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Introdu¢ao IDEOLOGIA LINGUISTICA: COMO CONSTRUIR DISCURSIVAMENTE O PORTUGUES NO SECULO XxI ral Oke ead Uma lingua unitéria ndo 6 algo dado, mas é sempre, essenciaimente, algo proposto/postulado —@ em cacla momento de sua vida ela se opde ds realidades da heterogtossia [Estamos fomando a lingua no como um sistema de categorias gromaticais abstratas, mas, a0 conteéto, a fiagua é con- ccebida como ideologicamonte saturada, ingua como visto de mundo, mesmo come uma opinigo conereta, garantindo o méximo de compreensdo matua em todas as esferas da vide Ideol6gica, ‘Assim, uma lingua Unitdria d6 expresso a forgas que operam na diregdo da unificacdo e central- 2agi0 conereta verbal ¢ ideokigion, que se desenvotve em uma conexdo Wial com a processo de ‘contralizagao sociopotice e cuttural (Bakhtin, 1981:270). Endo « globalizagdo & importante para o andlise dos arranjos soclals da transigdo da modernidada Para a modernidade recente, e... hd mus elementos especificamante sociolinguisticos da mo- Nive vow ades abe adn vecekaco’s 9 [ages (opens Sarrgtee gees , er pyonameila “aos «la 44 ems epeH os ver cepa UCho como um "conceito... que abarca O pesquisador ressaltajcinco dessas dimensdes \yue podem ajudar a ca- racterizar 0 que sdo ideologias linguisticas, ainda que tais dimensées se sobreponham. A primeira se refere ao fato de as ideologias linguisticas 1, refletirem os inter cial e cultural especifico. Um dos xemplos que ele utiliza é 0 da ideologia linguistica da norma, que de- \ sampara sociolinguisticamente aqueles que ndo dominam a lingua con- \ siderada legitima. Desse modo, até o proprio conhecimento linguistico gt Va que se tem é politicamente interessado, como, de fato, qualquer conheci- . mento €. O caso das ideologias linguisticas feministas é outro exemplo da defesa dos interesses politicos de um grupo. O mesmo pode ser dito das vis6es te6ricas de grupos de linguistas que abragam um paradigma espe- cifico, como indicado nos exemplos de uma linguistica colonizadora, ¢ de fato exemplificado no posicionamento deste livro sobre a necessidade de teorizagdes que falem ao mundo contemporaneo ou que possibilitem rever compreensées sobre a histéria da lingua (ver, neste volume, os ca- pitulos de Bagno e Lagares). As 4" serem vatiadas, j4 que os significados sociais se referem a uma mullipir cidade de divisées sociais de género, classe social, geracio, sexualidade, nacionalidade étc., que de fato se entrecortam. Assim, as ideologias lin -gutsticas Teministas podem ser compreendidas como de um grupo de mulheres especificas, ou seja, intelectualizadas, de classe média e, no Brasil, majoritariamente, brancas. Por outro lado, a ideologia linguistica que apaga as diferencas de género pode ser entendida como uma manei- ra de naturalizar 0 fato de que sécio-historicamente o homem ter sido construido como o mais capaz e o mais poderoso, sendo natural que nos refiramos ao "homem” para falar da espécie humana. E dessa forma jue ideologias linguisticas especificas so tomadas como verdadeiras por “WE Tno-cano espectfco, aos do patriarcalismo). A terceira dimenso tem a ver com o fato de que a consciéncia que os partici 5 de um grupo-65} emi das ideologias lin adotam é variavel. Nem sempre os participantes demonstram conscién- cia explicita das idcologias linguisticas que geram seus usos, de modo que os pesquisadores baseiam suas andlises nas praticas de uso das lin- guas. Kroskrity {2004} chama a atencdo para lugares tipicos de certas Kroskrity (2004: 501) desenvolve a nogéo de ideologia lin momen LUIZ PAULO DA MOITA LOPES produgées linguisticas ideolégicas, como os rituais religiosos e os tribu- nais, nos quais comentarios metapragmaticos demonstram a consciéncia das ideologias linguisticas dos falantes. Recentemente, ao presenciar um julgamento de uma agdo trabalhista na qual sé falam o juiz ¢ os advoga- dos das partes, fui surpreendido por uma mulher sentada na audiéncia, que se dirigiu ao juiz ao término da sesso: "Sei que nao posso falar, mas queria agradecer seu julgamento’. O juiz mudo estava e mudo ficou. Esse comentario metapragmatico revela o nivel de consciéncia da ideologia linguistica em uso nesse espago por parte da falante. Um ponto interessante ao qual Kroskrity (2004) também remete é o fato de que tradicionalmente os estudos linguistics tém ignorado e des- ligitimado a consciéncia linguistica ¢ discursiva das pessoas, algo tipico da visio da linguistica modernista: considerar o conhecimento dos falan- tes, escritores etc. poderia contaminar as andlises objetivas e imparciais da linguagem. Com base em suas leituras de 300 anos de filosofia, teoria politica, antropologia etc., Bauman e Briggs (2003) apontam que uma visio de linguagem que separa as pessoas dos usos da linguagem subjaz 4 produgio de conhecimento modernista nas ciéncias sociais ¢ huma- nas (ver Moita Lopes, neste volume) com alarmantes implicagées para ideologias de purificagéio das linguas e a consequente inferiorizagao de classes sociais que nao dominam a lingua pura e legitima (ver Bortolini, Garcez e Schlatter, neste volume, assim como os capitulos de Carneiro, Patel e Cavalcanti, Lagares e Bagno}. E a essa tradigao que Kroskrity (2000: 5) também se refere ao indicar que ela resultou de uma “remogao cirargica da linguagem do contexto, [o que] produziu uma [Hngua’ ampu- {ada que foi o objeto preferido das ciéncias da linguagem na maior