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TEMÁRIO 2021

JUVENTUDE, SERVIÇO E MISSÃO


COORDENAÇÃO:
Aline Almeida Barros

ORGANIZADORES:
Aline Almeida Barros
Padre Jonathan Alex da Costa
Rainer Branco Machado Garcia
Shirley de Araújo Santana

COLABORADORES:
&ƌĞŝ:ŽƐĠ&ĂƵƐƟŶŽ&ĞƌŶĂŶĚĞƐ
Frei Maciel A. Bueno
Irmã Lilian Débora Monteiro de Freitas
Padre André Menezes Santos
Padre Antonio Elcio de Souza
Padre Anselmo Nascimento
Padre Ednaldo Virgílio da Cruz
Padre Francisco Reinaldo G. Oliveira
Padre Jonathan Alex da Costa
Padre Márcio Luiz de Souza
Padre Wesley Macedo
Renan de Pace Arruda

REVISÃO ORTOGRÁFICA:
Aline Almeida Barros
<ĄƟĂĂƌƌŽƐĚĞDĂĐĞĚŽ
Maria das Vitórias B. de Medeiros Oliveira
Rondinelli Santos Oliveira
Vitória Élida do Nascimento

Impressão e acabamento: PAULUS


TEMÁRIO 2021

JUVENTUDE, SERVIÇO E MISSÃO


Ergue-te! Constituo-te testemunha
do que acabas de ver!
Atos 26, 16
CARTA DO COLEGIADO NACIONAL

“Pregue o Evangelho em todo tempo.


Se necessário use palavras”.
(São Francisco de Assis)

Queridos irmãos equipistas,

Com muita alegria entregamos a vocês o temário 2021.


Um trabalho feito com muito carinho, amor e dedicação.
Fruto de muito trabalho, mas também de muita oração.
Por isso é grande a nossa certeza de que contamos com a
inspiração de Deus em cada detalhe.
Sabemos que muitos são os desafios que nós, jovens
cristãos, enfrentamos nesse mundo. Ao longo do temário do
ano de 2020 pudemos adentrar nesta realidade e compreen-
der o que Jesus Cristo espera de cada um de nós. Vimos que
há um Cristo Vivo que espera de nós uma juventude Viva.
Percebemos que o real sentido da nossa juventude está em
atender a esse chamado atemporal e universal, conforman-
do nossa vida ao evangelho de Jesus Cristo. Vimos, ouvimos,
debatemos e aprendemos e agora o chamado vai além:

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“Ergue-te! Constituo-te testemunha do que acabas de
ver!” (Atos 26, 16)
Esta exortação foi dirigida a Saulo, após Jesus Cristo re-
velar-se a ele no caminho para Damasco. É desta forma que
Paulo narra o acontecimento que marcou para sempre a sua
vida. É desta forma que hoje Jesus se dirige a cada um de nós
nos convidando a sermos testemunhas das coisas que vemos
e aprendemos até aqui. A vivermos uma juventude de serviço.
Quando falamos que a juventude é o momento propí-
cio, precisamos considerar que é nesta fase da vida que a
nossa inteligência e a nossa vontade – potências da alma
– estão sedentas por novas descobertas e novas experiên-
cias. Mas o que muitos não compreendem é que esta sede
da inteligência só pode ser saciada pela verdade. E a sede
da vontade pela experiência do bem. “Mas o que beber da
água que eu lhe der jamais terá sede” (Jo 4, 14).
Esses desejos pela verdade e pelo bem são comuns da
natureza humana e nos acompanham em todas as fases
da nossa vida. Mas sem dúvida é na juventude em que ele
arde em nosso peito. A resposta a esse desejo é a confor-
mação, o ajuste, a conciliação, a resignação da nossa vida
com a verdade e com o bem. Mas para conformar-me a
algo, em primeiro lugar, preciso reconhecer quem sou eu
no mundo e quem sou eu diante desta Verdade. Assumir
a minha identidade, assimilar e aceitar a minha realidade
neste mundo como parte do que sou. Aprender a lidar co-
migo mesmo, com os meus defeitos e as minhas paixões,
a enfrentar os desafios ao meu redor de cabeça erguida e
cumprir o dever de cada dia com o olhar fixo nas coisas do
alto. Eis a autêntica descoberta de si mesmo. É assim que
estaremos abertos para conformar a nossa vida e sermos
autênticas testemunhas do que vamos participar.

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Nesse sentido, buscamos neste temário proporcionar
uma formação integral, desde o cultivo da fé, que é o fincar
da raiz da planta consciente da sua vocação de ser uma
árvore grande e forte, até a busca pela felicidade, que é
quando esta árvore atinge a robustez necessária para cres-
cer firme e cumprir a sua vocação. Assim passamos pelos
principais pontos que pretendem fornecer ao jovem cristão
a formação de que precisa para iniciar a conformação da
sua vida com o Evangelho. Cujo resultado natural é um au-
têntico testemunho. “Pregue o Evangelho em todo tempo.
Se necessário use palavras”.
Na busca por essa formação integral, algo que preci-
samos ter sempre em mente é que o movimento das Equi-
pes de Jovens de Nossa Senhora tem como máxima do seu
carisma fornecer ao jovem todos os subsídios necessários
para esta conformação com o Evangelho. E é exatamente
por isso que vocês verão nos temas deste ano uma maior
integração com as ferramentas que o nosso movimento
nos dá e que são subsídios para sermos autênticos cristãos,
autênticas testemunhas de Cristo.
Esperamos que o temário deste ano seja capaz de rea-
cender a chama do nosso coração de equipista jovem de
Nossa Senhora. O jovem que aprende todos os dias com
Maria a conformar sua vida à Nosso Senhor Jesus Cristo.
Salve Maria!
Viva Cristo Rei!

Rainer Branco e Shirley Santana


Colegiado Nacional 2021
EJNS Brasil

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SUMÁRIO

ORAÇÕES UTILIZADAS NAS EJNS ......................... 11


dDϭͳO CULTIVO DA FÉ NA JUVENTUDE........... 19
dDϮͳJOVEM, PERSEVERE E SEJA FIEL
AO TEU PLANO PESSOAL DE VIDA ........... 37
dDϯͳSER UM JOVEM MARIANO ...................... 53
dDϰͳJOVENS: BONS CRISTÃOS........................ 75
dDϱͳJOVENS: HONESTOS CIDADÃOS............... 87
dDϲͳO JOVEM E O MUNDO DIGITAL ................ 101
dDϳͳACOMPANHAR E SER ACOMPANHADO .... 119
dDϴͳLIDANDO CONSIGO ................................ 127
dDϵͳUMA BUSCA PELA FELICIDADE............... 143
dDϭϬͳJUVENTUDE, UMA MISSÃO DE AMOR.... 157

CADERNO DE ORAÇÃO
E MEDITAÇÃO DA PALAVRA ........................... 169

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TEMA 1
O CULTIVO DA FÉ NA JUVENTUDE

“O que somos é presente de Deus,


o que nos tornamos é o nosso presente para Deus”.
(São João Bosco)

São João Bosco, conhecido pelo seu amor e intenso


trabalho em favor da juventude, ilumina-nos com sua sabe-
doria para compreendermos que é necessária uma tomada
de consciência em relação à nossa vida. O pai e mestre da
juventude nos faz um convite para interiorizarmos a rea-
lidade de que Deus nos deu a vida como um grande dom,
verdadeiro presente. Não obstante, aponta para uma via à
qual somos chamados: corresponder à generosidade divi-
na fazendo com que nosso viver torne-se um verdadeiro
presente para Ele.
É verdade que não se trata de uma cobrança vazia de
sentido, ou melhor, de uma retribuição que lhe devemos
por ter-nos presenteado com tão grande dom. Sabemos que
Ele, o Senhor, ama-nos gratuitamente sem esperar retri-
buições, apenas nos ama, de fato, “Ele nos amou primeiro”

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(1 Jo 4,19), e quando ainda estávamos longe dele e mortos
em nossos pecados, Ele nos amou gratuitamente e nos con-
cedeu a salvação (Cf. Ef 2,4-5). Por isso, dizemos que seu
amor é uma graça, e a vida, um dom.
Assim, compreendemos que também nós, podemos
amá-lo gratuitamente, e isso se torna um lindo presente
com o qual podemos nos apresentar diante de sua divin-
dade. É possível obter um entendimento de que o Senhor,
gentilmente, nos faz esse convite: nos entregarmos a ele
como dom, presente, oferta de amor.
Nossa juventude, sem a menor dúvida, é uma gente que
ama, que possui um ardor e, ao mesmo tempo, um frescor
que exala o amor. No entanto, nem sempre é aplicado da
melhor forma e no que se deve amar de fato. Nossa socieda-
de nos aponta muitos alvos para os quais direcionar o amor.
Porém, nem sempre é Deus quem está em primeiro plano,
como nos apontam as Sagradas Escrituras como aquilo que
é mais digno de ser amado: “Amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a nós mesmos” (Cf. Mt 22, 37).
Por isso, o cultivo da fé nos ajuda na melhor compreen-
são e na descoberta do amor, enquanto uma verdadeira força
vital, por meio da qual somos impelidos a ofertar-nos ao Se-
nhor como verdadeiros presentes e, desta forma, nos deixar
transformar nesse amor para sermos também agentes trans-
formadores da realidade. Agindo assim, como verdadeiros
semeadores do Reino de Deus em cada espaço que faz parte da
dimensão de nossa vida e, por consequência, no nosso mundo.

Cultivar a fé
À medida em que desejamos fazer o cultivo de algo,
uma planta, por exemplo, significa que desejamos cuidar
com atenção, oferecendo os melhores recursos que nos

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estejam disponíveis, a fim de que se desenvolva em toda sua
potencialidade e venha a frutificar conforme lhe é próprio.
Para trilhar um caminho de cultivo da fé, é preciso ter bem
claro a respeito do que estamos falando.
A fé pode ser entendida de muitas formas, desde um
conceito mais comum e até simplório, como acreditar em
algo, ou alguém, um fato, um acontecimento, algo relatado
por um amigo, entre outras coisas. Nesse sentido, todas
as pessoas podem ter fé, mesmo quem não acredita em
Deus, porque trata-se de uma possibilidade humana. Isto
é, todos podemos ter fé e acreditar em qualquer fato, coisa
ou pessoa que queiramos, ou que tenhamos sido induzidos
de alguma forma a crer. É uma fé puramente humana, um
valor importante inclusive para a vida em sociedade. Este
valor, de certa forma, liga-se também à confiança, mas,
ainda está em um estágio mais superficial daquilo que que-
remos refletir neste tema.
Estamos nos referindo à fé religiosa, não apenas como
um valor humano, mas como um dom e graça concedida
por Deus. Também não estamos tratando de qualquer tipo
de fé religiosa. Sabemos que existem muitas matizes de fé
em nosso mundo, e que a religiosidade é um fenômeno hu-
mano existente desde há muito tempo. Falamos a respeito
da fé cristã e católica, que nos chama à busca do Deus que
se revela na pessoa de Jesus Cristo, a quem temos como
verdadeiro Senhor e Salvador, e que fundou a Igreja sobre
os alicerces dos Santos Apóstolos.
A fé que queremos cultivar é aquela que nos faz aco-
lher a Verdade que a razão não consegue explicar em sua
totalidade, e que nos faz esperar e crer naquilo que nossos
olhos não podem ver, mas que o coração é capaz de sentir.
Por isso, nos apontam as Escrituras: “A fé é a garantia dos

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bens que se esperam, a prova das realidades que não se
veem” (Hb 11,1). É pela fé que passamos a compreender
aquilo que é supostamente inexplicável, ou que pelo menos
para nós, seres humanos, é mistério ainda não revelado em
sua plenitude. De fato, é crendo que podemos entender,
como bem ensina Santo Agostinho: “Não queiras entender
para crer, crê para que possas entender. Se não crês, não
entenderás” (Sermões, 118,1).
Sintetizando os ensinamentos da Igreja a respeito da
fé em seu Catecismo, o YouCat (n. 21) nos recorda a res-
peito da fé:

A fé é conhecimento e confiança. Tem sete características: A


fé é pura dádiva de Deus, que nós obtemos se intensamente
a pedimos. A fé é a força sobrenatural de que necessaria-
mente precisamos para alcançar a salvação. A fé requer a
vontade livre a lucidez do ser humano quando ele se aban-
dona ao convite divino. A fé é absolutamente segura porque
Jesus o garante. A fé é incompleta enquanto não se torna
operante no amor. A fé cresce na medida em que escutamos
cada vez melhor a Palavra de Deus e permanecemos com
Ele, na oração, em vivo intercâmbio. A fé permite-nos já
a experiência do alegre antegozo do céu.

A partir destas características podemos vislumbrar que


a fé se trata de uma realidade divina concedida a nós como
graça, mas que também necessita da consciência humana
para aceitá-la, cultivá-la na oração e na escuta da Palavra de
Deus, fazendo-a germinar pelo amor, para que se traduza
em atitudes concretas da parte do fiel, para que assim, o
nosso mundo seja reflexo da realidade divina. Realmente,
precisamos sempre nos lembrar que o cultivo da fé se faz

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na raiz da vida, na realidade de cada pessoa, na sua indivi-
dualidade. Cada pessoa tem um nome, uma história, uma
família, uma cidade, tem amigos, aspirações, anseios e uma
série de outros elementos que não podem ser postos de lado
quando falamos em cultivar a fé.
Houve tempos, e parece que não desapareceu total-
mente, em que as pessoas possuíam uma ideia equivocada
que não era capaz de conceber esta ligação estreita, real
e indispensável da relação entre a fé e a vida, a realidade
divina e a humana. Viver a fé não é abrir um “parêntese”
no cotidiano onde a fé é vivida em momentos marcados,
como por exemplo, na hora da missa, na reunião da equipe,
na oração, no grupo de jovens, na oração rápida e cansada
ao final de um longo dia; ou em uma vida salpicada de mo-
mentos onde a fé não é necessária, como por exemplo, no
trabalho, no ambiente educacional, no jogo ou na festa com
os amigos. Essa dualidade, isto é, esse tipo de entendimento
de que a vida é dupla – a vida com fé e a sem fé – já não
pode mais persistir. Somos um ser único, e única é a nossa
vida, nela não se separam fé e vida cotidiana, ao contrário,
a fé deveria impregnar o nosso cotidiano de forma que ela
fosse um critério de reflexão presente em cada uma das
nossas decisões.
Está na hora de ver nossa juventude erguer-se forte e
corajosamente para ser em nosso mundo, em cada uma das
realidades que nos cercam, testemunhas vivas do Cristo
vivo e ressuscitado, conforme nos convidam as Equipes
Jovens de Nossa Senhora neste ano, inspirando-se na beleza
da força da palavra dos Atos dos Apóstolos 26,16. Sim, vimos
o Senhor, e agora vamos mostrar com nossa vida e em todos
os lugares, aquele que vimos e sentimos na profundidade
de nosso interior, onde Ele faz morada.

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Iluminados pela Palavra
Tenho certeza de que poderíamos elencar uma série
de textos das Sagradas Escrituras que podem nos orientar
no sentido de animar-nos no cultivo da fé. De fato, a Bíblia
Sagrada nos oferece uma riqueza sem limites, passando
pelos exemplos dos patriarcas, dos profetas, de homens
e mulheres, tantos deles jovens, que vigorosamente assu-
miram a fé em suas vidas e a cultivaram de uma maneira
tão esplêndida, que ainda hoje brilham para nós como um
verdadeiro farol a iluminar a escuridão que algumas vezes
tentam diminuir a força de nossa fé.
Entre tantas possiblidades, acredito que a parábola
do semeador pode nos ajudar de uma maneira bastante
ampla no entendimento desse cultivo. Por isso, convido a
você, equipista, a parar um pouco com a leitura deste texto
orientador e se voltar para Aquele que nos fala por meio de
seu Evangelho, e ler o texto de Mt 13, 1-9.
É verdade que se trata de uma parábola bastante conhe-
cida. Sua beleza e relevância podem fazer sentido dentro de
muitas realidades da vida de um fiel. Realmente, quando
o Cristo a pronunciou, suas palavras atingiram profunda-
mente a vida dos ouvintes e, depois de tantos séculos, é
capaz de impactar também as nossas, e, sendo palavra viva,
ajuda-nos a construir uma reflexão muito significativa.
Penso que seja interessante começar a refleti-la jus-
tamente pela sua última expressão: “Quem tiver ouvidos,
ouça” (Mt 13, 9). Com essa expressão, após contar toda a
parábola, Jesus convida seus ouvintes a ter uma atitude
diante daquilo que acabara de ensinar. Era o mesmo que
dizer: entendam! E isso no sentido mais grave que a expres-
são possui: É preciso escutá-lo, compreendê-lo e praticar
o que Ele nos ensina. Não era possível ouvir tudo que era

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por Ele ensinado e permanecer alheio, como se nada ou
pouco estivesse acontecendo. Não era possível dissimular
e tentar enganar-se como que para encontrar uma descul-
pa e dizer para si: Isto não é comigo. Por isso, precisamos
agora nos perguntar: eu desejo de fato, do íntimo de meu
coração ouvir o que o Senhor me ensina? Eu desejo enten-
der sua palavra e praticá-la em meu dia a dia? Eu desejo
deixar de dissimular seus ensinamentos e encarná-los em
minha vida? Que tipo de terreno eu desejo ser e me empe-
nho para sê-lo?
Bem, essas perguntas já podem nos guiar em uma pro-
funda e frutuosa reflexão, mas ainda há muito mais que
precisamos ouvir. E ouvíamos o Senhor falar sobre quatro
lugares distintos por onde foram caindo as sementes: à bei-
ra do caminho, nos lugares pedregosos, entre os espinhos,
e sobre a terra boa.
O próprio Jesus explica aos seus discípulos, do versículo
18 ao 23 do mesmo capítulo de Mateus, o significado mais
profundo dessa parábola. A falta de compressão da Palavra
de Deus, a falta de profundidade e perseverança diante dos
desafios da fé e as tentações e seduções do mundo que in-
sistem em separar a pessoa de seu Criador, são verdadeiras
pragas que destroem, cada uma a seu modo, a fé daquele
que recebe a Palavra salvadora. No entanto, a terra boa, é
capaz de produzir, e produzir muito, além e acima daquilo
que se poderia esperar de uma simples semente.
É verdade que aqui Jesus está falando como Mestre e
comparando o destino da semente ao crescimento do Rei-
no de Deus, que estava sendo semeado por Ele, com seus
ensinamentos, sinais e, principalmente com seu próprio
testemunho. A parábola fala sobre um semeador que, mes-
mo com a fadiga de seu trabalho, segue confiante mesmo

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diante das condições do terreno desfavorável à semeadura.
Ele, o semeador, sabe que no lugar e no tempo certo, haverá
colheita abundante. Verificamos uma verdadeira confiança
daquele que semeia na ação de Deus. Essa confiança anima
o semeador tal como o fiel é animado pela sua fé, mesmo
diante de um cenário cheio de realismo - nem todo terreno
é propício para receber a semente e deixá-la frutificar.
Quando, portanto, trazemos essa parábola para com-
preendermos a realidade da fé, deveríamos nos perguntar
que tipo de terreno somos. A impressão é que algumas ve-
zes a resposta a essa pergunta perde sua força e valor mais
profundo, apontando para respostas rasas, quase como se
fossemos obrigados a oferecer uma resposta estereotipada
para satisfazer às pessoas com quem partilhamos a Palavra,
ou uma tentativa inócua de não nos comprometermos com
a força transformadora com que ela deveria agir em nós. É
justamente por isso, que urge somar a ela uma outra per-
gunta: Como eu estou cultivando essa semente da fé, que foi
lançada no terreno do meu coração, na minha vida? Qual
é minha parte neste trabalho? Afinal, o Senhor lançou a
semente e é Ele quem dá o crescimento, mas é meu papel
oferecer-lhe o cuidado devido. Já havíamos falado que a fé
supõe uma atitude consciente do fiel, não unicamente do
desejo divino. Portanto, é tempo de entendermos que temos
que fazer a nossa parte. Deus, como semeador misericor-
dioso, lança em nós essa semente, mas somos nós os res-
ponsáveis pelo canteiro onde ela poderá ou não frutificar.

Cultivar e vivenciar a fé na realidade


Acredito que tudo que temos partilhado até o momen-
to nos tem feito perceber algumas coisas: Deus nos deu a
vida como um lindo presente, e nos convidou a também

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oferecer-lhe nossas vidas como retribuição deste dom. É
então, pelo cultivo da fé, iluminada pela sua Palavra, que
poderemos apresentar-lhe esse presente por meio de frutos
abundantes resultantes de nossa vida, que vivida na carida-
de, opera obras capazes de mostrar ao mundo a presença
real de um Deus misericordioso que não está alheio aos
clamores e misérias de seu povo (Cf. Ex. 3,7). Não é por
menos, que o apóstolo Tiago afirma que “a fé, se não tiver
obras, está completamente morta” (Tg 2,17).
O cultivo da fé realmente precisa nos colocar em um
estado de atenção tal que seja útil não só para nossa sal-
vação, mas para o bem do outro. A própria vida de Jesus
nos mostra isso, era uma vida de total doação, ao mesmo
tempo que era de uma profunda relação de proximidade
e intimidade com o Pai. Por isso, o vemos tantas vezes nos
Evangelhos orando a sós com o Pai, e isso não o impedia,
ao contrário, o impelia a agir com uma profunda caridade
em favor dos seus.
Nossa fé deve ajudar-nos, portanto, a reconhecer nos-
sas fraquezas e forças, nossas alegrias e angústias, nossos
ideais e também a nossa realidade e, na concretude da vida,
guiar-nos pela caridade. Sendo assim, temos que concor-
dar com Santo Agostinho: “É possível que exista a fé sem a
caridade, mas não é possível que ela dê frutos” (A Trindade
15, 18). Por isso, cabe-nos ainda uma outra pergunta: Como
podemos frutificar, e que tipo de frutos o Senhor espera da
fé cultivada no terreno de nossos corações?
O Santo Padre, Papa Francisco, em sua mensagem para
o Dia Mundial de Oração pelo cuidado da criação, recorda-
-nos que vivemos um tempo onde é necessário “empreen-
der ações proféticas”, e diante de um cenário que rouba
da juventude a esperança, decepcionando-os por conta de

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ações divergentes de discursos e promessas não cumpri-
das, fundamentadas em interesses particulares, que não
levam em consideração o bem comum das pessoas e de
nossa terra. Mas, ao mesmo tempo, somos gratos a Deus
por nossa juventude, que nos lembra que a terra é uma he-
rança e um bem comum, que a esperança não é unicamen-
te um sentimentalismo, mas precisa erguer-se em ações
concretas e em compromisso hoje! Por isso, a sociedade
deve responder aos anseios e questionamentos de nossa
juventude com “respostas verdadeiras, não palavras vazias;
fatos, não ilusões”.
Chegamos em um tempo que necessitamos olhar o nos-
so mundo partindo do olhar da fé. As relações interpessoais,
a situação social, a política, a economia, a saúde das pessoas
e do planeta, e todos os outros fatos que formam nossa vida,
necessitam ser cuidados com compromisso e profundidade.
Parece, infelizmente, que caminhamos sempre mais
para uma cultura do superficial. O advento dos meios de
comunicação, da internet e, por último, das redes sociais
são, sem dúvida, uma verdadeira bênção, fruto do dom da
inteligência humana conferida por Deus, pois nos infor-
mam, aproximam e geram laços e resultados incrivelmente
necessários para o mundo de hoje. O mundo midiático e
digital nos tem causado impactos que não podemos des-
considerar, porém, nem sempre positivos, como é o caso
da superficialidade.
As relações e os conhecimento nem sempre são tão pro-
fundos. Às vezes, basta “dar um Google” em determinado
assunto para a pessoa já se considerar com todas as con-
dições de falar com propriedade sobre algo, e pior ainda,
sobre alguém. Assim, são lançados julgamentos precipita-
dos sobre situações e pessoas e, ultimamente a chamada

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“cultura do cancelamento” e a difusão de fake news tem se
tornado uma doença que assola os filhos de Deus, princi-
palmente os mais jovens. Chega a ser triste ver pessoas
crendo-se possuidoras da verdade sobre algo ou alguém
logo após ter lido poucas linhas de uma notícia ou funda-
mentar-se em um post falso ou fantasioso.
Parece que conversar a respeito de política e economia
tem se tornado algo inadequado, fonte de brigas e violência,
enquanto deveria ser algo gerador de vida. Não tem sido
raro ver amigos de longa data e famílias rompidas por essa
discussão imatura. A polarização das visões político-econô-
micas, tem se tornado simplesmente partidárias, anulando
assim as possibilidades de um diálogo maduro e frutuoso.
Parece que estamos assumindo a mesma condição dos que
torcem fanaticamente por um determinado time ou clube,
e sentem-se na obrigação de ganhar dos seus rivais ou ter
razão e poder sobre eles. Na ganância pelo poder e pela
vitória, no afã de mostrar-se melhor e acima do outro, falta
o entendimento do bem comum, e quem sofre são sempre
os mais vulneráveis.
Falar sobre o cuidado com o planeta, de nossas res-
postas à degradação do meio ambiente, parece algo tão
distante a ponto de nos esquecermos que nós, seres hu-
manos, também fazemos parte desse meio. Não podemos
nos enganar pensando que o destruímos sem nos destruir.
Há uma relação fundamental que nos explica muito bem o
Papa Francisco em sua encíclica Laudato Sí, no número 5:

A destruição do ambiente humano é um fato muito gra-


ve, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser
humano e, por outro, a própria vida humana é um dom
que deve ser protegido de várias formas de degradação.

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Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer
mudanças profundas “nos estilos de vida, nos modelos
de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas
de poder, que hoje regem as sociedades”. O progresso
humano autêntico possui um carácter moral, e pressupõe
o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar
atenção também ao mundo natural e “ter em conta a
natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos,
num sistema ordenado”.

É, pois, dentro desse cenário, que somos chamados


cultivar e testemunhar a fé. As relações interpessoais,
políticas, econômicas, sociais, ecológicas e digitais, en-
tre outras, apresentam-se a nós como uma terra na qual
precisamos lançar as sementes do Reino. Temos que ter
também essa consciência. Se por um lado somos terra
fértil para cultivar e frutificar a fé, por outro somos tam-
bém semeadores. Não podemos deixar de contemplar a
belíssima realidade do chamado que o Senhor fez a cada
um de nós. Dotando-nos do dom dá fé, fez-nos seus discí-
pulos missionários, enviando-nos a transformar o mun-
do, isto é, frutificar nele irradiando pela força e alegria,
próprias da juventude, a luz da sua graça, que gera a vida
em nosso mundo.

