Você está na página 1de 20

AJUSTAMENTO EXTERNO VERSUS ESTABILIZAÇÃO: 25 ANOS DE POLÍTICA

MACROECONÔMICA NO BRASIL (1974/98)


Carlos Eduardo Frickmann Young (IE/UFRJ)/young@ie.ufrj.br
André Santos Pereira (IE/UFRJ)/pereira@ppe.ufrj.br

Resumo
O texto apresenta as políticas macroeconômicas brasileiras desde o ajustamento à crise do
petróleo nos anos setenta até o final do primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique
Cardoso. O objetivo proposto é delinear o contraste entre políticas econômicas adotadas como
forma de prevenir ou atenuar estrangulamentos externos e as políticas destinadas à
estabilização de preços. Este artigo procura mostrar que ao longo desses 25 anos, as políticas
de ajustamento externo têm apresentado resultados contraditórios às políticas de estabilização e
vice-versa, sendo o exemplo mais recente a crise cambial de janeiro de 1999.

Introdução
Um problema comum identificado no estudo das políticas de ajustamento refere-se às
diferentes interpretações dadas ao termo. Em teoria, segundo a cartilha do mainstream, um
programa de ajustamento padrão combinaria medidas que reduzem a absorção doméstica
agregada (através da redução do nível de dispêndio) com políticas favorecendo o setor
exportador. Contudo, a aplicação de tais princípios em políticas “reais” pode variar
consideravelmente de país a país. Isso é particularmente verdadeiro para o Brasil, que tem sido
um laboratório de políticas econômicas com diversos enfoques teóricos, e cujas
implementações freqüentemente coincidem com políticas de enfoques diferentes, que acabam
por objetivar metas opostas.
É importante, portanto, definir para os objetivos deste texto o que se considera “política de
ajustamento”: uma política econômica adotada com o objetivo de melhorar a situação do
balanço de pagamentos (ajuste externo) ou de reduzir o déficit público e a inflação
(estabilização). Pretende-se mostrar que, ao longo do tempo, a ênfase da política econômica
brasileira tem oscilado entre esses dois pólos, mas a experiência brasileira também mostra que
busca simultânea desses objetivos tem sido sempre contraditória.

O Governo Geisel: 1974/79


O Brasil foi severamente afetado pelo choque do petróleo em 1974. Sendo muito dependente
das importações de petróleo, que representavam até dois terços da importação total, a situação
externa do país deteriorou-se rapidamente. Um agravante adicional, causado pela recessão
mundial, foi a redução da demanda por exportações brasileiras. A esse tempo, duas opções
foram apresentadas: reduzir substancialmente o crescimento econômico -- a taxa média de
crescimento durante o período do “milagre” (1968/74) foi 11% a.a. -- de forma a reduzir a
demanda por importações (do petróleo em particular) ou manter a economia crescendo, mas
sob uma nova estrutura, buscando reduzir a dependência das importações e estimular o
aumento das exportações.
A opção por reduzir o crescimento econômico, apoiada pela ortodoxia econômica, era baseada
na hipótese de que um ajuste temporário mas doloroso era necessário para recuperar o
equilíbrio nas contas externas. Contudo, o governo estava preocupado com os possíveis riscos
ao importante avanço econômico verificado entre o final dos anos 60 e início dos setenta,
especialmente no setor industrial. Também deve-se ressaltar que o país estava sob o regime
militar, e uma crise econômica poderia representar uma ameaça ao objetivo do general-e-
presidente Ernesto Geisel de um retorno lento e conservador à democracia. Durante o período
do milagre, a concentração de renda havia aumentado consideravelmente, e uma pressão sobre
os salários possivelmente acrescentaria mais poder à oposição em sua campanha por um
retorno rápido à democracia.
A opção do governo brasileiro foi ajustar com crescimento. O II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND, 1975/79) desenhou um programa ambicioso de ajuste da oferta no
longo prazo. A ênfase estava em completar o processo de substituição de importações,
principalmente nas áreas de bens intermediários e energia. Também incluía incentivos às
exportações, como forma de melhorar a capacidade de acumular divisas estrangeiras. Porém a
maior parte do financiamento requerido para completar a “transição industrial” foi obtida
através de endividamento externo.
A estratégia do II PND combinou investimentos na substituição de importações de insumos
industriais básicos e bens de capital, expansão da infra-estrutura econômica, e medidas severas
para reduzir as importações de petróleo e outros bens. O esforço para reduzir a dependência de
petróleo importado incluía não apenas aumento de preços dos derivados, mas também várias
restrições à sua comercialização, além do PROALCOOL, programa direcionado a substituir
gasolina por álcool de cana de açúcar.
Nas áreas onde a lucratividade esperada era considerada baixa para atrair investidores privados,
os investimentos foram efetuados pelas empresas estatais. O setor privado pode contar com
grande volume de subsídios creditícios por parte das agências estatais de desenvolvimento.
Outras medidas de subsídio ao setor privado foram o estabelecimento de incentivos fiscais e de
crédito à exportação, e o aperto nas barreira de importação, visando a proteção do “similar
nacional”.
A adequação de tais medidas é ainda tema de controvérsia. Críticos (por exemplo, Carneiro
1990) argumentam que o II PND teria sido ambicioso demais para um momento tão crítico,
contribuindo significativamente para o aumento da dívida externa e a interferência do Estado
na economia. Em outras palavras, os formuladores de política estariam apenas adiando a
adoção de medidas restritivas, ao mesmo tempo em que a situação fiscal se deteriorava. Além
disso, o caráter oligopolizado da indústria brasileira estaria crescendo progressivamente, e os
custos dolorosos do aumento da dívida externa só seriam conhecidos a partir da década
seguinte.
Por outro lado, defensores (por exemplo, Castro e Souza 1985) argumentam que a liquidez nos
mercados internacionais, causada pelo excesso de petrodólares, oferecia a possibilidade de
obter financiamento para a reestruturação industrial do país, concluindo o processo de
substituição de importações e, consequentemente, reduzindo a pressão sobre a balança
comercial. Essa visão partia da hipótese pessimista de que a impossibilidade de crescimento
das exportações levava à necessidade de reduzir importações, sob o argumento de que o país
encontraria problemas contínuos nas suas contas externas se a economia não se tornasse menos
dependente de energia e insumos intermediários importados. No longo prazo, buscou-se
portanto evitar que o impacto negativo decorrente das amortizações futuras dos empréstimos
fosse acentuado por um fluxo de importações intenso (Batista, 1986). Uma recessão teria
causado uma queda drástica no investimento doméstico, e o único ajustamento possível em tal
circunstância seria o empobrecimento do país e seu retorno à posição de exportador de bens
baseados em recursos naturais. Como apontam Castro e Souza (1985), as dificuldades trazidas
pela crise do petróleo não eram um obstáculo ao II PND mas a causa de sua existência.
Qualquer que seja a opinião acerca da propriedade do II PND, a relevância da discussão é
diluída pelos erros de gerenciamento que ocorreriam depois, após a dramática elevação das
taxas de juros em 1979. Como aponta um dos críticos da opção de ajustar com crescimento, os
erros dos anos setenta perdem seu significado se comparados com os desastres dos anos oitenta
(Carneiro, 1990).

