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38. “São de quatro géneros os ídolos que assediam o espírito humano. No sentido de
uma maior clareza, demos-lhes nomes distintos: chamaremos ao primeiro Ídolos da
tribo (Idola Tribus), ao segundo género, Ídolos da Caverna (Idola Specus), ao terceiro
género Ídolos do Foro (Idola Fori) e ao quarto género Ídolos do Teatro (Idola Theatri)”
(Bacon, s/d: 34).
42. “Os Ídolos da Tribo têm o seu fundamento na própria natureza humana, na raça, na
espécie humana. É falsa a afirmação segundo a qual os sentidos humanos constituem a
medida das coisas, pois, pelo contrário, todas as percepções dos sentidos ou do espírito,
são à medida do homem, não do universo. O entendimento humano assemelha-se a um
espelho imperfeito que, exposto aos raios das coisas, mistura a sua própria natureza com
a natureza das coisas, falseando-as e distorcendo-as” (Bacon, s/d: 33).
42. “Os Ídolos da Caverna são aqueles que têm o seu fundamento no homem
individualmente considerado. Na verdade (…) todos os homens possuem como que uma
espécie de caverna, de antro individual que destrói e corrompe a luz da natureza devido
a várias causas: a natureza própria e singular de cada um; a educação e o comércio com
outrem; a leitura dos livros e a autoridade daqueles que se veneram e se admiram; ou
ainda as diferenças de impressões, consoante elas encontrem uma disposição prevenida
e já afectada, ou, pelo contrário, igual e tranquila, etc….” (Bacon, s/d: 35).
43. “Ídolos há também que nascem, por assim dizer, da aproximação e da associação
dos homens entre si. Devido a esse comércio e a esse intercâmbio, designamo-los por
Ídolos do Foro. É que os homens associam-se através dos discursos, porém, as palavras
que impõem são determinadas pela apreensão do homem comum. Daí as denominações
perniciosas e impróprias que assediam o entendimento humano de maneira tão
surpreendente. (…) Todavia, é manifesto que as palavras violentam o entendimento,
perturbam e conduzem os homens a controvérsias e a ficções múltiplas e inúteis”
(Bacon, s/d: 36).
44. “Há, por fim, ídolos que, propagados pelos sistemas das filosofias assim como pelas
regras pervertidas das demonstrações, se implantaram no espírito dos homens. A este
chamamos os Ídolos do Teatro. Assim procedemos por, a nosso ver, serem as filosofias
tradicionais e as inventadas, nada mais do que fábulas postas em cena e desempenhadas,
criando dessa forma mundos fantasiosos e teatrais. Mais, não nos referimos apenas às
fábulas hoje em dia em voga ou às das filosofias e seitas antigas. (…) mas também em
relação a um número considerável de axiomas pertencentes às ciências que extraem a
sua força da tradição, da crença e da negligência…” (Bacon, s/d: 36).
45. “O entendimento humano, pela sua própria natureza, é levado a supor nas coisas
mais ordem e igualdade do que aquelas que nelas na verdade descobre…” (Bacon, s/d:
37).
46. “O entendimento humano, uma vez agradado com determinadas opiniões (…) faz
com que tudo o resto as apoie e as confirme. (…) É desta forma que procede quase toda
a superstição, em matéria de horóscopos, de sonhos, de presságios, de vinganças
divinas, etc….” (Bacon, s/d: 37).
49. “O entendimento humano não é uma luz pura, pois nele se infundem a vontade e as
paixões, engendrando-se assim ciências moldadas a partir delas: aquilo que o homem
quer que seja verdade acaba por sê-lo. (…) Em suma, é de mil modos, por vezes
imperceptíveis, que as paixões impregnam e inibem o entendimento” (Bacon, s/d: 39).
50. “Mas o maior obstáculo e o que maior embaraço causa ao entendimento humano é
aquele que dimana do embotamento, da rudeza e das falácias dos sentidos. (…) os
sentidos são algo de frágil e enganador, sendo os instrumentos utilizados para os tornar
mais agudos para aumentar o seu alcance de pouco efeito. Contudo, a interpretação mais
verdadeira da natureza só é conseguida com a ajuda de instâncias e de experiências
experimentum) convenientes e adequadas, pois aí os sentidos ajuízam apenas a partir da
experiência (experientia) da natureza e da própria coisa” (Bacon, s/d: 39).
59. “Porém, os Ídolos do Foro são de todos os que mais perturbam, introduzem
imperceptivelmente no entendimento a aliança das palavras e dos nomes com as coisas,
fazendo assim os homens acreditar que, com efeito, a sua razão domina as palavras.
Contudo, acontece também que as palavras podem virar e reflectir o seu poder contra o
entendimento, efeito esse que tornou sofísticas e inactivas as ciências e a filosofia. (…)
Daí resulta que grandes e imponentes disputas entre os doutos degenerem
frequentemente em controvérsias acerca das palavras e dos nomes, enquanto seria muito
melhor que se mostrasse mais ponderação e em vez de iniciar essas controvérsias, e
muito ao modo prudente dos matemáticos, começar, por ordem, com as definições”
(Bacon, s/d: 43).
61. “No que aos Ídolos do Teatro concerne, podemos dizer que não são inatos, nem se
insinuam secretamente no entendimento, têm a sua fonte nas efabulações das teorias e
nas regras pervertidas das demonstrações e é abertamente que se impõem e que são
aceites” (Bacon, s/d: 45).
65. “Mas a corrupção da filosofia pela superstição e a mistura com a teologia faz
alastrar ainda mais agudamente os seus danos e penetrar profundamente as filosofias, na
sua totalidade e nas suas partes. O entendimento humano, na verdade, não está menos
submetido às impressões da imaginação do que às impressões das noções comuns. Uma
filosofia da natureza contenciosa e sofística faz o entendimento cair nos seus ardis,
porém este outro género de filosofia, fantasiosa, quimérica e quase poética, encanta-o
ainda mais. (…) A filosofia grega oferece-nos um evidentíssimo exemplo deste género,
em particular Pitágoras, onde se associou a uma superstição rude e boçal, mas também
Platão e a sua escola, de uma forma mais perigosa e mais subtil. (…) A pior coisa que
existe é, na verdade, a apoteose do erro e não há pior peste para o entendimento do que
a veneração prestada a coisas vãs. A esta vanidade alguns modernos entregaram-se
totalmente e com tanta precipitação que tentaram fundar a filosofia natural no primeiro
capítulo do Génesis, no Livro de Job e em outros textos das Sagradas Escrituras;
procurando o que está morto naquilo que está vivo. É de toda a necessidade combater e
reprimir essa vanidade que essa malsã mistura das coisas divinas com as coisas
humanas, dando origem não só a uma filosofia fantasiosa, como também a uma religião
herática. Por esse motivo, nada há de mais salutar do que conservar o justo meio e de
dar à fé o que é da fé” (Bacon, s/d: 49).
