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Com os avanços tecnológicos o conhecimento científico passou a ter mais prestígio e poder.
Diante disso, as pesquisas científicas, consequentemente, também adquiram espaço, haja vista
que seriam o exercício da ciência na aquisição de conhecimento, com a figura do médico-
pesquisador em grande estima. O problema é que muitas vezes ocorria a submissão do paciente,
que deveria ser o sujeito da pesquisa, ao processo dela, ferindo a dignidade daquele em prol do
conhecimento, que muitas vezes era usado para mascarar desrespeitos à autonomia do sujeito
da pesquisa. Tais casos desdobraram-se ao longo da história, com ênfase nos episódios
ocorridos na época da Segunda Guerra Mundial. Com os relatos, que, apesar de terem ganhado
mais espaço no Tribunal de Nuremberg, não pararam de ocorrer a partir daquele momento,
desta vez com outras vítimas, mas sempre pertencentes a grupos vulneráveis, tornou-se cada
vez mais importante a implementação de balizas éticas e jurídicas no âmbito da pesquisa. O
presente artigo busca tratar das pesquisas envolvendo seres humanos, com ênfase na
vulnerabilidade do paciente, em uma perspectiva histórica até a culminação de diretrizes
jurídicas regulamentando o assunto, com leis apontando a direção da atuação médica e a
regulamentação do consentimento livre.
Palavras-chave: Pesquisa. Grupos vulneráveis. Bioética. Biodireito.
ABSTRACT
With technological advances, scientific knowledge has gained more prestige and power.
Therefore, scientific research, consequently, also acquires space, given that they would be the
exercise of science in the acquisition of knowledge, with the figure of the physician-researcher
in great esteem. The problem is that often ocurred the submission over the patient, who should
be the subject of the research, injuring the dignity of that person in favor of knowledge, which
was usuallly used to mask disrespect for the research subject's autonomy. Such cases have
unfolded throughout history, with an emphasis on episodes that took place during the Second
World War. With the reports, which, despite having gained more space in the Nuremberg Court,
did not stop occurring from that moment on, this time with other victims, but always belonging
to vulnerable groups, it has become increasingly important to implement ethical and legal
beacons within the research.This article seeks to address research involving human beings, with
an emphasis on the patient's vulnerability, from a historical perspective until the culmination of
_____________________________
*Bacharel em Direito pela UFC – Universidade Federal do Ceará. E-mail: larissabritobastos@gmail.com
**Bacharel em Direito pela UFC – Universidade Federal do Ceará. E-mail: betavianna@hotmail.com
***Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Professora adjunta da Universidade
Federal do Ceará – UFC.
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legal guidelines regulating the subject, with laws pointing the direction of medical practice and
the regulation of free consent.
Keywords: Research. Vulnerable groups. Bioethics. Biolaw.
1 INTRODUÇÃO
O conhecimento vulgar, por sua vez, não decorre de uma atividade deliberada; é
mesmo anterior a uma reflexão do pensamento sobre si mesmo e sobre os métodos
cognitivos. É um saber parcial ou fragmentário, casuísta, desordenado ou não
metódico, pois não estabelece, entre as noções que o constituem, conexões, nem
mesmo hierarquias lógicas.
em água gelada ou deixados na neve, sem roupas, por nove a 15 horas, na pesquisa de
um método de tratamento para soldados expostos ao frio e ao congelamento.
2.2 Vulnerabilidade
Tal fato decorre de que diferentes grupos são incentivados (ou, em determinados
casos, até coagidos) a participarem de pesquisas por diferentes motivos: enquanto o prisioneiro
pode buscar uma regalia dentro da prisão, a pessoa pobre pode estar buscando uma retribuição
pecuniária. Circunstâncias sociais injustas podem resultar em vulnerabilidade de várias
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maneiras, e cada uma das quais requer diferentes mecanismos para proteger a população de
pesquisa contra exploração e danos (Rogers e Ballantyne, 2008).
É por isso que para cada tipo de grupo o pesquisador deve estar atento, pois o limite
do eticamente aceitável não é um padrão que pode ser utilizado somente em âmbito formal, ou
apenas substituído por um formulário – ele depende de atitudes pessoais e da conduta presente
do pesquisador, atento ao que aquele específico grupo ou pessoa vulnerável (se for o caso)
precisar ou não, poder ou não aceitar (Britto, Peres e Vaz, 2011).
Ademais, LOTT (2005) explana que pessoas pobres podem ser amplamente
influenciadas principalmente por ganho financeiro, e que tal grupo é um problema
especialmente de países em desenvolvimento.
Por fim, as mulheres grávidas podem ser vulneráveis por questões ligadas à saúde
do feto e da mãe. Porém, estas últimas têm sido sistematicamente excluídas das pesquisas
devido à incerteza dos efeitos causados a elas pelos medicamentos testados. Contudo, quando
tais medicamentos são testados e introduzidos no mercado, são para consumo de todos,
inclusive de mulheres grávidas, sendo que, devido à exclusão destas como participantes, não se
conhece o efeito que os remédios podem causar. Diante disso, LOTT (2005) aponta que
políticas de proteção rigorosa só servem para perpetuar um círculo vicioso que em nada
protegem as mulheres grávidas.
