logo abaixo do poema, parcialmente modificado, o
autor registra a data em que o teria elaborado:
MARIA
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MANHÃ
― Velho quarto,
móveis,
Amigo chapéu ― Bons dias!
Na janela,
escancarados,
os meus olhos enchiam-se de perguntas bobas.
Achei de novo os meus anos menininhos.
Achei a Graça.
Descobri que era dono da minha vida.
Me sentia
de todas as cores do prisma...
Minha alegria, meu encantado balãozinho de cor!
agarrado contigo,
eu subia,
subia...
subia...
A manhã era feita de bandeirolinhas festivas.
M. M. QUINTANA (QUINTANA, 1927).
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MANHÃ
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1924; 2) o soneto “Maria”, editado num jornal alegretense, em 1923 ou 1924; 3) o conto
“A sétima personagem” (Diário de Notícias de Porto Alegre, 1926); 4) composições
enviadas por Cecília Meireles ao magazine carioca Terra de Sol durante a década de
1920; 5) trabalhos que teriam circulado no Almanaque do Globo, Correio do Povo e
Revista do Globo (1929-1930); 6) “Canção do meio do mundo”, a figurar no Diário de
Notícias do Rio de Janeiro, provavelmente, nesse decênio.
Conformando uma história editorial lacunar, os testemunhos acerca de tais
escritos indiciam suas presenças na história e na memória; revestem-se de significados a
esta pesquisa, mas nela não aparecem como materialidade. A reunião dos textos citados,
talvez existentes em algum lugar e mesmo que bastante dispersos, poderá fornecer
dados que confirmem os primeiros passos do “poeta caminhante” nas vias da escrita
literária, entre o começo dos anos de 1920 e o final da década de 30. Quando se trata de
matéria da história factual, e aqui podemos incluir as histórias literárias,
Se o cuidado com as fontes não implica renunciar à busca dos fatos, esta
pesquisa exige redução de escala a 1938 e 1939, mas não se restringe unicamente a
esses dois anos durante os quais a revista Ibirapuitan havia circulado, pois muitos de
seus textos vêm a ser reunidos nas obras literárias A rua dos cataventos (QUINTANA,
1940) e Espelho mágico (QUINTANA, 1951). Em outra direção, tentamos verificar se
houve publicações do poeta sul-rio-grandense anteriores às efetuadas no periódico em
vista, a fim de afirmamos ou não seu pioneirismo, o que vimos fazendo ao longo dos
últimos seis anos. O material reunido durante esse tempo mostra que, editando poemas
em revistas literárias já nos anos de 1920, o sujeito produtor opera ele mesmo como
repositório de fontes sobre sua vida e sua obra, seja em depoimentos, seja em poesia.
Sua memória, ao transitar da autobiografia ao arquivo, possibilitou reencontrar
fragmentos de seus trabalhos, prototextos, rastros, fontes dispersas que, ora reunidas,
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RESUMO
A crítica literária e crítica cultural têm cada vez mais se entrelaçado em uma relação que
visa desvendar as muitas possibilidades que podem emergir de um texto. Dentre essas
possibilidades, lançamos o olhar a gêneros e perspectivas considerados menores pela
crítica e a história literária tradicionais, num espaço investigativo onde memória,
literatura, arquivos e acervos literários possam se encontrar. Assim, o presente artigo
tem como objetivo proceder a um estudo monográfico voltado às produções iniciais de
Mario Quintana (1906-1994) que, após pesquisa destinada a localizá-las, permitem
reelaborar a biobibliografia do poeta, preenchendo lacunas até então apresentadas por
estudos de semelhante cunho. Para tanto, propomos um diálogo entre a micro-história
(baseando-nos no historiador italiano Carlo Ginzburg), os estudos literários e as pistas
fragmentárias deixadas pela obra do escritor sul-rio-grandense, no intuito de contribuir
para o enriquecimento de seu acervo literário.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica Cultural. Estudos Literários. Micro-História. Mario
Quintana.
ABSTRACT
The literary criticism and cultural criticism have been increasingly blended in a
relationship that aims to solve the several possibilities that can emerge from a text.
Among these possibilities, we looked at genres and perspectives labeled as minor by the
traditional criticism and literary history, in an investigative space where memory,
literature, archives and literary collections can be connected. Therefore, the purpose of
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this paper is to proceed a monographic study about the first productions by Mario
Quintana (1906-1994) that, after a research run to find them, allows rewriting the poet’s
bio-bibliography, filling the gaps previously left by similar nature studies. For this, we
propose a dialogue between micro-history (based on the Italian historian Carlo
Ginzburg), the literary studies and the fragmentary clues left by the works of this Rio
Grande do Sul-born writer, in order to contribute to the enrichment of his literary
collection.
KEYWORDS: Cultural Critic. Literary Studies. Micro-History. Mario Quintana
BIBLIOGRAFIA
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1
Professora Mestra em Literatura e Diversidade Cultura e membro Grupo de Estudos Literários e
Contemporâneos ― UEFS.
ISBN 978-85-7395-210-0
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 78-82.
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um caso raro de escritor brasileiro que tem a memória muito bem preservada,
principalmente em sua terra natal.
Silviano credita à mídia eletrônica parte do sucesso de muitas narrativas que
circulam por aí. Acredita que se os livros de boa qualidade, sob sua ótica, passassem
pelo processo de propaganda na mídia, seriam lidos mais facilmente. Entretanto, são
outros tipos de narrativa que se espalham pelo mundo:
Então, se as obras dos cânones brasileiros circulassem, mais pela mídia teriam
um público leitor maior? Acredito que sim, mas falar em livro de boa qualidade
levando-se em conta apenas uma estrutura já legitimada pela elite intelectual, é ser
preconceituoso se não levar em conta o que o leitor prefere enquanto leitura. Paulo
Coelho é um exemplo de escritor que Santiago classificaria como não sendo de boa
qualidade, entretanto, a exemplo de Jorge Amado, também circula pela mídia, só que
patrocinado por ele mesmo. O autor faz seu próprio marketing e alcança o topo do
mundo. Nesse contexto voltamos para a reflexão de Silviano Santiago no momento que
este observa que, hoje, existe um “culto de personalidade” rondando o que ele chama de
aprendiz de escritor, segundo ele, “muitos jovens se sentem tão contentes com a
imagem pública de intelectual, que logo se descuidam do artesanato literário, ou o
abandonam de vez” (2004, p.65).
Será que foi isso que ocorreu com Paulo Coelho? Para este, ser um escritor foi
uma obsessão de vida. Viveu para isso. Conseguiu sê-lo. Porém, apenas querer não o
levaria a tão acolhida fama se os seus textos não fossem atrativos para um grande
público leitor. Conseguiu a proeza de ser traduzido para 69 línguas e viver da profissão,
já que vende milhões de livros todos os anos. Tirou o título de maior Best-Seller
brasileiro de Jorge Amado, deixando este em segundo lugar no ranking de vendas e
tradução (MENEZES, 2011). É claro que Jorge Amado e Paulo Coelho não têm nada
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 78-82.
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em comum além de serem Best-Sellers. Amado é um escritor que prima pela memória e
manutenção da identidade nacional. Paulo Coelho se situa entre o misticismo e a
trivialidade abusiva do cotidiano. Mas ambos têm fama nacional e universal.
Os Best-Sellers são legitimados por um grande público, porém, poucos
pesquisadores e críticos literários se interessam por este novo gênero, geralmente
rotulado com juízos de valores negativos. Sendo assim, afastar-se do estudo dos cânones
estabelecidos pela Literatura propriamente dita, é envolver-se em caminhos quase
ignorados, pois, infelizmente, a maioria dos críticos literários ainda vê nos conceitos
ligados aos formalistas russos do século passado os valores supremos para que um texto
possa ser considerado como de boa qualidade. Pensar assim não seria navegar em águas
preconceituosas e elitistas, já que se acaba deixando as qualidades emocionais de uma
obra literária à margem, como secundárias?
Alguns discursos tendem a acusar os Best-Sellers como sendo apenas
entretenimento, como um texto que se utiliza do discurso literário de forma vulgar,
banal. Desvaloriza-os por serem escrituras de fácil leitura e entendimento, que
emocionam e laçam o leitor; portanto, sem qualidade literária. Realmente a função
primária do Best-Seller é o entretenimento, mas este acaba sendo um argumento de
exclusão do gênero quando esta função é vista apenas como um passatempo;
entretenimento deve ser visto também como envolvimento, pois se a narrativa não
seduzir o leitor, com certeza será colocada de lado. É a capacidade de prender o leitor,
de envolvê-lo, de fazê-lo virar a página, que torna a leitura de um Best-Seller mais que
um entretenimento: um texto legítimo para o seu receptor (MENEZES, 2011).
Os Best-Sellers acabam por democratizar a leitura já que se inserem em variados
lugares, em grandes extensões locais e para variados leitores. Faz isso se utilizando de
aspectos estruturais e estéticos específicos, como a focalização em enredos que
correspondem ou representam a experiência de vida do leitor, minimiza aspectos
estilístico, usa linguagem clara e cotidiana, e arranjos gramaticais mais simples, além de
períodos curtos, a linearidade do tempo (começo, meio e fim) e o esperado final feliz.
Portanto, é preciso respeitar o leitor na essência de suas preferências narrativas,
preocupar-se com sua afetividade e prazer; isso não quer dizer produzir textos mal
elaborados, mas narrativas que participem da vida cultural e social do leitor-cidadão.
Estudar o fenômeno Best-Sellers em suas mais variadas contextualizações e temáticas é
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estudar o público leitor que a legitima. Esse é, hoje, um caminho necessário para que se
possa viabilizar melhor o próprio estudo dos cânones brasileiros.
RESUMO
BIBLIOGRAFIA
DUARTE, Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Editora UFRN, Natal,
1995.
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Nas duas últimas décadas, o campo literário brasileiro vem apresentando uma
profusão de obras cujos suportes, temáticas e meios de divulgação priorizam a relação
do artista com o leitor, além de enfatizarem a discussão a respeito de espaços e sujeitos
submetidos à carências de todo tipo. No que tange ao discurso adotado pela produção e
prática cultural do século XXI, observam-se possíveis comprometimentos sociais que se
distinguem do engajamento dominante nos anos 1960. Sem adentrar por ora nas
discussões referentes ao realismo naturalista do século passado e às tendências
neorealistas do presente, é possível verificar na literatura contemporânea influências da
estética realista da prosa urbana sobre os artistas posteriores.
Contudo, além do engajamento social que exige uma escrita em consonância
com a realidade, impera uma tendência em transformar o objeto da crítica em sujeito do
discurso. Os artistas que produzem a partir da década de 1990 circulam pela
heterogeneidade do universo literário, conscientes da emergência de uma nova relação
com a realidade e dos recursos disponíveis para promover seu contato com o leitor.
Além disso, sua atuação coloca em evidência a necessidade de romper com a hegemonia
dos cânones; não se trata de negar o passado, haja vista a existência do diálogo com
escritores das gerações anteriores, mas de se levar em conta as tendências atuais das
produções.
Ao considerar a relação entre “os traços estruturais e estilísticos da literatura
moderna, acompanhada de uma compreensão das consequências das tecnologias
produtivas e da distribuição mercadológica e preparação de uma nova classe de leitores”
(RANCIÈRE, 2005, p. 15), os novos escritores apostam na democratização da arte,
possibilitada pelos recursos tecnológicos e pela abertura do mercado literário. Tais
possibilidades propiciam uma multiplicidade de caminhos adotados pelos autores
1
Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana: UEFS
Membro do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos.
ISBN 978-85-7395-210-0
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Quando fala, ele atira. Pode calar-se, mas uma vez que decidiu atirar é
preciso que o faça como um homem, visando o alvo, e não como um
criança, ao acaso, fechando os olhos, só pelo prazer de ouvir os
tiros.(...) Mas desde já podemos concluir que o escritor decidiu
desvendar o mundo e especialmente o homem para os outros homens,
a fim de que estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a sua
inteira responsabilidade. (SARTRE, 1993, p. 21).
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RESUMO
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ABSTRACT
BIBLIOGRAFIA
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RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo:
EXO experimental org.: Editora 34, 2005.
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INTRODUÇÃO
1
Mestre em Literatura de Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana ― UEFS,
Pesquisadora do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos ― GELC, atuando na linha de pesquisa
Literatura, memória e representações identitárias, Professora da Universidade do Estado da Bahia ―
UNEB, campus X.
ISBN 978-85-7395-210-0
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aos atos e forças realizadoras, “é a atualidade suprema de tudo que é”. (MARITAN,
1996, p. 29). A partir de tais proposições é possível compreender que a ação do existir
dirigida à inteligência permite ao ser a percepção e julgamento, haja vista que o ser é
enquanto se reconhece em sua concretude, na sua realização. Segundo Jacques Maritan
(1996, p.30), “é a própria existência que se dirige a inteligência quando formula dentro
de si um julgamento que corresponde ao que a coisa é ou não é fora do espírito”,
estabelecendo, assim, uma relação continua da sua característica de existir com
elementos que lhes são externos.
Nesse sentido, vale ratificar que a definição própria de ser não estar em
considerar apenas o seu caráter espiritual, mas sim de perceber que é latente discernir
que, como objeto do metafísico e enquanto ser, ele é real. Por se realizar em todas as
coisas e as coisas o comunicar ao entendimento, caracteriza-se não só como um objeto
passivo de análises, mas é através de sua “transobjetividade” pelo caráter de transcender
a si mesmo e a tudo que existe, além de ter valor analógico em relação ao que existe.
A importância da analogia do ser permite considerar a reflexão sobre a razão de
que, por sua autonomia, ele se encontra em todo espaço e de maneira fundamentalmente
transformada devido ao seu caráter variado. Tal variação se dá pela necessidade de
inserção analógica pela existência das coisas, isto é, pode-se entender que o ser existe
em relação a alguma coisa. Sobre esse caráter analógico Jacques Maritan, em seu
ensaio, diz que:
Esse caráter relativo insere na análise conceitual a ideia de que a distinção entre
essência e existência do ser só ocorre no campo espiritual, não obstante tal ideia
compreendida por meio das coisas 2 corresponde a uma diversidade real, tanto da
essência quanto da existência, de toda criatura. A partir dessa perspectiva, há de se
considerar que se o ser possui o caráter análogo e variado, pode-se inferir que tal caráter
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Coisa no campo da Filosofia pode ser compreendida a partir da inferência de tudo aquilo que existe.
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confere ao ser certa inclinação, que aqui pode ser considerada também como tendência,
o que faz com que a sua imagem transgrida a si mesma, dando margem para o princípio
da identidade.
A fim de se estabelecer um diálogo sobre como o ser sustenta a compreensão da
identidade, Martin Heidegger (1960), em seus estudos filosóficos sobre identidade e
diferença, analisa dois importantes conceitos heraclitianos: o “ente” e o “ser”. Em que o
ente pode significar o que é um, o único, o que tudo une, ou seja, o que existe por sua
singularidade, no entanto unido é todo ente no ser, isto é, a composição das unidades
forma o ser, que recolhe (ou acolhe) o ente.
Essa prerrogativa invalida a noção de que o ser é isolado em si mesmo, de que a
sua existência independe da relação com as coisas do universo, pelo contrário, o ser só o
é por encontrar dentro de si um conjunto de entes que o substancia. Assim, a fim de
esclarecer o que logo mais será tratado como princípio de identidade, pode-se dizer que
o “ente” pode ser compreendido como cada indivíduo dotado de caracteres singulares,
suas idiossincrasias, enquanto que o “ser” os reúne e os identificam, estabelecendo, por
assim dizer, a ideia de que todo ente somente o é no ser. Segundo Heidegger (1960, p.
26):
Todo o ente é no ser. Ouvir tal coisa soa de modo trivial em nosso
ouvido, quando não de modo ofensivo. Pois, pelo fato de o ente ter seu
lugar no ser ninguém precisa preocupar-se. Todo mundo sabe: ente é
aquilo que é. Qual a outra solução para o ente a não ser esta: ser? E
entretanto: precisamente isto, que o ente permaneça recolhido no ser,
que no fenômeno do ser se manifesta o ente[...].