71. (…) “A sabedoria dos gregos era uma sabedoria de professores e desenvolvia-se
através de disputas, género de todos o mais contrário à investigação da verdade. O nome
sofista que, por depreciação, atribuíram aos antigos retóricos Górgias, Protágoras,
Hípias, Pólos, caberá também à classe dos filósofos no seu conjunto, a Platão, a
Aristóteles, a Zenão, a Epicuro, a Teofrasto e aos seus antecessores, Crisipo, Carnéades
e outros. (…) Daí, como justamente Dionísio disse a propósito de Platão, que as suas
doutrinas não passem de palavras de velhos ociosos a jovens ignorantes” (Bacon, s/d:
56-57).
98. “Quanto à experiência, e é forçoso que a ela regressemos, não possui até hoje
fundamentos, ou se os teve foram muito frágeis. (…) ” (Bacon, s/d: 82).
Livro II
1. “Fazer nascer e introduzir num dado corpo uma ou várias naturezas novas, é a obra e
a finalidade do poder humano. Inventar a forma ou a diferença verdadeira de uma dada
natureza ou a natureza naturante ou a fonte de emanação, para utilizar as palavras mais
correctas, constitui a obra e a finalidade da ciência humana” (Bacon, s/d: 111).
Tratado lógico-filosófico
“1. O mundo é tudo o que é o caso. 1.1 O mundo é a totalidade dos factos, não das
coisas. (…) 1.13 Os factos no espaço lógico são o mundo. (…) 2.1 O estado de coisas é
uma conexão entre objectos (coisas). 2.011 É essencial a uma coisa poder ser parte
constituinte de um estado de coisas. 2.012 Em Lógica nada é acidental; se uma coisa
pode ocorrer num estado de coisas, então a possibilidade do estado de coisas tem que
estar já pré-julgada na coisa.”
“2.0121 (…) (o que é lógico não pode ser apenas possível. A Lógica trata de cada
possibilidade e todas as possibilidades são os seus factos.) Assim como nós não
podemos pensar objectos espaciais fora do espaço e objectos temporais fora do tempo,
assim também não podemos pensar em nenhum objecto fora da possibilidade da sua
conexão com outros.”
“2.04 A totalidade dos estados de coisas que existem é o mundo. 2.05 Esta totalidade
determina também que estados de coisas não existem. 2.06 A existência e a não
existência de estados de coisas é a realidade. (…) 2.063 A realidade total é o mundo.”
“2.1 Fazemo-nos imagens dos factos. 2.11 A imagem apresenta a situação no espaço
lógico, a existência e a não-existência de estados de coisas. 2.12 A imagem é um
modelo da realidade. (…) 2.141 A imagem é um facto. (…) 2.1511 A imagem está
assim em conexão com a realidade; chega até ela. 2.1512 É como uma régua aposta à
realidade.”
“3. A imagem lógica dos factos é o pensamento. 3.001 “Um estado de coisas é
pensável” quer dizer: podemo-nos fazer dele uma imagem. 3.01 A totalidade dos
pensamentos verdadeiros é uma imagem do mundo.”
“3.03 Não podemos pensar nada ilógico, porque senão teríamos que pensar
ilogicamente. 3.031 (…) Não poderíamos nomeadamente dizer de um mundo ‘ilógico’
qual seria o seu aspecto. 3.032 Representar algo ‘que contradiga a Lógica’ na
linguagem, pode-se tão pouco como representar na Geometria, através das suas
coordenadas, uma figura que contradiga as leis do espaço; ou indicar as coordenadas de
um ponto que não existe.”
“4.003 As proposições e questões que têm sido escritas acerca de temas filosóficos não
são, na sua maior parte, falsas mas sem sentido. Não podemos por isso responder a
questões deste género mas apenas estabelecer a sua falta de sentido. As proposições e
questões dos filósofos fundamentam-se, na sua maior parte, no facto de nós não
compreendermos a lógica da nossa linguagem. (…) E não é surpreendente que os mais
profundos problemas não são de todo problemas.”
“4.12 A proposição pode representar a realidade inteira, mas não pode representar
aquilo que ela tem que ter em comum com a realidade para a poder representar, - a
forma lógica. Para podermos representar a forma lógica, teríamos que nos poder situar
com a proposição fora da lógica, isto é, fora do mundo. 4.121 A proposição não pode
representar a forma lógica, esta espelha-se nela. O que se espelha na linguagem, ela não
pode representar. O que se exprime na linguagem, nós não podemos exprimir através
dela. A proposição mostra a forma lógica da realidade. Aponta para ela. (…) 4.1212 O
que pode ser mostrado não pode ser dito.”
“6.1224 Também se torna agora claro porque é que se chamou à Lógica a doutrina das
formas e da inferência. 6.123 É claro que as leis da Lógica não podem por sua vez
tornar-se objecto de leis lógicas (…) 6.1231 O que mostra uma proposição ser lógica
não é a sua validade universal. (…) 6.1233 (…) Mas é óbvio que a Lógica nada tem a
ver com a questão de saber se o nosso mundo é de facto assim ou não.”
“6.3 A investigação lógica é a investigação de tudo o que toma a forma de lei. E fora da
Lógica tudo é acaso (…) 6.32 A lei da causalidade não é uma lei, mas antes a forma de
uma lei (…) 6.36311 Que o Sol nascerá amanhã é uma hipótese, quer dizer, não
sabemos se nascerá. 6.37 Não existe uma compulsão que faça uma coisa ter de
acontecer pelo facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica.”
“6.371 A concepção moderna do mundo fundamenta-se na ilusão de que as chamadas
leis da natureza são a explicação dos fenómenos da natureza. (…) 6.373 O mundo é
independente da minha vontade. 6.374 Ainda que tudo o que desejamos acontecesse,
isto seria apenas, por assim dizer, uma graça dada pelo destino, uma vez que não existe
conexão lógica entre a vontade e o mundo que a garantisse (…) 6.375 Como só há uma
necessidade lógica, assim também so há uma impossibilidade lógica.”
“6.41 O sentido do mundo tem que estar fora do mundo. No mundo tudo é como é e
tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor – e se existisse não tinha
qualquer valor. Se existe um valor que tenha valor então tem que estar fora do que
acontece e do que é. Porque tudo o que acontece e tudo o que é o é por acaso. Não pode
estar no mundo o que o tornaria em não acaso, porque senão seria de novo acaso. Tem
que estar fora do mundo.”