O Governo Figueiredo: 1979/85


O governo João Figueiredo, o último encabeçado por um militar, iniciou-se em 1979 diante da
conjunção de várias crises estruturais que, persistindo ao longo dos anos oitenta, acabaram
resultando em um dos períodos mais difíceis da história econômica brasileira.
A estratégia de substituição de importações teria terminado mesmo que não houvesse qualquer
crise de financiamento externo: depois de completos os investimentos do II PND, não havia
lacunas na cadeia produtiva que justificassem o investimento governamental maciço. Nesse
sentido, a indústria brasileira estava completando um ciclo de longo prazo de industrialização
liderada pelo Estado, levando à necessidade de consolidar um novo estilo de crescimento onde
o setor privado seria mais competitivo e menos dependente do Estado.
O novo ambiente social trazido pelo processo de democratização também pressionava por
mudanças. Após anos de repressão, os sindicatos de trabalhadores haviam gradualmente se
tornado mais fortes em suas reivindicações. Além disso, a euforia econômica nos anos setenta
não representou uma redução significativa no nível de pobreza. Pelo contrário, assumiu um
caráter fortemente concentrador de renda. A estratégia econômica dos governos militares foi
sintetizada pela expressão “crescer primeiro o bolo para depois reparti-lo”. A melhoria na
situação política havia sinalizado aos trabalhadores que era a hora de reclamar sua fatia.
O governo Figueiredo encontrava, em relação a seus antecessores, um maior grau de
fragilidade política, em decorrência do relaxamento dos instrumentos autoritários. Este governo
foi caracterizado pela permanente luta da aliança conservadora que governava o país para adiar
a transição para um regime plenamente democrático. Concessões políticas seriam feitas apenas
para evitar reformas profundas. O sistema partidário dual - governo (ARENA) e oposição
(MDB) - estabelecido durante o regime militar foi abolido, como forma de impedir uma
possível vitória da oposição na sucessão presidencial seguinte. Contudo, o novo sistema de
partidos múltiplos tornou-se muito mais instável, criando dificuldades consideráveis para os
governos seguintes identificar e consolidar maiorias representativas no Congresso.
A economia foi severamente abalada pelo segundo choque do petróleo e a subsequente
elevação da taxas de juros internacionais em 1979. Visto que a maioria da dívida externa estava
contratada a uma taxa de juro pós-fixada, o resultado óbvio da crise foi um abrupto aumento da
dívida externa, e portanto do seu custo e do fluxo de amortizações. Cerca de 60% das
exportações totais, que também sofreram com o declínio dos termos de troca, ficaram
comprometidos com o pagamento de juros e amortizações, ao mesmo tempo que tornava-se
cada vez mais difícil obter novos créditos para reciclar a dívida.
A primeira reação do novo governo foi reduzir o crescimento econômico, como forma de lidar
simultaneamente com a restrição do balanço de pagamentos e a aceleração da inflação (Baer,
1989). A estratégia combinava desvalorização da taxa de câmbio, determinada oficialmente,
com medidas fiscais e monetárias restritivas. Isso incluía a eliminação dos subsídios às
exportações, aperto do crédito doméstico e redução de despesas públicas, com particular
atenção às empresas estatais. Outro instrumento de controle da inflação adotado foi a
liberalização das importações.
A reação negativa contra a recessão esperada, entretanto, levou a uma mudança na condução da
política econômica. Delfim Netto, que havia governado a economia durante o “milagre”,
voltava ao governo como ministro do planejamento com a promessa de manter a economia
crescendo ao mesmo padrão dos anos anteriores. A crise foi diagnosticada por ele como uma
dificuldade temporária, e assim uma trajetória de “crescimento com endividamento” poderia
ser atingida, apesar das dificuldades consideráveis nos mercados financeiros mundiais. O
gerenciamento da demanda agregada por políticas de curto prazo seria suficiente para
ultrapassar a escassez de financiamento externo e descobrir novos formas de pagar os serviços
da dívida externa.
A deterioração das condições externas, porém, frustou tal percepção otimista. A política
econômica passou a flutuar sem direção precisa. Um exemplo foi o “pacote” de políticas que
desvalorizaram o câmbio em 30% em dezembro de 1979. Essa medida buscava melhorar a
situação externa, ainda que subsídios à exportação e restrições à importação fossem
eliminados. A situação do setor público iria melhorar com um aumento substancial das tarifas
públicas. Todas essas medidas teriam impactos inflacionários significativos, mas o governo
supôs que tais efeitos seriam apenas temporários. Por isso, no ano seguinte, a desvalorização
do cruzeiro ficou limitada a 40%, equivalente à média da inflação anual no período 1974/78.
Todavia, a taxa de inflação pulou para 110% a.a. em 1980, rapidamente revertendo os objetivos
do pacote: a taxa de câmbio foi sobrevalorizada, ao passo que os preços públicos deterioraram-
se. O resultado final foi uma piora considerável nas contas públicas e externas, uma taxa de
inflação anual de três dígitos e o enriquecimento daqueles que haviam especulado contra o
cruzeiro.
A política econômica do período pode ser caracterizada por uma sucessão de idas-e-vindas que
só resultaram na incerteza crescente dos agentes econômicos. A contínua deterioração das
contas externas levou a uma especulação constante sobre novas maxidesvalorizações e as
conseqüências da intervenção do FMI. No início, o governo brasileiro recusava a idéia de pedir
ajuda ao FMI pois receava as mudanças a serem solicitadas na condução da economia,
reduzindo sua própria liberdade na formulação de política. Isso poderia ser interpretado como
um sinal de fraqueza, erodindo ainda mais o frágil apoio político do governo.
Isso não significava, porém, que o governo buscasse evitar uma recessão de curto prazo, conseqüência
normal dos programas de estabilização do FMI. Ao final de 1980, o governo anunciou outro pacote de
medidas com a clara intenção de reduzir drasticamente o nível de atividade econômica, tentando um
programa próprio de austeridade mas sem o desgaste político da tutela do FMI (Baer, 1989).
Em teoria, o governo estava considerando uma redução nas suas próprias despesas, mas na
prática os instrumentos usados foram a compressão dos salários reais, o aumento das taxas de
juro domésticas, reduzindo a liquidez na economia, e o estabelecimento de desvalorizações
cambiais periódicas. Isso inaugurou uma era de regras salariais impopulares que baniam as
livres negociações e estabeleciam penalidades aos setores que davam aumentos acima da
inflação prévia.
O crescimento negativo do produto em 1981, o primeiro desde 1945, foi entendido como um
contratempo inevitável e temporário, e as correções de curto prazo seriam suficientes para
reassegurar o investimento estrangeiro e o crescimento econômico. Contudo, as políticas de
demanda contracionistas foram, em termos práticos, inócuas para reduzir a inflação.
Na área externa, o relativo sucesso da redução relevante no déficit comercial, fruto da recessão,
foi contrabalançado pelo aumento nas taxas internacionais de juros, que resultaram em uma