parte do séc: “Por outro lado, é conhecida a visfio de Widdowson (1979], de que o co- nhecimento dos falantes, escritores etc. sobre a linguagem pode ser mais til para os processos de ensino/aprendizagem de linguas do que aquele produrido por linguistas. Um argumento fortissimo e ousado naquela €poca, mas que hoje é perfeitamente aceito e compreendido, pelo menos na linguistica aplicada, tendo em vista a compreensao da distincdo entre as condigées de relevancia que subjazem a produ¢ao de conhecimento em certas tradi¢es de produgao de conhecimento na linguistica e na lin- guistica aplicada. Infelizmente, em alguns circulos no campo de estudos Tinguisticos, ainda permanece a ideia de que a linguistica aplicada esta a servico das descobertas da linguistica: uma posig&io em total descompas- An ee “ eee ON o> ~ J, bedremranir ben bok Dh pee e feitrmonucto | "| fry NBD so com a teorizagio e a metateorizacao no campo da linguistica aplicada- (ver, por exemplo, Moita Lopes, 2006/2011). Fm relagdo a atualidade da : preocupacao com as ideologias linguisticas com as quais as pessoas ope- & ram, é notével 0 nGmero recente da AILA Review, intitulado Applied Folk Linguistics, ou linguistica aplicada que incorpora as visdes dos falantes, ‘So sh escritores, tradutores etc. sobre lingua(gem) (Wilton e Stegu, 2011). 4 e Le eee ae canoe ‘ate de a ideologias lingusticas fae | 4 3ae rem a mediagao entre as estruturas sociais ea linguagem [Si diagao ¢ marcada pelag indexicalizacbes linguisticas e discursivas no uso . da linguagem que se referem as experiéncias socioculturais dos fants ¢ escritores, ou seja, indices das performances identitérias ¢ das praticas discursivas em i sso significa que, com base em suas ideologias linguisticas, as pessoas indicam sua consciéncia das escolhas das indexicalizages que fazem. Como diz Kroskrity (2000: 7), “muito do significado e, portanto, do valor significative que as formas linguisticas tm para seus falantes esta nas conexdes ‘indexicais’ entre os signos linguisticos e os fatores contextuais de seus usos — suas conexées com os falantes, ambientes, topicos, instituigdes, e outros aspectos de seus mundos socioculturais” e, claro, com base nas experiéncias sociais compartilhadas®. O conhecido trabalho de Irvine e Gal (2000) é citado por Kroskrity (2004} para ilustrar o papel de mediacdo das ideologias lin- guisticas, assim como por Makoni e Meinhoff (2006/2011) em seu argu- mento em relacdo a construgo social, portanto, discursiva das linguas. Irvine e Gal (2000) listam trés instrumentos para a andlise da com- preensao da ideologia linguistica pelos falantes ¢ escritores: iconicizagao, recursividade fractal ¢ apagamento. Alico: considera tanto as ideologias linguisticas populares como também, aquelas construidas por linguistas para compreender “linguas exdticas’ da Africa'e dos Balcas. Assim, a onenentacbes leben tley grupos sociais ou ativida: , 2000: 37). A plo, og cliques da lingua Khoisana da Africa do Sul eram compreendidos por linguistas como sons de animais, nao como unidades fonolégicas, e a 6, Com dizer Blommaert ¢ Rampton (2011: 7), ‘na verdade a relagdo entre, por um lado, signos com significados néo estabelecidos e, por outro, interpretagdes socialmente compartilhadas, torna a inde- xicalizacdo um lugar muito rico para o estudo empfrico das ideologias’. B um fato, porém, que em Priticas discursivas em que hé uma diversidade de backgrounds envolvidos, ha limites para a negocia- ‘co (2011: 8}, 0 que questiona o proprio construto de negociagdo como tradicionalmente entendido. LUIZ PAULO DA MOITA LOPES diversidade étnica e sociolinguistica dos Baleds cra patologizada por néo corresponder ao padréio europeu ocidental de que a uma nacdo corres- pondia uma lingua (Kroskrity, 2004) — o que de fato estava longe de ser uma realidade, mesmo na Europa do século XIX —, compreendendo tais tragos como iconicizando os grupos sociais como subumanos. A acéio das ideologias nacionalistas, portanto, é poderosa em relagao as ideologias linguisticas de estudiosos da linguagem, podendo levar a "suposicées interpretagdes prefiguradas por ideologias nacionalistas em vez de serem baseadas em padrdes sociolinguisticos observaveis" (Kroskrity, 2000: 30) — veja Pinto (neste volume) em relacdo a ideologias linguisticas que ope- ram com base na prefiguracdo identitaria do falante. A recursividade fractal se refere "A projeciio de uma oposigao, salien- te em algum nivel da relagao, em outro nivel” (Irvine e Gal, 2000: 38), portanto, em escalas diferentes (ver Keating, Solovova e Bartadas, neste volume, em relagéo a uma sociolinguistica de escalas). Assim, uma opo- si¢do que marca diferengas dentro de um mesmo grupo pode ser expan- dida para marcar diferengas entre grupos. Um dos exemplos que Irvine e Gal apresentam se refere a como 0 uso de cliques, originario das linguas Khoi, penetrou as linguas nguni para criar substituigdes lexicais, com a finalidade de evitar certos itens lexicais e de modo a marcar respeito em relag&o ao interlocutor. Veja essa questdo também discutida em Makoni = e Meinhoff (2006/2011). Ee © apagamento "é o processo pelo qual a ideologia, ao simplificar 0 @% _satipo sociolingulstice, toma invisivels alguna s fou fenémenos sociolinguisticos)" (Ir 38) ak agamento daquilo.que contradiz a viséo dominante usad ndilise J de uma lingua ou em sua construgao. Dai ser possivel criar/inventar © —-homogencidade e uma visio essencialista