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FACULDADES INTEGRADAS DE FERNANDÓPOLIS – FIFE

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE FERNANDÓPOLIS – FEF

DESENVOLVIMENTO SOCIOAFETIVO
NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Professora Me. Maria Carolina Albuquerque Botaro


Psicologia
2020
O apego

O que é o apego e quais suas funções?

• O vínculo emocional mais importante, ao menos na


primeira infância, é o apego, o vínculo afetivo que a
criança estabelece com uma ou várias pessoas do
sistema familiar.
• Embora esse vínculo forme um todo, podem se
distinguir nele três componentes básicos: condutas
de apego (de proximidade e interação privilegiada
com essas pessoas), representação mental (as
crianças constroem uma ideia de como são essas
pessoas, o que podem esperar delas, etc.) e
sentimentos (de bem-estar com sua presença ou
ansiedade por sua ausência).
• O apego tem uma função adaptativa para a criança,
para os pais, para o sistema familiar e, em último
caso, para a espécie.

• Do ponto de vista objetivo, seu sentido último é


favorecer a sobrevivência, mantendo próximos e em
contato os bebês e os progenitores (ou quem
cumprir essa função), que são os que protegem e
oferecem os cuidados durante a infância.
• Do ponto de vista subjetivo, a função do apego é
proporcionar segurança emocional; o sujeito quer
as figuras de apego, porque com elas se sente
seguro, aceito incondicionalmente, protegido e
com os recursos emocionais e sociais
necessários para seu bem-estar.

• A ausência ou perda das figuras de apego é


percebida como ameaçadora, como perda
irreparável, como situação de desproteção e
desamparo, como situação de risco.
Para cumprir essas funções básicas (sobrevivência e
segurança emocional), o vínculo de apego tem
quatro manifestações fundamentais:

• Buscar e manter a proximidade;


• Resistir à separação e protestar se esta se
consuma;
• Usar a figura de apego como base de segurança a
partir da qual se explora o mundo físico e social;
• Sentir-se seguro buscando na figura de apego o
bem-estar e o apoio emocional.
• O apego tem um papel muito importante ao longo
do ciclo vital e, desde os três ou quatro anos até a
adolescência, a rede de amizades vai adquirindo
uma importância cada vez maior.

• Por isso, estabelecer vínculos de apego adequados


com pessoas adultas que cuidam de nós e nos
educam, assim como vínculos de amizade com
aqueles com quem compartilhamos experiências e
brincadeiras, é fundamental para o
desenvolvimento.
O apego durante os primeiros anos de vida: um
sistema de interação com outros

• Para entender o desenvolvimento do apego nos


primeiros anos, convém considerar quatro sistemas
relacionais, dois dos quais estão presentes desde o
momento do nascimento (o sistema exploratório e o
afiliativo), enquanto os outros dois aparecem a partir
dos seis meses (sistemas de apego e de medo ou
cautela diante de estranhos).
Sistemas relacionais no primeiro ano de vida

Sistemas relacionais presentes desde o nascimento:

• Sistema exploratório ou tendência a se interessar


pelo mundo físico e social e a conhecê-lo. Como
está presente desde o nascimento, os bebês agem
em seus primeiros meses sem nenhum medo ou
temor: tocam chupam e examinam tudo que está a
seu alcance; ao mesmo tempo, está em estado de
alerta diante de tudo que é novo que possam ver,
ouvir, cheirar, etc. São, definitivamente, verdadeiros
exploradores do mundo, que é para eles
inteiramente novo.
• Sistema afiliativo ou tendência a se interessar pelas
pessoas e a estabelecer relações amigáveis com
elas. Presente desde o nascimento, mantém-se
ativo durante toda a vida. Nos primeiros meses, a
criança não manifesta preferência por algumas
pessoas ou outras, e as pessoas desconhecidas
também não lhe produzem nenhum temor. Por isso,
nos primeiros meses, são os adultos que devem
cuidar totalmente das crianças, mantendo-as em
lugares seguros e evitando que elas se aproximem
de pessoas ou animais perigosos.
Sistemas relacionais que aparecem próximo da
primeira metade do primeiro ano de vida:

• Vínculo de apego com uma ou várias pessoas com


as quais o bebê procura manter a proximidade e
uma interação privilegiada. É o sistema relacional
básico, que, uma vez formado, irá regular em boa
parte os demais e, sobretudo, irá determinar o tipo
de relação que a criança estabelecerá com as
pessoas e, até certo ponto, com as coisas e as
situações.
• Medo diante dos desconhecidos ou tendência a se
relacionar com cautela ou até mesmo repelir as
pessoas desconhecidas. Que as crianças acabem
ou não dando uma resposta de medo depende,
fundamentalmente, da “avaliação” que elas mesmas
fazem em função de fatores, tais como o grau de
controle que têm da relação com o desconhecido, o
grau de intrusão do desconhecido, a presença ou
ausência da figura de apego, etc. Esse sistema
permite à criança identificar perigos potenciais para,
assim, pedir ajuda.
• A evolução do apego segue uma sequência típica
em que cabe destacar quatro fases fundamentais: a
primeira ocupa o primeiro trimestre de vida, a
segunda ocupa o segundo, a terceira ocorre
tipicamente durante o segundo semestre e a quarta,
a partir do primeiro ano.

• Vejamos o conteúdo de cada uma dessas etapas.


• Quando a criança nasce, manifesta preferência
pelos membros da própria espécie sem
estabelecer diferenças entre aqueles que interagem
com ela.

• Conforme vimos anteriormente, as crianças


demonstram claras preferências pelos estímulos
sociais (rosto humano, voz humana, temperatura
humana) e logo estabelecem associação entre eles.
• Mas é o reconhecimento da recorrência de algum
elemento do estímulo (postura que se adota para
mamar, traços do rosto da mãe) ou da mera
associação entre eles, sem que a criança tenha um
reconhecimento global da pessoa.

• Durante esse período, a atividade da criança está,


fundamentalmente, regulada por ritmos biológicos
aos quais se adaptam os adultos.

• A maior parte dos autores prolonga essa fase até o


terceiro mês de vida da criança.
• Pouco a pouco, vai aparecendo no bebê uma
preferência pela interação com os adultos que
normalmente cuidam dele, mas sem repelir os
desconhecidos.

• As crianças discriminam com clareza entre algumas


pessoas e outras e manifestam clara preferência por
interagir com aqueles que normalmente cuidam
delas.
• Essa habilidade para reconhecer perceptivamente
as figuras de apego e diferenciar entre próprios e
estranhos, expressa claramente em condutas, eles
adquirem entre os três e os cinco meses.

•A interação se torna mais flexível (menos


dependente de ritmos biológicos e de respostas
reflexas), extensa e adaptada aos oferecimentos e
respostas do adulto na interação cara a cara.

• Nesse período, no entanto, a criança não rejeita


ainda os cuidados oferecidos pelos desconhecidos.
• O passo seguinte é a formação dos sistemas
relacionais de apego e de medo de estranhos.

• Na segunda metade do primeiro ano de vida, os


bebês manifestam uma clara preferência pelas
figuras de apego, ao mesmo tempo em que repelem
os desconhecidos.

• As figuras de apego não só são reconhecidas, como


podem ser evocadas graças às capacidades de
representação, de permanência da pessoa e de
memória.
•A separação provoca reações de protesto e
ansiedade, e o reencontro produz alegria e
tranquilidade.

• O sistema de apego está claramente formado: as


condutas para procurar ou manter a proximidade
das figuras de apego, a reação ante as separações
breves, o sofrimento pela perda dessas figuras e a
recusa ou desconfiança ante os desconhecidos e o
uso da figura de apego como base a partir da qual
se explora o mundo físico e social não deixam lugar
para dúvidas.
• A partir do primeiro ano de vida, uma vez
estabelecido o vínculo de apego, a criança vai
conquistando um certo grau de independência
das figuras de apego graças a suas novas
capacidades de locomoção, verbais e intelectuais.

• Esse processo é sempre conflitivo, pois exige


readaptações contínuas com ganhos e perdas de
certos privilégios, por isso é acompanhado por
desejos ambivalentes de avançar e retroceder.
• Ocorrem mudanças lentas, porém contínuas: as
novas capacidades mentais e a própria experiência
do retorno das figuras de apego permitem à criança
aceitar melhor as separações breves; o contato
físico não precisa ser tão estreito e contínuo; a
conduta exploratória não precisa tanto da presença
física das figuras de apego.
• Mas os momentos de aflição (doenças, por
exemplo) ou de separações que podem ser
percebidas como ameaçadoras (hospitalizações,
ingresso na escola infantil, etc.) ativam as condutas
de apego, reagindo de forma similar a como se fazia
nos primeiros anos de vida.

