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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA
CURSO DE DOUTORADO/MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO

FAGNER DANTAS

RESUMO: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em


perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

O AUTOR
Ha-Joon Chang nasceu em Seoul, Coréia do Sul, em 1963. Formou-se em Economia
pela Universidade Nacional de Seoul, na Coréia do Sul. Conseguiu seu mestrado e
doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Desde então, tem
ensinado economia em Cambridge. Além das atividades acadêmicas, atuou como
consultor para várias agências internacionais (ONU, Banco Mundial) e para vários
países, como Canadá, Japão e Venezuela, sempre na área de Políticas de
Desenvolvimento. Vem também publicando e editando, individualmente ou em
conjunto, vários livros sobre a temática do desenvolvimento, tendo recebido em 2003 o
Prêmio Gunnar Myrdal pelo livro “Chutando a Escada”.

A ESTRUTURA DO LIVRO
O livro tem 266 páginas, divididas da seguinte forma: quatro capítulos, aos quais se
somam a bibliografia e um índice remissivo.

A RESENHA
Capítulo 1 – Como os Países Ricos Enriqueceram de Fato?
O capítulo exerce a função de apresentação do livro. Colocando a questão da pressão
que os países em desenvolvimento sofrem dos países desenvolvidos e das instituições
internacionais de financiamento para adotar as chamadas “boas práticas” resumidas no
Consenso de Washington, o autor afirma que esses mesmos países desenvolvidos não
alcançariam sua atual posição caso seguissem as práticas que hoje recomendam.
O autor cita o economista alemão Friedrich List como sendo o pai do argumento de que
a indústria nascente de um país só consegue se desenvolver a partir da intervenção
protetora do Estado. Seu livro “The National System of Political Economy” (1841) é o
principal libelo nesse sentido. É de List a ideia de que os países, após usarem uma série
de políticas protetoras da sua indústria a fim de alcançarem o desenvolvimento, “chutem
a escada” para que outros não a sigam pelo mesmo caminho e se tornem seus
concorrentes. Foi o que fez, primeiro, a Grã-Bretanha, no século XIX, e, depois, os
Estados Unidos, no século XX. Ou seja, após usarem intensamente políticas
protecionistas e intervenções estatais, passaram a condenar essa prática para outros
países.
O autor busca distinguir a metodologia usada por List, baseada na busca de modelos
históricos reais e sua aplicação a problemas contemporâneos reais, e a metodologia da
economia neoclássica, baseada em modelos abstratos e situações de equilíbrio ideal e
irreal. Aqui, Chang faz uma conexão interessante entre esse método mais realístico e o
Institucionalismo Original (que se distingue da Nova Economia Institucional, de nomes
como Coase, Williamson e North). Chang afirma que esse método era próprio da Escola
Histórica Alemã (que influenciou nomes como Karl Polanyi), que tinha entre seus
expoentes nomes como Werner Sombart e Karl Knies. Se Knies não conseguiu
catequizar para o método histórico alunos que se tornaram nomes consagrados da
Escola Neoclássica como Alfred Marshall e John Clark Bates (que, por sua vez, não
conseguiu catequizar ao neoclassicismo seu aluno, Thorstein Veblen, o maior nome do
Institucionalismo Original), teve também como aluno Richard Ely, que foi professor de
John Commoms, que, junto com Veblen e Wesley Mitchel, forma a santíssima trindade
do Institucionalismo Original.
Além da vinculação entre a Escola Histórica Alemã e o Institucionalismo Original,
Chang refere-se ainda a outras linhas importantes de pensamento. Após a Segunda
Guerra Mundial, a questão do desenvolvimento entrou na pauta, dando original à
chamada “Economia do Desenvolvimento”, capitaneada por Arthur Lewis, Walt
Rostow e Simon Kuznets, que desenvolveram teorias sobre os “estágios” do
desenvolvimento. O autor lembra ainda outra figura importante para a discussão, o
historiador russo-americano Alexander Gerschenkron e seu conceito de
“desenvolvimento tardio”, que implicava na necessária intervenção estatal para o
desenvolvimento daqueles países que começaram sua arrancada industrial após a
consolidação dos países desenvolvidos. Duas figuras importantes que foram
influenciadas pelo trabalho de Gerschenkron foram Albert Hirschman e Charles
Kindleberger. O auge da Economia do Desenvolvimento foram os anos 1950 e 1960.
(Com os choques do petróleo em 1973 e 1979 e a eleição dos governos neoliberais de
Tatcher, em 1979, e Reagan, em 1980, baseada na crítica às intervenções estatais, a
Economia do Desenvolvimento perdeu espaço para o neoliberalismo e a metodologia
neoclássica, que ignorava a história).
Chang faz a seguinte distinção entre políticas e instituições: “instituições são
dispositivos mais permanentes, ao passo que as políticas são mais facilmente
cambiáveis.” (p. 23). Outra assertiva importante feita pelo autor é que são as diferenças
entre as políticas industriais, comerciais e tecnológicas que separam os países mais bem
sucedidos na geração de crescimento e mudança estrutural dos demais países. (p. 24).
Por fim, afirma que impedir os países em desenvolvimento de utilizar políticas de
fomento à indústria nascente constitui grave limitação à sua capacidade de gerar
desenvolvimento econômico (p. 26).

Capítulo 2 – Políticas de Desenvolvimento Econômico: perspectiva histórica das


políticas industrial, comercial e tecnológica.
Um dado interessante desse capítulo é o diagnóstico de Bhagwati, trazido pelo autor, de
que uma das mudanças mais simbólicas que mostram a adoção, pelos países em
desenvolvimento, do ideário neoliberal, foi a aplicação desse ideário durante o governo
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), pelo fato do mesmo ter sido um dos
expoentes da Teoria da Dependência até os anos 1980.
Segundo o autor, durante o fim do século XIX houve um período em que prevaleceram
regimes liberais de comércio. Esse movimento iniciou-se em 1849 com a abolição das
Corn Laws pela Inglaterra, eu já havia alcançado a supremacia econômica. Entre 1860 e
1880, outros países seguiram a mesma linha. A exceção foram os Estados Unidos, que
continuaram com tarifas de importação proibitivas para o comércio. O autor destaque
que, mesmo as intervenções estatais sendo bastante restritas para os padrões modernos,
os Países Atualmente Desenvolvidos (PADs) usaram ativamente políticas industrial,
comercial e tecnológica. Entre essas medidas estão subsídios e financiamento públicos,
além do não-reconhecimento de patentes estrangeiras. Alcançando a fronteira
tecnológica com essas políticas, o passo seguinte desses países é utilizar políticas que
impeçam que os outros países os sigam. Medidas como a proibição de transferência de
conhecimento entre os países, com controle da migração de profissionais especializados
e de exportação de maquinaria, além como a abertura, muitas vezes à força, de
mercados nacionais, inibindo a produção nacional.
O autor passa então a avaliar estratégias de catch-up (ou seja, estratégias dos países
mais atrasados para alcançar os mais avançados) de vários países:

1. Grã-Bretanha
Ao sair do período feudal (séculos XIII e XIV), a Grã-Bretanha tinha uma
economia atrasada em relação a centros como as cidades de Bruges e Flandres,
na região que viria a ser conhecida como Países Baixos. O primeiro exemplo de
incentivo estatal para o desenvolvimento da indústria nacional veio no século
XIV, com o Rei Eduardo III (1327-77) que fomentou com diversas medidas a
indústria têxtil inglesa no sentido de alcançar o sucesso dos tecelões de Flandres.
O impulso oficial continuou com os Tudor (Henrique VII e Elizabeth I, nos
séculos XV e XVI). Já no século XVIII, a reforma da legislação mercantil pelo
premiê britânico Robert Walpole intensificou mais ainda o fomento a indústria
manufatureira. Mesmo após a Revolução Industrial, na segunda metade do
século XVIII, com a Inglaterra ampliando a sua liderança tecnológica sobre os
demais países, ela só começou a reduzir seu protecionismo um século depois,
com a revogação das Corn Laws, em 1846, processo que se consolidou com a
assinatura do acordo anglo-francês de livre comércio, em 1860. Cabe notar, no
entanto, que apenas 20 anos depois, em 1880, fabricantes ingleses já cobravam
do governo novas proteções. Movimento nesse sentido foi feito em 1903, com a
Liga pela Reforma Tributária, liderada por Joseph Chamberlain. Finalmente, as
tarifas protecionistas foram reinstituídas em 1932.

2. Estados Unidos
A questão do protecionismo nos Estados Unidos é tabu. Não obstante o
historiador econômico Paul Bairoch afirmar que os EUA são “a pátria-mãe e o
baluarte do protecionismo moderno”, Douglas North, nome consagrado da Nova
Economia Institucional afirma que, apesar das tarifas terem se tornado cada vez
mais protecionistas após a Guerra da Secessão (1861-1865), é questionável
afirmar que elas favoreceram significativamente a expansão da manufatura. O
autor, no entanto, não tem dúvida da importância das políticas protecionistas
para o desenvolvimento industrial dos EUA.
Chang afirma que, após a independência americana (1776), havia o conflito
entre o sul agrário, que defendia o livre comércio para favorecer a venda dos
seus produtos agrícolas, e o norte manufatureiro, que defendia o protecionismo
para favorecer a indústria nascente. Esse argumento tinha como grande defensor
Alexander Hamilton, um dos pais fundadores dos EUA e secretário do tesouro
americano de 1789 a 1795. O autor lembra que, pelo Relatório do Tesouro sobre
as Manufaturas, de 1791, seria Hamilton e não List (cuja obra é de 1841) o
pioneiro na defesa da indústria nascente. Até 1812, as tarifas de importação
ainda não correspondiam àquelas pensadas por Hamilton para proteger a
indústria. Com a Guerra contra a Inglaterra, iniciada em 1812, as tarifas foram
aumentadas, inicialmente para cobrir os gastos de guerra. O aumento das tarifas
e a própria guerra diminuíram significativamente as importações, o que
favoreceu o fortalecimento da produção manufatureira nacional. Assim, em
1816, após o fim da guerra anglo-americana, sob pressão das novas forças
manufatureiras, foi sancionada a lei que mantinha o padrão tarifário elevado,
agora já não mais tendo os custos de guerra como motivador e sim o fomento à
indústria nacional. A tensão entre o sul livre-cambista e o norte protecionista
pressionava as tarifas para cima e para baixo, mas novas elevações ocorreram
em 1824, 1832 e 1846. A partir dai, houve uma redução nas tarifas, o que
caracterizou o período como de “protecionismo moderado” (Paul Bairoch). A
vitória de Lincoln, em 1860, foi a vitória do discurso protecionista de Henry
Clay e do “sistema americano” de fomento à indústria nacional, em oposição ao
“sistema britânico” de livre-comércio. Com a Guerra da Secessão (1861-1865),
novo aumento de tarifas reformou o protecionismo, desta vez sob justificativa
dos gastos de guerra do governo. Da mesma forma que no fim da guerra anglo-
americana, as tarifas foram mantidas no mesmo patamar, agora não mais com a
finalidade de financiar os esforços de guerra e sim com fins claramente
protecionistas. Em 1913, com a vitória dos democratas, começou-se um
movimento no sentido de reduzir as tarifas. Porém, a Primeira Guerra Mundial
reduziu o seu impacto real no sentido de aumentar o livre-comércio. Finalmente,
como resposta à Grande Depressão de 1929, promulga-se a tarifa Smoot-
Hawley, que manteve as tarifas altas. Só depois da Segunda Guerra Mundial e
com a supremacia econômica garantida, tal qual a Inglaterra, em 1846, é que os
Estados Unidos aderem mais fortemente ao livre-comércio.
O autor faz ainda três importantes observações a respeito dos Estados Unidos.
Primeiro, que entre os anos de 1830 e 1910, os períodos de maior crescimento
da economia americana foram justamente aqueles onde houve mais
protecionismo (1870 a 1910, período em que as altas tarifas cobradas durante a
Guerra da Secessão foram mantidas para fins protecionistas). Segundo, que
mesmo após a Segunda Guerra Mundial, quando o uso de tarifas protecionistas
foi abolido porque os EUA já tinham alcançado a supremacia econômica, essa
supremacia foi mantida também por intervenções governamentais mais indiretas,
como o financiamento de P&D através do complexo militar-industrial (que
levou a descobertas comerciais como computadores e internet) e nos setores
farmacêutico e biotecnológico, através dos Institutos Nacionais de Saúde.
Terceiro, que além das práticas protecionistas, os Estados Unidos também foram
berço de toda uma literatura acadêmica de apoio à proteção da indústria
nascente. Além dos já citados Alexander Hamilton e Henry Clay, o autor cita
nomes como Daniel Raymond (que influenciou o próprio List) e Henry Corey,
considerado por Marx e Engels o único economista americano relevante dos
anos 1850.

