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RESUMO
Lenita Maria Rimoli Esteves Este artigo traça um perfil de três editores britânicos por mim
Universidade de São Paulo - USP entrevistados na Inglaterra no segundo semestre de 2013. Como a
lenitaesteves@usp.br investigação está centrada na literatura brasileira traduzida para o
inglês, os editores escolhidos foram obviamente profissionais que lidam
com literatura estrangeira e, especificamente, literatura brasileira.
Talvez não fosse preciso acrescentar que nossa literatura tem pouca
penetração no Reino Unido e que, por isso mesmo, esses editores são
importantes agentes culturais na sua divulgação. Foram discutidos
vários temas, tais como a resistência dos leitores do Reino Unido a
literaturas estrangeiras em geral, a divulgação da literatura brasileira
no mundo britânico, a presença do Brasil como convidado de honra na
Feira do Livro de Frankfurt em 2013 e os incentivos oferecidos pelo
governo federal para a divulgação de obras e autores brasileiros. Em
primeiro lugar traço um perfil individual de cada editor, e em seguida
abordo questões em que as respostas deles convergiram. O trabalho
pretende contribuir para uma visão mais nítida e aprofundada dos
processos de agenciamento na divulgação da literatura brasileira no
exterior. Os principais personagens nessa cena literária são os editores
(tanto brasileiros quanto estrangeiros), agências governamentais,
tradutores e acadêmicos.
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como tema a recepção da literatura brasileira no mundo de língua
inglesa1. Levando em consideração o fato de que nossa literatura tem pouco espaço no
mundo britânico, mas que, em contrapartida, nos últimos anos tem havido um renovado
esforço por parte do governo brasileiro para incrementar a recepção da literatura
brasileira no exterior, a pesquisa teve início em Londres entre agosto e dezembro de 2013.
Durante o período, foram realizadas entrevistas com editores, tradutores e professores
universitários. O que vem a seguir é o esboço de um perfil de editores britânicos que
trabalham com literaturas estrangeiras em termos gerais e com literatura brasileira em
particular.
Outro fato que ficou evidente é a relevância das redes de contatos desses agentes
culturais. Todos eles, sem exceção, realçaram que, para eles, muito mais vale, por
exemplo, num evento como a Feira do Livro de Frankfurt, encontrar um colega (muitas
vezes de outro país) que conheça seus interesses editoriais do que caminhar durante horas
por uma exposição, por mais atraente e formidável que ela seja.
1 Trata-se de uma pesquisa iniciada durante um estágio de pós-doutorado realizado no segundo semestre de 2013.
2 Em entrevista à Agência FAPESP em 19/09/2012, a pesquisadora Marcia Azevedo de Abreu posiciona-se com relação à
posição do Brasil nesse processo de globalização da cultura. A pesquisa da autora sobre a circulação de livros impressos e
traduzidos no século 19 contraria o paradigma do atraso e dependência cultural do Brasil.
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A respeito dos incentivos que estão sendo oferecidos pelo governo federal para a
divulgação de autores brasileiros e suas obras, esses editores enriqueceram uma visão
inicial esquemática. Ficou esclarecido que apoios financeiros como as “bolsas de
tradução”, oferecidas pela Fundação Biblioteca Nacional3, são interessantes, mas não
solucionam o problema da pouca popularidade da literatura brasileira com países
estrangeiros. São necessárias outras medidas de incentivo – que, de certa forma, o governo
já está tomando – e a participação dos autores é fundamental na construção de um público
leitor para ele no exterior.
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se tornaram importantes. Como ela própria narra a Scott Hughes, Calder já havia
publicado um livro do então desconhecido Salman Rushdie, que tinha sido um fiasco de
vendas. Pouco tempo depois, Rushdie lhe entregou o manuscrito de Filhos da Meia-Noite,
obra que ela logo se convenceu de que deveria publicar. Depois de certo esforço para
convencer o editor para quem trabalhava, Calder conseguiu publicar o livro, que ganhou o
Booker Prize, um dos prêmios literários mais cobiçados do Reino Unido (HUGHES, 1997).
