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NA TRAMA DA HIPERMODERNIDADE: (RE) PENSANDO A GESTÃO DOS

NEGÓCIOS DE MODA A PARTIR DO CONCEITOS DE COCRIAÇÃO

Resumo:
Diante das mudanças vertiginosas decorrentes do modus operandi do indivíduo, da sociedade e
do mercado na contemporaneidade torna-se fundamental erigir o tema da criatividade e suas
novas potencialidades procedimentais no campo dos negócios de moda. A ressignificação do pro-
cesso criativo é foco deste estudo que buscou analisar as metodologias típicas das atividades
artísticas como um caminho possível para inovar na gestão de negócios de moda, e a cocriação,
em virtude de esta poder operar à lógica e às demandas da dinâmica mercadológica do capita-
lismo artista e dos produtos híbridos, nos quais se inserem a moda.

Palavras chave: Cocriação; Gestão; Moda; Negócios de moda; Processo criativo; Produtos híbri-
dos.

Moda na Hipermodernidade: Cocriação como Inovação na Gestão dos Ne-


gócios

A quiasmática relação entre moda e criação, irrefutável, tem sido objeto de investigação em di-
versos estudos (Müller, 2000; Crane, 2011; Pezzolo, 2013; Fonseca, 2017). De modo análogo, ino-
vação e criatividade, dadas como questões cruciais para a gestão das indústrias do segmento de
moda, têm sido evidenciadas em diferentes pesquisas (Sabrá et al, 2012; Carvalhal, 2016; Ga-
nem, 2016; Cietta, 2017). Percebe-se que diante das incertezas e transfigurações impulsivas do
mundo contemporâneo, tornou-se recorrente o uso desses termos e de seus correlatos nos ambi-
entes de negócios e, em especial, no campo da moda. É que em virtude da natureza criativa da
moda, e de modo específico, no contexto atual, a competência criativo-inovadora é um indica-
dor da potencialidade e saúde de empresas do segmento.
Desafios impostos pela sociedade pós-industrial fazem da criatividade, notadamente, um tema
oportuno e relevante, uma vez que esta funda procedimentos para atuar em mercados em que a
competição pelos custos dá lugar à competição por qualidade – de produtos, de processos, de
vida. O início deste novo milênio sucede um século que comportou movimentos vertiginosos.
Mudanças paradigmáticas ocorrem em diversos campos – social, político, econômico, científico,
tecnológico e cultural – e seguem em curso, ritmadas numa temporalidade exponencial diferente
daquela da modernidade e que imputa às pessoas e, sobretudo, às corporações atualizar concei-
tos, atitudes e práticas. Num contexto marcado pela instabilidade, imprecisão, transformação
rápida e desesperada, a repetição da transformação é a regra e a inovação um imperativo. Ja-
meson (1997) compreende este novo ciclo de alterações estruturais, especificamente na cultura
e no capitalismo, de pós-modernidade. Para o filósofo, a mudança radical se baseia no ponto de
vista do mercado. Enquanto que, na modernidade, o sistema que regia era o fordismo; na pós-
modernidade, o sistema de acumulação flexível é que se tornou o cerne do capitalismo em esca-
la global. Consequentemente, as variações no capitalismo subverteram o campo cultural da pós-
modernidade. Tal fato alicerçou o consumo como base das relações sociais. Antes, os processos
econômicos, políticos, estéticos e educacionais tinham um percurso, um seguimento que não se
concluía necessariamente em um produto de consumo. A partir daquele momento, tais processos
passaram a ser vistos como objeto de consumo, uma vez que a lógica que estrutura essa socie-
dade é da mercadoria, que institui um modo de pensar, sentir e viver. Hoje, tudo que
“existe” ( inclusive nossa subjetividade) torna-se consumo e consumido. De acordo com o referi-
do teórico, a pós-modernidade1 busca pontos diferenciais com a sua antecessora, não obstante,
muitos autores consideram-na mais uma continuação adaptada da modernidade, como é o caso
de Bauman (1999) que apresenta este novo cenário intitulando-o de modernidade líquida, dando
ênfase às reflexões de cunho social, cultural e político. Bauman percebe que na modernidade
sólida (modernidade) os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidos e inflexíveis. No
entanto, a passagem de uma modernidade a outra acarretou mudanças em todos os aspectos da
vida humana. O sociólogo polonês atribuiu à modernidade atual, a plasticidade dos líquidos que
é mais fluido, disforme e volátil que a solidez da outra. A modernidade líquida seria "um mundo
repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível" (BAUMAN,
1999, p. 12).
Já Lipovetsky (2009, 2015) erige outra perspectiva conceitual a que denomina hipermodernida-
de, que não é contrária àquela de Bauman, mas que a alarga e desvela questões que abarcam,
em especial, o âmbito de mercado. O filósofo francês compreende a pós-modernidade como uma
transição, um estágio (Lipovetsky, 2009, p. 58). Para ele, a hipermodernidade é caracterizada
pela cultura do excesso e, inclusive, da inflação estética. Hiperconsumo, hiper-hedonismo, hi-
percultura. É assim que Lipovestsky (2009) conceitua o contemporâneo. O fato é que o contexto
se transformou e se configura de modo inexato, escorregadio, plural e, muitas vezes, contraditó-
rio. No que se refere ao consumo, por exemplo, de modo paradoxal e ambíguo, verifica-se, con-
comitantemente ao hiperconsumo, a desaceleração deste, pautada por “perda do apetite de
consumir, desinteresse pelas marcas, maior atenção aos preços, recuo das compras por
impulso” (Lipovetsky, 2007, p.23), que institui um estilo de consumo mais seletivo, consciente e,
principalmente, mais autônomo. Dialeticamente, embora o consumo de produtos de moda seja
influenciado pelo consumo “dos outros” e siga tendências, revela um consumidor mais indepen-
dente, melhor informado e que confere maior peso à novidade e às preferências pessoais. Nesse
contexto, seja de hiperconsumo e/ou consumo “consciente”, percebe-se que o consumidor está
disposto a pagar mais por produtos com maior valor agregado. Isso porque os produtos já não são
mais avaliados única e acentuadamente por suas características materiais e aspectos técnico-
funcionais, mas, essencialmente, por sua capacidade de significação, de atuar como símbolos ou
emblemas que indicam a associação a determinados valores, crenças, grupos e/ou estilos de
vida. Como bem afirma Cietta,