3. Alemanha
Diferentemente da imagem protecionista que tem, a Alemanha é apontada pelo
autor como tendo uma influência muito menor do protecionismo tarifário no seu
desenvolvimento econômico. A tarifa aduaneira foi moderada até 1834, quando
subiu por conta da criação da União Aduaneira. Em 1862, com o acordo de
livre-comércio com a França, e em 1870, com a redução da alíquota do aço, as
tarifas iniciaram um movimento de redução generalizada. Esse movimento foi
detido por Otto Bismarck, em 1879, que aumentou muito as tarifas, como
resultado da aliança entre a aristocracia rural e o empresariado da indústria
pesada. Porém, fora esse aumento, não houve proteção adicional, senão à
agricultura e alguns setores-chave da indústria pesada.
Porém, o uso pouco significativo da proteção tarifária não revela uma visão
laissez-faire do governo alemão. Outras medidas, principalmente intervenções
governamentais de concessão de monopólios, subsídio à exportação e
recrutamento de mão-de-obra especializada foram usadas para fomentar a
indústria nacional. Entre o fim do século XVIII e começo do século XIX,
empresários-burocratas dinâmicos como Graf von Reden e Peter Beuth
beneficiaram-se do apoio governamental, inclusive para fazer espionagem
industrial e copiar tecnologias estrangeiras, a fim de garantirem o avanço da
indústria alemã. Outras duas intervenções governamentais ajudaram
indiretamente a indústria nacional: o financiamento estatal das rodovias e a
reforma educacional, que direcionou o ensino para a ciência e a tecnologia. A
partir de 1840, com a indústria nacional mais consolidada, o governo alterou o
foco de seu apoio, deixando de ter um papel mais diretivo e assumindo um papel
mais orientador.
No período do Segundo Reich (1870-1914), o desenvolvimento do setor privado
e o fortalecimento da aristocracia rural na burocracia estatal levou à
desarticulação da capacidade interventora do Estado alemão. Por outro lado, o
proteção tarifária levou à formação de cartéis, o que permitiu um aumento na
capacidade de investimento privado, gerando uma indústria inovadora.

4. França
A França, segundo o autor, também é sempre apresentada como
intervencionista. Porém, essa conclusão aplica-se ao período pré-revolucionário
e ao pós-Segunda Guerra Mundial. Antes da Revolução (1789), a política
econômica francesa foi caracterizada pelo colbertismo (alusão a Jean-Baptiste
Colbert, ministro da fazenda de Luís XIV) altamente intervencionista. Somente
após a Revolução e com a queda de Napoleão, é que a França adota um regime
de laissez-faire que perdurou até a Segunda Guerra. Assim, se considerado um
período de 1821 a 1913, a Inglaterra teve tarifas protecionistas maiores do que a
França na maior parte do tempo (de 1821 a 1875), o que nega a ideia da França
como Estado caracteristicamente intervencionista em comparação com a
Inglaterra. A exceção dessa fase liberal da França, o período de Napoleão III
(1848-1870), foi marcado por várias medidas de incentivo à indústria e registrou
a única fase de crescimento do período. Já em 1860, com a assinatura do tratado
de livre-comércio com a Inglaterra, o liberalismo sentou raízes. Essas só seriam
revistas após a Segunda Guerra Mundial, quando o Estado francês adotou uma
política industrial e , com isso, conseguiu ultrapassar a Inglaterra em termos
produtivos.
5. Suécia.
Outro país que, como a Inglaterra, é considerado um exemplo de economia
liberal, a Suécia, segundo o autor, também não passou incólume à adoção de
práticas protecionistas e de apoio à indústria local. Em 1816, foi promulgada
uma lei tarifária fortemente protecionista. De 1830 a 1875, essas tarifas foram
sendo reduzidas. Porém, já em 1880, voltaram a crescer e em 1930 a Suécia era
o segundo país de maior proteção à indústria (perdendo apenas para a Rússia).
Segundo o autor, foi essa proteção proporcionou o crescimento da economia
sueca nas décadas seguintes. Além dos tradicionais subsídios e tarifas
protecionistas, o autor chama atenção para outro método característico do apoio
governamental à indústria nacional: as parcerias público-privadas, mais
significativas que as tradicionais práticas colaborativas alemãs. Chang afirma
que essas parcerias resultaram em gigantes como a ERICSON e a ASEA. Essa
política de parceria teve sua manifestação política na eleição do Partido
Socialista em 1932 e da celebração do pacto histórico entre sindicatos e
associações patronais. (Certamente próximo à ideia de corporatismo defendida
por Phillipe Schmiter e de autonomia enraizada, defendida por Peter Evans). Foi
essa associação entre patrões e empregados que levou ao sucesso da indústria
sueca após a Segunda Guerra Mundial.

6. Bélgica
A Bélgica também é apontada como um país caracterizado pelo livre-comércio,
graças à sua supremacia tecnológica em algumas indústrias já no início do
século XIX. De fato, o autor reconhece que, de 1860 até a Primeira Guerra
Mundial, a Bélgica exibiu um regime fortemente livre-cambista. Porém, a
supremacia tecnológica que permitiu isso deriva de forte protecionismo e apoio
à indústria local nos anos anteriores. Durante todo o século XVIII e até a década
de 1850, a Bélgica foi sede de várias medidas de proteção à industrial nacional.

7. Holanda
A Holanda teve ao longo do século XVII uma supremacia naval e comercial que
rivalizava com a britânica. Porém, não transformou isso em supremacia
industrial, como fez a Inglaterra. O autor enumera várias razões para isso,
inclusive a proposta por List de que a Holanda não foi capaz de criar as
instituições e políticas públicas necessárias ao desenvolvimento industrial. O
único momento de exceção a essa paralisia da indústria holandesa foi durante o
reinado de Guilherme I (1815-1840), que lançou mão de várias medidas de
apoio à indústria nacional. Em 1840, o país retornou à política laissez-faire, só a
abandonando após a Segunda Guerra Mundial, quando passou a praticar,
sobretudo após 1963, uma política industrial ativa.

