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Cister
TOMO III
Espiritualidade
Agricultura e Indústria
Turismo Cultural
COORDENAÇÃO
ALCOBAÇA
2019
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Título: Cister. Tomo III – Espiritualidade | Agricultura e Indústria | Turismo Cultural
Apoios:
Câmara Municipal de Alcobaça
Cooperativa Agrícola de Alcobaça
© para a produção
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PENSAMENTO BERNARDINO E “ESTÉTICA
CISTERCIENSE”: ALCOBAÇA E A FORMAÇÃO
DO GÓTICO NO TERRITÓRIO PORTUGUÊS
CATARINA MADUREIRA VILLAMARIZ*
* DCR- Faculdade de Ciências e Tecnologia / NOVA Lisboa. VICARTE, Vidro e Cerâmica para as Artes.
IHA - FCSH / NOVA Lisboa.
1
É-nos impossível afirmar com precisão se S. Bernardo definiu ele próprio este plano, ou se se limitou a
aceitar ou a corrigir um plano que lhe tenha sido proposto por outrem. Mas não há dúvida que, de uma forma
ou de outra, o aceitou. Sobre o plano de Claraval, Valle Pèrez escreve “Claraval II, reflexo fiel do pensamen-
to de São Bernardo em matéria de arquitectura monástica (ignoramos qual foi a sua participação directa no
desenho do complexo e suas dependências, mas qualquer que tenha sido, é inquestionável que o considerou
adequado, pois adoptou-o para a sua própria Casa), começa a construir-se numa época em que a Ordem
principiava a expandir-se espectacularmente por toda a Europa Ocidental.”, “Entre la Innovación y el
Recuerdo: Notas sobre la Implantación Monumental de la Orden del Cister en Galicia (siglos XII-XIV)”, IX
Centenário de la Fundacion del Cister, II Congresso sobre el Cister en Galicia y Portugal – Ourense 1998,
Zamora, Ediciones Monte Casino, 1999, p.1055. Ver também a opinião de A. M.ª Romanini, “O Projecto
Cisterciense”, in História Artística da Europa, Tomo II, A Idade Média, direcção de G. Duby e M. Laclotte,
Lisboa, Quetzal Editores, 1998, nota 148, p. 51.
Cister. José Albuquerque Carreiras, António Valério Maduro e Rui Rasquilho (coords.), Alcobaça, 2019, Tomo III, 73-90
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O próprio Anselme Dimier, responsável por esta demonstração do número de igrejas subordinadas a uma
mesma planta, refere, noutra obra, a existência do “mito da cabeceira plana”, no sentido em que ela não foi,
na realidade, nem um exclusivo, nem uma criação da Ordem de Cister. Ver Anselme Dimier, “Sur L’
Architecture Monastique au XIIe Siècle”, in “Mélanges à la Mémoire du Père Anselme Dimier, présentés
par Benoit Chauvin, Arbois, 1982-1987, p. 779
3
E isto para citar apenas exemplos da filiação de Claraval e dos países mais estudados no que toca à Ordem
de Cister, pois poder-se-iam ainda referir alguns casos pontuais, por exemplo, na Escandinávia – Alvastra na
Suécia e Hovedo na Noruega. Posteriormente também as filiações de Cister e, sobretudo, Morimond irão
dar preferência a este plano. Ver Anselme Dimier, “Sur L’ Architecture Monastique au XIIe Siècle”, in Opus
Cit., p. 779
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Karl Heinz Esser, “Les Fouilles a Himmerod et le Plan Bernardin”, in Melanges Saint Bernard, Dijon,
1954.