O cenário mudou. Os produtos não são mais avaliados “apenas” por suas características físicas. A ca-
deia de valor é completamente diferente da época em que aqueles métodos de produção foram inven-
tados e aplicados à indústria da moda. Hoje, tanto as decisões do empresário que dirige uma empresa
quanto as do profissional de uma área específica são feitas em um contexto que é infinitamente mais
complexo do que no passado (2017, p. 37).

Assim, as decisões de produção e consumo, de modo geral, refletem o crescimento da importân-


cia do valor imaterial, isto é, simbólico dos produtos, o que se aplica especialmente à compra e
uso de produtos criativos-culturais, híbridos, como a moda. Uma vez que “o produto moda está
cada vez mais des-materializado e apresenta-se mais sofisticado” (CIETTA, 2017, p. 103), ele-
vam-se os fatores não materiais e subjetivos, especialmente, os estéticos-experienciais da sua
produção e consumo.
Pode-se afirmar que tal fenômeno desvela traços da “inflação estética”, do “capitalismo criativo
ou artista” sobre o qual discorre Lipovetsky (2015). De acordo com o filósofo, a atividade estéti-
ca do capitalismo, noutro tempo periférica, tornou-se estrutural e exponencial. Cabe, antes de
prosseguir, fazer uma digressão do que o filósofo compreende como “inflação estética”, termo
fecundo para o tema desta pesquisa. Sua questão é compreender como a arte volta-se definiti-

1O conceito de pós-modernidade, apesar deste estudo mencionar o filósofo e crítico literário Jameson, o
precursor do referido conceito foi François Lyotard. Na obra A Condição Pós-Moderna (1979), o filósofo
caracteriza a pós-modernidade como uma decorrência da morte das "grandes narrativas" totalizantes, fun-
dadas na crença dos iluministas.
vamente para a lógica de mercado, sendo incorporada pelo capitalismo e pela lógica de consumo
levando à estetização das mais variadas esferas da vida, como afirma Lipovestisky,

Com a estetização da economia, vivemos num mundo marcado pela abundância de estilos, de de-
sign, de imagens, de narrativas, de paisagismo, de espetáculos, de músicas, de produtos cosméti-
cos, de lugares turísticos, de museus e de exposições. Se é verdade que o capitalismo engendra um
mundo “inabitável” ou “o pior dos mundos possível”, ele também está na origem de uma verdadeira
economia estética e de uma estetização da vida cotidiana: em toda parte o real se constrói como
uma imagem, integrando nesta uma dimensão estético-emocional que se tornou central na concor-
rência que as marcas travam entre si. É o que chamamos de capitalismo artista ou criativo transes-
tético, que se caracteriza pelo peso crescente dos mercados da sensibilidade e do “design process”,
por um trabalho sistemático de estilização dos bens e dos lugares mercantis, de integração genera-
lizada da arte, do “look” e do afeto no universo consumista (2015, p. 9).