8. Suíça
A Suíça é caracterizada por uma industrialização muito precoce, logo depois da
Revolução Industrial inglesa. Assim, passou a desenvolver tecnologias que a
colocaram na vanguarda de algumas indústrias, o que, entre outros fatores, como
a exiguidade territorial, teria desestimulado o uso de políticas protecionistas.
Apesar dessa característica livre-cambista, o autor chama atenção para o fato da
Suíça não ter adotado uma lei de patentes, medida que beneficiou a indústria
local, que roubava tecnologia da Alemanha para proporcionar vantagens
competitivas industriais.
Após falar desses países individualmente, o autor começa a tratar de grupos de países,
iniciando pelo Japão e os Novos Países Industrializados do Extremo Oriente. No caso
do Japão, destaca-se a abertura forçada do seu comércio pelos Estados Unidos em 1854.
Mesmo com a Revolução Meiji (1868) abrindo caminho para a modernização do país,
esse não pode usar a proteção tarifária, por conta dos acordos comerciais firmados em
1858 e que perduraram até 1911. Porém, o governo lançou mão de outras medidas de
proteção à indústria nacional. A primeira delas foi a criação de empresas estatais em
quase todos os setores industriais. Mesmo sendo posteriormente vendidas para o setor
privado, tais empresas continuaram recebendo apoio do governo. Apesar do fraco
desempenho dessas empresas estatais, pesquisadores como Thomas Smith afirmam que
elas foram importantes para criar uma cultura industrial e lançar as sementes das
indústrias-chave do futuro japonês. O Estado também investiu na construção de
infraestruturas para facilitar o desenvolvimento industrial. Além disso, investiu na
transferência de tecnologias e na contratação de consultores estrangeiros. Cabe destacar
também a incorporação de diversas instituições voltadas para o desenvolvimento
industrial que, apesar das diferentes origens nacionais, foram sendo adaptadas ao
modelo japonês de desenvolvimento.
Com o fim dos acordos comerciais, em 1911, o governo japonês promoveu uma ampla
reforma tarifária de cunho protecionista. O autor destaca que, a exemplo da Alemanha e
da Suécia do fim do século XIX e começo do século XX, o Japão optou por uma
proteção tarifária seletiva (mantendo uma tarifa média moderada e tarifas altas para
algumas indústrias-chave) ao invés de uma proteção tarifária genérica, como Estados
Unidos, Rússia e Espanha, no mesmo período. A partir de 1920, o governo passou a
incentivar as fusões e a formação de cartéis para evitar a concorrência predatória e
ganhar economias de escala. A partir da década seguinte, em função da crise econômica
de 1929 e dos esforços de guerra, o Estado passa a intervir ainda mais na economia,
criando as bases do que seria a sua política industrial no pós-guerra. Com essa política,
o Japão alcançará um crescimento extraordinário até a década de 1970.
Segundo o autor, há um forte debate sobre as causas do crescimento econômico japonês
e dos demais países asiáticos. Segundo ele, a conclusão desse debate é que, com
exceção de Hong Kong, todos os demais países se beneficiaram de políticas industriais
ativas. Outra conclusão é de que os países asiáticos não copiaram simplesmente as
políticas industriais usadas anteriormente pelos países desenvolvidos. Essas políticas
foram aprimoradas pelos países asiáticos, atuando o governo de forma muito mais
coordenada que os daqueles países. Por fim, uma última diferença foi a ênfase dada nos
países asiáticos à qualificação do capital humano, através da educação. Sem entrar em
maiores detalhes, o autor também rebate as críticas de que as crises econômicas que
atingiram a Ásia na década de 1990 foram resultados das políticas industriais ativas
utilizadas após a Segunda Guerra Mundial. O autor mostra diversas evidências que
negam qualquer relação de causa e efeito entre as políticas industriais e a crise asiática.
A seguir, o autor avalia a relação da Grã-Bretanha com as suas colônias e as medidas
tomadas para impedir o avanço destas. Primeiro, estimulava-se a produção primária nas
colônias a fim de que a manufatura fosse desestimulada do ponto de vista econômico.
Além disso, algumas atividades manufatureiras eram proibidas de serem exercidas nas
colônias. Naquelas atividades de manufatura que não eram proibidas, proibia-se a
exportação para a Grã-Bretanha, se essas representassem concorrência para as indústrias
inglesas. Por fim, as colônias eram proibidas de usarem tarifas protecionistas.
Para além das colônias britânicas, o autor dedica-se a estudar como os PADs impediram
o avanço industrial de outros países. A principal estratégia era a imposição, aos países
menos desenvolvidos, de acordos de livre-comércio desfavoráveis. O autor chama a
atenção para semelhança entre a imposição de baixas tarifas no passado e a “sugestão”
atual das agências de desenvolvimento de que os países endividados baixem suas tarifas
para, estimulando o livre-comércio, melhorarem o seu desempenho.
O autor dedica-se também ao estudo das tentativas inglesas de impedir o avanço dos
próprios concorrentes europeus. Essas tentativas não lançavam mão de medidas tão
abusivas quanto a imposição de acordos comerciais desfavoráveis, mas sim de medidas
mais internas, como o controle à emigração de profissionais especializados (que
levavam para outros países os segredos tecnológicos ingleses) e a exportação de
maquinaria (com o mesmo fim de impedir o conhecimento da tecnologia). A resposta
das nações menos desenvolvidas foi incentivar a espionagem industrial e todo o tipo de
subterfúgio para conseguir acesso ás tecnologias britânicas. Na metade do século XIX,
com o avanço das tecnologias inglesas, essa não poderia mais ser transferida mediante
trabalhadores especializados ou mesmo através da importação de maquinaria, o que
levou a Grã-Bretanha a abolir as restrições a esta movimentação. A única forma de
transferência passou então a ser diretamente através do dono da tecnologia, mediante as
regras de patente. Isso levou à formação do primeiro regime de patentes, com as
convenções de Paris (1883) e de Berna (1886) sobre a propriedade dos direitos
internacionais, já sobre pressão não só da Grã-Bretanha, mas de outros países
tecnologicamente avançados, como Estados Unidos e França. A instauração desse
regime não impediu, no entanto, que patentes fossem quebradas, mesmo em países
desenvolvidos, ainda no século XX.
Após esses exames das estratégias de desenvolvimento industrial de países ou grupo de
países, o autor passa a enumerar os mitos e fatos acerca dessas estratégias:
1. Fato – quase todos os países bem-sucedidos valeram-se de políticas industriais
ativas quando estavam em processo de desenvolvimento;
2. Fato - Suíça e Holanda desenvolveram-se com políticas francamente liberais;
3. Mito – Grã-Bretanha, Suécia e Estados Unidos como exemplos de livre-
cambismo;
4. Mito – França e Alemanha como exemplos de intervencionismo estatal;
5. Fato - O Japão teve o seu intervencionismo estatal limitado por restrições
externas (acordos de livre-comércio que proibiam a proteção tarifária);
6. Fato – apesar de usarem políticas industriais ativistas para alcançarem o
desenvolvimento, os PADs advogam políticas exatamente contrárias (livre-
comércio) para que os países em desenvolvimento.
O autor inicia a conclusão do capítulo afirmando que apesar da influência da proteção
tarifária à indústria nascente para o desenvolvimento industrial dos PADs, o uso de
diferentes arranjos de medidas variadas (subsídios, parcerias, investimento em
educação, etc) faz com que não se possa falar em uma “receita universal” de
desenvolvimento industrial. Outra conclusão interessante é que, por um lado, ao mesmo
tempo em que as políticas industriais ativas de outrora eram muito primitivas se
comparadas com aquelas que são possíveis hoje, esse conjunto mais sofisticado de
políticas industriais ativas contemporâneas são justamente as que estão sendo proibidas
pelos organismos internacionais, como a OMC. Mas, por outro lado, como a distância
entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento é muito mais agora do
que no início da utilização de políticas industriais ativas, essas precisariam ser muito
mais intensas hoje do que antigamente.