“6.42 Por isso não pode haver proposições da Ética. As proposições não podem
exprimir nada do que é mais elevado. 6.421 É óbvio que a Ética não se pode pôr em
palavras. A Ética é transcendental (a Ética e a Estética são Um). (…) 6.43 Se o bem e o
mal alteram o mundo, então só alteram os limites do mundo, não os factos, não o que
pode ser expresso na linguagem. (…) O mundo dum homem feliz é diferente do dum
homem infeliz”
“6.431 Com a morte o mundo não se altera, cessa. 6.4311 A morte não é um
acontecimento da vida. Não há uma vivência da morte. (…) 6.4312 A solução do
enigma da vida no tempo e no espaço está fora do tempo e do espaço (Os problemas a
resolver não pertencem às ciências da natureza).”
“6.432 Como o mundo é, é para O que está acima completamente indiferente. Deus não
se revela no mundo. 6.4321 Os factos só pertencem ao problema, não à solução. 6.44 O
que é místico é que o mundo exista, não como o mundo é. (…) 6.5 Se uma resposta não
pode ser posta em palavras, também o não pode a pergunta. O enigma não existe. Se se
pode de todo fazer uma pergunta, então também se pode respondê-la. 6.51 (…) só pode
haver dúvida onde pode haver uma pergunta, e uma pergunta só onde pode haver uma
resposta, e esta só onde algo pode ser dito.”
Investigações filosóficas
“1 (…) as palavras da linguagem designam objectos. (…) cada palavra tem uma
denotação. Esta denotação está em relação com a palavra. É o objecto que a palavra
representa” (Wittgenstein, 1987: 172)
“6 (…) Uma parte importante do adestramento consistirá em que a pessoa que ensina
aponta para os objectos, dirige a atenção da criança para eles e ao mesmo tempo
pronuncia uma palavra (…) Chamo-lhe ‘ensino ostensivo das palavras’. – Eu digo que
constitui uma parte importante do adestramento porque é isto o que se passa com os
seres humanos não porque não se pudesse concebê-lo de outra maneira. Pode-se dizer
que este ensino ostensivo das palavras estabelece uma ligação associativa entre a
palavra e a coisa” (Wittgenstein, 1987: 175-176)
“7 (…) Também podemos conceber que todo o processo do uso de palavras em (2) seja
um daqueles jogos por meio dos quais as crianças aprendem a sua língua natal. A estes
jogos quero chamar ‘jogos de linguagem’ e falarei por vezes de uma linguagem
primitiva como sendo um jogo de linguagem. (§) E poder-se-ia chamar aos processos de
nomear as pedras e repetir as palavras também jogos de linguagem. Pensai no uso que
se faz de palavras em jogos de roda. (§) Chamarei também ao todo formado pela
linguagem com as actividades com as quais ela está entrelaçada o ‘jogo de linguagem’”
(Wittgenstein, 1987: 177)
“10 O que é que designam as palavras desta linguagem? Como é que se há-de mostrar o
que designam, a não ser pelo modo como são usadas. E este já o descrevemos”
(Wittgenstein, 1987: 179)
“11 Pensai nas ferramentas numa caixa de ferramentas (…) Tão diferentes quanto são as
funções destes objectos são as funções das palavras” (Wittgenstein, 1987: 180)
“23 (…) A expressão jogo de linguagem deve aqui realçar o facto de que falar uma
língua é uma parte de uma actividade ou de uma forma de vida. (§) Visualiza a
multiplicidade dos jogos de linguagem nestes exemplos e em outros: Dar ordens e agir
de acordo com elas – Descrever um objecto a partir do seu aspecto ou das suas medidas
– Construir um objecto a partir de uma descrição (desenho) – Relatar um acontecimento
– Fazer conjecturas sobre o acontecimento – Formar e examinar uma hipótese –
Representação dos resultados de uma experiência através de tabelas e diagramas –
Inventar uma história; lê-la – Representação teatral – Cantar numa roda – Resolver
adivinhas – Fazer uma piada; contá-la – Resolver um problema de aritmética aplicada –
Traduzir de uma língua para a outra – Pedir, agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar.
– É interessante comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e dos seus
modos de aplicação, a multiplicidade das espécies verbais e proposicionais, com o que
os lógicos têm dito acerca da estrutura da linguagem. (E também o autor do Tractatus
Lógico-Philosophicus)” (Wittgenstein, 1987: 189)
“24 Quem perde de vista a multiplicidade dos jogos de linguagem estará inclinado a
fazer perguntas como: O que é uma pergunta?” (Wittgenstein, 1987: 191)
“27 Damos nomes às coisas e assim podemos falar acerca delas, referirmo-nos
verbalmente a ‘elas’. – Como se com o acto de dar um nome já fosse dado aquilo que
faremos a seguir. (…) E também há o seguinte jogo de linguagem: inventar um nome
para uma coisa. Dizer: ‘Isto chama-se…’ e aplicar o nome novo” (Wittgenstein, 1987:
192-193)
“31 (…) Podemos dizer: com sentido, só pergunta pelo nome de uma coisa quem já
sabe o que vai fazer com ela” (Wittgenstein, 1987: 197)
“37 O que é a relação entre nome e coisa nomeada? – Bem, o que é ela? Olha para o
jogo de linguagem (2) ou para um outro! Pode aí ver-se um pouco em que é que esta
relação consiste” (Wittgenstein, 1987: 202)
“38 (…) É de facto verdade que, muitas vezes, por exemplo na definição ostensiva,
apontamos para a coisa nomeada ao pronunciarmos o nome. É assim que, por exemplo
na definição ostensiva, pronunciamos a palavra ‘este’ ao apontarmos para uma coisa
(…) Mas o que é característico do nome é ser de facto explicado através da expressão
ostensiva ‘Isto é N’ (…) Mas explicamos também Isto chama-se ‘este’, ou Este chama-
se ‘este’? (§) Isto articula-se com a concepção de que dar um nome é um processo, por
assim dizer, oculto. Dar um nome aparece como uma conexão singular de uma palavra
com um objecto. – E uma tal conexão singular ocorre de facto quando o filósofo, a fim
de exibir o que é a relação entre o nome e a coisa nomeada, fita um objecto ao mesmo
tempo que repete vezes incontáveis um nome ou também a palavra ‘este’. Porque os
problemas filosóficos surgem quando a linguagem tem um momento de festa”
(Wittgenstein, 1987: 203-204)
“43 Para uma grande classe de casos – embora não para todos – do emprego da palavra
‘sentido’ pode dar-se a seguinte explicação: o sentido de uma palavra é o seu uso na
linguagem. (§) E a denotação de um nome explica-se, por vezes, ao apontar-se para o
seu portador” (Wittgenstein, 1987: 207)
“65 (…) Poder-se-ia objectar-me: (…) Falas de todos os jogos de linguagem possíveis e
imagináveis, mas nunca chegaste a dizer qual é a essência do jogo de linguagem e assim
da linguagem. O que é comum a todos estes processos e que os torna em linguagem ou
em partes da linguagem. (…) E é verdade. – Em vez de especificar o que é comum a
tudoaquilo que chamamos linguagem, eu afirmo que todos estes fenómenos nada têm
em comum, em virtude do qual nós utilizemos a mesma palavra para todos – mas antes
que todos eles são aparentados entre si de muitas maneiras diferentes. E por causa deste
parentesco ou destes parentescos chamamos a todos ‘linguagens’.” (Wittgenstein, 1987:
227)
“67 Não consigo caracterizar melhor estas parecenças do que com a expressão
‘parecenças de família’; porque as diversas parecenças entre os membros de uma
família (…) sobrepõem-se e cruzam-se da mesma maneira. – E eu direi: os jogos
constituem uma família” (Wittgenstein, 1987: 228-229)
“68 (…) Como se delimita o conceito de jogo? O que é ainda um jogo e o que é que já
não o é?” (…) “69 Como é que explicaríamos então a uma pessoa o que é um jogo?