Dessa forma, a partir de uma análise dialética, pode-se dizer que o ente representa a
unidade da essência e o ser, o caráter da existência em toda criatura. Dá-se aí o princípio
da identidade, o qual pode ser compreendido a partir da seguinte perspectiva:
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Heidegger discute o comum-pertencer como aquilo que reciprocamente se pertence no seio tanto do
pensar quanto do ser, isto é, o comum-pertencer se refere a homem e ser.
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relação à prática da aceitação daquilo que poderia ser considerado diferente. Sobre isso,
Santiago (2004, p. 54) diz que
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facão até que se visse o sangue jorrar. A dimensão da angústia era tão grande que seus
pensamentos espantavam o sono na imaginação de como o seu falso amigo Joel agora
se encontrava saciado nos braços da mulher que amava. Tudo convergia para a ideia de
que a questão só se resolveria por intermédio do objeto que lhe representava honra,
como um cavaleiro medieval que defende sua amada no fio da sua espada. De modo
controverso, a amada não era tão amante como imaginava, já que, em seus irados
devaneios, arrazoava que a mulher destinara a Joel todo seu charme ao ponto de
permitir-lhe que se envolvesse.
A semantização das palavras é tão bem explorada ao ponto de o ódio sentido
pelo personagem ser traduzido em uma imagem precisa de um bicho feroz e traiçoeiro
que espera o momento certo para dar o bote, aludindo à ideia de que para lidar com
bichos como esses, só mesmo sendo tão arisco como ele:
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relação familiar que os pescadores cultivavam entre si, o que contrasta com o
comportamento que o amigo teve para consigo:
Êsse Joel, pensou, era mesmo um safado, sim senhor. Chegara no rio
como um mendigo, rindo para todo mundo, sem jeito de encostar o
anzol no barranco. Nem um jereré de seu não tinha. Pescou. Ficou
dono de um pedaço do barranco. Conheceu pessoas. Fêz dinheiro.
Comprou jangada.[...] Simpatizara com Joel. Também era só, não
tinha mulher. Juntos, depois da feira, muitas vezes beberam,
procuraram mulher-dama. Um dia. Chegou Do Carmo. Viera com o
pai, velho pescador, criador de guaiamum. Do Carmo tinha um filho
que engatinhava. Contou a Joel que dobrara Do Carmo. Confessara ao
amigo seus mêdos de um filho. A nêga aparecera com tonturas,
enjôos. Não podia navegar na canoa: a cabeça girava. Joel fora irmão.
Preparara um remédio com anil. Tudo isso com muito segredo. Afinal
os pescadores eram como uma família. (MEDAUAR,1958, p.22).
O comportamento que o personagem adota torna-se um tanto paradoxal, uma vez que
tece críticas severas sobre as atitudes do amigo, no entanto, quando tomado pelo ódio,
passa a julgá-lo e concomitantemente é levado de um sobressalto a se comportar
também como um animal que deseja recobrar sua honra por meio de ações
completamente ensandecidas.
Da mesma forma, a representação que o personagem, por meio da razão, julga o
amigo, a mulher com quem se envolvera também se torna passiva de julgamentos. A
forma como ele a apresenta, em sua fala dotada de uma retórica jurídica, promove a
compreensão da fácil sentença que lhe é conferida, uma vez que Do Carmo é colocada
como uma mulher fácil, provocadora dos brios masculinos, insaciável. A maneira como
as ideias se entrelaçam, configurando o signo da mulher faceira provoca a reflexão de
que a sensualidade da mulher é deveras a ‘perdição’ do homem, ou seja, se Joel tinha
culpa na traição, do Carmo também não se isentava, merecendo, assim, ser castigada
também. No entanto, o desejo que mantinha pela mulher e o ódio que a julgava por suas
ações, suscitam a realização de uma ação muito mais desumana que a do amigo: “a
vontade de tê-la castigando” (Idem, Ibdem). A busca de ações que corrigissem os
amantes, pelo personagem, trazendo-os em direção àquilo que julgava ser o
comportamento perfeito para um convívio social provocou o afastamento do mesmo da
perfeição que tanto buscava.
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Reparou que o velho vinha de facão, mas sem bainha. Pensou que
seria melhor desmanchar o assunto, pegar outro, terminar com aquela
situação. Cada vez que encontrava o velho, o coração batucava, sentia
um desajuste por dentro, as palavras não saíam encarreiradas. O jeito
de olhar do velho era um jeito de quem pescava camarão miúdo. Não
podia olhar na cara, de frente, com desembaraço. (MEDAUAR, 1958,
p. 24).
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A derrota se deu pelo simples fato de o seu opositor saber tanto quanto ele como
usar a sua arma. Descobrira-se vencido por alguém que, através da razão, sequer
precisou usar a força, uma vez que esta se mostrou através do símbolo permeado em
torno da simples representação da diferença que existe entre um facão desbainhado e
um que ainda está na bainha.
Em suma, através dessa apreciação, é possível notar que o autor reveste sua
narrativa de uma constante revelação das ações humanas, discorrendo no enunciado o
princípio identitário que designa a identidade como um traço que compõe o ‘ser’, isto é
um traço que fundamenta o ‘ente’ nas suas especificidades. A preocupação com a
visualização das ações demonstra a necessidade de se compreender o ser por meio do
plano da existência que se dá no pleno convívio de seus partícipes.
RESUMO
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ABSTRACT
The study refers to the discussion ofidentity elements, by taking into account the
importance that is given to be solidifying theliterary imagination because of the
historicalmovements, economic and social suffering that individuals over time, since
such displacementsled to the fragmentation of the individual as well asthe paradigm
shift culture. In this analysis, we notethat the author Martin Heidegger develops the
ideaof understanding the individual as a social orderbased on the commonly-owned,
while SilvianoSantiago discusses the relationship of the subject with each other and
with the community through the movement of resemantization . It will be noted herethat
helps is the notion of the principle of identity, inorder to reveal sides of the individual
through thephilosophical conception of being and being in Heidegger and the process of
subjectivation inSantiago, criticizing it, arguing it and reconfiguringit, as it presents
itself traces the social, historical, economic and cultural gifts at any time, in language,
the thoughts and actions that make up in your lifetime.
KEYWORDS: Individual. Company. Displacementidentity.
BIBLIOGRAFIA
BHABHA, Homi. O local da cultura. Trad. ÁVILA, Myriam et. al.Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 1998.
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela
Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1996.
MARITAN, Jacques. Sete lições sobre o ser. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
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1 INTRODUÇÃO
A maestria no uso das palavras faz com que a escrita clariceana seja considerada
como inovadora, pois estabelece uma nova concepção de tempo para o romance. A
autora trabalhava como se o trabalho fosse uma válvula de escape; uma fuga de si
mesma. Clarice propõe um processo de deshierarquização e, em seguida, de
rehierarquização de conceituações. Progresso, trabalho e labor são redefinidos por
Lispector com cuidado. Santiago (2004) evidencia que “O labor não se manifesta pela
1
Professora de Língua e Literatura Inglesa e Inglês Instrumental do Departamento de Letras e Artes da
Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestra em Literatura e Diversidade Cultural pelo programa
PPGLDC, UEFS (2011). Pesquisadora em Literatura, memória e representações identitárias
(UEFS/PPGLDC). Membro do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: Literatura de jornal ao
sistema literário. Revisora da Revista Acadêmica da Graduação em Letras, nº02 jan/jun.2011. Correio
eletrônico: <silcapua@uol.com.br>.
ISBN 978-85-7395-210-0
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processo de construção literária pelo teórico Silviano Santiago (2004), nas suas
considerações sobre o narrador pós-moderno. Na escrita das crônicas de Clarice, esta
arte de narrar é resgatada devido a sua leitura de fácil compreensão. Tais crônicas se
tornam um veículo ideal para “contar os causos”, revestidas de uma leveza da
linguagem, através de uso de sintaxe e das palavras, busca definir as sensações e
emoções provocadas por outro ou pelo mundo mesmo. O mistério releva-se por crônicas
que vão aos poucos desnudando o mundo pessoal e subjetivo dessa escritora enigmática,
que se dirige ao leitor informalmente. Seus textos operam sob o signo de diferentes
códigos culturais e discursivos dos quais as significações desvelam a cumplicidade tal
qual a escrita do escritor inglês James Joyce2.
O texto literário se torna um lugar de possibilidades e de transformações no qual
o(a) leitor(a) se insere, se posiciona e se constrói como sujeito do conhecimento. A
própria Clarice comenta sobre sua escrita: “[...] Cada livro meu é uma estreia penosa e
feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu
chamo de viver e escrever” (LISPECTOR, 1991, p. 99-100).
A produção literária de Clarice Lispector se faz atemporal, após décadas de
lançamento, os leitores da atualidade encontram nas suas crônicas uma literatura como
um campo em que a estética – embora de teor universal – é inseparável da política, seu
componente nacional. Sendo assim, desvendamos muito da alma brasileira ao se deparar
com os mistérios da escrita de natureza híbrida. As crônicas de uma das maiores
escritoras brasileiras, Clarice Lispector, transitam no mundo da fantasia, do imaginário,
escapando de se comprometer pessoalmente nas linhas de sua escrita da interiorização e
da multiplicidade dos mistérios do mundo e do ser humano.
Na escrita clariceana, o processo de formação de sensibilidades questiona a
ordem de um mundo instável e transita entre o fascínio e recuo, face à premência em
assumir o centro explosivo de si mesma. A leitura das crônicas e sua interpretação
denotam uma organização ativa de significante, na busca da identidade de paradigmas
vigentes na vida da escritora: certa história, vidas sociais, visão do mundo.
2
James Augustine Aloysius Joyce (Dublin, 2 de fevereiro de 1882 - Zurique, 13 de janeiro de 1941) foi
um romancista, contista e poeta irlandês expatriado. É amplamente considerado um dos autores de maior
relevância do século XX. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Joyce>. Acesso em: 20
mar. 2012.
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[...] Mas tenho uma descendência e para eles no futuro eu preparo meu
nome dia a dia. Sei que um dia abrirão asas para o vôo necessário e eu
ficarei sozinha. É fatal, porque a gente não cria filhos para a gente, nós
os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei
seguindo o destino de todas as mulheres (LISPECTOR, 1991, p. 99-
100).
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[...] a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda
a sua gama, é artificial querer que ela funcione como os manuais de
virtude e boa conduta. [...] Ela não corrompe nem edifica, portanto,
mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem o que
chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver
(CÂNDIDO, 1972, p. 805-806).
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A autora trilhou uma vida discreta e reclusa. Seu tom era um tanto
“confessional”, seus textos expressam um modo de viver e agir. Lançando mão de uma
literatura como um constante processo na busca pelo autoconhecimento: “Se eu tivesse
que dar um título à minha vida seria: à procura da própria coisa” (LISPECTOR, 1998,
p. 221).
Segundo Queiroz (1991):
3
Martin Heidegger (Meßkirch, 26 de Setembro de 1889 ― Friburgo, 26 de Maio de 1976) foi um filósofo
alemão. É seguramente um dos pensadores fundamentais do século XX ― ao lado de Bertrand Russell,
Wittgenstein, Adorno e Michel Foucault ― quer pela recolocação do problema do ser e pela refundação
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A literatura como fonte de pesquisa histórica possui uma trama literária com
características fundamentais que estariam na raiz do modo de pensar, agir, sentir, vibrar,
como também, de repensar o mundo. Pesavento (2002) confirma:
da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Heidegger>. Acesso em: 20 mar. 2012.
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RESUMO
Este artigo tem como objetivo evidenciar a maestria da ficção de Clarice Lispector, sob
o olhar concretizado pela quotidianidade enxovalhante da vida em A aula inaugural de
Clarice Lispector: cotidiano, labor e esperança. Santiago (2004) relata o processo de
deshierarquização da escrita da autora, a qual expressa uma literatura que cativa o leitor
despertando-lhe a sensibilidade para coisas comuns da vida. Trata-se de uma obra
dotada de uma narrativa cuja leveza expõe a linguagem não rebuscada, mas que se torna
um veículo ideal para explorar os fatos do cotidiano e para “estourinhar” o país durante
um período político marcante: a ditadura militar. O texto literário utiliza valores do
passado – por meio de uma linguagem de tom novelesco, considerada como um marco
na literatura brasileira –, sem se estabelecer como adepto dos moldes oitocentistas de
narrar a realidade de mulher, mãe e cidadã.
PALAVRAS-CHAVE: Deshierarquização. Sensibilidade. Cotidiano.
ABSTRACT
This article has as objective to evidence the master of the fiction of Clarice Lispector,
under the materialized look for the amusing everyday life in the inaugural lesson of
Clarice Lispector: daily, work and hope. Santiago (2004) tells the process of non-
hierarchization of the writing of the author, which express a captive literature that the
reader awake to the sensitivity for common things of the life. It is about an endowed
production with a narrative whose slightness displays the language not searched
carefully, but that it becomes an ideal vehicle to explore the facts of the daily life and to
create stories about the country during an unforgettable politician period: the military
dictatorship. The literary text uses values of the past - by means of a language of novel
tone, considered as a landmark in Brazilian literature -, without establishing itself as
adept of the old molds to tell the reality of woman, mother and citizen
KEYWORDS: Non-hierarchization. Sensitivity. Daily live.
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de Janeiro: 104: 5/8, jan-mar, 1991, p. 25-41.
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5/8, jan-mar, 1991, p. 6.
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SÁ, Olga de. A escritura de Clarice Lispector. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1979.
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COMUNICAÇÕES
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1 INTRODUÇÃO
1
Graduada em Letras Vernáculas pela UNEB, especialista em Estudos Literários pela UEFS, mestranda
em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS e membro do Grupo de Estudos Literários
Contemporâneos (GELC).
ISBN 978-85-7395-210-0
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2.1 POLÊMICAS
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compõem sua biografia citaremos apenas o processo judicial movido contra 30 bispos
da Igreja Católica e o apoio dado por Requião a Virgílio Maurício, pintor carioca
acusado de falsário e plagiador.
O primeiro episódio polêmico que marca sua biografia é um desdobramento dos
embates travados com arcebispo D. Augusto Álvaro da Silva, seguido de um ataque
feito, em 1933, por Altamirando Requião a um sacerdote defendido pelo arcebispo e de
uma defesa feita a uma religiosa, em 1936, que é contestada pela mesma autoridade
religiosa. D. Augusto Álvaro da Silva apóia o padre Ricardo que se sentia caluniado
depois da publicação de um artigo no jornal assinado por Requião a processar o
jornalista. Junto com o padre, trinta e oito membros do clero solidarizados com a
situação o fizeram publicar um manifesto contra o Requião, por isso este moveu uma
questão na justiça contra todos os eclesiásticos e ganhou a causa no final. Contudo, os
embates entre Requião e D. Augusto Álvaro não cessam com o término do processo
judicial.
A outra polêmica diz respeito ao fato de Requião, juntamente com Ronald de
carvalho e Renato Almeida, os dois últimos radicados no Rio de Janeiro, terem apoiado
o pintor Virgílio Maurício diante das acusações de plágio quando este esteve na Bahia,
em 1919. Em oposição a estes defensores do pintor estavam Presciliano Silva,
assessorado por Carlos Chiacchio que por um bom tempo travou fervorosos debates
com Requião. Essa contenda resultou na troca de publicações de alguns textos por parte
dos oponentes citados, o que contribuiu para a popularidade maior dessa controvérsia. O
pintor acabou sendo desmascarado no Rio de Janeiro, levando Requião e Ronald de
Carvalho a publicarem textos esclarecendo o equívoco e a romperem com o artista
plástico. Mesmo após a resolução dessa confusão, o assunto ainda rendeu várias trocas
de injúrias.
Esses e outros fatos implicaram em uma maior exposição de Requião na época.
Conforme Veiga, esse era um dos objetivos dessas ocorrências, já que “as polêmicas
eram também um recurso infalível para aumentar a procura dos jornais” (1993, p. 57).
