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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro Empresarial Itaú:


do edifício à cidade

Jaime Cupertino

Orientador:
Ruth Verde Zein

Dissertação apresentada à universidade Presbiteriana


Mackenzie como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Arquitetura

São Paulo
Agosto de 2009
Dedico a

Neuza e Jairo que me deram regua e compasso

Ti, Fabio e Teo que me deram um sentido.


Agradecimentos

Nadia Somech por sutilmente me envolver na idéia.

Ruth Verde Zein pelo continuo incentivo, orientação e


paciência.

Christina MB Cupertino por me orientar no nebuloso


território da filosofia.

Eduardo Martins Ferreira e Rogério Batagliese pela


indignação a cada pensamento de desistir.

Santiago d’Ávila por sua incansável ajuda e paciência.

Teo Menna pelo design.

Haile Nunes, Raquel M M Pereira e Tatiana Fuentes por


manterem as coisas andando bem.
Resumo / Abstract

Resumo Abstract

Esta dissertação parte da análise do projeto do Centro Empresarial This dissertation departs from the analysis of the project of Cen-
Itaú (CEI), de que sou co-autor, buscando configurar um caso de tro Empresarial Itaú (CEI), of which I am co-author, searching to
pesquisa em projeto. configure a case of research in design.

Este projeto representa um caso particular da produção da cidade, This project represents a particular case of the development of
sendo um raro exemplo de ação direta da Emurb, ou seja do Esta- the city, being an example of direct action of Emurb (meaning the
do, na urbanização da cidade, onde podemos perceber suas quali- State) in its urbanization, where we can perceive its qualities and
dades e limitações. limitations.

A estrutura da dissertação tem o ponto de partida a experiência do The structure of the dissertation has, as the starting point, the
autor, contrariando a forma convencional de passar do geral para experience of the author. It analyzes the project of the CEI, not
o particular. in a systematic and descriptive form, but searching to unveil the
designing process. It follows its development in time, identifying
Analisa o projeto do CEI, não de forma sistemática e descritiva, the relevant points and trying to clarify the criteria and the con-
mas buscando retomar o processo de projeto. Segue seu desen- texts of the design’s decision making. The objective of this pro-
volvimento no tempo, identificando os pontos mais relevantes cedure is to allow that the main solutions are understood inside
e tentando esclarecer os critérios e os contextos das decisões de of the horizon and in the direction that they had when they had
projeto. O objetivo desse procedimento é permitir que as soluções been made.
principais sejam vistas e entendidas dentro do horizonte e do sen-
tido que elas tinham quando foram tomadas. The project also is analyzed by the optics of its functional typol-
ogy, understanding its historical evolution and comparing it with
O projeto é também analisado pela ótica de sua tipologia funcion- other projects in similar contexts, either regarding the program, or
al, entendendo de forma breve sua evolução histórica e comparan- the site: the city of São Paulo. Finally I analyze what I consider its
do-o com outros projetos realizados dentro de contextos similares, more important aspect, its relation with the city, not only trough
tanto em relação ao programa, como em relação ao local: a cidade the relation of the building with its immediate surroundings, but
de São Paulo. as an element of the process of construction of the city.

Por último analiso o que considero seu aspecto mais relevante, sua This process is here considered as a result of the action of the
relação com a cidade, já não mais na escala da relação do edifício State, when it regulates its occupation or executes buildings, pub-
com seu entorno imediato, mas sim como um elemento do proces- lic spaces and infrastructure. But also mainly as an effect of the
so de construção da cidade, que surge a partir de ações do Estado sprayed action of thousand of individuals or groups that plan and
quando este regulamenta sua ocupação ou executa diretamente build.
edifícios, espaços públicos e obras de infra-estrutura, mas princi-
palmente da ação pulverizada de milhares de pessoas ou grupos
que planejam e constróem edifícios.
Sumário

Introdução 6 Edifícios Administrativos 73


Justificativa 9 Tradição e inovação 74
Fundamentos do Método 11 A tradição americana 75
A pesquisa em projeto A Tradição Européia 76
Análise de projetos 77
Centro Itaú Conceição- Processo de projeto Precedentes 79
Origem do projeto 19 Localização (contexto urbano) 91
Precedentes 20 Áreas públicas, privativas e acessos 94
E3 e E4 (1982-1985) 26 Área privada comum 95
Área computável e volumetria 26 Programas usos / espaços 96
Torre escritório e Pavimento Tipo 31 Pavimento tipo 98
Arquitetura e marketing 33 Estrutura e tecnologia 99
Arquitetura e Arte 35
E2 - Torre Itaúsa (1985-1990) 37 A construção da cidade 92
Portal de Acesso 38 Projeto CURA 93
Pavimento Tipo 39 CURA Conceição 97
Volumetria e Estrutura da torre 39 Private Owned Public Space 105
E5 – Torre Eudoro Vilela (2000 – 2005) 40
Jones Lang LaSalle 41 Considerações finais 114
Forma de desenvolvimento do projeto 44
Torre e Pavimento Tipo 44 Referências / Lista de imagens 116
Arquitetura não é uma experiência que as palavras vão traduzir
posteriormente. Como o próprio poema, ela é em sua presença,
que constitui os meios e os fins da experiência. No entanto,
ao reconhecer que a experiência humana é sempre mediada
linguisticamente, e dado nosso contexto tecnopolítico particular,
podemos perguntar: o que a arquitetura representa como estágio
da vida cotidiana do final desse século XX ? 1

Introdução

A proposta de escrever um texto sobre um projeto sempre me pre-


ocupou. Como esta claro no pensamento de Perez-Gomez a rela-
ção da arquitetura com a palavra é uma relação indireta, que pode
ser significativa ou não, mas nunca a expressará completamente,
portanto ao iniciar um esforço nesta direção temos que estar pre-
parados para seu previsível fracasso.

Gostaria, de inicio, para explorar melhor esta idéia, partir de uma


Casa da cascata. Arq. Frank Lloyd Wright. [1]
experiência particular, que foi entrar pela primeira vez na Casa
da Cascata, de Frank L. Wright, projeto largamente conhecido por
todos arquitetos e que pessoalmente já conhecia a partir de varias
publicações há mais de três décadas.

Por mais que se conheça a obra do arquiteto, que já tenham sido


vistos fotos, filmes, plantas ou perspectivas, aproximar-se e estar
lá deflagra uma experiência. Uma experiência particular, única,
assim como a que é vivida em cada obra arquitetônica, não im-
porta sua relevância ou qualidade, nem mesmo a consciência que
temos de que estamos vivendo uma experiência.

A Casa da Cascata, devido ao seu caráter icônico no mundo da ar-


quitetura, tem uma imagem específica associada a ela que é a vista
onde aparece a cascata e a casa, de forma que, sempre que nos refe-
rirmos a esta obra é esta a imagem que virá à mente. Porem o local
de onde é possível esta visão não tem uso nenhum e as pessoas não
iriam até lá para nada, ou seja, esta é uma percepção da casa que
não existe durante seu uso e sua única função é reforçar a imagem
inicial da concepção de Wright.

Surge aqui uma dificuldade adicional, já que não são somente as


palavras que tem uma relação limitada com a experiência da ar-
quitetura, mas também como vemos aqui, as imagens. Talvez a

Casa da cascata. Arq. Frank Lloyd Wright. [2] 1 HOLL, Steven; PALLASMAA; PEREZ-GOMEZ, Alberto Juhani. Question of
Perception: Phenomenology of Architecture. Tokyo: a+u Publishing, 2006.
p. 8.

7
relação através das imagens seja ainda mais perigosa, pois induz
à ilusão de que se está conhecendo a realidade diretamente, en-
quanto que a palavra sempre aciona a mediação da imaginação. O
mais impressionante neste caso é que, sendo a obra prima de um
arquiteto genial, quase todas as vistas reais tem o mesmo impacto
estético da vista oficial e seriam muito mais próximas da experi-
ência “in loco”.

O importante a assinalar aqui é que a presença física num espaço


projetado e construído supera, em todos os sentidos, as formas de
representação daquele projeto, que é a um só tempo processo, re-
lação, conhecimento e construção (no sentido literal e no existen-
cial). A representação, seja através de qualquer imagem, seja atra-
vés do discurso, desencadeia sempre a constatação de sua própria
incompletude, quando falamos da questão da experiência.

Circular pelos espaços internos e externos de uma obra revela, por


um lado, os aspectos do fazer da arquitetura, que vão alem de sua
existência física, a visão de mundo, da vida e do habitar tanto do
morador quanto do arquiteto, assim como a confluência dessas vi-
sões. Revela também as múltiplas competências do arquiteto, ne-
cessárias à conclusão do projeto e da construção, e que podemos
considerar como mais objetivas: o conhecimento da história da
arquitetura; a técnica e o uso dos elementos construtivos da obra;
as diferentes teorias da arquitetura.

Ao reconhecer a impossibilidade da representação da experiência


direta do espaço arquitetônico não queremos negar a importância
de todos estes aspectos do saber arquitetônico, sem dúvida funda-
mentais para a prática da arquitetura, mas deixar claro que eles
não a substituem.

Vemos o conhecimento da arquitetura com a mesma amplitude


que Morin enxerga o problema do conhecimento humano em ge-
ral, ao esclarecer em que consiste o pensamento complexo:

“Não se trata de um pensamento que exclui a certeza pela


incerteza, que exclui a separação pela inseparabilidade, que exclui
a lógica para permitir todas as transgressões. O procedimento
consiste, ao contrário, em fazer uma ida e vinda incessante
entre certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o
separável e o inseparável. De igual modo, este utiliza a lógica
clássica e os princípios de identidade, de não contradição,
de dedução, de indução, mas reconhece os seus limites, e tem

8
consciência de que, em certos casos, é necessário transgredi-los.”2

Com base nesses argumentos iniciais, que afirmam as lacunas


inerentes a qualquer tentativa de traduzir a experiência, é que
proponho partir do conhecimento por mim adquirido, na prática
de projeto, e a partir dessa experiência concreta tentar esclarecer
alguns aspectos relevantes ou mais generalizáveis que esta prática
possibilita.

Será, portanto, a partir da análise de projetos que será desenvolvi-


da esta dissertação. Não de projetos em geral, mas do projeto mais
significativo que realizei até hoje, que foi o Centro Empresarial
Itaú (CEI), desenvolvido de fato por uma grande equipe da Itau-
plan3, liderada pelos arquitetos João De Gennaro, Francisco Javier
Manubens e por mim.

Parto do principio, que justificarei adiante, de que este projeto tem


relevância para a cidade de São Paulo, possibilitando discussões
que vão muito além do simples fato de ele ser central em minha
vida profissional. E é por essa perspectiva que ele será apresenta-
do, isto é, como o ponto central do qual pode derivar a discussão
de uma série de desdobramentos que o projeto sugere e/ou que a
ele se remetem, que serão esboçados a seguir, e aprofundados ao
longo da dissertação.

Este projeto representa um caso particular de produção da cidade,


pois está inserido no processo de implantação da linha Norte-Sul
do Metro e está subordinado a uma lei municipal específica sob
gestão da Emurb. É, portanto, um exemplo raro de ação direta da
Emurb, ou seja do Estado, na urbanização da cidade, onde ficam
evidentes suas qualidades e limitações.

Uma possibilidade de pesquisa extremamente interessante é a


forma de inserção urbana do projeto e sua correlação com o pro-
jeto da Emurb para a área e para a cidade. Duas áreas, localizadas
nos extremos da linha Norte Sul do metrô – Santana e Jabaqua-
ra – foram objetos de projetos da Emurb com resultados bastante
diversos. Esse assunto será tratado no capítulo “A construção da
cidade”.

Um segundo foco de indagações diz respeito ao desenvolvimen-


to desta particular tipologia de edifício administrativo, o centro

2 MORIN, Edgar. A necessidade do pensamento complexo. In: Mendes, Candido


(org.), Representação e Complexidade. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2003 pg 75
3 Empresa responsável pelos projetos de arquitetura do grupo Itaú

9
empresarial de grande escala, que parece ter seu ápice nas gran-
des cidades brasileiras no período da década de 1970 e que sofre
grandes transformações a partir do final da década de 1980. Para
melhor compreensão desta tipologia considero importante con-
frontar, ainda que brevemente, o projeto do CEI com projetos que
o antecederam e projetos desenvolvidos no mesmo período que
tenham as mesmas características, principalmente a escala, mas
não exclusivamente.

Justificativa

Como vimos anteriormente existem sérias dificuldades em abor-


dar a arquitetura através das palavras, mas antes de enveredar pela
avaliação da validade metodológica deste esforço, podemos cons-
tatar facilmente a necessidade da empreitada.