Liz Calder, conhecida por seu dom de revelar autores extraordinários, é muitas
vezes celebrada por sua perspicácia nos negócios e pelo bom relacionamento que
consegue desenvolver com os autores que publica (JAGGI, 2005). Ela pode ser classificada
como uma “agitadora cultural”, que atua em várias plataformas para atingir seus
objetivos.
Mas a característica dessa editora que mais importa para o presente trabalho é
sua afeição pelo Brasil, que foi o combustível de várias de suas iniciativas para divulgar a
literatura brasileira no Reino Unido. Liz se declara muito ligada a nosso país, o que a
levou, no início dos anos 2000, a criar a FLIP – Festa Literária de Parati, juntamente com
Luiz Schwarcz, presidente da editora Companhia das Letras. Segundo sugere uma
reportagem do jornal britânico The Guardian, Calder pôde realizar o sonho da FLIP por
causa do sucesso de vendas obtido com a série Harry Potter. Só para se ter uma ideia, em
2003, o quinto livro da série vendeu 1.700.000 cópias no Reino Unido apenas no dia do
lançamento (JAGGI, 2005).
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Em sua entrevista, Bill Swainson também citou Liz Calder como uma grande “fã”
do Brasil e como a fundadora da FLIP e, no ano de 2013 da FLIPSIDE, uma “irmãzinha”
da FLIP realizada em Suffolk na semana anterior à da Feira do Livro de Frankfurt
(SWAINSON, 2013). Esse evento trouxe artistas brasileiros para três dias de atividades
literárias, musicais, gastronômicas, performáticas e cinematográficas que celebravam a
cultura brasileira. Ao que tudo indica, Calder e os organizadores da FLIPSIDE
aproveitaram a vinda dos autores brasileiros para a Feira de Frankfurt e organizaram esse
evento, de que também fizeram parte escritores ingleses. O evento contou com vários
tipos de apoio, entre eles o do Arts Council da Inglaterra, o do British Council, o do
Ministério da Cultura/Fundação Biblioteca Nacional e também o do Ministério das
Relações Exteriores do Brasil.
Calder afirmou considerar esse apoio muito importante, embora ele não cubra
todas as despesas da produção e divulgação do livro. Como ela apontou, mesmo que uma
editora se interesse por literatura estrangeira, ela pode encontrar muitas obras de outros
países já em inglês, o que elimina uma etapa na produção do livro. Assim, livros vindos
da Austrália, da Nova Zelândia, dos países anglófonos da África e do Canadá se tornam
mais viáveis para os editores britânicos.
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necessidade atual de os escritores terem também talentos “performáticos”, para ler com
expressividade trechos de suas obras, debatê-las em público, etc., desfazendo assim a
imagem do autor ensimesmado que se dedica ao seu trabalho na solidão, Calder
respondeu:
Definitivamente sim! No Reino Unido, cada cidade tem sua própria feira literária, e esses
festivais são importantes para a circulação dos livros e a promoção dos autores. Mas
para que esse tipo de evento aconteça, os escritores precisam participar deles, daí a
importância de eles desenvolverem algum tipo de talento performático. Não basta que
um autor fique de pé e leia. Se a pessoa quer vender os próprios livros, ela precisa saber
ler realmente bem e promover o livro de forma adequada. Atuar de uma forma que
coloque o livro em evidência para o público, com um pouco de emoção ou entusiasmo.
(CALDER, 2013, tradução minha).
Christopher MacLehose sempre foi um editor que trabalhou com literatura estrangeira.
Seja por predileção sua, pelas circunstâncias que o envolveram ao longo dos anos, ou uma
mistura dos dois fatores, esse editor tem uma longe experiência com a publicação de
livros estrangeiros. Originado de uma família escocesa com tradição editorial, MacLehose
mudou-se para Londres com a intenção de tornar-se editor. Nessa posição e ao longo de
vários anos, ele foi responsável pela publicação de autores estrangeiros como José
Saramago, Haruki Murakami, W.G. Sebald, Claudio Magris and Javier Marías, além dos
americanos Raymond Carver e Peter Matthiessen. Autores que formam o grupo de
“romances policiais escandinavos” também foram lançados por MacLehose, que trouxe a
público a (então) improvável trilogia Millenium, de Stieg Larsson, espetacular sucesso de
vendas em todo o mundo.