2.2 A POLÍTICA
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2.3 DRAMATURGIA
2.4 POESIA
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Alguns de seus poemas possuem também uma forte influência do estilo poético
de Álvares de Azevedo, Byron e Shakespeare. Por isso, foi chamado pelos escritores
contemporâneos de seu tempo de “Apóstolo de ferro do byronismo” e “cultor fervoroso
de Byron e Shakespeare”. (VEIGA, 1993, P. 53)
Em 1928, escreveu poesias modernistas, muitas delas são paródias, como o
poema “Um prego”, inspirado no poema “No meio do caminho tinha uma pedra de
Drummond:
UM PREGO
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2.5 CONTOS
Estreou na ficção com Misérias- contos Fantásticos, mas assim como Afrânio
Peixoto excluiu seu 1º livro de sua bibliografia. Foram apontadas por Carlos Chiacchio
algumas intertextualidades imoderadas por parte do autor.
Em 1928, lança “Visões Fidalgas e Plebéias”, coletânea de contos históricos.
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das narrativas serem baseadas na História, não nega que possa haver nelas fantasias, o
que problematiza as fronteiras entre o relato ficcional e o histórico:
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A trajetória de Requião nos mostra que ele esteve no cenário literário por várias
décadas, publicando vários gêneros literários e em vários meios e suportes de
comunicação. Ele soube transitar pelo mercado, conseguindo o que julgava necessário
para cumprir sua missão literária. Muitos outros autores os autores baianos do período
referido também foram segregadas do cânone brasileiro, por não pertencerem ao eixo do
centro-sul ou mesmo por não se enquadrarem nos moldes estabelecidos, foram da
mesma forma excluídos.
No caso específico de Altamirando Requião, alguns fatores podem ter
contribuído para a sua supressão da historiografia literária baiana. Entre eles, estão a
associação do autor com ideologia integralista e partidos políticos de direita, posto que
os grupos literários mais fortes e consolidados faziam parte dos grupos políticos de
esquerda, como as gerações dos “Jovens Rebeldes de 1928 e “Arco e Flexa”; por ter
cultuado a tradição e os modelos clássicos, a exemplo dos romances históricos
tradicionais, em meio a efervescência estética suscitada pelo projeto modernista; ou
mesmo pela dificuldade de ter produzido num momento em que se tinha Jorge Amado
como autor de obras de maior prestígio social e circulação.
Os estudos feitos até o presente momento da pesquisa ainda não nos possibilita
afirmar ou negar a importância que poderá ter os fatores mencionados acima para a falta
de visibilidade do artista estudado. Este trabalho está longe de trazer repostas e ainda
tem um caminho longo a percorrer. No entanto, a variedade presente na produção do
autor nos remete à hipótese de que ele tentou se enquadrar em algumas estéticas
predominantes no momento, como por exemplo, através das produções de poemas com
caráter modernista e paródico. Pode ser que o fato de não ter se enquadrado a nenhum
grupo de prestígio tenha contribuído para o seu esquecimento, mas pode ser também
que o caráter estético de sua produção tenha influenciado na sua aceitação pela crítica.
São essas e outras questões que pretendemos discutir no decorrer da pesquisa.
Como vimos, a atuação de Altamirando Requião na produção cultural baiana
não foi passiva, nem débil, mesmo diante de um cenário literário dominante. Muito pelo
contrário, ele soube transitar dentro das limitações impostas pelo cânon dominante e
soube também se aproveitar da atividade como jornalista e de sua posição social para
conseguir construir sua trajetória literária.
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RESUMO
BIBLIOGRAFIA
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
______. O Baluarte: crônica do século XVII. Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 1976.
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 118-129.
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1
Licenciado em Letras Vernáculas (UEFS), mestrando em Literatura e Diversidade Cultural (UEFS) e
membro do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos (GELC).
2
Orientador. Doutor em Letras e Linguística (PUC-RS), Professor Adjunto da Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS), Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade
Cultural (PPpLDC) e Coordenador Executivo do Centro de Pesquisa em Literatura e Diversidade Cultural
(CPLDC), ambos da UEFS.
ISBN 978-85-7395-210-0
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João Paraguaçu publicou suas tiras n’O Imparcial, na coluna “Vida Social”,
entre 1936 e 1944. São, em sentido imediato, relatos supostamente vivenciais do autor
sobre fatos históricos, notícias, opiniões ou assuntos de interesse nacional.
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A análise do texto permite identificar que, num encontro entre duas pessoas,
Paraguaçu e Ivan Lins, há ao resgate da memória de um personagem histórico
brasileiro. Logo, a publicação tem um caráter meta-histórico. As crônicas são
constituídas por situações cotidianas, vivenciadas nos bastidores da vida social, política
e literária; são, assim, registradas pelo cronista, mas libertadas da superficialidade
documental comumente atribuída aos textos jornalísticos. Pelo estilo e referencialidade
na memória e história, as produções do pseudônimo de M. Paulo Filho apresentam-se
singulares não apenas pela coluna em que são publicados, mas pelo estilo com o qual
nos insere (leitores) no acontecimento, além do caráter irônico das condições e
contradições inerentes ao fato, absorvidos pelo gênero.
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seja, vivências marcadas historicamente pela visão de mundo do escritor. O mesmo fato
poderia ser registrado de outra maneira.
João Paraguaçu publicou em livro outra crônica sobre o enterro de Olavo Bilac.
xviii
Memórias de João Paraguassú (1964) apresenta a crônica “No entêrro de Bilac” .
Nesta, há algumas discrepâncias em relação à publicação no jornal baiano. Uma das
mais importantes é que, na crônica publicada n’O Imparcial, o então presidente Delfim
Moreira segurou no caixão do “Príncipe dos Poetas Brasileiros” junto com o recém-
desafeto, Ruy Barbosa: “Eu reparava nas figuras que se adiantavam para pegar nas alças
do caixão. Delfim Moreira, que era o presidente da República, foi o primeiro a segurá-
la, à direita, na cabeceira. Seguiu-se Rui Barbosa, tomando-as, à esquerda.” xix. No texto
do livro, quem se encontra com o influente político baiano é o representante de Delfim
xx
Moreira, “que era o Vice-Presidente da República” . O cronista comenta que Ruy,
então presidente da Academia Brasileira de Letras, e o secretário geral da instituição,
Domício, “[...] já estavam de relações estremecidas, [e] seguraram as alças de frente do
caixão” xxi. Essas informações não correspondem totalmente às registradas vinte e cinco
anos antes n’O Imparcial. Destarte, as duas publicações se apresentam como versões de
uma realidade, fato ou assunto, à qual o autor não se furtou acrescer laivos de ficção,
como diz na “Explicação” (introdução) às Memórias de João Paraguassú:
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xxiii
Em textos como “Casimiro e outros” , no qual se questiona a falta de
interesse das livrarias brasileiras em publicar livros biográficos sobre “homens ilustres,
notavelmente artistas”, a relação entre literatura e sociedade apresenta fatos que
referenciam os cânones de uma nova maneira. O cotidiano dos escritores é apresentado
em fatos relacionados às relações entre literatura e política ― sem deixar de se
valorizar, na expressão escrita, o “certo sabor literário” dito por M. Paulo Filho.
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7 CONCLUSÃO
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xix
Paraguassú, 1939, p. 7.
xx
Paulo Filho, 1964, p. 54.
xxi
Paulo Filho, 1964, p. 54.
xxii
Paulo Filho, 1964, p. 7, grifo do autor.
xxiii
Paraguassú, 1937, p. 2.
xxiv
Paraguassú, 1937, p. 2.
xxv
Paraguassú, 1937, p. 2.
xxvi
Paraguassú, 1937, p. 2.
RESUMO
As crônicas “As aulas de Benjamim”, “Casimiro e outros”, “No entêrro do poeta” e “No
enterro de Bilac”, de João Paraguassú (M. Paulo Filho), tematizam literatura, cultura e
sociedade brasileiras. Os textos, publicados no jornal baiano O Imparcial, entre 1937 e
1944 (3), e no livro Memórias de João Paraguassú, de 1964 (1), serão vistos como
produções de literatura que dialogam diretamente com a realidade da época em que
foram escritos, na qual resgatam e articulam história, literatura e política em torno de
um escrito curto, direto e informativo. Argumentaremos sobre como as relações entre a
Literatura e o Jornal estão configuradas na sociedade, além de suas manifestações na
cultura em textos que enfatizam o elo entre a área da literatura e o estilo jornalístico.
PALAVRAS-CHAVE: João Paraguassú. Literatura Brasileira. Memória.
ABSTRACT
The chronicles of João Paraguassú (M. Paulo Filho) “As aulas de Benjamim”,
“Casimiro e outros”, “No entêrro do poeta” and “No enterro de Bilac” thematize
literature, culture and society of Brazil. The texts were published in the newspaper O
Imparcial between 1937 and 1944 (3) and the book Memórias de João Paraguassú
(1964) (1). It shall be regarded as productions of literature that dialogue directly with
the reality of the time they were written, rescue and articulate history, literature and
politics around a short, direct and informative writing. Argue about the relationship
between Literature and the Journal are configured in the society and its manifestations
in culture by texts that emphasize the link between the area of literature and journalistic
style.
KEYWORDS: João Paraguaçu. Brazilian Literature. Memory.
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BIBLIOGRAFIA
______. Casimiro e outros. O Imparcial, Salvador, 13 jan. 1937. Coluna “Vida Social”.
p. 2.
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1 INTRODUÇÃO
1
Aluna do Programa de Pós-graduação em Literatura e Diversidade Cultural da Universidade Estadual de
Feira de Santana, bolsista FAPESB.
2
Professor Doutor da Universidade Estadual de Feira de Santana, Orientador.
ISBN 978-85-7395-210-0
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É dentro deste fértil terreno que germinam as primeiras sementes daquele que é
considerado o principal e mais relevante movimento já ocorrido no cinema brasileiro: o
Cinema Novo. Os jovens intelectuais que se reuniam em bares, cafés, livrarias e
cineclubes das principais capitais brasileiras, especialmente, Rio de Janeiro, Salvador e
São Paulo, partiriam para a prática dando início ao Cinema Novo, movimento estético-
político com propostas originais que visava construir uma arte revolucionária, engajada
em discutir a realidade subdesenvolvida do país, bem como seus problemas mais
latentes.
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da censura durante a ditadura militar. Este filme é baseado num conto homônimo do
próprio Olney escrito em 1966 e a posterior adaptação cinematográfica é considerada
um dos pontos máximos da obra do cineasta. Dentro da discussão travada pelo Cinema
Novo em relação às questões ligadas à realidade do país, principalmente no diz respeito
aos problemas concernentes ao campo nas décadas de 60 e 70, a obra de Olney São
Paulo produziu significados não somente dentro do cinema, como também dentro da
ficção literária. Seu livro de contos A Antevéspera e O Canto do Sol (1969) traz na sua
segunda parte contos relacionados à temática sertaneja, atrelando aspectos já
consagrados pela literatura modernista da década de 30, como também retratos e
nuanças de um sertão que ainda precisava ser revisto e reinterpretado pelo leitor e pela
crítica.
Na cinematografia de Olney São Paulo o telúrico vem à tona fortemente a partir
de Grito da terra, longa-metragem produzido em 1964, fruto da adaptação da obra
homônima do escritor Ciro de Carvalho Leite. Descrevendo o filme como “um filme-
poema em que o Homem e a Terra [são] os únicos personagens. Um quase
documentário, uma crônica rural. Um depoimento sobre a vida do sertanejo
desamparado e explorado”ix Olney, através de Grito da terra, insere sua obra, ainda
com mais veemência, dentro de uma das mais latentes discussões da época: a releitura
de imagens da realidade brasileira, especialmente a agrária, através das lentes do cinema
em consonância com país urbano e industrializado que estava surgindo. É dentro do
contexto desse diálogo que o filme de Olney se circunscreve num momento político em
que as vozes eram cerceadas, mas a arte tentava imprimir uma retórica que, ainda que
alegoricamente, denunciasse uma realidade que não coadunava com a mentalidade,
senão da população em geral, mas com a dos intelectuais da época.
No plano das questões rurais dentro da cultura brasileira, Grito da terra revela a
ligação de seu idealizador com o debate sobre a reforma agrária no Brasil, em voga na
época, essa discussão é encenada/representada dentro da película através das famílias de
Silvério e Apolinário, sertanejos que, em meio à seca e às pressões dos latifundiários,
tentam resistir, bravamente, sobrevivendo na terra, e Sebastião, um fazendeiro que aos
poucos almejava adquirir as terras dos pequenos proprietários do local. Esse quadro de
posturas divergentes é simbolizado dentro do filme através de duas figuras femininas
centrais: Loli, amante de Sebastião e filha de Silvério, que almeja, a qualquer custo,
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_________________________
i
Hollanda; Gonçalves, 1984, p. 32-33.
ii
Rocha, apud Hollanda; Gonçalves, 1984, p. 37.
iii
Tolentino, 2001, p.12.
iv
Idem.
v
Albuquerque Junior, 2001, p. 272.
vi
Tolentino, 2001, p.11.
vii
Albuquerque Junior, 2001, p.275.
viii
Avellar, 2007, p.35.
ix
São Paulo apud José, 1999, p.71.
x
Albuquerque Junior, 2001, p.276.
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise do filme Grito da terra (1964), do escritor e
cineasta baiano Olney Alberto São Paulo, em contraposição ao contexto em que foi
produzido, período de surgimento do Cinema Novo. Olney São Paulo produziu seu
primeiro longa-metragem, Grito da terra (1964), em um período crítico e importante no
cenário da cultura nacional, especialmente para o cinema, devido ao surgimento do
movimento denominado Cinema Novo, e traz no bojo desta obra importantes discussões
que estavam latentes no campo cultural e político daquele momento, como a
necessidade de realização de uma reforma agrária no Brasil, a construção de um
discurso, principalmente nas produções fílmicas, sobre a região Nordeste, o processo de
urbanização da sociedade brasileira, etc. Neste sentido, analisa se como esse primeiro
longa-metragem produzido por Olney São Paulo dialoga técnico e tematicamente com
outras obras fílmicas produzidas e lançadas dentro desse contexto de preparação e
surgimento do Cinema Novo, e neste caso tem-se produções como Aruanda (1959),
Vidas Secas (1963), Os fuzis (1963), Deus e o Diabo na terra do sol (1964), e de qual
forma o cineasta baiano neste filme Grito da terra esteve preocupado em reiterar e/ou
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ABSTRACT
This paper presents an analysis of the film Grito da terra (1964), writer and filmmaker
by Alberto Olney Bahia Sao Paulo, in contrast to the context in which it was produced,
the emergence period of Cinema Novo. Olney São Paulo produced his first feature film,
Grito da terra (1964), in a critical and important setting of national culture, especially
for the film, due to the emergence of the movement known as Cinema Novo, and brings
in the midst of this work major discussions that were latent in the cultural and political
moment that, as the need to carry out an agrarian reform in Brazil, the construction of a
discourse, especially in filmic productions on the Northeast region, the urbanization of
Brazilian society, etc.. In this sense it looks like this is the first feature film produced by
Olney Sao Paulo and technical dialogue with other thematically filmic works produced
and released within this context of preparation and appearance of the Cinema Novo, in
which case it has productions as Aruanda (1959), Vidas Secas (1963), Os fuzis (1963),
Deus e o Diabo na terra do sol (1964), and which forms of the Bahian filmmaker in this
movie scream of the land was concerned to reiterate and / or discuss the issues in that
brazilian context society and that were already being discussed within several other
films, particularly those engaged with the proposals cinemanovistas.
KEYWORDS: National Cinema; Grito da terra; Analysis in context.
BIBLIOGRAFIA
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JOSÉ, Angela. Olney São Paulo e a Peleja do Cinema Sertanejo. Rio de Janeiro:
Quartet, 1999.
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1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade
Estadual de Feira de Santana.
2
Doutora em Estudos Literários (UFMG) e professora de Literatura Portuguesa e Tópicos da Crítica e da
Cultura, na Universidade Estadual de Feira de Santana.