Perseverar e não temer


Quando olhamos o cenário acima, colocado de manei-
ra bastante breve, pois sabemos que cada uma daquelas
relações apresentadas merecem uma análise ainda maior,
nos deparamos com a gravidade da missão que temos em
nossas mãos. E é até estranho, porque ao mesmo tempo que
somos presenteados com a maravilha da fé, de sabermos

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que temos um Deus amoroso, misericordioso, que não nos
abandona. Um mesmo Deus que nos chamou e ser alegre
e estarmos juntos a Ele, cultivando nossa fé e nossa vida
espiritual, mesmo diante dos percalços desta vida e das
crises e preocupações próprias da juventude; recebemos
um apelo missionário que deve ressoar em nossos ouvidos
e corações, que é o de deixar-nos transformar, para assim,
transformarmos o nosso mundo.
A realidade é que isso pode nos fazer temer. É um com-
promisso divino, e compromissos em uma sociedade de
superficialidade e de relações descartáveis, não são fáceis
de serem consolidados em uma vida inteira. Mas não pre-
cisamos temer, o próprio Jesus nos garantiu que sempre
viria em nosso socorro com a força de seu Santo Espírito
cada vez que necessitássemos. Será Ele a nos ajudar e a falar
por nós (Cf. Lc 12,12) e, além disso, Ele prometeu também
que permaneceria junto a nós todos os dias, até o fim dos
tempos (Cf. Mt 28,20).
Vamos nos recordar do discurso do Papa Francisco em
sua Mensagem no Momento extraordinário de oração em tempo
de pandemia, em 27 de março de 2020. Diante de uma situa-
ção jamais vivida por nós, de uma pandemia que impiedo-
samente fez a humanidade parar e, diante do medo e das
dúvidas, das incertezas e inseguranças, fomos convidados
a refletir o Evangelho de Marcos 4,35-41. e perceber que
o Senhor tem o poder de nos livrar de qualquer mal, por
isso, não temamos:

“Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”. O


início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não
somos autossuficientes, sozinhos afundamos, precisamos
do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas.

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Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Con-
fiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele
a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não
há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar
em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins.
Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida
não morre jamais.

Não tenhamos medo. A juventude é uma força sagra-


da, um presente de Deus para o mundo. Lembre-se sem-
pre de que você não está sozinho. Você é parte da Igreja
de Jesus Cristo! Ela é este barco que tem como capitão o
próprio Senhor. Não é possível perecer ou se perder nas
águas turbulentas de nossas vidas - Ele está conosco. Você
é parte de uma equipe, e além da força divina, têm uns
aos outros, e esse apoio, essa ajuda mútua, é fundamental.
Precisamos ter sempre alguém para nos dar as mãos nos
momentos em que as águas se agitam e nos causam medo
ou pavor. Por isso sabemos, não pereceremos. Nossa fé
frutificará, seremos agentes transformadores, seremos
sal e luz (Mt 5,13-14) em nosso mundo, e seremos assim,
o terreno bom capaz de produzir cem, sessenta e trinta
vezes mais aquilo que recebemos. E quando chegar aquele
cansaço, a falta de ânimo, a decepção, a tristeza, a insegu-
rança ou medo, nunca nos esqueçamos que temos lugar
seguro para descansar e recuperar as nossas forças. É o
Senhor que faz esse lugar para nós: “vinde a mim... e vos
darei descanso” (Mt 11, 28).

Um gesto concreto e simbólico


Para marcar o início da caminhada deste ano, e nos
colocar em atitude de contínua reflexão e crescimento, que

32
deve durar todo o ano, a equipe receberá uma planta. Ela
deve ser cuidada com muito carinho por cada membro da
equipe que, mês a mês, revezará o seu cuidado.
O que se pode aprender com isso? Temos certeza de que
ao final do ano serão muitos e valorosos os ensinamentos
surgidos da reflexão, fruto do cuidado da planta recebida,
mas é também interessante ter em conta algumas pistas:
Como eu cuido da fé que foi semeada em mim? Essa fé é
partilhada? Qual e como tem sido o crescimento da fé em
minha vida? Como ela se manifesta? Como anda a saúde
da minha fé? Tenho lhe oferecido os nutrientes corretos
(oração, eucaristia, confissão, caridade, amizade, unida-
de, vida comunitária, compromisso, perseverança, etc.)?
Preocupo-me e coopero para que a fé de meu irmão, minha
irmã, permaneça viva?
Esse gesto simbólico, cuidar da planta, é uma ponte de
reflexão para que cada equipe e cada equipista compreenda
que é sumamente importante deixar a fé criar raízes na
vida. A vida, esse grande dom de Deus, é uma maravilha a
ser cuidada com todo amor.

Um auxílio divino
Não estamos sozinhos nessa missão, sabemos disso. E,
como já nos foi apontado, além do próprio Cristo que nos
chama, vai conosco e nos dota dos dons necessários, temos
a Igreja, a equipe, temos uns aos outros para nos apoiar
e seguir com perseverança neste propósito, e contamos
também com a Virgem Maria.
Nossa Senhora é figura importantíssima nesse nosso
processo de cultivo da fé e compromisso com nossa reali-
dade. Essa jovem, que não temeu fardo tão grande, e com
docilidade de coração despojou-se na vontade de Deus, é

33
nosso maior exemplo de pessoa que acreditou e perseverou
até o final. Confiemo-nos à sua poderosa intercessão, para
termos ao menos uma centelha de sua fé e, como ela, con-
tinuarmos a gerar o Cristo em nossos corações para trazer
ao mundo sua luz.

Fr. Maciel A. Bueno, OSA


Ordem de Santo Agostinho
Província Agostiniana do Brasil

34
ANOTAÇÕES DO TEMA

35
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

36
TEMA 2
JOVEM, PERSEVERE E SEJA FIEL AO TEU
PLANO PESSOAL DE VIDA

“Começar é de todos, perseverar, de santos”.


(São José Maria Escrivá)

O jovem hoje
Antes de qualquer reflexão a respeito da juventude hoje,
faz-se necessário situarmo-nos no contexto atual e obser-
varmos de que modo esses jovens estão sendo formados.
A consciência acerca dessa realidade possibilita-nos, com
maior liberdade e convicção, responder com perseveran-
ça e fidelidade ao chamado que Jesus nos faz de segui-Lo,
tendo como meio importante e necessário para aqueles
que aderem ao movimento das Equipes Jovens de Nossa
Senhora (EJNS) o Plano Pessoal de Vida.
É bem verdade que vivemos em uma sociedade pós-mo-
derna marcada por um sistema capitalista capaz de fazer até
das relações pessoais uma espécie de produto, o qual se ad-
quire ou se despreza conforme as necessidades individuais,

37
sendo assim, objeto de utilidade. Infelizmente, estamos nos
deixando manipular por um jogo econômico no qual só vale
aquele que pode consumir e só tem importância aquele que
“perante a lei” tem dinheiro, construção social, que, como
nos aponta o Papa Francisco em seus vários discursos e docu-
mentos, define a “cultura do descartável”. Além disso, a falsa
ideia de liberdade, permissividade e a busca ilimitada do
prazer, delineiam uma sociedade imersa no individualismo.
Desse modo, para pensar nas juventudes do século XXI
é preciso olhar as construções sociais ao longo da história,
e não simplesmente fazer um recorte de comportamentos
praticados pelos jovens, que carregam signos importantes,
mas que não nos dizem quem são. É preciso ampliar o olhar
para ver, aguçar o ouvido para ouvir e aproximar-se para,
assim, conhecer e compreender o jovem na complexidade
de sua existência.
A subjetividade dos jovens pode correr o risco de per-
der-se dentro de um esquema de grupos com múltiplas
ideologias, que se caracterizam com um determinado
estilo ou padrão, bem como com determinadas culturas
que impõem um jeito de ser e de se expressar no mundo.
Para um sujeito que busca significados para sua existência,
os grupos tornam-se afirmações do seu “eu” no mundo.
Tem-se, portanto, uma grande necessidade de valorização
pessoal dentro das relações estabelecidas. Descobre-se aí
um universo cheios de signos usados para tentar definir
sua identidade pessoal, mas que em muitas situações faz
com que os adolescentes e os jovens percam sua própria
essência, percam seus valores.
Nesse cenário, não podemos deixar de citar o mundo
digital que é hoje um espaço real de interação, onde nos
encontramos, trabalhamos, estudamos e até nos divertimos.

38
Parece não se conceber mais a ideia de um mundo sem os
impactos das novas tecnologias, e os jovens acabam sendo
expostos aos mais diversos conteúdos, e emocionalmente
construídos em função de likes e filtros.
Como a juventude é atingida diante dessa realidade?
Também nós, jovens cristãos, somos influenciados e in-
fluenciadores nesse sistema? São questionamentos que
precisamos ter sempre presentes para não perdermos
nossa identidade e não nos deixarmos levar pela corrente
de tantas falsas ideologias que buscam espaço sobretudo
no meio juvenil.
A recordação do jovem de “ontem” que sonhava com gran-
des ideais, que saía pelas ruas para lutar por seus direitos, que
estabelecia relações duradouras, e que planejava o futuro, com
percepções mais claras e determinadas, nos faz perceber que
o mundo e a sociedade não são mais os mesmos.
Não queremos fazer comparativos, porque não nos aju-
da a descobrir a beleza do presente e a perceber o desen-
volvimento e a capacidade do jovem de hoje. Ao contrário,
lançamos um olhar aguçado e descobrimos em cada um
deles, um ideário de radicalidade, de manifestar sua subje-
tividade, de almejar viver bem e intensamente o momento
presente, sem demasiada preocupação com o futuro, de
valorizar as relações no grupo de afinidade, conectar-se
com o mundo e ampliar as relações por meio das mídias
sociais, e de mudar a ideia da presencialidade, que pode
acontecer através do mundo virtual, encurtando distân-
cias. Ousamos definir a juventude contemporânea como
buscadora de sentido. Em tudo o que faz e vive busca se en-
contrar, busca ser feliz, busca seu lugar no mundo, busca
autonomia e liberdade, busca sua identidade para que em
tudo isso sua vida tenha sentido.

39
Para nós, jovens cristãos, esta busca vai além do que já
foi mencionado, nossa busca se encerra Naquele que deu
sentido ao nosso existir, Naquele do qual provém a nossa
razão de ser e estar no mundo. É por essa razão que nossa
vida será sempre uma resposta amorosa a Deus, que nos
ama, e por isso nos chama, e deseja que durante a nossa vida
O busquemos para que Nele tenhamos a Vida em plenitude.
Então, como deve ser o nosso “ser e estar” no mundo?
Como a nossa fé e a nossa vivência cristã, que é comunitá-
ria, se dá nessa nova esfera social? Como falar de fidelidade,
perseverança e constância na fé? São os novos desafios que
nos são apresentados, mas que podem ressoar uma grande
profecia na vida daqueles jovens que, buscando a autenti-
cidade de sua fé, serão discípulos de Jesus no mundo.
Destacamos aqui alguns aspectos importantes para en-
tendermos como se dá o chamado de Deus aos jovens hoje,
para sabermos de que maneira devemos ser e proceder no
mundo como um autêntico seguidor de Jesus, assumindo
em nossas vidas os valores do Reino. Partimos assim de
uma realidade na qual precisamos “tirar as sandálias dos
pés”, como fez Moisés no Antigo Testamento, e adentra-
mos no coração da juventude, que é um “solo sagrado”,
onde Deus continua manifestando Seu amor de predileção
e atraindo para Si esses filhos muito amados.
A temática da juventude continua sendo umas das
opções e interesses particulares do pontificado do Papa
Francisco. Com o Sínodo da juventude, o Papa convoca todo
o povo de Deus a lançar um novo olhar sobre os jovens, a
dar espaço para que se tornem protagonistas de suas his-
tórias, da sociedade e da Igreja. Ele confia e acredita na
juventude! Convoca-os a serem ícones do Evangelho com
o seu testemunho no mundo:

40
Sede vós os jovens samaritanos que nunca abandonam
um homem caído no caminho. Sede vós os jovens ci-
reneus que ajudam Cristo a levar a sua Cruz e com-
partilham o sofrimento dos irmãos. Sede como Zaqueu,
que transforma o seu coração materialista num coração
solidário. Sede como a jovem Madalena, buscando apai-
xonadamente o amor, que só em Jesus encontra as res-
postas de que necessita. Tende o coração de Pedro, para
deixar as redes nas margens do lago. Tende o carinho
de João, para repor n’Ele todos os vossos afetos. Tende a
disponibilidade de Maria para cantar com alegria (ao
Senhor) e fazer a sua vontade.

Perseverança e Fidelidade
“Eu creio na força do jovem que segue o caminho do Cristo Jesus”
Pe. Zezinho

Muito nos alegra quando ouvimos a parábola do Semea-


dor. Jesus ensina como um homem deve acolher a Palavra
que é semeada em sua caminhada e que os frutos sejam
sempre o objetivo da vida que escolhemos seguir. No Evan-
gelho de São Lucas, no capítulo 8, lemos esta parábola e
nela encontramos uma palavra muito bem colocada e que
nos faz refletir: Perseverança.
Jesus, ao iniciar a sua missão, acolhe a Palavra em
terra fértil e aos poucos a multidão O segue e quer ver os
frutos. Havia nesta ocasião, advindos de várias cidades,
uma grande multidão, a quem Jesus contou a parábola do
Semeador: o homem que saiu a lançar as sementes e par-
tes caíram à beira do caminho, ou no pedregulho, outras
ainda nos espinhos. Porém, uma parte das sementes caiu
em terra boa e esta sim, lhe deu frutos. Que grande graça

41
quando o Senhor explicou seu ensinamento aos discípulos
e comenta que a semente da terra boa produz fruto, mas
pela perseverança (Lc 8, 4-15).
Nós, cristãos, somos sempre chamados a produzir esses
frutos que a semente do Senhor é capaz de gerar. Somos
este povo a quem o Reino de Deus será confiado e produ-
zirá frutos, Cristãos, que impulsionados a perseverar, a ser
fiel, a ter constância na vida para ser um novo Cristo no
mundo de hoje.
Pense na alegria de um morador de rua, de um presi-
diário, de um enfermo quando recebe o abraço de Deus por
meio do sim que você deu ao chamado de Jesus. Estas ações
são nossos frutos, assemelham-nos ao nosso Criador, pois
fomos feitos à Sua imagem e semelhança. Faz-nos, pois,
recordar o Documento de Aparecida, que mostra a alegria
do ser missionário dentro do mundo, na dignidade huma-
na, de fazer crescer nosso projeto de vida na criação, na
família, no trabalho e tecnologia, de fazer com que nosso
plano de vida seja o amor. É isto que São Paulo nos ensina
da carta aos Gálatas: “Não nos cansemos de fazer o bem,
pois a seu tempo colheremos, se perseverarmos” (Gl 6, 9).
Desse modo, sabemos que semear é um trabalho que
exige dedicação, entrega, e alcançar os frutos é, ao mesmo
tempo, dádiva e motivação, por isso pode não germinar no
tempo que esperamos, mas, certamente, será no tempo de
Deus. Nesse sentido, já nos alertava São José Maria Escrivá,
grande santo da nossa Igreja: “Começar é de todos, perse-
verar, de santos”.
Lembre-se de quando você recebeu o chamado para
ser jovem equipista de Nossa Senhora. Para alguns uma
modinha, para outros uma curiosidade, mesmo que alguns
com bons motivos, mas ainda sem compromisso. Em meio a

42
tanta semente lançada existem aqueles que tiveram o firme
propósito e perseveraram em meio aos convites do mundo,
dos prazeres momentâneos, e das facilidades de uma vida
vazia e sem Deus. A estes jovens, Jesus diz: “aquele que
perseverar até o fim será salvo” (Mt 10, 22).
Veja só o carinho que Deus tem com todos nós quan-
do preenche nosso coração com Sua presença, com Seus
atos e testemunhos de ter a nossa vida entregue a Deus. É
um sinal de graça e benção que nos impulsiona a sermos
mais, a fazermos mais, a multiplicarmos esse amor e essa
dedicação a nós dirigidos.
Uma consequência fundamental deste seguimento à
Cristo é o fato de pertencermos à Sua Igreja, ao Seu Corpo,
ao Seu povo. Quando está chegando a Sua hora, Jesus reúne
os apóstolos e tem uma profunda e reveladora conversa com
todos eles. Com palavras simples e ações cotidianas, o Mes-
tre lava os pés dos apóstolos e os convida a lavar os pés uns
dos outros. Ainda faz um lindo discurso sobre a Sua missão
e o que iria ocorrer após a Sua partida. Ele ainda fala sobre
qual caminho devem seguir, como devem agir e se portar
diante das contrariedades do mundo todo, orientando-os,
instruindo-os, para que agissem com amor e misericórdia
diante dos irmãos.
O apóstolo Tomé, sempre Tomé, pergunta ao Senhor
qual o caminho deve seguir e, então, Ele diz que é o Cami-
nho, a Verdade e a Vida, e que seguindo este caminho e
buscando esta verdade todos terão a vida eterna (Jo 14, 1-6).
Para exemplificar, Jesus conta mais uma parábola em que
Ele se denomina Videira (Jo 15, 1-8) e nós os ramos e, olhem
que maravilha: se os ramos forem cortados da videira não
produzirão frutos. Precisamos permanecer, perseverar, ser
constantes e fiéis para eternizar nossas vidas à Videira.

43
Quem é que nunca tentou ser sal da terra e foi julgado
pelo mundo? Qual de vós já teve a coragem de ser luz do
mundo e foi ridicularizado por familiares e amigos? Quem
nunca confiou no Senhor e se arriscou a andar sobre as
águas e teve medo do que os outros pensam e afundou?
Quem nunca foi condenado ao apedrejamento por tentar
evangelizar alguém?
É possível recordar a frase do filósofo Fiodor Dostoiévs-
ki que diz: “Existe no homem um vazio do tamanho de
Deus”. Só Deus pode lhe dar o sabor do sal e a potência da
luz, só Ele pode te dar respostas e te fazer andar sobre as
águas, só Cristo pode te preencher e saciar tua fome e sede.
Só Jesus pode realizar o impossível de se fazer criatura e
salvar a todos nós na Cruz.
O Papa Francisco em sua exortação apostólica Christus
Vivit diz algo muito importante para aqueles jovens que
decidiram seguir Jesus, e com perseverança e fidelidade
fizeram o propósito de ter um plano pessoal de vida.

O valor do testemunho não significa que as palavras devem


ser silenciadas. Por que não falar de Jesus? Por que não
dizer aos outros que Ele nos dá forças para viver, que é
bom conversar com Ele, que nos faz meditar Sua Palavra?
Jovens, não deixem que o mundo os arraste a compartilhar
apenas coisas ruins ou superficiais. Tornai-vos capazes de
ir contra a corrente e compartilhar Jesus, comunicando a
fé que Ele vos deu de presente. (Papa Francisco - Christus
Vivit, n.176, p.100).

Jesus Cristo é muito claro quando fala que se o mundo


nos odeia, é porque O odiou primeiro, mas que tivéssemos
coragem, porque Ele venceu o mundo (Jo 15, 18; 16, 33).

44
E, para nos consolar, Ele também convida aos que estão
cansados e sobrecarregados para irem a Ele em busca
de alívio e repouso, pois o Seu jugo é suave e Seu fardo é
leve (Mt 11, 28).
Quando um jovem toma, pois, a decisão de seguir a
Cristo, é preciso ser perseverante e fiel. A perseverança
dos discípulos quando receberam de Jesus o Espírito Santo
e evangelizaram o mundo batizando a toda criatura, e a
fidelidade de São Paulo quando seguiu pregando a Palavra
em vários lugares, mesmo perseguido, preso e condenado
à morte, precisam ser modelos para nós, espelhos na nossa
caminhada cristã. Em Maria Santíssima também está essa
constância que muito nos ensina, ao acolher a mensagem
do Anjo Gabriel e permitir que o Senhor a fizesse Mãe de
Seu Filho, mesmo sabendo de todas as consequências que
viria a ter. Maria não se importou, não temeu, não vacilou,
mas perseverou para nos presentear com o maior fruto que
uma semente pode dar: Jesus Cristo.

Equipes de Jovens de Nossa Senhora (EJNS)


e o Plano Pessoal de Vida (PPV)
Sabemos que para crescer em alguma área da vida,
precisamos investir tempo, disposição, empenho e dedi-
cação. Mas não é só isso. É necessário criar metas claras
para traçarmos um plano de ação a fim de obter os resul-
tados almejados. Com o Plano Pessoal de Vida, que visa
o crescimento e amadurecimento integral da pessoa nas
dimensões: humana, comunitária-relacional, espiritual e
missionária, não pode ser diferente. Desse modo, estabe-
lecer um projeto pessoal de vida é construir um caminho
no qual, trilhado dia a dia, sejamos pessoas e cristãos me-
lhores, vocacionados desde o batismo a viver a santidade.

45
O movimento das EJNS apresenta-nos um projeto es-
pecífico, o qual traz alguns elementos essenciais para o
nosso crescimento espiritual. Cada um dos seus aspectos
deve ser vivido com toda a profundidade do nosso coração,
com verdadeiro comprometimento, não para com o mo-
vimento, mas um compromisso pessoal feito com Jesus,
pois assim poderemos melhor testemunhar no mundo de
hoje a verdade do Evangelho, deixando-nos primeiramente
transformar por Ele, para então, sermos anunciadores de
sua Vida e Missão.
Temos que fazer com que o Plano Pessoal de Vida (PPV)
não seja apenas para cumprir uma regra, que tenha uma
data estabelecida para ser preenchido e enviado, que seja
apenas como a oferta dos ricos que dão o que lhes sobram.
O jovem equipista de Nossa Senhora deve buscar viver o
seu plano pessoal e tratar esta ferramenta de crescimento
espiritual como se deve ser: um caminho que lhe faz mais
humano, cristão e santo.
Este preenchimento deve ser para nós como a oferta
da viúva que deu tudo o que tinha e fez com que Jesus a
tivesse em Seu olhar. Já parou para pensar nisso? Jesus a
notou! Quantas vezes o Senhor te notou em seu projeto
de vida? O Seu olhar nos encontra no comprometimento
sincero e busca constante de Deus, das Suas sementes,
de Seus frutos, da partilha, da oração do Santo Terço, do
Time Out e Magnificat, da meditação da Palavra, da Santa
Missa e dos sacramentos, da sua descoberta na família
e na sociedade, além da descoberta de si mesmo e do
cumprimento dos pontos de esforço. Enfim, de ser EJNS.
O que nos difere de outros grupos e movimentos é
exatamente o caminho pedagógico de crescimento que
fazemos dentro das EJNS. Toda a metodologia que há na

46
elaboração mensal do PPV possibilita-nos fazer do nosso
dia a dia uma “pequena via” de acesso ao céu, como nos
diz Santa Teresinha. Um céu que não está longe e fora de
nós, mas que se realiza a partir da consciente busca da
presença de Deus, do cultivo da espiritualidade, da rea-
lização do bem comum, da vida vivida com sentido, da
mudança que gera na sociedade com meu testemunho.
Essa é nossa via de acesso a Deus e aos irmãos. Esse é o
nosso céu aqui na terra.
Sabemos, porém, que trilhar esse caminho de santi-
dade não é fácil, requer de nós persistência no enfrenta-
mento dos desafios diários, que nos são apresentados, e
também no enfrentamento de nós mesmos, dos nossos
vícios, pecados e fragilidades, dos nossos desamores, nos-
sas ilusões e decepções, dos desânimos e inconstâncias
próprias da nossa juventude. Não queremos, como já dito,
buscar um céu para além das nuvens, vivendo uma es-
piritualidade alienante. Somos jovens inseridos em uma
realidade, atingidos por diversos sofrimentos, porém sem-
pre amados e chamados por Deus. Somos buscadores do
Eterno, da esperança e do amor.
Ao depararmo-nos com nossa própria fraqueza, o Se-
nhor se utiliza até disso para fortalecer-nos e fazer-nos
instrumentos Seus na vida de tantos que nunca experimen-
taram a Sua misericórdia. A Graça de Deus vem sempre
ao encontro daqueles que se dispõe a caminhar, porém há
uma resposta a essa graça que só depende de nós, da nossa
capacidade de perseverar e persistir sempre. Assim, nos
diz nosso saudoso Dom Helder Câmara: “ É graça divina
começar bem. Graça maior é persistir na caminhada, mas
graça das graças é não desistir nunca”.

47
Muitos são os que se esforçam para serem apenas cris-
tãos, pessoas que, assim como nós, tiveram o chamado de
Cristo e não medem forças para se encontrarem em comuni-
dade, para terem uma experiência espiritual e missionária.
Pense nos jovens equipistas do Norte do Brasil que, em meio
a uma extensa região e deficiência de missionários, não têm
a facilidade de ter 5 ou 10 celebrações da Santa Missa no fi-
nal de semana, ou que não têm a oportunidade de ir “ali” se
confessar. Pense nos equipistas das EJNS da Síria e Líbano
que muitas vezes precisaram fazer reuniões de equipe de
base virtualmente (o que para nós em 2020 foi a saída) para
não deixar esfriar o Dom de Deus, a fé (II Tm 1, 6).
A persistência e o esforço nos colocam dinâmicos e
criativos frente aos desafios diários, cientes que é o Espírito
que nos conduz, que nos ajuda a perscrutar o coração e
discernir as motivações que estão nele, para assim, darmos
a resposta certa, nos momentos certos. Dessa maneira, a
perseverança produz em nós a fidelidade.
E se cairmos? E se não formos fiéis? E se não “der-
mos conta”? Deus olhará sempre para o nosso “ponto de
esforço”, Ele olha o trajeto percorrido e não a pedra que
nos fez tropeçar. Como nos diz uma grande apaixonada
pela juventude fundadora do Instituto das Religiosas da
Instrução Cristã: “Podemos sempre mais do que imagina-
mos”, “Andemos corajosamente, e se alguma pedra mal
nivelada nos fizer tropeçar, ao passarmos, apoiemo-nos
na cruz e avancemos, devagarinho, sem olhar para trás”.
Por isso, não hesite, não desista, não pare pelo caminho.
“Eu te digo levanta-te”.
Por fim, trago esta frase do Beato Carlo Acutis, um
jovem que viveu neste mundo em que vivemos, um
mundo imediato, que busca o terreno em detrimento do

48
espiritual, um jovem que viveu de moletom, calça jeans e
tênis. Esse jovem, santo dos nossos tempos, é alguém que
se tivesse oportunidade, certamente, seria um equipista
jovem de Nossa Senhora.