Os programas de Arquitetura, nos moldes atualmente existentes,


oferecem condições para incorporação dos novos perfis de arqui-
tetos e pesquisadores, em especial aqueles voltados para a prática
projetual, ou seja, interessados em refletir e trabalhar arquitetura
no nível do projeto, seja como modo de aperfeiçoar suas ativida-
des cotidianas, seja como forma de capacitação para o ensino e a
pesquisa na área de projeto, já que os concursos para professores
tem exigido a titulação mínima de Mestre.

“Como formar Mestres em Projeto? [...] alunos brilhantes em


projeto, e desejosos de seguir carreira acadêmica (fato pouco
provável há poucos anos atrás), são obrigados a se converterem
em “cientistas”. Em seus projetos de pesquisa vêem-se obrigados a
deslocar o eixo de trabalho para áreas afins (urbanismo, história,
geografia), utilizando suportes teórico-metodológicos de outras
disciplinas (psicologia ambiental, sociologia, conforto, sintaxe
espacial), de forma a conferir “cientificidade” à análise do objeto
arquitetônico.4

A própria instituição acadêmica criou a necessidade do mestra-


do na área de projeto ao exigir esta qualificação como requisito
para o ensino de projeto na graduação. Assim sendo, é importante
averiguar de que maneiras poderemos registrar e principalmente
transmitir o conhecimento envolvido na produção do projeto de
arquitetura.

4 VELOSO, Maisa; ELALI, Gleice. Há lugar para o projeto de arquitetura nos


estudos de pósgraduação? [S.l.]: Vitruvius, 2007, Texto especial 117. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp117.asp>.

10
Ouso pensar, no entanto, que mesmo sem a exigência formal do
grau de mestre, seria útil aos futuros professores de projeto explo-
rar melhor a forma de transmissão deste conhecimento, sem que
exclusivamente pela simbiótica forma da supervisão de estágio,
ou sua pretendida contraparte acadêmica, o ensino de projeto
através da dinâmica do ateliê. Independente das dificuldades, que
são muitas, de encontrar um novo caminho para formação de pro-
fessores de projeto, não é possível ignorar sua urgência.

Mahfuz defende que um caminho possível para alterar esta situa-


ção é transformar o currículo das escolas aproximando a teoria, a
história e crítica da arquitetura da prática do projeto:

“Mais do que ensinar os estudantes a projetar de uma


determinada maneira, o objetivo de uma escola de arquitetura
deve ser a preparação do espírito crítico do estudante, a qual
só pode ser alcançada de um modo: transferindo a experiência
alheia para a própria, por meio do exame e do estudo de obras
nas quais se reconheça como dados do projeto foram entendidos
e valorizados pelos arquitetos, a que intenções suas decisões
se vinculavam, em um momento histórico específico. Nessa
incorporação da experiência alheia tem papel preponderante as
atividades vinculadas à teoria, história e crítica da arquitetura.”5

Sem duvida a aproximação da teoria e da prática é condição fun-


damental para uma prática criativa mas o que falta na colocação
acima é de que forma a “transferência da experiência alheia” ocor-
reria para o fazer arquitetônico em si.

A questão aqui é como a transferência da experiência se dá, e em


que condições, e como pode ser transmitida, mas antes porem, é
necessário fazer alguns esclarecimentos sobre a questão da experi-
ência, já que se trata de um trabalho acadêmico onde, tradicional-
mente, ela é considerada, além de irrelevante, indesejável.

O sentido da palavra experiência, que será ampliado logo mais,


quando for explicitado o método dessa pesquisa, é aqui tomado,
de início, de acordo com Bondía, que a define como se segue:

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos


toca. Não é o que se passa, não é o que acontece, ou o que toca.[...]
No saber da experiência não se trata da verdade do que são as
coisas, mas do sentido ou do sem sentido do que nos acontece. E esse
saber da experiência tem algumas características essenciais que o

5 MAHFUZ, Edson da Cunha. Teoria, história e crítica, e a prática de projeto. [S.l.]:


Vitruvius, 2003, Texto especial 202. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/
arquitextos/arq000/esp202.asp>.

11
opõem, ponto por ponto, ao que conhecemos como conhecimento.[...]
o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo,
contingente, pessoal.” 6

Como vimos anteriormente é mais seguro trilhar o caminho do


“cientifico” mesmo que para isto tenhamos que eliminar do nosso
campo possível territórios enormes da existência humana.

Alem da questão do mestrado em projeto, compartilhar a experi-


ência de projetar o CEI justifica-se, também, na medida em que
a realização desse trabalho pode auxiliar futuros pesquisadores,
já que o Cura Conceição é um dos poucos exemplos de reurbani-
zação da cidade de São Paulo e frequentemente objeto de estudo,
tanto na graduação quanto na pós graduação em Arquitetura. De
forma que, alem de registrar a visão do projeto pela ótica restrita,
mas única, do projetista, buscamos gerar uma documentação de
projeto: plantas, cortes e um registro fotográfico que auxilie futu-
ras pesquisas, já que em geral o contacto com essas grandes corpo-
rações são um difícil processo para o estudante.

Finalmente, um outro aspecto que justifica o trabalho a ser rea-


lizado nessa dissertação é alimentar, como será visto na seção se-
guinte, dedicada ao método, a discussão sobre o valor acadêmico
não só da pesquisa em projeto ou do projeto em pesquisa, mas da
possibilidade de dar credibilidade às análises feitas em primeira
pessoa, ou do recurso à experiência própria dentro do ambiente
acadêmico.

Fundamentos do Método

Discutiremos de forma um pouco mais aprofundada, logo na pri-


meira parte do trabalho, a questão da validade do mestrado em
projeto e suas possíveis formas. As dificuldades metodológicas,
que não são pequenas, não devem nos impedir de enfrentar a ne-
cessidade da reflexão focalizada no que constitui o conhecimento
contido especificamente no projeto de arquitetura, e não apenas
para formar alunos e professores de projeto.

O primeiro problema enfrentado aqui diz respeito à validade de


ter como elemento central deflagrador da análise um projeto reali-
zado sob minha coordenação. Ou seja, um projeto sobre o qual falo
com um inevitável envolvimento pessoal, e, num certo sentido, a
partir da minha própria experiência, sobre a qual voltamos a falar

6 BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista


Brasileira de Educação. jan/fev/mar/abr 2002. nº 19, p. 27.

12
aqui.

Para Serres7, a experiência é, junto com a representação, um dos


componentes do conhecimento. Para ele, uma coisa é o discurso
sobre um bom vinho, outra é a degustação desse mesmo vinho;
uma coisa é o mapa, outra é passar por e conviver num determi-
nado território. O discurso e o mapa são a representação, pela qual
nos atemos a significados já dados. A degustação e a convivência
são a experiência.

Estar lá, como na experiência com a Casa da Cascata descrita na


introdução, “visitar” uma obra (física ou academicamente), per-
manecer, viver a experiência, é sempre um afastamento das re-
presentações seguras porque pretensamente unívocas, gerando
deslocamento, exposição ao inesperado e, eventualmente, a pro-
dução do novo, que é o que se espera de algumas modalidades de
trabalho acadêmico.

Com relação ao empreendimento científico, do qual a elaboração


de uma dissertação de mestrado é um exemplo, as noções de ex-
periência e representação apresentadas denunciam a necessidade
de ampliação do âmbito acadêmico para formas de pensamento
complementares à tradição positivista cartesiana, como afirma
Merleau-Ponty ao mencionar a importância da arte e do pensa-
mento modernos para a reversão da maneira habitual de compre-
ender o mundo.

[...]a questão que o pensamento moderno coloca em relação à


ciência não se destina a contestar sua existência ou fechar-lhe
qualquer domínio.[...] Não se trata de negar ou limitar a ciência;
trata-se de saber se ela tem o direito de negar ou de excluir como
ilusórias todas as pesquisas que não procedam como ela por
medições [...].8

E, complementando:

“É assim uma tendência bastante geral reconhecermos entre o


homem e as coisas não mais essa relação de distância e dominação
[...], mas uma relação menos clara, uma proximidade vertiginosa
que nos impede de nos apreendermos como um espírito puro
separado das coisas, ou de definir as coisas como puros objetos sem
nenhum atributo humano.”9

7 SERRES, M. Filosofia Mestiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.


8 Merleau-Ponty, Maurice. Conversas, 1948. São Paulo: Livraria Martins Fontes,
2004 p. 5-6.
9 Idem p. 27

13
Se para a ciência tradicional, modelo ainda predominante na pro-
dução de conhecimento acadêmico, a experiência é entendida
como experimento, nesse trabalho ela será entendida, retomando
Bondía, como o que nos acontece, como fonte de um conhecimen-
to encarnado, contextualizado. Ou como define Benjamin10, como
aquela pela qual se passa, passo a passo, e que é vívida e estimulan-
te, desafia o conhecido, institui o movimento de vir a ser.

Trabalhar com essa idéia de experiência e defender sua adequação


no presente contexto exige discutir brevemente a questão da in-
terpretação dos dados de pesquisa e os impasses relativos ao aces-
so, pela via da representação, a eventos que a transcendem.

De maneira geral, o desenvolvimento da argumentação num tra-


balho científico deve se dar de forma sistematizada e organizada,
tendo como fio condutor subjacente a noção de uma correspon-
dência entre o que podemos pensar teoricamente e os fenômenos
observados. Se fosse possível escapar à argumentação, a simples
apresentação do projeto seria suficiente. No entanto, a experiência
que aqui tem que ser analisada, da maneira como pretendo fazer
isso, exige uma prévia discussão sobre os critérios para sua inter-
pretação. Sobre a interpretação, diz Figueiredo:

“Há duas concepções básicas a respeito: pode-se entender a


interpretação como uma espécie de juízo reprodutivo ou como uma
espécie de criação.”11

Sugere, ainda, uma outra forma de interpretar: a interpretação


como resposta.

A interpretação como juízo nos diz que a obra contém nela um


sentido próprio, e que cabe ao intérprete resgatar esse sentido.
Neste caso, a atividade interpretativa pressupõe, por parte do au-
tor, neutralidade ou objetividade. Se pensamos a interpretação
dessa forma, temos que definir critérios para verificar se ela é ver-
dadeira ou falsa, ou seja, se a representação do fenômeno de fato
o representa.

A interpretação como criação não conduz a nenhum teste de ve-


racidade, uma vez que é considerada como um juízo puramente
subjetivo. Nesse caso, pensando radicalmente, é como se a obra lá

10 BENJAMIN, W. Reflexões: o brinquedo, a criança e o brincar. São Paulo:


Summus, 1984.
11 FIGUEIREDO, L.C. A fabricação do estranho: notas sobre uma hermenêutica
“negativa”. Boletim de Novidades PULSIONAL. Ano VII, 1994. nº. 57.

14
estivesse apenas para servir de apoio ao que o intérprete acha, e
não há acordo possível entre os diferentes intérpretes. A cada in-
terpretação cria-se um novo sentido para a obra.

Na terceira possibilidade, de interpretação como resposta, é pos-


sível superar a dicotomia sujeito/objeto. Nesse caso, para que che-
gue a se constituir a relação do indivíduo interpretante com a obra
a ser interpretada,

[...]a obra já deve ter feito seu próprio caminho na constituição


do sujeito, deve tê-lo afetado, deve ter-se imposto a ele e nele
engendrado experiências novas, surpreendentes, inquietantes,
estimulantes, fascinantes e sedutoras, quem sabe angustiantes.
São estas experiências com a obra, anteriores a qualquer
distanciamento e a qualquer juízo, que vão exigir uma espécie de
“tradução” que configurará o até então inominável e disperso na
experiência.”12
Por essa via, a obra em si não representa nada, ela promove uma
realização de sentido. Ou seja, ela repercute no intérprete, que
lhe dá um sentido, que não é um sentido qualquer, no entanto.
Ele surge porque se está diante daquela obra específica, e não de
qualquer outra. Intérprete e obra encontram-se a meio caminho e
são transformados. O observador pelas ressonâncias que a obra
imprime na sua experiência, e a obra pela multiplicidades de
sentido que o intérprete pode vir a revelar e multiplicar.
Essa seria, a meu ver, a condição de interpretação exigida não
só para com o projeto que analiso aqui, mas para com todo esse
trabalho acadêmico, que mais que conduzir a conclusões pretende
sugerir ampliações do que pode ser entendido e aprendido com ele.

A pesquisa em projeto
Reafirmo, então, a partir dos esclarecimentos apresentados, que
pretendo que validem esse empreendimento, que a análise de pro-
jeto a que me proponho não será feita pela ótica do critico de ar-
quitetura, e sim da do projetista. Ela não deve gerar um juízo sobre
sua veracidade, nem uma leitura livre e subjetiva e sim, se bem
sucedida, resultar no que Figueiredo chamou acima de “realização
de sentido”.