Penso que lhe descreveremos jogos e poderemos acrescentar à descrição: ‘a isto e a
coisas parecidas chama-se um jogo’. E nós próprios? Sabemos mais que isso? E só não
conseguimos dizer a outrem exactamente o que é um jogo? Mas isto não é ignorância.
Não conhecemos as fronteiras porque não traçámos nenhumas” (Wittgenstein, 1987:
230)
“81 (…) poderá parecer que em Lógica falamos acerca de uma linguagem ideal, como
se a nossa Lógica fosse uma Lógica para o vazio. – No entanto, a Lógica não trata da
linguagem – respectivamente do pensamento – no sentido de que uma das ciências trata
de um fenómeno natural, e o mais que podemos dizer é que construímos linguagens
ideais. Mas aqui a palavra ‘ideal’ pode conduzir a erro, porque isto agora soa como se
estas linguagens fossem melhores, mais perfeitas que a nossa linguagem corrente, como
se fosse preciso um lógico para finalmente mostrar às pessoas qual é o aspecto de uma
genuína proposição” (Wittgenstein, 1987: 240)
“84 (…) o emprego de uma palavra não é completamente limitado por regras. (…) Não
podemos conceber uma regra que regule a aplicação da regra?” (Wittgenstein, 1987:
242)
“89 (…) até que ponto é que a Lógica algo de sublime? (§) Porque a Lógica parecia ter
uma profundidade peculiar, um significado universal. Parecia estar no fundo de todas as
ciências” (Wittgenstein, 1987: 247)
“97 Há uma auréola à volta do pensamento. – A sua essência, a Lógica, representa uma
ordem, de facto a ordem a priori do mundo, isto é, a ordem das possibilidades que têm
que ser comuns ao Mundo e ao pensamento. Mas parece que esta ordem tem de ser
supremamente simples. É a ordem que precede toda a experiência, que corre ao longo
de toda a experiência (…) Tem de ser do mais puro cristal. Mas este cristal não parece
ser uma abstracção, mas algo de concreto, de facto o mais concreto, como a coisa mais
dura que há. (Tractatus Logico-Philosophicus, No. 5.5563) (§) Estamos debaixo da
ilusão de que o peculiar, o profundo, o essencial da nossa investigação, reside no facto
de ela tentar captar a essência incomparável da linguage, isto é, a ordem que relaciona
entre si os conceitos de proposição, palavra, inferência, verdade, experiência, etc. Esta
ordem é uma Super-ordem entre, por assim dizer, super-conceitos. Enquanto as palavras
‘linguagem’, ‘experiência’, ‘mundo’, se têm uma aplicação, ela tem que ser tão humilde
como a das palavras ‘mesa’, ‘candeeiro’, ‘porta’.” (Wittgenstein, 1987: 252)
“110 ‘A linguagem (ou o pensamento) é algo de único’ – isto revela-se ser uma
superstição (não um erro!) ela própria provocada por ilusões gramaticais”
(Wittgenstein, 1987: 257-258)
“116 (…) Nós reconduzimos as palavras do seu emprego metafísico ao seu emprego
quotidiano” (Wittgenstein, 1987: 259)
“119 Os resultados da Filosofia são a descoberta da simples falta de sentido e das bolhas
feitas pelo intelecto ao chocar com as fronteiras da linguagem” (Wittgenstein, 1987:
260)
“120 Quando eu falo acerca da linguagem (da palavra, da proposição, etc.) tenho de
falar da linguagem de todos os dias. É esta linguagem um pouco grosseira, material,
para exprimir aquilo que queremos dizer? E como é que se constrói uma outra? (…) O
facto de nas minhas explicações acerca da linguagem já ter que usar toda a linguagem (e
não uma linguagem preparativa, preliminar) já mostra que eu só do exterior poso
argumentar acerca da linguagem” (Wittgenstein, 1987: 260)
“124 De nenhuma maneira deve a Filosofia tocar no uso real da linguagem; só o pode
enfim descrever. (§) Assim também não o pode fundamentar. (§) A Filosofia deixa tudo
ser como é” (Wittgenstein, 1987: 262)
“130 Os nossos simples e claros jogos de linguagem não são estudos preliminares para
uma regulamentação futura da linguagem (…). Os jogos de linguagem são muito mais
objectos de comparação, que por semelhança e dissemelhança irão esclarecer os factos
da nossa linguagem” (Wittgenstein, 1987: 264)
“132 Queremos impor uma ordem no nosso saber acerca do uso da linguagem, uma
ordem para um certo fim uma de muitas ordens possíveis, não a ordem (…) Pode assim
dar-se a aparência de que consideramos como sendo a nossa missão a reforma da
linguagem” (Wittgenstein, 1987: 264)
“199 É aquilo a que chamamos ‘seguir uma regra’ algo que apenas um homem, uma
vez na vida, pudesse fazer? (…) Não pode ser que uma regra tenha sido seguida uma
única vez por um único homem (…) Seguir um regra, fazer uma comunicação, dar uma
ordem, jogar uma partida de xadrez, são costumes (usos, instituições). (§) Compreender
uma proposição significa compreender uma linguagem. Compreender uma linguagem
significa dominar uma técnica” (Wittgenstein, 1987: 320)
“201 (…) existe uma concepção de uma regra que não é uma interpretação; é antes
aquilo que, na sua aplicação em cada caso, se exterioriza no que chamamos ‘seguir a
regra’ e ‘ferir a regra’.” (Wittgenstein, 1987: 321)
“202 Por isso ‘seguir a regra’ é uma praxis. E crer estar a seguir a regra não é seguir a
regra. E não se pode seguir a regra ‘privatim’, porque então crer estar a seguir a regra
seria o mesmo do que seguir a regra” (Wittgenstein, 1987: 322)
“206 Seguir uma regra é análogo a obedecer a uma ordem. É-se para isso adestrado e
reage-se de uma determinada maneira. Mas, se, quer à ordem quer ao adestramento,
uma pessoa reage de uma maneira, outra pessoa de outra maneira, etc.? Quem é que
então tem razão? (…) As formas de acção que os homens têm em comum são o sistema
de referência por meio do qual interpretamos uma língua diferente da nossa”
(Wittgenstein, 1987: 323)