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Claraval é a terceira filha de Cister, edificada na região de Champagne em 1115, e a abadia mais emblemática
da ordem, devido à sua ligação com São Bernardo. A construção da igreja, conhecida como Claraval II, deu-
se entre 1135 e 1145 e fez-se, muito naturalmente, seguindo o chamado “plano Bernardino” – planta em cruz
latina com três naves, central e colaterais, transepto saliente com quatro capelas a oeste e cabeceira plana
com três capelas de cada lado, terminado também de forma recta. Esta cabeceira foi destruída para, entre
1154 (o projecto poderá datar ainda do final de 1153) e 1174, se edificar um deambulatório com nove
capelas de planta trapezoidal, inseridas dentro da parede exterior, de planta poligonal com nove lados – esta
igreja ficou conhecida como Claraval III. Em 1791, na sequência da Revolução Francesa, a abadia foi
apreendida pelo Estado e deixou de funcionar enquanto mosteiro. Em 1808 Claraval foi transformada em
prisão, assim se mantendo até aos nossos dias. A igreja foi “desmontada” e as suas pedras vendidas como
material de construção em 1812. Da Abadia do período medieval sobreviveram apenas as dependências dos
conversos edificadas no século XII (c. 1150).
6
Também Valle Pérez define claramente Claraval como o modelo seguido, sublinhando que antes de 1133-
1135 (data do início da construção de Claraval II), não seria possível falar de um modelo definido. Remete
ainda para Claraval a responsabilidade do início do “relaxamento” no cumprimento dos ideais de simplici-
dade, associado à construção da nova cabeceira, em 1154, após a morte de S. Bernardo. Veja-se sobre esta
questão La Arquitectura Cisterciense en Galicia, La Coruña, Fundación “Pedro Barrié de la Maza, Conde
de Fenosa”, 1982, pp. 36 a 38. A. Mª Romanini, “O Projecto Cisterciense”, in Opus Cit., p. 142/3, assinala
igualmente a importância de Claraval na difusão de uma planimetria especifica desta ordem.
7
Anselme Dimier, “Eglises Cisterciennes sur Plan Bernardin et sur Plan Bénédictin”, in Mélanges à la
Mémoire du Père Anselme Dimier, présentés par Benoit Chauvin, Arbois, 1982-1987
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Resta apenas uma parte da nave e respectivas colaterais. Entre 1963 e 1964 decorreram aí trabalhos arque-
ológicos que puseram a descoberto a cabeceira de planta plana. Ver A. Dimier, “Le Plan de l’Église Cistercienne
de Trois-Fontaines”, in Bulletin Monumental, Paris, Société Francaise d’ Archéologie, t. CXXIII, 1965
9
As conclusões apresentadas por Dimier derivam mais uma vez das escavações aí efectuadas (em 1959) que
trouxeram à supefície uma cabeceira idêntica à de Claraval II. Ver A. Dimier, “L’Église de la Abbaye de
Foigny”, in Bulletin Monumental, Paris, Société Francaise d’ Archéologie, t. CXVIII, 1960.
10
Anselme Dimier, “Eglises Cisterciennes sur Plan Bernardin et sur Plan Bénédictin”, in Opus Cit., p. 757
11
No entanto, é importante sublinhar que o “plano bernardino” não ‘morre’ com a morte de São Bernardo e,
que após 1153 se continuaram a edificar igrejas de acordo com esta tipologia; veja-se por exemplo, Silvacane
(fundação de 1111, igreja edificada entre 1157 e 1230) e Maulbronn (fundada em 1138, igreja edificada
entre 1147 e 1178).
12
Elie Lambert, Remarques sur les Plans d’Églises dits Cisterciens, in Bulletin des Relations Artistiques France-
Allemagne, Mayence, Service des Relations Artistiques, Numero spécial, 1951. O autor, porém, chama a atenção
para aspectos relevantes que se prendem com a multiplicidade de variantes possíveis dentro deste tipo de plano e
com a utilização deste tipo de plano também fora da Ordem de Cister: “Contudo, o que torna o problema da
existência de uma arquitectura cisterciense tão complexo é, em primeiro lugar, o terem existido na Ordem e fora
da Ordem, todas as espécies de registos intermédios entre os tipos de igrejas com cabeceira de planta rectangular
e os tipos de igreja com cabeceira de terminação em absides.” A conclusão pessoal do autor, que nós subscreve-
mos, é que talvez seja excessivo falar de uma “arquitectura cisterciense”, embora reconheça que houve uma clara
preferência dos cistercienses pela utilização da planta com a terminação de cabeceira de forma recta.