Essa trilogia merecerá nossa atenção logo a seguir. Antes, porém, vale mencionar
que MacLehose fundou há cerca de cinco anos sua própria editora, a MacLehose Press,
que lançou, nesse curto período um livro de Luís Fernando Veríssimo, com o apoio do
programa de bolsas de tradução da Fundação Biblioteca Nacional. Numa trajetória
profissional de mais de 45 anos, Christopher MacLehose parece ter predominantemente,
para não dizer sempre, remado contra a maré. Foi uma pergunta desse teor que abriu a
entrevista, e a resposta dele foi a seguinte:
Sim, ao que parece eu venho há muito tempo publicando contra essa maré conhecida.
Em parte isso se deve ao fato de, antes de me estabelecer como editor, eu ter trabalhado
por alguns anos como um editor de literatura para um jornal, e ali eu tinha a liberdade
de escrever resenhas sobre livros em outras línguas. [...]. Mas quando me tornei editor,
eu trabalhava para um chefe alemão [...] que considerava ler e publicar obras traduzidas
perfeitamente normal, porque todos os editores europeus sempre tinham feito isso. [...].
Mas é verdade que, em determinado momento, talvez por volta de 1975, as editoras
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daqui [do Reino Unido] de certa forma pararam de ler e traduzir e publicar livros do
Continente. […] Eles nunca haviam traduzido de línguas da Índia ou do Extremo
Oriente, como chinês, japonês, coreano, tailandês. A exceção era o russo. Mais pessoas
estavam interessadas em ler literatura russa até os anos 1990, quando tudo mudou na
União Soviética. (MACLEHOSE, 2013, tradução minha).
MacLehose mencionou, num tom meio nostálgico, uma mudança que, segundo
ele, ocorreu em meados dos anos 1970:
Em meados de 1970, de alguma forma as coisas deixaram de ser fáceis, e chegou um
tempo em que o dinheiro começou a desempenhar um papel de controle muito maior na
área editorial. Os editores não publicam mais livros porque acham que devem fazer isso,
e que as pessoas precisam lê-lo. Agora é diferente. Eles fazem cálculos. Uma vez ouvi o
dirigente de uma grande editora explicando, durante uma hora, como ele comprava um
livro e como era preciso passar por vários processos, contadores para lá, contadores para
cá… nove pessoas para examinar isso, 24 pessoas examinando aquilo… e finalmente, um
livro podia ser publicado, mas é claro que muitos outros não eram. Acabou-se o tempo
em que as pessoas tinham paixão. Elas poderiam não ter gosto, mas tinham paixão,
talvez uma paixão rude e não letrada. Hoje em dia há muito poucas pessoas fazendo
isso. (MACLEHOSE, 2013, tradução minha).
Como exemplo de autor que foi publicado e depois de certo tempo alcançou
considerável reconhecimento, MacLehose cita José Saramago. É interessante como se
evidencia, nesse relato, o longo processo de consolidação de um autor em um país
estrangeiro.
Eu penso no caso de Saramago, que já havia sido publicado (pela própria Liz Calder) e
depois recusado por ela, recusado pela editora anterior, a maravilhosa Carcanet de
Manchester. Então um tradutor, Giovanni Pontiero, veio até mim e disse: “Eu acho que
esse livro de Saramago é tão bom que eu o traduzi”. Mas isso é muito raro, Pontiero era
uma pessoa rara, ele era um acadêmico […] E eu li o livro e disse “Giovannni, esse livro
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é extraordinário, mas não acho que ele vai vender muitos exemplares aqui”. “Bem”,
disse ele, “então vou propor para outra pessoa”. E após seis meses eu telefonei para ele e
disse: “Não consigo parar de pensar naquele livro, eu vou publicá-lo. Era O ano da morte
de Ricardo Reis. “Oh”, disse ele, “para mim é um grande alívio, porque mais ninguém
quis publicá-lo”. Então nós publicamos o livro e foi o começo de… não vou dizer o
começo de um grande interesse pela obra de Saramago. E publicamos oito ou nove obras
dele, tentando sempre relançar as obras anteriores, até que ele recebeu o Prêmio Nobel e,
depois disso, em geral as pessoas começaram a prestar mais atenção nele, mas não muita
atenção. Isto é típico da chamada intelligentsia britânica: você não precisa de orientação
do Prêmio Nobel nem da Academia Sueca. (MACLEHOSE, 2013, tradução minha).