Para isso, um cuidado necessário é evitar o máximo possível a redu-


ção dessa experiência ao que é geral, ou pretensamente universal,
por meio do achatamento das peculiaridades do projeto analisado.
Um outro é estabelecer ramificações pertinentes com outras expe-
riências análogas ou semelhantes, que ampliem os horizontes do

12 Idem p 19-20

15
conhecimento que pode ser gerado a partir de um projeto.

Assumo, dessa forma, o contexto do projeto como uma forma de


pesquisa. Ou seja, apesar de não se tratar da criação de um pro-
jeto com objetivo único de explorar um tema e sem contexto da
prática, suas condições de validade como saber transmissível são
tomadas como equivalentes.

Quais são, então, as condições que permitem considerar um proje-


to como uma pesquisa? Ou, colocado de outra forma, como regis-
trar o conhecimento arquitetônico produzido no processo do pro-
jeto de forma a que possa servir não apenas à finalidade imediata
(conceber e construir uma obra), mas colaborar para a ampliação
do campo de conhecimento da nossa disciplina?

A primeira fonte para o entendimento deste problema pode ser o


estudo da relação entre a teoria e a prática arquitetônica. A análi-
se desta relação é chave para a compreensão do projeto enquanto
pesquisa e Montaner é enfático ao afirmar, no prefácio do livro de
teoria do projeto arquitetônico de Cristian Fernandez Cox, a rele-
vância do tema para o ensino.

“O enfoque do livro que o leitor esta começando a ler é tão acertado


como necessário. Se situa em um terreno pouco explorado: o
das relações entre a teoria e o projeto arquitetônico, que em um
futuro próximo deve ser a chave da renovação do ensino de
arquitetura.”13

Existe um certo consenso de que a origem da teoria na arquitetu-


ra é a obra arquitetônica e portanto o primeiro vinculo entre os
dois campos esta ligado a própria gênese da teoria. Zein, porém,
vai além ao indagar se a principal função da teoria arquitetônica
não é fundamentar e realimentar o projeto.

“Teorizar, construir uma teoria, é tarefa que, na arquitetura, cabe


primordialmente à obra arquitetônica. Teorias arquitetônicas são
inúteis se não forem instrumentos do fazer arquitetônico concreto;
mas, paradoxalmente, a teoria nunca esta presente enquanto tal
no processo de projetação.”14

Esta visão da relação entre a teoria e o projeto que enxerga a prá-

13 MONTANER, Josep Maria. La necessaria teoría del projeto arquitectónico. In:


Cox, Cristian Fernandez. El orden complexo de la arquitectura. Santiago de Chile:
Ediciones Universidad Mayor, 2004. p. 13.
14 ZEIN, Ruth Verde. O lugar da Critica: Ensaios oportunos de arquitetura. Porto
Alegre: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001. p. 203.

16
tica, ao mesmo tempo, como a origem e o destino da teoria é com-
partilhada também por Mahfuz quando cita Helio Pinon:

“Menos ainda se deve associar a teoria a uma atividade


alternativa,à pratica do projeto, praticada por espíritos poucos
inclinados ou capacitados para a concepção formal: de nada
serve a mais atilada observação teórica se não contribui para a
intensificação do entendimento visual, condição necessária da
capacidade de julgar e, portanto, de conceber.”15

O processo de projeto não é linear e portanto as relações destas


duas faces da arquitetura não é causal, mas a experiência prática
deixa evidente que a teoria é fator decisivo na ampliação da res-
posta projetual, permitindo ao arquiteto ir além de seu repertório
acumulado. Esta condição é, como veremos a seguir, uma das pis-
tas fundamentais para que possamos definir qual deve ser o for-
mato de uma pesquisa em projeto, de forma a ser ao mesmo tempo
válida enquanto conhecimento acadêmico e útil para a prática de
projeto.

Vários autores tentam definir as condições para que um projeto


possa ser considerado uma dissertação de mestrado. Em primeiro
lugar existe a questão do caráter científico deste esforço de produ-
ção e transmissão do conhecimento gerado pelo projeto.

“O projeto arquitetônico não está tão distante da investigação


científica. Não lhe falta a temática, a indagação, as referências
teóricas, as hipóteses de trabalho, a experimentação, a escolha da
melhor alternativa para a sua devida otimização e, finalmente,
a publicação e a discussão. Falta-lhe apenas, uma exposição
sistematizada, uma formatação rigorosa para se enquadrar no
que é exigido ao trabalho científico. Mas devemos reconhecer que a
arquitetura possui o seu enquadramento epistemológico próprio e
as suas metodologias próprias.
“A ciência, a partir do concreto historicamente determinado,
realiza suas análises metódicas, sempre conduzidas pela razão,
para chegar aos mais altos níveis de abstração e generalidade
teórica. ... A arquitetura, na sua dimensão intelectual, também
realiza movimentos semelhantes, mas o que melhor caracteriza a
arquitetura não é a análise, mas a síntese; não é a abstração, mas
a concreção; não é a generalização, mas a particularização.16

15 MAHFUZ, Edson da Cunha. Crítica, teoria e história e a prática de projeto. In:


KIEFER, Flávio; et alli. (orgs.). Crítica na Arquitetura: V Encontro de Teoria e
História da Arquitetura. Porto Alegre: Editora UniRitter, 2005. p. 285.
16 CAMPOS, José Carlos; ALBUQUERQUE DA SILVA, Cairo. O projeto como
investigação científica: educar pela pesquisa. [S.l.]: Vitruvius, 2004. Texto Especial
246. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp246.asp>.
Em 30/9/2006.

17
A partir da compreensão dos limites, anteriormente explicitados,
da definição do caráter “científico” de qualquer estudo relaciona-
do ao projeto, tentarei encontrar um formato que resulte, se não
em uma formatação rigorosa pelo menos uma exposição sistema-
tizada do processo de projeto.

Mahfuz distingue duas possibilidades distintas e válidas de dis-


sertações de projeto: a pesquisa em projeto e o projeto como pes-
quisa. No primeiro caso trata-se de partir da análise de projetos já
existentes, revelando seus procedimentos internos e ampliando a
compreensão dos mesmos. A segunda e mais ambiciosa possibi-
lidade é a produção de projeto como método de criar o conheci-
mento.

“Neste caso, o projeto é concebido como uma reflexão a respeito


de um tema relevante. O trabalho final consiste de um projeto
arquitetônico fundamentado, isto é, os elementos gráficos habituais
são acompanhados por um texto alentado que trata dos aspectos
teóricos, históricos e críticos do problema e de sua solução. Pode
até ter o formato final de uma dissertação, com a diferença de que
texto e ilustrações são da mesma autoria e se referem ao mesmo
tema.” 17

A idéia do projeto como forma de pesquisa, ainda pouco comum


no Brasil, representa uma das direções mais interessantes do mes-
trado em arquitetura, tendo grande potencial de transformação da
arquitetura e do ensino de projeto no pais.

A condição que estou aqui, é próxima do primeiro caminho, pro-


pondo-me a desenvolver uma pesquisa em projeto, mas por tratar-
se de um projeto em especial – o CEI – do qual tive a experiência
de ter sido um dos autores, estou ao mesmo tempo na posição da
segunda possibilidade o projeto como pesquisa. .

De qualquer forma, o mais relevante neste caso é esclarecer as


conexões com a teoria e a história da arquitetura dos projetos
analisados. Entender como o programa foi tratado e a qual tipo
de relação existe com o contexto físico ou social de sua realização
concreta. Não estamos no território da crítica, onde pela necessi-
dade de estabelecer juízos de valor, a autoria criaria dificuldades
adicionais.

A forma de desenvolvimento da dissertação, sua organização in-

17 MAHFUZ, Edson da Cunha. O projeto de arquitetura e sua inserção na pós-


graduação. [S.l.]: Vitruvius, 2002. Arquitextos 22. Disponível em <http://www.
vitruvius.com.br/arquitextos/arq022/arq022_03.asp>. Acesso em 23/10/2008.

18
terna, inicialmente estava organizada de forma clássica dos temas
mais gerais para os mais específicos, porém, se o ponto de parti-
da é assumidamente a experiência do autor, pareceu mais lógico
inverter sua ordem de forma a iniciar com o que é mais particu-
lar e a partir dai criar desdobramentos – não todos, mas os possí-
veis numa dissertação de mestrado, estabelecendo a relação com
as tais situações análogas ou semelhantes para promover visões
mais abrangentes do problema.

Iniciarei, portanto, com a apresentação do projeto do CEI, não de


forma sistemática e descritiva, mas buscando retomar o processo
de projeto, de forma aproximada ao seu desenvolvimento no tem-
po, mas principalmente identificando os pontos mais relevantes
e tentando esclarecer os critérios e os contextos das decisões de
projeto. O objetivo aqui é permitir que as soluções principais se-
jam vistas e entendidas dentro do horizonte e do sentido que elas
tinham quando foram tomadas. É o registro possível da experiên-
cia gerada no processo de produzir um projeto que se desenvolveu
por mais de uma década, retomada aqui e agora.

A partir deste quadro, tentaremos olhar o projeto do CEI, no se-


gundo capitulo, pela ótica de sua tipologia funcional, entendendo
de forma breve sua evolução histórica e comparando com outros
projetos realizados dentro de contextos similares, tanto em rela-
ção ao programa, como em relação ao local: a cidade de São Paulo.

Por último analiso o que considero seu aspecto mais relevante,


sua relação com a cidade, não mais na escala da relação do edifício
com seu entorno imediato, pois isto já foi desenvolvido nos dois
primeiros capítulos, mas sim como um elemento do processo de
construção da cidade. A cidade surge a partir de ações do Estado
quando este regulamenta sua ocupação ou executa diretamente
edifícios, espaços públicos e obras de infra-estrutura, mas princi-
palmente da ação pulverizada de milhares de pessoas ou grupos
que planejam e constroem edifícios. Este processo, que mesmo
pulverizado não tem, como bem coloca Bernardo Secchi18, nada
de “espontâneo”, encontra aqui um momento particular em que
a ação é conjunta do Estado e do individuo na produção de um
espaço.

18 SECCHI, Bernardo. Primeira Lição de Urbanismo. São Paulo: Editora


Perspectiva, 2006. p. 15-17.

19
Centro Itaú Conceição - Processo de projeto
Origem do projeto

O conjunto de terrenos do Itaú foi adquirido em duas etapas. Na


primeira concorrência os lotes E2, E3 e E5 foram arrematados e na
segunda, o E2 , totalizando 20.000 metros quadrados. Os terrenos
foram adquiridos pela Itaú Seguros e tinham inicialmente duas
destinações, os lotes E2 e E3 deveriam abrigar a sua sede e o E5
caberia à Sulimob (empresa de desenvolvimento imobiliário do
Itaú) para ser utilizado no projeto de um empreendimento imobi-
liário residencial.

Durante o desenvolvimento do projeto e a construção da sede da


Itaú Seguros a diretoria do Itaú começou a cogitar a possibilidade
de trazer a sede corporativa da holding Itaúsa e quando da aqui-
sição do E2 já se consolidava a idéia de transferência da sede do
Banco e de suas diretorias comerciais e financeiras. O Itaú se orga-
nizaria do ponto de vista de suas instalações físicas em dois pólos:
o Centro Empresarial Itaú (CEI) na estação Conceição do metrô
abrigaria a sede do grupo e suas coligadas e o Centro Técnico Ope-
racional (CTO) na Mooca centralizaria o suporte operacional do
banco, incluindo principalmente a central de processamento de
dados.

Esta tendência de concentração das empresas ligadas ao setor fi-


nanceiro em grandes polos administrativos, como veremos adian-
te, acompanha a tendência de concentração e consolidação do se-
tor financeiro em poucas grandes empresas, iniciada na década de
setenta.

O desenvolvimento do projeto no tempo teve três etapas relacio-


nadas aos lotes adquiridos, de forma que internamente sempre
chamamos os edifícios pelos nomes de seus lotes. Temos assim o
E3-4, que engloba as três primeiras torres e seu respectivo emba-
samento, o E2, projetado para ser a sede da Itaúsa e, mais tarde,
a do Banco Itaú e, por último, o E5, que deverá acomodar a área
financeira do banco incluindo a mesa de operações, com projeto
executivo desenvolvido pelo escritório Aflalo e Gasperini.

Como entre o primeiro projeto e o último transcorreram mais de


vinte anos, houve grandes transformações não só entre os arquite-
tos e o contexto de seu trabalho, mas inclusive na própria institui-
N sem escala ção que os acomodava, o Itaú.
CEIC. Nomenclatura dos lotes. [3]
Dividiremos, portanto, a apresentação do processo de projeto e

20
suas questões centrais nesses três momentos, pois apesar de for-
marem um único conjunto arquitetônico seu contexto de produ-
ção e suas equipes foram bem distintas.