Capítulo 3 – Instituições e Desenvolvimento Econômico: a “boa governança” na


perspectiva histórica.
O autor inicia comentando a pressão dos países desenvolvidos e das organizações
financeiras internacionais para que os países em desenvolvimento adotem as chamadas
“instituições de boa governança”. Essas reúnem questões como: democracia; burocracia
e judiciário limpos e eficientes; forte proteção ao direito de propriedade privada
(inclusive intelectual); boa governança empresarial (divulgação de informações e
existência de uma Lei de Falências); e instituições financeiras bem desenvolvidas. Ao
lado dessas, mas menos citadas, estão condições como um bom sistema financeiro
público e boas instituições previdenciárias e trabalhistas.
Diante das críticas quanto a adoção à força dessas instituições pelos países em
desenvolvimento, o autor se pergunta qual a melhor alternativa para desenvolver
instituições de boa governança adaptadas à natureza de cada país. A primeira alternativa
seria descobrir quais são as instituições adequadas. Porém, isso nem sempre dá certo,
como mostra a experiência de ajuste estrutural tanto em países latino-americanos como
nas antigas economias socialistas. Uma segunda opção seria deixar que as instituições
se desenvolvessem naturalmente, de acordo com o avanço de cada país. No entanto, isso
pode demorar mais do que os países em desenvolvimento estão dispostos a esperar,
além de não haver certeza do desenvolvimento das melhores instituições, por conta de
fatores externos que influencia o desenvolvimento nacional. A terceira opção é a
defendida pelo autor, qual seja, a de aprender com a história das nações desenvolvidas.
Assim, o autor propõe estudar o desenvolvimento de cada um dos itens das chamadas
“instituições de boa governança” nos PADs:
1) democracia. O autor afirma que a história ensina que esta a democracia fortalece o
desenvolvimento econômico. No entanto, lembra que o caminho de consolidação da
democracia nos PADs foi tortuoso e conviveu durante muito tempo com fraudes e
processos eleitorais seletivos. Em comparação, a evolução da democracia dos países em
desenvolvimento foi bem menos acidentada.
2) burocracia. Ter uma burocracia eficiente é condição para o desenvolvimento
econômico. O conceito de burocracia eficiente, no entanto, não é unívoco. Inicialmente
o conceito estava vinculado à linha weberiana, de uma burocracia rígida, com carreiras
de longo prazo e uma condução estritamente normativa. Mais recentemente, a chamada
Nova Administração Pública vem pleiteando uma burocracia mais flexível, focada em
resultados, em carreiras mais curtas. Independente da concepção de burocracia eficiente,
o fato é que a evolução dessa nos PADs também foi tortuosa. Assim, essa evolução foi
marcada pela venda de cargos públicos e o tratamento desses como propriedades
pessoais e privadas. Além disso, eram comuns casos de distribuição de cargos a
correligionários e nepotismo. Essa situação perdurou entre os PADs até fins do século
XIX. Algumas mudanças pioneiras no sentido de modernizar e profissionalizar a
burocracia começaram a ocorrer ainda no século XVIII, na Prússia de Guilherme I, em
1713. Na Grã-Bretanha, as mudanças só começaram a aparecer em 1860 e nos Estados
Unidos, em 1880.
3) judiciário. A discussão do Judiciário independente como condição para o
desenvolvimento econômico não é tão unívoca quanto as anteriores. O autor aponta que
um Judiciário muito independente sofre de escassez de legitimidade democrática, o que
faz com que alguns países como os Estados Unidos opte por elegerem parte dos seus
funcionários judiciários. Para o autor, a qualidade do Judiciário não deve ser visualizado
apenas na sua independência em relação ao governo, mas sim no profissionalismo dos
seus membros, na qualidade dos seus julgamentos (que não devem estar atrelados
apenas ao império da lei, mas deve considerar também valores sociais mais amplos) e
no custo de administração do sistema. Segundo o autor, um Judiciário de qualidade, sob
qualquer aspecto, esteve longe da realidade dos PADs até o fim do século XIX e mesmo
no início do século XX.
4) regimes de direito de propriedade. O autor inicia questionando a ideia de que a
qualidade desses regimes está na inviolabilidade dos direitos de propriedade, uma vez
que historicamente a preservação desses direitos já se mostrou nociva ao
desenvolvimento, assim como a sua quebra já se mostrou positiva. Assim, importa
menos para o desenvolvimento a proteção absoluta de todos os direitos de propriedade
do que a definição adequada de quais direitos devem ser protegidos e sob que condições
essa proteção deve ocorrer. Ainda discutindo os regimes de direito de propriedade, o
autor afirma que o primeiro sistema de patentes foi criado em Veneza, em 1474. Esse,
como os outros que o seguiram, eram extremamente falhos na definição da
originalidade que se queria proteger. Apesar disso, com a difusão pelos países, começou
a pressão por um regime de propriedade intelectual internacional. Apesar da criação
desse sistema internacional, a violação de patentes ainda era rotineira entre os PADs em
pleno século XX.
5) governança empresarial. O autor inicia questionando a ideia de que a
responsabilidade limitada, inventada para estimular investimentos arriscados, seja
favorável ao desenvolvimento econômico, uma vez que podia estimular o risco
excessivo (denominado hoje “risco moral”). Apesar desse estímulo perigoso, a
responsabilidade limitada foi adotada por praticamente todos os países como uma
condição para o seu desenvolvimento econômico. Em 1811, os Estados Unidos
aprovaram a primeira lei de responsabilidade generalizada. Em 1822, a primeira
sociedade por cotas de responsabilidade limitada foi fundada na Bélgica. A prática
seguiu com a Suécia (1844) e a Inglaterra (1856). Ainda com relação à governança
empresarial, o autor fala da instituição da Lei de Falências. O modelo de lei de falência
ideal também não é unívoco, havendo o modelo americano, que favorece o devedor; o
modelo inglês, que favorece o credor; e o modelo francês, que favorece o empregado.