“Estar sempre unido a Jesus, eis o meu projeto de vida”.


Beato Carlo Acutis

Ir. Lilian Débora Monteiro de Freitas


Religiosa da Instrução Cristã
Conselheira Espiritual Setor Campina Grande-PB

Renan de Pace Arruda


Campina Grande -PB

Referências
PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós - Sinodal Ch-
ristus Vivit, 2019.
ME. AGATHE VERHELLE. Escritos Espirituais (19 de maio
de 1837).
SÃO JOSÉ MARIA ESCRIVÁ. Caminho, 1934.

Fundamentação Bíblica
Lc 8, 4-15
Lc 9, 23-26

49
ANOTAÇÕES DO TEMA

50
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

51
TEMA 3
SER UM JOVEM MARIANO

“Sou todo teu Maria e tudo o que é meu te pertence”.


(São Luís Maria Grignion de Montfort)

O Movimento das Equipes de Jovens de Nossa Senho-


ra, com o tema deste ano, agracia-nos com uma pertinente
reflexão sobre o testemunho da vida cristã: “Ergue-te! Cons-
tituo-te testemunha de Cristo” (At 26,16). Faz-se necessário,
especialmente, considerar a primeira testemunha: Maria,
a Mãe de Jesus. Essa Maria é a mulher do sim dado com
amor pela obediência e entrega ao Amor. A Mãe de Jesus
tem uma grande importância na história da salvação e
na vida de muitos cristãos; sua figura é tradicionalmente
reconhecida na prática de nossa fé em Jesus Cristo em
Igreja Católica.
Esse capítulo do livro temário sugere que conversemos
sobre o “ser um jovem mariano”. Trata-se se um assunto
que requer uma abordagem sobre o dinamismo da espi-
ritualidade do jovem como reflexo da espiritualidade de
Maria. Como fazer tal abordagem? Pode tornar-se difícil

53
se não considerarmos quem é Maria e quem é o jovem em
seus distintos contextos; também o que é a espiritualidade
e quando ela é mariana. Trata-se, também, da ênfase ne-
cessária sobre a vida de Maria que, após dizer sim a Deus,
tornou-se “a imagem perfeita da discípula missionária”1 e
“formadora de missionários”2, destacando que as comuni-
dades, com suas crianças jovens e adultos, encontram em
Maria a inspiração mais próxima para aprenderem “como
ser discípulos e missionários de Jesus”3. Que Maria “ensina-
-nos o primado da escuta da Palavra na vida do discípulo e
missionário”4 e ajude nossa juventude a dizer e viver o sim
a Jesus Cristo.

Quem é essa mulher, chamada Maria?


Em meio a tantas “Marias”, esta é uma “Maria” com-
pletamente diferente das outras, sem deixar de ser huma-
na, mulher, feminina e família. É uma mulher que sem-
pre foi movida por uma grande fé ativa, que a motivava a
sentir-se perto de Deus. Ouso citar literalmente, abaixo,
o Pe. Zezinho5, em uma de suas inspirações para falar de
Maria, a Mãe de Jesus, de forma poetizada e traduzida em
uma bela canção:

1
Documento de Aparecida, n. 364.
2
Documento de Aparecida, n. 269.
3
Documento de Aparecida, n. 269.
4
Documento de Aparecida, n. 271.
5
José Fernandes de Oliveira SCJ (nascido em Machado-MG, 8 de junho de 1941), conhecido como Pa-
dre Zezinho, é um padre dehoniano (Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus), es-
critor e músico brasileiro.

54
História de Maria

Vou lhe contar uma história de uma jovem chamada Maria,


em Nazaré da Galileia outra igual eu não sei se existia.
Não sei se eram verdes seus olhos, se tinha cabelos morenos,
só sei que Maria de Nazaré, resolveu se casar com José.

Vou começar minha história relembrando as garotas de então,


em Nazaré da Galileia o assunto era libertação.
Não sei se eram verdes seus olhos se tinha cabelos morenos,
só sei que Maria de Nazaré, resolveu assumir sua fé.

Vou prosseguir minha história, relembrando as ideias que havia,


em Nazaré da Galileia a mulher muito pouco valia.
Não sei se eram verdes seus olhos, se tinha cabelos morenos,
só sei que Maria de Nazaré, foi a santa mulher de José.

Vou recordar nesta história as batalhas que o mundo hoje trava,


em Nazaré da Galileia lá também já se massificava.
Não sei se eram verdes seus olhos, se tinha cabelos morenos,
só sei que Maria de Nazaré, inda não conhecera José.

A jovem senhora um dia recebeu um recado divino,


por ela o amor nasceria a verdade seria um menino.
Não sei se eram verdes seus olhos, se tinha cabelos morenos,
só sei que Maria de Nazaré, aceitou, mas não disse a José.

Vou lhe falar da agonia, que nos dois corações se criou,


pois ela explicar não podia e o marido, julgar não ousou.
Não sei se eram verdes seus olhos, se tinha cabelos morenos,
só sei que Maria de Nazaré, mereceu o amor de José.

55
Para Belém noite e dia, caminharam pro recenseamento,
ninguém deu abrigo a Maria, não havia mais alojamento.
Não sei se eram verdes seus olhos, se tinha cabelos morenos,
só sei que no ventre daquela flor, rejeitaram o libertador.

Vou terminar minha história, recordando os casais de hoje em dia,


em Nazaré da Galileia o divórcio também existia.
Não sei se eram verdes seus olhos, não sei se foi loira ou morena,
só sei que Maria de Nazaré, foi fiel a seu Deus e a José.

Sabemos que constantemente, na história da salvação,


Deus manifesta o seu amor de Pai junto a seu povo. “Quan-
do chegou a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho,
nascido de mulher… para que recebêssemos a adoção de
filhos”6. O amor foi revelado por meio de uma eleição: uma
jovem foi escolhida para que por meio dela o Filho de Deus
pudesse redimir a humanidade decaída pelo pecado. Assim
como por meio de uma mulher (Eva), o pecado “entrou”
no mundo, Deus escolheu uma mulher para que por meio
dela a Salvação chegasse para o mundo; dá-se, assim, uma
nova criação.

Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus! Eis


que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e tu o
chamarás com o nome de Jesus. Ele será grande, será cha-
mado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono
de Davi, seu Pai; ele reinará na casa de Jacó para sempre,
e o seu reinado não terá fim. (Lc 1, 30-33)

6
1 Gl 4,4-5.

56
A vocação de Maria para o seguimento do caminho
de Jesus vai se concretizando desde cedo, principalmente
quando Deus irrompe em sua vida na Anunciação7. Na-
quele instante, Maria é uma mulher simples de Nazaré, e
desposada com José, iniciou um caminho de conhecimento
e transformação, que no Evangelho escrito por São Lucas,
é o caminho do discipulado que só pode ser percorrido
numa atitude de fé. Maria demonstrou sua fé em todos os
passos como discípula do Reino8.
O anúncio a Maria acontece, portanto, num contexto
de muitas expectativas pela vinda do Salvador, pelo nasci-
mento do Messias. Talvez fosse naquela época, sonho de
qualquer mulher israelita, ser a mãe do Messias, e neste
contexto de sugestionabilidade, Maria sendo uma jovem
mulher muito sensata, quis talvez checar os seus sentidos
ficando intrigada9 diante da mensagem do anjo. Isto é muito
importante, porque está mostrando que a fé de Maria é uma fé
dinâmica, uma fé que vem da Palavra de Deus, uma fé que
se nutre da oração na confiança e na entrega a Deus, uma fé
que é feita de desafios que precisam ser superados, porque
a fé de Maria não é uma receita pronta e feita de facilidades.
Na Bíblia, Maria tem um lugar discreto; sempre repre-
sentada em função de Jesus e não por si mesma. Mas, sua
importância consiste na estreiteza de seus laços com Jesus.
Maria está presente em todos os momentos de importância
fundamental na história da salvação: não somente no princí-
pio10 e no fim11 da vida de Jesus, mistérios da Encarnação e da

7
Lc 1.
8
Documento de Aparecida, n. 382.
9
Lc 1,29.
10
cf. Lc 1 – 2.
11
cf. Jo 19,27.

57
morte redentora, mas na inauguração de seu ministério12 e no
nascimento da Igreja13. Presença discreta, na maior parte das
vezes, silenciosa, animada pelo ideal de uma fé pura, e de um
amor pronto a compreender e a servir aos desejos de Deus e
dos homens14. Esta presença revela seu sentido total, e com
toda a Escritura se a recolocarmos nos grandes quadros e cor-
rentes da teologia bíblica onde eles se situam, Maria aparece
no término da história do povo eleito como correspondente
de Abraão: ela se apossa, pela fé, da promessa que ele havia
recebido na fé. Ela é o ponto culminante onde o povo eleito
dá nascimento a seu Deus e se torna a Igreja.
Com a evolução da nova humanidade chamada cristã,
o conhecimento sobre Maria, a Mãe de Jesus, tornou-se
devoção. Essa devoção foi apresentando um grande cres-
cimento, considerando que os fiéis foram compreendendo
a sua força pela fé. Foi em São Luís Maria Grignion de
Montfort15 que a doutrina e a prática da Devoção Total à
Maria, encontrou sua expressão mais perfeita no célebre
escrito: “O Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Vir-
gem.”16 Vários outros grandes nomes na história também
viveram e disseminaram a devoção a Maria, passando pela
“Santa Escravidão a Jesus por Maria”17. Com o passar dos
séculos, experimentou-se uma admirável evolução, no
sentido que cada vez melhor se compreendeu o que esta
prática significava no contexto da fé, passando pela escola

12
cf. Jo 2.
13
cf. At 1,14.
14
cf. Lc 1,38-39.46-56; Jo 2,3.
15
 >ŽƵŝƐͲDĂƌŝĞ 'ƌŝŐŶŝŽŶ͕ ŵĂŝƐ ĐŽŶŚĞĐŝĚŽ ĐŽŵŽ ^ĆŽ >ƵşƐ DĂƌŝĂ 'ƌŝŐŶŝŽŶ ĚĞ DŽŶƞŽƌƚ ;ϯϭ ĚĞ :ĂŶĞŝ-
ro de 1673 - 28 de Abril de 1716), foi um sacerdote francês e é um santo católico.
WƵďůŝĐĂĚŽĞŵϭϴϰϯƚŽƌŶŽƵͲƐĞůĞŝƚƵƌĂŽďƌŝŐĂƚſƌŝĂĚŽƐƐĞŐƵŝĚŽƌĞƐĚĂsŝƌŐĞŵ^ĂŶơƐƐŝŵĂ͘
16

WƌĄƟĐĂĚĞĚĞǀŽĕĆŽĂŶƟƋƵşƐƐŝŵĂ͕ƌĞŵŽŶƚĂŶĚŽĂŽƐƉƌŝŵĞŝƌŽƐƐĠĐƵůŽƐĚĂ/ŐƌĞũĂ͘ŽŵĞĕŽƵƉĞůĂƐ-
17

ƉĂŶŚĂŽŶĚĞEŽƐƐĂ^ĞŶŚŽƌĂĚŽWŝůĂƌ;^ĞĐ͘/ͿƟŶŚĂƉƌŽŵĞƟĚŽĨĂnjĞƌƐƵƌŐŝƌƵŵŐƌƵƉŽĚĞĮĠŝƐĞƐĐƌĂǀŽĞ
ŽŶĚĞ^ĂŶƚŽ/ĚĞŶĨŽŶƐŽ;^ĠĐ͘s//ͿƐĞŝŶƟƚƵůĂǀĂ͞ĞƐĐƌĂǀŽĚĂĞƐĐƌĂǀĂĚŽ^ĞŶŚŽƌ͘͟

58
francesa do século XVII do cardeal de Bérulle, Boudon,
Olier, Condrem, São João Eudes, etc. Mas, foi em São Luís
Maria Grignion de Montfort que esta prática devocional
fortaleceu-se e, por meio dele, como grande apóstolo de
Maria, se tornou popular.
Diante destes nomes supracitados precisamos conside-
rar que nenhum deles alcançou a notoriedade de São João
Paulo II. Este Santo Papa, inesquecível pela bondade que o
caracterizou, ainda seminarista, se dedicou integralmente
por amor à Maria Santíssima. Segundo artigo publicado no
site “Fraternidade”, em 7 de junho de 1981, na Basílica de
Santa Maria Maior, João Paulo II consagrou o mundo ao
Imaculado Coração de Maria. Em sua oração, ele pede a
Virgem Maria: “Tomai sob a Vossa proteção materna a inteira
família humana que, com enlevo afetuoso, nós Vos confiamos, ó
Mãe”. Este homem extraordinário, como um grande sinal
da bondade e da misericórdia de Deus em nosso tempo, rea-
lizou um ato profético ao consagrar a humanidade à Mãe de
Deus. Assim, São João Paulo II elegeu a Santíssima Virgem
como sua protetora e protetora de toda a humanidade. Que
possamos todos nós, seguidores de Maria, dizer “totus tuus
Mariae” (sou todo teu, Maria) e assim, aproximarmo-nos
mais de seu Filho Jesus Cristo.

Maria e os jovens em seus distintos contextos


“Jesus, vendo que eles o seguiam, perguntou-lhes: Que procu-
rais? Eles responderam: Mestre, onde moras? Ele respondeu:
Vinde e vede. Foram, viram onde Jesus morava e permanece-
ram com ele aquele dia.” (Jo 1, 38-39)

O jovem é um sujeito com valores, comportamen-


tos, visões de mundo, sonhos, interesses e necessidades

59
singulares, fatores que o levam a se situar imerso em uma
sociedade com processos transitórios, a partir da conjun-
tura familiar, religiosa, social e política estabelecida.
Maria, Mãe de Jesus, foi uma jovem que sentiu o amor
e o vigor de Deus e constatou que Deus revitaliza as pes-
soas, os ideais e estruturas sociais. Não podemos deixar
de considerar que Maria nasceu e cresceu em uma famí-
lia e, acompanhando o ciclo biológico, teve a sua vivên-
cia como uma jovem de seu tempo. Claro que os desafios
eram outros, mas, por pertencer a uma família de fé, ela
centrava-se muito na sua prática religiosa ( judaísmo). Ela
abriu-se corajosamente para acolher o amor de Deus, as
novas pessoas, ideias, projetos e maneiras alternativas para
realizar o Projeto de Deus em sua vida. Ela foi uma jovem
que se deixou tomar inteira pelo amor próprio de Deus,
pela força e seu vigor de amar. Em razão dessa abertura ao
amor de Deus, ela tornou-se ao mesmo tempo serva, mãe e
discípula com a missão de sempre indicar o caminho que
leva ao seu Filho Jesus.
Faz-se necessário destacar que a contextualização da expe-
riência de fé da jovem Maria é motivadora para que os jovens
de hoje possam ter o seu encontro com Jesus, cientes de que
“não têm nada a perder, só a ganhar”18. Por quê? Porque “a
juventude mora no coração da Igreja e é fonte de renovação
da sociedade. Os jovens de todos os tempos e lugares buscam a
felicidade. A Igreja continua olhando com amor para os jovens,
mostrando-lhes o verdadeiro Mestre — Caminho, Verdade e
Vida — que os convida a viver com ele”19.

18
ENCONTRO COM OS JOVENS - DISCURSO DO PAPA BENTO XVI, Estádio Municipal do Pacaembu, São
Paulo - Quinta-feira, 10 maio de 2007.
19
Evangelização da Juventude - Documento 85 da CNBB, 1.

60
Em sua juventude, Maria encontrou a sua razão de ser:
receber Jesus para anunciá-Lo ao mundo. A Igreja olha para
Maria como ponto de referência para os povos e para a hu-
manidade inteira20. Maria precede a Igreja como o grande
sinal21, como “a estrela da evangelização”. Este título ma-
riano indica que Maria é “tipo”, figura e personificação da
Igreja, que é virgem, mãe e missionária. A Igreja se sente
identificada com Maria na missão universal, pois ela foi
a primeira evangelizada e se tornou também a primeira
discípula, a primeira missionária na visitação à sua prima
Isabel, anunciando a Boa-Nova, ao levar o Cristo no seu
ventre para proclamá-Lo como o Messias, Salvador e Re-
dentor. Assim, Maria personifica para nós a figura do jovem
discípulo missionário.

“Os jovens de hoje e a Igreja em que vivem são influencia-


dos pelos impactos da modernidade e da pós-modernidade.
Alguns elementos deste momento histórico exercem grande
influência na mentalidade, nos valores e no comportamento
de todas as pessoas. Ignorar estas mudanças é dificultar o
processo de evangelização da juventude - o grupo social
que assimila esses valores e mentalidade com mais rapi-
dez. Uma evangelização que não dialoga com os sistemas
culturais é uma evangelização de verniz, que não resiste
aos ventos contrários”.22

“Dentre os muitos elementos da nova cultura pós-


-moderna que influem no processo de evangelização dos
jovens e no fenômeno da indiferença de uma parcela da

20
Documento de Aparecida, n. 268.
21
Ap 12,1.
22
Evangelização da Juventude - Documento 85 da CNBB, 14.

61
juventude face à Igreja, destacamos a subjetividade, as
novas expressões da vivência do sagrado e a centralidade
das emoções.”23
O tempo não cessa, passa e são tantos outros fatos que
marcam e mudam a vida dos jovens de hoje; inclusive as
exigências da vida e o cotidiano familiar. Portanto, é neces-
sário que cada jovem busque conhecer melhor a si mesmo,
seus gostos, sonhos e projetos, o lugar de Jesus em suas
vidas, para contribuir na construção e descoberta da sua
identidade de jovem de hoje. Nessa busca, encontrar-se
com Jesus através de Maria, lembrando-se que é cristão,
que é seguidor de Jesus Cristo.

“Os cristãos ainda se esforçam para crescer em santidade


vencendo o pecado. Por isso, elevam seus olhos a Maria que
refulge para toda a comunidade dos eleitos como exemplo
de virtudes. Piedosamente nela, meditando e contemplan-
do-a à luz do Verbo feito homem, a Igreja penetra com
reverência mais profunda o sublime mistério da Encarna-
ção, assemelhando-se mais e mais ao esposo. Pois Maria,
entrando intimamente na história da salvação, une em si
de certo modo e reflete as supremas normas da fé”.24

Espiritualidade Mariana
A espiritualidade é um fenômeno de teor religioso que
busca o aprimoramento do indivíduo em suas buscas de sen-
tido da vida. Não é simplesmente uma piedade popular. Ela
se refere a uma manifestação de religiosidade que conduz
uma pessoa a expressar a sua visão de Deus e da religião,

23
Evangelização da Juventude - Documento 85 da CNBB, 15.
KE1>/Ksd/EK//͕ŽŶƐƟƚƵŝĕĆŽŽŐŵĄƟĐĂ͞>ƵŵĞŵ'ĞŶƟƵŵ͕͟ϲϱ͘
24

62
através da mediação cultural. Ela é a característica ou quali-
dade daquilo que é espiritual, com fundamento religioso e es-
piritual, e que revela elevação, transcendência, sublimidade.
A beleza da nossa fé cristã está em compreender que
estamos nas mãos de Deus. Um Deus amoroso que deseja
estabelecer conosco uma relação pessoal, íntima, próxi-
ma, concreta. Essa relação se tornou possível em Jesus
Cristo, que nos resgatou do afastamento em que estáva-
mos de Deus e de seu Amor, devido ao pecado. Por meio
do Filho de Deus, pela Sua Encarnação, por Seus gestos e
palavras intimamente conexos entre si, por Sua Paixão,
Morte e Ressurreição, nos tornamos uma nova criatura,
agora capaz de relacionar-se com o Criador. A espiritua-
lidade em nossa prática de fé na Igreja Católica consiste
justamente no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Suas palavras e Seus gestos, bem como Seus mandamen-
tos, sem excluir nada. Trata-se de uma espiritualidade que
nos insere no profundo mistério de um Deus que é Pai,
Filho e Espírito Santo.

“O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e da ma-


neira que Lhe apraz. Por seu turno, cada fiel responde-Lhe
conforme a determinação do seu coração e as expressões
pessoais da sua oração. No entanto, a tradição cristã
conservou três expressões principais da vida de oração:
a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm um
traço fundamental comum: o recolhimento do coração.
Esta atenção em guardar a Palavra e permanecer na pre-
sença de Deus faz destas três expressões tempos fortes da
vida de oração”.25

25
Catecismo da Igreja Católica, cân. 2699.

63
Uma característica fundamental da espiritualidade de
Maria é a sua Absoluta e total adesão à Palavra de Deus:
“Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segunda a Tua
Palavra”.26 Firme e radical deve ser também a nossa fé em
Deus. Nossa atitude, generosa e lógica é de acolher o cha-
mado de Deus, com alegria e gratidão, e vivê-la com total
adesão, assim como fez a Virgem Maria. A espiritualidade
de Maria consiste na total intimidade com Jesus. Intimidade
biológica por ser mãe, dando-lhe uma vida física; intimida-
de afetiva, porque Jesus foi seu supremo e absoluto amor,
desde a anunciação até o calvário; intimidade Apostólica,
porque unida à obra salvadora de Jesus, intercede ainda
por toda a humanidade.
“De acordo com o Concílio, Maria está no coração do
mistério de Cristo e da Igreja, pois Deus quis que Jesus,
Cabeça da Igreja, nascesse de suas entranhas. Prenunciada
no Antigo Testamento, ela é apresentada dentro do Novo
Testamento, como aquela que aceitou ser cooperadora do
projeto divino de salvação, e como a perene associada de
todo o trajeto de Jesus Cristo. Por isso, é venerada como a
Mãe dos cristãos, na ordem da graça, experimentando a
Igreja sua intercessão fraterna”.27
A espiritualidade de Maria não pode ser compreendida
sem considerarmos as virtudes dela. Como exorta-nos o
Apóstolo São Paulo: “Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro,
nobre, justo, puro, amável, tudo o que é de louvável, honroso,
virtuoso, ou de qualquer modo mereça louvor.”28 Maria foi uma
jovem e mulher virtuosa. “O objetivo da vida virtuosa é

26
Lc 1, 38.
KE1>/Ksd/EK//͕ŽŶƐƟƚƵŝĕĆŽŽŐŵĄƟĐĂ͞>ƵŵĞŵ'ĞŶƟƵŵ͕͟ϱϱͲϲϮ͘
27

28
Fl 4, 8.

64
tornar-se semelhante a Deus.”29 Para compreender o que é
uma vida virtuosa como a de Maria, é necessário compreen-
der primeiro o que é virtude. “A virtude é uma disposição
habitual e firme para praticar o bem. Permite à pessoa não
somente praticar atos bons, mas dar o melhor de si mesma.
A pessoa virtuosa tende para o bem com todas as suas forças
sensíveis e espirituais; procura o bem e opta por ele em atos
concretos.”30 A vida simples, silenciosa e orante de Maria,
com o seu intenso desejo de estar sempre intima de seu
Filho Jesus, foi impulsionada pelas suas virtudes: paciên-
cia, oração contínua, obediência, Mãe do Supremo Amor,
mortificação, doçura, fé viva, pureza divina. Maria praticou
de maneira admirável todas essas virtudes, convenientes à
sua condição humana.

O testemunho dos santos


Em termos de devoção mariana, a Igreja através dos
séculos, encontra nos seus santos as mais luminosas teste-
munhas. Almas de diferentes condições e culturas cultiva-
ram esta devoção com uma grande variedade de doutrinas
e de exemplos, a ponto de com ela, erguerem autênticos
monumentos de santidade. São Bernardo, São Boaventura,
São João Eudes, o apóstolo da Consagração aos Sagrados
Corações de Jesus e Maria, testemunharam a fé em Jesus
através de Maria e deram sentido mariano a numerosas
Famílias Religiosas dos nossos tempos.
São Luiz Maria Grignion de Montfort, famoso pela excep-
cional experiência carismática que teve do mistério de Maria,
tornou-se um dos mestres mais clarividentes da catequese da

29
São Gregório de Nissa, Beat., PG 44, 1200 D.
30
Catecismo da Igreja Católica, cân. 1803.

65
Consagração ao seu Coração Imaculado. As suas obras sobre
“A Verdadeira Devoção Mariana”, pela clareza de pensamento
e profundidade de doutrina, constituem tratados fundamen-
tais para um caminho de fé qualificada e viva.
Santo Afonso teve fortes motivos para escrever sua
grande obra “Glórias de Maria”31. Em primeiro lugar, estava
a sua profunda devoção à Virgem Maria, a quem aprendeu a
amar desde a mais tenra infância. Além disso, ele sentia-se
obrigado, pois atribuía a Nossa Senhora a sua conversão.
Ademais, ele queria colocar à disposição dos pregadores
uma obra bem documentada que os ajudasse a instruir os
fiéis. Por fim, ele sentiu-se na obrigação de combater as
ideias e as pessoas que se opunham à piedade popular para
com a Mãe de Deus. Na conclusão dessa sua belíssima obra,
Santo Afonso se dirige a Virgem Maria assim:

Agora posso dizer que morro contente, por deixar na terra


este meu livro que continuará a louvar-vos e a pregar o
vosso amor, como tenho sempre procurado fazer durante
estes anos que têm seguido a minha conversão, que por
meio de vós alcancei de Deus, ó Maria Imaculada. Eu vos
encomendo a todos os que vos amam, especialmente aqueles
que lerem este meu livro, mais particularmente aqueles que
tiverem a caridade de encomendar-me a vós. Senhora, dai-
-lhes a perseverança; fazei-os todos santos e levai-os assim
a louvar-vos, todos juntos, no céu. 32

São Maximiliano Kolbe, sacrificado no campo de con-


centração de Auschwitz, documenta o papel materno de

31
Livro com a primeira edição em Outubro de 1750.
32
Afonso Maria de Ligório, Santo, 1696-1787. Glórias de Maria, Editora Santuário, Aparecida-SP, 1989.