Precedentes
A concepção do processo criativo do arquiteto que predomina des-
de o início do Movimento Moderno repudia a existência de outra
referência inicial, além do próprio programa e do sítio da obra.
Comas identifica em seu texto de 1985 as duas principais linhas
de explicação para a criação arquitetônica que surge no modernis-
mo.

“A primeira teoria postula o partido como conseqüência


inevitável da correlação lógica entre a análise dos requerimentos
operacionais do programa e a análise dos recursos técnicos
disponíveis. A segunda visualiza o partido como resultado
de intuição do gênio criador do arquiteto, manifestando-
se espontaneamente. Ambas surgem contrapostas à teoria
tradicional que entendia ser a concepção de partido baseada na
imitação de precedentes formais conhecidos.” 19

Estes três mecanismos, que são concebidos como mutuamente


exclusivos, falhando em explicar de forma consistente o processo
de criação, ocorrem sempre e em momentos diferentes na criação
arquitetônica. A ênfase dada a cada componente é mais fruto das
convicções de seus autores do que evidência da prática de projeto.

A tradição, as obras e as idéias que estão na formação do arquiteto,


assim como o ambiente cultural no qual está imerso, têm signifi-
cativo impacto na resposta que dá quanto às solicitações objetivas
do programa ou a relação com o local.

“ Quando você analisa seu próprio trabalho você tem que


perguntar a si mesmo o que você obteve e de quem. Pois tudo que
você encontra vem de algum lugar.”
“ Arquitetos ( não somente eles ) têm o hábito de omitir suas fontes
de inspiração.”
“Mas fazendo isto o processo de projeto fica nebuloso, enquanto
que ao esclarecer o que o motivou e estimulou você em primeiro
lugar, talvez você consiga explicar a si mesmo e fundamente suas

19 COMAS, Carlos Eduardo Dias. Ideologia modernista e ensino de projeto


arquitetônico: Duas proposições em conflito. In: Comas, Carlos E. D. Projeto
arquitetônico disciplina em crise, disciplina em renovação. PROJETO, São Paulo,
1986. p.33.

21
decisões.” 20

Além de permitir esclarecer quais referências o arquiteto utilizou


em seu processo de criação, entendendo melhor suas decisões, a
análise dos precedentes permite também conectar os projetos
com a história das idéias e das soluções de arquitetura.

Tentarei aqui desenvolver um pouco os precedentes relevantes


para o projeto do CEI, mesmo que de forma incipiente, pois consi-
dero que de qualquer maneira contribuirá para a melhor compre-
ensão do processo.

Este projeto foi resultado do trabalho desenvolvido dentro de uma


empresa com muitos arquitetos e, portanto, espelha um conjunto
Ginasio do Clube Atlético Paulistano. São Paulo, João Eduardo De Gennaro e [4]
de referências arquitetônicas bastante amplo e variado. Soma-se a
Paulo Mendes da Rocha.
isto o fato de que o arquiteto João Eduardo De Gennaro, diretor da
Itauplan na época do projeto, apesar de ser um dos representantes
ilustres da arquitetura brutalista paulista, nunca foi dogmático e
permitia grande liberdade formal aos profissionais sob sua coor-
denação.

A produção da Itauplan nessa época, início da década de oitenta,


reflete a grande variedade de caminhos que o questionamento da
rigidez da arquitetura moderna introduziu no campo da arquite-
tura. É possível conhecer melhor seu trabalho através de alguns
estudos já feitos sobre seus projetos, entre os quais eu destacaria a
dissertação de mestrado de Julio Vieira.21

Apesar de inseridos nessa grande equipe, a concepção inicial do


projeto do CEI foi desenvolvida pelo arquiteto Javier Judas y Ma-
nubens e por mim de forma relativamente autônoma e também
coube a nós a coordenação de todo o processo de desenvolvimento
do projeto. Portanto somente vou detalhar as referências e prece-
dentes que nos influenciaram, ao Javier e a mim, desde a formação
na escola e durante a execução do projeto, sem ousar ir além de
uma caracterização no contexto da Itauplan.

Javier fez parte da primeira e única turma formada pela Faculda-


de de Arquitetura de São José dos Campos, tendo iniciado o cur-
so em 1970. Essa escola, constituída no auge da ditadura militar,

20 HERTZBERGER, Herman. Lessons for students in Architecture. Nijmengen: 010


Publishers, 2005. p. 5.

21 VIEIRA, Julio Luiz. Arquitetura bancária e imagem corporativa no Brasil:


O caso da Itauplan (1973-2000). Dissertação (Mestrado). Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientador Candido Malta
Campos Neto. São Paulo, 2003.`

22
incorpora uma série de professores que haviam sido expulsos da
FAUUSP e da Universidade de Brasília. Sua ambição, na visão de
Javier,22 era ser uma espécie de Bauhaus onde a arquitetura, o ur-
banismo e o design conviveriam com as demais artes, sendo que
no caso dele a principal influência era o cinema, que tinha como
professor o importante crítico e cineasta Jean Claude Bernardet.

Quanto aos arquitetos, uma presença constante apesar de não ser


professor fixo da escola, era Paulo Mendes da Rocha, mas os que
se destacavam, para Javier, eram Paulo Bastos e Mayumi Watana-
be de Souza Lima, que apesar de terem sido docentes da FAUUSP
se vinculavam a diferentes linhas da escola. Paulo Bastos estava
ligado à linha dominante da arquitetura paulista, liderada por Vi-
lanova Artigas, e Mayumi, ao grupo dissidente de Sérgio Ferro e
Marquise da Igreja da Pampulha. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer. [5]
Rodrigo Lefèvre. O arquiteto que mais admirava porém era Oscar
Niemeyer, cuja liberdade formal e uso de formas mais orgânicas o
aproximava, na visão de Javier, da liberdade de um escultor.

“ Me parece que quando o Artigas ou um arquiteto paulista


inicia um projeto ele sabe exatamente aonde vai chegar, a forma
que será resultante, sempre um volume regular. Quando você vê
filmes do Niemeyer projetando e ele inicia uma linha, a impressão
que eu tenho é que ele não sabe o que resultará no fim”.23

Porém, as atividades dominantes de Javier na escola estão ligadas


mais às artes plásticas e ao cinema e quando sai da escola se as-
socia a Guto Lacaz em um pequeno escritório onde desenvolvem
trabalhos gráficos, cenográficos e até arquitetônicos.

Croqui de Oscar Niemeyer da Casa das Canoas. [6] Neste fim da década de 1970 há também o surgimento dos arquite-
tos pós-modernos nas publicações brasileiras e um, em particular,
terá grande influência no trabalho e na linguagem de Javier, Mi-
chael Graves. Este importante arquiteto americano cria em seus
trabalhos a impressão da volumetria a partir de um tratamento
gráfico das fachadas e seu uso de elementos históricos nunca ocor-
re de forma direta, através do emprego de componentes e orna-
mentos de estilos prévios, mas sim por uma leitura gráfica e estili-
zada, quase uma versão bidimensional.

O Portland Building, seu edifício mais conhecido, é na realidade


um simples cubo com janelas idênticas em sua maior parte, no
qual o tratamento gráfico da fachada dá a ilusão de uma volume-
tria altamente elaborada. Somente uns poucos elementos decora-

22 Entrevista dada ao autor em 5/6/09.


23 Entrevista dada ao autor em 5/6/09.

23
tivos são tridimensionais e é o uso de recursos gráficos de contras-
te e de formas bidimensionais que dá a impressão de um edifício
clássico.

As dificuldades do início de uma carreira autônoma, somadas ao


primeiro filho, levaram Javier a entrar na Itauplan em 1978, curio-
samente exatamente quando eu deixava a empresa, de forma que
só nos encontraremos profissionalmente em 1981 quando retor-
nei à Itauplan para o projeto do CEI. Apesar da relativa liberdade
formal que os arquitetos da empresa gozavam, nesta época sob
coordenação de Perillo Alves, não havia espaço para uma arquite-
tura historicista em um banco tão associado à arquitetura moder-
na, que era chamado “um banco de engenheiros”. Portanto o que
Javier incorporará do trabalho de Michael Graves, ao menos nos
Portland Building. Portland. [7]
trabalhos do Itaú, será a utilização de materiais, cores e texturas
como uma forma de desenhar, bidimensionalmente, um volume
virtual rico aplicado sobre um volume real simples.

Porém o projeto mais relevante que ele havia desenvolvido, e que


certamente o qualificou para a equipe do CEI, foi a ampliação da
agência da praça Pan-Americana, em São Paulo. O banco já tinha
uma agência, afastada da praça e que fora desenhada pelo arquite-
to Marcelo Dias Menezes. Com a compra do terreno em frente à
praça, quis aproximá-la da mesma. Como por restrições de zonea-
mento não podia ser construída uma ampliação da agência, Javier
desenvolveu uma estrutura pergolada que partia da geometria do
edifício existente e a prolongava até a rua que contorna a praça.
Este projeto, até hoje um dos melhores do Itaú, demonstra, em
uma visão não compartilhada por Javier, sua forte ligação com o
Agência Itaú, Pça. Panamericana. [8]
trabalho de Niemeyer que será fundamental no desenho das lajes
do embasamento do CEI.

Já a minha formação, na Faculdade de Arquitetura da Universi-


dade de São Paulo (1972-1979), fez que as principais referências
iniciais de minha prática profissional fossem os projetos de Vila-
nova Artigas e Paulo Mendes da Rocha. Existe uma interessante
publicação da revista PROJETO,24 que se propõe, ao comemorar os
50 anos da fundação da FAUUSP, a avaliar as evidências da sua
influência nas primeiras obras dos arquitetos de várias gerações
formados por ela. O editor selecionou, no meu caso, como um dos
representantes da turma de 1979, o projeto do teatro Mars. Desen-
volvido dois anos antes do início do CEI, o projeto reflete a auste-
ridade e a simplicidade da volumetria da obra de meus mestres

Teatro MARS. São Paulo. [9]


24 PROJETO: Revista Brasileira de arquitetura, planejamento, desenho industrial e
construção. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda, nº 228, p. 25.

24
adotivos e pode ser considerado filho legítimo da Escola Brutalista
Paulista. Talvez mais na sua estratégia compositiva e na escolha
dos materiais do que em suas pretensões mais abrangentes se con-
siderarmos a análise precisa, porém ácida, de Ruth Verde Zein do
que é especifico da escola paulista:

“Assim sendo, talvez o que defina sua especificidade não


seja apenas seus elementos de composição ou os materiais de
eleição, mas igualmente a ênfase colocada em aspectos como a
racionalidade construtiva e clareza estrutural, apontando para
uma meta futura, freqüentemente simbólica, de pré-fabricação; na
sua organização privilegiando espaços voltados para si mesmo,
mas que se propõem como abertos para ao coletivo; na ênfase em
postular-se como paradigmas de uma realidade futura mais de
acordo com seus ideais sociais; e, ao se pretender exemplar, na
concepção de soluções que, sendo isoladamente de grande interesse,
se vêem ou preferem ser vistas como protótipos ou mesmo modelos
que se prestariam a ser muitas vezes repetidos, uma vez que
teriam alcançado um patamar, julgado adequado por seus pares e
discípulos, de solução cabal.”25

Sem dúvida poderia incluir também a clareza estrutural e certa ra-


cionalidade construtiva no rol de características que vincula este
projeto à escola paulista, mas nunca a idéia de que o verdadeiro
valor do projeto não estaria em suas qualidades intrínsecas, mas
sim em seu caráter de modelo de abordagem de determinado pro-
grama.

Porém a referência dominante para mim no desenvolvimento do


projeto do CEI foi o trabalho de Kevin Roche e John Dikenloo, já
The Ford Foundation, New York, EUA. Vista Geral. [ 10] que os mestres da arquitetura brutalista paulista, por convicções
ou falta de oportunidades, não haviam produzido até 1980 edi-
fícios de escritórios. Ambos trabalharam com Eeron Saarinen, e
Montaner os considera, juntamente com Cesar Pelli, seus princi-
pais colaboradores. Além do icônico edifício da sede da Ford Foun-
dation em Nova Iorque de 1963, com sua excepcional transição
entre o edifício e a cidade criada pelo atrium, foi o projeto da sede
do College Life Insurance Company of America em Indianápolis,
de 1967, a referência principal na idéia da composição volumétri-
ca do conjunto. Curiosamente são estes também os projetos des-
tacados por Montaner ao analisar o que ele chama de arquitetura
neoprodutivista.

25 ZEIN, Ruth Verde. Arquitetura Brasileira, Escola Paulista e as casas de Paulo


The Ford Foundation, New York, EUA. Planta tipo. [11]
Mendes da Rocha. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, PROPAR/UFRGS, 2000,
p.14.