Porém, concorda-se que ter uma lei de falências eficiente é condicionante para o
desenvolvimento econômico. Inicialmente, a lei de falência foi pensada para proteger o
credor do empresário inescrupuloso e desonesto. Porém, com sua evolução, a lei de
falência passou a integrar a ideia de que fatores externos ao empresário podem leva-lo à
falência, sendo também desenhada para salvaguardar o empresário. Essa mudança no
viés da lei (de socialização dos riscos da atividade empresarial) foi, segundo o autor, tão
importante quanto a invenção da responsabilidade limitada para a dinamização da
economia. Ainda no mesmo tópico, o autor trata da divulgação de informações. Apesar
do consenso em torno da importância da transparência empresarial para o
desenvolvimento econômico, as instituições criadas pelos PADs nesse sentido
continuavam péssimas em pleno século XX. Exemplos de leis que criaram boas
instituições de transparência foram as da Alemanha (1884), da Noruega (1910), dos
Estados Unidos (1933) e da Inglaterra (1948). O último subitem do tópico da
governança empresarial é a lei de concorrência. Leis antitrustes realmente eficientes só
apareceram no século XX nos PADs. Nos Estados Unidos, apesar do Sherman Antitrust
Act ser de 1890, sua aplicação só se efetivou com Roosevelt, em 1902. Na Alemanha, a
lei efetiva veio apenas em 1933; na Inglaterra, em 1956; e na França, em 1986. Leis que
procuravam antes monitorar o comportamento monopolista do que impedi-lo são
exemplificadas pelas leis norueguesa (1953) e dinamarquesa (1955).
6) instituições financeiras. O desenvolvimento das instituições financeiras nos PADs
foi extremamente tardio, só se podendo falar de um sistema bancário integrado em
meados do século XX. Foi só nesse período que os bancos assumiram a função de
instituições profissionais de crédito, pois, até então, esse era concedido mais com base
em relações pessoais. Com relação à figura do Banco Central, apesar de ser hoje uma
unanimidade a sua necessidade para o desenvolvimento, isso não era tão óbvio no início
do capitalismo mundial. Muitos achavam que, como a sociedade por cotas de
responsabilidade limitadas, os Bancos Centrais, na condição de salvaguardar o sistema
financeiro, abriria espaço para o risco moral excessivo por parte dos investidores. Dai a
sua instituição também ter sido demorada nos PADs. O primeiro BC foi o sueco (1688),
porém só passou a funcionar como tal (com monopólio da emissão de moeda) em
meados do século XIX, mesmo caso dos demais BCs europeus. Nos Estados Unidos,
apesar de formalmente criado em 1913, o BC (Federal Reserve) só passou a atuar
realmente após a Crise de 1929. Quanto à regulamentação de títulos, apesar de Keynes,
entre outros, argumentar que o capitalismo funciona melhor quando o mercado de
capitais tem um papel secundário, hoje a ortodoxia afirma que ele é uma peça
fundamental do desenvolvimento. O que torna a tarefa da sua regulamentação ainda
mais importante. As tentativas nesse sentido começaram na Inglaterra (1697), mas
foram fracassando ao longo dos anos. Tentativas mais sólidas ocorreram na esteira da
crise de 1929, tanto nos EUA (1933) quanto na Inglaterra (1939). Por fim, o autor fala
das instituições financeiras públicas. O autor inicia falando das dificuldades tanto dos
PADs, antigamente, quanto dos países em desenvolvimento na atualidade. Esse
dificuldade vinha da falta de legitimidade que a população atribuía aos impostos que
eram cobrados. O Imposto de Renda, por exemplo, foi implantado de forma permanente
na Inglaterra apenas em 1842, sob fortes protestos, Nos EUA, a mesma batalha ocorreu
em 1884, inclusive com a Suprema Corte entendendo ser o imposto inconstitucional.
Assim, esse só seria adotado em 1913.
7) bem estar social e legislação trabalhista. A última das “instituições de boa
governança” discutidas pelo autor, a questão do bem estar entrou na pauta até mesmo de
instituições como o FMI e o Banco Mundial, que entendiam serem elas prematuras para
os países em desenvolvimento por conta de um possível agravamento do déficit público.
Porém, com o aumento das crises econômicas por conta da desregulamentação da
economia, agora tais instituições já afirmam a importância de uma “rede de seguridade”
nesses países. Para além de “paraquedas” em momentos de crise, o autor defende a ideia
de que instituições de bem estar social podem gerar desenvolvimento econômico no
momento em que melhoram a produtividade da força de trabalho, reduzem as tensões
sociais e dão legitimidade e estabilidade ao sistema político, proporcionando um melhor
ambiente de negócios. Apesar desses aspectos positivos, o autor levanta algumas
questões cruciais que devem balizar a construção das instituições de bem estar como o
impacto sobre a autoestima e a ética do trabalho daqueles que recebem os benefícios; a
capacidade de administração justa e eficiente do sistema de benefícios, evitando
fraudes; e a recepção negativa que pode ter a necessidade de criar impostos para
alimentar o sistema de benefícios. Em perspectiva histórica, o autor afirma que até
1870, as instituições de bem estar social dos PADs eram precárias e estigmatizam os
beneficiados, excluindo-os, em alguns casos, do direito a voto, por exemplo. Em função
da pressão das classes populares, da ampliação do sufrágio e da atuação dos sindicatos,
instituições de bem estar mais adequadas foram sendo criadas nos PADs a partir do fim
do século XIX, tendo a Alemanha sido pioneira. No que toca a regulamentação do
trabalho infantil, o autor afirma que hoje a uma pressão grande dos PADs para que os
países em desenvolvimento erradiquem esse tipo de trabalho. Porém, além da hipótese
de tais pressões servirem apenas para estigmatizar os países pobres, criando sanções
comerciais que dificultam ainda mais o seu desenvolvimento, existe o fato de que os
PADs utilizam extensivamente o trabalho infantil no seu processo de desenvolvimento,
levando um tempo muito maior para erradica-lo, não justificando o imediatismo exigido
dos países em desenvolvimento. Tendo decorrido o início da Revolução Industrial (final
