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Até meados do século XVI os surdos de acordo com Dias (2006) eram vistos

como ineducáveis; em conseqüência disto, considerados como inúteis à


coletividade. Nesse mesmo século encontramos registros das experiências de
Gerolamo Cardano (1501-1576) o qual “concluiu que a surdez não prejudicava a
aprendizagem, uma vez que os surdos poderiam aprender a escrever e assim
expressar seus sentimentos” (JANNUZZI, 2004, p.31). Soares (1999) aponta que
Cardano afirmava que o surdo possui habilidade de raciocinar, ou seja, sua fala e
suas idéias de pensamento podem ser representadas pela escrita, o que demonstra
que a surdez poderia não constituir um obstáculo para o surdo adquirir o
conhecimento que é lhe é transmitido.
Outra experiência educacional muito importante envolvendo surdos foi
desenvolvida pelo monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1510-1584) que é
reconhecido como o primeiro professor de surdos, tinha por objetivo ensiná-los a ler
e escrever. Era herbólogo e também manipulava alguns remédios a base de ervas
com o intuito de “curar” e fazer falar os Surdos (GOMES, 2008). Ele Utilizava, para
educar seus alunos, um alfabeto bi-manual – utilizando ambas as mãos – e alguns
sinais simples. No entanto, Gomes (2008, p.9) afirma que “Dessa forma, com o
alfabeto bi-manual o estudante aprendia a soletrar, letra por letra, qualquer palavra,
mas não a se comunicar”. Reily (2007) comenta como somente os filhos surdos de
famílias que faziam parte da nobreza espanhola eram enviados ao mosteiro
beneditino de São Salvador, para receber o atendimento educacional, enquanto os
surdos que não faziam parte da elite social viviam em miséria, sofrendo de males
como a falta de trabalho e o isolamento social.
Silva (2006) relata que os registros da metodologia de utilizada pelo monge
Ponce de Leon foram perdidos, com a maior parte dos registros sendo somente
relatos de terceiros. De acordo com testemunhas visuais o monge fazia o uso do
alfabeto manual, que seria “um modo de soletrar no ar, formando letras com os
dedos” (PLANN, 1997, p.30). Ele também fazia a divulgação de uma metodologia
de alfabetização fonética, que diminuía o alfabeto para 21 sons, facilitando assim o
ensino dos nomes das letras e valorizando a representação sonora de cada
elemento gráfico (REILY, 2007).
No século XVIII começam a surgir novos educadores de surdos juntamente
com novas metodologias, com destaque para o abade francês Charles Michel de
L'Epée (1712-1789) que por conta da preocupação com questões religiosas
envolvendo a comunidade surda fundou em 1870 na cidade de Paris, um asilo para
pessoas surdas, Sua obra mais importante foi: “A Verdadeira Maneira de Instruir os
Surdos-Mudos”, publicada em 1776, e por tanta luta e sacrifícios, ficou conhecido
como “Pai dos Surdos” (HONORA e FRIZANCO, 2009).. L'Epée acreditava que o
essencial para a educação de surdos era a possibilidade que a utilização da língua
de sinais trazia para a aprendizagem de leitura e escrita, pois essa seria a melhor
maneira de expressarem as suas idéias, devido a mesma ser a essência de seu
processo pedagógico (SILVA et al, 2006). Utilizando como base a observação de
grupos de surdos, L'Epée verificou que eles desenvolviam uma comunicação viso-
gestual e a partir disso desenvolveu um método educacional que chamou de “sinais
metódicos”, um sistema formado com uma combinação de sinais utilizados pelos
surdos e sinais inventados pelo abade. Em 1775 L'Epée fundou em paris a primeira
escola pública para o ensino de pessoas surdas, que em 1791 se tornou o Instituto
Nacional para Surdos-Mudos em Paris.
O congresso de Milão foi uma conferencia internacional de educadores
surdos que ocorreu em 1880, onde foi declarado que a educação oralista era
superior a língua gestual com aprovação de uma resolução que proibia seu uso em
escolas. Os impactos das resoluções do Congresso de Milão foram terríveis para a
comunidade surda no mundo todo, estima-se que já na primeira década após a
realização do Congresso de Milão o ensino das línguas de sinais já se encontrava
quase erradicada das escolas, o que acabou fazendo com que pessoas surdas no
mundo inteiro deixassem as escolas com suas qualificações e com sua
comunicação comprometida. Foi somente um século depois que se iniciou o
processo de rejeição das resoluções do congresso de Milão juntamente da
reestruturação de educação de surdos. Em 2010 no mês de julho, durante o 21°
Congresso Internacional de Educação de Surdos, que foi sedia em Vancouver no
Canadá, ocorreu uma votação formal que rejeitou todas as oito resoluções do
Congresso de Milão.
No Brasil a historia da educação de surdos tem inicio com a criação do
instituto de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES,
que foi fundado em 26 de setembro de 1857, pelo professor surdo francês E. Huet,
que veio ao Brasil por convite do imperador D. Pedro II para trabalhar na área. No
começo os surdos eram educados através do uso de linguagem escrita articulada e
falada, datilologia e uso de sinais, o curso durava seis anos, era oferecida para
alunos homens e mulheres com idades entre sete e dezessete anos. No curso havia
a matéria de leitura labial que era ofertada para os alunos que apresentassem
aptidão para desenvolver a linguagem oral.
INES foi fundado há 152 anos e a presença de narrativas ligadas à memória faz
parte da cultura institucional. A marca de sua longa história é muito forte na
instituição, embora, contraditoriamente, a atenção com a memória oral seja mais
relevante do que com a memória escrita. Muito se perdeu de fontes documentais
matérias, por diversas razões que não cabem aqui serem discutidas (ROCHA,
2010, p.33).