25
“Uma das obras mais representativas é a citada Ford Foundation
em Nova Iorque (1963-1968) projetada por Kelvin Roche e John
Dikenloo. O edifício esta marcado pela ênfase na experiência do
controle visual e ambiental, que lembra a idéia característica
do século XIX do Pan-óptico; e lo desenvolvimento do conceito de
comunidade trabalhadora. [...]
De fato, ao longo dos anos 70, Roche e Dikenloo desenvolveram
uma série de marcos dentro da arquitetura de escritórios que
baseiam-se no alarde tecnológico e no experimento de formas
volumétricas puras.[...]
O projeto para o College Life Insurance Co., em Indianápolis
(1973), se baseava na repetição de nove torres idênticas, das
quais somente três foram construídas. Cada uma delas, tentando
continuar a tradição de volumes monumentais simples dos
astecas, maias e egípcios, tinha uma forma levemente piramidal,
com dois muros cegos e grossos e duas cortinas de vidro
inclinadas.[...]Neste caso, Roche e Dikenloo levam a poética dos
arranha- céus a um resultado extremamente expressivo e épico
que, ao mesmo tempo, sintoniza com a nascente “minimal art”
norte- americana.”26·

Não se trata, como é obvio, da replicação de uma solução e sim a


adoção desta mistura de austeridade construtiva e integração com
a natureza como fio condutor do projeto. O jardim interno da Ford
Foundation, sem dúvida, é uma referência para a tentativa de des-
caracterizar como subterrâneas áreas do embasamento que estão
10 metros abaixo do nível da rua e a composição das três torres de
escritório, na concepção inicial com fachadas de vidro, sobre os
espelhos d’água, com certeza, lembram a implantação do College
Life Insurance.
College Life Insurance Company of America, Indianapolis, EUA. Vista geral. [12]
Muitas das referências importantes para os arquitetos do projeto
são às vezes eliminadas por fatores além do alcance dos mesmos. A
Itauplan estava instalada no edifício que Rino Levi projetou para o
Banco Sul-América, que resolve de forma brilhante a iluminação
e ventilação naturais, sem mencionar o rigor no detalhamento e
uso dos materiais. Porém uma das premissas que recebemos do
cliente era evitar o uso de brise-soleil e a proximidade do aeroporto
de Congonhas tornava a questão do isolamento acústico um fator
chave no desenho da fachada.

Na mesma quadra do edifício Sul-Americano ficava o da Caixa


Econômica que com sua implantação urbana única na avenida
Paulista sempre nos estimulou a romper com os mesquinhos li-

College Life Insurance Company of America. Planta do primeiro piso. [13]


26 MONTANER, Josep Maria. Depois do Movimento Moderno. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili, 2002, pg.175.

26
mites do lote urbano e a rígida separação entre o espaço público e
o privado.

E3 e E4 (1982-1985)
Arquitetos: João Eduardo De Gennaro
Javier Judas y Manubens
Jaime Marcondes Cupertino
Apesar de o Itaú já possuir o lote E5, a solicitação feita aos arquite-
tos supunha o projeto dos lotes E3 e E4 como autônomos e, como
imaginavam outro uso para este lote, tínhamos orientação de não
considerá-lo como parte da concepção global. Evidentemente
mesmo que não explicitamente, sempre avaliamos certas decisões
CEIC. Acesso subterraneo à torre Eudoro Villela. [14] considerando a hipótese de unificação dos terrenos de forma que
o espaço entre a torre C e a área de equipamentos, que no projeto
inicial estava caracterizado como simples acesso à área de equi-
pamentos, se transformasse em importante conexão de pedestres
entre o E3 e E4 e o lote E5.

No início de um projeto arquitetônico frequentemente devemos


conviver com dois extremos na postura dos clientes em relação ao
programa e ao projeto. De um lado a total indefinição dos usos e
a exigência de máxima flexibilidade em relação ao projeto; no ou-
tro extremo e igualmente problemático, o excesso de certezas que
impossibilita a rica evolução progressiva de definições e decisões
entre as muitas soluções possíveis para um mesmo programa.

Área computável e volumetria


CEIC. Acesso subterraneo à torre Eudoro Villela. [15]
O projeto urbanístico da Emurb pouco alterou a estrutura viária do
entorno, apesar de ter aumentado de forma expressiva o coeficien-
te de aproveitamento dos lotes (média de quatro vezes o terreno).
Isto criou a possibilidade de existirem áreas construídas imensas
ligadas a ruas ainda na escala da ocupação residencial de baixa
densidade que predominava na região. O mais grave, no caso dos
terrenos do Itaú, é o da rua Carnaubeiras, que faz uma das divisas e
tem apenas 6 metros de largura mas que, na face oposta ao lote do
Itaú, é ocupada quase exclusivamente por pequenos sobrados.

O primeiro problema que tivemos de resolver, ao iniciar o projeto,


foi o da estratégia a adotar para compatibilizar a expressiva área
construída permitida com a limitação adicional de gabarito de al-
tura definido pela proximidade do aeroporto de Congonhas.

CEIC. Acesso subterraneo à torre Eudoro Villela. [16] Em função disto, a ocupação do conjunto está sujeita às limitações

27
de um cone de aproximação, a partir do eixo da pista do aeroporto,
que define os limites de altura permitidos aos edifícios, de forma a
não interferir no processo de aproximação dos aviões que pousam
ou decolam do aeroporto.

Essa limitação torna ainda mais aguda a solução da grande área


construída gerada pelo coeficiente quatro, pois na cidade este coe-
ficiente está associado a um índice de ocupação de 25% da área do
terreno, o que gera edifícios de no mínimo 16 andares.

No caso do terreno do CEI, quando aplicamos as restrições do ga-


barito do aeroporto, temos um edifício de no máximo 45 metros
N
de altura, o que se considerarmos um piso a piso de 4 metros, tí-
pico de edifícios de escritórios, resulta em uma construção de 10
CEIC e Aeroporto Internacional de Congonhas. [17] andares mais a torre dos elevadores.

Essa limitação, que levava a uma ocupação em projeção de quase


50% do terreno, para que fosse possível a utilização da área com-
putável permitida, acabou resultando em uma inovação técnica
em relação ao sistema de ar-condicionado, que foi a utilização de
insuflamento por plenum no forro. Na solução proposta, o ar-con-
dicionado é insuflado no espaço entre a laje e o forro, sem a utiliza-
ção de dutos, criando uma pressão positiva suficiente para garan-
tir a distribuição do ar pelo ambiente de trabalho. Mais à frente,
quando formos tratar dos aspectos técnicos do projeto, detalha-
remos melhor esta importante inovação, por ora o que importa é
que permitiu um piso a piso de apenas 3,35 metros , resultando em
dois pavimentos adicionais na torre.

CEIC. Corte em perspectiva. Piso-a-piso. [18]


Além da acomodação da área do programa, alguns temas concen-
tram, neste início do projeto, o esforço dos arquitetos:
- Acomodar o vasto programa sem criar uma massa constru-
ída brutal em relação ao entorno ou pelo menos reduzir seu
impacto.
- Criar maior fluidez na circulação pública sem que uma área
tão extensa construída bloqueasse a circulação de pedestres.
- Reconstruir a paisagem de forma a integrar as áreas públicas
adjacentes e valorizar o parque formado pela desapropriação
de três grandes residências.

A solução finalmente adotada foi dividir o programa em dois gran-


des blocos (escritórios e embasamento) e enterrar parcialmente o
embasamento para que se evitasse criar um obstáculo visual em
relação ao entorno.
CEIC. Torres e pisos do embasamento. [19]

28
O núcleo central das torres, com a circulação vertical e as pruma-
das, será o elemento que dará unidade do ponto de vista funcional,
permitindo que o conjunto seja percebido pelo usuário como con-
tínuo, apesar de estar volumetricamente segmentado.

A separação dos dois volumes construídos, com a penetração da


área pública dentro do terreno do Itaú, permitiu também resolver
a articulação dos espaços privativos com os públicos possibilitan-
do maior fluidez, sem que a segurança do conjunto fosse prejudi-
cada.

A solução, central para a qualidade da interação do edifício com


seu entorno, havia sido utilizada anteriormente no edifício-sede
do BNDES no Rio de Janeiro, 27 propondo, no tratamento do plano
CEIC. Continuidade visual. [20] da rua, recompor a relação da colina de Santo Antônio, onde está o
convento de mesmo nome, com a avenida. O paisagismo de Burle
Marx amplia a conexão entre os dois terrenos criando uma conti-
nuidade rica e rara em nossas cidades.

Apesar de não conhecer este projeto na época de desenvolvimen-


to do CEI, eu o vi recentemente no livro do Renato Anelli sobre
arquitetura brasileira e fiquei impressionado com a qualidade da
articulação do prédio com seu entorno.

Essa estratégia de projeto é extremamente eficaz para conciliar


uma maior fluidez do espaço público sem que sejam prejudicadas
as exigências do uso privado. Por deixar áreas importantes de uso
comum tecnicamente em subsolo, ela exige, como vemos em am-
bos os projetos, a criação de vazios que permitam que a luz e o
Sede do BNDES, Rio de Janeiro. Corte. [21]
sol penetrem nestes espaços, e também que o tratamento destes
níveis descaracterizem a impressão de subsolo com a utilização de
jardins e espelhos d’água.

Essa permeabilidade é obtida, no caso do Itaú, sem comprometer


as necessidades de segurança, pela forma como se estabeleceu a
separação entre as torres e o embasamento. Os núcleos de elevado-
res e escadas das torres não têm acesso quando cruzam com os pla-
nos de circulação pública. De forma que os dois níveis superiores
(2º e 1º Intermediário) são de livre acesso público e os dois níveis
inferiores ficam restritos aos visitantes do Itaú. A organização em
planos diferentes permitiu conciliar as exigências de segurança de

Sede do BNDES, Rio de Janeiro. Embasamento. [22]


27 Arquitetos: Alfred Willer,Ariel Stelle, Joel Ramalho Jr, José Sanchotene, Leonardo
Oba, Oscar Muller e Rubens Sanchotene.

29
um banco com uma relação mais aberta e generosa com a cidade.

“Ao fazer um aproveitamento inteligente das diferenças de altura


e fontes, não houve a necessidade de cercar o banco com paredes ou
grades. O complexo parece surpreendentemente acessível, segundo
os padrões brasileiros, principalmente no caso de um banco. O
arquiteto Jaime Cupertino fala de um “método medieval”, que é
eficaz na São Paulo contemporânea. Vandalismo, problemas de
segurança ou violência no local ainda não foram registrados. Os
moradores podem se sentir à vontade na praça. Crianças com
skates, mães com filhos pequenos e os idosos aproveitam bem a
oportunidade.”28

O método medieval que Paul Meurs menciona é o uso de fossos


CEIC. Cascata e escultura de Bruno Giorgi.
em parte do perímetro do conjunto como elemento de isolamento
[23]
e limitação do acesso sem que para isto fosse necessário o surgi-
mento de muros altos. A adequação desta solução fica muito evi-
dente na rua Carnaubeiras onde, além da dimensão reduzida de
sua calha, as calçadas também são muito limitadas. A altura do fe-
chamento visa principalmente garantir a segurança dos pedestres
já que o fosso criado entre o edifício e a rua garante a segurança.
A utilidade da solução medieval, na São Paulo de hoje, não deixa
também de ser um símbolo das condições de desenvolvimento so-
cial de nossa cidade.

O desenho do embasamento era baseado em lajes ortogonais e não


havia uma boa articulação com as áreas públicas ao redor. Parti-
cularmente a praça existente entre o terreno do Itaú e avenida Ar-
mando Arruda Pereira ficava em uma cota bem inferior (5 metros)
e criava uma espécie de ilha rodeada de taludes com presença nula
CEIC. Painel de Sérgio Camargo e espelho d’água. [24]
para as pessoas que circulavam pelo terminal de ônibus. Creio que
isto era resultante da localização da avenida em uma cota alta, que
criou taludes e muros de arrimo entre ela e o terreno ao lado, mas
também reflete as camadas sucessivas de projetos desde o gerado
pela implantação do metrô e pela intervenção direta da Emurb .

Desde o início do projeto, portanto, existia a intenção de recons-


truir, de forma levemente escalonada a ligação entre a avenida e o
parque resultante da unificação de três residências existentes no
local. O desenho mais orgânico destas lajes reflete a intenção de
recriar o relevo até o parque Conceição.