66
Maria sob o influxo do Espírito Santo numa alma que se
tornou disponível a Ela pela consagração. Nele, Cavaleiro
da Imaculada, sobressai o exemplo da nova humanidade
que se torna capaz de encarnar o “novo mandamento”33, até
o heroísmo completo em doar a própria vida pelo próximo
substituindo um pai de família, condenado à morte, depois
da fuga de alguns prisioneiros do campo nazista. Foi uma
sublime concretização do Evangelho: “...Ninguém pode dar
maior prova de amor do que entregar sua vida por seus amigos.”34
No primeiro aniversário do atentado, São João Paulo
II foi em peregrinação a Fátima agradecer a Santíssima
Virgem Maria pela sua especial proteção. Durante a cele-
bração na praça de Fátima, na presença de uma multidão de
peregrinos, pronunciou o ato de consagração e de entrega
ao Coração Imaculado de Maria:

“...este nosso mundo humano, que vos confiamos e consa-


gramos, cheio de inquietação pela sorte terrena e eterna dos
homens e dos povos ... De modo especial, vos entregamos
e consagramos aqueles homens e aquelas nações que desta
entrega e desta consagração particularmente tem necessi-
dade ... A força desta consagração permanece por todos os
tempos e abarca todos os homens, os povos e as nações, e
supera todo o mal...”35

Nas palavras de São João Paulo II se define todo o de-


sejo apostólico de consagrar a Maria a humanidade, com o
objetivo de conduzir os homens à comunhão com Deus, com

33
Jo 13,34.
34
Jo 15,13.
WĂůĂǀƌĂƐĚĞ^ĆŽ:ŽĆŽWĂƵůŽ//ŶĂĞůĞďƌĂĕĆŽŶĂWƌĂĕĂĚŽ^ĂŶƚƵĄƌŝŽEŽƐƐĂ^ĞŶŚŽƌĂĚĞ&ĄƟŵĂ͕Ğŵ
35

&ĄƟŵĂͲWŽƌƚƵŐĂů͕ŶŽĚŝĂϭϮͬϭϯĚĞDĂŝŽĚĞϭϵϴϮ͖ƉƌŝŵĞŝƌŽĂŶŝǀĞƌƐĄƌŝŽĚŽĂƚĞŶƚĂĚŽƋƵĞƟŶŚĂƐŽĨƌŝĚŽ͘

67
a ajuda e a intercessão da sua e nossa Mãe. Com este espí-
rito, poderíamos nos alongar com as citações de São João
Paulo II, formando assim, uma autêntica obra-prima de
espiritualidade mariana. É digno de notar que um fato tão
relevante venha ressoar na Igreja num período em que se
vê com frequência esta devoção abandonada, para não di-
zer hostilizada.
Estes são exemplos de inegável realidade que teste-
munham a força geradora de santidade operante naquelas
almas que fundamentam a sua devoção mariana, e vivem
a consagração sobre bases doutrinais de fé e de amor,
que levam ao heroísmo da virtude, por Cristo, seguindo
o exemplo de Maria.

Acertar os passos para ser jovem


com espiritualidade mariana
Entendo que para ser jovem com espiritualidade ma-
riana, precisamos considerar, primeiramente, o conheci-
mento necessário sobre a vida de Maria e os fatores que
contribuíram para que ela desse o primeiro passo ao dizer
“SIM” a Deus quando Ele apresentou a ela um projeto de
vida misterioso e transformador.
A saudação do anjo foi para Maria uma notícia de vida
em que se falava do amor pleno de Deus por ela, a cheia
de graça; é oferecida para ela a possibilidade de ser a Mãe do
Messias, cuja missão lhe é explicada pelo mesmo anjo36.
Antes de dar a resposta, Maria procurou saber como isso
iria acontecer, “se eu não conheço homem.”37 Dizendo
“Eu sou a seva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua

36
Lc 1,30-33.
37
Lc 1,34.

68
palavra!”38, Maria fez um ato de fé, o primeiro ato de fé no
Verbo, o primeiro ato de fé cristão; condição essencial para
se tornar discípulo do Mestre.
No relato bíblico, notamos que Maria ficou intrigada39
ao ouvir a saudação do anjo. Ficar intrigado significa ficar
perplexo, curioso ou até mesmo desconfiado. Essa pequena
observação sobre a atitude ou comportamento de Maria é
rica em informações sobre o que pode ter se passado no
interior dela. Maria não faltou com a fé. Ela não duvidou
no sentido da incredulidade ou do ceticismo. É mais num
sentido do discernimento, é a perscrutação e o juízo acerca
daquilo que move as ações e reações. Na realidade, Maria
agiu com prudência na atitude diante do anjo, no ato do
anúncio da encarnação.
Contemplar a beleza do desenvolvimento de nossos
jovens, nessa etapa tão bonita e cheia de energia da vida
humana, implica em considerar, também, os sentimentos
que os envolvem diante de tantos sonhos, projetos, reali-
zações e até mesmo frustrações. Em contexto diferente,
do vivido por Maria, eles manifestam comportamentos
que mostram quando estão intrigados, perplexos, curio-
sos, desconfiados, até mesmo com alguns momentos de
incredulidade ou ceticismo. É a busca da compreensão do
sentido da vida e do viver; é a busca de certezas diante da
expectativa de seus futuros. E desta forma como eles são,
ou se encontram, é que Jesus continua chamando-os para
segui-Lo. Maria é um grande modelo, como uma jovem de
fé, que soube ouvir a voz de Deus no coração chamando-a
e deixou-se conduzir por essa certeza.

38
Lc 1,38.
39
Lc 1,29.

69
Ser um jovem mariano implica em ser um seguidor de
Jesus Cristo a exemplo de Maria. Ela nos aponta Seu Filho
Jesus mostrando o caminho para segui-Lo. É necessária
uma vida de oração embasada na Palavra de Deus, seguida
de meditação. É necessário silenciar, não simplesmente
ficar sem falar; silenciar os barulhos do coração e da mente
para que seja possível fazer um “itinerário da mente para
Deus”40. Sabemos o quanto é difícil silenciar, sobretudo vi-
vendo numa cultura midiática que constantemente envolve
e pede barulho. É preciso ter total dedicação de si próprio
a Deus que é Pai, Redentor, princípio de toda santidade, e
salvação na Santíssima Trindade. É ser uma livre oferenda
de si, tornando-se gesto de amor a Deus para a Sua glória,
colaborando-se como instrumento para concretizar o Seu
plano de amor para a salvação no mundo. Precisa focar a
energia vital no exemplo de Maria, aprendendo a percorrer
com ela o caminho dos discípulos do Mestre Jesus.

Leitura e meditação a partir das palavras de Maria:


Lucas 1, 34
Lucas 1, 38
Lucas 1, 39-41
Lucas 1, 46-55
Lucas 2, 48
João 2, 3
João 2, 5

Reflexão:
1. Como está o seu relacionamento com Maria Santíssima,
mãe do Deus encarnado e nossa Mãe?

^ĆŽŽĂǀĞŶƚƵƌĂ͕/ƟŶĞƌĄƌŝŽĚĂŵĞŶƚĞƉƌĂĞƵƐ͕ĚŝƚŽƌĂsŽnjĞƐ͘
40

70
2. Você tem desejado crescer nas virtudes de Maria?

3. De que maneira você pode ajudar os outros jovens,


como você, a crescerem na fé através de Maria?

Frei José Faustino Fernandes, TOR


Sacerdote Conselheiro Espiritual das ENS, EJNS e
Assessor Eclesiástico da Pastoral Familiar em Manaus-AM

71
ANOTAÇÕES DO TEMA

72
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

73
TEMA 4
JOVENS: BONS CRISTÃOS

“Devemos suplicar ao Senhor que aumente


o espírito de santidade na Igreja e
nos envie santos para evangelizar hoje”.
(São João Paulo II)

O único empenho do jovem que se vê completamente


apaixonado por Jesus e decide depositar n’Ele a sua fé e con-
fiança. Nele deve ser o de permanecer constante. Esta tarefa,
embora comum a todos os cristãos, se mostra mais desafia-
dora ao jovem, na medida em que se sente talvez refletindo
sobre aquilo que deve escolher e aquilo que deve renunciar.
Nesse período da vida, onde os sonhos e desejos de grandeza
crescem com bastante entusiasmo no ser humano, o jovem
deseja escolher bem, optar por razões fundamentais e certei-
ras, decidir algo pelo qual empenhará sua vida toda, encontrar
o grande motivo de sua felicidade. Mesmo querendo saborear
das mil possibilidades que a vida apresenta, o jovem, no inte-
rior dele mesmo, não almeja outra coisa senão estar seguro
de si mesmo e daquilo que sustenta e dá sentido à sua vida.

75
O jovem encontrado por Jesus, quando se dispõe a dizer
sim a Ele, o faz exatamente porque viu no Senhor a paz que
tanto procurava, a alegria de seu sorriso e o consolo de sua
tristeza, o amor que não deixa de amar, porque não exige
retribuição. Encontrou em Jesus o Caminho que dá resposta
às suas queixas, mesmo quando a resposta é o silêncio; a
Verdade que ilumina as farsas que a vida do mundo oferece,
mesmo que velada e ansiosa por ser descoberta; a Vida que
dissipa seus pensamentos e atitudes de morte, ainda que
tenha pago o preço de Sua própria morte para o preenchê-
-lo de vida plena. O jovem pode até ficar confuso quando
percebe essa aparente contradição, mas isso manifesta,
na verdade, que a lógica do Alto é totalmente diferente do
nosso modo de pensar e agir, e que Deus não age conforme
o nosso merecimento (afinal merecemos pouco ou nada),
mas segundo o Seu incrível amor por nós.
Aí então, o jovem vai se encantando mais ainda quan-
do descobre que, na verdade, o seu sim já é fruto de um
amor que o precedeu há muito tempo, de um amor que
já o amava mesmo antes dele saber que era amado: o
jovem descobre que Deus já o olhava e já o amava com
amor incondicional. Então, o seu sim não é apenas uma
palavra solta ao vento, sem propósito nenhum, mas é
um desejo imenso de sempre poder corresponder a esse
amor de Deus, até mesmo nos momentos dolorosos da
vida, assim como Maria permaneceu em pé aos pés da
Cruz, ou seja, fiel à palavra que, em sua juventude, deu
ao Senhor. Sim, querido jovem: aquele momento belo
em que você se colocou diante de Deus e disse “Eis-me
aqui” a Ele, aos poucos vai se mostrando ser um primei-
ro passo para respostas muito mais concretas no dia a
dia da vida. As situações, os ambientes, os encontros, as

76
pessoas, tudo agora começa a ser enxergado a partir de
você com outros olhares, e é claro que as pessoas tam-
bém te percebem com outros olhares. Não porque você
as julga ou porque elas te julgam, mas porque agora você
enxerga muito mais o seu universo com os olhares da fé
e tudo a sua volta espera de você exatamente esse olhar,
que ilumina e que é capaz de converter.
Imagine você quantas pessoas esperam o seu olhar de
misericórdia, a sua palavra de conforto, a sua atenciosa pre-
sença, o seu afetuoso abraço, o seu belo sorriso que trans-
mitem a verdade pela qual você permanece dizendo sim. E
certamente não esperam porque te cobram alguma resposta,
mas porque, a partir da alegria que transborda em você pela
sua confiança em Jesus, desejam, mesmo que indiretamen-
te, sem muita coragem, experimentar esta experiência do
amor de Deus que você saboreou e pode, então, comparti-
lhar. Obviamente, você não transmite essa certeza como uma
obrigação, mas sim porque foi uma experiência tão incrível
e maravilhosa, que a atitude de partilhar esta alegria é algo
muito natural e espontâneo. Porém, é neste processo que
toda a sua vida, toda a sua existência, todo o seu ser começa
a se transformar num ambiente propício para a manifestação
de Deus: tudo a sua volta verá em você a fé na qual você crê
e confia, e sua vida, aos poucos, começa a tomar um caráter
muito maior, muito mais global, numa grandeza que você
e eu não conhecemos exatamente, mas que toca profunda-
mente o que nos cerca; sua vida, aos poucos, vai se tornando
lugar de missão, terra capaz de florescer a evangelização,
ambiente de profundo e verdadeiro testemunho.
A vida cristã, então, vai florescendo e germinando
em sua vida; as promessas, as belas palavras, as juras de
amor que um dia você disse a Jesus vão se convertendo em

77
paciência na sua rotina; os desafios internos, os seus desejos
e vontades, as lutas que você trava consigo mesmo para que-
rer ser o senhor de sua vida, vão sendo entregues ao coração
de Deus, no propósito de sempre prevalecer a Sua vontade.
Tudo isso é desafiador. Também, externamente, o mundo
de hoje, com suas próprias provocações e dificuldades, vai
colocando a sua vida, querido jovem, em uma atitude de total
confiança e abandono em Deus. Com o auxílio do Senhor,
que é fiel e te acompanha sempre, você vai percebendo que
não está sozinho, que Deus não te deixou sozinho, que o
caminho não é tão longo ou tão difícil quanto parece.
Ser um jovem cristão, de fato, é um desafio. E isso não é
somente por causa do próprio tempo da juventude em todos
os seus aspectos, mas acima de tudo, porque ser cristão é
desafiador. Primeiramente, o desafio não é tão longe de nós:
o desafio está em nós mesmos. Nem sempre nosso sim é
constante, nem sempre queremos permanecer dizendo sim
a Deus. Muitas vezes, nos toma de assalto um sentimento
profundo de indiferença ou desinteresse com as coisas de
Deus, e tudo vai se tornando chato ou monótono, sem muita
revolução, sem aquela constante novidade que nós, jovens,
gostamos muito de experimentar. Nem sempre as coisas de
Deus nos tocam, nos arrepiam, nos fazem chorar ou tremer
de emoção; nem sempre Deus nos oferece a resposta que
queríamos, a graça que pedíamos, o sucesso que almejáva-
mos conquistar. Porém, mais uma vez, você experimenta
o amor do Senhor: você O vê caminhando e vivendo junto
com você, permanecendo fiel, te dando a mão nos seus
momentos de insegurança ou incerteza.
Por outro lado, externamente, as coisas do mundo tam-
bém são provocadoras. Surte em nós um estranho senti-
mento como se nós houvéssemos perdido uma série de

78
oportunidades em vista do sim que um dia demos a Deus
ou ainda é como se Deus estivesse furtando de nós a alegria
de viver, os momentos mais prazerosos que a vida pode dar.
Vejamos: nossos pais ou parentes com idades mais avança-
das não viveram sequer a situação de mundo na qual você
e eu hoje vivemos. A tecnologia em massa; os meios de
comunicação diversos e interativos; as mil possibilidades
de se mostrar como alguém livre, totalmente desvinculado
de verdades absolutas, de condicionamentos, de normas
ou regras, ou de levantar qualquer bandeira e apresentar
qualquer verdade ou expressão; de divulgar qualquer mo-
mento de nossa vida em tempo real para qualquer pessoa
orbitando no mundo, de poder se tornar influenciador de
vidas apenas com o modo pelo qual eu dirijo a minha, todas
essas e muito mais outras são propostas quase irrecusáveis
para uma juventude que transita por essas situações e de-
seja muito vivê-las.
O desafio, então, é encontrar a verdade que se escon-
de nestas sutis vaidades: ser um jovem de Cristo não é,
primeiramente, não ser jovem. Parece óbvio, mas existe
uma ideia no inconsciente coletivo de muitos corações de
que a vida cristã rouba a alegria de viver a vida, e é claro
que não é verdade. Muito pelo contrário, a vida cristã nos
aponta onde está a verdadeira alegria e como podemos ser
verdadeiramente felizes com ela. Ser de Cristo não te priva
de nenhuma coisa, mas te deixa com um olhar profunda-
mente criterioso em relação ao que realmente vale a pena
perder tempo e esforços. Decida viver qualquer experiência
louca e é com toda a certeza ela te trará duas consequên-
cias: ou o desgosto por tê-la vivido ou o arrependimento
para não a viver nunca mais. O jovem cristão, por sua vez,
deseja viver coisas muito mais intensas, experiências muito

79
mais profundas, aquilo que costumeiramente chamamos
de santidade, e esta não significa privar-se extremamente
da beleza do mundo, mas sim encontrar verdadeiramente
no mundo a beleza de Deus. O desafio é ser santo em todo
o frescor de sua juventude.
A vida de santidade não se manifesta nas grandes coi-
sas, nos grandes feitos, mas em ser fiel no pouco, ainda no
mínimo que conseguimos oferecer. É aquela pequena via
da jovem Santa Teresinha, é aquela fidelidade nas peque-
nas coisas de nosso cotidiano, que faz germinar a nossa
sincera intenção de santidade e de emenda de vida. É o
processo de não se autossabotar, de saber até onde nosso
sim é verdadeiro e, quando não for, saber ser sincero ao
Senhor e pedir-Lhe ajuda. É o caminho de ser um bom
cristão principalmente numa relação de profunda trans-
parência com o nosso Amado, de consciência precisa de
nossos limites e de nossas desconfianças, e de entregá-
-las todas a Deus, numa atitude de concreta confiança e
obediência ao Senhor. De permanecer sendo jovem, com
todos os sonhos e desejos de momentos felizes, com todas
as aspirações e sentimentos, mas também de permanecer
desejando que Jesus seja participante de nossos sonhos
e projetos, ou melhor, que seja Ele o próprio condutor de
nossos anseios, para que nossa vida seja sempre conforme
o Seu desígnio de amor.
Mas também é preciso dizer que você, querido jo-
vem, deve também encontrar o caminho que te leva para
junto de você mesmo, ou seja, encontrar o valor de sua
própria identidade. Você é alguém único, profundamente
singular, dotado de uma personalidade e de um caráter
dos quais somente você é pleno possuidor. É exatamen-
te esta pessoa que você é, com todas as suas aptidões e

80
carências, que Deus amou e escolheu para ser d’Ele. Isso
já te dá razões suficientes para saber que a sua identidade
é parte importantíssima nesse processo de evangeliza-
ção e que a busca pela santidade não entra em conflito
com nossa identidade. A novidade da Palavra da Salva-
ção também se dará pela novidade de quem a anuncia e
você, portanto, não pode fugir ou se perder de quem você
realmente é. Deus te ama na beleza de sua identidade,
Ele te acolhe com toda a sua inteireza e opera em você,
não a extinção de sua própria natureza, mas o seu mais
concreto aperfeiçoamento.
Neste caminho de constante amadurecimento na fé
e na vida, o jovem cristão também vai percebendo que,
embora todo lugar pode ser ambiente de encontro com
Deus e de anúncio d’Ele, é a Igreja o espaço privilegiado
desse contato de intensa comunhão com Deus e com os
irmãos. Conforta saber que, nessa trajetória, há tantos jo-
vens como você que também desejam traçar esse caminho
de santidade, respondendo ao amor de Deus com o sim de
suas vidas e querendo ser canais que transmitam a outras
pessoas esta verdade que pode revolucionar o mundo in-
teiro. É na Igreja que encontramos o fôlego, quase sempre
necessário, para não desistirmos do caminho; é o lugar
onde outros podem ser nosso ponto de abrigo e também
onde nós podemos ser descanso para tantos outros; é o
lugar onde prevalecem a comunhão e a partilha, a solida-
riedade e a caridade entre os irmãos; é onde ninguém quer
ir sozinho ao Céu, mas desejam todos juntos chegar lá;
onde, enfim, todos querem ser felizes seguindo os passos
de Jesus e sendo fiéis ao Seu convite de amor por nós com
a participação dos próprios jovens no amadurecimento
cristão dos seus contemporâneos.

81
O jovem cristão responde com amor ao chamamento
universal à santidade, sem distinção de profissões, condi-
ções sociais ou idades. Não considera que a idade juvenil
seja exclusivamente uma época de preparação para uma
fase de maturidade na qual se deverão exercitar as vir-
tudes humanas e sobrenaturais. É preciso praticar tais
virtudes já, desde que o uso da razão começa a permitir
um tomar as rédeas da própria existência. A chamada
à santidade pessoal começa a encontrar eco nos nossos
ouvidos desde a adolescência, inclusive desde a infância.
Neste capítulo há um pedido todos os jovens que nem
mais nem menos, sejam vocês mesmos a procurar o en-
contro com Deus através de um relacionamento pessoal
com Jesus Cristo na oração e nos sacramentos; que não
considerem o estudo ou o trabalho como uma imposição
penosa que vinha de fora; e que se convertam em apóstolos
dos seus próprios amigos e companheiros. Que vossas vidas
não sejam estéreis. Sejam Apóstolos Jovens para o mundo
hodierno. Deixa sua herança para os demais jovens que
virão depois de ti. Ilumina com o resplendor da tua fé e
do teu amor. Pois, o caminho para o cristão santificar-se é
dentro e não fora do mundo.
Caro jovem equipista temos uma mãe – A Igreja. A
Igreja é como uma mãe. Ela nos gerou e nos fez nascer no
dia do nosso batismo. Ao longo desses anos ela te alimenta
com os sacramentos. A Palavra e a Eucaristia são para
ti fontes inesgotáveis de graça para prosseguir o itinerá-
rio da fé. Saliento sua importância como membro ativo
desta igreja. A ame nas realidades diversas que necessi-
tam de uma presença viva dos jovens. Descubra aquele
o chamado divino escondido por trás dos detalhes. Os
apelos mais gritantes. Busque a unidade de vida – oração e

82
trabalho - com seus irmãos de equipe. Assim, verás Cristo
nos outros e fazendo tudo por amor. Queres de verdade
ter compromisso com EJNS na Igreja e no mundo? Cum-
pra o pequeno dever de cada momento; faz o que deves
e está no que fazes. Portanto, deixem-se de sonhos, de
falsos idealismos, de fantasias. Não há outro caminho,
ou sabemos encontrar o Senhor em nossa vida de todos
os dias, ou não O encontraremos nunca. É preciso ir ao
encontro das situações reais, tais como falta de oportuni-
dades, de formação e de inserção no mundo do trabalho,
entre outras. Basicamente, trata-se de transformar todas
as circunstâncias do dia a dia, agradáveis ou não, numa
fonte de diálogo com Deus. Tudo o que você faz por amor
adquire beleza, grandeza.
Não se trata de tentar fazer grandes coisas, esperando
circunstâncias extraordinárias para se comportar heroi-
camente. Se trata muito mais de se apegar humildemente
ao pequeno dever de cada momento, colocando todo o seu
amor e toda a perfeição humana naquilo que somos capazes
de fazer naquele momento. Os jovens se encontram hoje
num mundo marcado por situações efêmeras, imediatas,
de aparências. Buscam uma felicidade individualista e
consumista. E para se formar o bom cristão se requer que
o jovem abandone o egocentrismo e, afastando-se destas
situações, possa saber julgar sem paixões ou impulsos de
momento e colocar o seu testemunho de vida como farol
que ilumina na escuridão.
Segundo São João Bosco, “o Jovem deve cumprir bem
os deveres e ser sempre alegres”. Não deixe que a chama
do primeiro amor se apague. Saiba que sois eleitos dentre
tantos para colaborar na vinha do Senhor. Que vosso sim
a essa missão seja empenhado e não inconstante. Que tal:

83
como gesto concreto desse capítulo ser mais assíduo nas
missas; Intensificar PPV; ser mais pontual nos horários de
reunião; Ser solicito quando o irmão necessitar de uma
ajuda na realização das reuniões?

Padre André Menezes Santos

Textos Bíblicos:
Sl 27,10
Is 43, 1-7
Mc 10, 17-30
Mt 16,24-26
1Jo 2, 14

84
ANOTAÇÕES DO TEMA

85
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

86
TEMA 5
JOVENS: HONESTOS CIDADÃOS

“Sejam missionários uns dos outros dando bom exemplo.


O ensinamento mais eficaz é fazer o que
se ordena aos outros”.
(São João Bosco)

Os elementos vitais da vida humana, são sempre presen-


tificados por um verbo, que quase sempre indica uma ação,
desde a ação de Deus em nós, até a resposta que damos à
essa ação. Sim, porque somos vocacionados a dar uma res-
posta a quem chama, não se furtando a uma dinamicidade
da vida, que se realiza no cumprimento de um chamado
de amor: a ser e fazer.
Talvez, esse seja um dos melhores modos de existir
nesse mundo, ou seja, respondendo a uma vocação, fa-
zer o que somos chamados a fazer, conscientes de uma
escolha pessoal.
Na raiz vocacional, há um amor; um amor que nos
desinstala, nos motiva e nos realiza. E o que é esse amor?
Olhemos o que nos diz o famoso texto de São João:

87
“Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e
vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso
fruto permaneça. Eu assim vos constituí, a fim de que tudo
quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos conceda.”
(Jo 15,16).

Deus é em nós e nós somos em Deus, Deus está em nós


e nós estamos em Deus, Deus faz em nós e nós fazemos em
Deus (CIC 308). Somos, estamos e fazemos, porque há um
chamado de amor que Deus nos faz. Esse é o princípio vital
da existência humana e cristã, princípio de um fluxo de
santidade, que se apresenta de dentro para fora. Tal fluxo
permite uma autenticidade de ação, primeiro ser (dentro),
depois fazer (fora).
O Mundo é o lugar onde somos chamados (vocaciona-
dos), a estabelecer as mais variadas relações de extensão
da vida humana: relações pessoais, relações acadêmicas e
relações profissionais. O ponto de partida é o que somos,
cristãos, ou seja, somos luz, não como quem tem luz pró-
pria, mas quem tem uma luz dada por Outro; iluminamos
não a nós mesmos, mas somos o reflexo da luz de um Deus
de amor. Tal luz é transformante e transformadora, exata-
mente por um estilo de vida marcado por essa luz. A vida
concreta é iluminada, por conseguinte transformadora,
isso se dá nas realidades mais ordinárias da vida humana.
Para autenticar e dar vazão a este fluxo natural da vida
em Deus é necessário nutrir a vida interior com honestidade.
A honestidade exige um discernimento, uma escolha e uma
ação. É necessário discernir a quem a honestidade está dirigi-
da: à voz do ser interior ou à voz do ser mundano, presentes
em todo ser humano. Esse discernimento evoca a escolha: a
quem seguir. Essa escolha é proferida por uma ação. Aquele

88
que age segundo a voz do seu interior, pode dizer que está em
Deus, pois essa ação provém de um encontro cujo legado é
o gozo da habitação do Espírito Santo. Já o outro, ainda que
tenha Deus em si e esteja sustentado pelo Criador, não age
segundo a sua voz, portanto não goza da presença do Pai.
Santo Agostinho: “estavas dentro e eu fora”.
A partir do momento que a honestidade se torna um
auxílio que, por buscar a verdade, abre um caminho de
encontro pessoal com aquele que habita a intimidade do
ser humano, ela projeta a pessoa na vida concreta como
um outro Cristo. A ação é testemunha de uma escolha, e
agir em nome de Deus, no mundo, não é possível se não
por meio da vida interior revelada em atos.
A palavra de Deus se faz carne, quando deixamos de
falar superficialmente e passamos a agir segundo a pro-
fundeza de nosso ser. O que existe dentro de cada um de
nós já foi revelado em Cristo Jesus (ler João 19,28), quando
nossas ações nos assemelham a Ele, então podemos dizer
que n’Ele estamos.
Isso não aconteceria àquele que ouve a vaidade de sua
carne, pois essa repudia ações que a crucifique.
Romanos 8,19 - “A criação aguarda ansiosamente a ma-
nifestação dos filhos de Deus”.
Um cristão não deve ser propagador de aparências ex-
teriores, mas uma testemunha que revela a beleza interior
da alma, que vive em Cristo, em atos externos.
O primeiro promove no outro, atos correspondentes
a sua natureza frívola, o segundo promove o céu na terra.
Na juventude é corriqueiro pensar que é honesto dese-
jar a vaidade (aquilo que é passageiro), por isso é necessário
a honestidade, o discernimento e a escolha: a qual natureza
um jovem missionário escolhe ouvir?