adição de US$ 3 bilhões no pagamento de serviços da dívida externa, absorvendo 40% das
receitas obtidas com exportações. Desta forma, o governo se viu forçado a conseguir novos
empréstimos, e as dívidas de médio e longo prazo cresceram 14%.
Apesar de beneficiada por uma taxa de câmbio mais realista, a estratégia de promoção de
exportações foi prejudicada pela especulação acerca de outra maxidesvalorização, lembrando
os eventos de 1979, pois o adiamento de decisões de exportação podia levar a lucros
consideráveis. As exportações também foram limitadas pela recessão mundial e pelo declínio
nos termos de troca dos bens brasileiros. Em 1982, outra elevação no pagamento de juros
externos resultou em que o déficit no balanço de pagamentos ficasse praticamente
independente da absorção doméstica. Mas o golpe final para as contas externas foi a moratória
mexicana em agosto de 1982, que cortou qualquer possibilidade restante de reciclar a dívida
com novos empréstimos.
No Brasil, os formuladores de política entraram em negociação com o FMI e bancos privados
estrangeiros ainda em agosto daquele ano. Essas conversações foram mantidas em sigilo até as
eleições de novembro - o governo tentava evitar o tema da “ida ao FMI” durante a campanha
eleitoral. Três dias após as eleições (nas quais a oposição obteve ganhos consideráveis no
Congresso e nos estados mais importantes), foi finalmente admitido que o Brasil estava
seguindo uma política de acordo com os padrões do FMI. Um pouco depois, o governo admitia
o acordo formal e a política econômica passou a ser submetida à aprovação do FMI. A
interferência do FMI reforçou a idéia de reduzir as necessidades de divisas através do controle
da absorção doméstica. Argumentava-se que, com a demanda declinante, haveria um aumento
nas exportações e na redução de importações. Uma medida adicional foi elevar os preços dos
derivados de petróleo (junto com novas restrições à comercialização) e mais incentivos ao
Proálcool.
Ao invés de promover uma reforma fiscal, o governou persistiu no uso de políticas monetárias
restritivas para controlar a inflação. Contudo, a estratégia de elevar a taxa de juros doméstica
para atrair capital externo e enxugar a liquidez resultou em uma situação desastrosa para as
finanças públicas. Não houve entrada significativa de capital externo, mas sim o crescimento a
longo prazo do total da dívida, além da necessidade de se aumentar continuamente o grau de
endividamento para financiar compromissos assumidos anteriormente.
Os resultados domésticos foram decepcionantes. Em 1982, a estagnação econômica não
resultou na redução da taxa de inflação, que permaneceu ao patamar de 100%
(aproximadamente a mesma que em 1980 e 1981). O estabelecimento de metas de acordo com
os padrões do FMI era complicado porque os preços estavam indexados à inflação prévia, o
gasto público era o principal responsável pelos investimentos produtivos e uma grande
proporção do investimento privado era financiado por fundos estatais.
A melhoria na balança comercial esteve longe do nível desejado, e a política de
minidesvalorizações cambiais mensais foi substituída por uma maxidesvalorização de 30% em
fevereiro de 1983. Outras medidas introduzidas foram o estabelecimento de novos créditos
especiais para promoção de exportações e substituição de importações. A desindexação parcial
de salários, combinada com a aceleração da inflação resultou em salários reais declinantes,
medidas estas que trouxeram importante melhoria na balança comercial.1 É importante notar
também que a recessão e a queda dos preços do petróleo não foram os únicos responsáveis pelo
declínio das importações: os projetos de longo prazo iniciados nos anos setenta iniciaram suas
operações, ofertando uma parcela ampla de insumos industriais (Castro e Souza, 1985).
O modesto sucesso do programa na área externa foi, porém, mais do que compensado pelo
fracasso no lado doméstico. Apesar do monitoramento do FMI, a inflação ultrapassou a
barreira dos 150% a.a. em 1983. As razões foram: (a) o aumento nos preços agrícolas,
causados por condições climáticas adversas combinadas com a escassez nos mercado interno,
criada pelo desvio de grande parte da safra para exportação; (b) a desvalorização em termos
reais da taxa de câmbio, que gerou um aumentou dos preços relativos dos produtos importados;
(c) restrições a importar insumos, que permitiram o aumento dos preços dos substitutos
domésticos em função da redução do grau de competitividade; e (d) a falta de controle sobre as
despesas públicas, parcialmente causada pelo montante crescente de juros pagos no serviço da
dívida pública doméstica (conseqüência da política de altas de juro praticadas nas operações de
mercado aberto).
“Em outras palavras, as políticas que levaram a grandes superávites comerciais e
permitiram a continuação do pagamento dos juros sobre a dívida externa, levaram ao
crescimento das pressões inflacionárias domésticas e ao declínio do investimento. Isso
deveu-se às repercussões inflacionárias da desvalorização acelerada da taxa de câmbio e
à necessidade do setor público atrair um volume crescente de recursos do setor privado
para continuar a pagar os serviços da dívida externa. O impacto líquido do programa de
ajustamento foi a transferência de recursos para fora em 1983 e 1984, que representaram
até 5% do PIB”(Baer, 1989, p.118).
É importante evidenciar que a expansão das exportações também foi beneficiada pela
1
Embora a redução das importações tenha sido mais importante que o crescimento das exportações para tal melhoria.
recuperação da economia dos EUA, o parceiro comercial mais importante. Liderada pelo setor
exportador industrial, a economia finalmente experimentou algum alívio a partir de 1984. As
taxas positivas de crescimento econômico permitiram alguma recuperação no nível dos salários
no setor privado, apesar da persistência de impedimentos legais para aumentos de salário real.
Ao mesmo tempo, a conclusão da substituição de insumos permitiu o declínio do coeficiente de
importação em relação ao PIB, apesar do crescimento nas atividades industriais. O superávit
comercial tornou-se grande o suficiente para compensar o montante requerido para cumprir o
serviço da dívida externa -- que significava uma transferência anual de recursos da ordem de
4% do PIB -- sem que fosse necessário recorrer a novos empréstimos.
O país, enfim, parecia capaz de crescer apesar da dívida e da alta inflação. Enquanto isso, as
divergências com o FMI sobre o déficit público persistiam e o governo brasileiro sentia-se em
uma posição de negociação mais forte do que no pico da crise. Quando a sétima carta de
intenções não foi aprovada, as negociações com o FMI foram interrompidas até que o novo
governo civil tomou posse em março de 1985.
A inflação atingiu novo patamar de “estabilidade” em torno de 200% a.a. Isso reforçou a idéia
de que a inflação brasileira tinha um caráter inercial que não poderia ser afetado pelas políticas
monetaristas convencionais do FMI. Segundo essa visão, a política mais adequada seria criar
mecanismos “heterodoxos” para reverter as expectativas dos agentes sobre a inflação de forma
a impedir a transmissão da inflação passada para o futuro.