ISBN 978-85-7395-210-0
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A ambivalência seria a relação entre texto e história, sendo que tanto a história
pode se inserir no texto, como este naquela. Kristeva propõe a escrita do texto enquanto
um mecanismo de reescrita de outros textos, em um jogo de apropriação inovadora em
relação aos textos anteriores. Com o conceito de intertextualidade, põe-se em discussão
a noção de imanência do significado do texto e a ideia humanista do autor enquanto
“[...] fonte original e originadora do sentido fixo e fetichizado do texto” iv.
Desse modo, tal conceito auxilia os estudos literários comparativos, já que o
sentido da influência é deslocado e não mais entendido como uma relação de
dependência, mas como uma prática natural e adequada. O que passa a ser importante a
partir da intertextualidade não é atribuição de valor ao intertexto. A proposta é refletir
sobre as causas que levaram à retomada do texto, seja na forma de paráfrase, paródia ou
citação e quais os atuais sentidos atribuídos ao texto que foi inserido em uma nova
temporalidade. Ao se apropriar de textos anteriores, o autor deixa claro suas escolhas,
realizando tanto a afirmação do discurso e do estilo, como se afastando deles de maneira
crítica. Percebe-se através da teoria da intertextualidade que a prática intertextual é
inerente ao texto literário, podendo ocorrer de forma intencional ou através de
reminiscências de leituras realizadas anteriormente.
Logo no título, Dourado nos apresenta a relação entre o personagem Tomás e o
mítico Narciso, relação reforçada na epígrafe retirada d’As metamorfoses, de Ovídio, e
que é de grande importância na composição das características do personagem. A
epígrafe do primeiro capítulo traz os versos do poeta romântico Casimiro de Abreu: “Oh
que saudades eu tenho./ Da aurora da minha vida”. Esses versos são no mínimo
irônicos, haja vista que, como veremos posteriormente, Tomás não guarda boas
lembranças do passado. O nome do personagem principal nos remete ao poeta árcade,
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Tomás Antônio Gonzaga, que dedicou versos a sua amada Marília, revelando-se um
homem apaixonado. O Tomás personagem também é poeta e, assim como o poeta
árcade, passou parte de sua vida nas terras mineiras.
Vale salientar que ao aludir às personagens de outras obras, Dourado, às vezes,
testa o leitor, trocando nomes, confundindo características, como no exemplo a seguir:
“De uma certa maneira chego a pensar que me assemelho a Vielhtcháninov, aquele
personagem de O eterno marido, de Dostoiévski, que dava ensejo a que suas mulheres o
traíssem, forçando-as mesmo”v. Ocorre, porém, que o esposo traído é Pavel Pavlovich e
Vielhtcháninov é o amante. No entanto, a suposta confusão ganha sentido se pensarmos
que Tomás assume não apenas o papel de traído, mas, ao se relacionar com mulheres
comprometidas, torna-se o traidor.
Do Dom casmurro de Machado de Assis ele conserva a dúvida da traição, pois
não se sabe ao certo se a primeira namorada de Tomás, Amélia, a quem ele julgava
parecer moralmente com a Capitu machadiana, o traiu ou se a suspeita não passou de
um ato de ciúme. O intertexto ocorre também com o poeta Dante Alighieri, o qual
Dourado pôs o nome em uma livraria que tem por dona a senhora Beatrice, uma
provável referência a Beatriz da Divina Comédia. Beatrice, senhora casada, é umas das
mulheres com quem Tomás tem um relacionamento. A análise dessas relações
intertextuais nos ajudará a compreender melhor como Autran Dourado se utiliza dos
aspectos da cultura (literária, filosófica, psicanalítica), ao criar uma personagem que
vive um processo de busca e que tem esse processo mediado pelas leituras que realiza.
Dourado, em um de seus ensaios, afirma: “Ler e parodiar bons autores como
exercício, incorporá-los na sua mente, e esquecê-los, para que as imagens, símiles e
metáforas deles passem a fazer parte do seu arsenal inconsciente, é um conselho que me
vi
permito dar-lhe” . Em estudo acerca da paródia, Affonso Romano de Sant’Anna
(1991) afirma que, apesar do recurso paródico se configurar como marca nas obras
contemporâneas, não se deve concluir que seja um efeito de linguagem recente, mas que
está presente entre os gregos, romanos e em produções da Idade Média vii.
Apresentando uma breve história do termo paródia, Sant’Anna revela que a
institucionalização do termo se deu a partir do séc. XVII, mas, já na Poética de
Aristóteles, há referências ao texto paródico, quando o filósofo comenta que Hegemon
de Thaso “[...] usou o estilo épico para representar homens não como superiores ao que
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viii
são na vida diária, mas como inferiores” . Dessa maneira, Hegemon realiza uma
inversão, visto serem a epopeia e a tragédia gêneros destinados aos feitos nobres dos
heróis, ao contrário da comédia, que era reservada à representação do popular. Assim,
em Aristóteles, a paródia implica descontinuidade.
Rastreando a definição do termo, Sant’Anna diz que a “[...] paródia significa
uma ode que perverte o sentido de outra ode” ix. Essa definição grega marca a origem
musical do termo, pois evidencia um contracanto, uma canção cantada simultaneamente
à outra. Em relação à literatura, o autor propõe, a partir das ideias de Shipley, três tipos
básicos de paródia: a paródia formal (alteração do estilo e efeito técnicos), a verbal
(alteração de palavras) e a temática (caricatura da forma e do espírito do autor)x.
Ao situar a paródia enquanto um dos recursos intertextuais, o autor a diferencia
da estilização. Para ele, a estilização apresentaria um desvio tolerável, ou seja, “[...]
seria o máximo de inovação que um texto poderia admitir sem que se lhe subverta,
perverta ou inverta o sentido. Seria a quantidade de transformações que o texto pode
tolerar mantendo-se fiel ao paradigma inicial” xi.
Segundo Bakhtin, “[...] o importante para o estilizador é o conjunto de
procedimentos de discursos de uma outra pessoa precisamente como expressão de um
ponto de vista específico”xii. Dando prosseguimentos as suas reflexões, Sant’Anna
elenca ainda outros conceitos relacionados ao estudo intertextual: o de paráfrase e o de
apropriação. Elencando as particularidades de cada conceito, o autor nos diz que a
paráfrase “[...] repousando sobre o idêntico e o semelhante, pouco faz evoluir a
xiii
linguagem. Ela se oculta atrás de algo já estabelecido, de um velho paradigma” . Ou
ainda, “Enquanto a paráfrase é o discurso em repouso, e a estilização é a movimentação
do discurso, a paródia é o discurso em progresso” xiv.
Ainda para Bakhtin, tanto na estilização como na paródia
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Acerca da apropriação, o autor evidencia que foi uma prática advinda das artes
plásticas, sobretudo das experiências realizadas pelos dadaístas, no início do século XX,
e retomadas pela pop art, na década de 1960xvii. Em termos literários, tem-se a
apropriação quando um escritor transcreve o texto alheio, sem nenhuma indicação de
autoria, o que se configura, segundo Sant’Anna, como um plágio. O que na verdade a
apropriação desloca é o sentido de autoria, de propriedade do texto. Além disso, um
texto que contenha apropriações intencionais, que motivem um sentido específico na
totalidade textual, exige um leitor apto para identificar o texto apropriado, ou, do
contrário, parte do sentido da apropriação se perde.
A noção de autor parte do princípio de que exista um sujeito criador e sua
assinatura demarca uma propriedade, legitimada por uma prática considerada autêntica.
Mapeando a origem do termo autor, Hansen xviii afirma que ele deriva da forma latina
auctore(m), significando em latim arcaico uma produção a partir de si mesmo e, em
latim clássico, crescer. Desse modo “A significação genérica de auctor é, assim, / o que
xix
faz crescer/, mas também / o que faz surgir; o que produz” . Segundo Hansen, a partir
do século XVIII, passou-se a relacionar a produção do autor a uma prática envolvendo a
subjetividade, e esse passa a ser visto enquanto artista, ou seja, indivíduo capaz de
produzir originalmente.
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I
Farei todo o esforço possível para ser objetivo, eu que sou dado aos
vôos das divagações desnecessárias. É preciso silenciar o coração, que
acredita ter muito a dizer, e procurar a objetividade que devem ter as
coisas escritas, mesmo quando se descrevem coisas delirantes [...]. xxxvi
II
Faço todos os esforços possíveis para ser frio. Desejo impor silêncio a
meu coração, que imagina ter muito a falar. Sempre tremo ante a idéia
de só vir a escrever um suspiro, quando imagino ter anotado uma
verdade. xxxvii
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Percebe-se através dos trechos acima que o autor transcreveu, quase que
fielmente, um trecho do livro Do amor, de Stendhal, autor valorizado por Dourado
(2009). Essa obra, citada diversas vezes no romance, serve para embasar a concepção
que o narrador personagem tem sobre a paixão, além de se apropriar dos conceitos de
“cristalização” e “descristalização”, cunhados por Stendhal. Aqui o empréstimo não
funciona como um plágio (SANT’ANNA, 1991), pois, provavelmente, pelas alusões
realizadas no romance, Dourado não tem interesse em esconder os intertextos que
realiza. Ele surge como uma maneira de trazer para o texto o estilo já citado, o que,
necessariamente, exige um leitor apto a identificar a textualidade do passado no texto
atual, pois, “A não depreensão do texto-fonte, nesses casos, empobrece a leitura ou
praticamente impossibilita a construção de sentidos próximos àqueles previstos na
proposta de sentido do locutor” xxxviii.
A prática dialógica realizada por Dourado no romance em estudo é analisada
sobre a perspectiva da criação/recriação, e enquanto técnicas utilizadas de forma
consciente, por um autor com anos de experiência literária e vasta fortuna crítica. A
construção do romance nos leva a refletir como a questão autoral é aqui concebida pelo
escritor, já que ele não se contenta apenas com a intertextualidade implícita, mas
assume explicitamente as fontes nas quais se alimentou para a escrita de Confissões de
Narciso, chegando mesmo a se apropriar de um trecho completo de outra obra.
_______________________
i
Kristeva, 1974, p. 64.
ii
Kristeva, 1974, p. 64.
iii
Kristeva, 1974, p. 67.
iv
Hutcheon, 1991, p. 165.
v
Dourado, 2000, p.15, itálico do autor.
vi
Dourado, 2009.p. 35.
vii
Sant’Anna, 1991. p. 7.
viii
Sant’Anna, 1991, p.11.
ix
Brewer apud Sant’Anna, 1991, p. 12
x
Sant’Anna, 1991, p 12.
xi
Sant’Anna, 1991, p. 39
xii
Bakhtin, 1997, p. 190.
xiii
Sant’Anna, 1991, p. 27-28.
xiv
Sant’Anna, 1991, p. 28.
xv
Bakhtin, 1997, p. 194.
xvi
Sant’Anna, 1991, p. 36, itálico do autor.
xvii
Sant”Anna, 1991, p. 43-44.
xviii
Hansen,1992, p.16.
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xix
Hansen, 1992, p. 16.
xx
Hansen, 1992, 18-19.
xxi
Hansen, 1992, p. 19.
xxii
Hansen, 1992, p. 29, itálico do autor.
xxiii
Hansen, 1992, p. 31.
xxiv
Hansen, 1992, p. 32.
xxv
Sant’Anna, 1991, p. 41.
xxvi
Hutecheon, 1991, p. 47
xxvii
Hutecheon, 1991, p. 47.
xxviii
Hutecheon, 1991, p. 165.
xxix
Hutecheon, 1991, p. 28.
xxx
Hutecheon, 1991, p. 47.
xxxi
Jamesen, 1985, p. 18.
xxxii
Jameson, 1985, p. 17.
xxxiii
Jameson, 1996, p. 43-44.
xxxiv
Jameson, 1996, p. 52.
xxxv
Jameson, 1996, p. 52.
xxxvi
Dourado, 2001, p. 13.
xxxvii
Stendhal, 2007, p. 26, grifo do autor.
xxxviii
Kock; Bentes; Cavalcante, 2007, p. 35.
RESUMO
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SUMMARY
The text of this communication is part of a research, still in progress, entitled "Don Juan
in reverse: the representation of love in Confessions of Narcissus, of Autran Dourado",
conducted in the Post-graduate degree in Literature and Cultural Diversity by State
University of Feira de Santana. Cropping done here aims to disseminate initial aspects
of the research, analyzing the composite creative literary of Autran Dourado, in the
Romance study. In Confessions of Narcissus, Dourado, through intertextual dialogue,
sought in poetry, theater, rehearsal and the novel itself, factors favoring the
development of his narrative, in which ironically loving models, thereby exposing his
own representation of the love. The dialogic relations occur from the title of Casimiro
de Abreu to Greek mythology (the poetry of Ovid), through the theater (Tirso of
Molina, Moliere), essay (Stendhal) and romance (Goethe). To make the main character
and his narrative structure, Dourado takes the myths of Narcissus and Don Juan, and
dialogue with the suffering of young Werther of Goethe, with The love of Stendhal,
among others. We will try here to analyze the pastiche and parody in the process of
creating this narrative autraniana.
KEYWORDS: Autran Dourado. Intertextual dialogue. Creation process.
BIBLIOGRAFIA
DOURADO, Autran. Uma poética de romance: matéria de carpintaria. Ed. rev. e ampl.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
HANSEN, João Adolfo. Autor. In: JOSÉ, Luís Jobim (Org.). Palavras da crítica:
tendências e conceitos no estudo de literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 11-37
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SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia.4 ed. São Paulo: Ática,
1991.
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1 INTRODUÇÃO
Walter Benjamin no texto inicial do ensaio, O Narrador, deixa claro que “Por
mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua
atualidade viva. Ele é algo de distante, e que se distancia ainda mais [...]” (BENJAMIN,
1987, p. 197), dito isto, percebemos então que para ele, descrever um “narrador não
significa trazê-lo mais perto de nós, e sim, pelo contrário, aumentar a distância que nos
separa dele” (BENJAMIN, 1987, p. 197). Para Benjamin, torna-se cada vez mais rara a
possibilidade de se encontrar alguém verdadeiramente capaz de historiar algum evento.
O medo e o embaraço é frequente quando se faz ouvir num círculo o desejo de que seja
narrada uma história qualquer, como se tivessem tirado de todos nós um poder
aparentemente inato: a capacidade de se trocarem, através das palavras, as experiências
vividas. A arte de narrar esta fadada a extinção segundo o próprio Benjamin.
Para Benjamin, uma das causas dessa situação advém do fato de as experiências
terem perdido seu valor, visto esta ser transmitida por via oral, a forma primeira do que
hoje conhecemos como conto, e fonte originária de todas as narrativas.
ISBN 978-85-7395-210-0
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Iniciando pelo texto supracitado de Walter Benjamin, onde se destacam esses dois
modelos clássicos de narrador, que se penetram mutuamente de múltiplas maneiras,
aqui exemplificados pelos seus representantes clássicos, mestres na narrativa, segundo
Herrera (apud COUTO, Edvaldo Souza; MILANI DAMIÃO, Carla. 2008 p. 276):
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isso está visível ao se abrir um jornal, e percebermos o seu nível cada vez mais baixo da
noite pro dia, e as imagens do mundo exterior e do mundo ético que sofreram
transformações nunca antes imagináveis.
Um exemplo dessa incomunicabilidade e da troca de experiências e vivências
pode ser observado ao fim da segunda guerra, quando “os combatentes voltaram mudos
do campo de batalha e não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável”.
(BENJAMIN, 1989, p. 198). Segundo Benjamin, podem-se apresentar três estágios
evolutivos da história do narrador. O primeiro estágio é o do narrador clássico, oral,
cujo ofício é dar ao seu ouvinte a oportunidade de troca de experiência, segundo
Santiago (1989, p. 39), “o único valorizado no ensaio”. O segundo é o do narrador do
romance, cujo papel passou a ser a de não mais poder falar de maneira exemplar ao seu
leitor. Neste, o escritor não tem mais o contato/intimidade, e nem uma troca de
experiência com seu leitor. E o terceiro é o do narrador como jornalista, ou seja, aquele
que ao narrar só transmite a informação, porque escreve não para narrar a ação da
própria experiência, mas o que aconteceu com A ou B, em tal momento, tal lugar e tal
hora. Este Benjamin desvaloriza (mas o pós-moderno valoriza), o último narrador.
