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Folha de S.

Paulo: cem anos a serviço das elites contra a democracia


A grande imprensa brasileira sempre atuou como porta voz das elites nacionais. Os
principais jornais são oriundos dos grupos econômicos que há décadas comandam a
República. O Jornal Folha de S. Paulo, que comemora o seu centenário de existência
este ano, é um ótimo exemplo para ilustrar como a democracia e a liberdade de
imprensa, colocadas como esteio de atuação da mídia corporativa, na prática são
causas de ocasião.
Nascida em 1921, a Folha da Noite foi o primeiro jornal da empresa. Voltado para as
classes populares, a impressão do vespertino era realizada nas máquinas do jornal O
Estado de S. Paulo. O sucesso editorial possibilitou o lançamento da Folha da Manhã,
em 1925. Inicialmente, as Folhas criticaram os mandatários da “República Velha”, mas
ao final daquela década se aproximaram dos oligarcas de São Paulo e foram contra a
Revolução de 1930. Acabaram empasteladas.
Naquele mesmo ano, a Empresa Folha da Manhã Ltda foi adquirida pelo cafeicultor
Octaviano Alves de Lima, que empregou importantes mudanças técnicas, viabilizou o
aumento da tiragem das Folhas que ganharam fisionomia empresarial e emancipação
financeira. A crítica da década anterior foi deixada de lado e a linha editorial passou a
dedicar maior espaço à questão agrária. Era uma empresa jornalística a serviço dos
produtores de café, prejudicados pela crise de 1929, e contra a indústria nacional.
Com o fim da ditadura do Estado Novo, em 1945, a empresa foi novamente vendida,
dessa vez para um grupo ligado a fazendeiros, empresários e industriais. A defesa da
liberdade política e de imprensa se tornou o mote das Folhas. Mas essa orientação
logo foi corrompida. A partir de 1947, os jornais passaram a defender a extinção do
PCB e a cassação dos parlamentares comunista no Congresso Nacional. Novas
mudanças técnicas foram empregadas, possibilitando o lançamento da Folha da Tarde,
em 1949.
As Folhas se colocaram contra Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e o chamado
“populismo”, seguindo uma linha editorial que correspondia aos anseios da elite liberal
udenista. Eram contra a organização dos trabalhadores e o direito de greve,
defendendo um modelo de desenvolvimento econômico associado ao capital
estrangeiro e contrário ao nacional-desenvolvimentismo. A empresa chegou ao início
dos anos 1960 com graves problemas financeiros, o que resultou na fusão dos três
jornais em um, a atual Folha de S. Paulo (FSP). As medidas de contenção de despesas
se mostraram ineficazes e a empresa foi novamente vendida.
Em 1962, Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira assumiram a Folha, que passou a
adotar uma linha editorial contrária ao governo de João Goulart e a favor das
mobilizações populares e militares que resultaram no golpe de 1964. Durante a
Ditadura Militar, a empresa de Frias deixou de lado a luta pela democracia e a
liberdade de imprensa, decidiu não enfrentar o regime político e praticou autocensura
em suas redações. Reportava como fuga ou morte em combate o que na verdade eram
assassinatos políticos cometidos pela ditadura, ou seja, publicava “Fake News”.
Ofereceu narrativa jornalística para legitimar as versões oficiais divulgadas pelos
governos militares e ajudou a esconder do público as permanentes violações
cometidas pelos agentes da repressão.
Na década de 1980, com a redemocratização, a empresa foi submetida a uma nova
reforma editorial. Os jornalistas ligados à ditadura foram afastados e o jornal passou a
se colocar como o expoente da imparcialidade jornalística e da defesa da democracia.
Nos anos 1990, foi a favor do impeachment de Collor, ofereceu apoio ao governo de
Fernando Henrique Cardoso e às medidas econômicas privatizantes que desmontaram
o estado brasileiro. As críticas dirigidas a FHC se deviam ao caráter considerado lento e
reduzido das reformas neoliberais.
Durante os governos petistas, a Folha se colocou na oposição e seguiu sua tradição
golpista ao apoiar o farsesco impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
Desde o primeiro momento, concedeu ampla divulgação aos trabalhos da operação
Lava Jato, fortalecendo a narrativa que permitiu a prisão ilegal de Lula, em 2018, e a
cassação dos seus direitos políticos. A ausência do candidato favorito para o pleito
presidencial daquele ano (de acordo com pesquisas da própria Datafolha) teve como
consequência a eleição do sujeito repulsivo, racista e apoiador da tortura que temos
na presidência da república hoje.
Atualmente, o discurso de oposição adotado pela Folha contra o governo neofascista
entra em contradição com sua defesa enfática do modelo econômico neoliberal que,
para ser praticado no Brasil, dependente de Bolsonaro e da sua capacidade de
mobilização popular para ganhar eleições. A ligação da família Frias com o mercado
financeiro, de onde provém seus principais ganhos econômicos, torna o jornal mera
ferramenta de pressão política para a conquista dos interesses dos seus proprietários.
Como a trajetória da Folha nos mostra, a defesa da liberdade e da democracia sempre
se deu apenas até o limite que pudesse contrariar os objetivos dos seus donos. A Folha
faz cem anos de serviços prestados às elites contra a democracia e a soberania
popular.

Carla Teixeira – Doutoranda em História na UFMG.

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