O Governo Sarney: 1985/90


Apesar da resistência política contra a interferência externa, o novo governo civil manteve
inicialmente as negociações com o FMI. Isso era parcialmente uma exigência dos credores, que
consideravam a gestão do FMI como essencial ao sucesso da renegociação da dívida externa. A
nova administração optou inicialmente pela aplicação de medidas monetárias e fiscais austeras,
mas de forma gradual (em oposição à prática de “choques” das administrações anteriores).
Entretanto, a persistência da inflação em um patamar elevado (200% a.a.) contribuiu para
desacreditar o uso de medidas ortodoxas de combate à inflação.
A principal crítica estava baseada na falha da terapia monetarista em lidar com a inflação
inercial, causada pelos mecanismos de indexação que transferiam a inflação passada para os
preços correntes. A teoria inercialista argumentava que, na ausência de choques externos, a
inflação seria mantida no mesmo patamar. Um choque poderia ser definido como qualquer
perturbação que causasse um aumento primário na taxa de inflação, como desvalorização da
taxa de câmbio, aumento dos preços agrícolas (causado por condições climáticas adversas) ou
mudanças nas margens de lucro dos preços industriais.
Após cada choque, os agentes econômicos tentariam recompor o nível de preços relativos
prevalecente, através da incorporação da inflação acumulada nos preços nominais. Portanto, a
inflação persistiria porque a ação dos agentes não era coordenada: se todo agente incorporasse
a inflação prévia nos seus preços nominais, a taxa de inflação não declinaria mesmo após a
eliminação da causa primária do choque. Um sistema de indexação perfeito ocorreria se todos
os agentes adotassem o mesmo índice de correção de preços, a política monetária fosse passiva
(i.e., não tivesse a intenção de reduzir a taxa de inflação através da mudança da taxa de juros) e
não houvesse choque externo. Nesse caso, a inflação afetaria apenas os valores nominais e não
o sistema de preços relativos.
Essa teoria era particularmente importante para explicar o movimento de salários reais. A
indexação permitia aos salários reais manter uma média constante se a taxa de inflação não
mudasse. Contudo, no caso da aceleração da inflação, haveria um declínio do salário real.
Uma importante circunstância era o alívio temporário na situação externa, dado pelo superávit
sustentado na balança comercial, que contrapesava o pagamento de juros sobre a dívida
externa. Novos empréstimos eram necessários apenas para amortizações, o que permitiu que o
governo se libertasse do peso político causado pela interferência direta do FMI na política
econômica. A recuperação da economia mundial, as taxas de juros declinantes nos mercados
financeiros internacionais e os preços em queda do petróleo proveram razões extras para o
otimismo em relação às contas externas.
Em uma situação onde choques externos não fossem esperados, e assumindo que o governo
mantivesse um déficit fiscal sob controle, a persistência da inflação poderia ser atribuída
principalmente à inércia. Neste caso, uma solução para o processo inflacionário seria a
determinação de preços nominais com base na preços reais médios nos últimos meses, o que
supostamente eliminaria o componente inercial da inflação.
A principal vantagem desse enfoque seria evitar outra recessão, que causaria uma deterioração
considerável nas condições de vida da maioria dos brasileiros. Tendo em vista que o apoio
popular ao novo governo foi baseado na promessa da reversão da concentração de renda que
havia prevalecido no regime militar, uma recessão era politicamente indesejável.
Uma vez que a abordagem gradualista também não estava mostrando bons resultados, a idéia
de aplicar um plano anti-inflacionário heterodoxo cresceu em importância dentro do governo.
Uma motivação adicional era o aparente sucesso do programa heterodoxo “Austral” na
Argentina. Finalmente, a seca em 1985 resultou na escassez de vários produtos agrícolas,
causando um aumento abrupto nos preços agrícolas. Em fevereiro de 1986, a taxa de inflação
mensal superou pela primeira vez a barreira dos 20%, uma barreira psicológica a partir da qual,
acreditava-se, a economia ficaria fora de controle.
Em março de 1986, o governo anunciou o Plano Cruzado, denominado a partir da nova moeda.
Os preços foram congelados em seus valores correntes, com exceção de alguns preços públicos
que haviam sofrido perdas nos meses anteriores. A taxa de câmbio da nova moeda em relação
ao dólar foi mantida fixa e a indexação por períodos inferiores a um ano foi proibida. Existia,
porém, grande medo de uma recessão, como ocorrido antes na Argentina. Portanto, não foram
estabelecidas metas monetárias ou fiscais. Ao contrário, salários nominais foram calculados
usando uma complicada fórmula para, ao menos, preservar seus valores reais de antes do
plano.
O programa foi muito popular nos seus meses iniciais porque ocorreram ganhos reais
significativos nos salários, na medida em que a inflação aproximou-se a zero. A economia
experimentou um boom, especialmente nos setores de bens de consumo. A eliminação da
indexação permitiu que famílias de baixa renda utilizassem crédito para comprar bens duráveis,
compensando a demanda reprimida nos anos de recessão. O governo considerou que, pela
primeira vez em anos, medidas práticas haviam sido tomadas para melhorar a distribuição de
renda.
Contudo, essa euforia cegou a administração para os vários sinais de descontrole sobre a
demanda agregada. Preços começaram a escapar do congelamento oficial, crescendo a taxas de
até 4% ou 5% a.m. Havia escassez crescente de vários insumos e bens finais, que poderiam ser
obtidos apenas com pagamento de ágio. Outras pressões inflacionárias importantes surgiram do
impacto residual do aumento inicial de preços públicos. Pelo lado fiscal, o declínio súbito da
inflação significou a perda do “imposto inflacionário”, não compensada por novas fontes de
receita. Poo outro lado, o governo aumentou seus próprios gastos, expandindo ainda mais o
déficit público. A política monetária também foi muito suave para controlar a explosão de
consumo.
Em outras palavras, somente medidas heterodoxas (ação direta sobre preços e salários) não
foram suficientes para interromper as pressões inflacionárias criadas pela falta de controle
sobre as variáveis fiscais e monetárias. A conseqüência foi o retorno da inflação e a crescente
descrença na efetividade do programa de congelamento de preços.
Apesar dessas pressões, a administração recusou-se a abandonar o congelamento de preços ou
reduzir a demanda agregada até pouco depois da eleição de novembro de 1986, quando o
governo obteve grande vitória no Congresso Nacional e nos governos estaduais. Somente então
medidas destinadas a aumentar a tributação foram anunciadas, junto com outra elevação de
