Resumo
O texto apresenta as políticas macroeconômicas brasileiras desde o ajustamento à crise do
petróleo nos anos setenta até o final do primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique
Cardoso. O objetivo proposto é delinear o contraste entre políticas econômicas adotadas como
forma de prevenir ou atenuar estrangulamentos externos e as políticas destinadas à
estabilização de preços. Este artigo procura mostrar que ao longo desses 25 anos, as políticas
de ajustamento externo têm apresentado resultados contraditórios às políticas de estabilização e
vice-versa, sendo o exemplo mais recente a crise cambial de janeiro de 1999.
Introdução
Um problema comum identificado no estudo das políticas de ajustamento refere-se às
diferentes interpretações dadas ao termo. Em teoria, segundo a cartilha do mainstream, um
programa de ajustamento padrão combinaria medidas que reduzem a absorção doméstica
agregada (através da redução do nível de dispêndio) com políticas favorecendo o setor
exportador. Contudo, a aplicação de tais princípios em políticas “reais” pode variar
consideravelmente de país a país. Isso é particularmente verdadeiro para o Brasil, que tem sido
um laboratório de políticas econômicas com diversos enfoques teóricos, e cujas
implementações freqüentemente coincidem com políticas de enfoques diferentes, que acabam
por objetivar metas opostas.
É importante, portanto, definir para os objetivos deste texto o que se considera “política de
ajustamento”: uma política econômica adotada com o objetivo de melhorar a situação do
balanço de pagamentos (ajuste externo) ou de reduzir o déficit público e a inflação
(estabilização). Pretende-se mostrar que, ao longo do tempo, a ênfase da política econômica
brasileira tem oscilado entre esses dois pólos, mas a experiência brasileira também mostra que
busca simultânea desses objetivos tem sido sempre contraditória.
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O cupom cambial é calculado em função da taxa de juro real do país receptor (associada positivamente); expectativa de
desvalorização cambial; impostos; e outros riscos (estes três últimos fatores associados negativamente).
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Tendo em vista as metas monetárias estabelecidas, os acréscimos no nível de reservas são esterilizados através da colocação
no mercado de títulos públicos. O custo de carregamento das reservas é dado pela diferença entre a remuneração das reservas e
aquela oferecida aos compradores destes títulos.
superávites verificados na conta de capital, fortemente liberalizada ao longo da década. Esses
superávites, por sua vez, eram (e continuam sendo) proporcionados pelo investimento externo
financeiro de curto prazo, principalmente no mercado secundário de ações, mas também em fundos e
títulos de renda fixa. O investimento externo realizado nos moldes do regulamento Anexo IV tem como
destino principal o mercado secundário de ações. Seu fluxo é contabilizado na rubrica Investimento em
Portfolio (IEP), representando em média cerca de 95% dos fluxos líquidos nela registrados. Por sua vez,
o IEP foi, entre 1991 e 1995, o principal item do Investimento Externo em Moeda (em termos de
volume) ao longo da década. (Pereira,1996)
Estes investimentos foram atraídos pela perspectiva de ganhos de capital no mercado acionário,
corroborado pelas altas taxas de valorização das ações. Foram também impulsionados pela
ampla liquidez internacional que caracterizaram a década de 90; pela desregulamentação,
internacionalização, globalização e abertura financeiras; pelo Programa Nacional de
Desestatização; e, finalmente, pela própria estabilidade econômica.
Outras formas importantes de captação de recursos foram os empréstimos externos realizados
através da emissão de títulos (bonds, notes e commmercial papers) no mercado internacional
de capitais, e o investimento externo direto (IED). O IED foi fortemente alavancado pela
estabilidade da moeda, e principalmente pelas fusões, aquisições e privatizações, já que parte
dos recursos ingressados com estas finalidades é contabilizada sob esta rubrica. Contudo,
grande parte dos investimentos diretos estrangeiros efetuados não representou ampliação da
capacidade produtiva, mas apenas a aquisição de empresas já existentes no Brasil (Batista Jr.,
1997), e grande parte do financiamento externo acabou sendo utilizado basicamente para
consumo, agravando ainda mais o déficit da balança comercial.