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do sueco feita para o inglês. Daí o tradutor disse que queria que seu nome fosse colocado
de volta no volume dois e no volume três, e eu disse, “Não, não posso fazer isso”.
Porque nós nunca mudamos de tradutor e seria extremamente indelicado com o
tradutor cujo nome saiu no primeiro volume se nós fizéssemos a alteração. E o tradutor
americano ficou terrivelmente furioso, e continua até hoje. Furioso e bem de vida,
porque pagamos royalties para ele. E o livro fez um sucesso enorme, estrondoso.
(MACLEHOSE, 2013, tradução minha).
Bill Swainson é mais jovem que os outros editores entrevistados, e parece estar num ritmo
de trabalho mais “moderno” também. Embora tenha sido muito cortês em me receber na
sede da Bloomsbury e tenha passado comigo pouco mais de uma hora, durante a qual
falou sobre vários temas relacionados ao mundo editorial, ele não parecia dispor do
mesmo tempo que Calder ou MacLehose. Sem dúvida, isso se explica porque ele é uma
peça-chave numa editora maior, que tem uma produção muito mais ampla e por isso
exige muito de seus contribuidores em termos de agilidade e eficiência.
A primeira pergunta que lhe fiz foi sobre quais eram exatamente as funções de
um commissioning editor, ao que ele respondeu o seguinte:
Um commissioning editor compra livros em nome da empresa para a qual trabalha. E o
objetivo, no caso da Bloomsbury, é encontrar os melhores livros que você possa e
publicá-los com sucesso tanto em termos comerciais quanto em temos de publicidade.
Talvez possamos dizer que um commissioning editor é meio parecido com um produtor
de cinema. Ele tem a responsabilidade geral de realizar o filme no prazo e no orçamento
estipulados e no mais alto padrão possível. Assim, um profissional desse tipo não
desempenha todas as atividades do diretor ou do profissional que cuida do som ou da
fotografia, mas tem a visão geral de colocar tudo junto num produto só. [...] Na
Bloomsbury, temos cinco ou seis commissioning editors para a seção de adultos, e
publicamos cerca de 45 romances por ano, talvez 40, e mais ou menos seis títulos de não-
ficção. Minha função é fazer uma lista de mais ou menos 20 livros por ano, dos quais
cerca de 15 ou 16 serão títulos de não-ficção, literatura, política, biografias, psicologia,
história natural, uma gama bem ampla. E talvez quatro livros sejam obras traduzidas.
Assim, por exemplo, na próxima primavera, vou publicar o maravilhoso romance de
Judith Schalansky, uma escritora alemã e autora de The Atlas of Remote Islands [O atlas
das ilhas remotas]. Um ano atrás ela publicou um romance na Alemanha intitulado Der
Hals der Giraffe, que em inglês será The Giraffe’s Neck [O pescoço da girafa], e nós vamos
publicá-lo na primavera. No verão publicaremos o excepcional romance de Javier
Cercas, Las Leyes de La Frontera, que em inglês terá o título Outlaws [Foras-da-Lei]. Em
outubro publicaremos uma antologia de novos escritores africanos, que incluirá autores
que escrevem em francês, português e línguas nativas africanas. (SWAINSON, 2013,
tradução minha).
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em inglês ganhou o título de Nothing Holds Back the Night [Nada detém a noite]. E um
romance da brasileira Adriana Lisboa, Azul corvo, que em inglês recebeu o título de Crow
Blue. Ele ainda esclareceu que a editora publica livros da Austrália, da Nova Zelândia, da
China, da Índia, de Bangladesh, do Paquistão, da Irlanda, do Canadá, dos EUA, do
Afeganistão, frisando a preocupação da empresa com a qualidade das traduções.