do século XVIII até meados do século XIX), foi somente no final do século XIX que
medidas efetivas de erradicação do trabalho infantil passaram a ser aplicadas nos PADs.
Não obstante os EUA tenham sido precoces nessa tentativa (1840), foi somente em
1938 que foi aprovada uma lei efetiva nesse sentido. Quanto à regulamentação da
jornada de trabalho, essa só apareceu de forma efetiva no século XX.
Finalizado esse estudo detalhado de cada instituição, o autor faz uma síntese dos
principais achados quanto à evolução dessas instituições nos PADs, separando as
constatações por fases históricas:
Instituições de Boa 1820 - Começo da 1875 – Aceleração 1913 – Consolidação
Governança Industrialização. da Industrialização da Industrialização
Sufrágio Universal INEXISTENTE INEXISTENTE INCIPIENTE
Burocracia INEXISTENTE INCIPIENTE INEFICIENTE
Profissional (com exceção de
alguns estados
alemães)
Proteção ao Direito INEFICIENTE INEFICIENTE --------------------
de Propriedade
Responsabilidade INCIPIENTE GENERALIZADA --------------------
Limitada
Transparência INEXISTENTE INEXISTENTE INEFICIENTE
empresarial
Lei de Falência INEFICIENTE INEFICIENTE --------------------
Lei de INEXISTENTE INEXISTENTE INEXISTENTE
Concorrência
Bancos Privados INCIPIENTE INCIPIENTE INCIPIENTE
Banco Central INEXISTENTE INEFICIENTE INEFICIENTE
Efetivo
Regulamentação de INEFICIENTE INEFICIENTE INEFICIENTE
Mercado de Capital
Imposto de Renda INEXISTENTE INCIPIENTE INCIPIENTE
permanente
Instituições de bem INEXISTENTE INCIPENTE (com GENERALIZADAS
estar social exceção da
Alemanha)
Obs: Interessante o fato do autor ter dado ênfase ao desenvolvimento do judiciário, mas
não o ter incluído nessa periodização.
O autor passa então a enumerar as hipóteses de causas para um processo tão lento dessa
evolução nos PADs: 1) muitas instituições deixaram de ser adotadas ou, quando o
foram, mostraram-se ineficientes porque eram insustentáveis (não havia recursos
suficientes para administrá-las e impô-las). Por exemplo, instituições de bem estar
social; 2) tornando-se sustentáveis, enfrentaram ainda a resistência daqueles que sairiam
perdendo com a sua institucionalização. Por exemplo, o imposto de renda permanente;
3) superada a resistência mais aguerrida, faltava ainda uma perfeita compreensão da
lógica econômica por trás dessas institucionalizações. Por exemplo, resistência à ideia
do Banco Central pela hipótese de aumento do risco moral; 4) entendida a lógica
econômica; ainda subsistia alguns preconceitos culturais contra certas instituições. Por
exemplo, o voto feminino; 5) por fim, superados os aspectos anteriores, restava o fato
da interdependência institucional, que impedia que uma instituição fosse criada
enquanto outra não fosse. Por exemplo, sem uma cobrança efetiva dos impostos, não há
como pagar uma burocracia profissional; porém, sem uma burocracia profissional, não
há como fazer uma cobrança efetiva de impostos.
Após toda essa análise, a conclusão a que chega o autor é de que, tendo demorado tanto
a evolução institucional nos PADs, não há justificativa para que esses exijam que os
países em desenvolvimento percorram o mesmo caminho em menos de uma década.
Para reafirmar isso, o autor compara, utilizando a renda per capita dos PADs no final do
século XIX e início do século XX e dos países em desenvolvimento no ano de 1992, os
estágios de desenvolvimento institucional em que se encontravam países de nível de
desenvolvimento semelhante (O autor usa renda per capita como nivelador do
desenvolvimento, o que não parece muito adequado quando se tem índices como o IDH.
Talvez a falta de algo como um IDH no final do século XIX leva-se a escolha de um
índice mais generalizável historicamente). Por exemplo, a Grã-Bretanha de 1820 tinha
uma renda per capita ligeiramente superior a da Índia de 1992. Porém, quando se
compara a existência e efetividade das instituições de boa governança nos dois países, a
Grã-Bretanha fica bem abaixo da Índia. O mesmo acontece quando se compara a Itália
de 1875 com o Paquistão de 1992 ou os EUA de 1913 com o México de 1992. Assim,
os PADs conseguiram se desenvolver partindo de um patamar institucional muito inferir
ao que hoje eles querem impor como condição inicial para os países em
desenvolvimento, sendo que estes já dispõem de uma estrutura que eles não tinham
quando começaram seu processo de desenvolvimento.
Capítulo 4 – Lições para o Presente.
O autor inicia apontando que o problema comum enfrentado pelas economias em catch-
up é que a passagem para atividades de maior valor agregado não ocorrem
naturalmente, uma vez que existem discrepâncias entre o retorno social e o retorno do
investidor quando esse investe em atividades de ponta. Dai a necessidade de criar
instituições que reduzam essa discrepância (quando o Estado oferece garantias ao
investimento privado) ou, no limite, a elimina (quando o Estado assume a atividade
diretamente). Porém, soluções institucionais gerais podem não dar o resultado esperado
no tempo desejado, o que faz o autor defender uma política de intervenção mais
enfocado e ágil. Para ele, os países bem sucedidos são justamente os que adaptam suas
políticas às mudanças de situação.
Afirma ainda que, se os PADs usaram políticas intervencionistas, a sua recomendação
de que os países em desenvolvimento hoje devem usar políticas pró-mercado está em
discordância com sua própria história. A hipótese do autor é que a única justificativa
dessa recomendação é que os PADs querem, na verdade, “chutar a escada” por onde
subiram, impedindo assim que outros países os seguiam. Para rebater essas hipóteses,
teria que haver provas de que as políticas corretas de outrora não mais corretas pois os
tempos mudaram. As duas décadas de fraco crescimento durante as quais os países em
desenvolvimento usaram políticas neoliberais pró-mercado (1980 e 1990) mostram o
contrário, ou seja, que as políticas erradas de outrora continuam erradas atualmente. Por
outro lado, as duas décadas anteriores (1960 e 1970), onde predominaram políticas
intervencionistas (keynesianas nos EUA, de bem estar social na Europa e