Para Benjamin (1989, p. 205)
No meio disso tudo fica o narrador do romance, que quer ser impessoal e objetivo
diante da coisa narrada, mas confessa-se, como o fez Flaubert de forma padrão:
“Madame Bovary, c’est moi” (SANTIAGO, 1989, p. 39).
Dando sequência ao raciocínio de Benjamin, para ele o narrador tem “senso pratico”,
pretende ensinar algo, percebemos que o ponto principal em torno do qual gira o
“embelezamento” da narrativa clássica hoje é a perda gradual e constante da ‘dimensão
utilitária’, a forma latente, que está na verdadeira narrativa. Segundo Benjamin (1987, p.
200-201)
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olhar para trás e repetir o ontem hoje [...] trata-se antes de julgar o
belo, o que foi e ainda o é — no caso, o narrador clássico —, e de dar
conta do que apareceu como problemático ontem —, o narrador do
romance —, e que aparece ainda mais problemático hoje — o narrador
pós-moderno.
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O valor da experiência está presente em boa parte dos escritos de Benjamin, onde
ele procura aliar experiência e memória para, a partir delas, ocupar-se da importância da
narração oral. Nós somos feitos de narrativas. Nossa existência narra nossos atos
cotidianos no desenrolar dos enredos possíveis, na nossa imaginação, nos devaneios,
nos sonhos que ganham formato de objeto construído a semelhança de um filme. Somos
compostos de uma rede de fios entrecruzados onde temos as histórias familiares, sócio-
culturais, afetivas, e ainda do que não podemos ouvir, falar ou do que lemos,
fantasiamos, do nosso passado rememorado e revivido a todo instante em nossas
narrativas cotidianas.
No aforismo A caminho do planetário, encontramos a indignação benjaminiana a
respeito da alienação do homem diante da natureza:
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Segundo Cruz (2007, p. 22), é a partir deste pensamento que Benjamin constroi o ensaio
O Narrador.
Por isso, Benjamin, narra que a experiência do trabalho é o que leva o homem a ter
contato com a terra, a comunidade, e desta relação, as trocas de experiências e o
“fortalecimento da tradição a que eles pertenciam” (CRUZ, 2007, p. 24). Dito isto,
talvez não por acaso Benjamin comece O Narrador falando do trabalho, ao citar dois
exemplos: o primeiro é do camponês sedentário, e o outro, do marinheiro comerciante.
Um passou toda a sua vida em contato com a terra, dela tirando seu sustento, assim
como construiu através do trabalho uma experiência, que a dividiu com seu aprendiz e
que pela transmissão oral do conhecimento recebe um saber, uma tradição. Já o
marinheiro comerciante, através de suas longas viagens traz novas lições, experiências,
e tradições. Para Cruz (2007, p. 24), esta é “uma oportunidade única de comparação
entre o antigo e o novo. É essa relação que possibilita ao narrador compreender seu
papel na história. Ambos são exemplos de caráter prático, tanto do conhecimento quanto
dos valores orais.”
3 CONCLUSÃO
Para Benjamin, a voz sempre exerceu no meio humano uma função importante,
mas com o surgimento da imprensa ela vai aos poucos perdendo sua importância, e a
narração para ele representa uma experiência existencial do homem dentro de uma
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e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
RESUMO
ABSTRACT
Based on the text of Silviano Santiago, O Narrador Pós-Moderno, we perceive that him
behind the tales Edilberto Coutinho, discuss and debate the role of the
narrator postmodern as opposed to the narrator of Benjamin. Therefore we will discuss
and analyze some aspects of the thought of the philosopher Walter Benjamin about the
narrator, a theme present in this essay – O Narrador- Considerações sobre a obra de
Nikolai Leskov - reproduced here in the book Magia e técnica, arte e política (1987)
which recognizes the importance of storytelling, and this, the possibility of
transmission of truth. Another relevant text dealing with the narrator and the narrative is
the work of Santiago Silviano Nas malhas da letra. In this he deals specifically with
the narrative structure of the post-modern tale, and to a lesser extent, of his characters.
Also we will pass by other theoretical texts that show us the role of the narrator in the
story post-modern and modern on Walter Benjamin like Edvaldo Souza Couto/
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Carla Milani Damião, and Ricardo Souza Cruz, but also, according to these
theorists, the types and forms of narrative.
KEYWORDS: Edilberto Coutinho. Post modern narrator. Silviano Santiago.
BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. 2. ed. Trad.
Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1986.
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CRUZ, Ricardo Souza. Walter Benjamin: o valor da narração e o papel do justo. 2007.
132 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia e Ciências
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SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
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Ena Lélis 1
Nascido em Lisboa, no ano de 1825, Camilo Castelo Branco foi um dos grandes
nomes da prosa literária do século XIX em Portugal. Órfão de mãe aos dois anos de
idade e de pai aos dez, foi entregue, juntamente com a irmã, a parentes de Vila Real.
Nessa altura, Camilo já questionava Deus sobre o seu próprio nascimento, tentando
entender por que razão o Criador tinha-o condenado à vida. Este momento da sua
história foi contado quando já adulto, em página autobiográfica, intitulada No Bom
Jesus, no livro Boémia do Espírito.
É sabido que Camilo teve uma vida conturbada. Casou-se ainda muito jovem e
teve uma filha. Como “não era ave para nenhuma gaiola” (CHORÃO, 1998),
abandonou esposa e filha, que morreram logo em seguida. Teve amantes, foi preso e,
uma vez residindo no Porto, dedicou-se à literatura e ao jornalismo. Como jornalista,
ganhou muitos inimigos por conta do seu estilo, notadamente ferino e provocador. Meio
a tudo isso, tentou estudar Medicina e Direito, sem sucesso. Camilo não gostava de
seguir programas, era um estudante voluntário e autodidata, afeito a uma vaidade
intelectual que era muito maior que o seu desejo de conquistar um diploma. Por conta
disso, não fez outra coisa na vida além de escrever, tendo sido o primeiro escritor
português a viver das e para as letras. Escrevia por amor, dor, dinheiro e necessidade.
Conforme Bigotte Chorão (1998), Camilo foi “escritor a tempo inteiro, conhecendo,
como criador, o paraíso, e, como escravo das letras, o inferno.”. Notadamente conhecido
1
Pós-graduanda em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana ― UEFS.
ISBN 978-85-7395-210-0
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pela sua versatilidade, dele leem-se não apenas contos, novelas e romances, mas sabe-se
também de seus tantos outros textos, como cartas e mesmo sermões que escrevia,
mediante honesto pagamento, para abades pouco íntimos da escrita. O próprio Camilo
confessava-se versátil e vendedor das próprias insônias.
Aos 25 anos, conheceu Ana Plácido. E porque ela era casada quando iniciou
nova relação com ele, foram presos por conta desse adultério e absorvidos após um ano,
quando se mudaram para São Miguel de Ceide, onde tiveram filhos. Dona e governanta
da sua casa, secretária, enfermeira, amante, mãe, esposa e irmã pelas afinidades
literárias; era Ana Plácido para Camilo. Ainda que numa relação que migrou da paixão
para a rotina – mais para ele que para ela –, viveram juntos até o fim, quando, aos 65
anos, em 1890, cego, sifilítico e desestruturado financeiramente, Camilo suicida-se.
A vida de Camilo foi fortemente marcada por paixões, tragédias e desavenças.
Marcas essas que se mostram proeminentes em sua produção literária, a qual
acompanha o momento em que o Romantismo se desenvolvia em Portugal. A sua vasta
obra, aliás, fez parte da construção desse período naquele país. Entre poesia, teatro,
crítica política e literária, além de mais de uma centena de romances e novelas, o autor
dedicou 45 dos seus 65 anos à escrita.
Como bem pode ser observado, Camilo fez parte da literatura portuguesa do séc.
XIX, época marcada pela vitória da burguesia e, consequentemente, pelo lucro, pela
hipocrisia e pelo culto à aparência. Nesse contexto, muitos escritores de então
utilizavam-se dos mesmos artifícios de representação social e fingimento, como maneira
de criticar e denunciar realidades incômodas. Algumas das possibilidades de crítica e
denúncia surgiam pelo sarcasmo, pela sátira e pela ironia, características bem
conhecidas na obra camiliana. A produção que interessa, neste momento, é uma novela
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satírica, Coração, Cabeça e Estômago, na qual Camilo utiliza como recurso a figura de
um narratário como intermédio das suas censuras.
1 O CONCEITO DE IRONIA
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Para se fazer uma breve análise do momento histórico em que a ironia se inseriu
na literatura portuguesa, é preciso inquirir sobre o final do século XVIII, bem como o
século XIX, em Portugal, quando se deu a Revolução Industrial e o desenvolvimento e
instauração do sistema capitalista na Europa. A resposta disso é uma sociedade que
apresenta como fortes características a valorização do capital, a mecanização do
cotidiano, a objetividade e o pragmatismo das relações. Concomitante a essas
mudanças, quando se identificava a vitória da burguesia, nota-se, na civilização
ocidental, uma acentuação do homem enquanto indivíduo, enquanto ser uno e a
necessidade do homem-artista em incorporar essas modificações no campo das artes.
Quanto a isso, Lélia Parreira Duarte apresenta as duas vertentes do conflito do artista de
então: aceitar essa incorporação e contribuir para a legitimação das mudanças ou
resistir, criticando-a, o que significaria um suicídio do seu reconhecimento estético?
(2006, p. 141). Camilo Castelo Branco, por ter vivido no séc. XIX, vivenciou o
momento de transição estética, da romântica para a realista, tempo de efervescência
literária em Portugal. E isso marcou algumas de suas obras, como a que agora se
apresenta.
Se a literatura clássica pautava-se na representação do real, na mimesis, a nova
arte prezava a denúncia da artificialidade. Como bem afirma Duarte, “Se a nova
sociedade era dominada pela hipocrisia, pela representação, o novo artista,
irreverentemente, passa a denunciar esse culto da aparência.” (2006, p. 141). É
comprovado que a ironia enquanto recurso linguístico é utilizada desde os gregos. Mas
a ironia enquanto status literário nasce nessa ambiência do fim do séc. XVIII, enquanto
forma de criticar, indiretamente, a realidade circundante, através do fingimento, da
máscara, da necessidade de distanciar as vozes intra e extradiegéticas. Pode-se, ainda,
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lembrar do primeiro teórico da ironia romântica, Friedrich Schlegel, o qual afirmava que
o autor precisa se destruir e se autocriar. Dessa forma, ele – o autor - atinge novas
perspectivas, alcançando a liberdade, que tem a ironia como signo, o qual possibilita ao
autor uma autoconsciência, podendo rir de si e, assim, ser levado a sério (SCHLEGEL,
apud DUARTE, 2006, p. 142).
A autoconsciência defendida por Schlegel é, pois, o questionamento que o
autor faz do seu papel social e do próprio fazer literário, valendo-se,
metalinguisticamente, da própria obra para expressar as suas reflexões. “Este
comportamento crítico provocará uma reavaliação, inclusive, de seus ideais, de suas
visões de mundo e de seus gostos estéticos. O recorrer à ironia tornar-se-á bastante
comum.” (MUNIZ, 1999, p. 137).
No intuito de credibilizar as suas obras e embutir-lhes veracidade, muitos
escritores do século XIX, particularmente na literatura romântica, buscavam maneiras
diversas de contar as suas histórias. Recorrer a escritos que lhes foram entregues ou a
documentos que foram descobertos, ou mesmo a uma história que ouviram contar eram
artifícios para tornar verossímeis as suas narrativas.
Não diferente, Camilo utilizou-se desse recurso. Na narrativa que ora
protagoniza esse artigo, tem-se a história de Silvestre da Silva, um autor-defunto, que,
antes de morrer, deixa os seus escritos com um amigo para que este os publique, a fim
de pagar as dívidas que contraiu em vida. Este amigo, que não apresenta nome, torna-se
herdeiro e editor dos escritos de Silvestre da Silva. Vê-se no direito de editar aqueles
três capítulos que tem em mãos – Coração, Cabeça e Estômago -, tornando-se, assim, o
segundo narrador daquela história: o narratário. E na posição de editor desses papéis,
revisita-os e modifica-os, imprimindo em sua justificativa o seu tom crítico-irônico. E o
fará em todo o romance, por meio de notas.
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Jacinto do Prado Coelho nos informa que “a ironia camiliana pode ser avaliada
tanto ao nível das micro-estruturas (frase-sintagma) como nas macro-estruturas (novela
inteira)” (1983, p. 216). Grande parte dessa ironia está presente no discurso crítico do
narratário, uma vez que o faz em sua macroestrutura. O seu olhar se volta não somente
para trechos da narrativa de Silvestre da Silva (frases-sintagmas), mas, sobretudo, da
novela inteira. Critica a estética literária recentemente decaída, apresentando-a como
démodé, aponta uma sociedade injusta e interesseira e se aproveita, ainda, do autor já
morto para diminuir e fazer pouco do seu olhar demasiado romântico. Nesses trechos,
percebe-se que, já no Preâmbulo, Camilo, em utilização desse narratário, tece uma
explícita crítica à narrativa de Silvestre da Silva. Ao depreciá-lo, quem Camilo critica,
de fato? Vejamos. O ano de publicação de Coração, Cabeça e Estômago, uma de suas
maiores novelas satíricas, foi o mesmo ano de publicação de uma de suas mais lidas
novelas românticas, Amor de Perdição. A publicação desta foi anterior à daquela. O ano
era 1862. A época era a de transição literária. A estética realista, como já exposto,
ganhava força. A notável e mordaz ironia de Camilo, pois, deixa clara a desconstrução
do editor sobre o autor, como uma leitura da desconstrução do próprio Camilo realista
sobre o Camilo romântico. Tem-se, então, um embate discreto e sarcástico entre
narrador e narratário, que é, se bem observado, uma releitura da consciência crítica do
próprio Camilo Castelo Branco. O próprio romance propõe a primeira parte – Coração –
como a fase emocional do protagonista; a segunda – Cabeça – como a sua fase racional;
e a terceira – Estômago – a realista.
Maior parte da ironia trazida pelo editor norteia o leitor a encontrar a
desnecessidade do amor romântico, pondo-o como tolo: “O Coração reina desde 1844
até 1854. São aqueles dez anos em que nós vimos Silvestre fazer tolice brava.”
(CASTELO BRANCO, 1988, p. 17). Como revela no Preâmbulo, o editor, sentindo-se
no direito de adulterar os escritos de Silvestre da Silva, chega a acrescentar informações
através das notas. Já no início da primeira parte, quando o protagonista faz saber sobre o
primeiro amor que teve em Lisboa, o editor acrescenta fatos não narrados por Silvestre e
inicia dizendo “Eu sei mais alguma coisa, que merece crónica.” (CASTELO BRANCO,
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1988, p. 23). Nesta mesma nota, em crítica ao algibebe que se casou com o referido
primeiro amor de Silvestre, Leontina, conta que ele ganhou um prêmio na loteria e que,
por isso, mudou de cara e de maneiras, espezinhando em seguida que “O dinheiro faz
estas mudanças e outras mais espantosas ainda. [...] Estão gordos, ricos e muito
considerados na sua rua.” (CASTELO BRANCO, 1988, p. 24). Com este último trecho,
o narratário expõe a interesseira dialogia entre dinheiro e imagem, tudo isso que veste a
burguesia. Esta mesma observação é feita não só pelo narratário, como também pelo
narrador e pelo próprio Camilo, ao escolher como títulos de dois de seus capítulos “A
mulher que o mundo respeita”, para tratar de D. Paula, mulher vil, traiçoeira e vulgar,
porém rica, e “A mulher que o mundo despreza”, para apresentar Marcolina, mulher de
“virgindade moral”, cheia de valores, mas desprezada pela sociedade por ser pobre. Ao
revolver a biografia de Camilo, percebe-se que essa reversibilidade de méritos é muito
encontrada em seus escritos, sobretudo quando buscava explicação para a sua existência
e sofrimento, defendendo que para os bons há castigos, sendo reservados prêmios para
os maus.