• Os conflitos afetivos mais importantes durante esse


período são os produzidos pelas situações de
separação, pelo desejo de participar da intimidade
dos pais e pelas rivalidades fraternas.
• As crianças desejam participar da intimidade dos
pais que lhes é proibida: dormir com eles, interpor-
se quando se acariciam, etc.

• Descobrem que existem determinadas situações


que não conseguem entender, em que não podem
estar e das quais são excluídas.

• Se durante esse período nasce um novo irmão, as


crianças podem se sentir deslocadas nas atenções,
enquanto assistem perplexos ao cuidado contínuo
que seus pais oferecem ao recém-nascido.
• Essa situação costuma provocar rivalidade e
regressões na conduta.

• Demonstrar-lhes incondicionalidade e
disponibilidade para continuar atendendo-as em
tudo de que necessitam é a melhor forma de ajudá-
las a superar o ciúme.
• As separações breves, hospitalizações, ingressos
na escola infantil, viagens dos pais, etc., não são
facilmente entendidas nessa idade, porque as
crianças exigem a presença, disponibilidade e
acessibilidade das figuras de apego e têm muitas
dificuldades para entender o sentido das
separações, para compreender que quem foi voltará
em um tempo determinado, etc.

• Manter a disponibilidade e a acessibilidade das


figuras de apego nas separações (demonstrando-
lhes que, se estão aflitas, socorrerão logo) é muito
importante durante esse período.
• O conjunto de experiências de apego da primeira infância
dá lugar à formação de um modelo interno de relações
afetivas, que é uma representação das características da
relação estabelecida com as figuras de apego.

• Trata-se de uma representação de natureza não-


consciente que tende a ser muito estável a partir do
primeiro ano, embora possa ser afetada e modificada por
experiências posteriores.

• A função desse modelo é servir de base para as relações


afetivas posteriores, guiando a interpretação das condutas
de outros e a forma de organizar a própria conduta com
eles.
Diferenças individuais na segurança do apego

Tipos de apego

• Na avaliação da segurança do vínculo na primeira


infância foram detectadas as três principais fontes
de ansiedade: um ambiente desconhecido, a
presença de uma pessoa estranha e a separação
da mãe.
• Baseando-se em critérios como a ansiedade pela
separação da figura de apego, a reação no
reencontro e a utilização da figura de apego como
base de exploração foram identificados três grandes
padrões de apego, aos quais foi acrescentado,
recentemente, um quarto:

• Apego seguro: afeta 65-70% das amostras


estudadas, caracteriza-se por uma exploração ativa
em presença da figura de apego, ansiedade nos
episódios de separação, reencontro com a mãe
caracterizado por busca de contato e proximidade e
facilidade para ser reconfortada por ela.
• Apego ansioso-ambivalente: afeta 10-15% das
amostras estudadas, caracteriza-se pela exploração
mínima ou nula em presença da mãe, uma reação
muito intensa de ansiedade pela separação,
comportamentos ambivalentes no reencontro
(busca de proximidade combinada com oposição e
cólera) e grande dificuldade para ser consolada pela
figura de apego.
• Apego ansioso-evitativo: afeta 20% das crianças
e se caracteriza por uma escassa ou nula
ansiedade diante da separação, pela ausência de
uma clara preferência pela mãe frente aos
estranhos e pela evitação da mesma no reencontro
(distanciando-se dela, passando longe ou evitando
o contato visual).
• Apego ansioso-desorganizado: as porcentagens
de crianças que manifestam essa padrão oscilam
entre 10 e 12%, é um padrão recentemente
descrito, em que se agrupam as crianças que nessa
situação se mostram desorientadas; aproximam-se
da figura de apego evitando o olhar, no reencontro
podem mostrar busca de proximidade para,
repentinamente, fugir e evitar a interação,
manifestando movimentos incompletos ou não-
dirigidos a nenhuma meta e condutas
estereotipadas.
Antecedentes da segurança do apego

• Estudos sobre os antecedentes parentais na


qualidade do apego infantil confirmam a
importância da sensibilidade materna.