89
A vocação, o chamado que vem de seu interior, ou a
provocação, a inquietação que vem das paixões mundanas.
Ambas habitam no homem, mas o homem só pode dizer
sim a uma delas.
A alma missionária precisa tomar consciência dessa
realidade humana para vigiar e orar sobre suas próprias
escolhas e ações. Não se leva Cristo ao outro, se não se
acolhe por Ele a cada ato.
Para tanto, a Santa das Missões que viveu toda sua vo-
cação em clausura, nos ensina que devemos educar em
todos os instantes a nossa vontade em favor da vida interior
e em detrimento da vida secular. “Minhas mortificações
consistiam em refrear minha vontade, sempre prestes a se
impor.” Afirma a pequena Santa indicando que para uma
vida missionária honesta e verdadeira é necessário também
a educação da vontade.
Uma outra realidade que a alma missionária precisa
observar é que quanto menor for a ação, maior será sua
eficácia. Santa Terezinha: “Praticando as pequenas virtudes,
a Santa Virgem tornou visível o caminho do céu”. As grandes
ações não precisam existir para promover as menores, não
o contrário. A vida é formada por um conjunto de peque-
nas ações. Enaltecendo as grandes obras, corre-se o risco
de empobrecer as pequenas, consequentemente torna-se
pobre a vida social e ordinária e isso é um sacrilégio, pois
a rotina diária é o caminho, e é também a verdade comum
a todos. É a vida que se dá a cada dia.
S. João Bosco exortava – “Sejam missionários uns dos
outros dando bom exemplo. O ensinamento mais eficaz é
fazer o que se ordena aos outros”.
As virtudes chamadas cardeais se constituem uma es-
piritualidade viva e eficaz, elas formam um eixo que nos

90
ajuda interligar a nossa vida em Deus na projeção de nossos
atos no mundo, para sermos sal da terra e luz no mundo
de forma consciente em todos os tempos, em todas as so-
ciedades, em tudo aquilo que é a vida de um ser humano
na realidade. As virtudes fazem com que estejamos melhor
orientados para exercer o nosso papel na sociedade sem
deixar de exercer a vida em Deus.
Por tanto as virtudes e a educação da vontade se colo-
cam como elementos fundamentais para viabilizar a nossa
santidade.
Prudência: uma inclinação da inteligência para esco-
lher os melhores meios para atingir aos fins. A prudência
não pode ser interpretada como algo meramente huma-
no, mas como uma virtude própria daquele que vive em
Cristo, pois ela está voltada para regular nosso senso de
honestidade e imprimir coerência entre a nossa escolha
e a manifestação de nossos afetos, sentimentos e vontade,
orientando tudo para Deus. É a prudência que nos exorta
a pensar, ou seja, a buscar a verdade e fazer uma escolha,
antes de agir, logo ela é muito eficaz para evitar o pecado
e fazer o Bem. A prudência, porém, requer um autodomí-
nio, é necessário estar vigilante para ativar a prudência e
isso não é possível sem a educação da vontade desde seus
menores aspectos.

CIC 1806 - Não se confunde, nem com a timidez ou o


medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É cha-
mada “auriga virtutum” – condutor das virtudes, por-
que guia as outras virtudes, indicando-lhes a regra e a
medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo
da consciência. O homem prudente decide e ordena a sua
conduta segundo este juízo.

91
Justiça: nas sagradas escrituras significa o conjunto
das virtudes cristãs, logo ela pode ser considerada a vir-
tude da santidade, Mateus 6,16: “quem tem fome e sede
de justiça é um bem-aventurado”, podemos ainda lem-
brar que José era justo. A Justiça é o ato de dar a Deus e
ao outro aquilo que lhe é devido. Isso nos situa em um
critério sólido para viver as realidades humanas: voca-
cional, familiar, social e missionária. Em se tratando do
relacionamento com o próximo é necessário observar
o estado de direito individual sem ignorar a dignidade
espiritual que nos une e nos torna dom para o outro. E
por fim, para aplicar a justiça à Deus, devemos falar da
virtude da religião, dar a Deus o que é de direito é dar a
Ele a devida adoração. Para todas as dimensões da justiça
somos imputados a uma certa humildade. Seremos sempre
tentados a nos achar maiores ou mais importantes que o
outro, neste momento, sem a educação da nossa vonta-
de, sucumbiremos pelo desejo da vanglória, como foram
nossos primeiros pais.

CIC 1807 - A justiça para com Deus chama-se «virtude da


religião». Para com os homens, a justiça leva a respeitar os
direitos de cada qual e a estabelecer, nas relações humanas,
a harmonia que promove a equidade em relação às pessoas
e ao bem comum.

Fortaleza: trata-se de uma virilidade cristã, que nos


compromete no âmbito da coragem que visa a conquista
audaciosa do bem. É a virtude da fortaleza que nos ajuda
a compreender duas verdades fundamentais a vida huma-
na: empreender e suportar as dificuldades. Empreender,
neste caso, trata-se de promover com vigor aquilo que

92
é necessário para a edificação pessoal do ser. Suportar,
está para além de uma resistência, pois requer a reflexão
de três pontos para nos alicerçar na virtude da fortaleza:
decisão, para cumprir prontamente e a qualquer custo
com os deveres de seu estado particular de vida; coragem,
para empreender com generosidade todos os esforços que
as peculiaridades dos casos requerem; constância, para
perseverar com uma certa insistência nos esforços neces-
sários à fé até o fim. Por tanto, a fortaleza nos instala no
mundo real, nos ajudando a enfrentar as dificuldades da
vida humana e social. O fruto da fortaleza é a paciência
ativa, aquela que nos orienta a agir no tempo e da forma
correta, com responsabilidade.

CIC 1807 - A virtude da fortaleza dá capacidade para


vencer o medo, mesmo da morte, e enfrentar a provação e
as perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício
da própria vida, na defesa duma causa justa. «O Senhor
é a minha fortaleza e a minha glória» (Sl 118, 14). «No
mundo haveis de sofrer tribulações: mas tende coragem!
Eu venci o mundo» (Jo 16, 33).

Temperança: modera a inclinação para os prazeres


sensíveis, sobretudo do gosto e do tato. É a temperança
que nos ajuda a moderar o apego aos prazeres e bens deste
mundo que facilmente nos torna preguiçosos, acomoda-
dos e prisioneiros das vaidades. A virtude da temperança
faz com que nós tenhamos os prazeres colocados sobre o
critério da honestidade e da justiça, ela favorece o estilo
de vida que dá testemunho de cristianismo, testemunho
de um bem viver, pois usa dos bens presentes revelando a
ordenação do seu ser para os bens eternos.

93
CIC 1809 A temperança é muitas vezes louvada no Antigo
Testamento: «Não te deixes levar pelas tuas más inclinações
e refreia os teus apetites» (Sir 18, 30).

No Novo Testamento, é chamada «moderação», ou


«sobriedade». Devemos «viver com moderação, justiça e
piedade no mundo presente» (Tt 2, 12).
A vontade é a grande potência que existe na alma do
ser humano e deve reinar sobre todas as outras faculdades
do homem. A vontade é livre, mas precisa ser fortalecida
pelo intelecto para se tornar dócil à vontade de Deus. Essa
dimensão da educação da vontade se faz muito importante
para que todo o fluxo de santidade corra livremente. Ora, se
a vontade é livre, como educá-la? A vontade busca o que é
bom, logo devemos conhecer a verdade para dar condições
de uma escolha justa à nós mesmos.
Para tanto, precisamos aderir: a uma vida intelectual,
que busca o conhecimento da verdade e medita sobre a ver-
dade conhecida; uma vida coerente e humilde, que ciente
de sua condição limitada e miserável, contudo redimida
por um Deus Onipresente, Onisciente e Onipotente que é
nosso Pai, não deve ter medo de ousar e fracassar.
É necessário promover a harmonia entre os três ele-
mentos fundamentais para a ordenação da vontade huma-
na: o intelecto, conhecimento da verdade; as virtudes, esfor-
ço humano; e a graça de Deus, presente nos sacramentos.
É a partir de uma existência honesta, no enfrentamento da
vida sobre a luz da palavra de Deus, dos ensinamentos da
Santa Igreja Católica e pela intercessão de Nossa Senhora,
detentora de todas as graças divinas, que seremos capazes
de educar a nossa vontade para desejar o que Deus quer
para nós e para o mundo inteiro.

94
Por tudo nos cabe afirmar que o homem será um ci-
dadão honesto tanto mais for um cristão honesto, pois a
vida social é cristológica. É a base da vida cristã, ou seja,
da vida vivida segundo o Verbo de Deus, que sustenta uma
sociedade com dignidade, justiça e caridade.

CIC 1880 Sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de


modo orgânico por um princípio de unidade que ultrapassa
cada uma delas. Assembleia ao mesmo tempo visível e espi-
ritual, uma sociedade perdura no tempo: assume o passado
e prepara o futuro. Através dela, cada homem é constituído
«herdeiro», recebe «talentos» que enriquecem a sua identi-
dade e cujos frutos deve desenvolver. Com toda a razão, cada
um é devedor de dedicação às comunidades de que faz parte
e de respeito às autoridades encarregadas do bem comum.

É contra a inversão de papéis, contra a inversão dos


meios e dos fins e contra o esvaziamento dos valores hu-
manos que os jovens devem empenhar seus esforços.
“A sociedade deve favorecer o exercício das virtudes,
não opor lhe obstáculos” (CIC 1895). A defesa da fé nos
tempos atuais pressupõe a restauração da pessoa huma-
na, constituída por corpo, alma e espírito. Esse deve ser
o princípio, o sujeito e o fim de todas as causas sociais.
Maria está sempre presente maternal e espiritualmente
em nossa caminhada, que é muito marcada pelo Amor de
Deus em nós. A mão de Nosso Senhor Jesus Cristo tem uma
grande influência naqueles que amam a Deus e por Ele são
amados, ou seja, todos aqueles chamados de cristãos. A in-
fluência de Maria, não foi entendida a partir de um discurso
proferido, em sua época, ou num livro autobiográfico, ou ex-
positivo, mas com a própria vida, em modo fiel, dedicado e
disponível para servir a Deus.

95
Uma coisa é importante perceber na vida de Nossa
Senhora, no seu exemplo de dizer sim a Deus: quando lhe
veio o Anjo Gabriel, quando deu o seu “fiat”. Não estamos
falando de uma Senhora, já bem vivida e experiente, mas
estamos falando de uma jovem, cheia de planos, diante
de um desejo de ser de Deus, um desejo de santidade, um
desejo de dar a sua própria vida para agradar ao seu Senhor,
ela soube ter a postura determinante para transformação
de si e de outros.
Sem querer ser por demais simplista, a juventude pode
ser compreendida por saber dizer sim e não. Dizer sim e
não na hora certa e no momento certo e dize-lo para coisa
certas e nos momentos certos. A juventude é um movimen-
to dinâmico; é o momento de firmar-se como ser humano,
ou seja, de empenhar-se para tornar-se pessoa, com a finali-
dade de construir a vida a ser vivida, a saber: uma vida para
amar, uma vida para se doar, uma vida para se celebrar.
A jovem Maria não tinha uma estrutura de vida ama-
durecida, ela tinha um vislumbre do que poderia lhe acon-
tecer: “casar -se com José”, mas ela tinha uma meta que
estava acima de qualquer acontecimento: “fazer a vontade
de Deus”. Foi essa meta que a moveu com ousadia para
renunciar a todos os seus planos e dizer “sim” ao anjo do
Senhor. Sua meta carrega duas vertentes muito fortes do
cristianismo que derivam do Ser, a primeira é “fazer”, a
segunda “a vontade de Deus”.
Essa é a mensagem que ela deixa a todos nós: “Fazei
tudo o que Ele vos disser”. (Jo 2,5).
O jovem missionário não pode viver irresponsavel-
mente como quem não sabe o que fazer, agindo por agir.
Diante de suas realidades, diante de seus relacionamentos,
na sua casa, no seu trabalho, na sua escola ou em qualquer

96
acontecimento em que esteja envolvido, sua missão requer
honestidade! Pergunte-se “O que fazer?” E sobre a luz da
palavra de Deus, analisa a sua escolha, percebe se a sua
vontade está alinhada à vontade de Deus e, então, age, tra-
zendo o Cristo em seus atos, realizando sua missão.
No mundo serás tentado e provado, sua natureza lhe
pregará peças, evidenciando desejos ilícitos que contra-
põe aos anseios de sua alma, mas aqueles que escolhem
agir com honestidade e responsabilidade tornam-se pes-
soa segundo o Verbo (ler 2Timóteo 4, 7). É na escolha de
suas amizades, na escolha dos ambientes a frequentar, na
escolha de sua profissão, mas sobretudo na escolha diária
de ouvir e seguir o chamado de Deus, em todas as circuns-
tâncias, que o jovem começa a construção da sua vida e
estabelece o seu lugar no mundo. Por isso é tão importante
ordenar-se e orientar-se com honestidade e responsabili-
dade, pois os atos de hoje são parte da estrutura de uma
vida que determinará quem você é: “torna-te quem tu és”.
Jovem, você ainda não está pronto, empenhe-se, por tanto,
a desenvolver-se no ambiente social em que é chamado
a estar, e não segundo o que o meio te proporciona, mas
segundo a vocação que o batismo lhe conferiu:

CIC 1266: A Santíssima Trindade confere ao batizado a


graça santificante, a graça da justificação, que:
- torna capaz de crer em Deus, esperar n’Ele e O amar,
pelas virtudes teologais;
- dá o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo
e pelos dons do mesmo Espírito;
- permite crescer no bem, pelas virtudes morais. Assim,
todo o organismo da vida sobrenatural do cristão tem a
sua raiz no santo Batismo.

97
É, portanto, ao batismo, ou melhor, à graça santifican-
te que o batismo nos confere, que devemos corresponder
com nossa vida religiosa, com nossa vida pessoal e social
e assim glorificar a Deus com a nossa vida!

Padre Wesley Macedo


Arquidiocese de Brasília

98
ANOTAÇÕES DO TEMA

99
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

100
TEMA 6
O JOVEM E O MUNDO DIGITAL

“A gente só ama aquilo que conhece”.


(Santo Agostinho)

O mundo digital
Não é necessário muito esforço para nós hoje enten-
dermos o que quer dizer essa expressão “mundo digital”.
Nascemos em uma família, desenvolvemos relações bási-
cas com os nossos familiares e amigos desde nossas casas,
passando pelo ambiente escolar, chegando ao lazer e ao
mundo do trabalho, no caso de muitos de vocês, e tudo
isso, hoje em dia, acontece não apenas presencialmente,
mas também no que se denomina mundo digital. O mundo
digital revela-se uma verdadeira revolução no modo de nos
relacionarmos uns com os outros e apresenta-nos grandes
possibilidades bem como muitos desafios.
O elemento digital é um elemento importante na vida
das pessoas desse nosso momento histórico, uma espécie
de conquista que vem ajudando a humanidade e da qual
não será possível prescindir no futuro. A tecnologia tem

101
possibilitado ao homem alguns passos muito importantes
como o encurtamento das distâncias, a celeridade na comu-
nicação, o desenvolvimento de metodologias mais precisas
e assertivas, a difusão em larga escala das informações e
tantas outras nas mais variadas áreas do conhecimento e
de atuação do ser humano. O mundo digital entrou nas
nossas Igrejas também e para nós o que isso significa? Com
certeza, no início era muito mais um desafio e observado
com desconfiança do que agora. O ano de 2020 marcou a
história da humanidade com uma pandemia que poucas
vezes na história se viu. A última dessa proporção tinha sido
a Gripe Espanhola na década de 20 do século passado. Com
esse desafio tão grande, a Igreja viu-se ainda mais obrigada
a estabelecer uma relação saudável com o mundo digital.
Muitos olham o mundo digital como um meio, como
uma realidade da qual usamos para veicular a mensagem,
para estabelecer contatos e nos comunicarmos, mas parece
que o mundo digital é mais que “apenas um meio”. O mundo
em que vivemos é real não em oposição ao virtual, como
muitas vezes se entende, mas é real na medida em que in-
cluímos e concebemos que a realidade digital é elemento
constitutivo da realidade em que vivemos, nos movemos e
existimos. Quando concebemos a realidade digital como
um veículo, estamos ainda na esfera da compreensão das
ferramentas que o mundo digital dispõe para exercemos a
nossa tão necessária comunicação. Então percebemos que
não podemos ter uma visão reducionista do que seja o mun-
do digital, em que um dos elementos é o virtual ou aquele
das redes de todo o tipo que o compõem. Mas é necessário
percebermos que no contexto atual, o novo areópago que
se nos apresenta é este do mundo virtual, ou seja, não mais
apenas o elemento presencial físico nos desafia a sabermos

102
nos mover e ser presença cristã, mas somos convidados
a reconhecer que, de fato, não podemos nos esquivar do
encontro com as pessoas onde elas estão, no mundo digital.
Ora, compreendermos que o mundo digital é um dado
de fato e ali as pessoas, sobretudo os jovens, desenvolvem
suas vidas com tudo o que as compõem, alegrias e esperan-
ças, dores e sofrimentos, faz-nos refletir acerca de como
temos lidado com essa realidade. Se a vida real hoje acon-
tece em um ambiente marcadamente digitalizado ou se
preferirmos, virtual, é ali que encontramos os jovens com
seus apelos e necessidades e é ali que devemos buscar viver
o evangelho. Já o Concílio Vaticano II nos exortava acerca
dessa realidade de que existe uma íntima união da Igreja
com toda a família humana41, manifestando que aquilo que
afeta, caracteriza ou se desenvolve em meio à humanidade,
deve ser objeto do empenho missionário e evangelizador
da Igreja de Cristo.
Nessa perspectiva, encontramo-nos hoje todos desafia-
dos e empenhados em ser presença cristã no mundo dito
digital, compreendendo que este mundo, na verdade, não
é uma realidade à parte ao que vivemos cotidianamente,
senão a vida humana de cada dia.

Os benefícios e os desafios das conquistas da era digital


Ao pensarmos nos benefícios advindos da era digital
que marca este nosso tempo, podemos elencar alguns ele-
mentos que certamente poderão ser enriquecidos pelos

ƐĂůĞŐƌŝĂƐĞĂƐĞƐƉĞƌĂŶĕĂƐ͕ĂƐƚƌŝƐƚĞnjĂƐĞĂƐĂŶŐƷƐƟĂƐĚŽƐŚŽŵĞŶƐĚĞŚŽũĞ͕ƐŽďƌĞƚƵĚŽĚŽƐƉŽďƌĞƐĞ
41

ĚĞƚŽĚŽƐĂƋƵĞůĞƐƋƵĞƐŽĨƌĞŵ͕ƐĆŽƚĂŵďĠŵĂƐĂůĞŐƌŝĂƐĞĂƐĞƐƉĞƌĂŶĕĂƐ͕ĂƐƚƌŝƐƚĞnjĂƐĞĂƐĂŶŐƷƐƟĂƐĚŽƐ
ĚŝƐĐşƉƵůŽƐĚĞƌŝƐƚŽ͖ĞŶĆŽŚĄƌĞĂůŝĚĂĚĞĂůŐƵŵĂǀĞƌĚĂĚĞŝƌĂŵĞŶƚĞŚƵŵĂŶĂƋƵĞŶĆŽĞŶĐŽŶƚƌĞĞĐŽŶŽ
ƐĞƵĐŽƌĂĕĆŽ͘WŽƌƋƵĞĂƐƵĂĐŽŵƵŶŝĚĂĚĞĠĨŽƌŵĂĚĂƉŽƌŚŽŵĞŶƐ͕ƋƵĞ͕ƌĞƵŶŝĚŽƐĞŵƌŝƐƚŽ͕ƐĆŽŐƵŝĂĚŽƐ
pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da
ƐĂůǀĂĕĆŽƉĂƌĂĂĐŽŵƵŶŝĐĂƌĂƚŽĚŽƐ͘WŽƌĞƐƚĞŵŽƟǀŽ͕Ă/ŐƌĞũĂƐĞŶƚĞͲƐĞƌĞĂůĞŝŶƟŵĂŵĞŶƚĞůŝŐĂĚĂĂŽ
ŐġŶĞƌŽŚƵŵĂŶŽĞăƐƵĂŚŝƐƚſƌŝĂ͘;ŽŶĐşůŝŽsĂƟĐĂŶŽ//͕Gaudium et Spes, 1.)

103
que cada equipe em reunião poderá refletir. Pensemos nas
distâncias que foram encurtadas, de modo que parece que
o mundo por maior que seja parece ter ficado ao alcance
de nossos cliques num teclado ou mesmo numa tela de
smartphone. Mas será que de fato nos tornamos mais pró-
ximos uns dos outros? É cada vez mais comum ouvir as
pessoas dizerem que as redes sociais, as novas tecnologias
que caracterizam o mundo digital trouxeram o benefício
de aproximar quem está longe, mas o malefício de separar
quem está perto. A respeito disso também o Papa Francisco
em 2014 nos alertou dizendo: “Os progressos dos transportes
e das tecnologias de comunicação deixam-nos mais próximo,
interligando-nos sempre mais, e a globalização faz-nos mais
interdependentes. Todavia, dentro da humanidade, permanecem
divisões, e às vezes muito acentuadas”42.
A velocidade da informação, que caracteriza também o
mundo digital tem sido uma importante aliada na difusão
das notícias e no estabelecimento de relações entre as pes-
soas. Porém, faz-se necessário um exame crítico do que se
está veiculando por meio desses, aí sim, instrumentos de
comunicação. Nosso compromisso com a verdade e com
a difusão da Boa Notícia, ou seja, do Evangelho de Jesus
Cristo, é algo que deve sempre nos fazer refletir acerca do
tipo de informação e da qualidade das relações que somos
capazes de estabelecer entre nós e com o mundo a partir
do anúncio que somos chamados a fazer. Na verdade, nossa
vida deveria testemunhar Aquele mesmo em quem nós cre-
mos e como diria S. Paulo VI, se as pessoas nos escutam é
porque de algum modo somos testemunhas43. Quando nosso

42
PP. Francisco, Mensagem do Santo Padre Francisco para o 48º dia mundial das comunicações so-
ciais͕ϭ͘Ϭϲ͘ϮϬϭϰ͕ŝŶ͗ǁǁǁ͘ǀĂƟĐĂŶ͘ǀĂ͘
43
Cf. PP. Paulo VI, ǀĂŶŐĞůŝŝEƵŶƟĂŶĚŝ, 41.

104
compromisso com Jesus Cristo-Verdade vem em primeiro
lugar, todo o restante deriva desse nosso compromisso pri-
mordial. Assim sendo, em um mundo ferido por notícias
falsas ou mentirosas, muitas vezes fruto da realidade digital
que caracteriza nossa época, a juventude de Cristo deveria
se empenhar em testemunhar e anunciar a Verdade, que
é Cristo Jesus. Somente o anúncio cristão pode nos ajudar
a combater o mundo das más notícias ou notícias falsas
sempre mais recorrentes no mundo hodierno44.
Outro fator muito positivo do mundo digital é a possi-
bilidade de se promover o encontro entre as mais diversas
e variadas realidades e pessoas, o que proporciona, quando
assim cooperamos para tal, a chamada cultura do encontro.
O homem não foi criado para ser só, mas desde os primór-
dios ele é chamado a viver em relação com Deus e com o
próximo, construindo sua vida e a da humanidade nessa
dinâmica de encontros. Hoje em dia chega-se a falar da “vida
em rede”. Aliás, a própria internet quer designar esse estar
em relação como um estar em rede. A comunicação que se
estabelece a partir da internet, principal elemento da era di-
gital, é algo ao qual ninguém hoje em dia consegue se furtar.
Fomos colocados em rede e isso nos desafia a mantermos
nossa identidade e nossa individualidade, enquanto dons de
Deus, em contraposição muitas vezes à liquidez das relações
e a dissolução do ser em um mar de abstração e negação
pessoal. A partir disso derivam-se não poucas desafiadoras
consequências, como a manipulação de dados e informações,
a utilização indevida dos recursos que a rede proporciona,
chegando ao extremo do bullying cibernético45.

44
Cf. PP Francisco, Mensagem do Santo Padre Francisco para o 51º dia mundial das comunicações
sociais͕Ϯϳ͘Ϭϱ͘ϮϬϭϳ͕ŝŶǁǁǁ͘ǀĂƟĐĂŶ͘ǀĂ͘
45
Cf. PP. Francisco, Mensagem do Santo Padre Francisco para o 53º dia mundial das comunicações
sociais͕ϬϮ͘Ϭϲ͘ϮϬϭϵ͕ŝŶǁǁǁ͘ǀĂƟĐĂŶ͘ǀĂ͘

105
Um último elemento é o que se denomina confiança.
Confiar etimologicamente significa “fiar com”, ou seja,
tecer juntos. A história de cada pessoa e de cada comu-
nidade e porque não dizer de cada EJNS vai sendo tecida
na trama das relações e na partilha de vida de seus mem-
bros. Essa tessitura vai revelando o ser de cada indivíduo
e ao mesmo tempo vai manifestando o desígnio salvífico
que sempre esteve relacionado à comunidade e não ao
individualismo. Tecer a nossa história é o desafio de cada
pessoa em particular e da equipe em seu conjunto, tendo
como pano de fundo a história da salvação cuja plenitude
é a história de Jesus Cristo. Nele, no mistério pascal de
Cristo, fé e história se reconciliam e nos ajudam a apontar
um norte positivo para nossas histórias pessoais e comu-
nitárias. Para tecer juntos a história as pessoas precisam
estar dispostas a fiarem-se umas nas outras e a colocarem
em comum o que é o fio primordial de seu viver, para con-
tribuir dessa forma na tessitura de uma relação saudável,
forte e ao mesmo tempo salvífica.