Porém uma grande área construída, relativa às partes de uso co-

CEIC. Solução para os muros externos.. Solução para os muros de arrimo. [25] [26]
28 MEURS, Paul. O espaço democrático sob pressão em São Paulo e no Rio. Título
original: Democratische ruimte in São Paulo em Rio de Janeiro onder druk, publicado
em: De Architect 1993-11, Haia, 1993-11, p. 100-109.

30
mum e os serviços de suporte de um conjunto destas proporções,
ainda deveria ser acomodada em um embasamento.

Esse embasamento criava uma grande área ocupada e formava um


bloqueio às visuais ao longo das ruas e praças contíguas. Esta solu-
ção está presente nos demais edifícios que fazem parte do plano de
urbanização da Emurb, situados no outro lado da avenida.

Resolvida a acomodação da área construída em dois grupos (em-


basamento e torres) buscamos a solução da implantação das torres
no terreno. A proposta inicial induzida pelos recuos e pela sim-
plificação da malha estrutural dispunha as três torres resultantes
paralelas à rua Carnaubeiras criando uma parede quase contínua
CEIC. Solução para os muros de arrimo. [27]
(os prédios ficavam recuados 10 metros entre si) de 150 metros de
largura por 45 de altura, a 5 metros dessa rua.

Essa implantação atendia a todos os requisitos legais, mas resulta-


va em uma massa construída desproporcional em relação à rua vi-
zinha que, como dissemos anteriormente, tem somente 6 metros
de calha. Um problema secundário, mas também relevante, era
que as áreas de escritórios voltadas para os recuos entre os prédios
estavam distantes entre si apenas 10 metros e, portanto, sem visu-
ais mais amplas.

Iniciamos então uma série de estudos de implantação que tentava


dar uma nova acomodação às três torres propostas e acabamos en-
contrando uma solução a 45 graus em relação à rua Carnaubeiras
que resolvia a maioria destes problemas mas, em função da forma
CEIC. Estudo de implantação em paralelo com a R. Carnaubeiras. [28]
irregular do terreno, uma das arestas do edifico mais alto não res-
peitava o recuo obrigatório de 5 metros.

A nova solução, muito superior do ponto de vista da relação com a


vizinhança e também melhor no aspecto puramente compositivo,
dificilmente seria aceita dentro do processo convencional de apro-
vação de projetos na cidade. Para sua viabilização seria necessário
percorrer um longo caminho que demandaria não só um número
maior de atores como também tempo, o que seria praticamente
impossível pelo seu impacto no cronograma de um empreendi-
mento.

Apesar da existência de instâncias como a Ceuso (Comissão de


Edificações e Uso do Solo) na cidade de São Paulo, que tem poderes
para aprovar soluções como esta, ela possui somente sete mem-
CEIC. Estudo de implantação em 45º com a R. Carnaubeiras. [29]
bros e se reúne duas vezes por semana com uma extensa agenda

31
de consultas e pendências. Portanto um projeto pode aguardar até
mais de um ano para que possa ser analisado, inviabilizando este
recurso para a maioria dos projetos. No entanto seria importan-
te desenvolvermos novas instâncias ou ampliarmos as existentes
para que os projetos pudessem ter uma avaliação mais abrangente
e qualitativa, como ocorre nos países desenvolvidos.

Isto põe em evidência as limitações do sistema de aprovação de


projetos hoje vigente, que se restringe a verificar se os índices ur-
banísticos, com sua volumetria resultante, estão dentro dos indi-
cados para aquela área da cidade.

Porém no caso do CEI, por estar incluído na área definida no pro-


jeto CURA Conceição, a atribuição de julgar e aprovar os índices
urbanísticos e em particular os recuos era da Emurb, que tinha
poderes para abrir mão deste problema pontual. Estando claro ao
corpo de arquitetos desta que a segunda proposta era muito me-
nos impactante em relação aos vizinhos, foi aprovada a solução e
viabilizada a nova implantação.

Torre de escritórios e pavimento-tipo


Os primeiros estudos desenvolvidos pela Itauplan propunham
dois edifícios, baseados na idéia de grandes pisos de escritórios
adotados no Centro Técnico Operacional (CTO) do Itaú na Moo-
ca. A idéia do ponto de vista funcional dominante no Itaú nessa
época era que as grandes lajes de pavimento-tipo geravam maior
liberdade na alocação dos departamentos e facilitavam o trabalho
de layout. No caso do CTO, este raciocínio tinha certa consistên-
cia, pois a utilização principal do edifício era como um grande
centro de processamento de dados do Itaú em São Paulo e as áreas
de suporte administrativo estavam dispostas em departamentos
com grande número de pessoas. No início do projeto do CEI o uso
dominante previsto era para acomodar a sede da Itaú Seguros,
proprietária do imóvel, que se organizava em departamentos com
menor número de pessoas em relação ao CTO.

A concepção do pavimento-tipo de um edifício de escritórios já


está há algum tempo condicionada por uma série de critérios nu-
méricos de avaliação de performance, que são estabelecidos a prio-
ri e em relação aos quais as soluções propostas serão avaliadas. A
primeira informação que um incorporador buscará a respeito de
um pavimento-tipo será a relação entre área total e área “alugável”
(rentable space) o que é fácil de entender pois a primeira define o
custo e a segunda, a renda possível, ou seja sintetiza a rentabilida-
de do investimento.

32
A maioria dos índices, portanto, diz respeito à maximização eco-
nômica do investimento, mas alguns são qualitativos, como a dis-
tância máxima entre a fachada e a mais distante estação de traba-
lho ou a relação entre perímetro de fachada e área de escritório,
que refletem, de certa forma, o acesso que uma pessoa pode ter ao
que acontece no exterior do prédio.

Na Europa, por exemplo, se considera 8 metros como limite má-


ximo de profundidade em relação à fachada, sendo que em alguns
países isto é regulado por lei, enquanto nos Estados Unidos e na
Ásia os escritórios frequentemente têm 17 metros de profundida-
de.29

Porém mesmo considerando a importância desses parâmetros de


performance do edifício, o projeto não precisa ser elaborado de
dentro para fora como se a forma resultante fosse delimitada pelas
decisões racionais referentes ao funcionamento do escritório.

No caso do CEI, a principal condicionante inicial foi o desejo ar-


bitrário de gerar um edifício que se aproximasse de um cubo. A
fixação, para alguns freudiana, nesta forma geométrica simples, já
CEIC. Croqui de possíveis configurações de núcleo. [30] evidente no projeto do teatro Mars, forçou a planta a ser um qua-
drado de aproximadamente 40 metros, uma vez que a proximida-
de do aeroporto limitava a altura do edifício.

Definidas a forma e as dimensões do pavimento-tipo, que geral-


mente são mais influenciadas pela volumetria, legislação e desti-
nação do espaço, começaram os estudos de configuração das áreas
destinadas à circulação vertical, sanitários e utilidades. Várias es-
tratégias são frequentemente utilizadas para solução deste proble-
ma, mais poderíamos para facilitar a compreensão, englobar três
caminhos: o núcleo central, o núcleo periférico e os serviços dis-
tribuídos.

Vários fatores podem indicar a adequação de um ou outro cami-


nho, mas os principais são a forma do edifício e o tipo de escritório
que queremos gerar; se o objetivo for criar pequenos conjuntos
somente as circulações verticais serão centralizadas e os serviços
dispersos pelo pavimento, se ao contrário, o uso dominante for de
grandes escritórios abertos (open plan) os núcleos centrais ou pe-
riféricos, contendo as circulações e os serviços, permitem a otimi-
zação do uso do espaço.

N 1:500
CEIC. Pavimento tipo das torres dos lotes E3 e E4. [31]
29 KOHN, A. Eugene.; KATZ, Paul. Building type basics for office buildings. New
York: John Wiley & Sons, 2000, p. 4 .

33
No caso do Itaú foi definido que o uso dominante das torres seria
de escritórios panorâmicos e, portanto, nos concentramos em ge-
rar o maior perímetro de caixilho e em tentar minimizar as áreas
destinadas à circulação criando um núcleo central.

A partir daí, através de um processo de aproximações sucessivas,


uma série de intenções arquitetônicas, funcionais e limitações
técnicas confluíram na configuração da solução de núcleo central
quadrado com uma área de layout com 11 metros de profundidade
máxima.

Partimos da idéia de um núcleo central compacto (20% da área do


pavimento) e que pudesse isolar facilmente todo o andar através
do fechamento das duas portas de acesso ao hall. Com o cálculo de
tráfego, definição do número de elevadores necessários e dimen-
sionamento do hall de acesso, decidimos que todos os serviços e
áreas técnicas seriam acessados a partir dele evitando a obrigato-
riedade de se criar uma circulação de distribuição junto ao núcleo
central, ao contrário do que se vai desenvolver na torre do lote E2
(torre Itaúsa), onde os serviços e mesmo os elevadores dão acesso
N 1:500 direto à área de layout.
CEIC. Pavimento tipo da torre Itaúsa. [32]
Em função da utilização do insuflamento do ar-condicionado em
plenum, era importante que as casas de máquinas estivessem dis-
tribuídas para minimizar a distância até os limites do pavimento
e para isso criamos quatro casas de máquinas nos cantos do núcleo
central.

Para avaliar a adequação da solução do pavimento-tipo, são úteis


também as simulações de layout baseadas nas premissas de ocu-
pação de cada organização. No Itaú era adotada, na época, a modu-
lação de 1,4 metro e tinha como meta ideal um índice de 10 metros
quadrados por pessoa o que gerava uma estação de trabalho de
quatro módulos mais circulação, com um mínimo de 4,5 metros
quadrados por pessoa. A partir destas definições se elaboravam hi-
póteses de layout que serviriam de guia para as aplicações especí-
ficas que seriam geradas para a ocupação real.

Arquitetura e marketing
No início do projeto definimos que o sistema de fechamento das
fachadas seria através de uma dupla cortina de vidro separada uma
da outra 1,4 metro. O fechamento externo deveria ser uma cortina
N 1:500 contínua de vidro levemente reflexivo, que atenuasse um pouco,
CEIC. Pavimento tipo das torres dos lotes E3 e E4 com layout. [33] através do reflexo do entorno, a massa das três torres de escritório.
O espaçamento de 1,4 metro, mais que suficiente para facilitar a

34
retirada do calor absorvido pelo primeiro vidro, funcionaria como
uma espécie de chaminé, e o caixilho interno seria interrompido
por peitoris de concreto, na verdade vigas externas que teriam o
papel de criar uma barreira entre dois andares contíguos, impor-
tante para a redução da velocidade de propagação de incêndios.

A partir dessa solução foi desenvolvido o projeto da estrutura de


concreto e iniciou-se a execução das fundações tornando difícil a
mudança da solução estrutural. Porém o Brasil estava iniciando a
famosa década perdida e a Itaú Seguros decidiu fazer um anúncio
de página inteira confiando que um investimento desta ordem in-
dicava de que o Brasil sairia da depressão econômica.

O efeito de marketing desse anúncio eu não saberia avaliar, mas


internamente no grupo Itaú surgiu a idéia de que a imagem dos
edifícios em vidro transmitia uma opulência inadequada ao mo-
mento que o país passava e foi solicitado à Itauplan o desenvol-
vimento de uma solução alternativa que transmitisse a imagem
de um edifício mais convencional e que aparentasse menor custo.
Foram estudadas várias alternativas tanto do ponto de vista for-
N 1:500 mal como em relação ao impacto no custo operacional do siste-
CEIC. Pavimento tipo da torre Itaúsa com layout. [34] ma de ar-condicionado. A solução finalmente aprovada envolvia
a utilização de vidro importado duplo com persiana interna ao
escritório.

O mais incompreensível para os arquitetos era que a solução de um


único caixilho, em função da enorme carga térmica que precisava
ser reduzida, equivalia, em custo, à solução inicial e aumentava
a demanda sobre o ar-condicionado. As razões técnicas e formais
foram superadas pelas de marketing já sinalizando uma mudança
significativa no tratamento da arquitetura dentro do grupo Itaú.

É importante aqui fazer um esclarecimento mais abrangente so-


bre o papel da arquitetura na estratégia de imagem corporativa do
Itaú. Desde o início, a arquitetura das agências do banco se caracte-
rizou por uma linguagem da arquitetura moderna, em contraposi-
ção com a imagem tradicional de banco que destacaria a tradição.

Este processo se dá em um primeiro momento sob a influência do


arquiteto Jacob Ruchti, autor do projeto da sede do banco na rua
Boa Vista, mas vai se acentuar principalmente após a contratação
do arquiteto João Eduardo De Gennaro.

De Gennaro, que foi sócio de Paulo Mendes da Rocha durante


muitos anos, portanto ligado à escola paulista de arquitetura, foi
progressivamente reforçando uma linha ligada à arquitetura mo-

35
derna brasileira e não exclusivamente paulista. Paulatinamente a
consistência desta prática arquitetônica foi associando a imagem
do banco com o repertório formal da arquitetura moderna. O pro-
cesso, neste momento, tem sua origem no território da arquitetura
como tal e se desenvolve para constituir um dos elementos cen-
trais da imagem corporativa, ou seja, de forma mais abrangente,
do marketing.