Muito foi utilizada como respaldo para exploração de grupos vulneráveis a alegação
de que sacrifícios deveriam ser feitos em prol do avanço científico (Guilhem, 2005). A crença
de que os fins a serem alcançados justificariam os meios pelos quais isso se realizaria e de que
certos impactos negativos causados a populações marginalizadas pela sociedade possibilitariam
o avanço da medicina prevaleceu e se perpetua até os dias atuais, protegendo atuações antiéticas
por profissionais que, muitas vezes, mascaram sua conduta. Com efeito, de acordo com COSTA
(2008), as próprias diretrizes elencadas no Código de Nurembeg não eram, muitas vezes,
devidamente empregadas, haja vista que os pesquisadores não se identificavam como os
médicos nazistas que praticaram condutas antiéticas. (Barbosa et al, 2011). Um exemplo de que
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tal pensamento puramente pragmático prevaleceu em grande número de casos durante anos
depois do Código de Nuremberg foram os estudos com AZT em países em desenvolvimento na
década de 1990 (Rogers e Ballantyne, 2008), data bem posterior ao final da Segunda Guerra e
ao Tribunal de Nuremberg.
É por esse motivo que, apesar dos avanços já alcançados em relação ao assunto, é
condição imprescindível o debate e a constante vigilância sobre a questão.
Enquanto a ciência se projeta para algo, ela se destina a um fim. O seu fim não pode
estar deslocado de uma série de preocupações que circundam as ciências. É importante
afirmar que os saberes não estão isolados. Os saberes científicos são práticas sociais
de conhecimento, que racionalizam a realidade para lhe conferir sentido. Nessa
medida, a ciência deve ter um propósito, e este proposito não pode ser justificado na
base de uma despreocupação com os fins, com consequências e com desdobramentos
sociais. O cientista que conhece os riscos de seu experimento deve estancar a prática,
antes que os riscos extrapolem o ambiente da pesquisa e afetem vítimas reais, pessoas,
cujos direitos podem ser violados por conta do desvio de cálculo nos rumos da
produção de conhecimento. Essa preocupação fica ainda mais clara quando se reflete
à luz da ciência de Josef Mengele, o conhecido Todesengel, “Anjo da Morte”, que
atuou em Aushwitz, exercendo pesquisas em seres humanos, que nada justifica que o
deslimite da ciência.
Com isso, é certo que, apesar de ainda vigente, o discurso do avanço científico a
todo custo deve ser rebatido, com base no princípio superior da dignidade da pessoa humana.
A verdade é que a pesquisa é balizada e limitada por esse princípio, no qual nenhuma
intervenção médica pode trazer para o paciente efeito que fira tal valor, que é resguardado na
Constituição, em seu artigo 1º, como fundamento do Estado Democrático de Direito:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
V - o pluralismo político.
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Com efeito, entende-se que a pesquisa deve ser pautada na condição do ser humano
como sujeito de direitos e na vedação a práticas que firam essa condição, isso, porque “[...] a
pessoa humana e sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo
valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico” (DINIZ, 2007, p.
16).
A dignidade da pessoa humana é um bom critério, aliás erigido pelas Nações Unidas,
através da Declaração de 1948, de que toda ação humana deve considerar um fim
eticamente justo, que pondera entre as conquistas das pesquisas e os limites da própria
vida humana. Assim, em nome do saber, o que é autorizado, o que é possível? Muito
importante papel cumpre a pauta axiológica contida na Declaração Universal, aliás,
lançada em seu artigo 1º (“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras
com espírito de fraternidade”).
Com isso, em 1996 foi divulgada a Resolução CNS n.º 196/96, apresentando
diretrizes básicas para os dilemas relacionados às pesquisas envolvendo seres humanos,
implementando e acompanhando protocolos de pesquisa (Guilhem, 2005).
3.1 Importância
trata-se de uma decisão voluntária, realizada por pessoa autônoma e capaz, após um
processo informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico
ou experimentação, sabendo da natureza do mesmo, das suas consequências e dos seus
riscos.
3.2 Críticas
Ademais, também aborda a questão da grande demanda e a falta de CEPs para supri-
la, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país.
Porém, deve-se destacar que, apesar de ainda existirem críticas, é certo dizer que a
Resolução trouxe grandes avanços, principalmente na proteção aos sujeitos da pesquisa, tendo
o Sistema CEP/Conep colocado o Brasil à frente dos outros países da América Latina e de
muitos países menos desenvolvidos (Barbosa et al, 2011).
4 CONCLUSÃO
Diante disso, o presente artigo tinha por fim discorrer acerca das pesquisas
envolvendo populações consideradas vulneráveis e os limites da atuação ética para a proteção
de tais indivíduos, vindo a esclarecer os aspectos históricos e normativos que culminaram na
percepção de que tais pessoas possuíam sua autonomia reduzida e, por isso, precisavam ser
protegidas.
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