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Por baixo da terra

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Edição 75 - Abril de 2012


Por Juliana Martins

Entenda por que, mesmo sendo segura, a rede subterrânea sempre foi e ainda é pouco explorada no Brasil.

A rede de distribuição de energia elétrica é composta pelas redes elétricas primárias (média tensão – MT) e redes secundárias (baixa
tensão – BT), que formam uma infraestrutura determinante para o sucesso da transmissão da energia elétrica. Do uso dos cabos isolados
com papel impregnado aos cabos isolados com compostos termoplásticos ou termofixos, em baixa e média tensão, muitas foram as
mudanças e adaptações que o sistema elétrico passou ao longo dos anos.

Muitos investimentos em redes aéreas e subterrâneas foram feitos desde o início do século, predominando a primeira opção por conta
da praticidade e do custo. Embora seja um sistema viável e com vantagens – estéticas e também de qualidade –, as redes subterrâneas
foram deixadas de lado no princípio da eletrificação brasileira, mas retomadas nos últimos anos. Conheça sua história e os motivos que
levaram à predileção pelas redes aéreas e o que dizem especialistas sobre a substituição da rede por sistemas subterrâneos.

O início da eletrificação

Como no começo da instalação da energia elétrica no Brasil não havia regulamentação, cada empresa, estrangeiras em sua maioria,
desenvolveu a sua rede da forma que lhe convinha. “Algumas definiram um limite de demanda por área, parâmetro definido em função
da limitação de atendimento da rede aérea, outras empresas promoveram estudos de crescimento de carga, no qual, quando atingido
um dado limite de demanda no horizonte de estudo, estabelecia-se a área futura para expansão”, explica Fernando Araujo de Azevedo
em sua tese “Otimização de rede de distribuição de energia elétrica subterrânea reticulada através de algoritmos genéticos”.

Data de 1902 a construção das três primeiras câmaras transformadoras, em São Paulo (SP), sob tensão primária de 2,2 kV e secundária
de 208 V/120 nominais para a implantação de obras subterrâneas. O engenheiro eletricista e ex-funcionário da Light, Claudio Gillet
Soares aponta que, a partir de 1928, houve uma expansão sob 3,8 kV, da Estação Riachuelo, quando os cabos secundários começaram a
ser interligados estabelecendo um sistema reticulado, nos moldes americanos, sob tensão 208/120 V.

No entanto, com o aumento ainda crescente da demanda por energia, o sistema reticulado precisou ser alterado. Começaram a
implantar transformadores com maior potência, de até 2.000 kVA, formando reticulados restritos para edifícios da região central de São
Paulo.

Entre 1905 e 1909, a Rio Light – uma das primeiras companhias de eletricidade a chegar ao País – foi obrigada pela prefeitura a colocar
condutores subterrâneos para condução de energia elétrica. Era a remodelação da capital da República, sob comando de Pereira Passos.
Nas zonas urbanas de maior densidade, as canalizações eram subterrâneas. Fora da área metropolitana, a rede aérea foi a mais
implantada. Em 1926, havia 19 câmaras transformadoras que passaram a ser alimentadas sob 3,8 kV.

No livro Estudos sobre a Rio Light, coordenado por Eulália Maria Lahme Lobo e Maria Bárbara Ley, afirma-se que: “No que se refere à
tecnologia, a Rio Light foi pioneira no Brasil na implantação de redes subterrâneas. Nestes sistemas, foram utilizados cabos isolados
com papel impregnado a óleo, utilizado em todo o mundo, de inegáveis qualidades técnicas e alto grau de sofisticação tecnológica. A
constituição de redes subterrâneas permitiu ainda o desenvolvimento da química e da tecnologia de materiais pela criação de novos
produtos como cabos isolantes secos denominados etileno-proprileno e polietileno-reticulado, que substituíram o antigo cabo
impregnado a óleo, utilizado nas redes subterrâneas do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século 20”.
Em 1931, eram 41 câmaras transformadoras com capacidade total de 12.300 kVA. Mas a evolução não parou por aí. No início pode ter
sido um pouco de estética, outro tanto de invencionismo, mas o fato é que, no Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1938, os cabos aéreos
de baixa e alta tensão estavam atrapalhando o plano de embelezamento da Capital da República. Assim sendo, o Governo Federal
dispôs de um plano para substituir gradativamente a rede aérea. A Light estabeleceu um acordo com a Société Anonyme Du Gaz do Rio
de Janeiro e determinou a colocação subterrânea dos cabos de iluminação pública e dos de alta tensão. Claro que os bairros mais
nobres foram o ponto de partida da mudança. A Zona Sul carioca, os bairros oceânicos, foram os primeiros e levariam cinco anos para a
conclusão da reforma no Leme, Copacabana e Ipanema.