“241 (…) Verdadeiro e falso é o que os homens dizem; e é na linguagem que as pessoas
concordam. Não se trata de uma concordância de opiniões, mas de formas de vida”
(Wittgenstein, 1987: 334)
“242 À comunicação por meio da linguagem pertence não só uma concordância quanto
às definições, mas também (por estranho que isto possa soar) uma concordância quanto
aos juízos. Isto parece abolir a Lógica, mas de facto não o faz” (Wittgenstein, 1987:
335)
“249 (…) (Mentir é um jogo de linguagem que precisa de ser aprendido como qualquer
outro)” (Wittgenstein, 1987: 338)
“318 Se falamos pensando ou se escrevemos pensando (…) então não diremos (…) que
pensamos mais depressa do que falamos; mas sim que o pensamento parece aqui não
estar separado da expressão” (Wittgenstein, 1987: 366)
“329 Quando eu penso por meio da linguagem, não se me apresenta ao espírito, além
das expressões verbais, ainda também os seus ‘sentidos’; mas antes a linguagem é ela
própria o veículo do pensamento” (Wittgenstein, 1987: 371)
“363 (…) como é que de todo se comunica uma cois qualquer? Quando é qiue se diz
que uma coisa é comunicada? O que é o jogo de linguagem de comunicar? (…) estamos
tão habituados à comunicação pela linguagem, em conversação, que nos parece que toda
a ideia de comunicação reside no facto de uma outra pessoa apreender o sentido (…)
das minhas palavras, como se o acolhesse no seu próprio espírito. Se ela também então
consegue fazer alguma coisa com elas, já não pertence à finalidade imediata da
linguagem” (Wittgenstein, 1987: 386)
“654 O nosso erro consiste em procurar uma explicação onde devemos ver os factos
como ‘o fenómeno primordial’. Isto é, onde devíamos dizer: este jogo de linguagem
joga-se” (Wittgenstein, 1987: 488)
“655 Não se trata de uma explicação do jogo da linguagem através das nossas vivências,
mas da constatação de um jogo de linguagem” (Wittgenstein, 1987: 488)
“Várias vezes, nas nossas diferentes obras dedicadas ao espírito científico, tentámos
chamar a atenção dos filósofos para o carácter decididamente específico do pensamento
e do trabalho da ciência moderna. Sempre nos pareceu cada vez mais evidente, ao longo
dos nossos estudos, que o espírito científico contemporâneo não poderia situar-se na
continuidade com o bom-senso, que este novo espírito científico representava um jogo
mais arriscado, que formulava teses que, antes de mais, podem ferir o senso comum.
Com efeito, julgamos que o processo científico manifesta sempre uma ruptura,
perpétuas rupturas, entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, contanto
que se aborde uma ciência evoluída, uma ciência que, exactamente por estas rupturas,
leva a marca da modernidade” (Bachelard, 1990: 241-242).
“…a finalidade que nos tínhamos proposto era (…) chamar a atenção da reflexão
filosófica (…) para o espírito científico especializado – haverá outros doravante? – para
o espírito científico nitidamente determinado por uma cidade científica que organiza as
especializações. Esta especialização, devidamente hierarquizada, exige uma
dinamização particularmente feliz para o espírito científico. (…) A especialização é um
trabalho bem situado, eficaz, organizado. De todas as maneiras, as novas matérias são
contributos absolutos. Como não exigiriam uma nova teoria do conhecimento
objectivo?” (Bachelard, 1990: 242).
“Os progressos científicos começaram por ser lentos, muito lentos. Quanto mais lentos
são, mais contínuos parecem. E como a ciência sai lentamente do corpo dos
conhecimentos comuns, crê-se ter a certeza definitiva da continuidade do saber comum
e do saber científico. Em suma, eis o axioma de epistemologia posto pelos continuístas:
dado que os começos são lentos, os progressos são contínuos. O filósofo não vai mais
longe. Pensa que é inútil viver os novos tempos, os tempos em que, precisamente, os
progressos científicos rebentam por toda a parte, fazendo necessariamente ‘rebentar’ a
epistemologia tradicional” (Bachelard, 1990: 244).
“Dado que a ciência está sempre inacabada, a filosofia dos cientistas permanece sempre
mais ou menos ecléctica, sempre aberta, sempre precária. Mesmo se os resultados
positivos permanecerem, em alguns aspectos, deficientemente coordenados, como
estados do espírito científico, em detrimento da unidade que caracteriza o pensamento
filosófico. Para o cientista, a filosofia das ciências está ainda no reino dos factos”
(Bachelard, 1984b: 8).
“…mantendo-se fora do espírito científico, o filósofo pensa que a filosofia das ciências
pode limitar-se aos princípios das ciências, aos temas gerais, ou então, limitando-se
estritamente aos princípios, o filósofo pensa que a filosofia das ciências tem por missão
articular os princípios das ciências com os princípios de um pensamento puro,
desinteressado dos problemas da aplicação efectiva. Para o filósofo, a filosofia da
ciência nunca está totalmente no reino dos factos” (Bachelard, 1984b: 9).
“Assim a filosofia das ciências fica muitas vezes cantonada nas duas extremidades do
saber: no estudo, feito pelos filósofos, dos princípios muito gerais, e no estudo,
realizado pelos cientistas, dos resultados particulares. (§) Enfraquece-se contra os dois
obstáculos epistemológicos contrários que limitam todo o pensamento: o geral e o
imediato. Ora valoriza o a priori, ora o a posteriori, abstraindo das transmutações de
valores epistemológicos que o pensamento científico contemporâneo permanentemente
opera entre o a priori e o a posteriori, entre os valores experimentais e os valores
racionais” (Bachelard, 1984b: 9).
