Os processos de trabalho no SUS devem obedecer às diretrizes do SUS: universalidade,
acessibilidade, integralidade, equidade são um dos principais deles que diz respeito diretamente à assistência na saúde pública. Porém, muito do que observamos na prática, não envolve essas diretrizes, e sim outras formas de acesso à assistência que tem mais a ver com vínculos informais do que com o direito de ser atendido pelas suas necessidades de saúde. Isto foi o que observamos na situação-problema “Liga lá”. Durante a discussão desta situação com o Grupo Diversidade, conseguimos elaborar que o problema destacado foi: “Dificuldade de acesso aos serviços de especialidades médicas do sistema de regulação”. Tivemos também como hipótese: “A falta de comunicação entre os serviços e a não realização de um diagnóstico situacional a fim de conhecer a necessidade de saúde de uma localidade”. O produto dessas elaborações foram questões a serem respondidas: 1) “Como a maior integração da rede intersetorial de um município poderia garantir uma comunicação eficaz entre os serviços? ” e 2) “Como o planejamento integrado poderia influenciar na organização do serviço de Regulação? ”. Na primeira questão aborda sobre a necessidade de uma articulação eficiente entre os diferentes pontos de atenção da rede para melhor atender as necessidades de saúde dos usuários do SUS. Intersetorialidade no SUS significa dizer “integração dos serviços de saúde e outros órgãos públicos com a finalidade de articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do SUS, potencializando, assim, os recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos disponíveis e evitando duplicidade de meios para fins idênticos”. Ainda, “ se os determinantes do processo saúde e doença, nos planos individuais e coletivos, encontram-se localizados na maneira como as condições de vida são produzidas, isso é, na alimentação, na escolaridade, na habitação, no trabalho, na capacidade de consumo e no acesso a direitos garantidos pelo poder público, então é impossível conceber o planejamento e a gestão da saúde sem a integração das políticas sociais” (Cartilha PNH). Ou seja, considerando o conceito de saúde como produção de relações do indivíduo com seu meio (outros indivíduos e outros substratos das relações) fica impossível dissociar as partes desse todo para produzir saúde. A rede intersetorial é para Junqueira (2000) é uma forma de operar o pensamento sistêmico (ou seja, todo e qualquer sistema é percebido não como soma das partes, mas como um todo, pois nenhuma das partes possui o todo, Morin, 1996). Para Morin (1996) é das relações das partes que surgem novas potencialidades pela “circularidade” no sistema. Morin também fala que as partes também têm seu todo, apesar de não serem redutíveis, serem partes de um sistema maior. Para Junqueira (2000), a rede é um sistema, a qual exige organização, tem em potencial formas de estabelecer “acordos de cooperação, reciprocidade e de alianças” (pg. 40) como formas de encontrar resolutividades e acolhimento dos casos de realidades sociais complexas. “A rede é um fato social” por ser tomada como uma construção coletiva com variados atores sociais em suas diferentes funções. Junqueira (2000) associa a ideia de intersetorialidade a ideia de interdisciplinaridade: o encontro entre vários para produção de saúde e resolutividade nos processos de adoecimento; assim, o conceito de saúde está vinculado a questão das relações e cultura, ultrapassando o pensamento positivista sobre “saúde como ausência de doença”. O autor destaca que a integração de diferentes disciplinas resulta de um enfoque de um novo discurso para resolução de problemas concretos. “Portanto, a interdisciplinaridade consiste em relações entre diversos saberes orientados para uma prática, para a solução de problemas” (pg.41). E desse conceito Junqueira agrega a visão da intersetorialidade: “A qualidade de vida demanda uma visão integrada dos problemas sociais. A ação intersetorial surge como uma nova possibilidade para resolver os problemas que incidem sobre uma população de um determinado território”. Ou seja, a visão integrada veicula tanto a ideia de vários saberes em conjunto e na articulação desses vários pontos de atenção no território, trazendo a ideia de equidade e direitos sociais. Para o autor, intersetorial é uma forma de gestão do cuidado que supera a lógica da fragmentação. Também é uma forma de planejar, executar e controlar as prestações de serviço para garantir acesso igualitário. Daí, agregando esses dois conceitos (interdisciplinar e intersetorial), Junqueira traz o conceito de transitorialiadade, como uma forma de transitar pela rede nas diferentes complexidades de acordo com as necessidades de saúde de uma população. Uma das formas de garantir o acesso de forma institucionalizada e planejada é a Regulação. A regulação da atenção à saúde é, segundo a Política Nacional de Regulação dos Sistema Único de Saúde, garantir o acesso à rede de saúde de acordo com as necessidades de saúde. As secretarias municipais de saúde devem ter sua central de regulação que se comunica com outras (nível estadual, por exemplo) a depender das necessidades de saúde. Porém, o que encontramos na prática (como na situação problema desta síntese) é o distanciamento entre a necessidade de saúde e a disponibilidade de atendimento, a qual a regulação não flexibiliza e nem tem autonomia para flexibilizar o acesso, ofertando vagas como um bloco concreto sem atingir a realidade social e sem ofertar resolutividade (Junqueira, 2000). Uma visão moderna, mas ainda inacessível nos processos de trabalho, é reformular as centrais de regulação baseados no que os serviços de saúde (e não a central) priorizam, já que são eles que lidam com as singularidades e vulnerabilidades dos casos, a regulação funcionando assim como apoio para a Atenção Básica (Gianotti, 2014). Outra proposta inovadora para maior efetividade integral e intersetorial das Centrais de Regulação é o matriciamento. Assim, a Central de Regulçao precisa se conformar com as demandas da Atenção Básica e auxilia-la nas referências e contra referências dos casos. Assim, isso nos leva a responder segunda questão: a Regulação, para além da oferta de vagas, ofertar também apoio qualitativo e potencializar a intersetorialidade na gestão das redes de saúde. Estratégias como o matricamento, acessibilidade aos casos e suas peculiaridades observadas pela Atenção Básica (ESF’s, NASF’s, ACS’s) torna a gestão do cuidado compartilhada, um dos princípios da Política Nacional da Humanização. O planejamento integrado convida a Regulação para dialogar com a rede e a insere na rede também, deslocando-a do distanciamento meramente informativo, para a esfera da dialógica. Portanto, os dispositivos da PNH (acolhimento com classificação de riscos, equipes de referência, apoio matricial, PTS, colegiados e contratos de gestão, gerencias de “porta aberta”) superam a problemática da falta de comunicação entre as demandas territoriais e a oferta de vagas da regulação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MORIN, E. “Ciência como consciência”. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1996.
JUNQUEIRA, L. A. P., “Intersetorialidade, transitorialidade e redes sociais de saúde”.
Revista de Administração Pública, 6∕2000, Rio de Janeiro 34(6):35-45. nov∕dez, 2000.