“As novas técnicas de construção, os novos materiais, cabos e tipos de emendas mais econômicas e de fácil execução, trazidos com o
desenvolvimento durante a Segunda Guerra Mundial, ajudaram a mudar esta situação, tornando mais atrativas as redes subterrâneas”,
indica Azevedo. Desenvolveram-se transformadores subterrâneos para instalação sob as ruas, o transformador pedestal e as cabines
metálicas instaladas ao nível do piso para equipamentos de seccionamento e proteção. Todas essas inovações deram mais flexibilidade e
diminuíram o gasto com a tecnologia, ajudando na expansão das redes subterrâneas.

“A partir de 1951, o sistema sob 3,8 kV foi se restringindo e a ampliação da distribuição subterrânea foi feita sob 20 kV, aproveitando
inicialmente cabos de subtransmissão que partiam da estação Paula Souza. Depois, continuou com novos cabos alimentados pelas
estações Helvetia e Thomaz Edison”, narra Gillet, que complementa apontando que a vantagem no aumento da tensão foi que o número
de cabos de cada reticulado limitou-se em 4 ao invés de 15 como era no sistema Riachuelo.

Tecnologia

A maior parte dos casos de migração para a rede subterrânea está relacionada a uma tentativa de modernização da região e tem
relação com o aumento abrupto da demanda de energia elétrica. Um estudo apontou que, em 1974, a região dos Jardins, em São Paulo,
necessitaria da adoção de 34.500 V de rede primária, substituindo a de 20.000 V. Como consequência, em 25 de abril de 1976 foi
inaugurado o sistema 20/34,5 kV na Av. Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. A mudança fazia parte de um programa de adequação ao
sistema de suprimento de energia elétrica nos bairros Itaim, Jardim América, Europa e Paulista.

O sistema implantado já apresentava uma evolução com relação aos anteriores. Do tipo primário seletivo com subanéis, utilizava cabos
de alumínio com isolamento de borracha sintética no lugar do papel impregnado de óleo. Também era composto por conectores pré-
moldados de rápida instalação.

No Brasil, os sistemas em malha reticulada começaram a ser implantados por volta dos anos 1960 e tiveram pouca expansão devido aos
altos custos do modelo quando comparados com as redes aéreas. “Estes sistemas, no princípio, operavam em sistema de distribuição de
energia em CC. A primeira rede subterrânea em malha reticulada em CA foi instalada na cidade de Memphis no Tennessee, nos Estados
Unidos, implantada em 1907. Em 1925, na cidade de Nova York, este tipo de sistema transformou-se em um modelo consagrado para
fornecer luz e força em seis malhas subterrâneas, atendendo a uma carga total de 27,5 MVA, com 100 transformadores em operação”,
narra Azevedo.

As redes de distribuição podem ser divididas em dois grandes grupos: radial com recurso (anel) ou reticulado. O primeiro possui uma
linha principal instalada desde a fonte até as cargas possuindo interligações com outros circuitos de mesma tensão.

O reticulado é também conhecido como Network, o que, segundo Gillet, é uma derivação de

“Underground Network Distribution Systems”, o sistema em que o brasileiro se baseou e que foi empregado em cidades americanas e
europeias. Ele tem vários circuitos de média tensão, alimentando os transformadores de distribuição.

O sistema é composto por câmaras de transformação, caixas de inspeção e de passagem e dutos para cabeamento no subsolo. As
câmaras transformadoras são construídas em concreto armado, situadas em vias públicas e possuem tampas para inspeção e acesso. São
nelas que ficam abrigados os equipamentos de transformação, chaves de seccionamento e protetores de network. As caixas de inspeção
ficam no subsolo e facilitam a passagem de cabos e, quando preciso, confecção de emendas. Estas caixas são menores que CTs e, como
o próprio nome diz, auxiliam na inspeção e manutenção. As caixas de passagem permitem a derivação dos ramais que atendem aos
clientes.

Os componentes usados no subterrâneo têm a fama de serem mais duráveis, no entanto, de acordo com o superintendente da Rede
Subterrânea da Light, Ermínio de Souza, o prazo de depreciação de qualquer equipamento usado nos dois tipos de rede é regulado pela
Aneel. A diferença do que está no subsolo é que “estão em uma câmara subterrânea e são mais sofisticados, inclusive, eles têm um
custo maior que o aéreo. A rede subterrânea, se bem mantida, dura bastante, o segredo está na manutenção do equipamento. A
diferença não é questão de qualidade”. Além disso, a linha subterrânea não esta sujeita a vento, trovoada, vandalismo e até pipas. “O
cabo enterrado fica mais protegido”, garante o profissional da Light.