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H. Hahn demonstrou em 1957 que o chamado “abobadamento borgonhês” era dominante na grande
maioria das igrejas “bernardinas” de quase toda a Europa; H. Hahn cit. por Benoît Chauvin, “ Le Plan
Bernardin: Réalités et Problèmes”, in Bernard de Clairvaux, Préface de Thomas Merton, Drôme, Comission
d’Histoire de L’Ordre de Cîteaux, 1953, p. 316
17
Frei Mª Damián Yañez Neira, “Frutos Conseguidos por San Bernardo com su ‘Apologia’”, in Cistercium,
182, ano 42, 1990, p. 292
18
“Como a Ordem possuía mosteiros em toda a cristandade, os cistercienses difundiram o “gótico” mesmo
nos países mais longínquos e, na realidade, tornaram-se embaixadores desse estilo tão eminentemente fran-
cês”, Henry-Bernard De Warren, “Bernard et les Premiers Cisterciens Face au Problème de l’ Art”, in Bernard
de Clairvaux, Préface de Thomas Merton, Drôme, Comission d’Histoire de L’Ordre de Cîteaux, 1953, p. 52.
A. Mª Romanini, “O Projecto Cisterciense”, in Opus Cit., p. 137, considera que o papel de “missionários do
gótico” tem sido sobrevalorizado, ao passo que o papel enquanto “pioneiros e fundadores” do gótico tem
sido esquecido.
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mais exacerbados defensores dos ideais de simplicidade e ascetismo, não apenas dentro
da Ordem, mas em todo o panorama medieval europeu. Pela sua força espiritual e pelo
seu carisma Bernardo será, sem dúvida, a fonte inspiradora da segunda geração e irá
marcar toda a restante espiritualidade medieval até ao período moderno.
Entre 1124 / 1125 São Bernardo escreve uma obra que irá ultrapassar todas as ante-
riores na exaltação da pobreza, humildade, despojamento e, acima de tudo, austeridade.
Trata-se da Apologia dirigida ao Abade Guilherme (Apologia Ad Guillelmum Abbatem),
já definida como um dos melhores tratados da Idade Média e um documento cuja passa-
gem sobre arte (28-29) é frequentemente entendida como a mais importante fonte que
possuímos para a compreensão da verdadeira atitude medieval face à arte.23
Antes da famosa Apologia bernardina Estêvão havia já exortado à pobreza e
despojamento24, mas este abade não enveredou pela questões artísticas – não há na Car-
ta Caritatis alusões às representações pictóricas, escultóricas ou à própria arquitectura
(aliás, e talvez, contraditoriamente, Estêvão Harding irá ser o responsável por uma das
mais luxuosas Bíblias iluminadas da Ordem cisterciense – a Bíblia de 1109). E quanto
ao Exordium Cistercii, em que essas directrizes se encontram, parece ser posterior à
Apologia, pelo que se pode supor que tenha já sido influenciado por ela. Estêvão foi
contudo, definitivo na orientação quanto aos hábitos de pobreza e nisso antecede São
Bernardo, estabelecendo directrizes e normas de uma forma inclusive mais sistemática
do que o abade de Claraval viria a fazer. Bernardo, porém, irá mesmo entrar no domínio
da arte e com isso marcar as legislações posteriores. “Se fosse necessário caracterizar
fundados por São Romualdo [925-1027], em Camaldoli, perto de Arezzo, e a Ordem de Vallombrosa, fun-
dada na Toscana, em 1038, por São João Gualberto [995-1073]; Estêvão Harding conheceu Gualberto aquando
da sua viagem a Itália e é possível que alguns aspectos da Ordem de Cister, como a ligação entre casa-mãe
e casas-filhas, tenham sofrido influência de Vallombrosa; paralelamente é igualmente nesta Ordem que
vamos encontrar as primeiras referencias aos Conversos que, depois, também irão aparecer na Ordem de
Cister; a Ordem da Cartuxa, fundada em 1086, por São Bruno de Colónia [c.1030-1101], no deserto da
Cartuxa (São Bruno e São Roberto de Molesme chegaram a conhecer-se); e em França, a reforma levada a
cabo, em 1094, por Odon de Tournai no Mosteiro de Saint-Martin de Tournai (a proximidade cronológica e
até mesmo geográfica deste movimento em comparação com o de Cister, leva também a pensar numa possí-
vel influência mútua). Em última análise este surto de “renovações” poderia recuar mesmo até à acção de
Bento Aniano [c. 750-821] e à fundação do Mosteiro de Aniano (Aniane, perto de Lodève, no Languedoque),
no qual “impõe a verdadeira regra beneditina revista por ele próprio afim de dar novamente um pleno valor
espiritual ao oficio divino e ao trabalho manual e, de não abrir imoderadamente o monaquismo ao exterior.