• No entanto, sua influência parece um pouco


menor do que a encontrada inicialmente, e outras
dimensões, como a sincronia e a mutualidade
na relação, mostram uma capacidade preditiva
similar.
• Sendo assim, a segurança do apego não só
depende da sensibilidade materna entendida como
um traço de personalidade, mas também da
sensibilidade como padrão de conduta no contexto
da relação, ou seja, do tipo de relação mãe-filho ou
pai-filho que for estabelecida.
• Nas crianças com apego seguro é possível
constatar um tipo de interação mãe-filho
recíproca, mutuamente reforçadora, em que a
figura de apego é eficaz na hora de regular a
ativação emocional da criança, interpretar seus
sinais, responder de modo contingente, sem
intrusividade, e manter intercâmbios de atenção
conjunta frequentes, o que se traduz por parte da
criança em expressão de afeto positivo e
manutenção da interação.
• Nesse tipo de história interativa, a criança forma um
modelo interno que permite a ela antecipar e confiar
na disponibilidade e na eficácia materna, assim
como em sua própria capacidade para promover e
para controlar os intercâmbios socioafetivos.

• Essas crianças sentem prazer na interação com a


figura de apego, mas não precisam de um contato
contínuo, pois a segurança da relação potencializa
a exploração confiante do ambiente e da atividade
independente.
• As mães dos filhos ansiosos-ambivalentes são
afetuosas e se interessam pela criança, mas têm
dificuldades para interpretar os sinais dos bebês e para
estabelecer sincronias interativas com eles, e são
incoerentes – às vezes, reagem de maneira muito
positiva e, outras, mostram-se insensíveis.

• Nesse tipo de relação, a criança não desenvolve


expectativas de proteção, não sabe em que medida
conta com a figura de apego, fato que gera uma
ansiedade persistente sobre o enfraquecimento ou
sobre a perda da relação, ansiedade que ativa
intensamente o sistema de apego e inibe a exploração.
• Quanto às mães das crianças evitativas, seu estilo
interativo se caracteriza pela irresponsabilidade,
pela impaciência e pela rejeição.

• Essas pessoas são pouco pacientes e tolerantes


com os sinais de necessidade de seus filhos,
chegando até a bloquear seu acesso e a impedir
que se aproximem delas.
• Com a evitação e a inibição dos sinais e das
condutas de apego, a criança previne a rejeição, a
cólera ou uma maior distanciamento da mãe.

• Esse tipo de apego também foi associado a um


estilo de interação materno caracterizado por altos
níveis de intrusividade, assim como a uma
estimulação excessiva com pouca relação com o
estado e com as necessidades da criança.
• O padrão de apego desorganizado na infância é
frequente em crianças que foram vítimas de
episódios de negligência e maus-tratos físicos.

• Nessa situação, a criança experimenta ciclos de


proteção e ao mesmo tempo de rejeição e
agressão, sente-se vinculada à sua figura de apego
e ao mesmo tempo a teme, explicando a
combinação de aproximação/evitação.
• Esse tipo de apego foi encontrado também em
crianças cujas figuras de apego não resolveram o
luto pela morte de um ente querido e expressam um
grau de ansiedade que gera temor na criança.

• Em ambas as condições, a base de segurança


também é uma fonte de alarme e de inquietação,
gerando aproximações à figura de apego
interrompidas por condutas desorganizadas.
• As crianças de temperamento “difícil” serão
suscetíveis de experimentar ansiedade na situação
estranha e mais difíceis de controlar, por isso
tenderão a ser classificadas como ambivalentes.

• As crianças “fáceis” tenderão a ser classificadas


como seguras.

• E as crianças de “aquecimento lento” tenderão a ser


classificadas como evitativas.
• Como se costuma aceitar que o temperamento tem
uma certa determinação genética, poder-se-ia
pensar que aceitar o papel do temperamento da
criança na dinâmica de interação mãe-filho levaria a
considerar uma possível base genética nos tipos de
apego.

• No entanto, estudos com gêmeos idênticos


encontraram pouca congruência em seus estilos de
apego, e os trabalhos comparativos constataram
que o tipo de interação exerce uma influência mais
poderosa do que o temperamento.
• O fato de que a segurança do apego dependa do
tipo de relação mãe-filho nos leva a considerar
aqueles fatores que podem refletir sobre essa
relação.

• No que se refere às características da figura de


apego, o adulto que se relaciona com o bebê é uma
pessoa com uma determinada história afetiva, com
uma personalidade formada e com determinadas
expectativas e crenças sobre as capacidades e
necessidades infantis, sobre a criação e a disciplina,
etc.
• Como esse tipo de informação é obtida de maneira
retrospectiva, é mais que possível que na representação
dos pais de sua própria história de apego tenham
influído (inspirado) outras experiências afetivas
posteriores, e que o modelo interno atual seja uma
reconstrução.