Fiz então a ele uma pergunta semelhante à feita a Liz Calder, cofundadora da
Bloomsbury, sobre um possível equilíbrio entre livros estrangeiros que têm pouco
prognóstico de boas vendas e obras mais bem-sucedidas. Ou, numa formulação mais
provocadora: por que a editora insiste em obras que provavelmente não terão grande
receptividade no Reino Unido? Abaixo, a resposta.
O principal motivo é que tentamos publicar a melhor lista possível. E temos a sensação
de que a qualidade vai vender. […] Mas, para responder a sua pergunta, por que
publicamos essas obras: publicar qualquer obra de ficção é difícil. Claro que as pessoas
podem ter escritores de thrillers e gêneros ao gosto do grande público, cujas obras vão
vender em grandes quantidades. Mas nos últimos anos arrisco dizer que a cena literária,
a publicação de obras literárias, a ficção literária tem se tornado mais difícil. Então, eu
diria que, para nós, a questão não é “Vamos publicar contando com a remota chance de
que um desses livros seja bem-sucedido?” Nós publicamos [essas obras traduzidas]
exatamente pelos mesmos motivos que nos levam a publicar ficção em inglês. Estamos
tentando publicar o melhor possível. Nós nos empenhamos em publicar esses livros
exatamente do mesmo jeito que publicamos as obras de ficção em inglês. (SWAINSON,
2013, tradução minha).
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Por ocasião das entrevistas, externei aos editores essa minha inquietação: teria eu
interpretado as coisas de forma equivocada? Em caso afirmativo, quem seria então o
público alvo de todas aquelas atividades? Um editor que ia à Feira do Livro de Frankfurt
não participaria delas? Em outras palavras, qual é a programação típica de um editor na
Feira de Frankfurt? Vejamos as respostas:
Liz Calder: Não fui à Feira de Frankfurt este ano. Mas estive lá ano após ano durante
décadas, e devo confessar que nunca visitei o pavilhão do país que era o Convidado de
Honra daquele ano. Na verdade, na Feira as coisas não são decididas na exposição em si,
mas em reuniões de negócios que os editores fazem durante aqueles dias. Então eu diria
que todo aquele investimento com exposições e pavilhões é impressionante, mas no final
das contas acaba sendo inútil. Uma dessas contradições… […] Na minha experiência
como editora, eu costumava visitar a Feira de Frankfurt com o principal objetivo de
encontrar algumas pessoas. Em geral nós estabelecemos contatos em vários países, com
pessoas que têm interesses semelhantes aos nossos. Assim, espero encontrar meus
colegas da Alemanha, da França, etc. E essas pessoas vão dizer: “Você viu o livro de
fulano de tal?” e então começa uma competição por aquele título. Começa um zum zum
zum e o boca a boca toma conta do ambiente. (CALDER, 2013, tradução minha).
Christopher MacLehose: Os editores vão à Feira do Livro de Frankfurt porque têm
reuniões a cada meia hora, durante cinco dias de trabalho, e tudo isso é organizado com
muita antecedência. O que acontece frequentemente é alguém dizer no último minuto,
“Você poderia se encontrar com XXX? É muito importante”, e nós temos de dizer “Não”,
porque estamos com a programação toda cheia. Desde o final de Agosto, eu não tenho
mais espaços, e para ir até o pavilhão do Brasil dentro da Feira você leva 15 minutos
para chegar lá, e mais 15 minutos para voltar, e então você já perdeu uma reunião. Você
pode ou não passar uns momentos proveitosos em uma mesa-redonda ou um seminário,
mas o motivo pelo qual os editores estão lá é que os editores são realmente ocupados,
eles são o público errado, eles não são o público. Pode ter havido encontros entre
escritores e editores brasileiros e outros editores. Os editores brasileiros também têm
suas reuniões, eles ficam extremamente ocupados. Mas quando eles têm, além de todas
as reuniões, 10 escritores que eles publicam, isso significa que eles têm de ir, todos os
dias, a uma ou duas entrevistas que acontecem com os escritores, e eles têm de ir a
leituras feitas pelos escritores nos salões culturais que ficam em outros lugares de
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Outro ponto que interessava investigar era em que medida as bolsas de tradução
oferecidas pelo governo federal aos editores estrangeiros pesavam em sua decisão de
publicar obras brasileiras. Seriam elas motivo suficiente para a publicação de um livro
brasileiro em inglês? Se os editores estivessem decidindo entre dois livros, um deles sem a
possibilidade de nenhum apoio financeiro, e o outro com essa possibilidade, a bolsa os
faria decidir? Vejamos as respostas.
