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Introdução
As influências teóricas que foram sendo agregadas ao contexto da educação popular se
mantêm em relação contraditória, muitas vezes, com as anteriores, revelando marcas do
caráter conflitante que a perpassa e constitui, afirmando-a como um processo dialético e,
ao mesmo tempo, dialógico. A dialética pode ser considerada como sua característica
marcante em meio ao movimento histórico de vir-a-ser. Há um permanente jogo de
afirmações, negações e sínteses provisórias em seu interior, cuja convivência em meio ao
diálogo e ao conflito pretendemos demonstrar ao longo do texto. A dialógica corresponde,
por um lado, à abertura e ao acolhimento de teorias e metodologias capazes de
proporcionar a renovação da educação popular. Por outro lado, remete ao relacionamento
interpessoal, caracterizado pelos pressupostos do respeito, da humildade, da amorosidade,
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da alteridade e da esperança, bases para uma educação libertadora. Não basta poder falar,
é preciso ser, concretamente, ouvido como interlocutor ativo no processo de interação
verbal.
Assentados nas premissas dialéticas e dialógicas da educação popular, buscamos
identificar as aproximações teóricas da sua pedagogia. São muitas e bastante diversas as
perspectivas teóricas que, de alguma maneira, participam de sua sistematização e
convergem em seu processo de consolidação. O desafio é compreender como tamanha
diversidade se aproxima e relativiza em meio a afirmações e negações que não resultam
em exclusão do seu corpo teórico. Com este fim, estruturamos nossa análise a partir de
premissas históricas, explicitando influências e afinidades que se constituíram no passado
e se revelam no presente. Ao investigar as relações da teoria e da prática em educação
popular com as diferentes conjunturas sociais e políticas, estaremos compreendendo
perspectivas novas que passam a fazer parte do seu campo teórico e orientam as ações de
seus atores. Assim, organizamos as aproximações teóricas em três grupos: aproximações
teóricas clássicas, aproximações teóricas interdisciplinares e desafios teóricos atuais.
Aproximações teóricas clássicas
Iniciamos explorando as tradicionais aproximações estabelecidas nos estudos sobre a
educação popular, as quais denominamos aproximações teóricas clássicas. Destacam-se
alguns precursores, assim como as correntes e autores que influenciaram o pensamento e
a obra de Paulo Freire, um de seus maiores expoentes. Sem ignorar as bases do
pensamento moderno (autores como Descartes, Locke, Rousseau, Kant e Hegel, entre
outros), abordamos as articulações (correntes e autores) entendidas como fundamentos
teóricos da educação popular, tais como o marxismo, o existencialismo e a
fenomenologia, além da Escola de Frankfurt, na filosofia; a Escola Nova, a Teoria da
Reprodução e autores africanos e latino-americanos como Fanon, Dussel, e Paulo Freire.
Marx e marxistas como Antonio Gramsci são pensadores cuja influência na educação
popular é marcante. A dialética (materialista), anunciada no inicio do texto, remetendo à
aposta na transformação social é reveladora, pois é assumida como instrumento de
reinvenção da realidade. Realidade tomada como problema a partir de sua concretude, da
prática vivenciada cotidianamente como critério de verdade. Seguindo de perto a
concepção dialética de Hegel, Marx opera uma espécie de inversão interpretativa: da
abstração idealista em que se mantinha com Hegel (enquanto movimento de afirmação
do espírito), a dialética é remetida à materialidade, ao concreto. Do mundo da consciência,
Marx a transporta para o mundo da história.
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Em Marx a ação educativa exerce, mesmo numa postura emancipatória, uma pressão por
demais relativa (MARX; ENGELS, 1983). Caso permaneça agindo apenas no campo das
ideias, limita-se a travar batalhas árduas, porém pouco eficazes contra a dominação. Se a
base material da sociedade é mantida pelo trabalho alienado (ou abstrato) cuja
consequência é a consciência alienada, não basta que a educação atue sobre o efeito, na
expectativa de resolver o problema sem que a causa seja combatida. O trabalho alienado
é uma instância que, embora concretamente produzida nas sociedades capitalistas,
reveste-se de uma objetividade abstrata com relação aos trabalhadores. E se não podem
dominá-lo, os trabalhadores são por ele determinados, apassivados desde a atividade
produtiva. Percebe-se nitidamente que o processo de libertação em Marx é um ideal que
implica na gênese conflituosa, em meio à luta em torno da transformação material das
relações sociais. Luta pedagógica e política, assumida pela educação popular.