Voltando à crítica do narratário sobre o autor, encontra-se espalhada pela obra
algumas alertas ao leitor, ou de que este se prepare para o que irá ler ou de que,
enquanto editor, ele retirou algumas partes do autor, por serem de demasiado mau
gosto: “Defendo a paciência do leitor dos duros golpes que lhe estão iminentes.”
(CASTELO BRANCO, 1988, p.44) ou “As seguintes coisas são menos inocentes [...]
Basta isso para terror das almas.” (CASTELO BRANCO, 1988, p. 45). Além da crítica
aos poemas e ao exagero sentimental de Silvestre da Silva, o editor espezinha ainda o
Silvestre jornalista, que se metia em tudo e era odiado por muitos.
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o editor arremata: “Fez bem! Partiu o braço querendo parar o movimento da roda.” (p.
116).
Ao perceber sua inaptidão para os assuntos do coração, Silvestre adentra a sua
fase racional. Decepcionado com esta, após muito infortunar seus inimigos e sentir-se
só e desprestigiado, o protagonista finda a sua vida intelectual e afirma que “Nem já
coração, nem cabeça. Principia agora o meu auspicioso reinado do estômago”
(CASTELO BRANCO, 1988, p. 131), o qual não lhe deixará preocupações intelectuais,
tampouco sentimentais. Reina o estômago e assim justifica:
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Nesta carta prometia o meu amigo legar-me os seus papéis, com plena
autorização de divulgá-los, se eu visse que podiam ser de proveito
para a iniciação da mocidade. (CASTELO BRANCO, 1988, p. 177)
Finalmente, ainda resta tempo para apontar que o romance não está apenas
dividido em três partes. Há ainda dois acréscimos feitos pelo editor: um no início, o
Preâmbulo, e outro no fim, intitulado “O editor ao respeitável público”. Daquele já
foram feitas, anteriormente, as devidas demonstrações. Sobre este, no qual o editor se
despede, justifica as partes aproveitáveis do romance, que são as que mostram que “a
deusa da fortuna é a predilecta amiga dos que submetem a vida ao regime suave da
matéria”, imprimindo, assim, crítica e atualização daquele momento histórico e literário.
Em suas últimas palavras, o narratário espreme ainda a sua última gota de tinta na ferina
pena. Apresenta o último soneto de Silvestre. E destina-lhe merecimento. Grande
merecimento, aliás. Não por ser bom. Mas por ser o último.
RESUMO
Este artigo traz a análise da novela satírica Coração, Cabeça e Estômago, de Camilo
Castelo Branco, na intenção de demarcar a maneira como o Camilo realista desconstruía
o Camilo romântico através de um discurso irônico, por intermédio de um narratário.
Para tanto, é necessário discutir, antes, o conceito de ironia, bem como apontar o
momento histórico português, nos idos do séc. XIX, justificando a relação entre a ironia
romântica e a inserção de um narratário como recurso literário da época.
PALAVRAS-CHAVE: Camilo Castelo Branco. Literatura portuguesa. Ironia.
Narratário.
ABSTRACT
This article contains the analysis of the satirical novel Heart, Head and Stomach, by
Camilo Castelo Branco, with the intention of shows the way realist Camilo
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da Moeda, 1998.
DUARTE, Lélia Parreira. Ironia e humor na literatura. Belo Horizonte: Editora PUC
Minas; São Paulo: Alameda, 2006.
MUECKE, Douglas Colin. Analyses de l’ironie. Poétique, Paris, n. 36, p. 478-494, nov.
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MUNIZ, Márcio Ricardo Coelho. Amor e ironia romântica em Camilo Castelo Branco.
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1
Juliana Cordeiro de Oliveira Silva (PROBIC/ UEFS)
2
Orientador: Prof. Dr. Claudio Cledson Novaes (UEFS)
1 INTRODUÇÃO
1
Graduanda, cursando o 6º semestre de Letras Vernáculas.
2
Professor Titular; Departamento de Letras e Artes.
ISBN 978-85-7395-210-0
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Percebemos aqui que as reflexões promovidas por Coutinho são resgatas nas
palavras de Carvalho, uma vez que para este a busca por uma identidade nacional
manifesta-se na literatura brasileira desde o período colonial até a atualidade. Na
tentativa de expressar um sentido próprio de brasilidade, vários momentos da literatura
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relação que se estabelece entre imagem e subjetividade . Sobre essa relação Bergson
explica o seguinte:
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No entanto é Maurice Halbwachs quem traz uma discussão mais profunda sobre
a temática da memória. Para Halbwachs a memória individual existe sempre a partir de
uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são constituídas no interior de um
grupo. A razão ou explicação para as várias ideias, reflexões, sentimentos, ou paixões
que atribuímos a nós são, na verdade, inspiradas por um grupo ao qual pertencemos. A
disposição de Halbwachs acerca da memória individual refere-se à existência de uma
“intuição sensível”. Observemos: ”Haveria então, na base de toda lembrança, o
chamado a um estado de consciência puramente individual que - para distingui-lo das
percepções onde entram elementos do pensamento social - admitiremos que se chame
intuição sensível.” (HALBWACHS, 2004, p.41).
É essa intuição sensível que proporciona aos escritores a inspiração para
escrever a cerca de temas que por mais coletivos que pareçam sempre carregam em si a
marca particular e peculiar de quem fala, pois um tema por mais debatido e analisado
que seja sempre trará consigo marcas inerentes a quem as observou. Se observarmos,
por exemplo, a temática do homem nordestino nas diversas literaturas sejam elas orais
ou não, perceberemos que em diversas obras vamos encontrar o homem sertanejo
esboçado, analisado e interpretado sob uma ótica diferente.
Observemos, entretanto que a memória individual não está afastada, isolada.
Frequentemente, ela toma como referência pontos externos ao sujeito. O suporte em que
se apóia a memória individual está intimamente relacionado com as percepções
produzidas pela memória coletiva e pela memória histórica. A vivência em vários
grupos desde a infância está na base da formação de uma memória autobiográfica e
pessoal.
É também importante neste processo observarmos as percepções acrescentadas
pela memória histórica: “os quadros coletivos da memória não se resumem em datas,
nomes e fórmulas, que eles representam correntes de pensamento e de experiência onde
reencontramos nosso passado porque este foi atravessado por isso tudo”
(HALBWACHS, 2004, p.71). Percebemos aqui que a noção de memória está embasada
num passado que foi vivido e não simplesmente imaginado, é essa característica de ato
vivido que permite a constituição de narrativas sobre o passado coletivo ou individual
de forma viva e natural, muito mais até do que um passado escrito tendo por base um
passado apreendido por uma história escrita.
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 186-194.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
RESUMO
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ABSTRACT
The objective of this paper is to resume the different ways the national identity concepts
and the brazilian culture were considered in Afrânio Coutinho's literary criticism
project. Our first worry is to understand how these cultural questions are appropriate to
the reflection about literature by the author in the book "A tradição afortunada". It's
interesting to point that the brazilian culture set of problems have been and remain
being, untill nowdays, a politic question. In this sense, Coutinho's reflections (1965)
debate in this perspective, facing a problem that became classic in the brazilian cultural
discussion: its authenticity. We are going to see how the nationality, authenticity and
memory concepts are currently structured in the brazilian society, since as the
capitalism reaches new ways of development, we have new kinds of inlectual
organization. We are going to put in doubt Coutinho's formulations based on the
contemporary cultural critic theories, like Ortz's (2006), counterpointing these two
authors conceptions.
KEYWORDS: National Identity. Brazilian culture. Literature.
BIBLIOGRAFIA
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1 INTRODUÇÃO
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região do Vale do Médio São Francisco, região ribeirinha do Rio São Francisco no
trecho baiano, intitulada Jacuba, publicada em 1941 no periódico, já extinto, O
Imparcial.
Além da contribuição para com os Estudos Culturais, nosso trabalho assiste
também contribuir para com os Estudos Literários. Apoiados pelo conceito de Literatura
de Jornal, defendido pelo professor Adeítalo Manoel Pinho, orientador deste trabalho,
em sua tese de doutoramento Uma História da Literatura de Jornal:O Imparcial da
Bahia (2008) resgatar uma narrativa publicada em periódico, há mais de 70 anos a fim
de promover sua publicação, permitindo para esta obra o acesso de pesquisadores
interessados e de toda a comunidade leitora. Por conta da ainda não realizada a
publicação, os fragmentos do folhetim expostos neste artigo não possuem referências
textuais.
Wilson Lins de Albuquerque, nascido em Pilão Arcado – Bahia, em 25 de abril
de 1919 e falecido no dia 04 de agosto de 2004, filho do coronel Franklin Lins de
Albuquerque e de Sophia Mascarenhas de Albuquerque, é o porta-voz do Médio São
Francisco, sempre com o olhar atento e a escrita sensível voltadas para o Vale e suas
gentes.
Cronista, ensaísta, literato, e político, tendo sido eleito por cinco mandatos
consecutivos como deputado estadual, assumindo o cargo de secretário de educação e
cultura do Estado da Bahia, Lins foi polêmico agitador político e cultural integrando em
sua obra as tensões e contradições de sua terra e de sua gente. Sempre empenhado em
evidenciar a região do Vale do Médio São Francisco, na Bahia, como o cenário da sua
“ficção sociológica”. Sociológica por representar em suas narrativas a vida das gentes
do Vale, seus costumes, culturas, ritos, crenças, lutas e conflitos.
Lins ingressou na Academia de Letras da Bahia no ano de 1967, ano da
conclusão da sua “trilogia do coronelismo”, ocupando a cadeira de n°38. Sem dúvidas,
o prestígio do qual o autor se serviu esteve sempre relacionado à sua contribuição
literária através dos periódicos, em O imparcial no qual iniciou sua produção, chegando
a assumir, posteriormente, a direção do matutino baiano; trabalhou, também, para os
periódicos de grande circulação: Diário de Notícias, Diário da Bahia, A Tarde, e
colaborou intensamente com o Jornal da Bahia, e integrou a redação do vespertino
carioca O Mundo, entre 1948 e 1950.
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predominantes da dieta baiana do Vale do São Francisco, assim como de grande parte
do nordeste brasileiro, em geral, são a farinha de mandioca, a carne-seca ou carne de
charque, o café e a rapadura.
Café, farinha e rapadura são os ingredientes que compõem a jacuba dos remeiros
do São Francisco, ao menos, no trecho baiano, já que constatamos, em ocasião de
apresentação deste projeto durante o Curso Castro Alves – VI Colóquio de Literatura
Baiana, realizado na Academia de Letras da Bahia (2011), a ocorrência da jacuba com
fubá de milho entre os ingredientes, o que identifica a culinária de determinado lugar
como parte fundamental da sua cultura, seja numa perspectiva agrícola, seja comercial.
Uma vez que, além da jacuba ser composta por produtos gerados na região, eram
também estes os principais itens transportados pelas barcas.
No capítulo quarto da segunda parte do folhetim “Na hora de Jacubar”, o autor
nos apresenta a jacuba, o alimento dos remeiros, homens que com a força dos braços e a
dor que calejava o peito levavam as barcas pelas águas dos rios, como afirma o autor
através da personagem Rufino, velho remeiro da barca “Serrana”:
Numa lata de gás, a jacuba esfriava, no sol. Sim, porque jacuba só fica
bem fria, quando fica muito tempo no sol.
Quando Caborge trouxe a cuia, o velho Rufino tirou a lata do sol.
Com uma colher de pau, mexeu a jacuba. Enquanto mexia, dizia pra
moça:
- É coisa boa. Gostosa e forte. É o que sustenta nóis, sinhá.
- Deve ser um bom refrigerante. – observa Nanita, recebendo das
mãos do velho remeiro a cuia de jacuba.
- Isso num sei, doninha. – retruca Rufino – Mas que é muito forte, dá
talento ao muque pra puxar barca, eu agaranto que é.
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Além destes sujeitos apontados pelo autor, a chegada das barcas levava aos
portos improvisados ou às praias do rio, outros remeiros, amigos, namoradas, em busca
da festa que os remeiros faziam, regadas sempre a causos, cantigas e aguardente.
Esta é a vida de Arlindo, personagem principal de Jacuba, o herói degradado de
Lins para realizar a sua narrativa romântica, social e politicamente engajada. Como
afirma Lucien Goldmann a literatura engagée é marcada pela ruptura insuperável entre o
herói e o mundo:
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É na barca de “Seu Miguel” que trabalha Arlindo, também ele traz no peito o
símbolo da vida sofrida de remeiro, e é na barca, bem na “hora de jacubar” que Arlindo
mostra, ao travar um debate com Nanita, sobrinha do dono da barca, que já não é mais
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ingênuo como quando chegara a Juazeiro, não é apenas músculo, que o remeiro não é
apenas mão-de-obra:
Desde que “seu” Miguel subiu para a rua, que estou ouvindo, sem
entender essa história de ficar com os pés pubos. Que é isto?
– Que é isto? – responde Arlindo. – É desgraça, senhora. É vida de
pobre. (...)
E isto dá em todo mundo que viaja em barca?
– Não – ruge Arlindo. – Só em nós, os desgraçados, os remeiros.
(...)
Mas isto é uma barbaridade – acha a moça Nanita.
– É, mas tem outro jeito? – grune Arlindo, acabando de lavar os pés e
se erguendo na tábua da prancha. E olhando fixo para a jovem: – É
bom que a senhora veja isto, para contar aos seus irmãos de classe, os
burgueses, o que é a vida de remeiro.
Nanita olhou-o calada. E ele conclui:
– Fome, semi-fome: jacuba, doença, frieira, pé pubo, eis a vida do
remeiro do São Francisco. Diga isto aos ricos.
Arlindo é remeiro, consciente do seu papel neste mundo mal dividido, que. não
bastasse o sofrimento do trabalho árduo e mal remunerado, precisa lidar com as frieiras
e com o calo no peito, visto como louco pelo discurso revoltado e por encontrar na
aguardente a fuga para sua dura realidade.
Estes elementos são fundamentais para o nosso objeto de estudo e
principalmente para a nossa tentativa de ampliação desta construção denominada de
cultura baiana, pesquisar obras e autores que busquem representar e destacar aspectos
culturais fundamentais para a formação cultural de determinada localidade, abrindo
nortes para que outros estudiosos de literatura e diversidade cultural se empenhem na
busca de produções artísticas de força representativa nas “Bahias” ainda não
descobertas em suas identidades e culturas, como, por exemplo, as regiões da Chapada
Diamantina, Região do Sisal e etc.
Em constante diálogo com as demais ciências sociais, Jornalismo, Antropologia,
Sociologia, História, Sociologia, buscamos colaborar com a Área de Letras através de
resgate, leitura e análise de produções de grande potencial representativo, percebendo a
Literatura como agente atuante de representação e formação das relações sociais e da
cultura como um todo.
______________________
A primeira edição data de 1952.
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RESUMO
O presente trabalho visa contribuir para os estudos literários e estudos em cultura pondo
em evidência uma obra literária do autor baiano Wilson Lins de Albuquerque publicada
no ano de 1941 no jornal baiano O Imparcial, intitulada Jacuba que assiste,
principalmente, a representar identidades e culturas do Vale do Médio São Francisco na
Bahia. Na tentativa de ampliar a compreensão de uma cultura baiana que não se
restrinja ao litoral, ao sertão, ao recôncavo e à zona cacaueira, regiões que gozam de
maior prestígio político e sociocultural.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Baiana; Cultura Baiana, Wilson Lins.