Liz Calder: As bolsas sempre foram uma boa ajuda. Ajudava os editores que queriam
publicar esses livros a convencer seus superiores, porque sempre existia o problema dos
custos da tradução. E acho que agora existe um maior interesse pelas coisas brasileiras
com a atenção atualmente voltada para o futebol e as Olimpíadas e o que está
acontecendo com a emergência do Brasil como um país do grupo dos BRICS, e tudo isso
aumentou a curiosidade e o apetite das pessoas do resto do mundo. Mas, você sabe, é
interessante, ainda existe uma barreira enorme para o entendimento, causada pelo fato
de o Brasil ter tantos clichês associados a ele. Pense em qualquer outro país da América
do Sul... Claro que existe o tango na Argentina, mas nenhum outro país na América do
Sul tem tantos clichês associados a ele.
Christopher MacLehose: Acho que sempre existiram editores que dizem a uma
instituição governamental como a sua, “Se você pagar todo o custo da edição, eu publico
seu livro”. E eu sempre disse, até mesmo para as pessoas aqui do Arts Council, que
ninguém nunca deveria dar dinheiro para alguém nessas condições, porque esse não é o
motivo para publicar um livro. Ou você quer publicar a obra porque acredita que ela
pode vender, porque acredita que o livro tem realmente qualidade, ou não publica. Eu
acho que as coisas deveriam acontecer de forma diferente. Eu diria ao editor, “Você fez
isso, nós analisamos o que você fez, gostamos de como você fez o livro, gostamos de
como você atribuiu um preço ao livro, da qualidade do papel, do design, do tipo, da
sobrecapa e do seu esforço para vendê-lo. Portanto, vamos lhe dar uma subvenção para
o próximo livro traduzido do português brasileiro que você publicar”. Esse me parece
ser o jeito certo de fazer a coisa. [...] Houve uma época em que a Noruega comprava de
uma editora inglesa 500 exemplares em inglês para doá-los para bibliotecas norueguesas.
E isso fazia diferença, porque você poderia imprimir 1500 exemplares para você e então
sua tiragem seria de 2000 exemplares, e isso lhe daria um bom preço para todos os livros
que você imprimiu. Mas se podemos colocar as coisas numa situação ideal, essas
instituições governamentais, algumas fazem mais e outras fazem menos no sentido de
ajudar você a ajudar os escritores que eles estão apoiando. Em outras palavras,
dependendo do autor, o que realmente faz diferença é, por exemplo, se o autor viesse à
Inglaterra e visitasse cinco universidades... Ele poderia talvez falar no rádio ou
conversar com jornalistas. Isso seria imensamente proveitoso. Se um escritor, de
qualquer língua que seja, puder falar francês na França, inglês na Inglaterra, isso faz uma
tremenda diferença. Por isso, essas instituições governamentais têm que fazer suas
escolhas. Quero dizer que é preciso usar com cuidado o dinheiro, porque ele será mais
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Por fim, trago o relato dos editores britânicos sobre como eles administram a
remuneração dos tradutores e se o tradutor é remunerado no caso de o livro ter um
número excepcionalmente alto de exemplares vendidos. Essa pergunta foi motivada pelo
fato de, em entrevistas feitas com tradutores, eu ter ficado sabendo que a Inglaterra é um
dos países do mundo onde mais se respeita o tradutor e seu trabalho, tanto em termos de
reconhecimento profissional quanto em termos de remuneração. Na entrevista com Liz
Calder, formulei a questão usando o termo “copyright”, mas ela me corrigiu e explicou que
o termo exato para o que eu queria expressar era “royalty”:
Liz Calder: Acho que tem uma pequena confusão aqui: é comum hoje em dia que o
tradutor detenha o copyright sobre sua tradução, e que receba os créditos pela tradução
nas primeiras páginas do livro. Normalmente uma quantia em dinheiro, e algumas vezes
royalties, são pagos pela tradução em si, não pelo copyright. Acho justo que os tradutores
recebam uma boa remuneração por seu trabalho. (CALDER, 2013, tradução minha).