preços públicos. Mas aí a situação já estava fora de controle. Quando os preços ficaram livres
para recompor seus valores reais prévios, a expectativa de novo congelamento resultou em
nova corrida inflacionária - desta feita, não apenas para incorporar perdas passadas mas
também antecipar a inflação futura. A conseqüência foi a elevação rapidíssima da inflação para
níveis além daqueles verificados anteriormente ao Plano Cruzado.
A taxa de câmbio foi sobrevalorizada consideravelmente, resultando em exportações cadentes.
A situação externa foi agravada pelos rumores de uma nova maxidesvalorização. De outubro
de 1986 a fevereiro de 1987, a balança comercial tornou-se negativa, forçando uma moratória
temporária e novas negociações com o FMI e o Clube de Paris. O governo reagiu com
desvalorizações diárias do cruzado. Essa medida não eliminou completamente as expectativas
de outra desvalorização súbita, mas contribuiu para restaurar a indexação.
Após o fracasso do cruzado, a gestão da política econômica do governo Sarney pode ser
descrita como uma sucessão de planos menos dramáticos, combinando o uso de medidas
ortodoxas às medidas heterodoxas que já vinham sendo utilizadas. O objetivo de zerar a
inflação foi abandonado, e metas mais modestas foram estabelecidas (o que ficou conhecido
como política “feijão com arroz”). Ao final do mandato Sarney, o objetivo doméstico tornou-se
evitar a hiperinflação, uma situação na qual até a aceleração da inflação ficaria fora de
controle, e os agentes econômicos perderiam a noção de preços relativos.
Apesar da retórica de austeridade, não houve melhoria efetiva no controle do gasto público.
Isso foi parcialmente devido à falha governamental em impor cortes de gastos, especialmente
nas administrações estaduais e municipais. Esse descontrole foi acentuado posteriormente pela
nova Constituição promulgada em 1988, que transferia fundos consideráveis da esfera federal
para a estadual e municipal. O uso do dispêndio público como instrumento eleitoral tornou-se
uma prática bastante difundida, com o consenso silencioso do governo federal. Portanto, as
reduções no déficit operacional foram limitadas, a despeito da poupança obtida com a redução
de salários reais e outras despesas ao nível federal.
A falta de controle sobre as contas públicas também foi conseqüência das necessidades sempre
crescentes de pagamento de juros sobre a dívida pública. O nível de endividamento em todos
os níveis da administração (federal, estadual e municipal) tornou-se tão elevado que a única
forma de pagar débitos antigos era o lançamento de novos títulos. Uma vez que políticas
monetárias restritivas tornaram-se cada vez mais o grande instrumento para interromper a
aceleração inflacionária, as altas taxas de juros reais resultaram em um aumento do estoque
total da dívida no longo prazo. Estabeleceu-se um ciclo vicioso onde as necessidades de curto
prazo de vender títulos públicos a juros consideravelmente altos geravam um aumento de longo
prazo no estoque da dívida e, conseqüentemente, a necessidade de mais empréstimos no futuro.
A conquista mais importante das equipes econômicas no período Sarney após o fracasso do
Plano Cruzado foi a manutenção de uma situação externa relativamente balanceada. Para isso,
colaborou a indexação da taxa de câmbio. Por um lado, essa medida perpetuou a inércia
inflacionária, já que a correção diária, incorporando a variação anterior de preços, estabelecia
um piso para a inflação esperada. Contudo, com a taxa de câmbio real mantida em um patamar
estável, as exportações foram incentivadas e o superávit comercial foi suficiente para pagar o
serviço da dívida e evitar nova crise externa. A tendência declinante da taxa de juros
internacional no período também contribuiu para relaxar o peso da dívida externa.
A situação externa relativamente equilibrada permitiu o início da abertura comercial.
Restrições a importar começaram a ser eliminadas, e pela primeira vez o governo admitiu que o
ciclo de industrialização por substituição de importações estava encerrado. Embora modesta,
essa mudança marcou a reviravolta no padrão de desenvolvimento prevalecente desde os anos
trinta. A indústria cresceu sob o antigo padrão, mas o alto grau de protecionismo resultou em
oligopólios que não estavam acostumados à competição. No final dos anos oitenta, os
mecanismos tradicionais de controle direto dos preços industriais começaram a ser retirados,
seguindo a idéia de importações poderiam forçar os produtores domésticos a baixar seus
preços.
Na verdade, a economia estava sendo submetida a um processo oculto de aumento de
competitividade desde o início dos anos oitenta, pois somente as empresas capazes de exportar
tiveram crescimento sustentado. O setor exportador tornou-se gradualmente o mais dinâmico,
tanto na agricultura quanto na indústria. Entretanto, a expansão do setor exportador não foi
suficiente para sustentar o crescimento econômico. O retorno da inflação galopante resultou em
queda dos salários reais, deprimindo os mercados domésticos de bens de consumo. A alta taxa
de juros real e a incerteza crescente erodiram as condições para o investimento: os mercados
financeiros, abarrotados de títulos de dívida pública, ofereciam opções mais atraentes e seguras
do que a expansão da produção. Finalmente, os efeitos sobre a concentração de renda foram
enormes. Indivíduos ricos puderam se beneficiar de mecanismos bastante eficientes criados
pelas instituições financeiras. De fato, os que tinham saldo positivo puderam lucrar
consideravelmente com as altas taxas de juros reais. Por outro lado, os pobres tinham
instrumentos bastante limitados, se algum, de proteger suas rendas contra inflação. Para a
maioria, a única opção era gastar imediatamente toda receita recebida, e a caderneta de
poupança era a única opção financeira disponível, pouco mais que compensando a inflação
passada. Além disso, os cortes dos gastos governamentais foram assimétricos, e projetos
sociais básicos foram bastante afetados, com exceção daqueles de maior interesse eleitoral.
O sinal mais evidente de fracasso do governo Sarney na luta contra a inflação foi a rápida
aceleração dos índices de preço em seus últimos meses. Isso também foi conseqüência da
incerteza econômica sobre seu sucessor. Durante o período eleitoral, houve pânico entre os
empresários com a perspectiva de um candidato da esquerda tomar o poder. 2 O candidato
conservador (Collor) venceu a eleição mas, recusando-se a esclarecer quais eram suas idéias a
respeito de controle de preços, foi entendido que um novo congelamento de preços teria efeito
assim que o novo governo assumisse. Sob esse cenário, a inflação explodiu: o novo governo
iniciou em março de 1990 com uma inflação mensal de 84%.