(...) Exerce, assim, uma influência profunda que se traduz pelo retorno à regra beneditina em inúmeros
mosteiros do Languedoque, do Maciço Central e da Borgonha.” Marcel Pacaut, Les Ordres Monastiques et
Religieux au Moyen Age, nouvelle édition mise à jour et augmentée, Éditions Nathan, 1993, p. 67. Veja-se
sobre estas questões Dom Maur Cocheril, Ibidem e Marcel Pacaut, Ibidem, pp. 56-70 e 110-138
23
Conrad Rudolph, The ‘Things of Greater Importance’, Bernard of Clairvaux’s Apologia and the Medieval
Attitude Towards Art, Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1990, pp.3/4
24
O Exordium Cistercii refere-se-lhe nestes termos: “homem de amor mais que ardente da vida monástica,
da pobreza e da disciplina regular e de fidelidade e zelo a toda a prova”, cit. in Cister, Documentos Primi-
tivos, introdução, tradução e notas de Aires A. Nascimento, Lisboa, Edições Colibri, 1999, p. 51
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ambas as figuras, poder-se-ia dizer que Étienne teve mais o carisma da instituição e da
organização da nova ordem e Bernardo o da intuição e da inspiração mística (...) é da
conjugação do carisma destes dois homens que resulta o sucesso da ordem de Cister.”25
A elaboração da Apologia não resultou exclusivamente da vontade e opinião de São
Bernardo. Como se pode de imediato deduzir pelo próprio nome – Apologia dirigida ao
Abade Guilherme - , o abade beneditino de Saint-Thierry de Reims, Guilherme [c. 1070-
1148], amigo pessoal de São Bernardo, foi em parte espiritualmente responsável pela
elaboração da obra; por um lado ela foi escrita a pedido de Saint-Thierry com a dupla (e
difícil) tarefa de calar as difamações feitas por cistercienses a cluniacenses, mas procu-
rando ao mesmo tempo chamar a atenção para o afastamento da Ordem de Cluny das
premissas estabelecidas por São Bento; por outro lado as sugestões de Guilherme de
Saint-Thierry deverão inevitavelmente ter influenciado São Bernardo. Também outra
figura do seu círculo poderá tê-lo inspirado, Ogier, cónego regular do Mont-Saint-Eloi,
na zona de Arrás26. O conteúdo fundamental da obra deve-se, no entanto, à opinião pes-
soal de São Bernardo sobre o estado e comportamento monástico.
A pergunta que se coloca em seguida é: até que ponto as declarações de São Bernardo
tiveram repercussões na arte sua contemporânea, nomeadamente, e acima de tudo, na
arte cisterciense. Partindo do pressuposto de que as críticas feitas por São Bernardo se
dirigiam tanto a cluniacenses como a cistercienses podemos de imediato concluir que a
sua posição não era a posição de toda a Ordem, nem representava a totalidade das vozes
existentes entre os cistercienses. Se já havia antecedentes na legislação cisterciense no
sentido do despojamento, serão, contudo, o Exordium Cistercii e os Capítulos Gerais da
Ordem Cisterciense (Statuta Capitulorum Generalium Ordinis Cisterciensis) imediata-
mente anteriores ao ano de 1134 – portanto, posteriores à Apologia e às directrizes de S.