Compartilhamento do solo

A distribuidora CPFL também comentou sobre outros aspectos que envolvem a rede subterrânea: “Essa solução em locais com vias
públicas estreitas deve ser cuidadosamente planejada e continuadamente monitorada. Ocorre que os postes instalados em áreas
superurbanizadas atendem simultaneamente a outros serviços de interesse público, como telefonia, TV a cabo e internet, os quais
também deverão ser contemplados pela rede subterrânea – além dos já tradicionais, entre eles, rede de água e esgoto, distribuição de
gás e águas pluviais”.

Souza explica que está sendo feito um estudo no Rio de Janeiro, coordenado pela prefeitura, em que a intenção é criar um mapa
congregando informações da Light, das companhias telefônicas e de gás para fornecer um georreferenciamento das redes, latitude e
longitude, apontando o local real e exato em que está situada a caixa, a rede e cada componente. “Mas nenhum serviço interfere no
outro, no máximo, as redes se cruzam, mas não são coladas”, garante o superintendente. Ainda assim, mapas como este conseguiriam
reduzir qualquer risco de acidente ocasionado por obras de outras companhias na linha de energia.
“A vida útil de um cabo subterrâneo é mais longa pelos seus cuidados, mas escavações são realmente inimigas, furtos continuam
existindo, a localização de defeitos exige aparelhos e técnicas especiais e o tempo de execução de reparo é mais longo”, analisa Gillet.

Sustentabilidade

Uma das correntes que defende o maior uso das linhas subterrâneas alega que há um fator ecológico nisso. Eles entendem que a linha
aérea retira árvores de seu local original, prejudicando o meio ambiente. “De qualquer forma, aquilo que você não mexer sempre será
melhor. Mas a poda de árvores segue o procedimento sem prejudicar o meio ambiente. Tem um padrão e segue as exigências. Tem
ainda a compensação para que não haja perda, como o programa para plantio de árvores reflorestadas”, garante Souza, da Light.

O superintendente ainda explica que as linhas aéreas atuais não usam mais padrões antigos: “Algumas linhas são construídas
preservando a floresta. Isso acontece de uns 10, 15 anos pra cá. Com o tempo e com as leis ambientais, fomos nos adaptando ao
mundo”.

Souza aponta que o reparo nas redes subterrâneas é mais complicado pela dificuldade em se localizar o problema, entretanto, a
concessionária já conta com material exclusivo para este serviço: “Temos equipamento de localização de defeito. Ele manda um sinal e
esse tempo de ir e voltar até chegar ao defeito e percorrer o caminho de volta dá a exata distância de onde o defeito está”. Além disso,
existe outro método que usa um equipamento acústico que mostra o ponto certo do problema.

Segurança versus custo

Segundo a AES Eletropaulo, concessionária que atua em São Paulo, mais da metade das interrupções de energia, no verão, é causada
por queda de galhos e árvores na rede aérea. Para o Centro Regional Litoral Sul da CEEE, de Rio Grande, 70% das ocorrências durante
temporais são relacionadas a esse motivo.

 O procedimento para restabelecer o fornecimento é regulamentado por leis municipais e ambientais que exigem que seja a Defesa Civil
ou o Corpo de Bombeiros os responsáveis por retirar e/ou podar a árvore. Na prática, isso acrescenta algum tempo antes que o
problema seja solucionado.

Quando a interrupção ocorre, imediatamente são acionados dispositivos de proteção da rede, provocando o seu desligamento para isolar
o problema e evitar riscos. Em seguida, começam a ser realizadas operações de manobra. O objetivo é isolar a área afetada para
garantir que o menor número de consumidores fique sem energia.

Mas o problema vai um pouco além da falta de energia, o contato de árvores com componentes da rede elétrica pode gerar riscos
significativos. A queda de galhos ou árvores tem o potencial de romper condutores elétricos de alta, média e baixa tensão e, com isso,
provocar acidentes e incêndios.

Esse é o tipo de problema que não atinge a rede subterrânea. “Ela é mais segura por estar menos exposta”, analisa Gillet. A
manutenção programada é muito importante para fazer valer a teoria de que a rede subterrânea é mais segura.

Outro fator que faz aumentar a confiabilidade no sistema é que para evitar que defeitos nos cabos e conexões se propaguem por toda a
rede, os circuitos reticulados são protegidos por fusíveis e cabos com queima livre. Dessa forma, “no caso de defeito nos ramais de
baixa tensão, o desligamento fica limitado somente ao respectivo trecho secundário e a corrente elétrica é deslocada automaticamente
para outros circuitos da rede”, segundo consta no relatório da Light.