Em virtude disso, vivemos no tempo do boom estético, numa sociedade superestetizada, que
transformou a produção, as formas de distribuição, comunicação e consumo de objetos e servi-
ços. Distinto do modelo fordista anterior, o complexo econômico-estético atual tem foco em es-
tratégias criativas e inovadoras, com ênfase na exploração das expectativas emocionais dos con-
sumidores. A competitividade das empresas se fundamenta, sobretudo, em vantagens imateriais
ou simbólicas. No que se refere à moda, especificamente. Historicamente, esta era uma indús-
tria manufatureira. Mas isso mudou e as indústrias do segmento, genericamente, incorporaram
especialmente características culturais, o que as classificam como indústrias de produtos criati-
vos/imateriais híbridos - uma vez que estes não são estritamente culturais ou funcionais. “A
moda é […] um fascinante híbrido de indústria cultural. O alto grau de equilíbrio entre funciona-
lidade e significação [o valor imaterial do bem] faz dela um caso particularmente complexo,
tornado ainda mais interessante por suas formas organizativas específicas” (HESMONDHALGH
apud CIETTA, 2017, p. 89).
O que se compreende, enfim, é que a moda prêt-à-porter e até o fast fashion (a haute couture
sempre desenvolveu produtos com esses traços) adquiriu, progressivamente, propriedades ima-
teriais, isto é, tornou-se, mais uma indústria de “significados do que de produtos”(CIETTA,
2017). Tal fato reflete o comportamento do consumidor hipermoderno que passou a valorizar
cada vez mais os aspectos não corpóreos dos produtos. Estes, por sua natureza, mais subjetivos,
geraram o alargamento das variáveis consideradas relevantes na percepção do produto - o valor
deste é, antes e sobremaneira, parcialmente determinado pelo consumidor. E, por consequên-
cia, passou a exigir das organizações e dos profissionais modos de pensar e proceder essencial-
mente criativos. Inovação e criatividade converteram-se em ponto central para os negócios.
Apesar do conceito de criatividade ter se tornado o foco das indústrias culturais desde o final do
século XX, sabe-se que a criatividade sempre foi um tema instigante para diversas áreas e, em
especial para o campo das artes, da estética e da moda. É comum nas reflexões ordinárias ad-
vindas do senso comum atribuir à atividade criadora uma noção intuitiva e natural de que alguns
são dotados de genialidade. Tal concepção carrega em si uma herança romântica dos artistas e/
ou criadores desde o século XVII, que reduziam a genialidade para o campo da estética. Kant,
em sua obra “Crítica e Faculdade de Julgar”(2005), afirma esta concepção de gênio nas diversas
manifestações artísticas de tal forma que, mesmo com outras teses sobre o tema, a ideia de ge-
nialidade persistiu até o final do século XIX. A partir do século XX, essa noção se dilui como tan-
tos outros conceitos sólidos oriundos da modernidade. Diversos estudiosos se debruçaram na
percepção do processo criativo com o intuito de desvendar, afinal, a origem das coisas inovado-
ras que modificam o meio no qual se inserem. A pesquisa sobre a criatividade na contemporanei-
dade ultrapassa a ideia puramente estética e artística. Ashton (2016), professor do Massachu-
setts Institute of Technology – MIT –, em sua obra “A História Secreta da Criatividade”, afirma
que a genialidade não existe e confirma a travessia árdua daqueles que pretendem criar e inovar
no momento contemporâneo.