• De qualquer maneira, seja uma representação fiel de


apego precoce ou o produto de experiências, reflexões
ou reelaborações posteriores, o verdadeiramente
importante é que essa representação dos pais influi
decisivamente no tipo de relação que estabelecem com
seus filhos.
• Dada a assimetria que caracteriza essas relações
precoces, o papel da criança não parece ser
equiparável ao da figura de apego.

• No entanto, é preciso analisar aquelas


características do bebê que podem incidir (refletir)
direta ou indiretamente na interação.
• Embora os tipos temperamentais não pareçam
permitir previsões relevantes dos tipos de apego,
não podemos negar sua intervenção.

• Efetivamente, é mais difícil estabelecer sincronia


interativa com uma criança irritadiça ou sobre a qual
o adulto tem dificuldade para influir (exercer uma
ação).

• No entanto, a maioria das crianças de “risco” por um


temperamento difícil estabelece vínculos seguros se
a figura de apego é paciente e se adapta às
características do bebê.
• Quanto às crianças prematuras menos atraentes,
espertas e manejáveis do que os recém-nascidos
no tempo normal, os dados apontam na mesma
direção.

• Claro que as características da criança prematura


podem dificultar a interação durante os primeiros
meses de vida, mas a maioria estabelece vínculos
seguros.
• O temperamento e o ser prematuros são fatores de
risco cuja influência na segurança do apego depende de
sua relação com outros fatores de estresse e de
proteção.

• Em crianças com fissura labiopalatal, surdas, autistas,


etc., a capacidade de previsão das variáveis maternas
sobre o apego infantil é reduzida.

• É possível que sensibilidade potencial das figuras de


apego seja seriamente afetada pelo estresse ou pelas
dificuldades que apresenta o cuidado dessas crianças.
• A interação mãe-filho ocorre dentro de um complexo
contexto social.

• Começando pelo âmbito familiar, a criança é afetada


pela mãe e pelo pai e pela relação de casal, ao
mesmo tempo em que ela afeta ambos e a relação
matrimonial.
• Embora as mães se envolvam mais com a criação
dos filhos, muitas crianças estabelecem vínculos
seguros com seus pais quando estes lhes dedicam
tempo e respondem sensivelmente aos seus sinais
e às necessidades.

• O apego seguro com o pai e com a mãe está


associado com maior sociabilidade e organização
emocional.
• Quando o grau de ajuste matrimonial é alto, a
crianças tendem a estabelecer apegos seguros com
ambos os progenitores.

• Ao contrário, as dificuldades na relação de casal


tendem a diminuir a sensibilidade e as atitudes
positivas para com a criança.

• No entanto, a influência é bidirecional, pois a


criança também afeta a relação entre o casal.
• A transição para a paternidade é uma experiência
estressante, e a maioria dos pais relata uma queda
no grau de satisfação nas relações com o parceiro.

• Pensava-se anteriormente que o modo como essa


transição era realizada e a subsequente relação
com a criança dependiam muito do grau de ajuste
entre o casal antes do nascimento.

• No entanto, a segurança do apego das crianças


está mais relacionada com as mudanças na
satisfação do casal na fase de transição do que com
o seu ajuste pré-natal.
• Em estudos, as mães das crianças classificadas como
seguras e inseguras aos 12 meses não apresentaram
diferenças no nível de satisfação prévio ao nascimento,
e, em ambos os grupos, foi constatada uma queda
similar durante os três primeiros meses de vida da
criança.

• No entanto, a partir desse momento a insatisfação


continuou aumentando nas mães das crianças
inseguras, enquanto nas mães de crianças seguras o
nível de satisfação se estabilizou, percebendo-se que
essa mudança na relação do casal estava muito
associada às variáveis de personalidade materna, como
a empatia e a estabilidade emocional.
• Quanto à classe social, a associação entre a
sensibilidade materna e o tipo de apego da criança
é menor nas amostras de classes sociais muito
desfavorecidas.

• Isso não significa que a segurança-insegurança do


apego seja distribuída em função da classe social,
mas podemos supor que o acúmulo de estresse que
é fruto das condições de pobreza gere dificuldades
na hora de manter a sensibilidade e a interação
positiva, principalmente quando a criança é
irritadiça.
• Devemos considerar também e influência do
contexto cultural cujos efeitos no apego infantil
foram evidenciados em inúmeros estudos.
• Como é possível deduzir da revisão de fatores
relacionados com a segurança do apego, embora
pareça claro o papel determinante da figura de
apego sobre a criança, também é evidente que essa
experiência de interação e o subsequente nível de
segurança infantil recebe influências múltiplas.