no uso de uma lingua ou construgao de um grupo social. Esses recursos semidticos de construgaio de ideologias linguisticas tanto por falantes quanto por linguistas in cam como a construgdo de gramaticas, do léxico, de padrdes. discursivos e interacionais tanto por falantes como também por gramiticas, dicio- narios e de descrigdes discursivo-interacionais por linguistas sio pro- ~ cessos balizados por ideologias linguisticas (ver Correia ¢ Ferreira, néste volume), que podem resvalar em ideologias racistas, sexistas, naciona- listas, colonialistas (ver, por exemplo, os capitulos de Bagno, Lagares e de Patel e Cavalcanti, neste volume}, entre outras, sendo que nem todas operam simultaneamente. ee to ote 0 Lavoy a a eR EA ORMON OLANLA NOE ROMA OMA Othe! INTRODUGAO A quinta dimensio a que se refere Kroskrity (2004) para explicar 0 Y fenémeno das ideologias Ii is a ver com o modo como elas sao usadas na construgao de identidades culturais ¢ nacionais, iais como nacionalidade e einia, O fenémeno de comparlithamento de uma lingua tem sido utilizado para separar ou di idir_grupos sociais, construindo diferencas de varias naturezas entre os grupos, to: naturais, . fa ‘ecendo. lo estado-nacao (ver os capitulos de Bagno, res, Carneiro e Patel e Cavalcanti, neste volume], muitas vezes ao prego do aniquilamento de outras linguas/variedades ou de seu apaga: mento. E difundida no Brasil, por exemplo, a ideologia de senso comum de que este é um pafs monolingue, no qual se fala somente parlugués — uma lingua com limites bem claros —, deixando de {ado a: { indigenas (ver Censo IBGE, 2010}, os usuarios de upras, as Tinguas de fronteiras como espanhol, guarani, francés, inglés, holandés e as ina meras linguas de imigrantes como aleméo, japonés, coreano, chinés etc, f 0s processos de hibridizacdo e mistura a que estio submetidas (ver Moita Lopes, neste volume}. Tal ideologia é perniciosa por que nao leva em consideracao os falantes bilingues ou multilingues (ou mesmo mono- lingues em outra lingua que nao o portugués) no Brasil e seus interesses © necessidades ecucacionais, entre outros. Essa dimensdo é importante Por que 0s conceitos de nacdo, etnia e de pertencimento a um grupo “dependem crucialmente dela. Dai o investimento politico dos governos na edUcaqao em uma lingua € nao em outra, Ussa visto se baseia na con- cepgio de “uma lingua como uma unidade delimitada associada a comu- nidades [igualmente] delimitadas” (Blommaert e Rampton, 2011: 5). Veja neste volume, porém, os argumentos de Oliveira acerca do investimento Politico e econémico na lingua portuguesa de modo policéntrico, neste século, como também as anéllises de Keating, Solovova e Barradas sobre policentrismo ¢ os valores do chamado portugués europeu. A ideologia linguistica da delimitagao linguistica a uma comunidade Precisa ser revista, principalmente a luz dos processos de globalizagao € de fronteiras porosas que vivenciamos ¢ que serao abaixo mais am- plamente discutidos: perspectivas de ideologias linguisticas muito mais complexas sdo necessérias para dar conta do que entendemos como por- fugues no século XXI. Esse posicionamento significa que ideologias lin- guisticas sdo motivadas por interesses especificos, valores ¢ visdes do lo ¢ do ser humano nele, como claramente devem ser entendidas i nguisticas apresentadas nos capitulos deste volume que LUIZ PAULO DA MOITA LOPES constroem 0 que entendemos por portugués de certos modos e, obvia- mente, nem todos da mesma forma. Neste livro, tal posicionamento é um pressuposto. As escolhas teéricas sao de natureza ideolégica, ja que desejam construir o portugués de uma forma especifica no mundo con- temporaneo em didlogo com os usos que ele esta tendo atualmente em varias partes do globo, assim como com o espfrito intelectual de nosso tempo, 0 que permite igualmente historiciz4-lo de outras formas. Por outro lado, tal interesse por ideologias linguisticas também se justifica pelo fato de, no bojo das transformacdes contempordneas aci- ma clencadas, o que chamamos de portugués ter passado a ocupar um novo papel no chamado mercado linguistico, gerando a necessidade da construcdo de outras teorizagdes, derivadas das praticas sécio-histéricas atuais nas quais est4 localizado (veja, por exemplo, neste volume, os capitulos de Oliveira, Silva, Carneiro, Signorini, Fabricio, Moita Lopes). Nessa direcdo, Kroskrity (2000: 2) nos lembra de como Edward Sapir estimulava os pesquisadores a irem além das questées formais da lingua- gem, por meio de abordagens de pesquisa “mais integrativas, que rela- cionariam a linguagem/lingua a importantes questées dos seus tempos". ‘Tal empreitada é crucial quando se sabe que o portugués é uma lingua cada vez, mais internacionalizada, falada como lingua oficial em quatro continentes (veja os capitulos de Oliveira e de Signorini, neste volume} © que tem passado a ocupar um papel destacado com base nas transfor- magées geopoliticas que estamos enfrentando em um mundo compreen- dido como multipolar ou policéntrico. No mundo bipolar da Guerra Fria (dividido entre Estados Unidos e Unido Soviética}, o inglés imperava em grande parte do mundo. Agora, porém, embora o inglés continue a ser a lingua mais usada internacionalmente’, a organizac&o polilico-econémi- ca do mundo de modo multipolar — o que Hardt e Negri (2000) denomi- naram de Império, no qual nao hé um dnico centro de poder —, assim como as crises econdmicas que tém afetado os paises