Bernardo – que irão estabelecer um determinado número de regras (na realidade, deci-
sões capitulares) relativamente às questões artísticas: ausência de esculturas, ausência
de decoração pictórica, cruzes em madeira e sem qualquer material precioso e ausência
de cor nos manuscritos e nos vitrais27.
25
Jean-Baptiste Auberger, “La Législation Cistercienne Primitive et sa Relecture Claravalliene”, in Bernard
de Clairvaux, Préface de Thomas Merton, Drôme, Comission d’ Histoire de L’ Ordre de Cîteaux, 1953, p.
181/182
26
André Louf defende mesmo que a Segunda parte da Apologia foi escrita a pedido de Ogier. Ver André
Louf, “Fue San Bernardo un Iconoclasta?”, in Actas do Congreso Internacional sobre San Bernardo e o
Cister en Galicia y Portugal, Outubro 1991, vol. 2, Ourense, Ediciones Monte Casino, 1992. Sabemos que
São Bernardo se correspondeu com Ogier e que a primeira carta de São Bernardo ao cónego data (provavel-
mente) de 1124.
27
Veja-se sobre este assunto Louis J. Lekai, Les Moines Blancs, Histoire de L’ Ordre Cistercien, Paris,
Éditions du Seuil, 1957, pp. 239-241 e Anselme Dimier, “Saint Bernard et l’Art”, in Mélanges à la Mémoire
du Père Anselme Dimier, présentés par Benoit Chauvin, Arbois, 1982-1987. Neste artigo (pp. 683-685) A.
Dimier levanta a questão das datações exactas no que toca às proibições relacionadas com as iluminuras,
referindo que, como já Jean Leclercq havia chamado à atenção, parece mais provável que essas proibições
tenham sido feitas apenas no Capítulo Geral de 1152.
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28
“X.2. As toalhas dos altares, os paramentos do ministro, com excepção da estola e do manípulo, não
sejam de seda; a casula, porém, seja de uma só cor; todas as peças de serviço do mosteiro, copos e outras,
sejam sem ouro e prata ou gemas, com excepção de duas, do cálice e da colherinha, os quais se permite que
sejam dourados e prateados, mas não de ouro. / XIII. Proibimos que nos livros das nossas comunidades
haja peças, que usualmente recebem o nome de fechos, que sejam de ouro ou de prata ou mesmo prateados
e dourados, nem haja códice algum recoberto de brocado. / XX. Proibimos que haja esculturas ou pinturas
nas nossas igrejas ou em quaisquer dependências do mosteiro, pois quando se olha para elas, deita-se a
perder a utilidade da boa meditação ou a disciplina da gravidade monástica. No entanto, temos cruzes
pintadas que são de madeira.” Artigos X, XIII e XX dos Capítulos Gerais da Ordem Cisterciense anteriores
a 1134, cit. in Cister, Documentos Primitivos, Opus Cit., pp. 82-84
29
“Proibimos a colocação de imagens pintadas ou esculpidas, nas nossas igrejas ou em qualquer outro
local do mosteiro: pois frequentemente aqueles que as contemplam esquecem-se da excelência da verdadei-
ra contemplação e isso é um atentado à seriedade da disciplina monástica (...) Quanto aos vitrais que
sejam brancos sem cruzes nem figuras”, Cit. por Frédèric Van der Meer, Atlas de L’ Ordre Cistercien, Paris-
Bruxelles, Éditions Sequoia, 1965, p. 50. Ver também sobre o assunto Anselme Dimier, “Saint Bernard et
l’Art”, in Opus Cit..
30
Sobre esta questão do impacto da arte cisterciense no gótico A. Mª Romanini, “O Projecto Cisterciense”,
in Opus Cit., p. 151, considera que os monges de Cister “fecundaram o código genético da arte ocidental
com dados novos”.
31
Terryl N. Kinder, L’ Europe Cistercienne, Zodiaque, 1997, p. 385
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32
J.C. Valle Pérez, La Arquitectura Cisterciense en Galicia, Opus Cit., p. 33.