Um olhar positivo sobre o mundo digital


Diante dos desafios e do mau uso do mundo digital
e de seus recursos, pode ser que nos surja a tentação de
“demonizar” esse lugar, esse pátio que deveria ser um
lugar de encontro e crescimento através da partilha e
do colocar em comum dons e talentos que cada ser hu-
mano traz em si. Nessa nova configuração da sociedade
marcada pelos mass media, pelas redes sociais, pelos
avanços técnico-científicos, muitas pessoas tendem a
polarizar a questão por terem experimentado ou teste-
munhado vivências negativas nesse ambiente digital.
Ora, o que a humanidade tem alcançado de positivo com

106
esses avanços é o que nos interessa em primeira mão.
Em seguida, o que nos deve interessar é o quão propo-
sitivos podemos ser nesse ambiente, ao qual não pode-
mos deixar de frequentar. Lembremos que temos uma
mensagem de vida e vida plena para compartilhar com
as pessoas e mesmo nos ambientes digitais, os cristãos
são chamados a serem testemunhas de Jesus Cristo e
toda a sua mensagem de salvação.

“Desde quando se tornou possível dispor da internet,


a Igreja tem sempre procurado que o seu uso sirva o
encontro das pessoas e a solidariedade entre todos. Com
esta mensagem, gostaria de vos convidar uma vez mais
a refletir sobre o fundamento e a importância do nosso
ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do atual
panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de
não ficar encerrado na própria solidão”46.

Se por um lado podem existir pessoas que venham a


criticar negativamente o mundo digital e seus avanços e
conquistas, por outro, precisamos olhar de modo positivo
esse mundo no qual estamos inseridos. Vivemos conec-
tados uns com os outros, independentemente de nossa
vontade. A vida em rede nos faz estarmos conectados, mas
não necessariamente em comunhão, que é um conceito
essencialmente cristão. A comunhão que se expressa so-
bremaneira no corpo de Cristo, pois somos membros uns
dos outros47, pode ser um belo incentivo a que nós nos
empenhemos em nos fazermos mais próximos uns dos

46
PP Francisco, Mensagem do Santo Padre Francisco para o 53º dia mundial das comunicações so-
ciais͕ϬϮ͘Ϭϲ͘ϮϬϭϵ͕ŝŶǁǁǁ͘ǀĂƟĐĂŶ͘ǀĂ͘
47
Cf. Ef 4,25.

107
outros. É escandaloso que haja exclusão e cerceamento
às pessoas no contexto como esse nosso atual. Como é
possível a indiferença aos mais frágeis e sofredores ou
aos diferentes de nós? É verdade que existem afinidades
e afeições que nos estimulam nas nossas relações, mas
elas não podem ser, em nosso caso cristão, um motivo de
divisão. Antes, pelo contrário, deveriam ser um incentivo
a construirmos, por meio do encontro e do diálogo aberto
e sincero, verdadeiras comunidades.
O papa Francisco em sua mensagem para dia mun-
dial das comunicações sociais de 2019 nos orientava
nessa dúplice direção; reconhecer o valor positivo da
internet e dos avanços no mundo digital e da comunica-
ção em geral e o emprego dessas novas tecnologias para
se promover o encontro entre as pessoas estabelecendo
relações e gerando solidariedade. Somos membros do
corpo de Cristo, a Igreja e, por isso mesmo, chamados a
assumir nossa missão e vocação. Quando compreende-
mos a fundo o que isso significa, passamos a perceber
que Deus quis contar conosco para que o Evangelho seja
difundido e a graça dele chegue ao maior número possí-
vel de pessoas. Nosso trabalho missionário, às vezes pa-
rece insignificante diante de um mundo tão vasto, plural
e desafiador, mas cada vez que deixamos de cooperar
com a graça de Deus por conta desses medos, estamos
deixando de ser quem somos, pelo batismo, chamados
a ser. Dessa forma, o cristão que encontrava limites tão
grandiosos para o trabalho evangelizador, hoje é con-
vidado a perceber a riqueza que o mundo digital com
todos os seus avanços lhe proporciona para que aquilo
que parece impossível a nós, comece a tomar forma e
se torne realidade.

108
A cultura do encontro como expressão
da proximidade de Deus
Apesar da vida corrida que se leva hoje em dia, pre-
cisamos todos de nos encontrarmos com Deus, conosco
mesmos e com os outros. É nessa tríplice direção que somos
convidados a estabelecer a chamada cultura do encontro48,
como nos fala o Papa Francisco. Criar a capacidade de, em
meio ao mundo digital com todas as suas peculiaridades,
parar, refletir, escutar aos apelos mais profundos da nossa
alma, escutar Deus que nos fala ao nosso coração e estar-
mos dispostos a escutar e acolher o nosso próximo. Nessa
capacidade de encontro e no exercício da escuta recíproca,
vamos nos tornando quem verdadeiramente somos cha-
mados a ser, seres em relação e em diálogo, construindo
verdadeiras comunidades. O mundo digital não pode ser
uma desculpa para não vivermos nossa vocação.
Jesus Cristo nos ensina como ser protagonistas dessa
cultura do encontro, em que importa estar disposto a ir ao
encontro de cada pessoa, onde quer que ela esteja, para
manifestar com a nossa proximidade, a proximidade do
próprio Cristo. Temos na parábola do Bom Samaritano49
um exemplo disso. Jesus é o Bom Samaritano da huma-
nidade que se ocupa de nossas feridas e dores, se inclina
sobre nós com atenção e ternura, com carinho e cuida de
sarar o que nos adoece. Uma vez tendo sido alvos desse
amor misericordioso de Jesus, nossa missão é a de sermos
como Ele, bons samaritanos para o mundo, indo até aos
confins da terra para revelar em nossas atitudes o amor
de Deus. Quanta gente esperando para conhecer o amor

48
PP. Francisco, Mensagem do Santo Padre Francisco para o 48º dia mundial das comunicações so-
ciais͕ϭ͘Ϭϲ͘ϮϬϭϰ͕ŝŶ͗ǁǁǁ͘ǀĂƟĐĂŶ͘ǀĂ͘
49
Cf. Lc 10,25-37.

109
de Deus nas redes sociais, nos meios digitais e também
na vida cotidiana e como temos sido capazes de levar até
essas pessoas o nosso tesouro, o amor de Deus revelado
plenamente em Cristo Jesus?
Estamos todos conectados, podemos dizer que vivemos
em rede, mas será que essas conexões são suficientemente
fortes para nos manter a todos de pé? Outro elemento que
nos deve fazer refletir é o quanto nossas conexões e rela-
ções virtuais são capazes de nos tornar também próximos
fisicamente uns dos outros. As conexões virtuais tendem
à frieza e ao indiferentismo, quando não ao descarte das
pessoas por meio de relações sempre mais frágeis e super-
ficiais. Nossa demanda de afeto e atenção, de dar e receber
amor, de acolhimento e aceitação fazem com que busque-
mos suprir nas redes o que muitas vezes na concretude da
vida não temos. Com frequência nossos primeiros contatos
com as pessoas hoje em dia se dão por meio digital, mas
essas experiências deveriam nos levar ao encontro pes-
soal, efetivo e afetivo com nossos irmãos e irmãs. Com o
desafio que nos foi imposto pela pandemia, devemos estar
atentos a não nos acomodarmos no distanciamento afetivo
das pessoas, o que geraria não poucos danos à nossa vida.

O testemunho cristão no mundo digital


e suas consequências
Hoje em dia ouve-se muito falar em fake news. Trata-se
de notícias infundadas, mentirosas, com fontes escusas ou
sem fontes, muitas vezes maliciosamente “plantadas” para
confundir, denegrir e até mesmo combater um suposto
inimigo. Nós conhecemos bem quem é o pai da mentira50

50
Cf. Jo 8,44.

110
e não temos parte com ele. Devemos honrar nosso Pai que
é verdadeiro por excelência e é o Pai da Verdade que se
revelou a nós, Jesus Cristo. Nesse sentido, somos convida-
dos a sermos testemunhas da Verdade, que é uma Pessoa,
Jesus Cristo. Ele nos amou e entregou a sua vida para nos
salvar e deseja que todos conheçamos a verdade e sejamos
salvos. Mas se não houver quem comunique essa verdade
aos outros, pode ser que tantos ainda sejam enganados
pelas fake news, que distorcem inclusive o evangelho, o
nosso grande bem para a humanidade.
Jesus Cristo nos convida a sermos seus discípulos-
-missionários51 e é nessa dinâmica que se torna possível
combater o deletério fenômeno das más ou falsas notí-
cias. Infelizmente o mundo da comunicação trabalha em
muitos casos com o que mais vende, e está comprovado
por diversos estudos que o que é ruim, o que é mau e
mazela “vende” mais que o que é bom no mundo das no-
tícias. Desse modo, em um mundo cheio de tantas más
notícias, nosso compromisso cristão com a verdade deve
favorecer uma cultura de difusão do bem, da bondade,
da beleza, da Verdade e do amor. É esse o nosso com-
promisso enquanto jovens cristãos, crescermos em nossa
amizade com Jesus Cristo e dessa intimidade de vida com
Ele empenharmo-nos em levar aos outros essa Boa Nova.
Fazemo-nos discípulos de Jesus quando escutamos sua
palavra, acolhemos seus ensinamentos e buscamos viver
como Ele e como consequência partimos pelo mundo, nas
nossas mais variadas realidades, para testemunharmos
esse amor redentor. É dessa forma que os cristãos devem
se empenhar em construir um mundo novo.

51
Cf. Documento de Aparecida, 276.

111
Os meios de comunicação de que dispomos hoje são
verdadeiros aliados no trabalho da evangelização, para o
qual somos insistentemente convidados pelo Senhor. E
qual será nossa resposta? São Paulo tinha a convicção da
missão a qual ele fora designado, e afirmava: “ai de mim
se eu não anunciar o evangelho!”(1Cor 9,16). Se ele, com
os limites próprios daquele contexto sociocultural foi
capaz de se tornar o maior evangelizador da história do
cristianismo, o quanto não seremos capazes de realizar
se nos empenharmos em utilizarmos em favor do serviço
ao evangelho, todos os recursos de que dispomos hoje?
É essa a nossa urgente missão nesse momento, sermos
protagonistas de boas e belas notícias, tecendo juntos
uma história nova. Tudo isso se torna possível por meio
dessa união entre a mensagem que temos a compartilhar
e o uso adequado dos meios que estão à nossa disposição
hoje. O conteúdo salvífico que Jesus nos deixou revelan-
do o amor e a ternura de Deus para conosco nos leva a
sermos próximos às pessoas, gerando uma cultura do
encontro em que nossas relações se pautem no amor a
Deus e ao próximo e na verdade que salva. Seguindo o
exemplo de Jesus Cristo que passou fazendo o bem entre
nós, devemos ser jovens que desejam passar pelo mundo
fazendo o bem. O mundo físico, com os encontros e rea-
lidades palpáveis que experimentamos e o mundo digital,
onde há milhões de pessoas vivendo e desenvolvendo a
trama de suas vidas, necessitadas de conhecer também
o amor de Deus são os espaços de que dispomos para
vivermos uma vida cheia de sentido e que ajude a vida
dos nossos irmãos e irmãs a também encontrar sentido.

112
Atentos aos sinais dos tempos
e inspirados na vida dos santos
Ora, estar em rede não é sinônimo de estar em comu-
nhão, mas a comunhão que deveria existir entre nós pode
ser um motivo forte o bastante para que nós queiramos
gerar na rede mundial de computadores e seus espaços,
relações saudáveis, fortes e verdadeiras. Pensemos no que
vivemos em 2020 e nos efeitos disso ainda neste ano e da-
qui em diante. Uma pandemia que nos forçou a todos o
repensar de nossas vidas e relações. Precisamos, repenti-
namente, estar separados para podermos preservar o dom
da vida e tivemos de adotar uma série de medidas que, de
algum modo, modificaram drasticamente nossas relações.
Em meio a tudo isso, houve grandes benefícios, mas tam-
bém enormes e irreparáveis perdas. O que, no entanto,
penso ser importante é que reflitamos acerca do modo e
da necessidade de nos mantermos em relação. A pandemia
mostrou-nos que é possível, graças ao elemento virtual,
estarmos juntos ainda que separados. Tornou-se possível
fazer-se próximo de quem nem pensávamos poder estar
próximos, mas evidenciou que necessitamos estar atentos
a quem está fisicamente bem perto de nós, e que por tantas
vezes acabamos por ignorar.
Santo Agostinho, cuja história de vida bem conhece-
mos, afirmou que “a gente só ama aquilo que conhece”52. É
preciso conhecer Deus em seu mistério plenamente reve-
lado em Jesus Cristo para que o possamos amar. É preciso
conhecer nossa fé e sua doutrina para que amemos de ver-
dade a nossa Igreja. É preciso conhecer os meios digitais
hodiernos para sermos capazes de amá-los e bem usá-los

Ĩ͘^͘ŐŽƐƟŶŚŽ͕͘͘͘
52

113
no exercício de nossa missão evangelizadora. Mas quando
se trata das pessoas, nós devemos nos deixar motivar pelo
amor de Deus para irmos ao encontro do nosso próximo
e o conhecimento que brota do amor que nos motivou vai
sendo verdadeiro e autêntico. Mais que um conhecimento
teórico, estamos falando aqui de um conhecimento que é
fruto da partilha, da experiência do encontro, da proximi-
dade e da partilha de vida. Por amor a Deus e ao próximo
nos lançamos em missão, sendo testemunhas do que Deus
fez e faz em nossa vida e mesmo sem conhecermos quem é
o nosso próximo somos capazes de lhes anunciar com nosso
testemunho a verdade de nossa fé. Quando compreende-
mos que somos todos irmãos, entendemos que precisamos
nos deixar guiar pelo imperativo do amor, que, neste caso,
precede o conhecimento e nos impulsiona a levar a todos,
indistintamente a beleza da fé, a alegria do evangelho e a
fortaleza do amor.
Maria Santíssima nos ensina todas essas lições com a
sua pronta disponibilidade em servir Isabel, sua prima an-
ciã que estava grávida53. Se soubesse hoje que Isabel estava
grávida e inspirava cuidados em virtude de sua idade avan-
çada, certamente Maria não mandaria uma mensagem por
aplicativo a Isabel, mas continuaria botando o pé na estrada
e se dirigindo apressadamente para estar com sua prima.
Talvez ela enviasse uma mensagem avisando que estava a
caminho ou faria até uma chamada de vídeo para fazer sa-
ber imediatamente a Isabel o que acabara de lhe acontecer.
Mas nada disso a impediria de ir ao encontro de Isabel ou a
levaria a acomodar-se em sua casa sem expressar de modo
concreto sua proximidade a ela. Que ela interceda por nós

53
Cf. Lc 1,39-45.

114
todos e nos inspire atitudes concretas que revelem nosso
amor, por meio da proximidade, do encontro, da tessitura
de relações verdadeiras, como foram as dela com Deus,
com Isabel e com a Igreja e é ainda hoje, pelo mistério da
comunhão dos santos, com todos nós, membros do corpo
de Cristo, a Igreja.

Textos Bíblicos:
Lc 1,39-45
Lc 10,25-37
Ef 4,20-25

PE. FRANCISCO REINALDO G. OLIVEIRA


Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

115
ANOTAÇÕES DO TEMA

116
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

117
TEMA 7
ACOMPANHAR E SER ACOMPANHADO

“Ganhai o coração dos jovens por meio do amor”.


(São João Bosco)

No livro de Lucas, capítulo 2, percebemos que Jesus


cresce e aos poucos está se ocupando em seu projeto de
vida, a missão que o Pai lhe confiou. A família de Nazaré
se entrega ao projeto de vida que Deus havia designado,
mesmo que em alguns momentos houvesse a necessidade
do direcionamento, seja na aparição do anjo Gabriel para
Maria ou em sonho a José. O fato que sempre precisamos
em algum momento de alguém que nos ajude na caminha-
da, a discernir a vontade de Deus em nossa vida.
O papel de quem acompanha não é daquele que deci-
de por mim diante das minhas dúvidas, ou de alguém que
posso transferir minhas responsabilidades, mas alguém
que orienta, que questiona para que a resposta que venha
de Deus apareça.
Basta percebemos que mesmo nas aparições de Nossa
Senhora ou no caminho de santidade dos nossos santos,

119
Deus manifesta seu amor a humanidade como um pai que
cuida de seus filhos, um pai que cuida e não quer que seus
filhos se percam. Por isso acompanhar ou deixar ser acom-
panhado requer uma vivência de abertura e de confiança.
Porém, mesmo diante dos tempos em que vivemos,
em que o individualismo é sempre crescente, podemos
identificar alguns pontos que acompanhado e acompa-
nhante deve levar em conta: o primeiro é a urgência de
uma convicção sem reservas sobre o acompanhamento
espiritual, seguida de uma densa experiência pessoal de
acompanhamento. É impossível oferecer ao outro aquilo
que não se tem. O clima de proximidade de familiarida-
de é imprescindível no acompanhamento, portanto na
escolha do casal e do conselheiro leve em conta além da
experiência pessoal de vida mas também a abertura e a
proximidade que devemos ter, possibilitando assim uma
aproximação de ambas as partes. O exemplo carismático
do acompanhamento espiritual, o conhecimento de Dom
Bosco como diretor espiritual dos jovens, do estudo da
riqueza do humanismo cristão como o de S. Francisco
de Sales pode ser tornar um exemplo para uma consis-
tência a itinerários de crescimento integral dos jovens.
Assim como a experiência pessoal vivida por João Bosco
quando criança que o ajudou a ser um importante dire-
tor espiritual dos jovens, a experiência pessoal também
possibilitará a você, jovem, viver uma vida adulta com a
certeza das respostas de Deus. O terceiro é o da proposta
formativa através da partilha e do estudo do tema propos-
to possibilitando você a aprofundar sua fé. Nem sempre
a opção mais segura é aquela que lhe ajudara a crescer,
portanto, partilhar sempre será uma boa iniciativa para
que você cresça na fé e escute a voz de Deus.

120
Entenda que a proposta das reuniões formais é um iti-
nerário formativo que com sua participação efetiva e fiel aos
encontros será como um caminho seguro que lhe ajudara
a chegar ao seu destino, e respondendo bem a proposta da
vivência da EJNS você chegara aos resultados desejados.
Um das principais funções do conselheiro espiritual nas
EJNS é auxiliar o contato com a Igreja do Brasil. Colocando
os conselheiros em sintonia constante com os jovens e a
Igreja, ajuda a manter os jovens do movimento orientados
em relação ao que a Igreja nos pede agora.
Não se pode viver um movimento da Igreja sem ser
Igreja, esta é uma das preocupações que você, jovens, con-
selheiros e casais, também devem partilhar e refletir nos
encontros formais. Como melhorar nossa vida eclesial em
uma participação ativa e que dê resultados na minha vida
pessoal, como cristão e como cidadão.
A Igreja apresenta inúmeros documentos ou orienta-
ções sobre as finalidades e as características do acompa-
nhamento espiritual em diversos momentos dos fiéis, e
devemos compreendê-las como processo de evangelização
de todos os tempos. Podemos dizer que a proposta do acom-
panhamento também é realizada a intenção de evangelizar.
Com espírito de alegria que brota do Evangelho, o Papa
Francisco oferece na Evangelii Gaudium diversos meios para
orientar a evangelização do mundo moderno. Sob a sua guia,
nós, cristãos, nos encontramos no momento privilegiado
para compreender e aprofundar o conteúdo da fé no contexto
cultural em mudança. O Papa convida a “recuperar o fres-
cor original do Evangelho”, encontrando “caminhos novos”.
E convida-nos a “uma conversão pastoral missionária, que
não deixa as coisas como estão”, uma reforma das estruturas
eclesiais para que todas elas se tornem mais missionárias.

121
A fé não muda em seu conteúdo essencial, mudam as
pessoas e o contexto em que a experiência de fé pode ser
testemunha de vida. De fato, não é fácil distinguir clara-
mente em nossos dias o primeiro anúncio do Evangelho
da nova evangelização de quem já é batizado. A paisagem
religiosa mudou radicalmente também nos países onde a
igreja está presente desde tempos antigos.
Por isso é evidente a convicção de uma conversão ur-
gente na Igreja: a vida pastoral vem enfrentando uma neces-
sidade de salto de qualidade, recuperar o diálogo pastoral
na forma de acompanhamento espiritual pessoal. Como a
água para os peixes no rio é um instrumento fundamental,
também a pastoral precisa do acompanhamento pessoal da
vida cristã: o acompanhamento é a condição possível para
reler a própria vida a luz do Evangelho. Quando a pastoral e
o acompanhamento se excluem reciprocamente deteriora
a evangelização.
Pensar frequentemente em uma forma que nossa
experiência pessoal possa estimular outros jovens é ser
também um jovem equipista comprometido com a nos-
sa evangelização que tanto fala o Papa Francisco: jovens
evangelizadores de jovens. Precisamos de uma Igreja mais
otimista capaz de contagiar as pessoas pelas experiências
positivas que fazemos.
Hoje em nosso contexto social em um mundo cada vez
mais virtual e digital devemos nos compreender como in-
fluenciadores e evangelizadores, que somos promotores
da paz nos ambientes virtuais a partir de experiências
pessoais, por isso devemos também aproveitar os novos
meios de evangelização através de novos recursos digitais
em novos tempos.

122
Ao longo da história, a Igreja recorreu à prática pas-
toral da “direção espiritual” como meio privilegiado para
a personalização da fé e o discernimento do crente no seu
caminho para Deus.
Veja, decidir se abrir ao acompanhamento espiritual
não é uma coisa tão nova na vida da nossa Igreja, mas já faz
parte como itinerário para Deus, caminho seguro que cabe
ao acompanhado abrir-se a experiência, pois a função do
conselheiro será sempre guiá-lo para Deus. São João da Cruz
nos lembra sobre a função do conselheiro na vida do cristão:

“Lembrem-se aqueles que orientam almas, e considerem,


que o principal agente e guia e movente das almas neste
negócio não são eles, mas o Espírito Santo, que jamais
perde de vista o cuidado delas, e que eles são apenas instru-
mentos para encaminhá-las na perfeição da fé e da lei de
Deus, segundo o espírito que Deus vai dando a cada uma.
E assim, a sua preocupação não seja dirigida a adequá-las
à própria maneira e condição de ver as coisas, mas a terem
o olhar fixo no caminho e para onde Deus as leva, e se não
o sabem fazer, deixem-nas e não as perturbem”.54

Não é a mesma coisa saber que Deus me ama e ex-


perimentar pessoalmente o amor de Deus, por isso a
experiência pessoal do acompanhamento deve me levar
uma profunda experiência de ser Igreja, sobretudo na
vivência sacramental.
Dom Bosco apresentava o sacramento da penitência
como ótima oportunidade e um espaço privilegiado, um
espaço de educação a fé dos jovens, onde se torna um sinal

54
S. JOÃO DA CRUZ, Chama vida de amor 3, 46.

123
visível da experiência pessoal com Deus. A meditação da
palavra na escuta atenta a voz de Deus em nossa vida são
caminhos que conduz ao amor Dele.
Nas palavras de Jesus, quando foi encontrado por Maria
e José no templo aos 12 anos, vamos “ocupar com as coisas
do Pai”, mas antes de tudo precisamos crescer na fé escu-
tando qual é o plano de Deus em nossa vida. E você como
tem feito seu acompanhamento espiritual? O que podemos
melhorar em nossa equipe de base para que casal, conse-
lheiro possam ser portadores do amor de Deus na vida de
cada jovem equipista?

Padre Jonathan Costa


Salesiano de Dom Bosco

124
ANOTAÇÕES DO TEMA

125
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

126
TEMA 8
LIDANDO CONSIGO

“Se a meta principal de um capitão fosse preservar o seu


barco, ele o conservaria no porto para sempre”.
(São Tomás de Aquino)

Quem sou eu?


Pergunta que nasce com o humano, que atravessa as cul-
turas e se desdobra em múltiplas vozes. É ancestral e atual, e
não se tornada obsoleta com o desenvolvimento contempo-
râneo. Antes, mais necessária, pois em meio aos estímulos
acelerados da nossa época corremos o risco de perder nosso
próprio fio no labirinto dos novos acontecimentos.
A resposta nunca pode ser produzida pelo empenho,
mas apenas pelo desejo constante e abertura para os encon-
tros vivos que trarão indícios. Encontros como presença,
vigilante, aberta e expectante para visitas do infinito em
várias formas.
O ser humano nasce incerto e inacabado e, assim, será
um eterno aprendiz a construir-se como sujeito, tornando-
-se pessoa: um ser de relações no itinerário existencial e

127
nisso está a possibilidade e o paradoxo de saber quem sou
eu diante do outro. Presença viva, abertura para o encontro
entre eu e tu, entre tu e eu, dito de várias formas e cores.
Quem sou eu? Como expressão própria do sujeito, do seu
acontecer. Pois, sem essa relação com o que radicalmente cor-
responde, há o perigo de consumir-se nessa ânsia, sobretudo
na fase da juventude, quando os conflitos, as crises tornam-se
mais acentuadas. Somos afetados de diversas maneiras pela
realidade, além das muitas tentativas de nossa parte de in-
fluenciar esta realidade. Desejamos modos, coisas, pessoas,
situações. Surgem dentro de nós roteiros de vida, adquirimos
traçados para caminhar e conhecimentos que nos orientam.
Nossos roteiros de vida, põe-nos diante de várias possi-
bilidades ou limitações diversas, seduções, ofertas, cópias
de outros. Uns com mais coragem, buscam. Outros, mais
receosos aguardam ordens ou aplausos para ir adiante.
Adotamos, então, regras, modelos.
Quem sou eu? Na reflexão existencial, é mister que
o jovem se desafie e na sua audácia, divagando nas suas
ideias que refaça o caminho, descendo ao porão em busca
do eu real, posteriormente sair deste recinto e ingressar no
grande teatro do mundo, deparando-se com as almas nuas
na aparência, idênticas quanto a essência, entram em cena
para assumir seus papéis e seus trajes. Neste dualismo tor-
na-se evidente o eu ideal. Afinal, viver é para os corajosos.
Quem sou eu? Somos biografia, fazemos caminho. O ca-
minho que a gente faz e o caminho em que a gente se torna.
Vamos nos tornando alguém: pensa como sujeito, constrói
um Eu, ama a liberdade, quer decidir fazendo escolhas, quer
um futuro bom. Ser jovem é muito bom. É nessa fase da vida
que nossos sonhos desabrocham, que queremos mudar tudo e
todos. Uma fase de fazer a diferença, mas é preciso coragem e

128
competência para ser diferente e a fazer a diferença. “A juven-
tude não é apenas um período de vida [...], mas uma qualidade
de alma que se caracteriza precisamente por um idealismo
que se abre para o amanhã.” (São João Paulo II). Assim, nos
identificamos com coisas e pessoas e seus modos de ser.
Quem sou eu? Um questionamento que todos devem
fazê-lo, mas isoladamente, cada um por si mesmo. “Quem
não se interroga sobre si mesmo não conduz uma vida
humana” (Platão). O fato de um outro se perguntar quem
ele é não serve, de modo algum, para a solução da minha
pergunta (Mc 8,27-29). O homem pode definir-se como li-
berdade. Afinal, no contexto juvenil é uma peça relevante
para as aventuras, desbravar horizontes, enfrentar desafios.
Ademais, somos o único ser livre da natureza. Mas, ser li-
vre é perigoso. Pelo exercício da liberdade podemos criar
a desolação: matar milhões de pessoas, destruir o mundo
com instrumentos bélicos que nossa liberdade criadora faz.
Finalmente, podemos destruir a nossa vida pelo suicídio,
que chegou a ser exaltado como a maior liberdade do ser
humano (Shakespeare). Por tudo isso, a liberdade não é
absoluta. Não pode fazer qualquer coisa. Ela precisa impor
a si mesma regras, autodeterminar-se, autogovernar-se.
Afinal, quem sou eu?