Deve-se aqui ressaltar o caráter volátil e especulativo dos recursos externos investidos nas
bolsas de valores brasileiras: o estoque desses atingiu US$ 40 bilhões em março de 98,
equivalente a 57% das reservas internacionais registradas naquele mês. Se outros recursos
externos de liquidez imediata também fossem considerados, tais como os fundos compostos
majoritariamente por ativos de renda fixa e cujas cotas são vendidas exclusivamente para não
residentes, a proporção de recursos externos com liquidez imediata sobre as reservas
aumentaria para 65% naquele mês.
Diante da dependência crescente desses recursos para compensar o crônico déficit em
transações correntes, mudanças de expectativas, perda de atratividade do mercado brasileiro
frente a outros mercados internacionais, e, especialmente, crises internacionais, poderiam
engendrar fuga maciça de capitais. Diante de uma perspectiva de reversão dos fluxos de
capital, as chances de um ataque especulativo contra a moeda crescem inexoravelmente – e o
mercado estava a par de fortes ataques especulativos contra diversas moedas e, o mais
agravante, que em muitos casos os bancos centrais acabaram perderam a briga.
Assim, o governo FHC tornou-se cada vez mais dependente da elevação da taxa de juros como
forma de manter a entrada de capitais e assim equilibrar o Balanço de Pagamentos, ainda que
agravando ainda mais o endividamento público e, portanto, o pagamento futuro de juros. Como
em outros casos de vício, as crises de dependência tornaram-se cada vez mais agudas e
frequentes, mas ao menos o governo conseguiu arrastar a situação econômica até alcançar seu
principal objetivo político: a reeleição, em novembro de 1998. A crise conseguiu ser protelada
até janeiro de 1999, quando o ataque contra o real acabou resultando na mudança da política
cambial e maxidesvalorização, além de uma crise financeira na qual a lisura das autoridades
monetárias ainda é objeto de investigação judicial. Todos os que especularam contra o real
acabaram tendo lucros extraordinariamente elevados, como demonstrado por quase todos os
balanços das instituições financeiras. Novamente a terapia unicista foi empregada (em caso de
crise, elevar a taxa de juros), ao custo do acirramento da recessão, desemprego e
endividamento público: a história econômica do 2º Governo FHC tem sido um monótono
“empurrar com a barriga” no qual surtos de crescimento são abortados pela elevação de juros
sempre que a restrição externa reaparece.
REFERÊNCIAS
Baer, W. (1989) The Brazilian economy: growth and development. 2nd. edition. New York:
Praeger
Batista, J.C. (1986) Brazil’s Second Development Plan and its growth-cum-debt strategy.
Discussion Paper 5. Rio de Janeiro: IE/UFRJ
Batista Jr., P.N (1997) “Inconsistência e populismo na política econômica brasileira”. Jornal do
Economistas. Rio de Janeiro: CORECON, número 99, p-4.
Carneiro, D. D. (1990) "Crise e esperanca: 1974-80", in Abreu, M.P. (ed.). 1990. A ordem do
progresso. Rio de Janeiro: Campus.
Castro, A.B. and F.E. Pires de Souza. (1985) Economia brasileira em marcha forçada. São Paulo:
Paz e Terra.
Frenkel, R. (1995) Macroeconomic sustainability and development prospects: Latin American
performance in the 1990s. UNCTAD Discussion Paper 100. Geneva: UNCTAD.
Pereira, A. S. (1996) Investimento em Portfolio e Financiamento Externo do Brasil: O
Regulamento Anexo IV. Monografia. Rio de Janeiro: IE/UFRJ
Young, C.E.F. (1997) Economic Adjustment Policies and the Environment: A Case Study of
Brazil. PhD Dissertation, Department of Economics, University College London.