do denominado primeiro mundo desde 2008 chamaram a atengdo para os paises emer- gentes e, consequentemente, para as suas chamadas linguas oficiais. No caso do que se entende como portugués, essa tendéncia é especial- mente derivada do papel do Brasil no bloco denominado BRICS (Brasil, Réssia, India, China e Africa do Sul), assim como do interesse que a exploracao das riquezas de alguns paises de lingua oficial portuguesa na 7. Ainda que o espago usado pelo ingles na internet, por exemplo, seja preponderante, observa-se que fal espaco é cada vez mais dividido com outras tinguas {Graddol, 2006), INTRODUGAO Africa tem despertado internacionalmente (como no caso do interesse da China por Angola, por exemplo). Acrescentem-se ainda os interes- ses comerciais de conglomerados empresariais portugueses, assim como aqueles referentes 4 enorme diéspora de lingua portuguesa, estimada entre 5 7 milhdes de pessoa (ver Oliveira, neste volume, e também os capftulos de Keating, Solovova e Barradas ¢ o de Silva }, a qual, no case dos brasileiros, comega a retornar Para casa tendo em vista a melhoria relativa das condicées econémicas que o Brasil experimenta, O que cha- mamos de portugués passa, portanto, a ter outro lugar no mercado das linguas (ver os capitulos de Oliveira e de Signorini, neste volume} no atravessamento das fronteiras fisicas e cibernéticas*. Dentro desse quadro sociopolitico, hé a necessidade de pensar outros construtos teéricos e ferramentas analiticas para dar conta do que enten- demos por portugués ¢ de como conduzir a pesquisa linguistica. Os cons- trutos que refletiam a ideologia linguistica colonial da modernidade que equacionava uma lingua a um estado-nagio, ao ideal de pureza Tinguisti- ca ea sua manifestagdo sistémica, colaborando para construir ideologica- mente inferioridades sociais e sociolinguisticas de varias naturezas, estado sendo seriamente questionados, Construtos como lingua, norma, falante nativo, lingua nativa, identidades linguisticas, comunidades de fala, com- peténcia, lusofonia, negociacdo interacional etc. tém sido cada vez mais criticados por se pautarem, Ror essencialismos ¢ homogen. eidades linguis- ficas, em um mundo em que a hibridizacai a mesticagem, a superdiver- sidade e a mistura linguistico-identitaria sio cada vez mais evidenciadas fornando necessaria uma linguistica das praticas e dos contalas em opo; sigéo a uma linguistica das comunidades e da estrutura interior das lin- §uas’ ver, neste volume, os capitulos de Silva, Fabricio e Moita Lopes). ee fe Swan (2001: 1.2} se refere ao ‘sistema de Iinguas globais", todas conectadas ‘por falantes mul- iingues, O autor constr6i uma hierarquia das linguas determinada pela qualidade do felts aela Concetdeloe com base “em correntes de multlinguismo". Aponta entae que-o ingles ¢ ums “Fingua hi- Parnes alecnstty em ordem alfabética, outras onze que qualifica como supercentrals: arabe, chinés, {Kanets, alemio, hinci, japonés, malaio, portugués, russ0, espanhol « sual, De faras semelhante, Ammon (2010: 108} indica que © portugues, tendo em vista mudangas historicas, deve figurar entre 28 aguas mundiais em um futuro préximo {ver Oliveira, neste voltae), © autor cite especificamente Aang Hingua mundial, teudo subido no ranqueamento. f porém a quinta lingua em relagao ao nGme- tos de palses onde tea status de lingua oficial 2010: 112). Pigg ate no quer dizer que a estrutura linguistica ndo seja um nfvel importante na canstrugdo do sig- nificado. &, porém, um dos niveis de recursos semidticos entre outros, jd que a construgao do signifi- cade ¢ multimodal [Kress e Van Leeuwen, 2001). Dat, anecessidade de "nce movernee se lingua para socio acre fore de investigacio ¢ da ‘lingutstica’ para uma ntova forma de semistica infeed, ‘osiolingulsticamente como um espaco disciplinar’(Blommaert e Rampton, 2011. 7), LUIZ PAULO DA MOITA LOPES Como dizem Blommaert ¢ Rampton (2011: 6}, é necessério pensar as linguas como recursos ou repertérios linguisticos (ver também Blomma- ert, 2010 e Heller, 2010), 0 que da conta de como no percurso de suas vidas as pessoas vao construindo modos transidiomaticos de gerar sig- nificados (Jacquemet, 2005} aqui e ali, se utilizando de registros, estilos e géneros nas praticas em que estdo situadas ao se moverem translocal- mente. Sugerem que, em vez de pensarmos em "competéncia", deveria- mos aderir a nogées como "sensibilidade" ou “estrutura de sentimento", muito mais adequadas para dar conta de um leque de possibilidades disponiveis para os falantes em sua mobilidade translocal. Isso néo quer dizer que a noc&o de local nao seja importante para a andlise linguisti- ca (uma visdo tradicional}; contudo, é necessdrio também operar com uma visdo de mobilidade no estudo da linguagem: "Ela se move com as pessoas pelo espaco e tempo, e € mostrada localmente de modos que revelam as histérias translocais dos recursos dos falantes" (Blommaert e Dong, 2010: 382). Com base nesses posicionamentos, este livro quer construire pro- blematizar ideologias linguisticas para o portugués no século XI, ques- tionando uma série de pressupostos tedricos que tém orientado o que chamamos de portugués. f um volume essencial para alinhar os cur- ~ sos de graduagao e de pés-graduacéo com a pesquisa contemporanea, tornando-os mais responsivos ao mundo em que vivemos. Além disso, livro cobre um leque amplo de prdticas linguisticas no qual o que cha- mamos de portugués ¢ falado (no