O Governo Collor: 1990/92


Fernando Collor foi eleito com a promessa de “limpar” a administração federal através do
combate à corrupção, austeridade pública, redução da participação do Estado na economia e
abertura comercial. Entretanto, as primeiras ações do novo governo concentraram-se em um
novo programa de estabilização -- em alguns aspectos o mais dramático dentre todos aqueles
apresentados até então -- que não havia sido discutido em campanha.
O aumento da inflação foi tão forte que, mesmo se um congelamento de preços não houvesse
sido pensado originalmente, ele foi visto pela nova administração como única coisa a ser feita
no curto prazo. Mas o novo plano estendeu-se muito além dos demais: não somente preços,
mas também os ativos financeiros de todos os tipos, incluindo-se a popular caderneta de
poupança, foram congelados. Os ativos a partir de um determinado valor foram retidos pela
União, representando uma traumatizante quebra de contrato.
A idéia era eliminar a indexação, apagando o efeito da inflação prévia sobre a determinação de
preços futuros. De forma paralela, o plano também incorporou medidas ortodoxas de redução
da liquidez, buscando evitar qualquer tendência de expansão de demanda como conseqüência
de aumentos no ganho salarial real. O lado fiscal do programa estava baseado na redução de
despesas públicas que, novamente, visavam o corte de salários mais do que qualquer outro item
do orçamento público. Além disso, o congelamento de ativos financeiros resultou em redução
considerável do custo da dívida pública, fazendo com que as contas públicas melhorassem
significativamente em 1990/91.
A despeito da profunda recessão decorrente, logo verificou-se mais um fracasso no controle da
inflação. Além dos problemas de planos anteriores, como a rigidez e o não alinhamento de
preços relativos impostos pelo congelamento de preços, o Plano Collor não obteve, por
motivos óbvios, o apoio popular que o Plano Cruzado recebera. A indexação continuava sob
forma disfarçada, ao passo que as experiências prévias mostravam quão dramática era a
aceleração de preços ante a perspectiva do encerramento do congelamento. Como nos planos
anteriores, assim que as restrições de liquidez foram amenizadas, a falta de confiança no
programa tornou-se aparente, e os agentes econômicos tentaram, de forma desesperada,
2
“Frouxidão” governamental não foi o único fator responsável pela histeria prévia à eleição. Mário Amato, à época presidente
da poderosa FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), deu uma entrevista pouco antes da eleição dizendo que,
antecipar os preços dentro de uma perspectiva de retorno à inflação, em um movimento
coletivo de empurrar os preços para cima. Ao final de 1990, há menos de um ano da posse de
Collor, as taxas de inflação mensal retornavam ao nível de dois dígitos.
A contradição entre contas externas e estabilização de preços apareceu novamente no Plano
Collor. Primeiro, a indexação da taxa de câmbio foi proibida, e qualquer inflação residual
resultava em sobrevalorização da moeda doméstica. Segundo, a escassez inicial de cruzeiros
resultou em uma sobrevalorização cambial ainda mais expressiva. A especulação prévia havia
levado muitos a entesourar divisas (principalmente dólares norte-americanos) como reserva de
valor, mas sob as dificuldades impostas pelo congelamento de ativos, essas divisas foram
rapidamente convertidas de volta em cruzeiros. Terceiro, iniciou-se um processo de
liberalização comercial que, entre outros objetivos, incentivava importações como forma de
reduzir os preços domésticos. Esses impactos foram sentidos apenas após algum tempo, porque
a recessão forçou inicialmente o aumento nas exportações como única saída para a maioria das
empresas. Contudo, no segundo semestre de 1990, tornava-se claro que o nível de reservas
começava a declinar
Em janeiro de 1991 o fracasso do Plano Collor estava evidente. Houve uma mudança nas
posições de comando da economia, visando recuperar a confiança da comunidade empresarial
brasileira e do mercado financeiro internacional. Os maiores objetivos foram eliminar a forte
aceleração do processo inflacionário e recuperar a estabilidade das contas externas. A
condução das políticas anti-inflacionárias tornou-se similar à gestão pós-cruzado, porém com
maior contenção no lado fiscal.
O retorno da indexação (particularmente da taxa de câmbio) estabeleceu um piso para a
variação de preços, eliminando a possibilidade de se reduzir o nível de inflação. Por outro lado,
uma política ativa de manejo da demanda, baseada no endividamento público para aumentar a
taxa de juros, controlou o consumo e, consequentemente, a explosão da inflação. O nível de
reservas começou a se recuperar, ajudado pela tendência de desvalorização gradual que estava
incorporada nas correções cambiais diárias
Outro processo relevante deflagrado na mesma época foi a aceleração da liberalização
financeira. Como exemplo, pode-se citar a criação de novos regulamentos que
desburocratizaram a entrada de capitais financeiros externos e flexibilizaram a administração
deste recursos por parte de instituições brasileiras. Em particular, destaca-se a Resolução 2.132,
de 31/05/91, que introduziu o Regulamento Anexo IV à Resolução 1.289 3 . Estas medidas,
aliadas a outros fatores externos e internos, tornaram o mercado financeiro brasileiro bastante

no evento da vitória de Lula (o candidato da esquerda), 800.000 empresários deixariam o país.


3
Através do Anexo IV são contabilizados os recursos investidos no mercado acionário brasileiro que têm liquidez imediata
(logo, de natureza especulativa) e, portanto, representam um elevado passivo externo de curtíssimo prazo.
atrativo para investidores estrangeiros.
No que diz respeito à condução da política econômica, a principal diferença entre o governo
Collor e seus antecessores estava na chamada modernização da economia através da
privatização e da abertura comercial e financeira. O processo de privatização foi iniciado com a
venda de indústrias de aço e outros insumos básicos. A resistência inicial de alguns grupos
políticos foi ultrapassada, mas houve críticas crescentes contra a aceitação de papéis de
baixíssima liquidez (moedas podres) como meio de pagamento. Ao final do governo, o
programa de privatização teve que ser interrompido por causa das suspeitas de corrupção
levantadas pelo processo de impeachment, que foi bem sucedido em mostrar o envolvimento
do presidente e alguns assessores em corrupção, abuso de poder e outras contravenções.
Uma das principais características da administração Collor foi a aceleração da abertura
comercial. Barreiras à importação foram retiradas, houve mudanças legais a fim de facilitar o
investimento externo e o processo de integração econômica ganhou velocidade com o acordo
sul-americano de livre comércio (Mercosul). As exportações cresceram ao mesmo ritmo das
importações. A taxa de juros doméstica permaneceu em níveis consideravelmente maiores que
as internacionais, resultando em uma entrada substancial de capital. Essa reversão dos fluxos
de capital, também observada em outros países latino-americanos e de forma mais genérica, em
outros países em desenvolvimento, teria um papel essencial na condução de política econômica
dos próximos governos brasileiros.

O Governo Itamar: 1992/95


Após o impeachment de Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu a presidência da
República. Itamar havia sido um oposicionista ao regime militar e não estava envolvido nos
escândalos que levaram à queda de Collor. Além disso, à época do processo de impeachment,
Itamar não estava filiado a nenhum partido político. Esses fatos foram capitalizados pelo apoio
de grupos políticos que previamente fizeram campanha contra Collor.
O aspecto mais importante na condução da política econômica do Governo Itamar foi o Plano
Real. Antes disso, havia sido mantidas inalteradas as políticas de abertura comercial e
financeira, assim como o alto nível das taxas de juros. Neste período, foi consolidado o
processo de captação de recursos externos, seja através de superávites na balança comercial, ou
seja através do influxo líquido de empréstimos e investimentos externos.
O Plano Real foi anunciado com grande antecedência. Seria implementado ao longo de três
fases e não envolveria congelamento de preços. Seu grande sucesso pode ser atribuído à sua
essência, qual seja, eliminar completamente o componente inercial da inflação, ganhando ao
mesmo tempo a confiança dos agentes econômicos neste sentido. De fato, às vésperas de sua
implementação, as taxas de variação dos índices de preços ao consumidor estavam em torno de
48% a.m. No mês seguinte à sua implementação, estas taxas despencavam para 8% a.m.,
atingindo 2% a.m. em agosto, e a tendência da inflação tem sido declinante desde então.
Foi justamente o não alinhamento de preços relativos um dos principais fatores de pressão
contra os congelamentos dos planos anteriores, que aliado à falta de confiança dos agentes
econômicos, os teria levado ao fracasso. No Plano Real, porém, a quebra da inércia
inflacionária foi feita após um pequeno ajuste fiscal (Fase I) e, ao contrário dos planos
econômicos anteriores, após um substancial alinhamento de preços relativos (Fase II). Nesta
fase, conviveram conjuntamente por 3 meses a moeda corrente na época (cruzeiro real) e a
URV (Unidade Real de Valor). A URV serviu como um parâmetro de valor, contribuindo
fortemente para que os preços relativos pudessem estar alinhados ao final dos três meses
previstos. A Fase III caracterizou-se pela troca do cruzeiro real -- a antiga moeda “ruim” -- por
reais -- a nova moeda “forte”. No último dia de existência do cruzeiro real (30/06/1994), uma
URV equivalia a 2.750 cruzeiros reais. No dia seguinte iniciou-se a circulação do real, com um
real valendo uma URV, e um dólar norte-americano custando pouco mais de 80 centavos de
real.
O Plano Real, mais do que beneficiário, foi fortemente dependente de uma conjuntura de
liquidez internacional extremamente favorável. Sua eficácia em relação a manutenção do
controle inflacionário esteve associada principalmente à política cambial, cujo exercício foi
viabilizado pela liberalização da conta de capital e pela elevado influxo de capital externo. Isto
também possibilitou o acúmulo de um elevado volume de reservas internacionais, garantindo
um “colchão” para manter a paridade cambial desejada pelo governo.

