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Miriam Schenker 1
Maria Cecília de Souza Minayo 2
Abstract This article presents a critical re- Resumo Este artigo apresenta uma revisão
view of the litterature about the relation- crítica da literatura sobre a relação entre
ship between adolescence, family and drug adolescência, família e uso abusivo de dro-
abusive use. Discusses the importance of in- gas. Discorre sobre a importância da inser-
serting the drugaddiction symptom in the ção do sintoma drogadicção no contexto fa-
familiar and sociocultural context for the miliar e sociocultural para o entendimento
understanding of its complexity. Family, de sua complexidade. A família é vista co-
school and peers are seen as the adolescent mo uma das fontes de socialização primá-
primary socialization sources. Family edu- ria do adolescente, juntamente com a esco-
cational practices and parenting styles, with la e o grupo de amigos. As práticas educati-
its three different types of parental control, vas e os estilos de criação da família, com
are emphasized because they can either fa- seus três diferentes tipos de controle paren-
cilitate, or not, drug abusive use. The re- tal, são ressaltados porque podem facilitar,
searches results point to the importance of ou não, o uso abusivo de drogas. Os resulta-
engaging the family in the addict treatment dos das pesquisas apontam para a impor-
and some studies enlarge the focus to engage tância de se engajar a família no tratamen-
multiple social contexts – family, friends, to do adicto e alguns estudos ampliam o fo-
school, community and legal system – in the co para engajar contextos sociais múltiplos
drug abusive adolescent treatment. The re- – família, amigos, escola, comunidade e sis-
sults of the researchs point to the family ed- tema legal – no tratamento do adolescente
1 Núcleo de Estudos
e Pesquisa em Atenção
ucational practices and parenting styles that que faz uso abusivo de drogas.
ao Uso de Drogas/Uerj, either facilitates, or not, drug abusive use, Palavras-chave Adolescente, Família, Abu-
Pós-Graduação em Saúde emphasizing the need to engage the family so de substância, Tratamento, Transtornos
da Criança e da Mulher
do Instituto Fernandes
in the addict treatment. de uso de substância
Figueira/Fiocruz. Key words Adolescent, Family, Substance
Av. Rui Barbosa, 716. abuse, Treatment, Substance use disorder
22250-020 Flamengo
Rio de Janeiro RJ.
mschenker00@hotmail.co
m
2 Centro Latino-
Americano de Estudos
da Violência, Fiocruz.
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de tratamento por uso abusivo de drogas são belece uma conexão entre as relações familia-
consideradas mais efetivas do que as aborda- res e a formação e o uso contínuo do abuso às
gens de tratamento individual (Alexander & drogas. As segundas são vistas como mais
Gwyther, 1995). O tratamento da família no uma das áreas de intervenção e, além disto,
caso de comportamentos anti-sociais na in- envolvem a família somente em diferentes
fância possui ampla base de suporte empírico formas de auxílio ou de provisão de informa-
(Hogue e Liddle, 1999). Na psicoterapia de ção.
crianças, o treinamento dos pais, através dos Há uma variação na perspectiva baseada
princípios de reforço do comportamento, in- na família (Liddle & Dakof, 1995a) que vai
clui ensinamentos para a utilização tanto de desde modelos com raízes comportamentais
disciplina quanto de comunicação de forma (behavioristas), passando pela terapia funcio-
consistente. Hoje, os diferentes tipos de trata- nal da família advinda da teoria da aprendi-
mentos de família estão equipados para lidar zagem social, até a terapia de família estrutu-
com problemas reconhecidos como previsí- ral. Outra abordagem é a dos modelos inte-
veis do comportamento anti-social: monito- gradores multissistêmicos e multidimensio-
ramento parental frouxo; vínculo e ligação nais, cujo foco é a ecologia do adolescente que
pais-criança pobres; e hostilidade e conflito faz uso abusivo de drogas, avaliando e inter-
nesta relação. vindo na sua rede de influências – família,
Sabe-se, por experiência e através de pes- cultura de amigos, escola e sistema de justiça
quisas (Liddle et al., 1998), que os pais conti- juvenil. Cada uma dessas partes é considera-
nuam influenciando seus filhos adolescentes da um holon, tanto uma par te como o todo.
ainda que, nesta fase, o grupo de amigos se Os indivíduos são considerados organismos
torne muito importante. O conflito intenso biopsicossociais bem como membros de ou-
entre pais e adolescentes, além de não ser a tros sistemas como família, trabalho, grupos
norma, dificulta o desenvolvimento da identi- de amizade, comunidade, grupos étnicos. Se-
dade desse ser em formação. A transição posi- ria um pensamento ou uma intervenção re-
tiva para a adolescência se faz através da nego- ducionista se somente uma dessas perspecti-
ciação de mudanças nas relações entre pais e vas fosse utilizada em detrimento das outras
filhos, em busca da autonomia. Quando isto (Liddle, 1999).
não acontece, o adolescente poderá se distan-
ciar dos pais de forma hostil para conseguir
manter o controle sobre sua independência. Conclusão
Desta forma, um dos principais objetivos das
intervenções baseadas na família com adoles- As questões relativas ao uso abusivo de dro-
centes envolvidos com uso abusivo de drogas gas pelo adolescente e a co-participação da fa-
deve ser o da reconstrução do vínculo emo- mília levantadas no presente artigo estão em
cional dos pais em relação ao jovem, de forma consonância com a minha prática clínica co-
a atender às necessidades de ambos. mo terapeuta de famílias adictas.