ABSTRACT
This article aims contribute to literary studies and to studies about culture evidencing a
literary work by Wilson Lins de Albuquerque an author from Bahia, written on 1941,
titled Jacuba which approaches the identities and cultural aspects from Vale do Médio
São Francisco at Bahia. Trying to effort the analysis about Bahia’a Culture not
restricted on Bahia’s “litoral, sertão, recôncavo e zona cacaueira” locations which enjoy
most political and sociocultural prestigious.
KEYWORDS: Literature from Bahia, Culture from Bahia, Wilson Lins.
BIBLIOGRAFIA
LINS, Wilson. O Médio São Francisco. (ensaio), Salvador. 1. ed. 1952 e 2. ed. 1959.
PIERSON, Donald. O Homem no Vale do São Francisco. Tomo II. SUVALE: Rio de
Janeiro, 1972.
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1 INTRODUÇÃO
Afrânio Coutinho consta, com certeza, entre a lista dos críticos literários de
maior renome no Brasil. Contudo, e é importante ressaltar que ele não escreveu apenas
sobre crítica literária; por exemplo, desde o seu início, no Jornal O Imparcial da Bahia,
os seus textos já discursavam sobre variados temas como: crítica literária, política,
sociologia, filosofia etc.
Ao se analisar os seus textos deixados no jornal O Imparcial da Bahia, pode-se
então se aprofundar na cosmovisão de Coutinho. E assim, perceber de forma mais clara
como era estruturado seu pensamento. Talvez, o elemento desta estrutura que mais
aparece nesses textos são os temas que envolvem a cultura. Coutinho, em seus 117
textos deixados naquele jornal, sempre procura envolver as questões discutidas com a
cultura. Isto porque para ele a cultura era algo essencial ao homem.
Por isso, neste artigo, busca-se primeiramente responder a pergunta: qual é a
concepção de cultura de Coutinho? Assim, após ter sido esclarecido esse tema poder-se-
á discutir outros temas. Estes outros são dois: a associação entre a concepção de cultura
de Coutinho e a de Otto Maria Carpeaux e a associação entre a concepção de cultura de
Coutinho e de Crítica literária.
Poder-se-ia indagar sobre a importância da associação entre Carpeuax e
Coutinho. Essa pergunta é respondida ao se notar que os dois são grandes críticos,
ensaístas e historiógrafos que representaram no Brasil, o melhor da cultura brasileira.
Carpeaux escreveu a magnífica – tanto em qualidade como em quantidade – História da
Literatura Ocidental e Coutinho trouxe para o Brasil a conhecida Nova Crítica através
do volume marcante na história A literatura no Brasil (do qual Coutinho participou
como autor e organizador). Assim, todos os artigos aqui citados por Coutinho, quando
1
Graduando/GELC/UEFS.
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não vierem com a fonte bibliográfica, são dos que foram publicados n’O Imparcial. E
que podem ser acessados através da consulta ao acervo do professor orientador,
Adeítalo Manoel Pinho.
Contudo, além disso, o que chama atenção é que os dois tinham concepções
semelhantes da cultura. Aqui será usado como base o texto A ideia da universidade e as
ideias da classe média de Carpeaux, no qual ele demonstra de maneira clara suas ideias
sobre cultura. E de Coutinho, se usará principalmente os seus textos deixados no jornal
O Imparcial da Bahia. Que foi coletado pelo professor Dr. Adeítalo Manoel Pinho na
sua tese Uma história da literatura de jornal: O Imparcial da Bahia, e que vem sendo
estudado pelo autor deste artigo, orientado pelo mesmo professor.
Sobre a associação entre a concepção de cultura de Coutinho e a sua concepção
de crítica, a justifica há de se encontrar nos seus próprios textos. Já que, se Coutinho
permitia-se juntar “cultura” e “crítica literária” era porque ele via alguma ligação entre
elas. Então, aqui não será o lugar para uma argumentação sobre se há mais alguma
evidência de que ele cria nisso, já que os seus textos (que constam n’O Imparcial) já o
demonstram. Esse fato será levado, então, como pressuposto para responder as
perguntas: qual associação Coutinho faz entre aqueles dois fatores?
Pode-se tentar argumentar que uma associação entre os dois iria contra as ideias
de Coutinho, já que ele era um representante da Nova Crítica – o que diria que ele
estuda o texto pelo texto, sem associação com fatores extraliterários. Essa ideia é falsa
por dois motivos: (1) Os textos de Coutinho fazem esta associação, então já está
demonstrada que pode haver alguma ligação entre os dois e (2) A Nova Crítica não
procurou se desfazer por completo de fatores extraliterários , mas sim procurou
demonstrar que o centro da crítica literária não são esses fatores, contudo não virou o
rosto completamente para eles. O próprio Coutinho diz que :
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Contudo, será também lembrado que os textos deixados por Coutinho n’O
Imparcial da Bahia não tem a intenção de ser pura crítica literária. Então, não se pode ir
aos seus textos de jornal, procurando uma análise crítica digna do grande crítico
brasileiro. Mas sim, textos de jornal que contém a erudição e ousadia do grande crítico
brasileiro, porém, ainda assim textos de jornal.
Para Coutinho a cultura é aquilo que torna o homem, Homem. Ele assim
descreve a cultura em A questão da cultura: “A noção de cultura implica a de luta. É a
luta do homem no mundo: recusando-se a viver como animal.” (COUTINHO, 1934, p.
4).
Para Coutinho, a cultura não é o conhecer certas especificidades, mas conhecer a
realidade em seus aspectos gerais. Assim, a cultura seria uma visão geral. Ele diz o
seguinte, no último texto citado: “Cultura, no ponto de vista do espírito, envolve um
complexo de elementos gerais” (COUTINHO, 1934, p. 4).
E, por isso, ele critica, já naquele tempo, a escola brasileira. Para Coutinho, o
sistema de ensino brasileiro nada mais era do que um guia para o conhecimento das
especificidades. Logo, para ele a escola não introduzia cultura e sim alguns ensinos.
Chegando ao ponto, de dizer que a escola não dava educação. Isso porque Coutinho
concebia educação como a transmissão de cultura. Observem as considerações que ele
fez também em seu artigo A questão da cultura:
Uma das graves queixas que tem a mocidade brasileira a fazer a suas
antecessoras é quanto a falsa educação que lhe deram.
Não nos fizeram homens cultos. Ensinaram-nos nas escolas a pensar
em ser grandes técnicos, mas não nos mostraram que antes disso
deveríamos ser homens. O resultado foi a criação de escravos, cada
qual mais tiranizados pela sua arte, e impossibilitado de dominá-la e a
sua vida. (COUTINHO, 1934, p. 4)
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neste livro, que é uma reunião de ensaios do filósofo francês, a educação é revelada
como processo de amadurecimento do homem e que só se consumaria realmente no
aperfeiçoamento do homem no amor.
Se fossemos buscar mais além as fontes dessas ideias, iríamos descobrir que
essas não se iniciam com Maritain, mas já estavam em vista desde os tempos medievais.
Um exemplo é a educação da Idade Média, que era baseada no Trivium. Que formariam,
juntamente com o Quadrivium, as Artes Liberais que teriam como o objetivo o
amadurecimento do homem, ou novamente citando Coutinho transformar o homem em
Homem. A irmã Miriam Joseph diz o seguinte sobre elas:
E logo depois, quando procurar definir a Crítica, seguindo a sua concepção, ele diz que:
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3 COUTINHO E CARPEAUX
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Para que se retire todo o tipo de dúvida, incluir-se-a uma citação de Coutinho, no
seu texto Maquinismo e Civilização:
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Assim, nota-se que Coutinho não quer escrever sobre a estrutura de Shakespeare,
ou sobre a sua linguagem, ou sobre a sua unidade; mas sobre suas considerações sobre o
Homem e o Mundo. Coutinho quer compreender a compreensão de Shakespeare de
mundo, e assim o aplica na sua época. Contudo, ele não toma caminhos de
interpretações sociológicas, culturalistas ou mesmo psicanalíticas, mas baseia o seu
andar interpretativo em crítica literária pura (que é uma análise do texto, pelo texto).
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Coutinho, simplesmente, parece usar essa crítica literária como um caminho, e não com
um fim em si mesmo.
5 CONCLUSÃO
RESUMO
Afrânio Coutinho foi um dos críticos mais importantes do Brasil. Isto testemunha-se
pelos seus livros A literatura no Brasil (como organizador e escritor), Introdução à
literatura no Brasil e Enciclopédia da literatura brasileira. Ele iniciou a sua bem-
sucedida carreira no Jornal O Imparcial da Bahia. Uma vez constatada a produção de
um autor tão importante nas folhas do jornal, é imprescindível a conservação e o estudo
desse suporte de cultura. Em O Imparcial, Coutinho cria e produz na coluna Pela
Ordem... Nesses textos Coutinho disserta sobre variados assuntos: filosofia, cultura,
política e literatura. Contudo, o que prepondera é o aspecto cultural dos seus textos. Isto
demonstra a importância que ele dava a este tema. Tem-se então como objetivo deste
trabalho chegar a uma compreensão de cultura, em Coutinho, para que daí se possa
compreender melhor o seu pensamento. Coutinho via a cultura como o principal na
educação, e por isso enfatizava-a quando escrevia. Não só isso, para Coutinho a cultura
era o que tornava homem, por assim dizer, Homem. Assim, Coutinho, buscava sempre
uma definição de cultura como uma elevação do ser humano. Pode-se, então, constatar a
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UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
SUMMARY
Afranio Coutinho was one of the most important critics of Brazil. This is a witness for
his books A Literatura no Brasil (as an organizer and writer), Introdução a literatura no
Brasil and Enciclopédia da Literatura Brasileira. He began his successful career in O
Imparcial Journal of Bahia. Once verified the production of an author so important in
the leaves of paper, it is essential to the conservation and study of media culture. In O
Imparcial, Coutinho creates and produces column Pela Ordem ... In these texts
Coutinho lectures on various subjects: philosophy, culture, politics and literature.
However, what prevails is the cultural aspect of their texts. This demonstrates the
importance he attached to this issue. You now have the objective of this work come to
an understanding of culture, Coutinho, so then you can better understand your thinking.
Coutinho saw culture as the primary education, and so emphasized when he wrote it.
Not only that, for Coutinho culture was made that man, so to say, Man. Thus, Coutinho,
always seeking a definition of a raising of the culture as a human being. You can then
see the importance of the study of texts Afranio Coutinho, present in O Impacial of
Bahia. Because through them we can infer about the thought of Coutinho, who thought
that came to influence largely the Brazilian culture and literary criticism.
KEYWORDS: Literary Criticism. Cultural Critique. The Impartial Bahia.
BIBLIOGRAFIA
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 204-214.
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COUTINHO. Afrânio. 1937. Por uma nova cultura (Sobre o livro de Rougemont). O
Imparcial, Bahia, p. 4, 22 de maio de 1937.
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1 INTRODUÇÃO
1
SILVEIRA. Professora Assistente da Universidade da Bahia, Departamento de Ciências Humanas ―
DCH ― Campus V. Mestre em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional. E-mail:
smsilveira@hotmail.com.
ISBN 978-85-7395-210-0
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mulher não tinham gerado herdeiro, o que provocaria o fim da linhagem real. Isso leva o
povo a clamar por um rei capaz de salvar a pátria dessa situação. É nessa conjuntura que
D. Sebastião foi gerado, em meio a orações e promessas, daí ter sido aclamado como O
Desejado.
D. Sebastião foi coroado rei aos três anos de idade e começou a governar aos
quatorze. Apesar de destemido, personalidade forte, voluntarioso, ele não queria casar,
rejeitando várias candidatas. Com vinte e quatro anos foi para Marrocos, lutar na
batalha de Alcácer-Qubir, onde morreu sem deixar herdeiros. Portugal perdeu seu reino,
o qual foi ocupado provisoriamente pelo cardeal D. Henrique, morto em 1580. Em
seguida, D. Felipe II, da Espanha, decide tomar Portugal, que passa a ser mera colônia
espanhola, situação que permaneceu por sessenta anos.
Quem estava na batalha de Alcácer-Quibir alega não ter visto o corpo de D.
Sebastião. A partir desse fato, começa a ser divulgada em Lisboa umas quadrinhas
populares de um poeta popular e sapateiro conhecido como Gonçalo Eanes Bandarra,
cujo conteúdo passa a ser interpretado pelo povo como uma profecia segundo a qual D.
Sebastião não estaria morto, mas tão somente esperando a hora certa para voltar e
recuperar a soberania portuguesa, livrando o seu povo do domínio espanhol. Dá-se a
mitificação de D. Sebastião, rei que morreu pelo seu povo, iniciando-se o mito do
“Encoberto”, acreditando-se que ele perambula pela Terra e que voltará para
restabelecer a monarquia e o V império. Tal profecia nunca se cumpriu, mas originou o
mito sebastianista, o qual vem à tona sempre que o país atravessa dificuldades e serve
de pano de fundo para várias obras literárias, as quais evocam a figura do Encoberto,
umas de forma laudatória, outras de modo crítico e parodístico, como é o caso do
romance O Conquistador (1990), de Almeida Faria.
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que assume um caráter salvívico) a figura de outro Sebastião que questiona os fatos, se
insurge contra guerras que ele chama de “sem sentidos”, sendo visto como “o
Enjeitado” (p. 12), numa clara oposição de sentidos marcada via léxico.
Enquanto Camões, em Os Lusíadas, põe na figura do Rei D. Sebastião a
esperança do povo português, Faria deixa em suspenso esse mito, propiciando o seu
esvaziamento. Para isso, ele faz o resgate da história mesclando dois tempos: um
passado distante, evidenciado pelas conquistas portuguesas, o qual é resgatado por
intermédio de Sebastião de Castro, numa paródia do rei Sebastião; passado mais
recente, quando Sebastião, personagem, escreve suas memórias em sete meses.i Neste
sentido, a história é trazida è memória pela paródia (como rei Sebastião) e pelo presente
do personagem Sebastião, isso a partir de linguagem solta, suave, beirando o chiste, por
meio da qual o burlesco se evidencia, enquanto que a linguagem mais culta, mais letrada
se presentifica nas várias intertextualidades, convocando outros autores para esse
diálogo.
Essa intertextualidade é algo marcante na literatura contemporânea e, de modo
geral, recurso bastante empregado na obra Fariana. Pelo viés da crítica, da fina ironia, o
autor revisita obras clássicas, construindo seu texto a partir de um diálogo com outros
textos e autores, abrindo a possibilidade de múltiplas leituras, fazendo remissão a textos
consagrados. Nesse sentido, sua narrativa dialoga com outras a partir de retomadas,
referências, paráfrases e citações, o que coopera para o leitor construir sentidos.
Isso já se delineia desde a capa, que é tecida com um texto multissemiótico, até
as várias epígrafes que são empregadas como um mecanismo lingüístico que possibilita
ao leitor fazer antecipações, previsões, conjecturas acerca do teor da narrativa.
Percebemos, por exemplo, uma intertextualidade explícita nas citações que abrem os
capítulos, assim como a implícita, quando o autor insere, no seu texto, intertexto alheio,
não citando a fonte, mas sendo facilmente recuperável para o leitor capaz de ativar o
texto-fonte em sua memória. Textos de Fernando Pessoa, por exemplo, se presentificam
no romance, alguns retomados subversivamente:
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Este espetáculo criou nos presentes [...] a convicção de que não seria
casual a coincidência de El-rei D. Sebastião e eu termos vindo ao
mundo no dia do santo do mesmo nome. [...] O meu bilhete de
identidade marca a data de vinte de janeiro de mil novecentos e
cinqüenta e quatro para o meu nascimento. [...]. Nome completo:
Sebastião Correia de Castro. [...]. xii
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Percebe-se, nesse trecho, uma relação com o sebastianismo, visto que este
menino vem do mar, encoberto pela névoa, como se D. Sebastião estivesse regressando,
o que, de imediato, aponta para dois mitologemas: o primeiro, “do salvador oculto”, que
é um eco do terceiro, conhecido como “o fundador vindo de fora”. Esses mitologemas
que a memória portuguesa recupera com vigor sempre que o país atravessa situações
difíceis, segundo Durant, apontam para “a paixão do além, o absoluto “ex-otismo” do
imaginário” xiv do povo português.