• Contudo, ainda desconhecemos o peso exato que


exerce cada um desses fatores e sua interação.
Desenvolvimento emocional na primeira infância

Desenvolvimento da expressão emocional

• Os sinais emocionais são os grandes recursos que


os bebês dispõem para se comunicar com os
cuidadores.

• Desde os primeiros dias de sua vida, as crianças


mostram expressões faciais de interesse, asco e
mal-estar e, ocasionalmente, sorriem quando estão
dormindo ou em certos estados fisiológicos.
• No final do primeiro mês, é possível observar os
primeiros sorrisos diante da voz e do rosto humano.

• As expressões faciais de aborrecimento, de tristeza


e de surpresa começam a ser evidenciadas próximo
ao segundo mês, mas ainda não existe um nexo
claro entre o sinal emocional e o estado interno.
• É a partir do terceiro mês que se produz esse ajuste
sistemático entre a situação desencadeante, a
expressão facial e os movimentos relacionados
instrumentalmente com cada emoção, como
empurrar um obstáculo no caso da cólera ou a
diminuição de movimentos na tristeza, o que
permite supor que a expressão emocional do bebê
revela seu estado interno.

• Quanto ao medo, embora se tenha observado


expressões faciais dessa emoção em recém-
nascidos, as reações de temor são raras durante os
primeiros seis meses de vida.
•O valor dessas expressões emocionais é
inquestionável, posto que são sinais muito potentes
que regulam a conduta dos cuidadores.

• As expressões de alegria e interesse mostram aos


pais que a criança tem boa disposição para manter
a relação e que eles estão fazendo bem a ela,
motivando-os a prolongar a interação.
• O choro e a expressão de mal-estar atraem as
figuras de apego para que a alimentem, para que
eliminem o que provoca dor ou para que lhe façam
companhia.

• A expressão de aborrecimento lhes motiva a parar a


atividade que altera o bebê, e os sinais de medo e
tristeza lhes informam que a criança precisa de
proteção e consolo.
• Ao longo dos três primeiros anos, as expressões
emocionais vão se tornando cada vez mais seletivas,
aumentam sua rapidez e duração e vão se socializando
na interação com as figuras de apego.

• Durante o primeiro ano, as mães mostram emoções


positivas a seus filhos, evitando expressar cólera,
tristeza ou medo, e tendem a reforçar e imitar as
expressões positivas da criança, como a alegria ou o
interesse, enquanto evitam as negativas, como a cólera,
o que pode explicar o aumento de expressões positiva
nas crianças e a diminuição das negativas.
• Nesse processo de socialização da expressão
emocional, já são evidentes as diferenças ligadas
ao gênero.

• As mães sorriem mais e mostram maior


expressividade para as meninas, o que explicaria a
maior sociabilidade destas, sua superioridade nas
provas de conhecimento afetivo e sua tendência a
sorrir mais.

• Efetivamente, as mães imitam mais as expressões


das crianças, enquanto respondem às meninas com
expressões diferentes e mais variadas.
• Uma possível razão para isso é a maior labilidade
(ausência de estabilidade emocional) e irritabilidade
dos bebês homens, de forma que, com seus filhos,
as mães evitam jogar com a variabilidade emocional
a fim de manter o tom positivo.

• Por outro lado, em geral, devido à repressão da


cólera na mulher em nossa sociedade, as mães
aceitam melhor a cólera nos meninos, enquanto
tentam reduzi-la ou eliminá-la nas meninas.
• Com bebê de três e seis meses, as mães
expressam mais desaprovação e evitação diante da
cólera das meninas, o que vai indicando a estas que
tal emoção põe em risco as relações afetivas.

• Enquanto nas meninas se tolera a tristeza e se


procura saber as causas, nos meninos se minimiza
sua expressão com táticas de distração e se fala
menos dela em contos ou narrações.
Reconhecimento de emoções e empatia

• Os bebês começam a diferenciar as expressões das


outras pessoas quando são capazes de centrar sua
atenção nas partes internas dos rostos humanos no
final do segundo mês, como já foi dito.

• Mas o verdadeiro reconhecimento dos diferentes


significados das expressões emocionais de seus
cuidadores ocorre um pouco mais tarde.
As expressões de alegria, cólera ou tristeza dos
cuidadores têm um impacto bem diferente em
crianças de três ou quatro meses:

• Diante da alegria, reagem com expressão de alegria


e movimento.

• Diante da cólera, mostram expressão de cólera e


permanecem quietas.