As estratégias de tratamento para o com- Observa-se que os pais, ou figuras substi-
portamento anti-social são as abordagens tutas, têm dificuldade em passar normas e li-
ecológicas, que lidam com contextos sociais mites para seus filhos. Há pouca habilidade
múltiplos – família, amigos, escola, comuni- para criá-los e educá-los, advindo daí uma má
dade e sistema legal –, vistos como influen- qualidade de vínculos familiares. Em relação
ciando e sendo influenciados por tal compor- aos jovens isso se manifesta na falta de asser-
tamento. Tendo em vista que a família é a co- tividade e na ambigüidade com relação às leis
nexão dessas esferas sociais que se entrecru- e normas. Observa-se primeiro na conduta da
zam nas vidas das crianças e dos adolescentes criança e, posteriormente, do adolescente,
(Hogue e Liddle, 1999), as terapias de família que os limites do que lhes é concedido estão
aparecem como possibilidade para o trata- esgarçados, havendo grande prejuízo para a
mento de problemas de abuso de drogas sua formação e sérias conseqüências para a
(Stanton & Shadish, 1997) e de transtornos de vida em família e em sociedade. As crianças e
comportamento. os adolescentes aceitam a autoridade dos pais
Para Liddle e Dakof (1995b) existe uma – o estabelecimento de regras claras e coeren-
distinção entre terapia de família e interven- tes e a imposição de limites – quando há uma
ções que envolvem a família. A primeira esta- relação de confiança e afeto entre eles.
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Percebe-se que as famílias adictas buscam amigos – peers – e não se posicionam como educado-
“terceirizar” suas responsabilidades com re- res, figuras de autoridade, de confiança e de respeito
lação a seus filhos. Cultivam um tipo de com- para os adolescentes.
portamento irresponsável, como se o dever de É verdade também que a família passa os seus va-
monitorar e supervisionar o comportamento lores e as suas crenças através das gerações, sendo a
dos adolescentes fosse algo mecânico, robóti- fonte primeira de acolhimento para os seus membros.
co, sem a necessidade de construção prévia da Pelo fato de ser co-responsável pela formação dos in-
relação de confiança. Quanto mais a família é divíduos, a família está diretamente implicada no de-
“desengajada” (Minuchin, 1974) nas suas re- senvolvimento saudável ou adoecido de seus mem-
lações interpessoais maior risco seus filhos bros.
correm de desenvolver comportamentos anti- É importante ressaltar que todas as intervenções
sociais. baseadas na família (Schmidt et al., 1996) partem do
Premissas contemporâneas do paradigma princípio de que a mudança no indivíduo de um uso
sistêmico (Grandesso, 2000) indicam que as abusivo de drogas para a diminuição deste abuso,
relações entre os indivíduos são co-construí- agregado a um funcionamento socialmente saudável,
das, processo que os tornam co-responsáveis resulta da mudança no sistema familiar. A forma de
pela criação, desenvolvimento e qualidade criar os filhos é fundamental na constituição do indi-
dessa relação. Crescer, passar de uma etapa do víduo desde a infância até a adolescência. As práticas
ciclo vital da família para a seguinte, implica de criação características do meio familiar de adoles-
negociações que resultam em modificações centes que apresentam desordens de conduta e abuso
nas relações previamente estabelecidas. Famí- de substância são: administração insatisfatória da fa-
lias disfuncionais geralmente têm pais ainda mília, criação omissa, disciplina e monitoramento pa-
imaturos na forma de relacionar-se com os fi- rental inadequados, irritabilidade dos pais, processos
lhos. Inúmeras vezes, os pais são mais adoles- familiares coercitivos. Por outro lado, dado o papel do
centes que os filhos, pois se apresentam como meio familiar em proteger a criança de fatores de risco
e a contribuição central da criação dos pais neste sen-
tido, são dignas de nota as mudanças que hoje ocor-
rem na cultura dessa instituição de raiz, seja em rela-
ção à vida a dois, e também aos diferentes arranjos que
influenciam a convivência, os hábitos e costumes.
O pensamento sistêmico-ecológico, diversamente
daquele que privilegia a dinâmica do indivíduo, foca-
liza no contexto das relações as questões vividas pelo
ser humano, entendendo que todos os fenômenos se
inter-relacionam, com maior ou menor intensidade,
na teia que conforma a sua existência. Por isso, o com-
portamento do adolescente que faz uso abusivo de
drogas é entendido no seu contexto de influências, no
meio sociocultural em que estiver vivendo.
A terapia de família, então, passa a ser uma indica-
ção permanente. Os tratamentos que envolvem a eco-
logia do jovem que usa droga de forma abusiva abran-
gem ainda melhor a complexidade do fenômeno da
adicção em nossos dias. O diálogo intercontextual for-
nece a riqueza de condições de possibilidade para a co-
construção de um contexto saudável para o adolescen-
te.
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