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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE DIREITO

VINÍCIUS ANDRÉ DE OLIVEIRA SOARES

Resenha do texto “Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada”


de Boaventura de Sousa Santos

BELO HORIZONTE

2021
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O texto em pauta integra um estudo sociológico conduzido pelo próprio Sousa Santos, cujo
trabalho de campo foi realizado no contexto de seu doutoramento pela Universidade de Yale.
Nele, o autor trata sobre um pluralismo jurídico conflitante observado no Rio de Janeiro,
aquele entre o ordenamento oficial e vigente, formal, e o ordenamento interno, informal, de
uma favela, a que emprestou o nome de Pasárgada. A análise objetiva compreender, mediante
análise profunda, como se deu o desenvolvimento da comunidade jurídica informal de
Pasárgada para, assim, poder elaborar “uma teoria sobre as relações entre Estado e direito nas
sociedades capitalistas” (SOUSA SANTOS, p. 1). Aqui, o foco recai, sobretudo, no que o
próprio autor aponta ser central em seu interesse - conflitos decorrentes de ocupação e
habitação de terras pelos membros da comunidade.

O autor, prontamente, reconhece as dificuldades inerentes à coleta de dados para o estudo,


que aponta ser problemática por uma série de fatores. Nas palavras de Boaventura, as
questões jurídicas levadas aos habitantes “ou se referem a fatos que não ultrapassam os
umbrais de um quotidiano, por vezes longínquo, ou envolvem mitos e tabus (...) (, de modo
que) as respostas dos entrevistados tendem a padecer de vícios” (SOUSA SANTOS, p. 3).
Ademais, confessa a inclinação do pesquisador, nesses casos, a interferir com sua
subjetividade na coletânea de dados para que deficiências sejam supridas.

Nos termos do estudo, a ocupação do local, iniciada na década de 1930, deu-se de forma
pacífica, dada a abundância de lotes disponíveis para habitação. Não tardou muito, no entanto,
para que a escassez de terrenos começasse a ser observada, de tal forma que, já na década de
40, passou a viger na comunidade a “violência, a lei do mais forte” (SOUSA SANTOS, p. 4).
Tal “lei”, que hoje resta superada, tem a explicação de sua origem e desenvolvimento dada
por Sousa Santos por dois motivos principais: 1. o direito brasileiro, oficial, não alcançava a
comunidade, o que se explica, dentre outras razões, pela relutância da própria comunidade em
entender-se vinculada ao ordenamento nacional, e 2. não se desenvolveu e estabeleceu, desde
logo, um sistema normativo, emanado pela comunidade, que fosse estável e aceito.

Dessa forma, o autor conclui que a impossibilidade de alcance, pelo ordenamento oficial,
da comunidade de Pasárgada, dado o “bloqueamento ideológico” (SOUSA SANTOS, p. 10)
que sobre os habitantes pairava, combinada com a não-constituição de um sistema jurídico
interno, próprio e que fosse eficaz, enquadra-se em um cenário típico. A situações como essa -
em que ocorre choque entre um ordenamento já firmado, plenamente constituído, e um jovem,
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edificado às margens daquele - Boaventura dá o nome de “privatização possessiva do direito”


(SOUSA SANTOS, p. 11), das quais a violência é pressuposta.

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