“…a polaridade epistemológica é para nós a prova de que cada uma das doutrinas
filosóficas que esquematizámos pelos nomes de empirismo e racionalismo é o
complemento efectivo da outra. Uma acaba a outra” (Bachelard, 1984b: 10).
“E é assim que, desde o início das nossas reflexões sobre o papel de uma filosofia das
ciências, enfrentamos um problema que nos parece mal colocado tanto pelos cientistas
como pelos filósofos. Trata-se do problema da estrutura e evolução do espírito. (…)
Para o cientista, o conhecimento sai da ignorância tal como a luz sai das trevas. O
cientista não vê que a ignorância é um tecido de erros positivos, tenazes, solidários. (…)
Mas não é fácil destruir os erros um a um. Eles são coordenados. O espírito científico só
se pode construir destruindo o espírito não científico. (…) Todo o progresso real no
pensamento científico necessita de uma conversão. Os progressos do pensamento
científico contemporâneo determinaram transformações nos próprios princípios do
conhecimento” (Bachelard, 1984b: 11-12).
“Antes de mais, é preciso tomar consciência do facto de que a experiência nova diz não
à experiência antiga; se isso não acontecer, não se trata, evidentemente, de uma
experiência nova. (…) Existe rotura entre o conhecimento sensível e o conhecimento
científico” (Bachelard, 1984b: 13).
“A filosofia do não não é uma vontade de negação. (…) também não tem nada a ver
com uma dialéctica a priori. (Bachelard, 1984b: 127). “A negação deve permanecer em
contacto com a formação primeira. Deve permitir uma generalização dialéctica. A
generalização pelo não deve incluir aquilo que nega. De facto, todo o desenvolvimento
científico de há um século para cá provém de tais generalizações dialécticas com
envolvimento daquilo que se nega. Assim a geometria não-euclidiana envolve a
geometria euclidiana; a mecânica não-newtoniana envolve a mecância newtoniana; a
mecânica ondulatória envolve a mecânica relativista” (Bachelard, 1984b: 129).
“Em suma, a ciência instrui a razão. A razão deve obedecer à ciência mais evoluída, à
ciência em evolução. (…) Em geral, o espírito deve dobrar-se às condições do saber.
Deve criar nele uma estrutura correspondente à estrutura do saber. Deve mobilizar-se
em torno de articulações que correspondem às dialécticas do saber. (…) Mais uma vez,
a razão deve obedecer à ciência.” (Bachelard, 1984b: 135-136).
- não é possível um critério de verdade, mas sim um critério de demarcação que permita
distinguir entre enunciados pertencentes às ciências empíricas (teorias, hipóteses) e
outros enunciados, particularmente enunciados pseudo-científicos, pré-científicos e
metafísicos, mas também enunciados matemáticos e lógicos; esse critério é o critério de
falsificabilidade;
“…um enunciado (uma teoria, uma conjectura) tem o estatuto de pertencer às ciências
empíricas se e só se for falsificável” (Popper, 1997: 19).
- critério de falsificabilidade:
“Platão, Aristóteles, Bacon e Descartes, bem como muitos dos seus sucessores, por
exemplo John Stuart Mill, julgavam que existia um método para encontrar a verdade
científica. Numa fase mais tardia e um pouco mais céptica, houve metodologistas que
julgavam que existia um método, se não de encontrar uma teoria verdadeira, pelo
menos de averiguar se uma dada hipótese era ou não verdadeira; ou (o que ainda é mais
céptico) se alguma dada hipótese era, pelo menos, ‘provável’ a um grau determinável.
(§) Afirmo que não existe método científico nenhum, em nenhum destes três sentidos.
Pomndo isto em termos mais claros: 1) Não há um método para descobrir uma teoria
científica; 2) Não há um método para averiguar a verdade de uma hipótese científica, ou
seja, não há um método de verificação; 3) Não há um método para determinar se uma
hipótese é ‘provável’, ou provavelmente verdadeira“ (Popper, 1997: 39-40).
Kuhn, Thomas (1989b), Qué son las revoluciones científicas? Y otros ensayos.
Barcelona: Ediciones Paidós
“Se se chamarem mitos essas crenças actualmente ultrapassadas, então os métodos que
puderam conduzir a esses mitos, as razões que os fizeram ter por verdadeiros são bem
semelhantes às que levam hoje ao conhecimento científico. Se, pelo contrário, eles
forem colocados na categoria das ciências, a ciência conteve então conjuntos de crenças
absolutamente incompatíveis com aquelas que são as nossas. Perante esta alternativa, o
historiador deve escolher a segunda possibilidade: as teorias ultrapassadas não são em
princípio contrárias à ciência pelo facto de terem sido abandonadas. Mas então torna-se
mais difícil considerar o desenvolvimento científico como um processo de acumulação”
(Kuhn, 1983: 19).
“A ciência normal não se propõe descobrir novidades, nem em matéria de teoria, nem
no que respeita aos factos, e, quando tem êxito na sua investigação, ela não os descobre.
No entanto, a investigação científica descobre muito frequentemente fenómenos novos e
insuspeitados e os cientistas inventam continuamente teorias radicalmente novas. (…)
produzidas por inadvertência, no decurso de um jogo empreendido com um certo
número de regras, a sua assimilação exige a elaboração de um outro conjunto de regras”
(Kuhn, 1983: 82-83).
“A descoberta começa com a consciência de uma anomalia, quer dizer, a impressão que
a natureza (…) contradiz os resultados esperados no quadro do paradigma que governa
a ciência normal. Há em seguida a exploração, mais ou menos prolongada, do domínio
das anomalia” (Kuhn, 1983: 83).
“Segue-se que se uma anomalia dá origem a uma crise, é geralmente necessário que ela
seja mais do que uma simples anomalia. (…) Quando uma anomalia parece ser mais do
que um simples enigma da ciência normal, a transição para a crise, a passagem à ciência
extraordinária começaram” (Kuhn, 1983: 120-121).
Feyerabend, Paul (1981), Contra el método. Barcelona: Editorial Ariel
- Feyerabend parte do pressuposto que “nenhuma teoria está de acordo com todos os
factos conhecidos no seu domínio” (Feyerabend, 1981: 41).