Como é possível dizer sim à vida apesar da dor,


culpa e morte?
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto
desencontro pela vida.” (Vinícius de Moraes).

O ser humano sempre procurou fugir de sua condição


natural cotidiana, empregando substâncias que aliviassem
seus males ou que propiciassem prazer.

129
A vida é perpassada de encontros e desencontros. Todos
empreendemos esta viagem no trem que nos conduzirá a úl-
tima estação na realidade escatológica. Neste ínterim, nossa
maneira de perceber a realidade nos leva a ver e praticar
certos comportamentos diante da existência. Alguns com-
portamentos são bons, produtivos, realizadores. Enquanto,
que outros nos perturbam, nos inibem, nos causam culpabi-
lidade, vergonha. Tememos viver e não merecer aprovação,
não ser aceitos. Há desvios no caminho, enganos.
Não gostamos de críticas. Ajuda? Como a recebemos?
Conselhos, quais escutamos? Que vozes escutamos? Coisa
boa e saudável é autocrítica, revisão de vida à luz do amor
com Deus que nos ama. E como perceber que Deus estava
conosco neste caminho? Era também um caminho religioso
que se foi tornando caminho de fé? Deus amigo e parceiro,
Deus inspiração, Deus abençoa, aprova, estimula, chama
para o crescimento?
A vida é cheia de acontecimentos que produzimos e outros
que nos chegam às nossas circunstâncias de vida. Quem nun-
ca se apaixonou e acreditou que esse amor era para sempre
e travou por ele batalhas com tudo e com todos? O jovem é
intenso na defesa de seus ideais. Gosta de aventuras, aprecia a
corpolatria, o discurso direto... É ou não é. Neste contexto cres-
cemos, sofremos e vamos encontrando sentido para a vida.
“Viver é como andar de bicicleta: É preciso estar em constante
movimento para manter o equilíbrio” (Albert Einstein).
Nossa história de vida é uma mistura de lembranças
boas e amargas. Ora somos feridos, ora somos vitoriosos,
conquistadores. E essas realidades ficam em nós como emo-
ções, sentimentos; ficam na memória. Quem não limpa
sua memória, quem não se reconcilia com sua história,
caminha para ser infeliz ou adoentado.

130
A Bíblia é recheada de histórias de pessoas que vive-
ram assim, uma vida ordinária que, em certo momento,
tornou-se extraordinária em Jesus.
Você se lembra daquele começo de tarde em que Jesus
se encontrou com a samaritana? (Jo 4,1-42). Jesus, nesse
episódio, fez questão de marcar a hora: era por volta do
meio dia. Você recorda a hora do seu encontro com Jesus
quando ingressou no movimento das equipes jovens de
Nossa Senhora? Foi a hora marcada para ter um impacto
de amor com Aquele que te ama incondicionalmente.
Aquela mulher foi encontrada em um momento bem
complicado. Meio dia é hora de sol a pino, não é hora de
trabalhar, é hora de comer. Mas o meio dia também serve
para separar a manhã e à tarde, sendo, portanto, um ponto
de divisão.
Não sabemos como foi a manhã daquela mulher, se foi
uma manhã de erros ou acertos, se no trilho da montanha
russa ela se encontrava lá em cima ou lá embaixo. O fato
de ter saído ao meio dia indica que ela trazia no coração a
certeza de que não se encontraria com ninguém e, dessa
forma, ninguém lhe apontaria as atitudes realizadas durante
a manhã. Enfim, ninguém testemunharia seus atos matinais
e as possíveis “quedas” de sua vida. O meio dia era a hora
de se esconder, hora de não ser vista nem ser encontrada.
A samaritana carregava em si tantos erros, que se au-
tocondenava, fazendo de seus erros na vida, uma vida de
erros. Não via a si mesma de maneira positiva. Já tinha se
convencido de que seus erros a definiam, como um erro.
A manhã tinha sido toda errada, ela não alcançara seus
objetivos. E chega ao meio dia cansada, com o balde na
mão, e com sede. Estava cansada da sua vida. Vamos re-
fletir: Quantas vezes não nos vimos assim, cansados, com

131
vontade de “chutar o balde” e desistir de tudo, desistir de
nós mesmos? Lembremos da montanha russa. São os mo-
mentos de alta e baixa ou subida e descida.
Tudo parecia uma penumbra, mas eis que quem apa-
rece? Jesus. A esperança, a luz, a segurança. Interessante!
Ao invés da mulher pedir favor a Ele, é Ele quem pede a ela.
Deus pede um favor a uma mulher que viveu uma manhã
sem esperança.
Ela se apresenta naquele momento pensando em sua
manhã, considerando-se indigna e assumindo sua derrota.
Então, o olhar de Jesus é lançado a ela: “Dá-me de beber” (v.
7). E ela talvez tenha dito a si mesma: Poxa vida, no momen-
to em que condeno a mim mesma, Jesus aparece e pede.
Nessa hora, o olhar de Jesus parece falar: Pare com
isso, o erro não é você. Vamos recomeçar, dá-me seus er-
ros. Vamos juntos recomeçar. O olhar de Jesus é diferente,
pois olhos que olham são comuns, mas olhos que veem
são raros.
Apenas uma atitude assim é capaz de nos fazer es-
quecer de tudo o que não deu certo. Somente uma atitude
desta faz o milagre de reerguer o caído e dar esperança ao
desesperançado.
Jesus olhou para aquela mulher não para condená-la,
mas para libertá-la. Em certo momento do colóquio, ele
aponta a verdade daquela mulher. E tudo o que ela precisava
era ter a capacidade de dizer: Eu sou isso. Diante de Deus,
máscaras não funcionam.
Reconhecer é o primeiro passo para contemplar a
tarde. Enquanto temermos os malefícios da manhã, não
seremos capazes de adentrar a tarde.
Jesus nos revela a nós mesmos. Ele é a Palavra que
liberta (Jo 8,32). É o poder do olhar que restitui, Ele não

132
olha a prostituta, mas sim a mulher; não olha o ladrão,
mas o discípulo; não olha o pecador, vê o filho. Faz com
que a samaritana pudesse descobrir as forças que antes
desconhecia e assumir a derrota de sua vida, ao mesmo
tempo, reconhecer nas suas palavras que ela nasceu para
viver (Jo 10,10).
Neste momento façamos a experiência de ocupar o
lugar da samaritana: Imagine você no poço de seus limi-
tes. É meio dia. Momento de divisão entre manhã e tarde.
Como foi a manhã de sua vida? O que se passou? Como você
chegou a este poço? Quais são seus sentimentos? O que se
passa em seu interior? Eis que Jesus chega e diz: Dá-me
seus erros, seus pecados, dá-me sua manhã. E Ele deseja,
ainda, fazer-lhe uma promessa: Quero te dar uma tarde,
mas é preciso tirar-te da manhã.
O sofrimento é o mestre que te ensina e ao mesmo
tempo, te reprova. “Sofrer, escrevia São João Paulo II do
seu leito no hospital após o atentado, significa tornar-
-se particularmente receptivo, particularmente aberto à
ação das forças salvíficas de Deus, oferecidas em Cristo
à humanidade”. Graças à cruz de Cristo, o sofrimento
se tornou também ele, à sua maneira, uma espécie de
“sacramento universal de salvação” para o gênero huma-
no.”55 Todavia, nesta viagem, o potencial humano, nos
seus melhores aspectos, sempre permite: transformar o
sofrimento numa conquista e numa realização humana;
extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo
para melhor; fazer da transitoriedade da vida um incen-
tivo para realizar ações responsáveis.

55
Frei Raniero Cantalamessa, OFMcap – Pregação da Sexta-feira da Paixão na Basílica de São Pedro –
sĂƟĐĂŶŽͲϭϬĚĞĂďƌŝůĚĞϮϬϮϬ͘

133
“A pandemia de corona vírus (COVID-19) nos despertou
bruscamente do perigo maior que sempre correram os indi-
víduos e a humanidade, o do delírio de onipotência. Aquele
que chorou um dia pela morte de Lázaro chora hoje pelo fla-
gelo que caiu sobre a humanidade. Sim, Deus “sofre”, como
todo pai e toda mãe. Deus, escreve Santo Agostinho, por ser
soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em
suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer
resultar do mal o bem”.56 Aproxima-se a próxima parada e
alguns vão se despedir. Quem são os eleitos? Não sabemos,
pois não foram anunciados previamente, tudo é um mistério.
A irmã morte, por São Francisco de Assis, visitou tantas
pessoas. A disfarçada gripezinha foi protagonizando além
do cenário de morte também causou doenças psicológicas:
a ansiedade, a síndrome de pânico e o estresse. O que co-
meça a tomar forma é a radicalização da desconstrução de
tudo aquilo que foi inaugurado na modernidade, sinalizada
pelo que matematicamente podia ser constituído, e que
oferecia segurança aos indivíduos. A sociedade pós-moder-
na é a sociedade dos indivíduos. Com a dinamicidade das
mudanças de padrões desta época, poderemos pressentir
o vazio que invade o mundo contemporâneo, sinalizado no
modo com o qual as pessoas vivem a experiência da mor-
te. É preciso vivenciar e passar pelo luto, pois, os demais
passageiros seguirão ocupando seus assentos, nós estamos
inclusos em um destes vagões, o Kronos vai adiante na sua
viagem rumo ao Kairós.
Diante deste quadro, as dificuldades que parecem
enormes são a oportunidade para crescer, e não a descul-
pa para a tristeza inerte que favorece a sujeição. Mas não o

56
Ibid.

134
façamos sozinhos, individualmente. O samaritano procu-
rou um estalajadeiro que pudesse cuidar daquele homem,
como nós estamos chamados a convidar outros e a encon-
trar-nos num “nós” mais forte do que a soma de pequenas
individualidades; lembremo-nos de que “o todo é mais do
que a parte, sendo também mais do que a simples soma
delas”. Renunciemos à mesquinhez e ao ressentimento de
particularismos estéreis, de contraposições sem fim. Dei-
xemos de ocultar a dor das perdas e assumamos os nossos
delitos, desmazelos e mentiras. A reconciliação reparadora
ressuscitar-nos-á, fazendo perder o medo a nós mesmos e
aos outros.57
Santo Agostinho fala de uma “memoria amoris”, me-
mória de amor, lembrança amorosa do que já se viveu.
Refere-se ao recordar agradecido, lembra que foi o amor
cuidadoso de Deus que ajudou nas trilhas de outrora; mes-
mo tendo havido descaminhos ou feridas, hoje o passado
está restaurado. Lembrar-se do bem acontecido, das opor-
tunidades aproveitadas, das interpelações escutadas e das
superações de alguns percalços leva a bendizer a vida, a
um sentimento de agradecer e louvar (Sl 150).

É Preciso Saber Viver


“A vida só pode valer se tiverdes a coragem da aventura”
(Papa Bento XVI).

Sentimentos, emoções e afetos constituem a cor e a


música que dão vivacidade à nossa vida. É preciso ter cui-
dado para mais tarde não sofrer. O coração humano expe-
rimenta com facilidade várias formas de agressividade e

57
Carta encíclica &ƌĂƚĞůůŝdƵƫ do Santo Padre Francisco sobre a fraternidade e a amizade social, n. 78.

135
hostilidade. A vida não é feita de ilusão. A percepção que
uma pessoa ou uma situação representa um obstáculo ao
bem-estar próprio ou de outros gera uma tensão contra cujo
objetivo é a eliminação ou a domesticação do obstáculo aos
próprios desejos.
É preciso saber viver. Toda pedra no caminho, você
deve retirar: ira, cólera, irritação, raiva, ressentimento,
ódio, desprezo, indiferença, hostilidade, inveja, ciúme.
Se o bem e o mal existem, você pode escolher. Na Sagra-
da Escritura, encontramos um episódio em Gn 4,1-16: Caim e
Abel. Trata-se de uma narrativa com uma situação de inveja
e ciúme entre irmãos. A verdadeira raiz do pecado de Caim
é a inveja: “Caim ficou, então, muito enfurecido e andava
de cabeça baixa” (v. 5), porque Yahweh gostou de Abel e da
sua oferta, e não gostou de Caim e da oferta dele.” (vv. 4-5).
Estupenda é a imagem usada no v. 7: “O pecado está
junto à porta, como fera acuada, espreitando você”. Caim
não aceita a instrução de Deus (v. 8). Deus intervém com
uma pergunta exata: “Onde está o seu irmão Abel?” (v. 9).
Caim revela-se arrogante: “Por acaso eu sou o guarda do
meu irmão?” (v. 9). Deixa-se levar pela ira, quer dizer: ele
sente e consente. Poderia dominar o instinto e o sentimen-
to. Ao contrário, decide, responsavelmente, consentir. O
sentimento não dominado acaba dominando e semeando
ódio e morte. Caim não consegue olhar para dentro de si,
reconhecer os sentimentos que o habitam e decide consen-
ti-los. Ao mesmo tempo, permanece vítima da projeção:
a culpa do seu mal-estar é o outro, está em Abel (assim
como Adão culpou Eva, e Eva culpou a serpente...) e mais
ainda em Deus, que faz diferenças e privilégios (ou que
coloca limites e proibições). Portanto, para encontrar no-
vamente a paz, torna-se necessário eliminar o adversário

136
(como acontecerá em outros tempos com Jacó, Saul, Davi...e
conosco). A projeção que justifica a eliminação do irmão
parece bem viva na sociedade hodierna.
Deus é “pai” e, também, “mãe”, não “um tirano” (Papa
Francisco).58 Sente raiva e dor, mas mantém um olhar mi-
sericordioso sobre Caim: “Minha culpa é grave e me ator-
menta (vv.13-14). Caim experimenta que Deus é sempre
misericordioso e coloca este filho fratricida sob a sua prote-
ção, para defendê-lo de qualquer vingança (v. 15). A marca
na testa é um novo sinal da proteção de Deus também para
com os pecadores, até o fim dos tempos (Ap 14,1).
Numa flor que tem espinhos, você pode se arranhar.
Se a agressividade toma conta, ela se torna incontrolável,
gerando um círculo vicioso de morte e destruição. Mas,
adequadamente canalizada, pode gerar um círculo virtuoso
e tornar-se origem das artes e dos trabalhos (Mt 18,21-22).
Inicia-se, assim, a história dos irmãos e ela continua ao
longo dos séculos. Raiva, ciúme, inveja caracterizam a vida
dos doze irmãos, das doze tribos, dos reis (cf. 1Sm 18,6-29:
o ciúme de Saul para com Davi; 2Sm 11-12: a experiência
de Davi, violento até a morte...), dos povos (Lc 9,51-56: má
acolhida por parte de uma aldeia da Samaria), dos apósto-
los (Mc 10,35-45). Resumindo a lição dessa história, Jesus
conclui: “Pois é de dentro do coração da pessoa que saem
as más intenções” (Mc 7,21-22). Jesus afirma que não são as
coisas externas que contaminam o ser humano, mas o que
está dentro do coração. O coração é o lugar das decisões:
antes das ações externas, existem as intenções, os pensa-
mentos, os projetos, as obsessões de mal que cultivamos e
alimentamos dentro de nós.

ƵĚŝġŶĐŝĂ'ĞƌĂůŶĂ^ĂůĂWĂƵůŽs/;ϭϳĚĞũĂŶĞŝƌŽĚĞϮϬϭϵͿ͕ĐŝĐůŽĚĞĐĂƚĞƋƵĞƐĞƐŽďƌĞŽWĂŝEŽƐƐŽ͘
58

137
É preciso saber viver, portanto, para dominar e não
ser dominados, é necessário tomar consciência das neces-
sidades, das emoções e das intenções presentes no nosso
coração, para determinar com liberdade e responsabilidade
a expressão mais adequada e construtiva.
É preciso saber viver, pois existem também emoções
ligadas a situações agradáveis, que dão segurança, que sa-
tisfazem, a tal ponto que gostaríamos que perdurassem
sempre (Lc 9,33: “Mestre é bom ficarmos aqui...”). Vem à
tona as emoções da euforia, felicidade, alegria, ternura,
solidariedade, simpatia, gratidão, atração, paixão, admira-
ção, maravilha, encanto. Descobrimos, progressivamente,
que somos feitos para amar a nós mesmos, os outros, a
natureza e a Deus, e as nossas emoções mais agradáveis
manifestam tal realidade.
Nossa mestra é a Maria do Magnificat (Lc 1,39-56). Um
grande evento entrou na vida de Maria: como pode viver esse
acontecimento? Como sempre acontece, o evento é, ao mesmo
tempo, uma mistura íntima de alegria, de constrangimento e
de dor. Com esses sentimentos mistos, Maria encaminha-se
na direção das montanhas da Judéia. Entrando na casa de
Zacarias, recebe a saudação de Isabel, plena do Espírito Santo:
“Você é bendita entre as mulheres, e bendito é o fruto do seu
ventre”. De repente, sem precisar de tantas palavras, Maria
sente-se compreendida, sente que o seu segredo é entendido
à luz do Espírito Santo com amor, com benevolência, com
confiança. No começo Maria fala de si: a sua experiência, a sua
alegria, a maravilha; mas logo o sujeito é Deus: Ele olhou, fez,
dispersou, derrubou. A partir da experiência pessoal, Maria
consegue perceber o projeto de Deus na história da humani-
dade. A sua vida é contemplada dentro do plano de Deus: O
Mistério gera admiração, maravilha, gratidão.

138
Os apóstolos também foram educados pelo Mestre,
a respeito dos sentimentos de alegria (Lc 10,21-24). Con-
cluindo a missão pré-pascal, eles voltam cheios de euforia
e felicidade (v. 17). Jesus, depois de ter escutado com aten-
ção, convida-os a passar da felicidade à alegria (vv. 18-20):
a missão, mais que ocasião de sucesso e manifestação de
poderes, que geram felicidade, revela o amor e a ternura
de Deus Pai para conosco, fonte da nossa alegria. O próprio
Jesus exulta a partir da sua interioridade, no que há de mais
profundo na sua relação única de amor com o Pai: “Nessa
hora Jesus alegrou-se no Espírito Santo” (v. 21). É a alegria
de ser o que somos porque o Espírito nos revela o amor do
Pai, porque o amor de Deus é constantemente derramado
no nosso coração (Rm 5,5).
Nós também somos convidados a criar espaço para ale-
gria criativa e contagiante que está dentro de nós, para que
possa emergir vencendo o mau humor, a fadiga, o tédio, a
irritabilidade. É preciso saber viver.

Conclusão
O protagonismo juvenil resgata a historicidade e a di-
mensão social da juventude, abrindo possibilidades concre-
tas de ressignificação e de constituição de subjetividades.
Potencializando o empoderamento do jovem, favorece a
transformação das relações com a sociedade e a supera-
ção de estereótipos e preconceitos, desnudando a alteri-
dade presente nas diferentes juventudes, e possibilitando
a construção de singularidades na coletividade. A partir
desta concepção, investir no protagonismo juvenil significa
romper com a relação juventude-violência-alienação, pre-
sente no imaginário social, e resgatar o jovem como sujeito
ativo de sua história, capaz de pensar e intervir de forma

139
autônoma e criativa sobre os problemas de sua realidade,
e colaborar com o processo de construção do projeto de
desenvolvimento social.

Pe. Ednaldo Virgílio da Cruz


Arquidiocese de Natal - RN

Leituras Bíblicas:
Sl 138
Is 6,1-10
Mt 15,21-28
Mt 26,6-13
Mt 26,69-75
Mt 27,3-6
Mc 10,35-40
Lc 19,1-10

Para partilhar
1. Você conhece os seus medos? Faça uma lista.
2. Quais são os seus bloqueios nas opções importantes,
nas amizades, no perdão, no relacionamento com
os outros?
3. Como e quando você experimentou a proximidade
e a ternura de Cristo crucificado e ressuscitado, que
o convida a ter confiança, a continuar a caminhada,
especialmente quando acredita não ter mais forças
para resistir?
4. Que gesto de coragem poderia realizar, a partir da
fé, para superar o medo?

140
ANOTAÇÕES DO TEMA

141
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

142
TEMA 9
UMA BUSCA PELA FELICIDADE

“A busca de Deus é a busca da felicidade.


O encontro com Deus é a própria felicidade”.
(Santo Agostinho)

Todo ser humano quer ser feliz. O anseio pela felicidade


e as mais diversas propostas para sua satisfação, estão sen-
do formuladas por muitos séculos. Desde a filosofia antiga
até nossos dias, encontraremos diversas sugestões de como
ser feliz, de como alcançar a felicidade.
A proposta de vida é ser feliz. Todos nascemos com
direito à felicidade, ao amor, à liberdade, ao atendimento
de necessidades básicas, nascemos dependendo de outros.
A autonomia que vamos adquirindo conforme vamos nos
desenvolvendo, nos faz repensar nossos direitos.
A humildade primeireia59 nossas relações, é o funda-
mento da comunidade, da família, da amizade e do amor.

ŽŵŽĚŝnjŽWĂƉĂ&ƌĂŶĐŝƐĐŽ͕ƉŽŝƐĚŝĂŶƚĞĚŽƐƐĞƌĞƐŚƵŵĂŶŽƐ͕ŽŽůŚĂƌĚĂĂůƚĞƌŝĚĂĚĞ͕ũƵƐƟĮĐĂ͕ƌĞƷŶĞ
59

e testemunha o modo como cada um se comporta no mundo. A humildade é o modo singular de


ĞŶdžĞƌŐĂƌŽŽƵƚƌŽĐŽŵƐĞƵƐǀĂůŽƌĞƐ͘WŽƌŝƐƐŽĐŽŶĮŐƵƌĂ͕ĂŐůƵƟŶĂĞŵŝƐƚƵƌĂŶŽƐƐĂƐƌĞůĂĕƁĞƐ͕ĞŶƚƌĞŝŐƵĂŝƐ͘

143
A humildade vem da compreensão de meu lugar no uni-
verso. No meio das tensões do individualismo, a humilda-
de oferece uma base para a comunidade humana e para a
união com Deus. Santo Agostinho, nos provoca: “Procuras
a Deus? Procura-o dentro de ti mesmo e sobre através de ti
mesmo” se realmente estamos procurando a Deus, temos
de começar no próprio centro de nossos corações, motiva-
ções e expectativas.
A vida não é acerca de “mim”, mas a vida é acerca de
“Deus”. A auto referência, autossuficiência, vontade pró-
pria, amor-próprio e egoísmo radical são intentos para fazer
de nós, nosso deus. É a humildade que nos faz estar diante
de Deus que é a nossa felicidade. E, nela conseguimos traçar
nosso projeto de vida. Este lança o agir segundo o ensina-
mento de Jesus Cristo, e nele encontramos o saborear das
nossas buscas e conquistas.
Seria importante ter bem claro que existe uma dife-
rença entre o estado de felicidade e o sentimento de feli-
cidade.60 O sentimento de felicidade é muito próximo do
sentimento de alegria. Diante da afirmação: “Eu me sinto
completamente feliz”, oculta-se diversos sentimentos e dis-
posições. Podemos estar diante de uma pessoa satisfeita,
grata, porque os mais profundos desejos cumpriram-se
na vida, ou porque vive uma profunda experiência de
amor, ou porque essa pessoa contemplou um magnífico
espetáculo da natureza, ou realizou uma grande expe-
riência de vida, algo muito superior que ela. A vida é
dinâmica e o ser humano só pode ser feliz se crescer e,
para isto, tem que mudar constantemente. “O que estag-
na morre” diria São Felipe Neri, provocando os jovens

60
Anselm Grün. Pequena escola das emoções. p. 100-103.

144
na busca do “Paraíso”. Se nos tornamos impermeáveis
ao novo, optaremos pelo isolamento, pela alienação e
condenando-nos à infelicidade. Precisamos nos confron-
tarmos sempre com os nossos objetivos e nossas desco-
bertas, pois assim, enxergaremos a fragilidade própria
e a grandeza do outro, num olhar de alteridade.
Alguns acreditam que podem cultivar sentimentos e
felicidade a partir de momentos ou situações que possam
desfrutar. Carregam a força externa para interiorizarem
sentimentos tão singulares. Identificam a felicidade com
o sucesso na vida, o esforço que pelo consumo e a compe-
tição, seguindo uma falsa ideia de que basta trabalhar e
o sucesso chega. Mascaramos nossas conquistas e nossos
projetos com lapsos de momentos, ou numa linguagem
festiva, vemos a beleza dos fogos de artifícios, sentimos
o seu odor, mas perdido na escuridão da noite; a beleza
sem igual, guardada pelas fotos, mas perdida no espaço.
Muitas vezes a felicidade é tão passageira porque não foi
construída. Dom Tolentino ajuda-nos a refletir sobre essa
abertura, no seu livro “Um Deus que dança”, rezando: “en-
sina-nos Senhor que é possível olhar a noite não para dizer que
pesa em todo o lugar o escuro, mas que a qualquer momento
uma luz se levantará”.61
Na filosofia, alguns pensadores vão definir a felicida-
de como estar em sintonia consigo mesmo e desfrutar do
que vivencio agora. Sem deixar-se orientar por uma busca
obstinada pela felicidade que não leva a nada.
A busca da felicidade estava identificada com a bus-
ca da realização do homem, combatendo as concepções
“materialistas” e “mundanas” de felicidade, entendendo-a

ŽŵdŽůĞŶƟŶŽ͕Um Deus que dança, 28.