Brasil, Portugal, Timor-Leste, Canadé, Mocambique, Uruguai e Inglaterra), sendo, em tltima andlise, um con- vite para reteorizé-lo em outras bases ou para construir outras ideologias linguisticas sobre o que entendemos por portugués, mais consequentes para a vida sociolinguistica de nossos dias. A implicacio aqui é que nao é mais possivel continuar a usar um referencial teérico ¢ suas ferramentas analiticas que explicavam a lin- guagem, o portugués e seus usos, tipico da modernidade colonial em um mundo pés-colonial, fortemente impactado pelos processos da globaliza- 40: "Ha uma consciéncia crescente de que a globalizacao alterou a face da diversidade social, cultural e lingufstica nas sociedades pelo mundo todo" (Blommaert e Rampton, 2011), configurando 0 que Vertovec (2007) chamou de superdiversidade (ver os capitulo de Fabricio, Carneiro e Moita Lopes, neste volume). Tal superdiversidade é identificada nos pro- cessos de migragdio continua que afetam varias nacdes do mundo nos oo Nodes Trewtuoyline, ye Deactwapthde, app Moda ye INTRODUGAO quais as frontciras passaram a ser porosas, afetando a vida local, assim como nos cruzamentos de fronteiras cibernéticas. Blommaert e Rampton (2011) acrescentam ainda que tais fluxos de migrantes sao agora mais complexos por causa dos meios cibernéticos de comunicagiio {fronteiras porosas digitais) que permitem a comunicagaio entre comunidades dispersas pelo mundo, o que afeta também a vida das pessoas que recebem os imigrantes, com reflexos linguisticos, iden- titérios, culturais e comunitarios. Dai_os autores se referirem 4 necessi- dade de mudanga de paradigma no estudo da linguagem, um ponto que Rampton (2006) ja adiantara, ao defender, em oposicao a sociolinguistica quantitativa e suas grandes totalizagdes te6ricas, derivadas de uma vis “ctnografia na microandlise de pr praticas interacionais situadas, o que n iemmios deste livro se taduz pela necessidade de novas ideologias ling Essas novas ideologias tém que dar conta de "mobilidade, mistura, dinamica politica ¢ mudancas hist6ricas* (Blommacrt e Rampton, 2011. 4/¢ séo influenciadas pelos cruzamentos.de conhecimentos da antropo- Jogia linguistica e de teGricos culturais, assim como pelas “alteragdes nas paisagens linguisticas em muitas partes do mundo’ (2011: 4) (ver os capi- tulos de Silva e de Moita Lopes, neste volume}. De fato, tais influéncias sao também perceptiveis nos cruzamentos indisciplinares (Moita Lopes, 2006/2011) desta introdugio ¢ neste volume. Na compreensao de Blommaert e Rampton {2011}, a nogao de super- diversidade impée limites a construtos entendidos como dados em varias tradigdes de estudos linguisticos, por exemplo, {a) negociag&o, um construto que se torna limitado pelas diversidades (superdiversidade) de backgrounds dos construtos em agao discur- ‘ siva nas praticas — ver nota 6; ~ nauliilinguismo para além do uso de Hinguas diferentes {a da fami- cos nos chamados novos letramentos. digitais,-caracterizados-pela he ap Cobarticipagao on-line (na conversa em salas de bale-papo, por exemplo}, na midia em geral (na propaganda}, na cultura popular {no rap} etc. Tal multilinguismo tem sido chamado de heteroglos- sia (Bakhtin, 1981), atravessamento entre linguas (Rampton, 1995), OSE transidiomaticidade (Jacquemet, 2005), metrolinguismo (Otsuji e Pennycook, 2012), polilanguagismo (Jorgensen ¢ Moller, 2012) etc.; LUIZ PAULO DA MOITA LOPES (cl o pressuposto do uso tcito da lingua para a anélise. O alto grau de reflexividade que impera em nossas sociedades, tendo em vista sua hipersemiotizacéo, tem colaborado para aumentar a reflexi- vidade sobre a vida social (Giddens, Beck e Lash, 1995] e sobre a propria linguagem (reflexividade metapragmatica — Blommaert ¢ Rampton, 2011), de modo que estudar os processos de reflexivida- de linguistica que falantes ¢ éscritores utilizam, deixando marcas em pistas linguisticas (indexicalizagdes que indicam “a conexdo entre “signos ¢ contextos"; Blommaert, Collins and Slembrouck, 2005: 204)’, se tornou um lugar importante de investigacio, permitir a compreensao de suas ideologias linguisticas e suas asso- ctayOes com 0 poder: inia posicdo bem diferente da "visto tradi- & m sociolinguistica, qué prioriza usos linguisticos tacitos ¢ i ccientes" (Blommaert e Rampton, 2011: 10). Tal reflexividade é metapragmaticamente identificdvel nos comentarios que as pes- soas fazem sobre a linguagem em uso, assim como nas escolhas de recursos multimodais (para além de linguisticos} disponiveis; (d) foco no que é regular, repetitivo e sistematico. Ao contrrio da tra- dicdo, os estudos linguisticos contemporneos tém se preocupado com o que é diferente e espetacular (ver Rampton, 2006/2011). Se o evento linguistico é espetacular, i.c., “chama a nossa atengao e vale a pena examinar’ (Rampton, 2006/2011: 119}, deve-s&estudar sua circulagdo para além do evento especifico de ocorréncia, ou seja, sua trajetéria textual de entextualizacéio, para transposicao e para recontextualizacdo (Rampton, 2006/2011}. Bssa visio esta re- lacionada a mobilidade de textos e das pessoas na vida contempo- rdnea no espago, no tempo e nos contextos ou o que tem sido cha- mado de fluxos transculturais ¢ transnacionais (ver Fabricio, neste volume}. Essas trajetérias textuais mobilizam escalas contextuais miltiplas do imediato para o local e para o global, nas quais os tex- tos circulam (Blommaert e Rampton, 2011). E tipico desses contex- tos multiescalares 