• A tristeza expressa pela mãe gera choro, sucção e


movimento de mastigação.
• A capacidade de interpretar as emoções de seus
cuidadores é claramente evidenciada com o
aparecimento, entre os 8 e 10 meses, da chamada
referência social.

• Diante de uma situação ambígua (que contém ou


pode conter múltiplos sentidos) ou nova, as crianças
olham seu cuidador e utilizam a informação de sua
expressão para avaliar o objeto ou o acontecimento
em questão e para regular sua conduta.
• A expressão positiva dos familiares indica que é um
objeto agradável; as de medo, asco ou dor, que deve
ser evitado.

• A maioria das crianças se atreve a atravessar o abismo


visual quando a expressão materna reflete alegria ou
interesse, mas não atravessam se manifestar temor,
tristeza ou cólera.

• O mesmo acontece com a reação de medo diante de


estranhos, que decresce sensivelmente em função da
expressão positiva da figura de apego para com a
pessoa desconhecida.
• Entre o segundo e o terceiro ano, graças à
linguagem e ao jogo simbólico, começa a se
produzir um interessante avanço na compreensão
das emoções.

• As crianças se interessam pelos estados afetivos


dos demais, e os pais começam a explicar as
causas das emoções da criança e de outras
pessoas.
• Quanto ao jogo simbólico, entre o segundo e o
terceiro ano de vida, grande parte de seus
conteúdos está ligado aos estados afetivos.

• No jogo, as crianças adotam estados emocionais


diferentes dos seus, atribuem estados afetivos
fictícios aos outros e compartilham com o outro essa
atribuição de emoções fictícias, favorecendo a
adoção de perspectiva emocional, de modo que as
crianças que mais jogaram simbolicamente aos dois
anos são as que, na idade pré-escolar, mostram
mais capacidade para compreender as emoções
dos demais.
• Além de reconhecer as emoções alheias, as
crianças são capazes de criar empatia, de
compartilhar os estados afetivos dos demais.

• Em recém-nascidos, podemos observar um choro


reativo ao choro de outros bebês, que, no entanto,
não ocorre diante da gravação de seu próprio choro.
• É quase no início do segundo ano que, graças à
diferenciação de seu próprio eu do dos demais, a
ressonância emocional global dá lugar a
verdadeiras respostas empáticas acompanhadas
das primeiras iniciativas de consolo para com a
vítima.

• Sem desconsiderar a importância dos processos


perceptivos e cognitivos na empatia, é a relação de
apego que oferece a principal oportunidade para
seu desenvolvimento.
• É nesse contexto privilegiado (de olhar mútuo, de
interação rítmica, de contato corporal, em que as
figuras de apego sentem com a criança, interpretam
e imitam suas emoções, modulam seus estados
afetivos e transmitem a ela seus sentimentos por
meio de sons, tato e expressões emocionais) que as
crianças aprendem a expressar, a interpretar e a
compartilhar emoções.
As emoções sociomorais

• As emoções morais como a vergonha, a culpa e o


orgulho aparecem no decorrer do segundo ano, uma
vez que se tenha desenvolvido o conceito de si mesmo.

• Em crianças de 27 meses, já é possível observar


expressões emocionais de orgulho (elevação dos olhos,
olhar triunfante, incorporação corporal e elevação dos
braços) e vergonha (corpo encolhido, cabeça baixa,
olhos e mãos sem movimento) diante do sucesso ou do
fracasso, respectivamente, na resolução de uma tarefa.
• O fato comprovado de que o orgulho diante do
sucesso seja mais intenso quando a tarefa for difícil
e que a vergonha diante do fracasso seja maior
diante de uma tarefa fácil indica que não são
simples manifestações de alegria e de tristeza, pois
estas acompanham a conquista e o fracasso
independentemente da dificuldade e do esforço.

• Também entre o segundo e o terceiro ano aparecem


as primeiras reações de culpa com tentativas de
reparar o dano.
• Outra emoção moral é a empatia, a reação afetiva
vicária (colocar-se no lugar do outro) com os
sentimentos do outro.

• Quando a criança sente dor empática com a vítima


e se atribui a responsabilidade por ela, a reação
emocional consequente é a culpa.

• Essas reações de empatia e culpa serão potentes


inibidores da agressão.
• Por outro lado, a culpa empática é a que pode
explicar a capacidade das crianças, já aos três
anos, para julgar mais graves as violações morais
(quebrar as coisas do outro) do que as
convencionais (não agradecer um favor recebido).