61

145
como a posse do “bem supremo” que distinguia o homem
de todas as outras criaturas. Aristóteles, foi o primeiro a
usar o termo “makarios”, que em grego quer dizer feliz62,
mas no sentido técnico, que com o desenvolvimento do
termo e do uso, chega até a dizer que empregar a vida para
se conseguir o prazer torna-nos “semelhantes aos escravos”
e lança-nos numa vida “digna dos animais”.
Santo Agostinho na sua obra “Vida Feliz”, fruto de um
diálogo entre amigos em um final de semana, procura
responder sobre a felicidade passando das compreensões
antigas à compreensão cristã. Ele foi bastante influen-
ciado pela leitura de Hortênsio de Cícero, que defendia o
conceito de filosofia como sabedoria e arte de viver que
traz a felicidade verdadeira. Agostinho, num momento
acredita que a filosofia lhe possibilitaria a felicidade que
tanto procurava. Mas, nesse diálogo com os amigos, Santo
Agostinho propõe não mais a filosofia como porto da fe-
licidade, mas a busca e o encontro com Deus, afirmando
que se algo merecer ser designado como dom de Deus,
certamente é a vida feliz. Ele, se serve de uma imagem:
“lançados neste mundo, como em mar tempestuoso, e por assim
dizer, ao acaso e à aventura — seja por Deus, seja pela nature-
za, seja pelo destino (necessitas), seja ainda por nossa própria
vontade. Sucessivamente, por algumas dessas conjunturas, ou
talvez, por todas elas reunidas.”
Depois de sacudidos pela pandemia do novo corona ví-
rus, quando tomamos conhecimento de que “o que sabemos,
sobre nós mesmos e sobre a vida, é bem menos do que pensáva-
mos”, vimos escancaradas nossas fragilidades, inseguranças,
e um despreparo da nossa sociedade, nos reconhecemos

Ĩ͘EƵŽǀŽŝnjŝŽŶĂƌŝŽĚŝ^ƉŝƌŝƚƵĂůŝƚă͕ǀĞƌďĞƚĞ͗ĞĂƟƚƵĚŝŶĞ͕,͘ŽŽŚĂŶ͘
62

146
nessa imagem de Santo Agostinho, “lançados, como em mar
tempestuoso” e certamente, só encontraremos abrigo na nos-
sa experiência de fé, na busca e encontro com Deus.
Em meio a tantas dificuldades precisamos estar aten-
tos para não interiorizarmos a negatividade do momento,
como dissemos acima o exterior pode atrapalhar a maneira
como interpretamos as coisas. Blaise Pascal já nos ensina-
va “a imaginação dispõe de tudo, é uma força poderosa do ser
humano, ela pode ultrapassar nossa razão, mas pode levar a
verdades ou falsidades, podemos ver beleza ou felicidade onde
elas não existem realmente”63
Em um dos títulos da exortação Christus Vivit (Cristo
Vive) do Papa Francisco aos jovens, ele fala de um mundo
em crise, fala de desejos, feridas e buscas que estão re-
lacionados ao corpo, à sexualidade, ao ambiente digital,
à violência, às oportunidades e outras realidades. O Papa
Francisco orienta: “Se és jovem em idade, mas te sentes frágil,
cansado ou desiludido, peça a Jesus que te renove. Com Ele não
falta a esperança” (n. 109). Em meio a uma sociedade que
promove o consumismo, podemos nos questionar se Deus
nos fez seres humanos com anseios e sonhos nobres ou
apenas seres que consomem em shopping centers? Somos
induzidos a comprar coisas de que não temos necessidade
e depois pagamos muito caro com as contas e a frustração.
No fundo, essa sociedade produz uma falsa ideia de felici-
dade. Inclusive, mascara a tristeza como se esse sentimento
não fizesse parte da vida humana, como se as perdas nada
tivessem a nos ensinar. Deus, de verdade, não nos quer ver
tristes, mas todos enfrentamos situações difíceis na vida. O
profeta Jeremias expressou muito bem a nossa esperança

KůŝǀƌŽĚĂ&ŝůŽƐŽĮĂ͕O Globo, 124.


63

147
cristã: “Eu tenho claro meu desígnio em relação a vós – orá-
culo do Senhor! É um desígnio de paz, não de sofrimento: eu
vos darei futuro e esperança!” (26,11), podemos traduzir esse
“desígnio” como um projeto, “um projeto de felicidade”.
As EJNS nos propõe um plano pessoal de vida (PPV),
e estar atento às suas práticas, nos faz buscar a felicidade,
por estar em conformidade com aquilo que é o sonho de
Deus para seus filhos e filhas, buscar primeiro o Reino de
Deus e a sua justiça, porque o que vem consequentemente
é fruto de plena realização, é o contemplar da vida na sua
mais nobre forma, vivendo! Como seria bom descobrir a
força que o jovem beato Carlo Acutis teve no seu tempo,
viver a profundidade do amor que o cercava, pelos pais, e
pelo ardente desejo da Eucaristia. E, no olhar cuidadoso
de Maria, a felicidade era estar com os irmãos e partilhar
o que tinha. “Todos nascemos criaturas originais, e alguns
morrem como fotocópias”, encontrar a felicidade onde a
liberdade reside e a originalidade impulsiona. O modo
como São Felipe Neri ensinava as crianças abandonadas e
“aos seus filhos” a buscar as coisas do alto, conseguiu em
Roma ensinar muitos jovens, que observava seu cuidado e
se motivavam a percorrer as ruas romana peregrinando.
Peregrinação, esta, longa feita durante a noite, para que
pudessem contemplar o breu e descobrir a luz, motivan-
do ainda hoje cada um de nós a estarmos atentos com o
perigo da sedução, do conformismo, do fácil. Precisamos
estar sempre nos indagando: isso me faz bem? Ajuda meu
semelhante? Produz alegria? Felicidade para Santa Teresi-
nha do Menino Jesus: “Se almas fracas e imperfeitas como
a minha sentissem o que eu sinto, ninguém se desesperaria
em alcançar o cume da Montanha do Amor, já que Jesus não
pede grandes feitos, mas apenas gratidão e auto entrega”, e

148
na sua descoberta de privações a plena felicidade vinda do
Senhor, como resposta de uma vida abnegada. Teresinha
acreditava firmemente que essa auto entrega à Deus, combi-
nada com uma igual gratidão por seus grandes dons, era um
caminho para uma paz verdadeira e verdadeira felicidade.
Nas palavras de Viktor Frankl, médico e psiquiatra ale-
mão, fundador da logoterapia, que foi prisioneiro no campo
de concentração, defende que a vida tem um sentido, mesmo
nas mais difíceis situações e dizia: “Não procurem o sucesso.
Quanto mais o procurarem e transformarem em um alvo, mais
vocês vão errar. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser
perseguido: ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral
de duma dedicação a uma causa maior que a pessoa, ou como
subproduto da rendição pessoal a outro ser” (A arte de viver, p. 11).
Assim, a felicidade passa pelas nossas escolhas, pelas
nossas buscas. Cada um de nós é único e chamado a servir
a Deus onde quer que esteja. Por isso, se faz necessário que
elaboremos um projeto de vida, no qual expresse e oriente
essa busca pelo sentido da vida e da felicidade. “Somente
o homem feliz pode consolidar relacionamentos verdadei-
ros”64, a busca da felicidade é uma decisão. Cada um decide
pelo que se propõe, como alcançar seus objetivos. As bata-
lhas da vida são, de modo geral, as mesmas para todos nós.
Enfrentamos dificuldades semelhantes: desavenças, confli-
tos, compromissos, envelhecimento, enfermidades, mortes,
catástrofes e acidentes são experiências comuns. Felicidade
não significa ausência destes elementos. São felizes aqueles
que reconhecem estes acontecimentos como parte da con-
dição humana e não se deixa abater por eles65.

64
Maria Luiza Silveira Teles, &ŝůŽƐŽĮĂƉĂƌĂũŽǀĞŶƐ͕ 58.
65
Cf. Maria Luiza Silveira Teles, &ŝůŽƐŽĮĂƉĂƌĂũŽǀĞŶƐ͕ 61.

149
A partir daqui podemos elencar algumas pedras que
querem impedir nossa felicidade, tais como: necessidade
de aprovação alheia, visão destorcida de obrigações, dever,
críticas infundadas, individualismo, e tantos males que hoje
em dia aprendemos a associar à sociedade. Mas precisamos
encontrar a pedra que dá prumo, ângulo, rejeitada66 mas
que dá base para uma construção bem fundada.
Por isso que a felicidade é um eterno recriar da vida. A
ânsia de viver que nada acalma, é a chama de nossa alma
que clama pela felicidade! Ela só entra em nosso coração,
quando vivemos plenamente.
É preciso emocionar-se, e isto, implica momentos de ale-
gria e de tristeza, e também consiste a vida e ela merece ser
celebrada. Não podemos adiar. Cada vez que somos capazes
de voltar para o nosso interior, contemplar nossas grandezas e
pequenez, viajamos para a busca do caminho de nossa felici-
dade, porque reconhecemos nossa finitude e nos abrimos para
a infinitude do amor de Deus. Essa peregrinação de silêncio,
descobertas e intimidade nos refaz, e deixa-nos convencidos
do quanto podemos refletir à imagem e semelhança divina.
A partir de Santo Agostinho, que nos propõe esse encontro
com Deus, muitos outros místicos descobriram a felicidade no
escalar da vida, degrau por degrau como São João Clímaco,
outros nos afazeres pelo irmão, como Santa Dulce dos pobres,
Francisco de Assis, Camilo de Lélis, Charles de Foucalt e tantos
outros, alguns pela dedicação à oração e à contemplação: Ca-
tarina de Sena, Hildegarda da Bingen, e outros ainda no viver
com plenitude a sua história como o servo de Deus, Guido
Schäffer. Quer alegria maior do que poder enxergar no seu
modo de viver a plena realização das vontades?

66
Cf. Mt 21, 42b.

150
No encontro com nossa história, somos capazes de
nos deparar com a face do Criador, recriando nossa vida,
iluminando nosso caminho e ajudando a compor nossa
história. Debruçar sobre nossas vontades, inquietações e
sentimentos nos faz ultrapassar todo o obstáculo que freia
nossa felicidade. E, tomar consciência de quem somos, do
que podemos alcançar e sermos fiéis aos nossos propósitos,
nos faz comprometidos com o nosso plano pessoal de vida.
Ninguém pode ser feliz sem ser livre.
Na proposta de Jesus, descrita no Evangelho segundo
São Mateus, no sermão da Montanha, podemos descobrir
um ensinamento para a busca da felicidade. Primeira coisa
a observar é o lugar, a montanha, quer ser a nossa subida
para entrarmos em sintonia com Deus, deixando-nos aber-
tos ao diálogo, ligando-nos aos nossos desafios pessoais. O
ouvir é a primeira atitude de quem quer seguir, consegui-
mos realizar algo, quando somos instruídos, e com perse-
verança deixamos as propostas criarem forma, e com elas
aderimos ao programa.
As propostas de Jesus a princípio parecem difíceis, pois
relatam sofrimento e angústias; mas, a sabedoria de Jesus,
ao expor as bem-aventuranças, que contraria a maneira da
época, pois os costumes judeus ensinavam que os sinais
exteriores de prosperidade apontavam para as bênçãos de
Deus. Felizes aqueles que sofrem, choram, passam por lu-
tas, são perseguidos67, etc. Essas são as pessoas que verão
a Deus e que herdarão seu Reino. Jesus usa o sermão da
Montanha como base teológica do seu ministério, como
um programa de vida! Um projeto que é apresentado para
todos nós como um guia de santidade e de felicidade.

67
Cf. Mt 5.

151
Deixemos que as palavras do Papa Francisco nos
iluminem: “Jesus explicou, com toda a simplicidade, o
que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventu-
ranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23). Estas são como que
o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se
questionar sobre «como fazer para chegar a ser um bom
cristão», a resposta é simples: é necessário fazer – cada
qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das
bem-aventuranças. Nelas está delineado o rosto do Mestre,
que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da
nossa vida. A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-
-se sinónimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel
a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si
mesma, a verdadeira felicidade.” (Exortação Apostólica
Gaudete et exusultate, n. 63-64)
Uma maneira de encontrar com o Senhor é ouvir
sua Palavra. Assim, possamos escutar Jesus, com amor
e respeito, que as suas palavras encontrem abrigo em
nossa vida, nos desafie e chame a uma mudança de
vida, para que possamos crescer na santidade, viver
a felicidade verdadeira que buscamos.

Bem-aventuranças dos Jovens


Creio, Senhor, que me criaste para a felicidade
e me chamaste para semeá-la entre meus colegas.
Felizes os jovens que confiam no teu amor;
felizes os jovens que buscam a verdadeira felicidade;
felizes os jovens que, sinceramente,
vivem com a dignidade de batizados;
felizes as jovens que respeitam a dignidade
das pessoas de todas as idades;
felizes os jovens que sabem escolher

152
o melhor caminho no seu dia a dia;
felizes as jovens que são agradecidas
pelos bons conselhos que recebem;
felizes os jovens que conservam a esperança;
felizes os jovens e as jovens
que sabem testemunhar o teu amor
num mundo tão violento e carente de felicidade.
Felizes as jovens e os jovens
que acreditam que serão felizes
fazendo a tua vontade, pois só tu és
“o Caminho, a Verdade e a Vida” Amém!
(Setor Juventude CNBB, Aos jovens com afeto, n. 2)

Quando olhamos para as crianças que com um simples


bater de palmas, uma micagem ou uma cocegazinha solta
uma gargalhada contagiante, demonstrando a felicidade
pelo ato, pois é criativa, espontânea e pura. Precisamos ter
o amadurecimento na vida, mas não perder qualidades que
desde pequenos foi nos ofertadas simplesmente porque
existimos, para que a retribuição na vida do que ganhamos
seja tão intenso como o tempo de corre pela nossa vida.
Contagiemos o mundo com a felicidade de viver, e dei-
xemos Deus ser reconhecido na nossa forma de viver, feliz!

Sugestão de textos Bíblicos:


Mateus 5, 1-12
Mateus 6, 19-21

Pe. Antonio Elcio de Souza


Pe. Márcio Luiz de Souza
Arquidiocese de Ribeirão Preto

153
ANOTAÇÕES DO TEMA

154
PREPARAÇÃO PARA A PARTILHA DE VIDA

PONTO DE ESFORÇO EM EQUIPE:

PONTO DE ESFORÇO INDIVIDUAL:

155
TEMA 10
JUVENTUDE, UMA MISSÃO DE AMOR

“Compreendi que o Amor não deveria


se traduzir somente por palavras”.
(Santa Teresinha do Menino Jesus)

Durante todo o ano de 2020 o movimento procurou ofe-


recer a cada equipe a oportunidade de refletir sobre como
forjar a identidade juvenil no cristão e quais os desafios a
serem encarados para qualificar o testemunho dessa iden-
tidade no mundo, permitindo que o jovem seja luz para o
mundo. Partindo da necessidade de escutar os jovens, foi
possível perceber que a postura juvenil na caminhada da
Igreja sempre foi estratégica; a começar do jovem Jesus,
da jovem Maria, dos jovens santos se pode entender que
o anúncio do queirigma é feito dentro da vocação que é
assumida diante de Deus.
Contudo como já acenava Santa Teresinha, o anúncio
não é feito apenas com palavras, precisa ser traduzido em
um modo de viver que corresponda àquilo que vem descri-
to no evangelho que afirmas seguir. Dentro da exortação

157
apostólica Christus Vivit (n. 138), Papa Francisco convida a
pessoa jovem a “ser para os outros”, a fazer parte de uma
história de amor dando frutos onde, como e com quem es-
tiver. Entrar nessa história e assumi-la como própria, trans-
formando-a. Aqui se enquadra a principal missão juvenil.

Amar ao longo da história


O cristianismo faz parte de uma história que o precede;
Deus que se manifesta aos patriarcas da tradição judaica,
se faz carne em Jesus Cristo e com a força do Espírito Santo
se mantem presente em meio a humanidade, sempre com
o mesmo objetivos: suscitar entre os humanos aqueles que
se disponibilizam a serem sinais e portadores do seu amor
ao próximo.
Aliança é o termo usado para marcar um compromisso
assumido. A aliança de Deus é fruto do seu amor e certeza
da nossa salvação. Sendo ela iniciativa de Deus, temos a
garantia do pleno cumprimento; contudo se engana quem
pensa que amar é ser bobo, Deus não o é. Seu amor é fruto
da compreensão do potencial que cada pessoa possui, sendo
assim o amor de Deus, leva o ser humano a um processo de
maturidade que a coloque na condição de pessoa melhor e
capaz de colaborar para que o Reino aconteça.
Por isso, cada cristão é chamado a desenvolver dentro
de si o verdadeiro amor, dentro dos seus limites e potencia-
lidades, mas sempre em um franco relacionamento Deus,
o autor da aliança. Foi assim com Abraão, Moisés, Israel,
Jesus e será com cada um que se coloca na qualidade de
filho, a exemplo de Cristo.
A maturação desse amor ao longo da vida acontece na
medida em que a pessoa abandona o romantismo para en-
carar a aridez existencial de amar. A aliança que começou

158
na promessa a Moisés, precisou superar o deserto para se
efetivar; a aliança que começou com o anúncio do anjo
a Maria, precisou superar de pé as dores da Cruz para se
efetivar. A aliança de Deus anunciada na adolescência da
vida, precisa superar a juventude em direção um efetivo
cumprimento.

O amor
É mais que conhecida a diversidade das formas de inter-
pretar o amor, em todas as suas dimensões e significados.
Sem a pretensão de desenvolver um tratado e muito menos
de defender o amor verdadeiro (ele fala por si), alerto para
o fato de que o amor se insere dentro de todos os outros
processos de aprendizagem que o ser humano se coloca, e
por isso requer conhecimento e experiência, tempo, prática
e observação.
Entre a visão ingênua e a convicção sobre o que é o
amor, a pessoa tem um longo percurso que forja tanto sua
compreensão quanto suas experiências. Coloco para refle-
xão o hino ao amor.

1Coríntios 13
1
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver caridade,
sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.
2
Mesmo que eu tivesse o dom da profecia,
e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência;
mesmo que tivesse toda a fé,
a ponto de transportar montanhas,
se não tiver caridade, não sou nada.
3
Ainda que distribuísse todos os meus bens
em sustento dos pobres,

159
e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado,
se não tiver caridade, de nada valeria!
4
A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja.
A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante.
5
Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses,
não se irrita, não guarda rancor.
6
Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.
7
Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão,
o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará.
9 A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita.
10
Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá.
11
Quando eu era criança, falava como criança,
pensava como criança, raciocinava como criança.
Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança.
12
Hoje vemos como por um espelho,
confusamente; mas então veremos face a face.
Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente,
como eu sou conhecido.
13
Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três.
Porém, a maior delas é a caridade.

Este mesmo texto tem sabores diversos a depender do


momento da vida em que é lido. Uma criança o lê para os
pais afirmando não ser nada sem esse amor; um adoles-
cente com o desejo de que seja perdoado; os noivos com o
desejo de que jamais passe o amor; os casais em bodas na
esperança de que TUDO desculpa. O próprio autor afirma
que é assim quando, no versículo 11, afirma a necessidade
de mudar com tempo.
Amadurecer no amor é algo fundamental no processo
de desenvolvimento do ser humano, e para o cristianismo

160
essa etapa acontece na juventude; por isso a missão de amar
e cuidar dessa fase é tão importante. É a hora da escolha
pelo amor e da provação da fidelidade desta escolha.

Juventude e Jovem
Dentro da história de cada ser humano tem uma fase da
vida chamada juventude, nela acontecem coisas marcantes
que ajudam a consolidar aquilo que vinha sendo maturado
desde a infância. É momento também em que as energias
e capacidades de transformação são mais significativas, e
que o desejo de colaborar com um mundo melhor tende
a se tornar mais explícito. Na juventude ainda, os seres
humanos buscam definir seu caminho vocacional, profis-
sional, político e ético.
Todos esses motivos permitem afirma que a juventude é
uma fase especial de missão na vida do ser humano, e por isso
carece de atenção da Igreja. Isso porque os tempos atuais
vem sendo marcados por uma forte tentativa de exploração
das pessoas pertencentes a essa fase da vida - é verdade
que começa na fase da infância, mas tem a juventude como
ápice - das maneiras mais perversas e desumanas. Preo-
cupado tais explorações não penetrem o âmbito da fé, o
Papa Francisco alerta que “há crentes que pensam que a sua
grandeza está na imposição das suas ideologias aos outros, ou
na defesa violenta da verdade, ou em grandes demonstrações de
força. Todos nós, crentes, devemos reconhecer isto: em primeiro
lugar está o amor, o amor nunca deve ser colocado em risco, o
maior perigo é não amar.” (Fratelli Tutti n. 92)
Aqui ganha espaço a pessoa inserida na fase histórica
da juventude. Dentro de cada fase da vida humana temos
pessoas com suas luzes e sombras; na fase da juventu-
de, essas pessoas são denominadas jovens. O potencial

161
contido neles atraí as mais diversas áreas, com os mais
diversos interesses. A Igreja, e nela o movimento das
EJNS também se ver atraído, mas ao contrário de tantas
outras áreas exploradoras, sua finalidade é clara: aco-
lhe cada jovem como dom oferecido por Deus para ser
amado e cuidado.
O jovem é o destinatário da missão do movimento, por
isso a juventude é a fase da vida humana em que o movi-
mento é chamado a atuar. O testemunho de cada equipe
é uma forma de dizer, apontar aos outros jovens que ali a
maturação da identidade ganha consistência, a cumplici-
dade entre os pares possibilita autênticas transformações,
a colaboração dos adultos (casal responsável e conselheiro
espiritual) ganha contorno de cuidado e atenção.
Entendendo a equipe como um coração, é possível pro-
vocá-la a pensar em sua capacidade de bombear o amor.
É pensar a consistência desse amor para os membros e
a qualidade destes no confronto com os jovens que não
conhecem o movimento e pergunta:
• Fala-se do movimento com a vida, ou apenas com
palavras?
• Tem um filme de 1998, chamado Patch Adams: o amor
é contagioso (recomendável). O amor vivido em equi-
pe ainda pode contagiar outros jovens?
• Se contagia; quantas novas equipes nasceu desta nos
últimos anos?
A ação pessoal de cada membro é tão importante
quanto a ação enquanto equipe; se individualmente so-
mos encantados com o movimento o que nos impede de
bons resultados também coletivamente. No corpo cada
glóbulo de sangue é importante, mas eles não são nada
sem o coração.

162
Missão de Amor
A tarefa evangelizadora da Igreja deixada por Cristo é
instaurar Reino de Deus por meio de um modo de viver;
esse modo de viver é o Amor. Por isso é certo afirma que a
missão da Igreja é ser testemunha do amor. Enquanto movi-
mento EJNS cada participante é chamado a ser testemunha
do amor em uma fase da vida humana bem delimitada na
história: a juventude; com um destinatário claro: cada jo-
vem. É assim que jovens evangelizam jovens. Sua missão é
amar propondo o Reino como caminho de felicidade, por
meio de uma escolha livre ao amor.
Essa missão é entendida durante todo o processo de
aprendizagem no amor, mas tem sua adesão mais plena
na juventude; no momento em que cada pessoa é chamada
a decidir o caminho a seguir: como pessoa por meio da
profissão, como cristão por meio da vocação, com cidadão
por meio da direção política, como ser humano por meio
da atitude diante do universo.
A missão de amor que a Igreja convida cada jovem a
assumir não é para ser vivida nos limites territoriais do
cristianismo; ela é a condição de possiblidade para a Igreja
em saída desejada pelo Papa Francisco e tão necessária no
mundo de hoje. É por meio da missão de amor que o mo-
vimento tem a oportunidade de tocar no mundo os jovens
que não são e não se sentem Igreja.
Sem demonizar o mundo e conscientes do mundo real
é preciso testemunhar o jeito de ser Igreja que lhes com-
pete como movimento. Dialogando sem medos sobre os
desafios que tocam a vida nessa fase; mostrando que tam-
bém ali Deus se faz presente. Outra atitude importante é
não ser hostil das dúvidas que eles trazem, superando a
visão antagonista entre fé e ciência. O decisivo na missão

163
de amor é deixar claro que independente da condição em
que se encontra a pessoa, Deus a deseja porque sabe do
potencial que ela tem.
O que trava muitas pessoas de assumirem o amor como
missão é temor de não estar sendo fiel aos princípios evan-
gélicos e eclesiais. É um temor legitimo na perspectiva
de quem busca oferecer o melhor aos outros, mas pode
também mascarar a insegurança de fazer uma verdadeira
experiência de fé. Como nós ensina João “Deus é amor, e
quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele. Nisto
é perfeito em nós o amor: que tenhamos confiança no dia do
julgamento, pois, como ele é, assim também nós o somos neste
mundo. No amor não há temor. Antes, o perfeito amor lança
fora o temor, porque o temor envolve castigo, e quem teme não
é perfeito no amor. Mas amamos, porque Deus nos amou pri-
meiro.” (1João 4,16b-19)
Quando a pessoa se deixa guiar pelo amor aprendido
e experimentados em suas mais diversas fases da vida, di-
ficilmente ama de modo errado. Não porque ela se tornou
perfeita, mas porque já é capaz de entender que amar é ter
um profundo respeito pelo sagrado que o outro carrega.

Ide em paz
A pedagogia divina se expressa em um Deus que gra-
dualmente comunica seu amor a humanidade; esse amor
quando encontra acolhida no coração, faz morada ao mes-
mo tempo em que transborda para os irmãos em forma de
testemunho. Ninguém consegue guardar uma boa notícia
por muito tempo, quer logo contar para o mundo.
Foi assim ao longo da história por meio das alianças;
um amor que transcende a língua dos homens e dos anjos
para se torna A VERDADE encontra na juventude a melhor

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fase para se consolidar no coração das pessoas. Os corações
amados por Deus bombeiam esse amor dando força a todo
o corpo místico que a Igreja; mostrando ao mundo em que
depositamos a nossa Esperança.
Estas palavras querem motivar a cada jovem do movi-
mento das EJNS a assumir a juventude como fase de mis-
são para serem testemunhas do amor, mas não vos quer
iludir com a possibilidade de um caminho fácil. É muito
mais difícil fazer o mesmo processo que propões a outros
que façam; mas é preciso ter a convicção que não estais
só. Com a força do Espírito Santo, cada um de vocês é ca-
paz sim de testemunhar o amor, que Ele os motive a ousar
sempre mais.

Pe. Anselmo Nascimento


Salesiano de Dom Bosco, ISJB

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ANOTAÇÕES DO TEMA

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