Além disso, o sistema Network, muito usado no Brasil, permite que haja falha em um circuito sem que seja necessário interromper
todos os outros. A Light, por exemplo, admite a falha em até dois circuitos, por projeto, sem interrupção de fornecimento. Isso
aumenta a confiabilidade no fornecimento de energia, pois evita a interrupção de dois transformadores adjacentes no caso de
desligamento de um alimentador.

No tocante aos investimentos que devem ser direcionados para a construção de sistemas enterrados, a CPFL emitiu um comunicado em
que diz que: “Não existe, a rigor, dificuldade técnica ou operacional na implantação de redes elétricas subterrâneas, mais seguras,
menos sujeitas a interrupções de energia e com manutenções mais espaçadas. A grande questão envolvida é o aspecto econômico-
financeiro porque os custos são elevados e seriam naturalmente repassados para a tarifa”.

Muito se fala no alto valor desses sistemas especialmente durante o período de implantação e desenvolvimento. Azevedo descreve o que
pesa no orçamento: “Os maiores custos das redes subterrâneas são os representados pelos transformadores, cabos isolados, conexões da
rede primária e os protetores de rede. Os protetores de rede, por sua vez, devido à falta de fabricantes nacionais e pelos altos custos
de importação tornavam proibitiva a sua aplicação”.

Segundo o superintendente da Light, o investimento é cerca de até oito vezes mais alto que na rede aérea. Porém, o engenheiro Gillet
refuta o valor como entrave para uso do subterrâneo, segundo ele, se não levar em conta a densidade da carga, o tipo de serviço e a
previsão da demanda de energia, o valor final não é o correto. Com a chegada dos sistemas radiais, anéis ou seletivos para competir
com os reticulados, o custo ficou menor. “Não se deve levar em conta apenas o valor, precisa conhecer a necessidade do local”, diz o
profissional.

Por causa do volume de investimentos e dos custos de operação e manutenção, “essa opção de redes é implantada apenas em áreas
urbanas com média ou alta densidade de carga, onde a utilização da rede aérea é inviável tecnicamente, por motivações regulatórias
ou solicitação de governos locais”, segundo o relatório do Sistema de Distribuição, datado de 18 de abril de 2011, da Light.

Muitas prefeituras, dispostas a revitalizar algumas áreas da cidade têm pedido a implantação da rede subterrânea. Com esse intuito,
foram criados projetos de leis, obrigando concessionárias a retirar postes, transformadores e fios elétricos de áreas tombadas e
determinando o uso redes de infraestrutura exclusivamente subterrâneas.
No entanto, o planejamento da distribuição é executado por setores encarregados da distribuição, subestação, transmissão e de
relações comerciais de uma empresa fornecedora de energia elétrica e a obrigação é fornecer energia de forma econômica, confiável e
segura aos consumidores. E essa atividade é regulada exclusivamente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Segundo Souza, o que existe é um estudo, levando em conta a intenção da prefeitura local para dizer se é viável a implantação dos fios
no subsolo. “Ninguém, nenhuma concessionária trocaria toda a fiação aérea pela subterrânea para deixar o lugar mais bonito. Não faz
sentido. Agora, há um estudo, feito com historiadores, que mostra como o local era antigamente e existe a intenção de recriar isso. Mas
precisa ter prudência no investimento, que tem de ser importante para a cidade e para a companhia”.

Gillet defende que, quando feita apenas por razões estéticas, o custo da rede subterrânea deve ser compartilhado com os
consumidores. No entanto, a necessidade dessa rede se faz quando existe alta densidade de carga. Souza complementa: “Todas as
empresas são reguladas pela Aneel. Todo investimento tem de ser submetido à agência reguladora. Não pode ser à vontade. Como é ela
quem regulamenta, tudo que é feito é baseado por ela”.

No que diz respeito à Aneel, a resolução de número 250 estabelece que o custo por melhorias estéticas deve-se integralmente ao
interessado. A Resolução nº 456 diz que as concessionárias são responsáveis pela prestação de serviço adequado aos consumidores,
satisfazendo condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, modicidade das tarifas e
cortesia no atendimento, assim como prestar-se à defesa de interesses individuais e coletivos.

Assim sendo, apenas depois de um estudo que mostre que seja justificável técnica e economicamente, o sistema subterrâneo deve ser
implantado. É por isso que os números sobre esse sistema são modestos. Segundo a Aneel, as redes subterrâneas não atingem 2% do
total de redes urbanas de média e baixa tensão. No Brasil, há 794.699 km de redes e apenas 12.348 km foram construídas abaixo do
solo. Destas uma boa parte sob cuidados da Light, que é responsável por 58% do total brasileiro de média tensão e 35% de baixa tensão,
acumulando 45% da soma.

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