Outros indícios da articulação entre a educação popular e o marxismo são: a ação
educativa enraizada nas relações sociais, onde todos ensinam e aprendem ao mesmo
tempo (quem educa o educador?); a aposta no protagonismo e no papel dos oprimidos
como sujeitos da transformação (o proletariado); o educador, a partir da diretividade da
educação, como intelectual orgânico (Gramsci) em seu comprometimento com a
transformação social.
A Escola Nova, denominação atribuída a uma série de experiências pedagógicas
desenvolvidas no final do século XIX e início do século XX, com a finalidade de
"adaptar" a educação ao ritmo da sociedade capitalista, exerceu significativa influência
na educação popular. No Brasil, a Escola Nova começou a ser introduzida pelo
movimento dos "Pioneiros da Educação Nova", a partir da década de 1930, tendo como
principais líderes Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Um dos expoentes da Escola
Nova, John Dewey, ocupa-se e preocupa-se com a noção de experiência, entendida de
uma maneira ampla, o que o leva a romper com a perspectiva tradicional de entendimento
desse conceito. E, mesmo sem questionar as raízes das desigualdades sociais,
desenvolveu teorias pedagógicas progressistas, particularmente em relação à inserção do
estudante como sujeito no processo de aprendizagem, à discussão em torno da
importância fundamental da democracia na organização da sociedade e da educação e à
defesa da escola pública para todos. Dewey (1979) reforça a tese da necessidade de que
o interesse oriente os procedimentos em processos formativos: quando a proposta de
trabalho pedagógico vai ao encontro do interesse do educando o mesmo participa das
atividades com maior intensidade e dedicação. Além disto, a sua proposta pedagógica é
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identificados com seus propósitos, e cada vez mais se fazem presentes em ações no âmbito
da educação popular. Se a proximidade entre educação popular e estado não representa
um fato inédito, pois ocorrera também nos anos de 1960, agora se trata de um processo
radicalmente distinto, no qual a politização e a ideologia devem ser excluídas da agenda
de prioridades.
O modelo denominado liberalismo, enquanto sistema político e econômico, hoje neo,
difunde o mercado e os fenômenos naturais como critério para a constituição da liberdade.
De caráter essencialmente individualista, esforça-se na pregação a favor da liberdade,
seguindo as leis da seleção natural, através do que os mais fracos são superados pelos
mais fortes. Assim como a liberdade humana desorientada converte-se em licenciosidade
e libertinagem, o mercado, formado e guiado por interesses e desejos de pessoas, entregue
à própria sorte, converte-se em dominação e abusos diversos. As regras que orientam a
liberdade pessoal, neste sentido, deveriam orientar o mercado para a justiça e para a
solidariedade.
Da educação, o neoliberalismo cobra eficiência e resultados, considerando a conformação
dos indivíduos ao seu modelo de sociedade, assentado no mercado e no consumo. A
crítica permanente à escola está em afinidade com a crítica ao estado e seu papel diante
do movimento do capital. Tais premissas exigem da educação popular a elaboração de
estratégias que se contraponham, resistindo à massificação capitalista. Se o pensamento
neoliberal prega princípios aparentemente análogos aos da ducação popular, cabe
problematizá-los no sentido de desvelar seu caráter manipulador: diversidade (de ofertas),
igualdade (de oportunidades, equidade na distribuição de benefícios). Também importa
destacar o controle institucional da educação, o pragmatismo exacerbado e o
aligeiramento da formação, em nome da empregabilidade. A educação popular pode
continuar apostando, sem abrir mão do embate escolar, nas várias possibilidades de
formação possíveis fora do ambiente institucional, controlado pelo estado.
Considerações finais
Após termos reunido e analisado, ainda que de forma breve, as aproximações teóricas da
educação popular, cabe retomar a problemática anunciada na introdução: como é possível
a junção de tamanha diversidade teórica na sua fundamentação? Entendemos que,
assentada nas perspectivas dialética e dialógica, a educação popular se configura como
uma concepção pedagógica em permanente movimento de abertura, possibilitando a
articulação com teorias diversas, mesmo orientadas por princípios ideológicos, políticos
e pedagógicos divergentes. O seu processo de sistematização, ancorado nas
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