desenvolvimentistas no Brasil) mostram crescimento mais alto, ou seja, que as políticas
corretas de outrora se mantém como as políticas corretas ate hoje.
Outro aspecto interessante levantado pelo autor é que as chamadas “instituições de boa
governança” recomendadas pelos PADs como causa do seu desenvolvimento
econômico são, na verdade, consequências desse desenvolvimento. (Além do autor não
detalhar essa assertiva, na página seguinte afirma que os dados históricos mostram que,
efetivamente, ao menos uma parte da aceleração do crescimento dos PADs tenha
ocorrido em razão do aprimoramento da qualidade das instituições.) O autor ressalta
que, não obstante possa se discutir quais são as instituições corretas para cada país e em
cada momento histórico, tudo leva a crer que o aprimoramento das instituições ajuda no
desenvolvimento nacional. O erro estaria em definir a priori quais seriam essas
instituições (Banco Central independente? Proteção rígida ao direito de propriedade
intelectual? etc) e, principalmente, o curto prazo dado pelos PADs para sua absorção
pelos países em desenvolvimento. Porém, para o autor, instituições boas só
funcionariam com políticas boas. Assim, para que as instituições possam resultar em
desenvolvimento, é necessário que sejam direcionadas por políticas voltadas para o
desenvolvimento.
O autor apresenta três objeções que podem ser oferecidas ao seu argumento de que os
PADs, ao recomendarem as “instituições de boa governança” independente dos países
em desenvolvimento terem ou não tem políticas adequadas para seu uso, estão na
verdade “chutando a escada” do desenvolvimento: 1) os países em desenvolvimento são
obrigados a adotar as instituições recomendadas pelos países desenvolvidos por causa
da força econômica e política desses. O autor discorda dessa obrigatoriedade (porém,
não mostra como resistir à força que ele mesmo reconhece que os PADs tem); 2) os
países em desenvolvimento são obrigados a adotar as instituições porque essa é a
vontade dos investidores internacionais, sem os quais, esses países não tem como
sobreviver. Para essa objeção, o autor tem um belo argumento. Ela afirma que se os
investidores condicionassem os seus investimentos à existência das “instituições de boa
governança” recomendadas pelos PADs, eles nunca investiriam numa ditadura como a
chinesa. O que interesse para esses investidores é lucratividade, muito mais atrelada a
fatores como tamanho do mercado e taxas de crescimento do que com a independência
do Banco Central ou com a existência de um judiciário honesto (E quando isso significa
risco de expropriação do capital investido ou interferência política no controle
inflacionário? É discutível que investidores produtivos, que vão aportar capital
significativo em um país não considere tais aspectos). Além disso, a adoção de
instituições deve se basear no que ela representa em termos de desenvolvimento interno
da economia e não em investidores internacionais. Assim, se a institucionalização de
uma proteção rígida de direitos intelectuais vai representar perdas para a economia
nacional, ele não deve ser realizada, mesmo que esse seja o desejo declarado dos
investidores internacionais. Como demostra o argumento anterior, se a economia
crescer, os investidores virão, independente das instituições. (E quando o
desenvolvimento econômico depende do aporte de capital internacional? Mesmo o
Brasil, com enormes recursos, precisou do capital multinacional para dar sua arrancada
econômica. Se a necessidade desse fosse simplesmente ignorada, será que o avanço
econômico seria o memso?) Um terceiro contra-argumento é de que investidores
inteligentes sabem que instituições não funcionam por si só. Se a sua implantação for
exigida em países que claramente não tem condições de, em curto prazo, tirá-las do
papel, o tiro pode sair pela culatra e acabar prejudicando seus investimentos. Por fim,
cabe observar que, ao recomendar um “pacote universal de instituições”, as instituições
internacionais estariam esquecendo o básico: de que cada país vai precisar de
instituições diferentes e vai institucionalizá-las com velocidades diferentes, a depender
do grau de avanço das suas instituições originais. Apostar cegamente numa “receita
pronta” não teria lógica. 3) as “instituições de boa governança” adequadas surgiram
apenas no século XX. Assim, seu desempenho não deveria levar em consideração
processos que ocorreram nos PADs antes da consolidação do padrão adequado dessas
instituições. O autor concorda plenamente com esse argumento. Apenas afirma que,
apesar dos países em desenvolvimento de hoje estarem em situação institucional bem
melhor que os PADs no começo da sua trajetória, não há lógica em afirmar
simplesmente que agora basta os países em desenvolvimento institucionalizarem as
versões adequadas que os PADs levaram décadas ou séculos para alcançar. Se não é
razoável imaginar que os países em desenvolvimento vão demorar 100 a 150 anos para
alcançar o padrão efetivo das instituições dos PADs, imaginar que farão isso em 5 a 10
anos é igualmente inverossímil.
O autor então parte para suas considerações finais. Primeiro, afirma que mesmo
correndo o risco de, como afirmam a ortodoxia liberal, as políticas intervencionistas
degenerarem numa rede de burocratismo e corrupção, isso não deve servir para
condená-las eternamente ao ostracismo. Assim, o autor sugere que os organismos
internacionais como FMI e Banco Mundial não condicionem seu apoio aos países em
desenvolvimento à institucionalização de um conjunto fixo de instituições de boa
governança, devendo observar a realidade de cada país. E, fazendo isso, reconhecer que
países mais atrasados economicamente devem poder lançar mão de políticas mais
intervencionistas, hoje proibidas por esses organismos. Trata-se, ao fim e ao cabo, de
proceder estudos mais detalhados para saber quais as instituições adequadas para o
desenvolvimento de cada país e, uma vez identificadas essas instituições, planejar a sua
implantação dentro de um prazo realístico e não a toque de caixa.

Salvador, 28/12/2011.

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