A parte desafiadora é que não existe momento de criação mágico. Os criadores passam quase todo o
tempo perseverando, apesar da dúvida, do fracasso, do ridículo e da rejeição, até conseguirem rea-
lizar algo novo e útil. Não existem truques, atalhos ou esquemas para se tornar criativo de uma hora
para outra. O processo é comum, ainda que o resultado não  seja.  Criar não é magia; é trabalho
(ASTHON, 2016, p.16).
Criar é uma ação trabalhosa e que requer muita disponibilidade para desvelar um algo que ainda
não existe ou para recriar, cocriar e, enfim, ressignificar as coisas que já estão no mundo cultu-
ral e social. Vilém Flusser, filósofo tcheco-brasileiro, aproximou-se do caráter constitutivo do
processo criativo inferindo a ideia de que criação não é uma exclusividade das artes, ela pode
estar no laboratório, no ateliê e até mesmo dentro de uma fábrica. Isto porque, para Flusser a
arte não é exatamente “um algo”, mas um modo de se relacionar com o mundo. Para o filósofo,
inicialmente, toda a criação é arte, pois tudo que é criado, no instante em que acontece, apare-
ce como um todo complexo, poiético, que apresenta suas próprias regras. Em outras palavras,
significa dizer que toda arte é uma ação do intelecto de criar pensamento novo, por isso toda
criação humana é, em primeira instância, uma criação artística.
Para elucidar este tema tão importante para o campo da moda e, em especial, dos negócios de
moda, outra referência para este estudo é Fayga Ostrower. A artista plástica e teórica da arte
entende “o criar como a um formar, um dar forma a algo novo, a capacidade de relacionar, or-
denar, configurar, significar”(1987, p.9). Para a teórica, “a criatividade um potencial inerente ao
homem e a realização desse potencial uma de suas necessidades” (1987, p. 5). E, nesse sentido,
assim como Flusser, Ostrower considera que as potencialidades criativas não se restringem ao
campo da arte; ao contrário disso, aquelas seriam um agir integrado ao viver humano. O proces-
so criativo, portanto, é um fazer ordenado pela correlação entre os níveis individual e cultural. A
autora concebe o ato criador como consciente-sensível-cultural (1987, p. 11), quer dizer, se ba-
seia na integração do consciente, do sensível e do cultural. Este é intuitivo, torna-se consciente
na medida em que é expresso (ou que lhe damos forma) e, sempre e unicamente, se realiza den-
tro de formas culturais. É importante ressaltar a definição de sensibilidade proposta pela autora,
que a compreende como uma abertura constante ao mundo, e que liga, de modo imediato, o
sujeito ao que acontece no seu entorno. A cultura é tratada como “formas materiais e espirituais
com que os indivíduos de um grupo convivem, nas quais atuam e se comunicam e cuja experiên-
cia coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para a geração seguinte” (1987, p.
13). Esta orienta, simultaneamente, o ser sensível e consciente em busca de conteúdos significa-
tivos.
Considerando as noções de criação, criatividade e processos criativos citados, a convergência
entre criatividade e processos de criação (característico das atividades artísticas) e gestão mos-
tra-se bastante pertinente com a dinâmica do mercado contemporâneo. É urgente, diante da
crise que aflige o mundo corporativo, cujo panorama movediço – para alguns, em colapso – re-
querer novos fios condutores que apontam para um novo paradigma econômico, que busca insti-
tuir o equilíbrio entre os imperativos de ordem econômica e a efetivação dos valores humanos, e
invoca o indivíduo consciente-sensível-cultural, proposto por Ostrower, típico da criação em ar-
tes, para atuar na esfera econômico-organizacional.
Segundo Lipovestky (2015), a era hipermoderna expandiu essa dimensão artista a ponto de fazer
dela um elemento essencial e determinante do desenvolvimento das empresas, um setor criador
de valor econômico. Aspectos que colocam em evidência também o papel que as artes, a cultu-
ra, a criatividade têm adquirido ao longo das últimas décadas. Proposição defendida por Xavier
Greffe, professor de economia da Sorbone,

Essa tese sobre o papel das artes no desenvolvimento manifestou-se claramente desde as crises de
reestruturação enfrentadas pelos países desenvolvidos durante os anos 1970, seguindo os movimen-
tos das matérias-primas. Muitos desses países viram então nas atividades artísticas e culturais o
meio de recriar os empregos e o valor nos territórios onde ruíam as atividades tradicionalmente
herdadas de uma era industrial. Em meados dos anos 1990, o termo criatividade aparece de maneira
mais específica a partir da reflexão sobre as indústrias criativas, apresentadas, ao mesmo tempo,
como uma generalização do conceito de indústrias culturais e um sinal de entrada na sociedade de-
finitivamente pós-industrial (2015, p. 10).