• Como vítimas, as crianças expressam de forma


verbal ou não-verbal a dor ou a perda, e com certa
frequência as crianças que agridem ou tentam se
apropriar de um brinquedo param diante dos sinais
de tristeza da vítima.
• O modo com as vítimas reagem é essencial, pois
ele indica ao agressor que as transgressões morais
são mais graves do que as convencionais.

• Entre o segundo e o terceiro ano, essas emoções


morais e autoconscientes regulam o comportamento
social de acordo com os padrões convencionais e
morais, e sua função não é só corretiva, mas
também preventiva.

• Antecipar os sentimentos de vergonha ou culpa


regula a conduta antes que seja realizada.
• Já desde os dois ou três anos é possível constatar
que se os níveis de realização da tarefa forem
semelhantes, as meninas mostram mais vergonha
diante do fracasso do que os meninos.

• Embora as causas dessa diferença não sejam


claras, é possível que as práticas de socialização
com as meninas focalizem nelas mesmas, com mais
frequência do que nos meninos, a responsabilidade
das transgressões e dos fracassos.
• Em relação à culpa desde os dois anos, tanto em
laboratório como no lar, a relação entre agressão e
reparação se encontra em meninas, sendo pouco
frequente em meninos.

• Aos dois anos, a cólera mostra um pico e declina


posteriormente, sendo o declive mais abrupto nas
meninas.

•É provável que a culpa precoce pelo dano


interpessoal seja o que modere a agressão nas
meninas e promova a reparação.
• As diferenças em empatia e culpa entre meninos e
meninas podem ser explicadas pelas diferentes
técnicas disciplinares: os pais utilizam mais a
indução, a explicação e a atenção voltada para as
vítimas com as meninas e a afirmação de poder
com os meninos.
• Embora, aos dois anos, meninos e meninas não
sejam diferentes em suas transgressões morais, as
mães promovem a culpa nas meninas, focalizando a
atenção destas nas consequências de seus atos
nos demais e sensibilizando-as sobre os estados e
as experiências internas dos outros no período em
que a agressão interpessoal é muito comum em
todas as crianças.
A regulação emocional

• Durante a primeira infância, são os cuidadores


aqueles que fundamentalmente modulam as
emoções infantis, embora as crianças adquiram
progressivamente um maior controle sobre sua vida
emocional.

• Os bebês vêm equipados com mecanismos que


aliviam o mal-estar (fechar os olhos, sucção,
fricções corporais), mas essas capacidades são
muito limitadas.
• Ao longo do primeiro ano, a maturação do sistema
nervoso permite que as crianças desenvolvam
progressivamente maiores capacidades para inibir ou
minimizar a intensidade das reações emocionais.

• Tão importante quanto os processos cognitivos e


maturativos no desenvolvimento da regulação
emocional é a intervenção dos cuidadores.

• A resposta moduladora materna não só regula o estado


emocional das crianças como também ajuda a tolerar e
a enfrentar níveis de tensão cada vez mais elevados,
promove nelas a sensação de controle dos próprios
estados emocionais e ensina-lhes estratégias de
regulação.
• Entre o segundo e o terceiro ano, as competências
infantis aumentam muito.

•A linguagem permite às crianças um modo de


expressão emocional mais eficaz e regulado, elas têm
mais capacidades para modificar as situações que
provocam a emoção, podem utilizar o jogo e a
exploração como estratégia deliberada de distração
para controlar a intensidade ou a duração de seus
estados afetivos, e, além disso, a regulação está mais
flexível e adaptada às circunstâncias (por exemplo, em
uma queda ou em um conflito com outra criança,
choram e protestam intensamente se há um adulto
presente, mas não fazem o mesmo em sua ausência).
• Os pais começam a intervir mais diretamente na
educação emocional de seus filhos e seus estilos de
intervenção.

• A partir desse momento e nos anos posteriores,


exercem uma grande influência na regulação infantil
da experiência e da expressão emocional.

• No modo como os pais educam emocionalmente


seus filhos, está implícita sua própria filosofia sobre
as emoções e sua expressão.
• Os pais que valorizam as emoções da criança têm
empatia, colocam-se em seu lugar, ajudam a
identificar e a nomear suas emoções, demarcam
limites; ao mesmo tempo ensinam formas mais
aceitáveis de expressão das mesmas e ajudam as
crianças a descobrirem estratégias para solucionar
o problema ou para modular seu estado interno,
contribuem decisivamente para uma boa educação
emocional.

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