33
Louis J. Lekai, Les Moines Blancs, Histoire de L’ Ordre Cistercien, Opus Cit., p. 242.
34
O termo, aliás, foi empregue por Anselme Dimier, “Architecture et Spiritualité Cisterciennes”, in Opus
Cit.
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Tendo em conta todos os elementos até agora analisados, parece-nos que a resposta
à pergunta inicial, sobre a responsabilidade directa de São Bernardo na criação do opus
novum, passa pela aceitação do facto de o Abade de Claraval ter tido, na realidade, um
forte papel (ainda que indirecto) no desenvolvimento da arte gótica. Claramente, São
Bernardo não inventou o Gótico. Mas as circunstâncias históricas e artísticas mostram-
nos que o nascimento do gótico se produz em paralelo com existência de São Bernardo,
que de alguma maneira acabará por intervir na formação do novo estilo35. É evidente que
o gótico catedralício puro, plasmado nas grandes catedrais francesas, permaneceu basi-
camente intocado face à acção do Santo. As
repercussões das directrizes de São Bernar-
do na arte não chegam a ter a força neces-
sária para abalar os fundamentos desse gó-
tico urbano, episcopal e por vezes até real.
Mas, em oposição, a marca no gótico mo-
nástico (e não apenas cisterciense) e
conventual (visível de forma muito eviden-
te nas ordens mendicantes) vai ser fortís-
sima e a orientação que a arte monástica
dos séculos XII, XIII e, em alguns casos,
até mesmo XIV, vai seguir, é um resultado
directo da arte preconizada pelos cister-
cienses e, consequentemente, da acção de
São Bernardo.
Se, em França, a imagem do gótico que
sobressai, e que de imediato associamos à
arte francesa, é a das catedrais – embora
seja inegável a importância de um gótico
monástico no território francês –, noutros
países, como em Portugal, o gótico catedra-
lício não encontrou (salvo raras excepções)
Fig. 3 - Abadia de Santa Maria de Alcobaça, um terreno adequado para se expandir e flo-
Igreja, Capela-Mor rescer. Aqui será, pelo contrário, o gótico
despojado, austero e simples, preconizado
pela Ordem cisterciense a vingar e a criar raízes. Em Portugal o gótico não alcançará
nunca, até à eclosão do Mosteiro da Batalha, que marca a viragem para o período do
35
Um aspecto que vale a pena realçar tem a ver com o facto de que S. Bernardo pode ter tido uma interven-
ção mais directa do que habitualmente se pensa na arquitectura da sua ordem, ou pelo menos na construção
da sua abadia, uma vez que, em 1136, S. Bernardo se pronunciava sobre a qualidade da instalação hidráulica
de Claraval I, demonstrando um conhecimento prático e técnico sobre o assunto. Ver sobre esta questão A.
Mª Romanini, “O Projecto Cisterciense”, in Opus Cit., pp.138/139.
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39
J. C. Valle Perez, La Arquitectura Cisterciense en Galicia, Opus Cit., p. 38.
40
“Num plano mais estritamente religioso, Alcobaça e Cister divulgaram entre nós expressões da sensibilidade
religiosa que preparariam o caminho para a espiritualidade popular difundida pelos Franciscanos. Como se
sabe, São Bernardo e os seus discípulos, utilizando os recursos da emotividade, contribuíram para dar uma
forma mais pessoal e mais humana ao sentimento religioso.” José Mattoso, “Cluny, Cruzios e Cistercienses na
Formação de Portugal”, in Portugal Medieval – Novas Interpretações, Lisboa, INCM, 1992, p. 119.
41
Sobre São João de Tarouca ver C. Villamariz, A Arquitectura Religiosa Gótica em Portugal no século XIV:
o Tempo dos Experimentalismos, Opus Cit., pp. 59/70.
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42
Sobre Santa Maria de Aguiar ver C. Villamariz, A Arquitectura Religiosa Gótica em Portugal no século
XIV: o Tempo dos Experimentalismos, Opus Cit., pp. 71/83.
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