O 1º Governo Fernando Henrique: 1995/98


A popularidade do Plano decorrente do inédito sucesso obtido no controle inflacionário foi
suficiente para garantir uma fácil eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Ministro da
Fazenda associado à criação do real, para Presidente da República. Além do programa anti-
inflacionário, o Governo FHC deu continuidade às reformas estruturais, cujos objetivos seriam
a “modernização” da economia seguindo princípios não muito distintos dos propostos desde
Collor: privatização, redução do déficit fiscal e internacionalização da economia.
De fato, o programa de desestatização teve seu ritmo acelerado, não só em termos de número
de empresas privatizadas, como em quantidade e qualidade de receitas obtidas, com mais
dinheiro e menos “moeda podres”. Todavia, apesar da redução de gastos públicos correntes
(principalmente pelo congelamento de salários do funcionalismo) e ampliação da carga
tributária, as prometidas reformas fiscal e administrativa não foram implementadas. Pelo
contrário, a situação fiscal passou a apresentar fortes evidências de deterioração.
As taxas de juros reais foram mantidas, desde o início do Plano, em patamares bem mais
elevados que no resto do mundo. O altíssimo cupom cambial 4 decorrente deste patamar de juro
tem sido um dos principais atrativos ao capital financeiro externo direcionado ao Brasil.
Destaca-se ainda a ampla mobilidade global de recursos decorrentes dos altos graus de
liquidez, abertura, liberalização, desregulamentação, internacionalização e globalização do
mercado financeiro e do mercado de capitais mundiais. Entretanto, este influxo gerou
conseqüências negativas como o aumento da dívida interna e do custo de sua rolagem; aumento
do custo de carregamento das reservas cambiais; 5 e crescimento medíocre do nível de atividade
econômica e aumento recorde do desemprego nos últimos anos.
O processo de endividamento público, crescente e cíclico, agravou-se após a elevação abrupta
das taxas de juros em resposta à crise asiática de outubro de 1997. Além disso, alguns meses
depois, deflagrou-se um período recessivo, marcado pela elevação das taxas de desemprego. A
despeito do peso político de uma recessão, e em função do “engessamento” da política
monetária frente à política cambial, o objetivo do governo permaneceu evitar quaisquer
pressões inflacionárias que coloquem em risco as conquistas do programa de estabilização.
O nervosismo e a volatilidade dos mercados ao longo do primeiro semestre de 1998, acentuada
pela crise pela qual os mercados financeiros internacionais passaram a vivenciar, já
evidenciava o altíssimo risco ao qual o país estava sujeito. O temor de que Brasil não
agüentaria a pressão sobre o câmbio, em função da reversão do saldo na conta de capital e/ou
de ataques especulativos, conseguiu ser controlado até a reeleição do Presidente, através de
uma expressiva votação em outubro de 1998. Contudo, os sinais da incongruência entre as
políticas de estabilização e o ajustamento externo estavam cada vez mais evidentes que seria
impossível sustentar a defasagem cambial por muito mais tempo.
A partir da implementação do Plano Real, a conjugação da sobrevalorização cambial com o
agressivo processo de abertura comercial, expondo setores pouco competitivos à forte
concorrência internacional, teve forte impacto na balança comercial e consequentemente no
balanço de pagamentos. O superávit da balança comercial verificado ao longo da década de 90
até o ano de 1994, transformou-se em um crescente déficit partir de então. Deve-se ressaltar
que as exportações não deixaram de crescer, mas seu ritmo de crescimento tornou-se bem mais
lento que o explosivo crescimento das importações.
Portanto, o superávit no balanço de pagamentos passou a depender, a partir de 94, dos elevadíssimos