Christopher MacLehose: Sim, nós sempre pagamos royalties aos tradutores. Não
podemos garantir que vamos convencer a editora americana a fazer o mesmo. Algumas
dizem “Nossa editora nunca paga royalties ao tradutor”. E eu fico pensando “Por que
não?” A matemática é muito simples. Nós pagamos ao tradutor o que chamamos de
“adiantamento” por seu trabalho. Outros editores usam o termo “fee”, mas para nós é
um adiantamento, e eles não ganham um royalty muito grande porque você não pode
tirar um royalty grande do autor. Nós apenas pagamos mais um royalty, e eles ganham o
adiantamento. Quando você vendeu um número suficiente de exemplares para pagar
pela tradução em termos de royalties, que podem corresponder a apenas 1%, então o que
acontece é que o tradutor ganha royalties sobre todos os livros vendidos depois disso. O
que essa prática garante é que, se um livro alcançar um grande sucesso, o tradutor
também pode ser parte desse sucesso, por que não? E eu acho que, embora os editores
americanos hoje em dia não estejam dispostos a pagar royalties, em cinco ou dez anos
acredito que todos eles vão pagar. E nós, além disso, pagamos ao tradutor um royalty de
5% no caso de livros eletrônicos. Porque estamos num mundo novo, e não sabemos
como as coisas vão se acomodar. O estranho é que associações de escritores em todo o
mundo não se unam para dizer, “Nós não vamos permitir que nossos editores vendam
livros para qualquer editor que não pague royalties para o tradutor”. (MACLEHOSE,
2013, tradução minha).
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uma remuneração adequada, porque muito poucos livros vendem nessas proporções.
Mas nós fazemos esse esquema para que os tradutores possam se beneficiar.
6. À GUISA DE CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ALISSON, E. Produção literária brasileira no século 19 circulava pelo mundo. Elton Alisson
entrevista Marcia Azevedo de Abreu (19/09/2009). AGÊNCIA FAPESP. Disponível em
<http://agencia.fapesp.br/16204>. Acesso em: 21 dez. 2013.
APPADURAI, A. Dimensões culturais da globalização. Tradução de Telma Costa. Lisboa:Editora
Teorema, 2004.
CALDER, L. Entrevista [out. 2013]. Entrevistadora: Lenita Esteves. Suffolk, Inglaterra, 2013.
FIALHO, A.L. Mercado de artes: global e desigual. Trópico. Disponível em
<http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2551,1.shl>. Acesso em: 21 dez. 2013.
HUGHES, S. CV: Liz Calder, Fouding Director, Bloomsbury Publishing. The Independent, 15 set
1997. Disponível em <http://www.independent.co.uk/news/media/cv-liz-calder-founding-
director-bloomsbury-publishing-1239310.html>. Acesso em: 18 mar. 2013.
JAGGI, M. Wizard talent. The Guardian, 2 jul 2005. Disponível em
<http://www.theguardian.com/books/2005/jul/02/featuresreviews.guardianreview16>. Acesso
em: 18 mar. 2013.
MACLEHOSE, C. Entrevista [nov. 2013]. Entrevistadora: Lenita Esteves. Londres, Inglaterra, 2013.
SUPPORT PROGRAM TRANSLATION AND PUBLICATION OF BRAZILIAN AUTHORS.
Ministério da Cultura Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em:
<http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/TranslationGrantn011320132015english.pdf>.
SWAINSON, B. Entrevista [dez. 2013]. Entrevistadora: Lenita Esteves. Londres, Inglaterra, 2013.
Lenita R. Esteves
Doutora em Linguística (tese em Tradução),
Professora de teoria e prática de tradução no
Departamento de Letras Modernas, FFLCH – USP.
Atua principalmente nos seguintes temas:
Tradução, Psicanálise, Tradução e Ética, Tradução
Literária. www.lenitaesteves.pro.br
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