0 uso do hip-hop (Pennycook, 2007; Blommaert, 10. Blommaert {2010} ¢ Blommaert, Collins ¢ Slembrouck (2005) se referem & natureza escalar das ordens das indexicalizagdes, jd que essas podem indexicalizar aspectos escalares situacionais, outros nacionais (variedades linguisticas padronizadas, por exemplo), outros translocais /transnacionais {por exemplo, no rap, nas praticas discursivas de executivos) ¢ outros que misturam esses [odos. Assim. “uma mudanga de tépico... pode desse modo ocasionar uma mudanca escalar por exemplo de uma escala estritamentc situacional para uma transnacional, envolvendo mudangas nas ordens de inde- xicalizacio validas em cada uma dessas escalas* (Blammmaert, Collins e Slembrouck, 2005: 204}. Veja também Keating, Solovova e Barradas, neste volume. INTRODUGAO 2010}, que no contexto imediato onde é cantado ou recitado, retra- ta.a vida local, por meio do uso de uma forma global de estruturar textos ou musica ~ um modelo ou um padriio (veja Moita Lopes, neste volume, e Moita Lopes, 2012b). Metodologicamente, os pontos acima se tornam vidveis por meio de estudos situados da linguagem, que valorizem 0 contexto onde os usos ocorrem, © que em tempos de fluxos e de superdiversidade se torna uma tarefa dificil, mas essencial. Tal tarefa requer um olhar discursivo para a linguagem encaixado em abordagens de natureza etnografica (Blomma- ert e Rampton, 2011; Rampton, 2006). Além de tentar ir ao encontro da superdiversidade, caracteristica de nossos tempos, os pontos alinhavados acima chamam a atengiio, sobremodo, para a necessidade de elaborar ideologias linguisticas ou teorizagdes diferentes que vao ao encontro do estruturalismo linguistico (portanto, ao encontro de compreensdes pés- -estruturalistas}, de visdes colonialistas e modernistas da linguagem (por- tanto, ao encontro de visdes pés-coloniais e pés-modernistas}, de visdes de conhecimento como verdade (portanto, ao encontro de compreensoes de conhecimento como sendo sempre interessado) etc. e, portanto, for- negam indicagdes de como pensar 0 que entendemos por portugués em tempos contemporaneos. 2. Em prospectiva Passo a relatar os capitulos que constituem o volume, tentando colo- car em prospectiva o que o leitor iré encontrar na medida em que leio os varios autores me apoiando na proposta do livro, entrelacando-os. No capitulo 1, com base em uma historicizagdio dos perealcos (dita duras, guerras e problemas econdmicos) enfrentados no século XX pelos paises que tém o portugués como lingua oficial, Oliveira desenha outro futuro para essa lingua (outra ideologia linguistica, portanto) para o ini- cio do século XXI {pés-2004), quando a situag&o econdmica de tais paises comeca a ser alterada. Tal alteragdo gera consequentemente maior inte- esse mundial pelo portugués, o que vai levar a necessidade de pensar modos de gestdo adequados para ele pelo conjunto desses paises. © autor discute como imperaram no século XX modelos divergentes de normatizagao da lingua, orientados por Brasil e Portugal como gesto- res simultaneos da lingua ao mesmo tempo em que ignoravam os outros paises de lingua portuguesa, Tal fato constituiu grande dificuldade para LUIZ PAULO DA MOITA LOPES a internacionalizagao da lingua, baseada em uma visdo inadequada do modo como o mundo se apresenta no século XXI {ou seja, um mundo multipolar ¢ cada vez mais diaspérico). Surge dai a necessidade de criar o Instituto Internacional da Lingua Portuguesa (IILP), que acabou por le- var a construgéo da Comunidade de Paises de Lingua Portuguesa (CPLP}. Oliveira argumenta que 0 quadro econémico mundial atual requer a utilizacéo de outras Iinguas na economia, uma vez que a produgao em uma tnica lingua conduz 4 saturagdo do mercado. Atuar em varios mercados linguisticos é, inclusive, uma demanda crucial das empresas que operam nas redes cibernéticas e que constroem um mundo digital cada vez mais multilingue. As linguas passam entio a ser matéria fun- damental em tal mundo, sendo o portugués uma das linguas de maior crescimento na economia linguistica contemporanea. Tratar da politica da lingua portuguesa se torna uma questao central. © autor, a seguir, examina como outras chamadas grandes linguas, como 0 inglés, o francés ¢ o espanhol, tém sido gestadas. Conclui que a histéria da independéncia do Brasil de Portugal subjaz as politicas de normatizagao divergente, que emperram o didlogo da lusofonia (veja, po- rém, neste volume, a proposta de Fabricio para a lusofonia, assim como 08 questionamentos de Silva ea visio de Signorini). Oliveira exemplifica a normatizagao divergente no uso do portugués de Portugal e do Brasil na Wikipédia como um fato linguistico do século XX, que nao faz o menor sentido no século XXI, tendo em vista os préprios instrumentos contemporaneos de uso do idioma. Propée a seguir uma normatizacdo convergente com base no uso da lingua na internet, nas didsporas inter- nas nos paises da CPLP e na troca cada vez maior de artefatos culturais entre tais paises. Apresenta, na conclusao, 0 Acordo Ortogréfico da Lin- gua Portuguesa de 1990 como um exemplo de tal normatizagao (veja o capitulo de Correia e Ferreira neste volume}, que constitui uma gestdo compartilhada do portugués. No capitulo 2, Signorini discute questées referentes aos processos de globalizacao e de politica da lingua portuguesa, enfocando notadamente tal problematica nos jogos de linguagem existentes nos documentos re- ferentes a