- Incomensurabilidade:
“A descoberta de que certas entidades não existem pode forçar o cientista a redescobrir
os acontecimentos, processos e observações que se pensava que eram manifestações
delas e que eram descritas, por isso, em termos que supunham a sua existência. Ou
podem obrigar a usar novos conceitos ao mesmo tempo que as velhas palavras
continuarão em uso durante um tempo considerável” (Feyerabend, 1981: 119).
“De acordo com a minha metodologia, as grandes realizações científicas são programas
de investigação que podem avaliar-se em termos de alterações progressivas e
degenerativas de problemas; e as revoluções científicas consistem na substituição
(ultrapassagem no progresso) de um programa de investigação por outro. Esta
metodologia oferece uma nova reconstrução racional da ciência. (…) A unidade básica
da apreciação não deve ser uma teoria isolada ou una conjunção de teorias, mas sim um
‘programa de investigação’, com um ‘centro firme’ convencionalmente aceite (e deste
modo mercê de uma decisão provisória ‘irrefutável’) e com uma ‘heurística positiva’
que define os problemas, esboça a construção de uma cintura de hipóteses auxiliares,
prevê anomalias e transaforma-as vitoriosamente em exemplos, tudo de acordo com um
plano pré-concebido” (Lakatos, 1998: 31).
“A escolha dos seus problemas é ditada essencialmente pela heurística positiva do seu
programa, não pelas anomalias. (…) A metodologia dos programas de investigação
pode explicar, desta maneira, o alto grau de autonomia da ciência teórica; (…) o
melhor gambito de abertura é não uma hipótese falsificável (e, por consequência,
consistente), mas um programa de investigação. A mera ‘falsificação’ (no sentido de
Popper) não deve implicar a rejeição. As meras ‘falsificações’ (isto é, anomalias) devem
registar-se mas não necessitam de ser tidas em conta. (…) O modelo popperiano das
‘conjecturas e refutações’, que é o modelo de tentativa por hipótese seguida pelo erro
revelado pela experiência, deve abandonar-se” (Lakatos, 1998: 32).
Rorty, Richard (1980), Philosophy and the Mirror of ature. Princeton, Princeton
University Press
- Descartes e Hobbes podem ser tomados como iniciadores da filosofia moderna, mas
eles próprios pensavam o seu papel cultural nos termos de uma guerra entre a ciência e a
teologia e de uma luta para libertar a vida intelectual das instituições eclesiásticas, assim
como para tornar o mundo intelectual seguro para Copérnico e Galileu. A ideia de
filosofia tal como a entendemos só se instala como assunto académico no século XIX e
a distinção entre filosofia e ciência não é anterior a Kant (p. 131).
“O projecto de aprender mais acerca do que podíamos saber e como podíamos sabê-lo
melhor através do estudo do modo como funciona a nossa mente acabou por ser
baptizado de ‘epistemologia’. Mas antes que esse projecto pudesse ter plena consciência
de si, teve de se arranjar maneira de o tornar num projecto não-empírico” (Rorty, 1980:
137).
- É recente a ideia de que possuímos, ou que podemos fazer, uma “experiência
cognitiva”. O termo “experiência” tornou-se no nome dado pelos epistemólogos ao tema
que é o seu, um nome para o conjunto das cogitationes cartesianas ou das ideias
lockeanas (pp. 149-150).
“Se negarmos que há fundamentos que sirvam como terreno comum para adjudicar
pretensões ao conhecimento, a ideia do filósofo como guardião da racionalidade parece
em perigo. De maneira mais geral, se dizemos que não existe tal coisa como a
epistemologia, e que não se po9de encontrar substituto para ela, por exemplo, na
psicologia empírica ou na filosofia da linguagem, podemos parecer que estamos a dizer
que não existe algo como um acordo ou um desacordo racional” (Rorty, 1980: 317).
Weber, Max (2005), Três tipos de poder e outros escritos. Lisboa: Tribuna (V.: “A
ciência como vocação”, pp. 117-144)
“…a ciência entrou num estádio de especialização, antes desconhecido, e esta situação
irá persistir para sempre. (…) o indivíduo pode adquirir a consciência segura de realizar
algo de efectivamente perfeito no campo científico só no caso da mais rigorosa
especialização. (…) Hoje, um feito realmente definitivo e importante é sempre obra de
especialistas” (Weber, 2005: 122-123).
“O trabalho científico está inserido na corrente do progresso. (…) Na ciência (…) cada
qual sabe que aquilo que produziu ficará antiquado dentro de dez, vinte, ou cinquenta
anos. Tal é o destino, o sentido do trabalho científico e ao qual este, diferentemente de
todos os elementos da cultura, também eles sujeitos à mesma lei, está submetido e
votado: toda a ‘realização’ científica significa novas ‘questões’ e quer ser ultrapassada,
envelhecer. Quem pretende dedicar-se à ciência tem de contar com isto. (…) Chegamos
assim ao problema do sentido da ciência” (Weber, 2005: 126).
“Tem o ‘progresso’ enquanto tal um sentido reconhecível que vá além do técnico, de tal
modo que a dedicação a ele constitua uma vocação significativa? Há que levantar esta
questão. O problema, assim, já não é só o da vocação para a ciência, o do significado
que a ciência, enquanto profissão, tem para aquele que a ela se dedica; trata-se já de
outra coisa: Que é a vocação da ciência dentro da vida inteira da humanidade? E qual o
seu valor?” (Weber, 2005: 126).
“Qual é, então (…) o sentido da ciência como profissão, após o naufrágio de todas as
antigas ilusões: ‘caminho para o verdadeiro ser’, ‘caminho para a verdadeira arte’,
‘caminho para a verdadeira natureza’, ‘caminho para o verdadeiro Deus’, ‘caminho para
felicidade autêntica’?” (Weber, 2005: 131).
“O facto de a ciência ser hoje uma ‘profissão’ que se realiza através da especialização
em prol da tomada de consciência de si mesmo e do conhecimento de determinadas
conexões reais, e não um dom gratuito, fonte de bênçãos e de revelações, na mão de
visionários e de profetas, nem também uma parte integrante da reflexão de sábios e de
filósofos sobre o sentido do mundo – constitui um dado inelutável da nossa situação
histórica, a que não podemos escapar, se quisermos ser fiéis a nós próprios” (Weber,
2005: 141).