4
O cupom cambial é calculado em função da taxa de juro real do país receptor (associada positivamente); expectativa de
desvalorização cambial; impostos; e outros riscos (estes três últimos fatores associados negativamente).
5
Tendo em vista as metas monetárias estabelecidas, os acréscimos no nível de reservas são esterilizados através da colocação
no mercado de títulos públicos. O custo de carregamento das reservas é dado pela diferença entre a remuneração das reservas e
aquela oferecida aos compradores destes títulos.
superávites verificados na conta de capital, fortemente liberalizada ao longo da década. Esses
superávites, por sua vez, eram (e continuam sendo) proporcionados pelo investimento externo
financeiro de curto prazo, principalmente no mercado secundário de ações, mas também em fundos e
títulos de renda fixa. O investimento externo realizado nos moldes do regulamento Anexo IV tem como
destino principal o mercado secundário de ações. Seu fluxo é contabilizado na rubrica Investimento em
Portfolio (IEP), representando em média cerca de 95% dos fluxos líquidos nela registrados. Por sua vez,
o IEP foi, entre 1991 e 1995, o principal item do Investimento Externo em Moeda (em termos de
volume) ao longo da década. (Pereira,1996)
Estes investimentos foram atraídos pela perspectiva de ganhos de capital no mercado acionário,
corroborado pelas altas taxas de valorização das ações. Foram também impulsionados pela
ampla liquidez internacional que caracterizaram a década de 90; pela desregulamentação,
internacionalização, globalização e abertura financeiras; pelo Programa Nacional de
Desestatização; e, finalmente, pela própria estabilidade econômica.
Outras formas importantes de captação de recursos foram os empréstimos externos realizados
através da emissão de títulos (bonds, notes e commmercial papers) no mercado internacional
de capitais, e o investimento externo direto (IED). O IED foi fortemente alavancado pela
estabilidade da moeda, e principalmente pelas fusões, aquisições e privatizações, já que parte
dos recursos ingressados com estas finalidades é contabilizada sob esta rubrica. Contudo,
grande parte dos investimentos diretos estrangeiros efetuados não representou ampliação da
capacidade produtiva, mas apenas a aquisição de empresas já existentes no Brasil (Batista Jr.,
1997), e grande parte do financiamento externo acabou sendo utilizado basicamente para
consumo, agravando ainda mais o déficit da balança comercial.
Deve-se aqui ressaltar o caráter volátil e especulativo dos recursos externos investidos nas
bolsas de valores brasileiras: o estoque desses atingiu US$ 40 bilhões em março de 98,
equivalente a 57% das reservas internacionais registradas naquele mês. Se outros recursos
externos de liquidez imediata também fossem considerados, tais como os fundos compostos
majoritariamente por ativos de renda fixa e cujas cotas são vendidas exclusivamente para não
residentes, a proporção de recursos externos com liquidez imediata sobre as reservas
aumentaria para 65% naquele mês.
Diante da dependência crescente desses recursos para compensar o crônico déficit em
transações correntes, mudanças de expectativas, perda de atratividade do mercado brasileiro
frente a outros mercados internacionais, e, especialmente, crises internacionais, poderiam
engendrar fuga maciça de capitais. Diante de uma perspectiva de reversão dos fluxos de
capital, as chances de um ataque especulativo contra a moeda crescem inexoravelmente – e o
mercado estava a par de fortes ataques especulativos contra diversas moedas e, o mais
agravante, que em muitos casos os bancos centrais acabaram perderam a briga.
Assim, o governo FHC tornou-se cada vez mais dependente da elevação da taxa de juros como
forma de manter a entrada de capitais e assim equilibrar o Balanço de Pagamentos, ainda que
agravando ainda mais o endividamento público e, portanto, o pagamento futuro de juros. Como
em outros casos de vício, as crises de dependência tornaram-se cada vez mais agudas e
frequentes, mas ao menos o governo conseguiu arrastar a situação econômica até alcançar seu
principal objetivo político: a reeleição, em novembro de 1998. A crise conseguiu ser protelada
até janeiro de 1999, quando o ataque contra o real acabou resultando na mudança da política
cambial e maxidesvalorização, além de uma crise financeira na qual a lisura das autoridades
monetárias ainda é objeto de investigação judicial. Todos os que especularam contra o real
acabaram tendo lucros extraordinariamente elevados, como demonstrado por quase todos os
balanços das instituições financeiras. Novamente a terapia unicista foi empregada (em caso de
crise, elevar a taxa de juros), ao custo do acirramento da recessão, desemprego e
endividamento público: a história econômica do 2º Governo FHC tem sido um monótono
“empurrar com a barriga” no qual surtos de crescimento são abortados pela elevação de juros
sempre que a restrição externa reaparece.

Conclusão: de volta ao passado?


O dilema entre estabilização e ajuste externo tem sido a principal luta inerente à experiência
brasileira de ajustamento ao longo do último quarto de século. Ao final dos anos setenta e
principalmente no início dos anos oitenta, a crise do setor externo era a grande restrição a ser
resolvida. A opção de política adotada à época beneficiou o objetivo externo com o sacrifício
da situação doméstica, particularmente das contas públicas. Gradualmente, os grandes esforços
de reduzir importações e aumentar exportações reduziram as pressões causadas pelo
pagamento dos serviços da dívida externa. Contudo, um dos custos de resolver o problema do
balanço de pagamentos foi a crescente perda de controle das variáveis macroeconômicas
internas, como o endividamento público e a inflação.
A melhoria das contas externas resultou em uma mudança de ênfase da política econômica. O
controle gradual da inflação passou a ser o objetivo mais importante e o fracasso maior dos
condutores da política macroeconômica. O Plano Cruzado iniciou um ciclo de euforia-e-
fracasso de programas econômicos de curto prazo: o fracasso de cada plano restringia mais e
mais as possibilidades de sucesso do programa seguinte, gerando um aumento considerável nas
taxas de inflação. Várias propostas diferentes de política, refletindo posições teóricas das mais
diversas (desde a ortodoxia do FMI até a heterodoxia inercialista), foram tentadas ao menos
parcialmente. Entretanto, até o Plano Real nenhuma delas fora suficiente para interromper o
ritmo da inflação.
Durante o curto período em que a estabilização era alcançada durante esses experimentos, a
contas externas eram sacrificadas, particularmente em função da sobrevalorização cambial.
Esse problema também tem sido válido para o Plano Real, apesar de sua diferença em relação
aos demais quanto à longevidade e eficácia no controle da inflação. O déficit em conta corrente
tem sido compensado pela entrada de capitais, atenuando a deterioração das contas externas.
Ou seja, a estabilização foi alcançada através do aumento exacerbado da dependência de
condições externas favoráveis, todavia passíveis de mudanças súbitas, como as ocorridas em
1997 e 1999.
Ademais, esta suposta modernização das relações econômicas não tem se refletido na melhoria
efetiva das condições de vida da população. A dívida social é um dos legados mais dramáticos
para o século XXI. A ênfase nos objetivos de curto prazo em aumentar o superávit comercial e
reduzir a inflação resultou no abandono do investimento social. Cortes no gasto governamental
afetaram assimetricamente os mais pobres, que são os mais dependentes do acesso aos serviços
de assistência e infra-estrutura. Ainda que ocorra recuperação do crescimento econômico no
futuro próximo, a experiência histórica mostra que não há garantias de que uma melhoria nos
padrões de vida seja efetivada. Isso requereria uma política emergencial de curto prazo, e outra
estratégica, de médio/longo prazos, que visassem a combinação de oportunidades crescentes de
emprego com políticas sociais redestributivas e ativas, elementos ausentes no cenário atual,
especialmente nas áreas de educação e saúde.

REFERÊNCIAS
Baer, W. (1989) The Brazilian economy: growth and development. 2nd. edition. New York:
Praeger
Batista, J.C. (1986) Brazil’s Second Development Plan and its growth-cum-debt strategy.
Discussion Paper 5. Rio de Janeiro: IE/UFRJ
Batista Jr., P.N (1997) “Inconsistência e populismo na política econômica brasileira”. Jornal do
Economistas. Rio de Janeiro: CORECON, número 99, p-4.
Carneiro, D. D. (1990) "Crise e esperanca: 1974-80", in Abreu, M.P. (ed.). 1990. A ordem do
progresso. Rio de Janeiro: Campus.
Castro, A.B. and F.E. Pires de Souza. (1985) Economia brasileira em marcha forçada. São Paulo:
Paz e Terra.
Frenkel, R. (1995) Macroeconomic sustainability and development prospects: Latin American
performance in the 1990s. UNCTAD Discussion Paper 100. Geneva: UNCTAD.
Pereira, A. S. (1996) Investimento em Portfolio e Financiamento Externo do Brasil: O
Regulamento Anexo IV. Monografia. Rio de Janeiro: IE/UFRJ
Young, C.E.F. (1997) Economic Adjustment Policies and the Environment: A Case Study of
Brazil. PhD Dissertation, Department of Economics, University College London.

Você também pode gostar