É perceptível que, desde então, as artes e atividades culturais, e seus processos, têm sido cons-
tantemente convocados como fonte de criatividade não só para as atividades tipicamente artís-
ticas ou culturais, mas também para embasar métodos e técnicas que objetivam melhorar a ges-
tão de negócios e a qualidade de produtos e serviços característicos da sociedade pós-industrial,
isto é, nesta etapa do capitalismo avançado.
Um novo paradigma nesse campo, portanto, vem se configurando. Mas parece, especificamente,
no que ser refere às indústrias do segmento de moda em geral, que estas não compreenderam
bem as características contemporâneas do setor tampouco do ambiente no qual estão atuando.
Via de regra, as empresas entendem e consideram as habilidades e competências criativas como
exclusivas do departamento de planejamento de coleções. Ou, no máximo, extensivas à Comuni-
cação e ao Marketing. Entretanto, o entendimento e classificação da moda como produto híbri-
do, as complexidades relativas ao comportamento do consumidor e as novas configurações dos
cenários, contextos e instrumentos competitivos impõem às organizações revisar os processos
necessários para criar, produzir, distribuir, precificar e promover produtos.
O trabalho de empresas e profissionais de moda deverá, cada vez mais, levar em conta a criati-
vidade e autonomia do consumidor, a valoração da natureza imaterial de produtos, o desejo
ininterrupto do mercado pela inovação, a efemeridade e pluralidade como ordenadores sociais e
a necessidade de uma gestão específica para fazer frente a esses e outros desafios impostos pela
hipermodernidade às empresas. Uma vez que “um sistema de cocriação híbrida […] é uma das
características típicas dos produtos criativos híbridos” (CIETTA, 2017, p. 127), entende-se, por
conseguinte, que a habilidade criativo-inovadora precisa ser distribuída, isto é, disposta espaci-
al, prática e conceitualmente entre as diversas atividades que perpassam a criação e entrega de
produtos e valor ao mercado consumidor. Nesse sentido, a potência da cocriação apresenta-se
como elemento-chave para uma gestão eficiente. O modelo de uma empresa de moda é consti-
tuído de inter-relações complexas, que ultrapassam a criatividade como responsabilidade da
“criação”, da Comunicação e do Marketing - isso, de certa forma, já é previsto. Nas indústrias
de moda a criatividade atravessa diferentes departamentos e processos. Logo, uma visão holísti-
ca, se faz imprescindível aos profissionais e às corporações. Do estilista/designer, passando pela
modelista, pilotista e produção, ao marketing em suas funções de precificação, distribuição e
promoção, todas as atividades, em menor ou maior grau, exigem uma visão de “todo” e ações
interconectadas e interdependentes em sua versão cultural-criativa-material-imaterial. A visão
de Cietta a respeito dessa questão reforça tal hipótese.

Uma empresa de moda não pode ser pensada e construída como uma soma de diferentes funções,
uma soma de pessoas e competências que simplesmente se integram. Trata-se na verdade de uma
harmonia muito complexa na qual todos dependem de quase todos, como um ponto de equilíbrio de
diferentes forças que atuam juntas (2017, p. 41).

A moda, enquanto produto criativo híbrido, prevê que o componente criativo deve promover
uma interface prolongada entre as cadeias de produção material e imaterial - até porque con-
ceitual e pragmaticamente, não é possível segregar esses campos. Assim, entende-se que a cria-
tividade na extensão de processos elementares da gestão de moda faz-se não só pertinente, mas
fundamental. Para além de uma tendência socieconômica que se desvela cada vez mais coletiva,
colaborativa e compartilhada, a cocriação na gestão de moda revela uma rede criadora bastante
densa que, embora carregue a complexidade da interação, é uma contínua troca de habilidades
capaz de atender às demandas de produção de produtos criativos híbridos. Uma vez que a cria-
ção coloca em relação técnica, matéria e subjetividades; a cocriação, enquanto potência de di-
ferentes conhecimentos e experiências individuais compartilhados, oferece os recursos por meio
dos quais se faz possível alcançar maior assertividade na oferta de produtos híbridos ao merca-
do.

Referências


1. Referencial Teórico

(Livros, artigos, vídeos e outros materiais consultados)

ASHTON, Kevin. A história secreta da criatividade. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2016. 288
p.
BAUMAN, Zygmunt. Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 260 p.
CIETTA, Enrico. A Economia da Moda: porque hoje um bom modelo de negócios vale mais do que
uma boa coleção. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2017. 469 p.
FLUSSER, Vilém. Pós-História. Vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo, Annablume:
2011. 240 p.
GREFFE, Xavier. A Economia Artisticamente Criativa: arte, mercado e sociedade. São Paulo: Ilu-
minuras: Itaú Cultura, 2015. 192 p.
JAMESON, Frederic. Pós-Modernismo: a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática,
1997. 412 p.
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do juízo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2008. 384 p.
LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Estetização do Mundo: viver na era do capitalismo artista.
São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 333 p.
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. 294 p.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. 200 p.

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