Justamente a partir da lenda do nascimento de Sebastião notamos que se
configura a reconstrução desse mito, o qual é alimentado dia a dia pelo imaginário
coletivo representado pela avó do protagonista:
Outra semelhança que chama a nossa atenção diz respeito a algumas características
físicas bastante peculiares do narrador-personagem, dentre elas a polidactilia, que se
caracteriza pelo excesso de dedos nas mãos ou nos pés, tal como o Rei D. Sebastião que
apresentava seis dedos nos pés:
[...] E Joana, minha mãe, para todos os efeitos, deve ter gostado desse
filho-mistério que primeiro a assustou porque tinha seis dedos no pé
direito [...]. xvii
Que te importam as diferenças físicas, por vária gente notadas, em
relação aos pais que te geraram, ou que só te adotaram? ... Que teus
pais fossem morenos, altos, de feições e narizes compridos, enquanto
tu és louro, entroncado, de olhos claros, curto o nariz, redonda a cara,
a boca de carnudos lábios, o de baixo descaído como o de Catarina
[...]. xviii
[...] Nessas reuniões surgia sempre o tema das semelhanças entre o
Rei e eu: os olhos amendoados, os cabelos alourados, a cara oval, o
beiço belfo dos descendentes de Carlos V, os dedos delicados, o
tronco curto, desproporcionado em relação aos membros compridos
demais. xix
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personagem do rei, o qual era bastante visionário, a ponto de empreender uma luta como
a de Alcácer-Quibir, a qual diz respeito à “desastrosa expedição do cavalheiresco e
quimérico jovem rei D. Sebastião a Alcácer-Quibir, em Marrocos, a 4 de agosto de
1578, que colocou Portugal sob a dominação espanhola durante mais de meio século”,
como informa Durant.xx E, por conta desse jeito devaneador, sofre uma fragorosa
derrota, colaborando para a morte de tantos soldados nessa batalha que o narrador-
protagonista chama de “absurda batalha”:
[...] Durante dias inteiros ele [o rei Sebastião] ele cavalgava entre
arvoredos, imaginando em tais caçadas furiosas batalhas contra os
árabes que, do alto do Castelo dos Mouros, desafiavam os seus sonhos
de glória. xxi
Não corre mais quem caminha, mas quem imagina. Esta sensata
sentença de meu pai várias vezes me ocorreu nos tempos em que corri
atrás de mundos e mulheres. xxii
Outra semelhança que propicia uma aproximação entre as duas histórias (a real e
a gestada) é a data da narração (julho do ano do vigésimo quarto aniversário do herói
mesma data que o corpo de D. Sebastião desapareceu nessa batalha de Alcácer Quibir.
Isso contribui para o medo que o narrador tem de uma morte prematura:
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Sebastião desloca-se para a Paris, onde passa a ser acompanhante “de mulheres
que detestam sair ou comer sozinhas”. Ao fugir à luta, Sebastião não só instaura a
desmistificação de uma imagem cavaleira e guerreira desenhada pelo outro, como
também atrela a isso o prazer dessa ação de se manter neutro, longe de fatos históricos
que nada mais eram que uma guerra gestada em gabinete. Com isso, ele traz à luz o fato
de que os portugueses, longe de serem cavaleiros, não eram sequer peões desse jogo de
poder e vaidades tão renegados por ele, que enxerga em D. Sebastião um arremedo, um
ser inseguro que se esconde atrás da armadura majestosa, como o personagem bem
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Após tecer esse quadro, o narrador desconstrói a visão mítica dessa guerra, desse
herói, evidenciando como esse misticismo foi pernicioso para o povo português tão
apegado a esse passado. Essas diferenças se consolidam ainda mais no decorrer da
história. Ao contrário de D. Sebastião, que tem a sua vida precocemente interrompida
por conta da guerra, o herói dessa narrativa não morre:
Como se fosse um sol, sete estrelas giram à minha volta. São Plèiades,
da constelação do Touro, e de repente tranqüiliza-me a evidência de
que aquele Sete-Estrelo há-de guiar pela vida afora e há de defender
de morrer cedo. xxix
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Desta forma, a retomada do mito pela avó Catarina (“que um dia o Rei voltaria,
numa certa madrugada, no meio da neblina), e conseqüente releitura paródica, marcada
pelas diferenças postas entre ambos, coopera para dessacralizá-lo, exibindo a sua
fragilidade:
[...] Por ironia da história o Rei Virgem passou a ser alvo dos fascínios
femininos e, após a sua morte numa derrota ominosa, muito boa gente
caíra num masoquismo colectivo que define bem o fraquinho deste
país por tudo que seja fracasso, amadorismo e misticismo de
pacotilha. xxxiii
[...] Os ossos, supostamente trazidos de África, não são decerto seus.
Só raramente a fama é verdadeira. xxxiv
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evocação traz à tona a necessidade de uma conquista pessoal de cada indivíduo. Com
isso, o narrador desconstrói a falsa ilusão portuguesa centrada na “esperança” do
xxxvii
“termos sido”, como sustenta Durant , ao tempo em que ousa duvidar das certezas,
questionar as ditas verdades, numa clara demonstração de uma identidade em fluxo
permanente, quando declara:
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4 (IN) CONCLUSÃO
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alguma coisa aprendi: quem não quero ser” xlviii. E mexe com a imaginação do leitor
quando diz provocativamente: “Não corre mais quem caminha, mas quem mais
imagina.”xlix Esse recurso empregado pelo autor acaba por se configurar em um convite
à cooperação do leitor, que é conclamado implicitamente a estabelecer uma dialogia
mais forte, preenchendo essas lacunas de acordo com suas experiências. E, aqui,
optamos também pela incompletude, afinal, outros leitores mergulharão nesse
microcosmo literário, trarão novos olhares, leituras, várias interpretações, afinal, a
riqueza desse texto literário abre múltiplas possibilidades de análise e contribuições
teóricas.
_______________________
i
Trabalhamos, neste artigo, com o conceito de metaficção historiográfica apresentado por Linda
Hutcheon (1991), entendendo que o texto de Faria se enquadra na definição da autora quando diz que a
metaficcionalidade “ao mesmo tempo que explora, ela questiona o embasamento do conhecimento
histórico no passado em si.” (Heutcheon, 1991, p. 126).
ii
Faria, 1993, p. 20 e 118.
iii
Faria, 1993, p. 18.
iv
Faria, 1993, p. 72.
v
Borges, 2011.
vi
Faria, 1993, p. 75.
vii
Faria, 1993, p. 126.
viii
Faria, 1993, p. 129.
ix
Faria, 1993, p. 104.
x
Eduardo Lourenço, 2001, p. 65.
xi
Faria, 1993, p. 48.
xii
Faria, 1993, p. 15; p. 18-19.
xiii
Faria, 1993, p. 12.
xiv
Durant, 1997, p. 98.
xv
Faria, 1993, p. 11.
xvi
Faria, 1993, p. 19.
xvii
Faria, 1993, p. 12.
xviii
Faria, 1993, p. 16.
xix
Faria, 1993, p. 71.
xx
Durant, 1997, p. 153.
xxi
Faria, 1993, p. 70.
xxii
Faria, 1993, p. 128.
xxiii
Faria, 1993, p. 19-20.
xxiv
Faria, 1993, p. 11.
xxv
Durant, 1997, p. 154.
xxvi
Faria, 1993, p. 111.
xxvii
Faria, 1993, p. 112.
xxviii
Faria, 1993, p. 103-104.
xxix
Faria, 1993, p. 130.
xxx
Faria, 1993, p. 18.
xxxi
Faria, 1993, p. 34.
xxxii
Faria, 1993, p. 36.
xxxiii
Faria, 1993, p. 104.
xxxiv
Faria, 1993, p. 73.
xxxv
Faria, 1993, p. 70.
xxxvi
Faria, 1993, p. 70.
xxxvii
Durant, 1997, p. 28.
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xxxviii
Faria, 1993, p. 126.
xxxix
Faria, 1993, p. 18.
xl
Faria, 1993, p. 123.
xli
Faria, 1993, p. 4.
xlii
Faria, 1993, p. 111.
xliii
Eduardo Lourenço, 2001, p. 65.
xliv
Faria, 1993, p. 82.
xlv
Faria, 1997, p. 92.
xlvi
Faria, 1997, p. 86.
xlvii
Eduardo Lourenço, 2001, p. 66-67.
xlviii
Faria, 1993, p. 126.
xlix
Faria, 1993, p. 128.
RESUMO
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ABSTRACT
Almeida Faria, in his work titled O Conquistador (1990), tells the story of Sebastião
Correia de Castro, homonym of the sixteenth Portuguese king, Dom Sebastião (1554-
1578), who has disappeared in the Battle of Alcazarquivir. From this historical reality,
the Portuguese literature represents it during the years in a mythical way. It also creates
national myths as the Sebastianista, which incorporates the country vision evocating
them when he faces difficult moments, overvaluing an idealized past without question
the validity or relevance of this continuation. This validity is questioned by Faria who
engages a revisit of the past in a critical way. From this focus, it permits a reflection
about his country and revisits his history, giving emphasis to the transformations in the
Portuguese history. He rewrites and reinvents this history, question the background and
the material to the novel, problematizing and questioning its legitimacy. Based on these
conjectures, we undertake the analysis of this work in order to investigate whether the
way the author creates the narrative contributes to the destabilization of the Portuguese
national identity based on this historical past that he revisits and offers to the reader, as
a possibility of a rereading of the Portuguese mysticism, destabilizing the official
history from a discussion between fiction and historiography. This study was
undertaken through an interlocution between the mentioned novel and the discussions
made by Eduardo Lourenço (2001), Gilbert Durant (1997) and Hutcheon (1991).
KEYWORDS: Almeida Faria. O Conquistador. Portuguese Imaginary. Mythology.
BIBLIOGRAFIA
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
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Mestrado Pós-Crítica. Mestrando em Crítica Cultural pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB –
Campus de Alagoinhas, Bahia. Bolsista CAPES. Linha de Pesquisa: Margens da Literatura. Orientador:
Profº Drº- Osmar Moreira Santos. E-mail:sowwsa@hotmail.com
ISBN 978-85-7395-210-0
3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
são grupos e entidades ligadas à área das artes, preocupadas com as discussões que
envolvessem as manifestações culturais diversas no Brasil. Segundo Ana Mae Barbosa,
Reitera ainda Ana Mae: “Naquele período não tínhamos cursos de arte-educação
nas universidades, apenas cursos para preparar professores de desenho, principalmente
desenho geométrico.” (BARBOSA, 1989,p.01). Assim, é nesse contexto e nessa
intenção que se tenta revitalizar no Brasil o ensino através da arte. “Em grupo, lutou-se
para que a Arte se tornasse presente nos currículos das escolas de Educação Básica no
Brasil e fizesse parte da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 –
Artigo 26,parágrafo 2 (BRASIL, PCN,2000,p.47).
É com essa formatação que, enfim, a disciplina Arte-educação é introduzida nas
escolas a partir dos anos 90.
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 233-246.
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capaz de provocações diversas que está em constante processo de trocas com todas as
demais áreas do conhecimento humano.
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falando em termos de culturas, Durval Muniz retrata bem ao dizer que “Na verdade
nunca temos cultura: temos trajetórias culturais, fluxos culturais, relações culturais,
redes culturais, conexões culturais, conflitos, lutas culturais.” (MUNIZ,2007,p.17). Tal
colocação permite-nos concluir que conexões, trajetórias, fluxos são atos que fatalmente
proporcionam uma constante ebulição a ponto de deixar povos e manifestações em
constante processo de intercambiações culturais. É nesse sentido que pesquisadores e
programas voltados para a área da pesquisa em cultura devem afinar seus sentidos e,
seja na área da literatura, cultura ou mesmo antropologia, perceberem que a
contemporaneidade traz laços que se devem antenar com todos esses movimentos
culturais e seus variantes.
O olhar que a escola deve estender às manifestações artísticas deve passar pela
visão que se deve ter de arte e a sua importância grandiosa para a promoção do homem
como cidadão e sujeito de si. Essa visão de arte, sobretudo, além de valorizar o homem
com toda sua carga de manifestações que lhes são próprias, cria no âmbito da educação
formal, novos olhares, desperta novas atenções sobre a questão do ensino e
convivências com as diversidades.
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Além disso, começa-se assim a atribuir funções múltiplas para o campo da Arte,
pois “devemos reunir o máximo esforço para suprir os recursos necessários, tanto
materiais quanto didático-pedagógicos, para que o ensino da Arte cumpra
verdadeiramente sua missão de formar e educar.” Assim, ao campo de ensino e estudo
da Arte se incorpora novos paradigmas.
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E a esse respeito a Professora Lúcia Gouvêa Pimentel vai dizer que “O estudo
desse campo supõe considerá-lo tão importante quanto cada um dos outros campos do
conhecimento humano, não sendo ferramenta para outras áreas, mas co-agente da
construção de saberes em sua abrangência possível.” (PIMENTEL, p.156).
Arte-educação é força viva que leva à reflexão, oportuniza à comunidade escolar
as diversas formas de se expressar; a aula de Arte torna-se, nesse sentido, como um
espaço democrático que por ela pode fazer transitar todos os elos que compõem a malha
cultural de um lugar, uma região, um estado. A escola jamais poderá ignorar esses
aspectos.
Sabe-se que a nova LDB (Lei 9394/96) é quem já vai impulsionar o sentido do
ensino de Arte nas escolas tentando já ali destacar o sentido do ensino de Arte nas
escolas por razões culturais:
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Talvez ainda se demorará muito tempo para que tais relevâncias quanto ao
ensino de Arte nas escolas brasileiras assim configure. Temos ainda aulas marcadas
pelo forte improviso e marcante improviso. Carência de materiais didáticos, Professores
com outra formação lecionando para a disciplina, pequeno número de aulas, alunos
desmotivados etc...enfim, todo esse rol se constitui no agravante da descaracterização
que ronda a disciplina Arte-educação.
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Professora do Departamento de Artes da UFPB, lecionando no curso de Educação Artística e no
Mestrado em Educação. Coordenadora do Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes. Graduada
em Música e em Educação Artística pela UNB. Mestre em Ciências Sociais pela UFPB. Doutora em
Lingüística pela UFPE.
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Porém, observa-se, claramente, que, com o passar dos anos, não muita coisa tem
mudado desde a divulgação dos parâmetros. É evidente que os efeitos e mudanças
esperadas e sugeridos por esses documentos ainda não se cristalizaram. Nota-se um
fosso enorme entre o sugerido e a realidade vivenciada pela maioria das escolas,
principalmente no que diz respeito no ensino de Arte. Logo, os próprios produtores do
PCN- Arte já demonstram no documento essa preocupação.
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públicos, no rádio, na Tv, nas páginas de relacionamentos, no nosso dia a dia, nas
nossas mesas, nas prateleiras; está ainda no choro, na gargalhada, nos olhares, enfim...
mas querem ignorá-la nas escolas, nos espaços educativas, local mais propício para
discuti-la, para remoldurá-la e deixá-la fluir dando novos sentidos, ampliando novos
horizontes, provocando, (re)fazendo os jeitos, os homens, os atos, a vida...
3 CONCLUSÃO
Essa é uma das grandes marcas do que pode abarcar a disciplina Arte-educação:
está presente, possibilitando que no interior das escolas todas as classes, todas as vozes
tenham vez. Assim, é imensurável o valor do espaço propiciado pelas aulas dessa
disciplina. Nela, pode-se fazer transitar todas as discussões inerentes às mais diversas
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manifestações culturais. Pelo viés da Arte, é possível fazer que outros mundos se
vislumbrem, que outras invenções são possíveis e que a vida pode, sim, ser
(re)inventada a cada dia, a cada instante.
RESUMO
REFERÊNCIAS
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 233-246.
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2010.Disponível em: http://www.arteducacao.pro.br/downloads/arte-e-educacao.pdf
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