O que se altera nesse segundo momento é que as decisões de ma-


rketing passam a determinar as soluções de projeto arquitetônico.
A arquitetura passa a ser vista como um instrumento para imple-
mentar a imagem que se deseja transmitir do ponto de vista do
marketing. A relação da arquitetura com o marketing, que eram
instâncias inter-relacionadas mas independentes, passa a ser hie-
rárquica, com a primeira se subordinando ao segundo.

Como veremos mais adiante no estudo do E5, essa tendência está


correlacionada com um movimento mais amplo de domínio da
cultura corporativa americana, que ocupa cada vez mais espaço na
cultura empresarial do Itaú. O Itaú, que tinha como presidente um
produto da fase desenvolvimentista do Brasil, a partir da Segunda
Guerra Mundial, formado por uma escola politécnica de influên-
cia francesa, passa a ser dirigido por uma nova geração graduada
nos MBAs das universidades americanas.

Arquitetura e arte
É bastante comum a inclusão de obras de arte em projetos de edi-
fícios-sedes de grandes corporações. O que distingue esta obra foi
a inclusão desse elemento desde o início, e não aplicado posterior-
mente, e o fato de que muitas vezes os artistas estiveram envol-
vidos diretamente no projeto arquitetônico do próprio edifício e
não somente na produção de obras de arte. Dois casos serão desta-
cados aqui: em primeiro lugar falarei um pouco da participação de
Wesley Duke Lee, no projeto de arquitetura de algumas áreas do
conjunto e, mais tarde, na análise do projeto da torre Itaúsa da par-
ticipação de Franz Weissmann no desenho do portal de acesso.

No início do projeto, a presidência do Itaú definiu o diretor do


Masp na época, Pietro Maria Bardi como consultor responsável
pela indicação dos artistas juntamente com os arquitetos do proje-
to. A imensa diferença de qualificação entre Bardi, desde a Segun-
da Guerra Mundial um dos importantes críticos e colecionadores
do Brasil, e aqueles profissionais (na faixa dos 30 anos de idade),
fez com que houvesse, desde o começo do processo, uma grande
distância entre as sugestões de Bardi e a visão dos arquitetos em

36
relação ao perfil dos artistas a serem chamados.

Bardi tinha um explícito desprezo pela arte e pelos artistas concre-


tistas brasileiros e se apegava a nomes ligados a ele pessoalmente.
Resolvemos então chamar Wesley Duke Lee, que foi o mestre da
geração ligada à Escola Brasil (Baravelli, Fajardo, Resende, etc.) e
que estava há anos envolvido na construção de uma casa em Cam-
pos de Jordão como seu arquiteto. A primeira reunião foi bastan-
te difícil, pois Wesley não estava muito interessado inicialmente
e colocou como condição para sua participação ser o curador da
coleção Itaú, o que estava totalmente fora de nosso alcance. Mes-
mo assim o convidamos a visitar a obra, que estava no início da
estrutura, para depois tomar uma decisão. Durante a visita ele se
entusiasmou com a escala dos trabalhos que estavam sendo feitos
CEIC. Hall de elevadores. [35]
e mais tarde nos ligou para se desculpar pela arrogância de sua
postura.

A primeira solução que desenvolvemos juntos foi o projeto da


iluminação e acabamentos do hall de elevadores da torre de escri-
tórios. No início, ele sugeriu que adotássemos o que ele chamou
de uma solução “Blade Runner”, fazendo referência ao filme de
ficção cientifica de Ridley Scott, onde a iluminação seria feita por
luzes escondidas nos batentes dos elevadores, criando dois planos
iluminados em contraste com a porta do elevador que seria em
fórmica preta fosca. Como não havia nenhuma outra forma de
iluminação no hall, a chegada do elevador e a abertura da porta
em fórmica preta davam um grande destaque às pessoas e à luz
interna da cabine do elevador.

CEIC. Escada Wesley Duke Lee. [36] O segundo projeto comum surgiu no desenho do acesso principal
do prédio a partir do nível do piso Guajuviras. Ele fora inicialmen-
te definido no piso metrô, em nível com a saída deste e somente
para pedestres. Após a execução da estrutura destes pisos, porém,
a diretoria do Itaú solicitou a criação de um acesso nobre, no nível
do estacionamento de visitantes, que tinha um pé-direito muito
baixo para uso como acesso principal. A solução desenvolvida em
conjunto com Wesley foi a criação de uma escadaria escultórica
no centro do espaço que, mais do que ter a função de levar as pes-
soas, atuava como um foco de atenção daqueles que adentravam o
hall e olhavam para o pavimento superior, reduzindo a percepção
da compressão do espaço que o baixo pé-direito criava.

Esses dois exemplos apenas indicam de forma concreta como essa


colaboração se desenvolveu estando longe de esgotar, pois sema-
CEIC. Escada Wesley Duke Lee. [37] nalmente andávamos pelo edifício em construção apresentando
idéias que tínhamos para os diversos espaços e frequentemente

37
Wesley nos indicava direções ou referências que sua grande cultu-
ra permitia. Foi ele também que nos indicou o trabalho de Sergio
Camargo para o painel do piso terraço e nos aproximou dos artis-
tas concretistas, mas sua contribuição foi muito além do mundo
das artes plásticas.

E2 - Torre Itaúsa (1985-1990)


Arquitetos: Carlos Eduardo Sguilaro
Guilherme Mendes da Rocha
Guilherme Mossa
CEIC. Estudos volumétricos. [38]
Jaime Marcondes Cupertino
Yodo Komatsu
A torre Itaúsa é o resultado de um processo totalmente diverso
dos três primeiros prédios, não só pelos seis anos de distância, mas
principalmente pelo relativo sucesso do primeiro projeto. O im-
pacto da primeira etapa na diretoria do Itaú criou condições para
que o conjunto fosse visto como a sede do grupo Itaú e todos os
lotes passaram a ser estudados como um todo unificado do ponto
de vista arquitetônico e funcional.

Sua dinâmica de projeto também foi nova do ponto de vista tecno-


lógico, pois pela primeira vez utilizamos as ferramentas de CAD,
o que em 1986 só foi possível em função de o grupo Itaú ter uma
empresa de computadores (Itautec) que as utilizava no projeto de
CEIC. Estudos volumétricos. [39] microprocessadores. Para se ter uma idéia, o computador central
era o VAX PDP 11, da Digital Computers, uma máquina de quase
um metro de largura, três metros de comprimento e altura de uma
pessoa, que custava em torno de um milhão de dólares e cada esta-
ção gráfica, cerca de cem mil dólares.

Evidentemente, os arquitetos somente tinham acesso a esses equi-


pamentos quando os engenheiros eletrônicos não estavam usan-
do, o que nos levou a trabalhar, por um longo período, durante as
madrugadas até o início do expediente da Itautec.

Os primeiros estudos de volumetria buscavam uma composição


do conjunto de edifícios com duas novas torres nos lotes E2 e E5
iguais entre si, mas distintas das primeiras três, pois o lote E2 não
comportava uma construção de 40 metros de lado.

Muitas possíveis alternativas com edifícios iguais foram estuda-


das por vários arquitetos da Itauplan, porém a idéia de um prédio
diferenciado no E2, que além de acomodar a presidência da Itaú-
Foto da maquete com composição do conjunto. [40] sa deveria simbolizar seu status, foi, cada vez mais, se afirmando

38
como a direção a ser seguida.

A tendência inicial foi buscar soluções de grande impacto visual


e estruturalmente radicais, mas progressivamente nos aproxima-
mos de um edifício com uma escala mais adequada em relação ao
parque Conceição, que indicava sua relevância dentro do conjun-
to de uma forma mais sutil.

Ao encontro desta solução veio a decisão da alta direção de insta-


lar a presidência e os vices-presidentes da Itaúsa no embasamento,
abaixo da avenida Armando Arruda Pereira, para usufruir a rela-
ção visual com o parque Conceição, permitindo que a necessida-
de de área da torre de escritórios fosse bastante reduzida e, conse-
qüentemente, seu volume.
CEIC. Portal de acesso do Ed. ITAÚSA. [41]

Portal de acesso
A incomum solução de colocar as áreas simbolicamente mais im-
portantes do edifício nos primeiros andares se tornou mais com-
plexa neste caso por estarem em posição de subsolo em relação
à avenida de acesso. Desde o princípio colocou-se o problema de
como gerar um acesso de visitantes direto da avenida Armando
Arruda Pereira que criasse o caráter do entrada principal do edi-
fício.

Primeiramente estudamos alternativas de rampas e escadarias


para vencer o desnível de 10 metros entre a rua e o pavimento
térreo da torre Itaúsa, porém o pequeno espaço entre a calçada e
o núcleo de acesso, que forma um hall de pé-direito duplo, seria
totalmente ocupado com seu desenvolvimento. Optamos então
CEIC. Abaixo do portal de acesso do Ed. ITAÚSA. [42]
por um elevador panorâmico hidráulico que, além de permitir o
ingresso, possibilitaria que o visitante usufruísse da cascata inter-
na no hall principal.

Essa solução, eficiente do ponto de vista funcional mas com ima-


gem associada à entrada de garagens subterrâneas, não transmitia
o caráter de acesso nobre solicitado pela diretoria. É necessário
lembrar que o presidente da Itaúsa, Olavo Egydio Setúbal, tinha
saído recentemente da função de ministro das Relações Exterio-
res, ou seja, chefiara o Itamaraty e estava bastante atento às ques-
tões de representação e protocolo.

Partindo da idéia de um portal de acesso destacado da construção,


comum nas construções de templos e palácios japoneses tradicio-
nais, decidimos chamar um artista plástico para desenvolver um
CEIC. Corte do hall de acesso à torre Itaúsa. [43] elemento escultórico, em uma escala compatível com o espaço

39
público junto à avenida, e integrado ao acesso. O artista convida-
do foi Franz Weissmann, que já tinha desenvolvido uma escultura
para a primeira etapa do projeto, e cuja obra está bastante relacio-
nada com a arquitetura e o design. O artista conseguiu um difícil
equilíbrio entre a escala da escultura e a do edifício.

Pavimento-tipo
A solução do pavimento-tipo da torre Itaúsa é bastante distinta das
três anteriores apesar de aparentemente pertencer à mesma cate-
goria, uma planta quadrada com um núcleo central quadrado. Em
primeiro lugar ela foi projetada para atender uma ocupação com
um número maior de salas fechadas por ser a sede do banco Itaú,
além disso o pavimento tem 30 metros de lado o que muda bastan-
te a matrix de ocupação possível. O fato de o pavimento ter menor
área também dificultava a obtenção de um núcleo compacto e que
gerasse uma boa proporção entre área de layout e área total.

Trabalhamos aqui, ao contrário da solução anterior, com um nú-


cleo totalmente voltado para fora onde, não somente o hall pode
ser configurado com dimensões diferenciadas dependendo do uso
do pavimento, como todos os serviços e utilidades são acessados
por uma circulação interna obrigatória.

A solução de ar-condicionado aqui proposta representa uma evo-


lução da solução de plenum adotada anteriormente, pois tem uma
rede de dutos junto às fachadas, o que melhora o controle de tem-
peratura quando há mudanças bruscas de temperatura externa,
mas a grande maioria do pavimento é atendida pelo insuflamento
pelo forro reduzindo de forma expressiva o uso de dutos e a neces-
sidade de espaço entre a estrutura e o forro.

Também no sentido de aprimorar a carga térmica foi utilizado um


sistema de duplo caixilho com persiana entre eles e espaçamento
de 30 cm.

Como nas demais torres o uso de piso elevado em todo o pavimen-


to facilita o retorno do ar-condicionado mesmo no caso de salas
fechadas junto à fachada.

Volumetria e estrutura da torre


A característica mais significativa da solução volumétrica da torre
reside na sutil transição estrutural que dá a sensação de que o edi-
fício pousa sobre os espelhos d’água e o caixilho zenital de fecha-
mento do hall principal. Em geral os edifícios com essa solução

40
utilizam um ângulo de 45 graus ou mais reduzindo bastante os
esforços estruturais resultantes.

Neste caso trabalhamos com um ângulo de 30 graus, que deu uma


aparência muito mais sutil à transição estrutural, mas exigiu a uti-
lização de outros recursos, de forma a não ter que resistir somente
através da protensão da transição. A brilhante solução do enge-
nheiro calculista Ricardo França foi desenhar a estrutura de piso
do pavimento de forma a ser mais rígida junto ao núcleo do edifí-
cio fazendo com que 65% da carga dos pavimentos vá diretamente
para os pilares centrais e os restantes 35% para os da periferia e,
mais tarde, para a transição.