“O universo ‘puro’ da ciência mais ‘pura’ é um campo social como qualquer outro, com
as suas relações de forças e os seus monopólios, as suas lutas e as suas estratégias, os
seus interesses e os seus proventos, mas em que todas estas invariantes revestem formas
específicas” (Bourdieu, 1975, 91)
“O campo científico como sistema das relações objectivas entre as posições adquiridas
(pelas lutas anteriores) é o lugar (isto é, o espaço de jogo) de uma luta de concorrência
que tem por objecto específico o monopólio da autoridade científica inseparavelmente
definida como capacidade técnica e como poder social, ou, se se preferir, o monopólio
da competência científica, entendida no sentido de capacidade de falar e de agir
legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade) em matéria de ciência,
que socialmente se reconhece a um agente determinado” (Bourdieu, 1975: 91-92)
- dizer que o campo é um espaço de lutas, não é apenas romper com a imagem da
comunidade científica tal como ela foi descrita pela hagiografia científica e,
frequentemente, depois dela, a sociologia da ciência, ou seja, como reino dois fins sem
outra lei a não ser a concorrência pura entre ideias, é igualmente lembrar que o próprio
funcionamento do campo científico produz e pressupõe uma forma específica de
interesse (Bourdieu, 1975: 92);
“O sexto e último conceito de que temos feito uso é o de ruído (ou mais exactamente a
relação entre sinal e ruído) que foi extraída da teoria da informação (…). Aplicá-lo para
entender a actividade científica não é algo de novo (…), mas nós usamo-lo de forma
muito metafórica” (Latour e Woolgar, 1995: 267).
“…ao substituir noções tais como disciplina ou especialidade pela de uma cultura
epistémica, pretendo amplificar as maquinarias de conhecimento das ciências
contemporâneas (…) Muitos estudos anteriores interessados no modo como o
conhecimento é produzido na ciência. (…) eu estou interessada, não na construção do
conhecimento, mas na construção das maquinarias da construção do conhecimento. (…)
Amplificar este aspecto da ciência – não a sua produção de conhecimento, mas a sua
maquinaria epistémica – revela a fragmentação da ciência contemporânea (…) isto
desataca a diversidade das culturas epistémicas. Isto desunifica as ciências” (Knorr-
Cetina, 1999: 3)
“Há pelo menos três características dos objectos naturais que um laboratório de ciência
não tem que acomodar: primeiro, não necessita de considerar um objecto tal como é,
pode substituí-lo por versões transformadas e parciais. Segundo, não necessita de incluir
o objecto natural onde ele se encontra, inserido num ambiente natural; as ciências de
laboratório trazem os objectos para ‘casa’ e manipulam-nos nos seus próprios termos,
no laboratório. Terceiro, uma ciência de laboratório não necessita de acolher um
acontecimento quando ele ocorre; pode dispensar os ciclos naturais da sua ocorrência e
fazer com que os acontecimentos ocorram com frequência suficiente para poderem ser
continuamente estudados. (…) não ter que confrontar os objectos com as suas ordens
naturais é epistemologicamente vantajoso para a ciência; a prática laboratorial implica o
afastamento dos objectos do seu ambiente natural e a respectiva instalação num novo
campo fenomenal definido por agentes sociais” (Knorr-Cetina, 1999: 26-27).
“Os laboratórios não desenvolvem apenas as ordens naturais, mas também melhoram
(upgrade) as ordens sociais (…). No entanto, o social não se encontra meramente
‘também aí’ na ciência. Pelo contrário, ele é capitalizado e melhorado para se
transformar num instrumento do trabalho científico. Os processos laboratoriais
compõem as ordens naturais com as ordens sociais criando objectos reconfigurados e
trabalháveis face a agentes de um dado tempo e lugar. Mas os laboratórios também
instalam cientistas reconfigurados que se tornam trabalháveis (factíveis) face a esses
objectos. No laboratório, não são os ‘cientistas’ que constituem a contrapartida desses
objectos. Pelo contrário, a contrapartida são os agentes melhorados de várias maneiras
de maneira a fazerem parte de uma ordem emergente particular. (…) No laboratório, os
cientistas são métodos de pesquisa; são parte da estratégia de um campo de investigação
e de um dispositivo técnico da produção de conhecimento” (Knorr-Cetina, 1999: 28-
29).
“Os cientistas aprendem, através das descrições popularizadas, coisas sobre domínios
que se encontram fora das suas áreas imediatas de investigação, e essas descrições
popularizadas formam a sua crença no conteúdo e na conduta da ciência (…). Em
segundo lugar, a popularização é igualmente importante dentro do laboratório e no
ensino, na construção de propostas a entidades financiadoras e nas apresentações a
especialistas em domínios adjacentes. Em terceiro lugar, a popularização pode ser vista
como uma extensão do processo de construção do trabalho científico através da
transformação de enunciados, executada também no interior da ciência, e não como um
processo inteiramente distinto. Assim (…) é extremamente difícil traçar uma linha ente
ciência ‘pura’ e ciência popularizada; a divulgação e a ciência parecem encontrar-se
entrelaçadas, e a diferença entre elas é difícil de precisar” (Knorr-Cetina, 1999: 388).
HERMEÊUTICA
DA HERMEÊUTICA À TEORIA DA ACÇÃO COMUICATIVA
Wilhelm Dilthey
EXPERIÊCIA
▲
COMPREESÃO EXPRESSÃO
WILHELM DILTHEY
aturwissenschaften X Geisteswissenschaften
EXPLICAÇÃO X COMPREESÃO
Aquilo que na cadeia do tempo forma uma unidade no presente porque tem um
significado unitário, é a mais pequena unidade a que podemos chamar experiência. Indo
mais longe, podemos considerar “experiência” cada unidade determinada das partes da
vida ligadas por um sentido comum – mesmo quando as várias partes se separam umas
das outras por eventos que as interrompem”.
Experiência é: um acto pré-reflexivo, que não tem nem consegue ter
consciência de si mesmo; não um dado da consciência, pois a sê-lo teria que se
defrontar contra o sujeito como um objecto que lhe tivesse sido dado; aquilo que existe
antes da separação sujeito-objecto, separação que é ela própria um modelo usado pelo
pensamento reflexivo; aquilo que se encontra na confluência do subjectivo e do
objectivo, não aponta para a mera subjectividade; não algo de estático, antes tende a
abranger toda a recolecção do passado como a antecipação do futuro no contexto total
do significado, sendo que passado e futuro constituem uma unidade formal com o
carácter presente de toda a experiência. Portanto, a temporalidade da experiência não
é imposta reflexivamente pela consciência, é aquilo que já está implícito na própria
experiência. A experiência é intrinsecamente temporal (histórica) e por isso a
compreensão dela tem também de ser dada em categorias de pensamento
proporcionalmente temporais – historicidade radical da compreensão.
JÜRGE HABERMAS
(Conhecimento e interesse)
aturwissenschaften X Geisteswissenschaften