Atualmente existe um grande avanço em relação aos responsáveis pela


instrução de surdos, o que indica uma preocupação do governo com a inclusão,
contudo na época da fundação do instituto de Surdos-Mudos, era feito por
professores ouvintes que não possuíam nenhuma especialização para essa tarefa.
Dado o exposto pode perceber como os principais registros que podem ser
encontrados sobre a historia da educação de surdos, em sua grande maioria são
narrados por ouvintes. Independente da época, a educação de surdos é contada
pouquíssimas vezes pelos protagonistas desta historia, os surdos, que por muitas
vezes se encontram como coadjuvantes de sua própria historia.

Referencias:
DIAS, V. L. L. Rompendo a barreira do silêncio: interações de uma aluna surda
incluída em uma classe do ensino fundamental. 2006. 164f. Dissertação (Mestrado
em Educação) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação,
Rio de Janeiro, 2006.

GOMES, Morgana. Pedagogia no século XVI: Pedro Ponce de Leon. Educativa: a


Revista do Professor. n.3. Edição Especial. São Paulo: Minuano Cultural, 2008.

HONORA, Márcia; FRIZANCO, Mary Lopes Esteves. Livro Ilustrado da Língua


Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com
surdez. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009.

JANNUZZI, G. S. M. A. Educação do Deficiente no Brasil: dos primórdios ao início


do século XXI. 1. ed. Campinas: Autores Associados, 2004,243p

PLANN, S. A silent minority: deaf education in Spain, 1550-1835. Berkeley:


University of Califórnia Press, 1997.

REILY, L. O papel da Igreja nos primórdios da educação dos surdos. Revista


Brasileira de Educação, Rio de janeiro, v.12, n.35, p.308-326, maio/ago. 2007.

SOARES, M. A. L. A educação do surdo no Brasil. Campinas: Autores


Associados/Bragança Paulista, 1999.
SILVA, V. et al. Educação de surdos: Uma Releitura da Primeira Escola Pública
para Surdos em Paris e do Congresso de Milão em 1880. In: QUADROS, R. M.
(Org). Estudos surdos I. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2006. p.324.

LACERDA, C.B.F.de. A prática fonoaudiológica frente as diferentes concepções


de linguagem. Revista Espaço, Instituto de Educação de Surdo, v.10, p.30-40,
1998.

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