constituic&éio da CPLP e ressaltando as agdes implicitas em tais jogos ou as ideologias linguisticas que orientam tais documentos, Parte do principio de que os mercados linguisticos (ver também Silva neste vo- lume] agem em conjunto com outros mercados (de capitais e do trabalho} que, juntamente com instituigées como Estado, escola, familia, midia INTRODUGAO ete. atuam na elaboracao de politicas linguisticas. O que rege a lgica da globalizacao &, portanto, a ideologia do globalismo: um amélgama de ideias provenientes do liberalismo e do conservadorismo anglo-saxao, cujo papel principal é enfatizar as assimetrias de poder, que se organi- zam por meio do globalismo para beneficiar certos grupos sociais, £ cla- ro que, para fomentar tal estrutura, a lingua assume papel primordial em nivel global, uma vez que indexadores de sentidos que vio mercantilizar slobalmente os produtos sdo intrinsecos aos processos do globalismo, Assim, as linguas em si se tornam Produtos mercantis, na medida em que competem entre si em relagfio a como conseguem vender mais melhor. & esse papel de mais valia em telag&o ao portugués que a autora vai examinar nos documentos da ou sobre a CPL. Primeiramente, Signorini discute o globalismo luséfono ¢ o Pés-co- lonialismo, no qual vé uma vertente do globalismo que almeja revisitar a dominagao colonial portuguesa por meio da utilizacdo da lingua por- fuguesa ¢ dos interesses politicos e mercantis de Portugal, ou o novo império portugués em acdo, uma vez que Portugal tem vyantagens no mundo lus6fono, mas nao no europeu, devendo entdo voliar-se uma vez mais para o mar (veja, porém, Oliveira, neste volume, em relacdo A cons- trucdo de uma politica voltada para um novo Allantico). Essa vertente 6 exemplificada pelo chamado MBA Atlantico, coordenado por universi- dades catdlicas do Porto, de Sdo Paulo e de Angola, com a finalidade de formar gestores da economia no mundo da lingua portuguesa, no tripe do antigo império portugués. Hustra ainda essa posicao com a comoditi. zacao do discurso no site institucional do curso. A seguir, trata de globalismo brasileiro e hegemonia nacional. Aqui 8 autora comeca a levantar a questao das hierarquizacdes linguisticas entre as “variedades" brasileira ¢ portuguesa, que se transformou em uum grande problema com o surgimento do globalismo brasileiro ¢ suas relagSes comerciais com diferentes paises fora da CPLE. Na Africa, por exemplo, os paises de real interesse da politica internacional do Brasil so Africa do Sul, Angola e Nigéria, e esses movimentos multilaterais e bilaterais brasileiros séo sempre acompanhados da difusdo do portugués. A autora exemplifica 0 globalismo brasileiro com a fundagdo de duas universidades no Brasil: uma de integragao latino-americana e outra afri- cana, estando a lingua portuguesa colocada nos dois projetos universita- tios. Mas a autora argumenta que o globalismo brasileiro nao esté assen- tado na retorica colonial, como a do globalismo lus6fono, nao se atendo a LUIZ PAULO DA MOITA LOPES nenhuma origem comum monolingue ¢ monocultural. Discute, a seguir, como a questo do Acordo Ortografico em Portugal se transformou em um movimento contrério a abrasileiragdo do portugues, ao passo que no Brasil tal questao foi minimizada ou praticamente ignorada (veja, porém, 08 capitulos de Oliveira e de Correia ¢ Ferreira neste volume). Na tltima parte do capitulo, Signorini discute a diferenga africana ¢ a critica ao globalismo, que entende como estando representada na postu- lagdo de um portugués transnacional, fruto de um mundo multilinguisti- co que reconfigura o portugués. Assim, a politica linguistica teria que ser pensada em relacéo a um mundo transnacional, transcultural e transi- diomético (ver os capitulos de Moita Lopes e de Fabricio, neste volume} bem distante de visdes nacionalistas, monoculturais e monolinguisticas nas quais tem se baseado a maior parte da discussao sobre uma politica para o portugués. Essa posiciio se coaduna com uma perspectiva de des- territorializagao do mundo e das novas performances identitdrias que nele surgem e que se expressam e se constroem transidiomaticamente. Moita Lopes, no capitulo 3, segue uma ideologia linguistica de nature- za pos-colonial e pés-estruturalista que foge totalmente ao ideal moder- nista de uma lingua para cada estado-nacao. Ao contrario, seu argumen- to é de que estamos vivendo tempos nos quais haveré mais misturas de linguas {um linguajar) em meio as fronteiras fisicas e cibernéticas que se acercam de nds cada vez mais, trazendo a tona o processo de superdi- versidade em relacao as linguas, as nagbes, as religides etc. (ver também Fabricio, Carneiro, Signorini e Keating, Solovova e Barradas neste volu- me}, cujos efeitos semanticos globais afetam nossas vidas sociais locais, © capitulo se apoia em uma visio de Iingua como rizoma que se espalha como uma poga de éleo e ndo como um sistema auténomo de estruturas internas da lingua, que apaga os atores Sociais ¢ os usos que eles dao as linguas. Esta é uma visdo que o autor defende como mais adequada para dar conta das sociedades de fluxos, nas quais as pessoas ¢ seus textos estado em movimento em zonas de contato ou fronteiras [ver Fabricio, neste volume}. Dai, Moita Lopes prossegue para uma discus- so sobre teorizacao linguistica como ideologias linguisticas, desmante- lando a ideia de que teorias iconicizam manifestagdes linguisticas, que existam naturalmente no mundo, independentemente