É importante destacar que este tipo de raciocínio estrutural holís-


tico não pensa a estrutura como uma série sequencial e linear de
elementos estruturais, mas usa a interação de todo este sistema
para otimizar a sua performance. Esse mesmo calculista propôs no
caso do teatro Mars, cujo principal esforço estrutural era o vento
nas paredes externas, a utilização das lajes das passarelas elevadas
como vigas horizontais que transmitiam o esforço de vento para
as paredes opostas reduzindo a carga a ser resistida por pilares à
Estrutura de transição. [44] metade.

E5 – Torre Eudoro Vilela (2000 – 2005)


Arquitetos: Eduardo Martins Ferreira
Felipe Aflalo
Jaime Marcondes Cupertino
Javier Judas y Manubens
O projeto da torre Eudoro Villela teve seu desenvolvimento em
duas etapas muito distantes no tempo e no contexto do desenvol-
vimento de projeto e da própria corporação Itaú. Ele surge após
as definições da composição do conjunto desenvolvidas posterior-
mente ao término do E3 e E4 e de uma necessidade contratual com
a Emurb que definia um prazo limite para a construção do edifício
após a compra do imóvel pelo Itaú.

Elabora-se estudo preliminar do E5 configurando o plano de mas-


sas aprovado anteriormente no estudo do E2 e se desenvolve o
projeto estrutural do conjunto e o executivo do embasamento.
Para garantir a propriedade do terreno, o Itaú decide executar o
embasamento e deixar a torre de escritórios para uma etapa a ser
definida posteriormente.
CEIC. Corte da estrutura de transição da torre Itaúsa. [45]
O projeto desta primeira fase é desenvolvido por uma equipe in-

41
terna do Itaú, como nos demais edifícios, liderada pelo arquiteto
Eduardo Martins Ferreira. Executa-se então todo o embasamento
do E5, inclusive a interligação por túnel com os demais edifícios,
que passa a ser utilizado como estacionamento, sendo parte do
embasamento ocupado pela sede da Itautec.

Não estive envolvido diretamente nesse primeiro estudo, pois a


essa altura tinha assumido uma posição administrativa, como di-
retor da Itauplan, em função da aposentadoria do João De Genna-
ro.

Jones Lang LaSalle


Em 2001 o Banco Itaú decidiu retomar o projeto e construir a tor-
re para acomodar a Vice-Presidência de Mercado de Capitais e Al-
fredo Setúbal passa a ser o principal executivo envolvido no seu
desenvolvimento. Dentro da nova cultura empresarial do Itaú, a
referência se desloca para os Estados Unidos e a primeira orienta-
ção que os arquitetos recebem é que o edifício se enquadre nos cri-
térios de classificação das empresas de incorporação americanas
como um edifício “triple A”. Apesar de ser um prédio desenvolvi-
do para uso próprio e não para o mercado, a postura está coerente
com a visão dominante, até a atual crise financeira, de que o mer-
cado é o principal mecanismo de ajuste e otimização das soluções
e produtos.

Javier Judas y Manubens, o arquiteto responsável pelo projeto, de-


cide contratar uma empresa de gerenciamento imobiliário, para
que ela estabeleça os critérios de projeto que compõem o solici-
tado “triple A”. A contratada é Jones Lang LaSalle, multinacional
de origem americana, com sede em Chicago, mas presente em 60
países, que elabora um estudo comparativo entre uma série de edi-
fícios do Brasil que ela chama de “classe AA”, já que não existem
edifícios classificados como “triple A” no país. A consultoria inicia
o estudo30 definindo as características dos edifícios “classe AA”:
- Qualidade do projeto arquitetônico medido através da efici-
ência do uso dos espaços e alta flexibilidade para instalação de
layout.
- Localização e eficiência do núcleo de serviços.
- Pé-direito alto (2,7m).
- Piso elevado e forro termoacústico.

30 LA SALLE, Jones Lang S.A. Análise comparataiva do projeto da Torre Eudoro


Villela do Centro Empresarial Itaú Conceição. São Paulo, 2001. Relatório de
consultoria.

42
- Amplas áreas de shafts com previsão de espaços para futuros
equipamentos.
- Excelência na tecnologia e materiais de construção.
- Sistema de gerenciamento informatizado (BMS).
- Boa disponibilidade de pontos de elétrica, telefonia, lógica,
etc.
- Sistema de ar-condicionado VAV (volume de ar variável) em
todo pavimento.
- Sistema de termoacumulação ou outra alternativa para con-
trole de consumo no horário de pico de demanda.
- Elevadores microprocessados com boa relação entre andares
x velocidade x capacidade.
- Sistema de geração de energia alternativo.
- Ótima relação entre o número de vagas/m2 útil.

Descrevi de maneira tão detalhada estas especificações, pois as


considero simbólicas do novo momento do Itaú, pois não existem
nestas especificações menção a nenhum critério ligado à quali-
dade para o usuário, o que faz sentido partindo de uma empresa
como a Jones Lang LaSalle, que nada mais é do que uma imobiliá-
ria de escala mundial. A solução de torre executada anteriormente
atendia já todas estas variáveis, com exceção dos elevadores mi-
croprocessados, que não existiam na época de sua construção e do
pé-direito de 2,7m.

A lógica econômica das empresas, porém , é bastante diversa da dos


incorporadores, a mão de obra representa numa empresa como o
Itaú mais de 60% de seus custos, enquanto as instalações físicas
em torno de 10%. Portanto qualquer ação que reduza o custo das
instalações, mas afete a produtividade é uma decisão empresarial-
mente limitada. Existe uma ilusão de que o custo da mão de obra
no Brasil é baixo, quando na verdade os salários são baixos, mas o
valor total, que em uma empresa do padrão do Itaú chega a quatro
vezes o salário, é bem alto, e no caso de uma empresa de serviços,
seu principal custo.

Como veremos no estudo dos edifícios administrativos, existem


duas vertentes bem claras relativas ao desenvolvimento de concei-
tos de prédios para escritórios, em função de serem desenvolvidos
por incorporadores ou pelas próprias empresas. O que vemos aqui
é uma empresa desenvolvendo um projeto para uso próprio, mas
pensando como se fosse uma incorporadora.

O estudo também compara 34 edifícios considerados como “clas-

43
Tabela comparativa entre edifícios empresariais de alto padrão e único ocupante de São Paulo.

Edifício Nº Pavimentos Formato da planta Área útil do andar (m2) Localização do core FP (%) IA (%)
Torre Eudoro Villela 26 Quadrada 1.278 Centro 18,7 92,8
Citicorp 19 Retangular com cantos arredondados 1.072 Lateral interna 20,8 95,7
Birmann 21 28 Retangular com reentrâncias 1.187 Centro 17,2 96,0
Nestlé 23 Retangular com chanfros 1.156 Centro 15,7 90,4
Birmann 26 3 Retangular com reentrâncias 1.142 Centro 7,0 97,3
Centro Emprl. Água Branca 20 Retangular com reentrâncias 1000 Centro 15,0 93,0
FP: Fator de Perda IA: Índice de Aproveitamento

[46]

Torre Norte do Centro Emprl. Nações Unidas. [47] Continental Office Tower. [49] Birmann 29 [51]

Centro Emprl. Nações Unidas. Pav. tipo. [48] Continental Office Tower. Pavimento tipo. [50] Birmann 29. Pavimento tipo. [52]

44
se AA” em São Paulo e define os 10 melhores da cidade e conclui
que, se construída dentro dos parâmetros estabelecidos, a torre Eu-
doro Villela ocuparia a quarta posição.

Forma de desenvolvimento do projeto


O projeto foi desenvolvido em duas etapas sendo a primeira por
uma equipe interna do Itaú até o nível de projeto preliminar e a se-
gunda, pelo escritório Aflalo e Gasperini, dentro de um novo mo-
delo de concorrência de obras e contratação de projeto executivo.

A contratação da obra foi pelo sistema que o mercado chama de


PMG (Preço Máximo Garantido) , em que a concorrência se faz
com o projeto ainda em nível preliminar, mas suficiente para de-
Birmann 21. Pavimento tipo. [53] [54] finir o teto de custo que o prédio deve alcançar. Este sistema foi
executado abrindo mão do controle do projeto executivo pelo pro-
prietário, que passa a ser desenvolvido por um escritório contrata-
do pela construtora e, portanto vinculado aos objetivos desta. Os
ganhos de custo, em relação ao PMG são divididos entre a constru-
tora e o cliente e até uma pequena parcela pelos arquitetos.

Este modelo permite grande variação no produto final em função


de alterações de projeto, que continuam sendo aprovados pelo
cliente, mas aqui em um contexto no qual o projetista está su-
bordinado à construtora. Felizmente no caso do Itaú, a empresa
contratada pela construtora que venceu a concorrência (Camargo
Correa) foi a Aflalo e Gasperini Arquitetos Associados, escritório
do mais alto padrão técnico e ético de São Paulo, e os arquitetos
designados para o projeto foram Eduardo Martins Ferreira, Felipe
Aflalo e eu mesmo.

É possível notar ao analisar o projeto uma interessante solução


híbrida entre a linguagem dos arquitetos que desenvolveram a
primeira etapa e a da Aflalo e Gasperini que, mesmo sem ter uma
expressão única e refletir as características diversas de seus sócios
principais, não deixa de ter certa unidade de linguagem.

Torre e Pavimento-tipo
A torre Eudoro Villela é similar, na maior parte dos fatores rele-
vantes às demais da primeira etapa, mas apresenta algumas dife-
renças também importantes.

A primeira diz respeito ao pé-direito de 2,7 metros, com piso a piso


N 1:500
50 centímetros maior que o das torres da primeira etapa totalizan-
CEIC. Planta do andar tipo da torre Eudoro Villela. [55]
do 3,85 metros. Isto somente foi possível devido ao fato de o cone

45
de aproximação do aeroporto, que limita a altura dos prédios, ser
bem mais alto em relação aos demais.

Do ponto de vista da fachada, resultou em um prédio parecido,


com uma altura total 5,5 metros superior e as faixas de vidro opa-
cas que compõem o desenho da fachada também 25 cevntímetros
maiores. Esta proximidade formal, mas com perceptível diferença,
é uma solução, na minha visão, problemática. As melhorias no pé-
direito e no piso a piso realmente permitem uma solução de torre
qualitativamente melhor e poderiam resultar em uma volumetria
totalmente diferente já que não existia nenhuma razão para ma-
nutenção da solução anterior de composição do conjunto.

Da mesma forma que a solução de acabamento de fachada foi alte-


CEIC. Torre Eudoro Villela, hall de acesso. [56] rada, optando-se pelo uso de Alucobond em cor bastante próxima
à do concreto aparente, poderia ter se alterado todo o desenho da
fachada.

O pavimento-tipo é idêntico na configuração do salão de escritó-


rios, afinal a estrutura já estava executada abaixo do piso térreo,
mas o núcleo de serviços teve uma significativa alteração que se
inicia com a adição de dois elevadores e uma nova solução de esca-
das de emergência em X que vencem dois andares.

A solução de ar-condicionado também é bastante mais sofisticada,


utilizando caixas VAV (volume de ar variável) o que permite gran-
de controle de temperatura, inclusive no caso de salas fechadas.

CEIC. Torre Eudoro Villela, hall de elevadores. [57]

CEIC. Torre Eudoro Villela, corte. [58]

46
N 1:3000
CEIC. Implantação. [59]

47
1:2000
CEIC. Elevação leste. [60]

1:2000
CEIC. Corte longitudinal. [61]

48
1:2000
CEIC. Corte transversal. [62]

49
N 1:1000
CEIC. Planta do 2º Subsolo. [63]

50
N 1:1000
CEIC. Planta do 1º Subsolo. [64]

51
N 1:1000
CEIC. Planta do piso Guajuviras. [65]

52
N 1:1000
CEIC. Planta do piso Terraço. [66]

53
N 1:1000
CEIC. Planta do piso Metrô. [67]

54
N 1:1000
CEIC. Planta do 1º piso intermediário. [68]

55
N 1:1000
CEIC. Planta do 2º piso intermediário. [69]

56
N 1:250
CEIC. Planta do andar tipo das tores. [70]

57
N 1:250
CEIC. Planta do andar tipo das tores com layout de mobiliário. [71]

58
N 1:250
CEIC. Planta do andar tipo das tores com layout de mobiliário. [72]

59
N 1:1000
CEIC, Edifício Eudoro Villela. Planta do 3º subsolo. [73]

N 1:1000
CEIC, Edifício Eudoro Villela. Planta do 2º subsolo. [74]

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