do que 08 teéricos queiram fazer com tais teorias na vida social. O autor se opde entdo a teorizagées de carater modernista, estruturalista e Positivista com seu ~——_ INTRODUGAO ideal de manter uma lingua pura, equacionada a de um estado-nagéo, separada da vida sécio-histérica de seus falantes, escritores etc., assim como de seus sofrimentos e interesses, funcionando para a manutencao das desigualdades de varias naturezas no mundo. A seguir, Moita Lopes aponta para a necessidade da reconfiguracdo de uma série de construtos te6ricos que possam ser mais responsivos as pré- ticas sociais que passaram a configurar 0 mundo, Comeca pelo préprio conceito de lingua (ver Pinto, neste volume), que entende dever ser com- preendida com um fazer, no qual a estrutura linguistica advém de ativida- des repetidas que levam a consolidagéo da estrutura e, ao mesmo tempo, a mudanga. Dessa forma, nem a lingua, nem os falantes e escritores pre. existem ao fazer linguistico, ja que séo produtos performativos (ver Pin- to, neste volume}. Outro construto que o autor critica é o de comunidade linguistica, que qualifica como utépico e baseado em uma linguistica do cédigo, da competéncia, de uma sociedade unificada e homogénea que essencializa os atores sociais, possibilitando imaginar uma comunidade: em tltima andlise, um estado-nagdo ou subcomunidades de homens, ho- mossexuais etc. Nessa visao de linguistica de comunidade, o que contaéa separacao entre as pessoas e as comunidades a que pertencem, em vez de uma linguistica de contato ou das praticas, mais adequada para dar conta das zonas de contato e fronteiras reais e digitais em que estamos situados, Esse quadro serve de pano de fundo para o autor se referir as muta- ges comunicativas que estamos experimentando em um mundo des- territorializado, em que as praticas discursivas so cada vez mais tran- sidiométicas, e as pessoas compreendidas como construidas no aqui e agora em performances que nao preexistem ao discurso (ver Pinto, neste volume). © autor conclui o capitulo indicando que as Iinguas devem ser compreendidas como recursos comunicativos dos quais as pessoas se utilizam ao se virarem no mundo social aqui e ali. Na parte final, exem- plifica tal compreensdo com a anélise de usos transidiomaticos em que © que chamamos de portugués 6 usado como recurso comunicative em mensagens eletrdnicas, no rap e na propaganda na periferia do Rio de Janeiro, focalizando indexicalizages e performances identitarias, No capitulo 4, Pinto discute como a faldcia da prefiguracdo identitaria do falante (além daquelas relativas a telementalidade, ie, aideia de que usar a linguagem é transferir pensamento de uma pessoa para outra, ¢ a determinalidade, ie., a nogio de que hé um conjunto fixo de correla- 38 LUIZ PAULO DA MOITA LOPES. gées entre ideias e palavras que permite tal transferéncia, assim como 4 do mito da lingua[gem]} esta por tras de muito da pesquisa realizada no campo da linguistica em geral e, particularmente, da pesquisa sobre © portugués no Brasil, inventando lingua(gem] como objeto de estudo. Para a autora, tal pesquisa se apoia no pressuposto da homogeneidade variavel das praticas linguisticas e no pressuposto das camadas da po- pulacdo, bascado em critérios sociais e geograficos, tornando naturais a norma culta e a popular. Tal visdo possibilita imaginar a lingua por- tuguesa como relativamente homogénea, constituida por sobreposigées de variedades linguisticas, na tentativa de ir ao encontro do idedrio do estado-nagao e da regiao-variedade. O ponto central do capitulo é que para estudar a lingua portuguesa é preciso inventé-la, primeiramente, performativamente, definindo 0 que ouvimos, escrevemos, descrevemos ele. como portugués, e produzindo efeitos discursivos que construam tal lingua (ver Moita Lopes, neste volume}. Pinto argumenta que tal invenc&o é um produto do positivismo, de projetos politico-linguisticos coloniais, do cristianismo etc., que opera- ram na construcdo das linguas na Africa e na América indigena [ver Moita Lopes, neste volume} e em suas consequentes homogeneizagies, ressaltando 0 papel da dicionarizagao das linguas e o da construgao de suas gramaticas nessa invengdo. Nos estudos do portugués do Brasil, especialmente naqueles originérios do Projeto NURC, tal processo se configura na pressuposicao de que a chamada norma culta naturalmente espelha os diciondrios e a gramitica, ao contrario do falar popular, en- quanto 0 monolinguismo nacional é inventado e a valoragao da norma culta é levada a feito. A autora identifica certo desapontamento quando 0s estudiosos se dao conta de que os chamados falantes cullos se utilizam de escolhas lexicais, de estruturas sintdticas etc. que nfo deveriam se encontrar em sua linguagem, A questdo que nfo se compreende se a fala culta é culta porque falada por falantes cultos, ou se os falantes sao cultos porque falam tal variedade. Ou seja, ha diferenga entre descrigéo © prescricéo aqui? Esse questionamento é crucial, porque desestabiliza a grande oposigao entre 0 cientificismo da tradicao de estudos linguisticos (descritivista) eo trabalho da gramatica normativa (prescritivista). Descrigdo ¢ prescrigéo sao a mesma atividade: a normatizagao ou o controle da lingua (a pro- cura da homogeneizagao da lingua que se vai analisar|, Nessa tradigéo, as misturas e as hibridizages (ver Moita Lopes assim como Fabricio e

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